utopia e barbárie - artigos

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nos 18 a r u te as o d s vi ossa n s de ria Hist

ta ra nalis crito s, jor lista e es alda aro C ss, jorna aturgo lv dram a Ha e Amir Haddad, easta rab Amir Gitai, cin aj, aluno mos bu Aln easta A go cin nA Ahla Herich, dramatur ora s Andr sto Boal, y, profes lista a a Augu l Ben Ish ski, jorn ita o Kucin asta Av ine ard Bern Muel, c cineasta a o , Brun Diegues jornalist , Cac s Chagas cineasta ista lista lo d, an , econom r e jorna Car o s Arc ff Deny Rousse no, escrit nalista r a a Dilm do Gale a, fotojo r ir Edua ro Teixe rnalista sta d a jo Evan Zeran, as, cine ride o Solan eta Fa ita nd llar, po asta a tnam e Fern ira Gu o vie sta i, cin rcit Ferre esco Ros s, jornali ta do ex c Fran lin Martin strategis e k Fran ral Giap, , filsofo ta Gene i Vattimo o, cineas nn tecorv sta Gia Pon cinea anos Gillo Arvalo, bilogo dor s hum , o Hug quierdo r, historia s direito sta an Iz orende ivista do e jornali ritor Iv er sc at heat bG or Jaco rischke, x, escrit essor e e eedom T u r f K Jair Chesnea on, pro etor do F lm Jean Marc Sa amis, dir h icos Jean o Mer K telogo or polt n scrit , Julia rdo Boff r, filsofo lista e e arecidos na Konde na desap jor Leo ro de ciel, d Lean arlos Ma an, filha C Luiz rena Gelm a Mac

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asta , cine loga idan e Lor ito, soci atriz elin r Marc Carmo B easta e nos do a, cin huma Maria ne Fran direitos rnalista Marle ista dos tayana, jo causto iv n a at Holo or ada, Mauro S ente do e escrit a ta st in Alm viv obre lix, poe ar, cinea os Mart an, s cyr F an lat tivelm Moa hamed A nte seis ash ael S Mo iro dura ibutz Ga jo Mich ione res do k de Arau a t o , pris aban s fundad os Maria r, jornalis ta h eer S um do ret e J es J jornalis r Mun ndel, , nand o Bar a dad ttoni Fer ia Bravo r e escrit r mM ole O Nahu filha de S Patrc professo r, escrito a , erer, o Retam uruguaio arret B Sch bert ta ta andy Ren Ro , jornalis , jornalis a Nais t s ueira igue nalis Rodr ose Nog lixen, jor easta r R Roge lB , cin amue Santeiro entarista S m io ta Srg Pei, docu , jornalis a Shin o Ozawa , escritor e Shizu n Sontag raelens Susa acifista is tnamita ie der p inistro v archand m ery, l m s i Avn primeiro- Phuong, os rabe doUr r Xuan ra de liv Al-Aqsa voga an, vice d to ires de eatral no, a Vu Kho a du r, tra e mrt e ator t o Am Lere Taka d Yael brigada or, autor r da ez, diret e i, ld artin id oM Zube aria Z Cels Zach

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Jogos de arMar rodrigo Fonseca l Meu desaFio captar o rea entrevista com silvio tendler o utopia , BarBrie e talent Moacyr scliar dBcle das utopias salim Miguel para alM do eFMero nilton Bonder o que pas sou, pas sou? carla siqueira aFrescos da esperana srgio Muniz recordaes repriMidas carlos alberto Barreto FilMes so Feitos no plural diretor, produtora e equipe BrBaras utopias arnaldo Bloch conFesso que vi e ouvi Fernando Belens silvio tendler, o FilMe arnaldo carrilho cronista dos hoMens e da claudio M. valentinetti FilMograFia silvio tendler BiBliograFia crditos histria

anos 60 vietn isrAel | dos KiButz -iMperialista (anos 60/70) vietn | luta anti o gagarin e laiKa mosCou | cineMa, graFisM CubA | anosn60 de inglAterrA | passeio na cida de 1974 o dos cravos 25 de aBril portugAl | revolu / lutas polticas, grupo slon FrAnA | cineMa anos 60, ivens, couscous isKra, chris MarKer e Joris elona, tapas e catedral espAnhA | crdoBa e Barc quita dentro da Mes 0 itliA | cineMa anos 50/60/70/8 caFs, livrarias, Museus, ArgentinA | Buenos aires, lita Baltar, cineMa, tango, piazzolla, aMe pos de cineKMa tercero susana rinaldi e gru Mundistas) uruguAi | liBer seregni, viglietti, tupaMaros, general te aMplio sanduche de chivito e Fren Chile | de allende e Merguez

, central parK , sanduche estAdos unidos | nova YorK uais de pastraMi,cineMa e intelect independentes

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Rodrigo Fonseca*

, 1972 Foto: silvio tendler, CHile

ores mais tais no Brasil, com seus sonhad xismo, leninismo, governamen capitalismo, imperialismo, mar vemos neruda, sartre, apaixonados e apaixonantes. consumismo e quantos ismos stalinismo, liberalismo, Minh, glauber. todos juntos. toa vio- che, Mao, Fidel, ho-chim entre os extremos que separam tempos duros mais coubere a ciranda. um caleidoscpio de objetos para o cinema dos num lncia do sonho democrtico so ntimas, locais ou globais de s que, luz das recordaes stantivos de ordem nas filosofia o de silvio tendler. sub o caminho para recontextualizar icamen- tendler, pavimentam faram subjetiva, poltica e econom demomam de que cartogra de fraternidade que alguns cha de extremos dita por desejo o sculo XX, tornando-o a era tendler, pode se te e outros de... esperana. para sbawn, os ismos de cracia e de uma historiadores como eric J. hob desejo de... cinema. tudo part ria de reflexo chamar esse har. transformam-se agora em mat e son ontem vontade: fazer o pblico pensar. rios 20 anos cravados mesma cinematogrfica. Foram necess carioca responsvel no calendrio para que o cineasta eteria do documentrio pelos maiores sucessos de bilh mgico dos trapalhes nacional anos JK, o mundo rias que injetam vida Jan e go costurasse as mem tem de a no Festival de cinema (...) Na revoluo tudo em utopia e barbrie. aclamad a retratos da revolupara de Montreal 2009, a produo junt ser feito pelo povo. Tudo Mundial, dos expurgos o russa, da segunda guerra m o povo teremos a conflitos de emanci- o povo. S co de stalin, da cortina de Ferro, dos amricas, dos levantes vitria General Giap pao colonial na frica e nas er e das idas e vindas comportamentais do Flower pow4

segurana? que anidade em termos de poltica de iguaria para paladares hum Minestrone, a sopa, uma xismo deixou ao pensamento ce- sequelas filosficas o mar , a sopa, junta aipo, alho-por, de sensveis. Minestrone potismos brotaram das ideologias nacos de ocidental? que des da, nabo, por vezes abobrinha, nourinha rala ldade social? estrone, a sopa, esquen- igua carne e cubinhos de bacon. Min em uma obra que essas so perguntas recorrentes osabores e cores variados. Minestr rar. ta e faz crescer com tismo para deixar a poesia aflo eceu numa se mascara de dida , foi o prato que silvio tendler ofer a partir ne, fervente tica que parte do resgate do real s, em 2004, a um com uma gram oln road plastificada a pop, l atr linc reconstituies, tendler se de de reminiscncias e no de ma que viajava por um Festival gijovem crtico de cine duos que a histria deixou no ima carteira e interessa pelos res s que sileiro de Miami com tostes na duo cinema Bra tempo. seu tempo. so esses res one, em borbulhas, nrio de um ta curiosidade na cabea. Minestr estetiza, estiliza. mui povo politiza, economiza, filosofa, o, abriu o apetite de um cada para mata a fome, mas, naquele cas rao permite a criao de veios esttico que por vezes essa ope ce ter em incio de carreira pelo tronco pare resenhista de processos tcnicos. assim galho a galho, fo- a reinveno . Mas at que o cinema e a histria conviverem faz revoluo digital da gerao www semente do que viria a sido a elha a folha. aquele tronco era a no se alienou entre avatares e fotogramas ponto essa gerao e barbrie... um minestrone com , afirmar dler ser utopia a blogocracia? no cinema de ten a de Mao, do vietn mails num dos da rssia de lenin, da chin imortalizar dvifatia alizar respostas, imprimir e nde e de neruda, da no can ira. e o de ho-chi-Minh, do chile de alle ir delas que o pensamento resp ensopado a das. pois a part Fidel, do Brasil de lula. tudo isso vapor de ira o cuba de ento em utopia e barbrie resp s que teve com Jean pensam nto aquele l na um caldo grosso egresso das aula estrone afetivo. to afetivo qua tres do velho Mundo. um min irouch, chris Marker e outros mes a um crtico recm-sado dos cue sa e 800 e lincoln road que deu ganhou massa em anos JK. Mas bvio. caldo que ar com o que ros a obrigao de no se conform tantos mil espectadores. no tem lugar na filmografia de a me- e obviedade algo que culinria deixa a lngua a salivar, se a metfora . salve, silvio. rizado entre a runa do tendler *crtico de cinema tfora tica de um mundo pola rie) e a ambio por noprocesso civilizatrio (a barb (a utopia) agua o invas conexes polticas e ticas AnistiA utor de um cinema de Ho-CHi-MinH conformismo. tendler diretor-a ita elegante, que reje resistncia. Mas uma resistncia documentrio parlatrio a loquacidade exacerbada do nos jogos de armar com ps-retomada para deleitar-se partir de imagens de arque a montagem pode brincar a suficientemente diverquivo. Mas nenhuma brincadeira suas regras. e a regra tida quando no se conhece bem viveu, buscar detalhes de tendler, ao expor o que j se rar humanidades oculque passaram despercebidos, flag s no explorados. com tas pela mtica, revelar percurso se passou entre 1900 e o conhecimento pleno do que para caar os instantes 2010, tendler usa seu novo filme lismo histrico, a barem que, num exerccio de materia ia. e vice-versa. o objeto brie foi a pr-condio da utop o de acomodao da dessa caa compreender o cicl o de 2001, para alm de histria: o que o 11 de setembr atentados areos, legou sua dimenso trgica, com seus5

