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VÁRIAS LEITURAS, DIVERSOS OLHARES: POSSIBILIDADES EXPRESSIVAS A
PARTIR DE IMAGENS PRODUZIDAS POR ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
Huda da Silva Santiago, UFBA-BA
Edivan Carneiro de Almeida, UEFS-BA
Introdução
Discutir acerca das significações, sensações e subjetividades possibilitadas/provocadas
pelas imagens fotográficas, a partir do olhar deslocado do artista/fotógrafo/estudante sobre o
meio em que vive. É esse desejo que provoca este estudo1, na tentativa de evidenciar as
aproximações entre arte, expressão e educação através das experimentações visuais
produzidas por estudantes do Ensino Médio de uma escola pública, no município de Ichu, no
sertão baiano. Ficções, realidades, cotidianos e lugares misturam-se, hibridizam-se em
fotografias que ativam múltiplos sentidos na busca do irrepresentável/irrepreensível, imagens
que não pretendem capturar/significar o real, mas sim provocar/expressar outras sensações,
desencadeando-revelando pontos de vista inesperados, criando efeitos e sentidos diversos,
produzindo visibilidades que resistem e escapam às convenções e aos clichês que marcam-
delimitam nosso olhar nos/sobre os cotidianos vividos, transgredindo o mero registro. Um
movimento que pretende acompanhar outros artistas cujas obras foram apreciadas por esses
mesmos estudantes. Fotografias produzidas por Sebastião Salgado, no ensaio Gênesis, por
exemplo, sobre paisagens e comunidades pouco impactadas pela sociedade de consumo,
causaram forte impacto, pela temática e perspectiva diferenciada, assim como as de Valéria
Simões, com o ensaio Lugar de ausência, que surpreende pelas imagens inusitadas, entre a
simplicidade e a originalidade.
Nossas reflexões têm por base as ideias de Wunder e Dias (2010), autoras que
discutem a produção de artistas contemporâneos (como as de Trope, Rennó e Órion) cujas
imagens reorganizam a visualidade, com composições que deixam escapar o caráter de
evidência da fotografia. Também serve de inspiração o trabalho de Oliveira Junior (2013), ao
apresentar as rasuras dos sentidos e dos lugares a partir de vídeos produzidos por estudantes,
nas fronteiras entre educação, imagens e geografia. Nesse sentido, para este texto,
escolhemos, dentre treze conjuntos de fotografias, dois ensaios: O lixo e Lixos ao ar,
1 Este trabalho situa-se na pesquisa “Cidades (des)enquadradas em imagens: experimentações (atra)versando o
conceito de signo” (Edital 043/2013 Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, processo n. 409115/2013-
4). Agradecemos à professora doutora Elenise Andrade, pelo incentivo, sugestões e leitura deste texto.
produzidos por estudantes do 1º ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual Aristides Cedraz
de Oliveira, apostando na potência da arte-criação-experimentação (ALMEIDA, 2014)
enquanto possibilidade de expressão que escapa à explicação e à representação, modificando
as relações dos estudantes com a construção do conhecimento.
O processo de criação
Na primeira etapa do trabalho, desenvolvido na disciplina Artes, em 2014, os
estudantes conheceram a proposta da atividade a ser realizada e teceram leituras em torno de
ensaios imagéticos variados2. Depois, convidados/desafiados a fotografar “O meio ambiente
onde vivo”, aproveitando o momento em que a escola desenvolvia o Projeto Meio Ambiente:
saber cuidar, com a discussão da questão do lixo no município, os estudantes exploraram os
espaços do seu cotidiano em busca de imagens, organizados em pequenos grupos ou duplas.
No geral, foram produzidos treze ensaios, cada um com uma média de oito fotografias, dos
quais escolhemos dois para abordar aqui. A escolha das produções considerou como critério o
fato de serem as que mais impactaram o grupo e também pela inquietação/questionamentos
que provocam os sentidos, permitindo-nos pensar,
[...] com as imagens, formas de tensionar, deslocar, subverter o caráter evidencial e
representacional das fotografias, no sentido de uma imagem que aconteça em sua
própria superfície, produzindo signos que indicam outras possibilidades de
comunicação e educação, outras políticas e poéticas visuais. (WUNDER; DIAS,
2010, p. 158).