BernArdo KUCinsKi CArlos CHAGAs JACoB Gorender AMos GitAi FrAnKlin MArtins FerreirA GUllAr AlBerto diwes nAisAndy BArrett

Entrevista com Silvio Tendler

utopia para mim hoje sinnim

o de felicidade

s hissilvio tendler explica as queste na entrevista a seguir, o diretor Fruto de estticas de utopia e barbrie. tricas que guiaram as escolhas e livre sonho de um mundo democrtico duas dcadas de dedicao ao cineasta. dedicado a ernesto, neto do da opresso, o longa-metragem as que versa as esperanas e desesperan tendler analisa ao longo da con ) convidigital, cujo progresso (via internet ernesto pode encontrar nesta era uizofrnica da realidade. da a uma alienao por vezes esq timento conceito de utopia como um sen historicamente, quando surge o conceito ideais ticos? de que forma esse de resistncia e sobrevivncia de logias da sua gerao? inicial foi transformado pelas ideo se esque, ao perceber o tumulto que a ideia vem de thomas Morus, paraso, a um paraso imaginrio. nesse palhava por londres, inventou prprias a do estado, seguindo regras sociedade funcionaria sem a for 0... 1516, dos. isso vem l pelos anos 150 de relacionamento entre os cida grandes do ao ciclo das navegaes e das para ser preciso, e est associa socialismo vem saint simon e conceitua o descobertas martimas. depois o bem o socialismo dito cientfico para utpico antes de Marx conceituar comunise engels gestaram o Manifesto e para o mal. para o bem, Marx volta a e meia, a cada crise econmica, ta, obra de grande valor que, volt contra os des massacres promovidos, ora atualidade. para o mal, os gran o foram os paris, ora pelos socialistas, com socialistas, caso da comuna de amos res de camponeses na urs s. Fa expurgos stalinistas, com massac queda do e dos anos 1980 acompanhada agora um corte no tempo: a cris imenfim do estado. todos esses acontec Muro de Berlim, a aids, a ideia de e, minha a sonhar com um mundo ideal. hoj tos fizeram as pessoas voltarem felicidade, meu projeto de vida. utopia virou sinnimo de minha pletou ao seu neto, ernesto, que com voc dedica utopia e barbrie a j hoje utpicas e brbaras, ele encontr 1 ano em 2009. Que realidades, sua espreita? fiz os ia, pensamos em futuro. quando quando a gente pensa em utop utopia era Jan ratizao. quando fiz go, a anos JK, a utopia era redemoc pesado de ebemos da ditadura um fardo reconstruir a justia social. rec anos aps numa caminhada de mais de 20 contrastes na sociedade. hoje, ontro o ernesto vai encontrar o do enc a redemocratizao, o mundo que . com o eta com o cosumismo exarcebado da luta pela preservao do plan exauriais estar equilibrado. nunca se consumo excessivo, o planeta jam6

que o ernesto encontra agora e agora. o paradigma do mundo rsos da natureza quanto acontec ernesto ram tanto os recu cendncia? dedico o filme para o herana deixamos para nossa des ernesto e o filho do Bill gates. que esse. idade. para que ele seja a minha continu os documentados por voc? o neves, lderes polticos brasileir voc via em Jango, JK e tancred casa de pobre Que utopias s. JK via da porta da casa dele cionadas vida e intimidade dele so utopias intimamente rela ora. nsia que remonta mundo em sua nsia modernizad s. e ele sonha em expandir esse um mundo sem fronteira e as terras de seu pai eram inco go vem de um aristocracia rural, os ligada a uma cidadezinha. J Jan men a uma origem reforma agrria. e era o cara que a conscincia social, sonha com veis. Mas esse menino, que tinh -ministro do mensur tia de vargas, ele vai ser primeiro te entre os dois. Ministro da Jus precisava disso. tancredo a pon o um hbrido de dois sonhos, cuja tica de reformas sociais. tancred o palavras de ordem como a pol Jango, adotand cia ao Brasil. utopia final era devolver a democra o? gerao so bens renovveis? Com As utopias de esquerda de sua a mesma dos nada. a ideia de socialismo no nunca surgem do transformando em outra coisa. elas elas vo se sumismo, para so renovveis. abrir mo do con 2000. tornando-se outra coisa, elas anos 1920, 1950 ou dos anos -democrtico do partido. socialismo, mas sem o centralismo um projeto que vem de ideias do que preservar o planeta, do centralismo e da burocracia, foram as ideias do partido nico, partidos que nasceram da urs s os erros dos dura sobre o povo. em solo sovitico viraram uma dita do esprito de mosaico que s de utopia e barbrie a partir o processo de edio de imagen Como voc explica alimenta o filme? fazer um prximo. isso o que me d alento para gosto de ficar insatisfeito com ele. quando termino um filme, do mosaico. Mas h nele as que acabou surgindo a proposta terminei optando por tantos tem era um caleidoscpio. a vontade de interferir no mundo. ria mais preciosa da histria a questo da memria. Minha mem uma ncora: tar o real, no recriar o real. struir o futuro. Meu desafio cap olho para o passado querendo con eu icas do sculo XX? das barbries polticas e econm sumo, Qual foi o maior (e pior) legado cipal motor da sociedade de con mundo fraterno. o egosmo, prin solidariedade e do sonho de um tas. s ialis o fim da dois cones de meus sonhos soc veis, como a rssia e o chile, ou-se vitorioso em lugares inimagin colonialistas. torn res arraigados da resistncia aos capitalista mas ainda mantm valo cuba resiste. o vietn finge que pos de tecnologia digital? Como seria a barbrie nestes tem pensa ou fala, na sem prestar ateno ao que voc o editor plugado num mp3. editar voc editar um filme com do mundo real. oferecem aos que querem fugir viagem esquizofrnica que os mp3 uma nova utopia? podem servir de manjedoura para a internet e as novas tecnologias Como de mdia e das ideias informaes censuradas na gran papel a partir da circulao de ela pode assumir esse e nos refugiamos do mundo ser um paraso esquizofrnico, ond s libertrios. o que no deixa de camufladas nos site real, egosta e consumista voraz. tempos de barbries zou revolues ainda vive nestes , igualdade e liberdade que bali o sonho de fraternidade o mundo digitais? es dos movimentos sociais. Mas vel. ele forte apenas nas bas sonho cada dia menos encontr esse re. social, como um todo, est pod o milton santos, marighella, histria, da poltica e da Arte, com oga com grandes utopistas da ens A sua obra dial aliza os pensamentos desses hom que voc busca levar s telas can rocha . de que forma o cinema glauber sil? que marcaram a histria do bra o contra a mar, luto contra a um outro mundo possvel. rem exemplos, eu tento mostrar que a partir desses com pequenos gestos e filmes. a, pretendo me assemelhar a eles . vaidosamente, de uma certa form corrente

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acrescenta sua herana judaica, a sombria recordao do holocausto, a relao com o estado de israel e com o conflito do oriente Mdio. em suma, a obra de silvio uma verdadeira caixa de ressonncia do pas e do mundo. Mas ele no se contenta em fazer um relato de aconrS acy clia r*

Eu estranho um jovem de 22 anos que quer mudar o mundo, que generoso, no ser rebelde.Ottoni Fernandes Jr

tecimentos, embora isso desempenhe no seu trabalho um papel fundamental: acrescenta o depoimento pessoal e, sobretudo, a reflexo sobre o nosso mundo. essa reflexo comea j no ttulo. a ideia da utopia, do melhor dos mundos possveis, para usar a expresso de voltaire, inerente modernidade. Foi no comeo desta que a palavra ganhou fora e gerou obras como o clssico de thomas Morus (1478-1535). a utopia um mundo melhor, mais justo, um mundo de abundncia e sem sofrimento tambm estava na origem do iderio socialista. Mas a surge uma ciso. Marx falava com condescendncia do socialismo utpico, para ele uma alternativa ingnua ao verdadeiro socialismo, o socialismo cientfico. isso no impediu que revolucionrios fossem guiados por vises utpicas, que justificavam o sacrifcio pessoal e s vezes a violncia, contra os inimigos, reais ou supostos. se a utopia levou a excessos, o mesmo aconteceu com a reao aos movimentos sociais, e da a barbrie do ttulo. a represso no raro se traduziu na violncia, na tortura, na execuo sumria, como se viu no perodo das ditaduras latino-americanas e inclusive no Brasil (explicando, inclusive, a atual e amarga discusso sobre a questo da anistia). silvio mostra o naufrgio de utopias: como a revoluo russa de 1917 desembocou no stalinismo e depois na queda do Muro de Berlim; como a revoluo cultural da china deu origem a um regime inserido na economia de Mercado; e como a ideia do sionismo socialista, fundamental na criao do estado de israel, foi solapada pelo conflito israelense-palestino. o espectador assiste ao documentrio com a respirao suspensa, tal o dinamismo da narrativa. esta se compe de cenas alusivas aos acontecimentos marcantes do perodo, de vinhetas s quais no falta bom humor, de comentrios do autor, de entrevistas com personalidades de nosso mundo: o filme um verdadeiro quem quem. entre outros esto ali: os jornalistas Franklin Martins, carlos chagas, luis carlos Maciel, Mauro santayarosi, gillo pontecorvo, amos gitai, andr herich, cac diegues, denys arcand, Fernando solanas, Bruno Muel, hugo arvalo, sergio santeiro, Mohamed alatar, Marlene Frana, Marceline loridan, shin pei; os escritores eduardo galeano, susan sontag, roberto retamar, Jean Marc salmon, os poetas Ferreira gullar e Moacyr Felix, os filsofos giann vattimo e leandro Konder, os historiadores Jacob gorender e Jean chesneaux, o telogo leonardo Boff, o cientista ivan izquierdo, sem falar em figuras importantes, como o lendrio general vo nguyen giap, o estrategista que praticamente decidiu o rumo da guerra no vietn. vrias pessoas do testemunho sobre o conflito rabe-israelense, num exemplar exerccio de equilibrado debate, e por ltimo, mas no menos importantes, h evocaes do perodo de represso na amrica latina por parte de samuel Blixen, Bernardo Kucinski e de dilma roussef, que foi militante de esquerda e d um comovido depoimento sobre a poca. o documentrio , e isso fica claro desde o incio, uma viso pessoal, de algum que no teme assumir suas convices. e isso nos remete a uma questo interessante: o papel do documentrio no cinema brasileiro de hoje. podemos dizer que equivale em importncia ao cinema novo. alis, o princpio parecido: cmera na mo (mas cmeras agora tecnicamente muito melhores), ideias na cabea (ideias muito mudadas). para ficar com um nico e atual exemplo, lembremos cidado Boilesen, de chaim litewski, que partiu de um personagem hoje pouco lembrado para mostrar os sombrios bastidores da ditadura. o documentrio um gnero absolutamente transcendente num pas que frequentemente desconhece sua prpria histria, suas mltiplas realidades sociais e culturais, sua insero na realidade mundial. utopia e barbrie cumpre esse papel. Faz com que melhoremos como cidados e, sobretudo, que melhoremos como seres humanos.* escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

Mo

sUsAn sontAG JUliAno Mer KHAMis edUArdo GAleAno leAndro Konder AUGUsto BoAl MAUro sAntAyAnA

se pedssemos a um pintor para retratar a segunda metade do sculo vinte XX e o comeo do sculo XXi, ele faria um painel gigantesco, com centenas de figuras e de cenas emblemticas. J um historiador escreveria um abrangente tratado em vrios volumes. um compositor nos daria uma sinfonia em diversos movimentos. um poeta responderia ao pedido com um longo pico. silvio tendler cineasta. dele no se pode esperar um painel, ou um tratado, ou uma sinfonia, ou um poema pico. Mas, mestre da cmera, consegue na tela exatamente o que fariam o pintor, o historiador, o compositor, o poeta, como mostra o seu mais recente documentrio, utopia e barbrie. sua viso pessoal do que foram o

mundo e o Brasil neste perodo antolgica, para dizer o mnimo, e representa o clmax de uma carreira que j se anuciava em os anos JK e que ganhou fora com Jango e com a participao na direo de anos rebeldes, minissrie da globo (1992). para o presente documentrio colaboram, em primeiro lugar, o enorme talento e a experincia de silvio. depois, seu conhecimento, sua cultura, sua capacidade de trabalho: utopia e barbrie levou 19 anos para ser concludo. por ltimo, mas no menos importante, sua vivncia pessoal. nascido em 1950, silvio de uma gerao que viveu o sonho esquerdista em toda a sua intensidade e que, no Brasil, sofreu o terrvel impacto dos anos de chumbo. a isso se

No se pode confiar no imperialismo, nem um tantinho assim.(...) Porque a natureza do imperialismo o que bestializa os homens.Che Guevara8

na, evandro teixeira, lvaro caldas, patricia Bravo, roger rodrigues, ottoni Fernandes Jr., rose nogueira, shizuo ozawa, Faride zeran, os dramaturgos amir haddad, augusto Boal, z celso Martinez, os cineastas Francesco

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Aquela era uma utopiaSalim Miguel*

aceitvel. Era uma utopia de mundo, onde no se deve lutar a sangue para realizar uma ordem perfeita; mas somente se compara mais diretamente uns aos outros, mais atentos a vida cotidiana. Enfim, aquilo que ele chamava Eros, de outra maneira. Isso uma bela utopia.Gianni Vatttimo, filsofo

o sculo XX evidencia de maneira clara o choque entre a utopia, ou utopias, e o desenrolar da histria. os assombrosos avanos tcnico-cientficos em todas as reas servem tanto para o bem como para o mal. o impressionante filme de silvio tendler bem mais do que um documentrio muito bem realizado, uma reflexo sobre o sculo que findou e uma tentativa de descortinar e repensar o futuro, com os ps na realidade sem descartar a utopia. Mais do que respostas, prope indagaes. a montagem acronolgica provoca o espectador, desafiando-o a unir os fios dispersos. Fruto da mais importante revoluo do sculo, o estado socialista imaginado por lenin comea a se descaracterizar logo aps sua morte e ascenso de stalin. as revelaes do relatrio Kruschov vo ser to chocantes quanto os horrores dos campos nazistas ou as bombas sobre hiroshima e nagasaki num Japo j derrotado. silvio tendler, um dos mais importantes documentaristas brasileiros, pesquisou durante 20 anos em boa parte do mundo, levantando o material e colhendo depoimentos de atores histricos para montar e construir este desafiante longa de duas horas de durao, do qual o espectador sai abalado pela barbrie, mais esclarecido e com mais indagaes a exigirem respostas.

como dito a certa altura, o tempo humano no corresponde ao tempo histrico, levando isso em conta, utopia e barbrie deixa implcito que no podemos abandonar o sonho e a esperana, mas no foge contudo discusso do voluntarismo e da importncia da democracia. tendler no esquece o Brasil: as tmidas tentativas das reformas de base de Jango so logo sufocadas pelo primeiro de abril de 1964; como se isso no bastasse, em 13 de dezembro de 1968 o golpe dentro do golpe e l esto assinando e defendendo o ai-5 delfim neto e Jarbas passarinho. sero 20 anos de terror e trevas, cujo conhecimento completo at hoje negado ao povo brasileiro. a primeira dcada deste novo sculo no foi nada promissora, comea com a derrubada pelos terroristas das torres gmeas, smbolo do mais importante pas capitalista, que se considerava inexpugnvel, e termina com Barak obama ao receber o nobel da paz defendendo guerras ao mesmo tempo em que mandava mais 30 mil soldados para o afeganisto. utopia e barbrie, de silvio tendler, merece ser distribudo por todo o pas, mostrado em escolas e praa pblica como um alerta e estimulador de uma discusso mais do que necessria. * escritor e jornalista

FrAnCesCo rosi GiAnni vAttiMo ClotArio Blest FAMliA tendler

Colocado em um trnsito histrico, pagarei com minha vida a lealdade do povo. A Histria nossa e feita pelos povos.Salvador Allende

(...)A gente acreditava muito no cinema como um instrumento poltico. De transformao.Joaquim Pedro de Andrade10 11

Nilton Bonder*

a j se sabia que na arcaica sabedoria interpretativ o fato. a linguagem a verso sempre maior do que e no no dito. esse sempre mais rica nas entrelinhas rash a arte de extrair o oculto que a tradio do Mid to do literal, do consentido revelava evocando o efei ncia. dela que emana creto ou do fato sobre a consci documento nada mais a histria, porque a histria e o so do que uma leitura. algum que viveu utopia e barbrie a leitura de mas seu Midrash est os tempos de 60 intensamente, oo do que no documais na perplexidade e na com conterrneos e conmento ou na veracidade. nossos podem compartilhar temporneos no so aqueles que aqueles que ficaram da mesma viso ou opinio, mas pelo interpretar de um comprometidos e maculados arcaram nos anos 60 mesmo tempo vivido. os que emb complexa que faz silpodem usufruir desta costura to cartando os fatos para vio passando pelos fatos e des sempre vibrar entre ficar na ressonncia. o eco da vida o que d tom ao rudo utopias e barbries. o diapaso, a ferida pelos eventos. da passagem do tempo, a alm vel do que foi, mas dela verte o sentido, algo improv ido. na linguagem, h mais significativo que o acontec a barbrie de afastaresperana, e, em sua abstrao, leitura a alma, o que se do mundo. o que promove a ue o tempo j se foi, e no efmero em ns.... at porq o que fica o Midrash. * rabino, filsofo