Nessa resistência aos sentidos pré-estabelecidos, pré-existentes, são múltiplos os
olhares, tanto da perspectiva da autoria como da recepção. Então, buscando desviar da
compreensão da linguagem enquanto comunicação, como comentam Dias, Andrade e
Amorim (2012, p.16), partilhamos “modos de entender as linguagens menos como meios de
comunicação de fatos e conhecimentos, a serem desvelados ou interpretados, e mais como
formas de pulverização de sentidos e de abertura de lacunas para desentendimentos,
desconcertos.” A autoria, a criatividade e a invenção (CERTEAU, 2013), o
compartilhamento, o uso potente e diverso das tecnologias digitais, também são alguns
elementos possíveis de serem percebidos nessa relação entre arte e educação.
2 Algumas das fotografias apreciadas, de Sebastião Salgado, estão disponíveis na matéria Origens do Mundo, da
Revista Bravo, Editora Abril, n. 188, p. 12-23, abril de 2013. Já as de Valéria Simões estão reunidas no catálogo
da exposição Lugar de Ausência, realizada em 2009, no Museu de Arte Moderna da Bahia.
Ao fotografarem fragmentos do ambiente em que vivem, um pequeno município no
interior da Bahia, como proposta de uma atividade escolar, os estudantes não capturam
imagens que lembram problemas ambientais, seca, tristeza, dor, pobreza... ainda que esses
elementos estejam presentes nos espaços onde ocorreu a captura das imagens. Os olhares dos
artistas-estudantes e os enquadramentos diferenciados produziram fotografias que provocam
outras significações, outras perspectivas e modos de ver-pensar-criar o real, os cotidianos
vividos, outras subjetividades... carregadas de uma atmosfera identitária. Olhares-
(des)enquadramentos-posturas que fazem lembrar o comentário de Wunder e Dias (2010, p.
158) acerca dos fotógrafos contemporâneos, quando afirmam que se a fotografia é uma
questão de vida e morte, “esses artistas parecem querer criar uma vitória da vida sobre a
morte. Uma vida que passa pela morte e dela extrai a potência máxima. Abrem feridas, criam
fissuras na pele dos sentidos, incisões no interior da marca, vazão de líquidos sentidos.”
Questões que parecem perpassar as tentativas de escape pelas/nas imagens produzidas pelos
estudantes.
O ensaio O lixo
O conjunto de imagens que compõe esse ensaio foi produzido no lixão da cidade de
Ichu, um espaço localizado nas proximidades da zona urbana. São fotografias que
surpreendem pela capacidade de manipulação do efeito negativo que paira sobre esse espaço,
pela realização de (des)enquadramentos que fissuram/rasuram as saturadas imagens-clichês a
nós impostos pelas grandes mídias, sobre esse lugar.
Explorando pontos de vista inusitados, os artistas/estudantes Demétrio Ferreira,
Emerson do Nascimento, Matheus Amorim, Alan Carneiro e Taylon de Jesus apresentam
cores, objetos e cenas que potencializam a invenção de outro lugar, questionam a realidade e
os problemas ambientais de modo singular, subvertem a imagem do lixo enquanto problema,
deslocam nossos sentidos de tal modo que somente (ou nem mesmo) o título nos alerta sobre
o lugar de que se trata, de um tema que tem sido considerado um dos maiores dilemas
humanos da contemporaneidade.
Sobre essas questões dialogamos ainda com Certeau (2012) a respeito da
produção/invenção realizada pelos “consumidores” frente/resistente a uma cultura
“espetacularizada”, produzida-disseminada por grandes centros de poderes (econômicos,
políticos, culturais etc., inclusive os midiáticos), que buscam in-formar nosso modo de ver-
pensar-agir o/no mundo. Produção de estudantes-artistas que “sem sair do lugar onde tem que
viver e que lhe impõe uma lei, [...] instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de
indeterminação ele tira daí efeitos imprevistos”. (CERTEAU, 2012, p. 87).
Imagem 1: Ensaio O lixo
As sensações provocadas pelas imagens desse espaço subvertem as imagens
produzidas-disseminadas socialmente, proliferando em outras perspectivas, de modo a
fazerem esses lugares entrarem em deriva de si mesmos, “promovendo rasuras e estiramentos
nos sentidos já dados e também novas dobras de sentido e sem sentido desses lugares [...]”