CAMilo torres JAnA Moroni CArlos MAriGHellA

mbramos. Somos aquilo que nos le lembro Eu sou quem sou porque me do que sou.Ivan Izquierdo

z de Um regime que era incapa xerox conviver com a mquina de incapaz de sobreviver.ista, Franklin Martins, jornal sovitico. referindo-se ao imprio

m O passado pode ser um bo o nico refgio. Mas o futuro ir. lugar para onde podemosWalter Veltroni

livro verMelHo livro verMelHo Allende MArtin lUtHer KinG

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Carla Siqueira*

AlvAro CAldAs Apolonio de CArvAlHo ZE Celso MArtineZ Allende sAMUel BliXen

os e, alm disso, eu somos aquilo que nos lembram bm aquilo que podecostumo acrescentar, somos tam o em utopia e barbmos esquecer, diz ivan izquierd de david lowenthal, de rie. Faz lembrar a advertncia mente l, num pas seque o passado no est simples ado por ns e ressusparado e estrangeiro, ele assimil mutao. assim como citado num presente sempre em continua, tambm o somos produtos do passado, ele nosso. ento, o que passado conhecido um artefato identidade) e (enquanto passou nos constitui (enquanto ntemente transformado narrativa) est sendo permane

lugar de acontecimento a revoluo Francesa encarna o melhor, nascente) consparadigmtico dessa nova (ou as coisas podem ser cincia histrica: a noo de que passa a ter motor: as diferentes, e melhores. a histria Koselleck chama de idias, os ideias, os ismos (que o o republicanismo, o conceitos de movimento), tais com outros... socialismo, o comunismo e tantos barbrie. o filme de chegamos, ento, a utopia e do sculo XX e mostra silvio tendler narra a experincia ntos de utopia e barba humanidade em seus movime os da dcada de 1960 rie. o sculo XX dos lemas libertri ocausto provou que a o mesmo sculo em que o hol . propelo que somos, hoje sempre se move na direo do rio de ensi- humanidade nem ria j foi tida como um reposit ta Ferreira a hist o poe e da razo. como j bem disse , eternos. a histria gresso uma coisa invennamentos atemporais e, portanto a humanidade do ser humano es morais de um tempo gullar, mestra da vida oferecia as li pelo prprio homem. historiador reinhart Ko- tada, (supostamente) sempre igual. o janeiro de 2010, ada recente tragdia no haiti, em acepo da antiguidade ou do poselleck explica que, na cias de nossos atos histricos de funda- verte: as consequn tudo. no se esperava do futuro algo destruir cristianismo, qual tsunami, qual terremoto, e anlogo ou igual. dem voltar talmente novo, mas somente algo ral (o terremoto). men dia do haiti no apenas natu rca do futuro coincidia a trag o horizonte de expectativa ace ma, ela histrica. o como escreveu Mauro santaya o. ao de experincia vivido at ent com o esp o haitiano semeou a sado de explorao sobre o pov noo de progresso que pas u. o iluminismo e sua que o terremoto apenas conclui ncia e obra de desvastao mento entre espao de experi produz o descola anto, no algo que passou. sa a ser enten- o passado, port te de expectativa. a histria pas no, escreveu: tohorizon george Kubler, historiador america aberto experincia humana. a os dida como um espao passado so mais remotos para esso. na dos os eventos do antes sa a ser percebida enquanto proc s dist histria pas tidos do que as estrelas das mai izao da razo. o nossos sen o iluminista, um processo de real na os telescvis alca xias, cuja luz pelo menos ainda crtica, diz o historiador gal iluminismo instaura o reino da struiu, com utopia e bar. pois silvio tendler con unta ao futuro histrico. pios alemo. e a crise invoca a perg

que pode bm para o futuro, na medida em aponta para o passado, mas tam brie, um potente telescpio, que to humanidade at re o que viemos fazendo enquan reflexo, de crtica. sobre ns, sob re instaurar um espao de e nos leve a fazer perguntas sob utiva crise em nossos coraes pia e barbrie instaure uma prod aqui. que uto nosso futuro histrico! emocionar-se quer dizer cionada. de sua origem no latim, isto a utopia e barbrie, fico emo cada vez que ass em ao ver esse filme. tomara que . tomara que vocs se emocion movidos para fora de ns mesmos que ficamos diz o poeta Ferreira do outro, fraternalmente. como inhos para fora de si e na direo fiquem tocados a buscar cam idade. salve, silvio, seu filme a, no outro que teremos continu ntrio, uma vez que a vida finit gullar no docume lta o corao e vai!. * historiadora inspira! ecoam suas palavras: so

sua ptria. sentir um estrangeiro na Ento, voc comea a se (...) memria. E referncia que fica uma nte o exlio, o ponto de E dura s psquicos , elas so dois processo a memria e a imaginao como e, est lembrando, mas, na verdad rveis, voc pensa que t insepaAugusto Boal imaginando coisas.(...)14

tempo da grimas, aprendemos que o ito sangue, com muitas l Com mu a lenta, e a Histria uma senhor ia no nosso tempo. Qu Histr cada, muito ito difcil, muito compli hosa, s vezes louca, mu capric seja. E sa do que ns cremos que iosa. Muito mais misterio mister ue o tempo Que no nos obedece. Porq o nos d a mnima bola. que n Galeano ior que o nosso. Eduardo um tempo infinitamente ma dela 15

Carlos Alberto Barreto*

revolUAo CHinesA

woodstoCK

Sergio Muniz*

vai alm de imao documentrio de silvio tendler s de violncia extrema gens e depoimentos dos perodo histria que recorda e e suas consequncias. traz uma essidade de esquecer. uma histria que se origina na nec vos conceitos, repudia a amnsia social que, com no se constituir numa nova teorias mais antigas e passa a forma de controle social. f, restam aos hosem esperana, sem utopia e sem a barbrie. a perda da mens a submisso, a violncia e nas psicolgica, no se memria no tem explicao ape da infncia. a memtrata de um simples esquecimento mica social e econmica ria expulsa da mente pela din da sociedade. Mercado, o indivduo no imprio da tecnologia e do o capital financeiro nega perde sua independncia, pois o. ora, se as formas a competio e busca a organiza

em controle e manipulade competio se transformam o, o indivduo inexiste. ntestavelmente e, o passado esquecido domina inco lembrado. a amnsia para ser transcendido, deve ser iedade faz da recordasocial a represso que a soc ina Jacoby no seu livro o de seu passado, nos ens amnsia social. amento, o corte do em resumo, o retraimento, o isol em moderno busca da vnculo social conduzem o hom ncia e a intolerncia satisfao narcsica na qual a viol refletem-se numa sociepresena do outro, do diferente, um dia a humanidade dade melanclica. possvel que preenda o que . de tanto repetir sua histria com

tendler torna-se scom utopia e barbrie, silvio umentaristas, do qual cio remido do seleto clube de doc s ivens, Fernando sofazem parte santiago alvarez, Jori

a possibi ver desesperados, h esperana. ao literria de sou obrigado a transitar da afirm ria uma senhora caeduardo galeano de que a hist is Marker. Benjamim quando lanas e chr hosa para o copydesk de Walter nosso saudoso e querido pric a Me lembro que certa feita pestade sopra do paraso... ess s rotei- diz que ... uma tem afirmava que quem escrevia seu amigo Joris ivens ro... essa tempestade tempestade nos impele para o futu era ele, era a histria. ros no chamamos progresso. ga a navegar entre o o que esse seu documentrio me obri galeano que em alcreio que o mesmo eduardo nossa histria pessoal e o afresco da mosaico da sua disse que a utopia pelo gum outro texto e/ou entrevista histria contempornea. r em direo de um certo e- menos nos obriga a caminha pessoal (mosaico), vai nos forn daenquanto histria pre se afasta a cada passo que tico univer- horizonte que sem as de como foi entrando no dram cendo pist direo. caminhar, pois, preciso. a partir da mer- mos em sua poltico/cultural do sculo XX para so fazer presente o que enfim, o ser humano tentando propriamente dita (afresco). gulhar na histria sido o futuro. espectador,de mi- poderia ter entre parntesis, proporciona ao a histria no tem e demonstra, didaticamente, que s recentes, uma viagem aos dranha gerao at s mai reende, ao deixar claro os trs fins no j hoje fim e sempre nos surp s, vitrias e fracassos vividos mas, tragdia deria ter: a queda do que utopia e barbrie pode/po sculo passado . das torres gmeas de nova o Muro de Berlim, o atentado desmantela a infeliz interpreta utopia e barbrie o em 2008. York e o crack do sistema bancri histria. Fukuyama ao determinar o fim da da seriedade do de Francis confesso que alm de ter gostado riz desse pensamento a afiracho que est na mat gostei do humor comparando que texto de narrao tambm o socilogo brasileiro que disse mao de um cert smo e 1989 a uma brochada. um regime auto- 1968 ao orga sil no houve ditadura, mas sim no Bra s para finalizar o dodemorasse mais um ou dois ano o jornalista disse que no Brasil ritrio, ou quando um cert nte teramos mais um FiM. abranda. cumentrio e certame uma ditadura, mas sim uma dit *Cineasta e no havia tido conta que sem memria se ao menos levarmos em nio de Los Baos ex-diretor da Escola de San Anto o ade do caminho j est percorrid no existe histria, met ia, que a de que existe na direo de nossa grande utop16

enquanto houlidade de um mundo melhor. ou

*Psicanalista

pe diretor, produtora e equiBotkay, Bnego e Marcelo Yuka trilha sonora: cabruera, caque videografismo: irmos vilarouca montagem: Bernardo pimenta e letcia spiller narrao: amir haddad, chico diaz roteiro: silvio tendler tendler produo executiva: ana rosa equipe de campo ecatherina Brasileiro, shlomo israel e palestina - silvio tendler, mento especial ao embaixador azaria, ana rosa tendler. agradeci arnaldo carrilho asceno, tuu iu. agradecimento vietn: silvio tendler, paula dam prates especial ao embaixador alcides ler, tain Yabarra. produo itlia: silvio tend Bornhofen e agradecimento especial a alice a garcia, Micaela sole, victor uruguai: silvio tendler, ana laur Mara Burgos, ana rosa tendler, quezia Cuba: silvio e ana rosa tendler Alemanha: paula damasceno asi, sergio trabucco ponce; Chile: silvio tendler, Fabiana Fers a Brasileiro, robert grelier Frana: silvio tendler, ecatherin direo: silvio tendler matogrficas produo: caliban produes cine cas caliban produes cinematogrfi distribuio:

17

tomadas to fortes quanto as que mostram oArnaldo Bloch* ** Filmado nos ltimos 18 anos, documentrio de Silvio Tendler sobre sonhos e frustraes de sua gerao encerra-se junto com renncia de Fidel

no um campo de concentrao. e para que possamos ver o prximo no como uma ameaa, mas como uma promessa. afinal, como disse Fidel na onu em 1979, as bombas podero matar os famintos, os doentes, os ignorantes, mas no podem matar a fome, as doenas, a ignorncia, ou a justa rebeldia dos povos.... Fidel e seu regime cometeram suas barbaridades, da tal pensamento ter suas notas anacrnicas. o que no o torna menos dotado de rigor lgico. num documentrio da cineasta americana estela Bravo, Fidel, por sinal, admite que os tempos so outros e as revolues sero diferentes. como sero? Militante, como o ator judeu e o ex-guerrilheiro palestino, do ato artstico como opo, silvio situa seu libelo: o documentrio o ltimo refgio do cinema autoral. a fico est acossada pela indstria. hoje, antes de chegarem tela, os filmes so moldados pelo diretor com base no gosto do pblico. acusam os documentrios de serem didticos. ou parciais. como escreveu o crtico srgio augusto, imparcial s a cmera desligada. aos 58 anos, aponto ento minha cmera, minha arma, para as velhas e novas utopias.* jornalista ** Texto publicado na pgina Logo do jornal O GLOBO no dia 24 de fevereiro de 2008.

japons shin pei, caador de sobreviventes de hiroshima, com indivduos de corpos destrudos e almas ainda em chamas, consumidas por ttricas memrias, declarar: trabalhar com a experincia vivida nos d a noo real da memria. Memria outra palavra-chave no caleidoscpio de utopias: o revisionismo histrico planejado para que, daqui a dcadas, as pessoas vejam os filmes dos campos de concentrao e achem que se trata de fico dispara, na tela, andre heinrich, ex-assistente de alain resnais. ainda mais pessimista a escritora e ex-ativista americana susan sontag: tendemos mais a lembrar de imagens do que de histrias, e as memrias nos so ensinadas. sediment-las mais complexo do que se prega. silvio foi tambm itlia, onde conversou com Francesco rosi, pai do neorealismo italiano, e gillo pontecorvo, autor da Batalha de argel. ali investigou a barbrie do assassinato de aldo Moro pelas Brigadas vermelhas. no uruguai, encontrou no escritor eduardo gaelano um olhar mais esperanoso: o direito de sonhar e lidar com outro mundo (a utopia isso) o mais importante direito humano. e no figura em nenhuma declarao da onu. por mais completos que estejamos, no estamos terminados e podemos ser desfeitos e refeitos de outra maneira, para que o mundo seja a casa de todos e

no artigo a alma do homem sob o socialismo, de 1891, oscar Wilde proclama: um mapa do mundo que no inclua utopia no digno de se espiar, pois ignora o nico teritrio em que a humanidade sempre atraca, partindo, em seguida, para uma terra ainda melhor. o escritor irlands completa o raciocnio adiante, com um aforismo to difcil de provar quanto de contestar: o progresso a realizao de utopias. na semana em que se encerra um dos ltimos captulos da histria das utopias de nossa poca a renncia de Fidel castro , fcil observar que, se nenhuma utopia, naturalmente, se realizou, todas moveram o mundo e influenciaram a maneira de pens-lo. ora nos ensejos de paz e justia, ora transmutadas em guerra e barbrie. como num jogo do destino, a sada de Fidel ocorre num momento em que o debate pr-eleitoral americano se v arejado por uma avalanche de mensagens renovadoras. utpicas? no olho deste furaco de coincidncias e paradoxos, o cineasta silvio tendler rodou mundo e construiu o mosaico de imagens e opinies que compem utopia e barbrie, definido por ele como um road movie histrico. viajei nas lutas que se travaram na segunda metade do sculo passado, buscando as razes dos movimentos poltico-culturais que eclodiram em 1968, quando eu tinha 18 anos. dezoito anos, por sinal, transcorreram da primeira tomada do filme, em 1990, at dias atrs, quando, motivado pelo ato do ditador cubano, decidiu fechar a tampa cronolgica da obra, que pretende lanar em novembro, depois de uma ltima bateria de viagens. naquele momento a gerao que sonhou com utopias despertava com pesadelos de frustrao: thatcher e reagan davam as cartas, a direita comemorava a que-

da do muro e, no Brasil, escolhamos collor. sedento de juntar os cacos, pus o p na estrada. no faltou bagagem: estivera vrias vezes em cuba, vivera no chile de allende e em paris ps-68, fora a portugal durante a revoluo dos cravos. na origem da inquietao, a lanterna de castro lhe aparecera aos 11 anos, quando morava numa cobertura de classe mdiaalta em copacabana. uma noite, ouvi a turba l embaixo gritar slogans antiamericanos e dar vivas revoluo. Fidel, no poder aos 30, era o modelo perfeito para jovens coraes vidos por moldar o mundo. Muitos de sua gerao se consumiram nas trevas da ditadura, mas, sem flego de guerrilheiro, silvio elegeria como forma de luta as imagens e os sons. essa (a luta pela arte), alis, uma das mais fortes vertentes do filme. espero que resolvamos esse conflito pela cultura e no pela guerra diz, numa pujante sequncia, o palestino zacharia zubeidi, lder das Brigadas dos Mrtires de al-aqsa, que, depois de estudar teatro com um ator meio judeu, passou a pregar que a arte arma mais eficaz que seu rifle Kalashnikov. no vietn, silvio ouviu, em 2003, o general giap, historiador que se fez soldado e sagrou-se um dos grandes generais do sculo. Faltavam 15 dias para expirar o ultimato de george W. Bush ao iraque, e giap deu seu parecer. voc sabia que estamos entrando no milnio da paz? o filme ainda no est montado, mas imagine o efeito de um general vietnamita profetizar a paz em meio a fotogramas de crianas nascendo defeituosas at hoje por conta da herana do agente laranja; ou dos labirintos dos tneis de cuchi, nos subrbios de ho chi Minh, antiga saigon.

Andre HeinriCH roBerto retAMAr FAride ZerAn leonArdo BoFF AvitAl Ben isHAy

Lembre-se de que, se ns perdemos hoje, amanh venceremos. Ns temos sempre esperana. Temos sempre vontade de lutar.Apolnio de Carvalho18

silvio tendler levou dezenove anos para realizar utopia e BarBrie. quando eu ouvi que silvio ia partir antes da sesso de premiao, quase que entrei em pnico e perguntei: Mas quem vai receber o prmio que todos sabemos, o nico que todos sabemos? ele riu e voltou. ele tambm sabia, precisava completar sua estupenda bruxaria, disfarada de tecnologia.vietConG

a mente iluminada e o corao em frangalhos, com algo muito maior, que era ttala, silvio, o prmio, todas as premonies e um leve bater de asas de borboleta. eu vi e vivi aquele momento perfeito, que talvez no volte jamais. por isso, falamos e pensamos tanto: glauber, navarro, pasolini,Furtado, santiago, zapata, Fellini, Mia, amado, guido, chiquinho, Meteorango, Montenegro, leon, Joo, luciano, Misael, dina, Minotauro, lacerda, Brando, pedro, ruy e outros tantos, tantos... preciso desaparelhar o olhar e ver o que acontece l nas terras do rio paran. belens pobre poesia e pura emoo (ao!) Bahia, 12.10.09*Cineasta

precisava fechar o anel aberto no primeiro dia e que iluminou todo o festival, pairando sobre curitiba com a fora de um ancestral. (perdoe-me a rima pobre, mas s vezes a mtrica no pode). nunca saberemos a totalidade dos signos que formam o corpo de utopia e barbrie, o filme umFernando Belens*

grande camaleo que a cada aproximao muda de cor e revela o que no havamos visto antes e antes, ele como um grande painel, to grande que de longe s podemos ver o conjunto e, de perto, somente os detalhes; um filme para vrias visitas. declaro minha incompetncia para, naquela sesso, apreender muita coisa alm do xtase. estava com