(OLIVEIRA JUNIOR, 2013, p. 197). O que poderia ser representação da realidade, passa à
expressão/apresentação do diferente, a criação de outro mundo-imagem, pondo em discussão
a noção do belo, inclusive. Há beleza nas fotografias cujo tema é o lixo? Essa temática lembra
a fotografia de denúncia, as tradicionais fotografias documentais, no entanto, não fosse o seu
título, algumas imagens desse ensaio iriam corresponder às clássicas fotografias de natureza,
paisagens compostas pelo pôr do sol, flores, árvores etc. Mas, na Imagem 1, por exemplo, são
as cascas de coco jogadas no lixão que compõem o cenário, recortadas por um veludo (planta
ornamental) que irrompe em vida, produzindo o (des)enquadramento de um lugar considerado
inóspito. Wunder e Dias (2010, p. 171), ao comentarem sobre os aspectos das produções
fotográficas contemporâneas, afirmam que “no deslocamento de uma relação direta entre o
visto e o fotografado, a imagem fotográfica atua não somente como uma maneira de
comunicar um certo olhar sobre um determinado tema, mas uma forma de pensar esse tema
imerso na singularidade da linguagem visual.”
Imagem 2: Ensaio O lixo
Vale ressaltar que as imagens foram produzidas sem nenhum tipo de intervenção no
espaço, a manipulação ocorreu apenas através de alguns efeitos ou edições digitais,
preponderando, contudo, o olhar deslocado dos estudantes-artistas, os (des)enquadramentos
produzidos sobre uma realidade que não se pretende representar, mas distorcer, transformar,
produzir uma diferença, uma singularidade, outra realidade...
Com o fantasma moderno da morte rondando a fotografia – ela mesma tida como
um fantasma, um espectro e, ao mesmo tempo, acusada de um excesso de vida – a
noção de manipulação confunde fotografias analógicas (fiéis) e digitais (traidoras):
afinal a manipulação sempre aconteceria, em quaisquer delas, o desafio parece
passar pela afirmação de outras possibilidades de fotografar, de ser fotografia,
abertura ao devir. (WUNDER; DIAS, 2010, p. 169)
Como comentam Wunder e Dias (2010), sobre a obra de Rennó, no ensaio O lixo os
artistas/estudantes intervêm diretamente nas fotografias, não como manipulações que
acrescentam ou retiram coisas, pessoas, por conveniência, mas que introduzem sensações,
principalmente, a partir das cores inseridas, do jogo de luz e sombra criado.
Capturando fragmentos do lixão, com olhar deslocado, os estudantes-artistas
compõem um mundo inexistente em nossa visão acostumada com uma imagem-noção de
lugar de destruição, sujeira, doenças, odores intoleráveis... Sacos de lixo, garrafas, pedaços de
móveis e madeiras amontoados por algum catador ganham e-vidência sobre a paisagem
natural formada pela vegetação, que teima em permanecer ou em brotar no lugar, e pelo céu
que se apresenta como uma pele cuja luz, subvertida por meio da edição, transforma o espaço
fotografado noutro que surpreende nossa retina cansada das imagens degradantes que
consumimos quase que diariamente de lugares como este.
Imagem 3: Ensaio O lixo
Olhando para as fotografias outras sensações são provocadas em nós que não aquelas
que estamos acostumados a sentir ao nos depararmos com imagens de lixões, outros
pensamentos povoam e recompõem nosso imaginário, não nos remetendo ao
reconhecimento/recognição desse lugar com a carga de problemas que geralmente nos é
apresentada.
Assim, as fotografias que compõem o ensaio O lixo constituem uma experimentação
potente de criação de lugares pela/na própria imagem, instauram devires, inventam mundos
diferentes dos costumeiros, desvinculam-se da função de representar-comunicar, que marcam
a ideia de fotografia arquivo-documento-registro do espaço-tempo. Fazem “proliferar a vida e
o pensamento em meio à demolição das estruturas, afirmando a abertura, a indeterminação, a
impossibilidade de totalizações e substancializações” (WUNDER; DIAS, 2010, p. 159).
Imagem 4: Ensaio O lixo
Do lixão ao lixo nas ruas, o olhar dos estudantes-artistas produzem fotografias que
provocam nosso pensamento deslocando-o do modo hegemônico com o qual estamos
acostumados a ver o tema (re)tratado.
O ensaio Lixos ao ar
Trazer à superfície elementos que, cotidianamente, estão invisíveis ao lugar urbano,
pode ser um sentimento motivador do trabalho realizado pelos estudantes Antonio Matheus e
Laerte de Lima. Os estudantes-artistas capturam/compõem cenas que, muitas vezes, passam
despercebidas ao olhar comum/corriqueiro, que deveriam, inclusive, incomodar, quando
visibilizadas, pela sua presença negativa ao ambiente: é o pneu entre as folhagens, o leite
escorrendo na calçada, o lixo que ninguém vê dentro do esgoto, o alimento jogado na rua.
Diferente do que se poderia imaginar, ao se deparar com o título do ensaio, as
fotografias produzidas não trazem grandes amontoados de lixo, mas sim aquela “sujeira” que
geralmente não é percebida, ou porque já estamos acostumados com sua presença na cidade
ou porque é algo que não se considera lixo, como o leite derramado, na Imagem 5. No
entanto, surpreende-nos a perspectiva diferenciada dos artistas, que torna a recepção das
fotografias como algo agradável, minimizando/rasurando o teor de negatividade que as
imagens do lixo na cidade costumam/poderiam suscitar.
Imagem 5: Lixos ao ar
Os estudantes-artistas produzem uma espécie de “realidade-ficcionada” (WUNDER;
DIAS, 2010), na medida em que são imagens de um mundo real, mas que ao mesmo tempo
(dis)traem a nossa visão, deslocando-a do ponto de vista convencional, formulado, através das
mídias tradicionais, pela repetição cotidiana de imagens-clichês que buscam/tentam nos impor
uma perspectiva do real como a realidade existente, inquestionável.
Assim, destacamos a relação entre imagens, ficção, produção de sentidos e realidade,
trazendo para a discussão o que Rancière (2005, p.54) nos coloca sobre “a indefinição das
fronteiras entre a razão dos fatos e a razão das ficções e o novo modo de racionalidade da
ciência histórica”. A ficção, que surge a partir da literatura (especialmente a partir do
romantismo) e se intensifica no cinema através da hibridização dos recursos imagéticos e
sonoros, não pode ser entendida como falsificação do real, mas como “uma nova maneira de
contar histórias, que é, antes de mais nada, uma maneira de dar sentido ao universo 'empírico'
das ações obscuras e dos objetos banais” (RANCIÈRE, 2005, p.55).
Imagem 6: Lixos ao ar
A fotografia de uma das cinco entradas da cidade (a menos movimentada) traz para a
cena da cidade um cacto, a malva (o mato é considerado sintoma de sujeira, falta de cuidado e
abandono na área urbana), o pneu-lixo (tão decantado nas grandes mídias como o lixo que não
se decompõe, que acumula animais peçonhentos, inclusive sempre visto como um perigoso
criadouro do mosquito Aedes aegypti) e a estrada de terra (falta de calçamento ou asfalto) são
destacados na paisagem urbana de uma maneira que não evocam os problemas que
geralmente carregam as imagens-clichês que buscam representar-comunicar o real como uma
única possibilidade/verdade, como denúncia da falta de compromisso/atuação dos
gestores/poderes públicos no cuidado com a cidade.
Pensar as imagens como ficção de um real, como uma possibilidade de refletir sobre
ele, compreendendo que “[…] a revolução estética transforma radicalmente as coisas: o
testemunho e a ficção pertencem a um mesmo regime de sentido” (RANCIÈRE 2005, p. 57),
nos possibilita considerar que as fotografias do ensaio em questão fissuram a preocupação
com a representação da realidade, com o sentido de verdade das imagens enquanto cópias de
um mundo visto/registrado, crendo que o real precisa ser ficcionado para ser pensado, que
escrever a história e escrever histórias pertencem a um mesmo regime de verdade e que “a
política e a arte, tanto quanto os saberes, constroem 'ficções', isto é, arranjos materiais dos
signos e das imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz, entre o que se faz e o que
se pode fazer” (RANCIÈRE, 2005, p.59).