o judeu tem o deserto, o povo de santo tem o resguardo, o cristo tem o pecado, e a imagem na retina est invertida. eu estava no paran, no Festival de cinema em que aconteceu um momento que talvez no se repita jamais: o momento-tempo mgico entre a exibio do filme utopia e barbrie e a premiao de silvio tendler como melhor diretor do Festival. sim, eu estava l, me perdoem os que no foram. havia uma ninfa que preparou o rito: ttala. havia eros e um homem sbio: cludio. havia um condutor de locomotivas: severo. e uma mulher que no para: rosrio. e filmes, muitos filmes, e uma tribo de amantes e amigos. preciso olhar para o sul, para a terra das araucrias. naquele espao onde so paulo desiste e o rio grande inexiste, se constri algo profundamente delicado, como uma Faca ngua, como um corisco no cu diurno. o Festival de cineMa do paran preMia coM o Maior valor (vrgula), o diretor (ponto). eu sabia, acho que quase todos sabiam, que o

prmio era antes de mil anos atrs de silvio. no por acordos secretos, arranjos ou falcatruas. sabamos, com o mesmo instinto que leva o co a saber nadar, muito antes de conhecer a gua. sabamos como sabemos que estamos apaixonados, mesmo que a outra ou outro ainda no saiba. sabamos que poderia e deveria acontecer o ponto mais alto de uma proposta to especial: a valorizao do autor. aquele era o festival onde o Filho de Xang deveria vencer; vencer por ter moldado com ferro, fogo e desejo um filmepainel que jamais ser esquecido. silvio venceu por todos ns, ssiFosdiretores, que carregam at mais alta montanha nossas latas de imagens, para na manh seguinte v-las de novo no sop. silvio nosso paj, corpo de ancio e o olhar de criana, ele sabe que no se ganha sozinho esse jogo duro, de enfrentar o drago e fazer prevalecer a delicadeza. era necessrio que tambm l estivesse um francs que at tentou falar em portunhol, uma jovem que lia nas cartas e o sabor de todas as cores.

O golpe de 64 interrompe os sonhos da utopia brasileira. Uma mancha reacionria que se autointitula revoluo se instala no BrasilCac Diegues Cineasta20 21

AleMAnHA MUro de BerliM XUAn pHUonG vU KHoAn ArnAldo CArrilHo

Arnaldo Carrilho *

s e dos sons. m conceitos. so, na de imagen utopia e barbrie no perfaze is Marker e santiago Fez-se amigo de Joris ivens, chr saem do mesmo recipiente, sem verdade, entidades que mestres, entre mestres e para mes incrusta na alvarez, mestres dos de inia, porque levam ao que se traos qualquer mag umentrio, mas no se denotam seu documentrio tres do doc na. explica-se: a de cada um. ao decidir realizar alm direta do trio, na obra tendleria a, silvio tendler enfren- fluncia lo e um em longa-metragem sobre o tem documentarista encontrou seu esti uma nova dis- cedo, o nosso desafio bem mais pesado que ecialidade, sua esp taria um o de contar nico, no cenrio de e o Bem e o Mal, o que mod cusso sobre a luta insana entr que o suporte historica latina. bem verdade r. ambas no pertencem na am personalidano passaria de gesto elementa o e o libertarismo, nsitos em sua , logo no criam opor- riogrfic a escalas puras de pensamento tivo de seus quarenta de, so decisivos no processo cria dialticas, mas de convergncias tunidades de snteses ias e curtas-metragens. at em da outra, e poucos longas, md ntais. so muito prximas uma escoras documencomportame rses pela rea ficcional, essas de acordo com as circuns- incu confundem-se e apartam-se castro alves - retrato falado dos tais se revelam, como em do em que se enaltece a histria tncias, num mun ernidade e carga revoludo poeta, filme de original mod e se consagram suas causas. vencedores em circuito comercial. cionaria, lamentavelmente indito silvio se dedicou ao preparo nos 19 anos em que rvel o projeto de acompanhei por tempo conside acomeio a outros compromissos que na minha gesto da produo, em pia e barbrie, antes ainda de, registrava tudo que o im- uto dem cineastas de bom nome, ), ter solicitado aos colegas s frente da riofilme (2001-03 um menino quando rio 40 grau s o copressionava. apenas bros da comisso de coprodue s, aps uma diretores e mem r algum espao em nossas tela de a criao deslogrou obte ocnio da empresa municipal. des que superintendia a cen- patr luta renhida contra o coronel io fora jamais aceito por meus a ta, nenhum projeto do silv departamento Federal de seguran internacional, sura na chefia do sores. cineasta carioca de renome ndo o golpe de 1964 anteces pblica; adolescente imberbe qua escanteio, quando o ele foi, por uma dcada, posto para quebrar o el cinema-novista, ar veio fustigar-nos, mas sem r, decidi coproduzir, finalizar, lan do duran- chamei. para comea sil, io da diplomacia brasileira; exila Bra com firme apo r glauber, o filme - labirinto do exceo poltica e comercializa anos de chumbo do vintnio de viso at hoje s, te os produo de mais de dois decnio , o ex-aluno de notveis outra - ao regressar ao rio de Janeiro o autor do ainda incomde nosso cineasta maior. mordido pelo universo nica historiadores na sorbonne j fora22

impediam ainda uma vi- construo do socialismo e da terra, por sua vez, salvo na ges ietismo. preendido a idad detalhada dos estragos do sov tambm nunca so ampla e de celso amorim na embrafilme, to massacre de Katyn fora r afinal, cria-se, ainda, que o to publico. o que importa dize obtivera financiamen uem ousaria contest-lo, mesmo criatura obra dos nazistas...q dessa convivncia com o criadorque, apesar vtimas, calados ocidente, salvo os parentes das completamente a primeira no do filme, surpreendeu-me itica da polnia? essa ories diante da satelizao sov ensei. a grandeza de muitos film rie, viso que lhe disp da brbara utopia, ou utpica barb que provocam gem comum esmeota nas resistncias e repulsas de se den o grande desafio que silvio teve das patotas. assim constituiu junto aos ideolgos-politicantes lineares de pelervando milhes de metros do a participar da co- rilhar, obs undo como glauber nem fora convida o da dificultosa produo. em seg burocracia audio- culas, ao long utpica rativa Brasileira de cineastas, a ope ue silvio se entrega ao espectador, rgitar a apario do lugar, porq visual do Municpio teve de ingu ente. so de fundos aos e barbaram silvio nos rame-rames da conces ergar plos diaimpossvel, por conseguinte, enx ente , utopia e barbrie seus filmes. at recentem ries, impossibilitando-se o de lticos nas utopias e barb sto, dissolvendo-se essa atitu com a foi posto em que sntese entre ambas. nada a ver idos da esfe- acerto de uma rsos no cinematogrficos, part por recu um e outro se carreluta do Bem contra o Mal, j que de silvio incomoda porque foi ra poltica. o glauber . o angelus novus, de paul deve gam no correr da historia nte despojado (esse quase se de quase totalme filme, para ilustrar o pensamento , que detm Klee, aparece no ma conteno do documentarista ca a mara algu jamin sobre esse fluxo que mar dizer cru, do que Walter Ben material mais visceral, para no Klee, o anjo a temer cha dos homens. na aquarela de de misrias humanas no filme). se percebe multido. Mas aalhamento de suas asas pela conta utopia e barba- o estr o que nos mostra e o quadro trgico das existe uma sada, sempre, para seria confin-lo aos limites de uma da rie? simplismo deixamos para trs, na caminha hiroshima- devastaes que sado, do mundo, entre os genocdios de pas histria Juntar as runas e amarguras do n-Brzezinka, a reve- sem fim. nagasaki, a libertacao de oswieci ente, a maneira ir a frgil ponte do pres e a demolio das para constru lao da shoah e do holocausto os o futuro. rcio. no, o filme de sonharm torres no centro Mundial de com admite, na pro realizador de utopia e barbrie a de pensamento, na qual nenhum em apreo obra se trata de filme inacabado. no ade. isso pria narrao, que prescinde de um ato de perplexid concluso o um caso clsento discordar, pois nele identific ries so irms gmeas. lam porque as utopias e barb cito em italiano para remenas- sico de opera aperta, que r as perplexidades do silvio, que preciso entende s ao conceito de umberto eco, to anos) foragi- ter os espectadore pais bessarbios (moldavo-ucrani ceu de metade dos anos-60. debatido entre ns, na primeira o-se por isso de perseguies tedos no Brasil, salvand publico, estou seguro que, sem satlite da quanto ao grande pogroms vezeiros naquela rea s facilmenou mesmo es acadmicas, compreender mai as palavras, suas ori- oriza urs s e da romnia. em outr o caso, aquela que te que a boa obra de arte, e es mais antissemitas da eurogens, numa das regi prazer, na passagem da informa ara. esta se ensina e nos traz dootam essa confuso utpico-brb do pa, den hecimento. eis a mxima funo ico sul-americano, o ao con trou, em sua projetaria em sua formao no trop tal como rossellini nos mos a e as leviandades cumentrio, dler, onde a mundividncia carnavalesc ada em vida. o filme de silvio ten er suas duras derradeira dc cionamentos no logram escond o grande de rela talvez seja alm do mais, mostra-nos quem realidades e tragdias. Brasil, cada vez mais projetado os do documentarista deste me atenho a dados autobiogrfic por que do planeta. eis a exterior, como parte integradora Marighella - retrato fala- ao autor de os anos JK e uagem moderna e reflexido utopia que encerra, em ling ? em primeiro lugar, por causa do do guerrilheiro m, virado para o futuro. , silvio com va, um filme jove rio bero. Bem imagino seus pais seu prp Jozef djugachevili trs anos, no dia em que morreu * Diplomata e homem de cinema. idos penso que tenham sido acomet (o stalin). no tricveis mistrios da de sorrisos e vivas, pois os inex23