Imagem 7: Lixos ao ar
Percebemos, também, como os artistas/estudantes brincam com a ideia de primeiro e
segundo plano na fotografia do pão jogado na rua (Imagem 8), ainda que não tenham pensado
nisso no momento da produção da imagem, pois, segundo os estudantes, foi fruto do acaso, de
uma ideia que lhes ocorreu naquele instante de fotografar colocando a câmera no chão. A cor
amarela do pão em consonância com a faixa amarela do Barracão ao fundo, um prédio
histórico, com localização central, onde acontecem muitos dos eventos da cidade. Mas na
imagem, ele aparece em segundo plano, em primeiro plano está o pão, ou melhor, o lixo, e o
calçamento irregular da rua. A rua, um tanto estreita, na imagem, direciona o olhar para o que
está ao fundo...
Imagem 8: Lixos ao ar
Contudo, em conversa com os estudantes, percebemos que essa perspectiva não foi
pensada, a priori, nem tampouco no momento em que fizeram a fotografia, de maneira que
somente quando foram impactados pela imagem, ao visualizá-la no computador, é que a
consideraram interessante e decidiram escolhê-la para compor o ensaio fotográfico. A
imprevisibilidade dos efeitos que a imagem provoca em quem a observa coloca vida onde
comumente não há, o lixo, e soterra para invisibilidade-morte, para as profundezas da
imagem, algo que é considerado símbolo/monumento histórico da cidade, uma subversão aos
clichês da imagem-documento, arquivo do tempo-história dos lugares, dos acontecimentos.
Diante das questões aqui discutidas, salientamos ainda que a criação dos ensaios
fotográficos por estudantes de escola pública com tal performance (CERTEAU, 2012) produz
em nós uma imagem da educação pública que também fissura as inumeráveis imagens
replicadas em nosso imaginário, pelas grandes mídias, sobre esse espaço de formação e
convivência social. Desperta-reforça em nós a crença na possibilidade de pensarmos-
realizarmos práticas, experimentações e produções nos cotidianos de escolas públicas de
Ensino Médio, como um constante deslocar-se,
[...] um movimento descontínuo, fragmentado, deslocado de uma necessidade de
verificação e confirmação de origem, linearidade e/ou ciclo representacional para os
momentos de produção de conhecimentos e proliferação de pensamento.
(ANDRADE, 2012, p. 91).
Nesse sentido, colocamos em discussão a necessidade pensarmos a relação do
currículo com a vida dos jovens do Ensino Médio, não o reduzindo a um caráter
utilitarista/mercadológico, mas apostando na possibilidade da escola pública ser um espaço
produção de saberes-conhecimentos que favoreça o desenvolvimento multissensorial do
ser/corpo/sujeito, a fruição artística, a experimentação estética e criadora, intensificando a
relação currículo-arte como potência para a produção de outras sensibilidades e expressões.
Recriar/reinventar o currículo por outros modos de fruição artística implica fazer
dançar o corpo/conhecimento historicamente enrijecido, por meio de movimentos
descontínuos e desordenados, acrobacias e piruetas que desconhecem os limites do
que pode o corpo/pensamento e por isso são capazes de romper com a gravidade
disciplinar que comanda a marcha (fúnebre) dos saberes instituídos e amortizados,
liberando corpos e mentes para a arte do jogo e leveza da dança como caminhos da
criação artística em educação. (COSTA, 2013, p. 148)
Assim, ressaltamos que essas experiências/experimentações vividas/descritas com a
criação de imagens fotográficas nos remetem a uma produção de expressão de pensamentos
que reflete uma crença no futuro como devir, na potência da arte-criação de outros mundos,
nas e pelas fotografias, realizada por estudantes-artistas nos cotidianos da escola pública.
Considerações finais
Nas composições dos estudantes, percebemos outras possibilidades de leitura e
expressão, são ensaios fotográficos em que foram inventadas novas maneiras de produzir
visibilidades e sensações, ficcionando realidades, subvertendo a ideia de beleza e a
importância atribuída aos lugares, (des)enquadrando a cidade imagens que causam
desconcerto/distorções às/nas percepções comuns.
Os ensaios estão sendo motivo de invenção de novas formas de explorar os cotidianos
escolares, com a realização de oficinas, em uma etapa da pesquisa “Cidades (des)enquadradas
em imagens: experimentações (atra)versando o conceito de signo”, em que desenvolveremos
outras experimentações e intervenções, a partir das imagens já produzidas, no sentido de
realizar novas produções visando ampliar as possibilidades de interrogar a política da
representação, sair do registro e entrar no mundo das sensações, pensando outras imagens
e/ou vídeos a partir do que já está produzido.
Referências
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