luta A memria um espao de poltica Martin Almada

Anos silvio tendler no CHile, 21

Claudio M. Valentinetti*

fundador da Fundao cineclubista assduo e membro sua obra em poucas linhas definir silvio tendler e o e do comit de cineastas de novo cine latino-american s do proverbial olhar e do sorriso idente da Fedemuito rduo: atr rica latina, em 68, tendler pres existe uma fora extra- da am criana que o caracterizam, nele e militante da di-gB (dissio rao de cineclubes do rio vel, que muitas vezes desarma ordinria, no canaliz nabara). em 70, pela represso fala de dncia estudantil da gua o espectador. por qu? porque ele interlocutor ou erno militar, muda-se cada dia mais pesada do gov eis, desagradveis, coisas a coisas duras de engolir, difc siasmo pela eleio de allenem para o chile, onde, no entu envolvem e frequentemente mex ois, sua que incomodam, praticar cinema. dois anos dep conscincia , de, comea a , faz um sentimentos antes que com a ria com os a paris, onde se licencia em hist es, com uma sim- nova met os sonhos e as realidades de gera tes tudes cinmao no idhec (institut des hau armam e que, ao mes- mestrad tese sobre o plicidade e uma lucidez que des iques) e se especializa com uma undo. em seus filmes, tograph mo tempo, deixam um rastro prof s Joris ivens em cinegrande documentarista holand tan, tendler documenta, indaga, como um cronista dan o s cincias sociais no Muse imen- ma documental aplicad , re-formula e re-discute os acontec ch e chris Marker re-prope, re-l met; alm de cursar com Jean rou mpanham, ritmam e mar- gui tos e os momentos que aco nte de direo de espiral, um (que o chama como assiste homens: para ele, um cineasta entes cam a histria dos o chile). a este ponto, j so evid revoluo sem um filme sobre das obras r de histrias, porque no existe co contado ctersticas que at hoje so o mar cronista sem histria. as cara no didtico: eu cronista, assim como no existe um cinema de resistncia, mas a his tria est a par a dele cia cultural. cineeu ach o exp lica ele que que fao um cinema de resistn rela o com a his tria acho no ser esq uec ida. a min ha ce tendler , o cinema ma didtico, para mim esclare tlg ica: uma rela o sem pre ade e no uma rela o nos , que ensina todo tipo de brutalid o e pre sen te norte-americano no futu ro. eu rela cion o pas sad ldade; que ensipen san do tipo de trapaa; que ensina a crue r, par a a gen te, pod er todo a serv io do futu ro: que r dize es e geraes. (...) na a violncia e que deseduca gera m de mud ar a vida .... falam nada disso. Meus filmes fala vel ser curio- Meus filmes no e, falam ser um bom cronista indispens para de liberdad ocracia, falam de justia, falam pre, desde quando, em dem so. e ele curioso desde sem novo horizonte posldade. e sempre pintam um , na tijuca, filho de um de igua 1950, nasceu no rio de Janeiro para as pessoas. origem judeu-ucraniana svel advogado e de uma mdica de e realiza filmes de de 76 sua volta ao Brasil, ond r, de deixar o filho livre de escolhe liberais at o ponto para os partidos de esquerda, diriprofisses propaganda poltica ro, o cinema no lugar de outras ea a ensinar (em para seu futu programas na tv Manchete e com s com as ideias da poca: ge mais tradicionais e consonante

dler dirigiu o filmetrs anos antes, entretanto, ten ial da puc artamento de comunicao soc brasileiros at hoje 79) no dep rde absoluto dos documentrios materiais e ideias para seu reco do rio de Janeiro e a juntar s): o mundo mgico (1 milho e 800 mil espectadore gem, os anos JK, uma trajetria s de primeiro longa-metra realizado em ocasio dos 15 ano collage base- dos trapalhes, de 1980: com uma estrutura a uma conm, poltica, e artstica do grupo, no , por s, imagens de filmes e atividad ada em entrevistas, depoimento al, mas um filme que a um fcil gosto comerci a-metragem de estreia cesso e pessoal de de cinejornais da poca, o long ta e indaga a vida profissional da vida de Kubitschek apresen de tendler repercorre as etapas do mesmo ano a criacada um dos quatro cmicos. um passado democrtico recenque como memria viva de dues cinematogrficas ltda., erno militar. o da caliban pro ios entre pleta oposio realidade do gov ntr te em com , at hoje, em volta de 40 docume e com a concepo produziu uma forma constante e coerent alguns ttulos, no as, mdias e longas-metragens. umentrio que no quer curt terra prometide cinema de tendler de doc do tempo: rondnia, viagem subjetivo, participante, curso ser objetivo, mas, ao contrrio, ores de alma, chega da, Memria do ao, caad tudo uma linguagem da emoo Jos privilegiando acima de er, ensinar e transformar, u teori- de saudades, aprend , como na narrativa pico-didtica io das crioue da informao tro - cidado do Mundo, conce ha onde a didtica de cas zada e aplicada por glauber roc elvira, rio republicano, u- las vestgios de quilombo, agitao. uma dramaturgia doc informao e pica ico do Brasil, dr. getlio, lpoltica oswaldo cruz o md , o a define rodrigo Fonseca, com mental, com JK: o Menino que sonhou um pas timos momentos, e anttese que, no final e no e humanismo como tese da memria, cidade cidad, e diri- paulo carneiro espelho uzem a sntese certa, dinmica rindo espao, espectador, prod , o olhar de castro Maya, ab poltico e subversivo, Bsnia gida para o futuro. um cinema do atrs dos sonhos etc. fala de uma outra his- corren estritamente ligada como diz evaldo Mocarzel, que a vida de tendler, apesar de ser resultado foi contada na sala de aulas. o cinema: diretor da tria que no cinema, no , porm, somente s garantem a os anos JK ao estrondoso: 800 mil pessoa 8, em 1992 participa a Fundao rio (rio arte) em 198 edentes. as em um sucesso sem prec s como responsvel dos fotogram lgica e natural anos rebelde da minisse junta como uma continuao JK tulos a e branco apresentados nos 20 cap io de longa metragem preto diretor do centro Jan go, de 84, outro documentr tv globo. no ano seguinte, te gacho Joo gou- srie da para dirigir a dedicado ao percurso do presiden oduvaldo vianna Filho e, em 95, golpe de 64. Mesma cultural lart, deposto, aviltado e exilado pelo Braziliense, muda-se para ns tv Braslia, do grupo correio a subjetiva e incisiva com algu orte estrutura, mesma carg 96, secretrio de cultura e esp da msi- a capital, onde, em ador limes como, por exemplo, o uso coorden momentos sub de cristovam Buarque. em 97, assinado, ou como a do governo na frente do cadver do che ass ul da unesco. ca iovisual para o Brasil e o Mercos raado potemkin de ei- de aud metragens castro montagem de cenas do encou no fim dos anos 90, os mdiaso de 64 dos alternadas reivindicao de mar senstein e Marighella retrato alves retrato falado do poeta Metalrgicos , mesmo sucesmarujos no sindicato dos antecedem Milton santos por soas, falado do guerrilheiro sa vez, alcana um milho de pes so: o pblico, des evista com o superiniuma outra globalizao, uma entr er. apesar dos militares ainda no pod

r de um aquilo que diminui o pode que o progresso, tudo Digo (...) Gillo Pontecorvo homem sobre outro homem.24

ler insere destes personagens, Tend ndo resgata o pensamento Qua nsamento ees. Na contramo do pe presente rupturas e proj no cumentrio o no gnero do cinema do emporneo e de uma produ cont a obra de Tendler (...) entifica com o humanismo, que no mais se id torna-se incmoda.de Silvio Tendler tria e Utopia o cinema cia Paterman Brookey, His Mar Multifoco: 200925

dio e tinha 18 anos em 68. o prel alitarismo) tas da gerao qu alizao (que ele chama de glob aclama, migo da glob mais madura, utopia e barbrie fundado e vasto so- sua obra ser o ncleo do filme mais apro tival do paran que io de Melhor direo no 4 Fes sofo baiano, encon- do prm rigoroso bre o pensamento do gegrafo-fil sileiro latino: um filme enxuto e al visto do lado de cinema Bra Milton santos ou o mundo glob reprope os horas, tro com sempre humano) que, em duas encerra com a imagem (mas de c, de 2006, filme que se ba de hiroshima ao imentos do mundo da bom ica de caetano veloso acontec na, de eduardo da terra e com a homnima ms as veias abertas da amrica lati s a concluso cheia de livro cantada por zlia duncan e ap vez a Barack obama. um fil- galeano, oferecido por cha tudo, de seu protagonista (es lesperana, apesar de projetado em todas as escolas, facu anidade. me que deveria ser sempre ndo os ensaios do que ser a hum tamos faze filme que, como dades e realidades sociais. um ca houve...). nun imagens da poca alternadas a vez com tendler, nasce de tendler para incitar mais uma cultura o mtodo de aordinrios sobre o caldo de se na recu- depoimentos extr um mundo melhor parece basear, tambm, mas luta por tou as rebelies dos anos 60, de um passado mais que ges perao de figuras revolucionrias at hoje, passando ilo que aconteceu depois nte, para enfrentar os tudo aqu longnquo e de um passado rece 50 anos e revivendo personagens-chave dos ltimos social de um mundo atro- por novos inimigos da economia vel nome-los todos, s momento por momento (imposs ismo e pelo sistema da mdia que gar pelado pelo consum filme, enfim, que poderia escorre itvel que, assistindo...). um o mais er personalidade e carter. inev pessimism parece perd ima fcil, no masoquismo e no faltar aquela de glauber na lgr entre estas figuras, no possa trrio, um canto de otimismo. 2004, profundo, e que, ao con o filme labirinto do Brasil, de ganha a utopia. rocha: glauber entre utopia e barbrie, obviamente uais da morte do lder sobre a morte e os reflexos intelect a rousseff, a utopia por qu? porque, como diz dilm da mesma ideia do cineasta de sodo cinema novo, parte . porque a utopia o direito de do pin- que d sentido vida quista de filmar, em 76, o funeral sonhar direito de vitria da con como diz eduardo galeano, o filme, mesmo apre- nhar, e, di cavalcanti. Mas glauber o tor , o po imprescindvel pai e me de todos os direitos s do enterro de glauber, no tem lnio sentando as imagen esperana. porque, como diz apo ainda vivo e que d comida nuclear e recupera um passado inrio, a extraord montagem valho, na concluso deste filme na tela desfilam, teste- de car militante com humanidade e dor. ainda no est clara, que ainda uma utopia a verdade que e choram personagens de toda munham, lembram eita, mas que vai vir amanh... ideias e com o no est perf que tentou lutar com as prprias nto de uto pia e poca silv io ten dler, alm do lan ame ondo pessoalmente e sem clo prprio trabalho, se exp nte est trab alha ndo na real iza ndo apre- bar br ie, atua lme tas: e o delrio de glauber qua sob re nev es e culos comodis s dois film es, sob re tan cred o dido a idade da ter- de mai tou e defendeu seu incompreen sen sar ney. parece menos delrio e Jos ra em veneza 1980, de repente ria, mesmo se muios homens fazem a prpria hist mais lucidez... esto fazendo... os tas vezes no sabem qual histria queda do Muro de Berlim e do desde 1989 ano da a histria continua. e seu cronista osos homens mudam, mas o , um dos projetos mais ambici imprio sovitic . ia utopia/barbrie que tambm de tendler analisar a dicotom *Jornalista e escritor dos homens contemporneos acompanha a histria Mundial. um projeto silvio tendler desde o fim da segunda guerra concludo. como semque demorar 19 anos para ser o pedao com pedao, pre, porm, ele comea juntand com testemunha: como trecho com trecho, testemunha mria e histria, em mostra o mdia-metragem Me ideal mas tambm conutopia e barbrie, que se liga, imento estudantil, de cretamente, com Memria do mov minissrie de agosto de 2007, e com era das utopias, a s, cada um de 26) so2009 do canal Brasil (6 episdio , decepes e conquisbre rumos, sonhos, esperanas26

2010 2009 2009 2009 2007 2007

o) tancredo, a travessia (em finaliza ) utopia e Barbrie (longa-metragem era das utopias (Minissrie) s da imprensa (minissrie) preto no Branco, a censura ante ga-metragem) encontro com Milton santos (lon til ou ficar a ptria livre ou Memria do Movimento estudan se encerra em nosso peito morrer pelo Brasil e o afeto que juvenil (mdias-metragens) Barbrie (media-metragem) Memria e histria em utopia e (curta-metragem) oswaldo cruz Mdico do Brasil paulo carneiro espelho Memria (curta-metragem em vdeo)

2006 2003 2003 2002 2002 2002 1997-1998 1996 1994 1993

sil (longa-metragem) glauber o Filme labirinto do Bra (mdia-metragem) JK, o Menino que sonhou um pas Marighella, retrato Falado do gue rrilheiro (mdia-metragem)

alves (longa-metragem) retrato Falado do poeta castro quilombos (mdia-metragem) m) Josu de castro (mdia-metrage anos rebeldes histricos da srie) (codireo e direo dos clipes m em vdeo) chega de saudade (mdia-metrage ragem em vdeo) caadores da alma (mdia-met m) Memria do ao (mdia-metrage Jango (longa-metragem) (longa-metragem) o Mundo Mgico dos trapalhes (longa-metragem) os anos JK, uma trajetria poltica

1988 1988 1987 1984 1981 1980

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livros para desfiar a barbrie e alimentar as utopiasFanon, Franz. os condenados da terra. Minas gerais, editora da uFJF, 2006. garY, romain. la vie devant soi. paris, gallimard, 1982. ginsBerg, allen. o uivo e outros poemas. rio grande do sul, l&pM, 1999. hoBsBaWM, eric J. a era dos extremos. so paulo, companhia das letras, 2008. KierKegaard, soren. temor e tremor. rio de Janeiro, ediouro, 1985. Marighella, carlos. por que resistir priso Morto em defesa da liberdade. so paulo, Brasiliense, 1995. neruda, pablo. vinte poemas de amor e uma cano desesperada. rio de Janeiro, Jos olympio, 2004. retaMar, roberto Fernandes. todo caliban. san Juan, ediciones callejn, 2003. rocha, glauber. revoluo do cinema novo. so paulo, cosac naif, 2004. singer, isaac Bashevis. amor & exlio. rio grande do sul, l&pM, 1985. torres, antnio. Balada da infncia perdida. rio de Janeiro, record, 1999. todorov, tzvetan. nous et les autres. paris, editions du seuil, 1989. trepper, leopold.BoMBArdeio no vietn MArio soAres - reGresso siMone de BeAUvoir e sArtre | Foto: ZeliA GAttAi AlvAro CUnHAl e MArio soAres slvio eM Frente Ao KreMlin doM QUiXote eM CUBA

o grande jogo - Memria do chefe da orquestra vermelha. so paulo, portuglia, 1990.

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utopia e barbrie conquistou os prmios de melhor direo e melhor montagem no Festival do paran de 2009. ganhou o prmio da Juventude no Festival internacional de Cinema e vdeo de vila nova de Famalico (portugal), em 2010. recebeu tambm uma meno honrosa no Festival internacional santiago Alvarez in memoriam (Cuba), em 2010. o filme foi selecionado ainda para os festivais de via del mar, uruguai e montreal.Foto-MontAGeM do diretor CHris MArKer

No existe revoluo sem cronista, assim como no existe cronista sem histria. Fao Histria atravs do vis da memria e do afeto.Silvio Tendler

coordenao de lanamento: Ana rosa tendler e silvana Cardoso e. santo edio da revista utopia e barbrie: rodrigo Fonseca design grfico e capa: ruth Freihof | passaredo design designer assistente: Christiane Krmer reviso da revista utopia e barbrie: Jos Figueiredo Fotos da revista utopia e barbrie: Arquivo pessoal silvio tendler e frames do filme utopia e barbrie assessoria de imprensa: Ciranda Assessoria de Comunicao e m&F proCultura aes promocionais em universidades: brazucah produes site e Mdias sociais: ncleo da ideia site: www.utopiaebarbarie.com.br todos os direitos reservados

u94 utopia e barbarie : histrias de nossas vidas ou ter 18 anos em 68 / [organizao] rodrigo Fonseca ; um filme de silvio tendler ; narrado por amir haddad, chico diaz e letcia spiller. - rio de Janeiro : caliban, 2010. il. reunio de artigos e ensaios sobre o filme utopia e barbrie de silvio tendler isBn 978-851. utopia e barbrie (Filme). 2. tendler, silvio - entervistas. 3. roteiros cinematogrficos - histria e crtica. 4. cinema - Brasil. i. Fonseca, rodrigo, 1979-. ii. ttulo: histrias de nossas vidas ou ter dezoito anos em sessenta e oito. 10-0875. cdd: 791.4372 cdu: 791.43

01.03.10 09.03.10 017861

Patrocnio:Ministrio da Cultura

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O filme Utopia e barbrie chega aos cinemas no dia 23 de abril.silvio e Gen. GiAp

Ao contrrio de seus documentrios anteriores, agora Silvio sujeito da Histria, ele se inscreveu na(s) Histria(s). No fala do outro, fala de si mesmo. Caraca, Silvio um cineasta/ historiador. Temos

silvio e GAleAno

e AMAdo e sArtre siMone de BeAUvoir, JorG Foto: ZeliA GAttAi

Surpreendente! mente Uma orquestrao absoluta de rica e corajosa. Uma aula Histria. Imperdvel.iz Fernanda Montenegro, atr

obrigao de levar nossos alunos ao cinema este ano.Syrlea Marques, historiadora

o que transforma as, no rdio e na internet. Informa Nas banc: www.redebrasilatual.com.br/loja do Brasil. Pea ao seu jornaleiro ou assine LEIA . Revista s 8h, na FM 97,3 Grande So Paulo sil Atual. De segunda a sexta-feira, das 7h OUA. Jornal Bra rnet NAVEGUE. Na revista, no rdio ou na inte

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