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IV.TRANSPLANTES Por Rafael Sousa de Brito IV. 1. INTRODUÇÃO O estudo da imunogenética nos transplantes em geral foca o tema rejeição porque esta é a principal dificuldade encontrada pelos receptores de transplantes na medicina atual. Isso se deve ao fato de tudo aquilo que um organismo saudável não reconhecer como próprio ser atacado por ele, devido a seu sistema imune. No entanto, para a comunidade científica descobrir e explicar essa vigilância, e ainda encontrar uma forma de burlá-la até certo ponto, muitas técnicas e conhecimentos(1900: Carl Landsteiner descobre o ABO, 1940: Landsteiner, Levine e Wiener descobrem o fator Rh) seriam agregados ao longo do tempo, de modo que se pode dizer que a tecnologia dos transplantes evoluiu de modo lento. Desde séculos atrás, o homem já havia tido a criativa idéia de substituir um órgão defeituoso de um indivíduo por um órgão saudável de outro indivíduo, como se conclui a partir de registros de Hua-To(136-208d.C.) e dos santos Cosme e Damião(280ª.C.); infelizmente, começar-se-ia a realizar transplantes em humanos com sucesso apenas a partir da década de sessenta, salvo as transfusões sanguíneas, que podiam ter sucesso ou não. Hua-To foi um chinês que realizava transplantes com fins terapêuticos, Cosme e Damião foram gêmeos que, por diversos feitos, dentre eles o transplante de uma perna de afro-descendente morto em um caucasóide, foram elevados à

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Page 1: TRANSPLANTES 02

IV.TRANSPLANTESPor Rafael Sousa de Brito

IV. 1. INTRODUÇÃO

O estudo da imunogenética nos transplantes em geral foca o tema rejeição

porque esta é a principal dificuldade encontrada pelos receptores de transplantes na

medicina atual. Isso se deve ao fato de tudo aquilo que um organismo saudável não

reconhecer como próprio ser atacado por ele, devido a seu sistema imune. No entanto,

para a comunidade científica descobrir e explicar essa vigilância, e ainda encontrar uma

forma de burlá-la até certo ponto, muitas técnicas e conhecimentos(1900: Carl

Landsteiner descobre o ABO, 1940: Landsteiner, Levine e Wiener descobrem o fator

Rh) seriam agregados ao longo do tempo, de modo que se pode dizer que a tecnologia

dos transplantes evoluiu de modo lento. Desde séculos atrás, o homem já havia tido a

criativa idéia de substituir um órgão defeituoso de um indivíduo por um órgão saudável

de outro indivíduo, como se conclui a partir de registros de Hua-To(136-208d.C.) e dos

santos Cosme e Damião(280ª.C.); infelizmente, começar-se-ia a realizar transplantes em

humanos com sucesso apenas a partir da década de sessenta, salvo as transfusões

sanguíneas, que podiam ter sucesso ou não.

Hua-To foi um chinês que realizava transplantes com fins terapêuticos,

Cosme e Damião foram gêmeos que, por diversos feitos, dentre eles o transplante de

uma perna de afro-descendente morto em um caucasóide, foram elevados à categoria

dos santos da Igreja Católica. Entretanto, assim como muitos outros depois deles,

depararam-se com reações de rejeição aos transplantados por parte dos receptores, o que

não ocorreria com Joseph E. Murray, em 1954, ao realizar o primeiro transplante (renal)

entre humanos com sucesso e sem rejeição. A diferença residia no fato de doador e

receptor serem irmãos gêmeos monozigóticos, o que viria a ajudar a classificar os tipos

de transplantes.

Há quatro tipos de transplante:

Autotransplante: doador e receptor são a mesma pessoa. Sem rejeição.

Isotransplante: doador e receptor diferentes, mas com mesmo genótipo. Sem

rejeição.

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Alotransplante : doador e receptor são da mesma espécie, mas com genótipos

diferentes. Com rejeição.

Xenotransplante: doador e receptor são de espécies diferentes. Com rejeição intensa.

Um sistema imune normal está apto a reconhecer e destruir moléculas não

próprias a ele e não ataca células geneticamente iguais a ele porque as reconhece como

próprias, via proteínas de membrana. Assim, quando ele receber células iguais às dele,

suas ou de um irmão gêmeo monozigótico, não as rejeitará; por outro lado, células não

geneticamente iguais à dele serão rejeitadas, com rejeição ainda mais intensa no caso de

células de outra espécie de ser vivo. Isso se deve a anticorpos séricos contra antígenos

ubíquos carboidratados da superfície celular (alfa-Gal) de outros mamíferos e

ineficiência dos reguladores do complemento das células do doador, como CD59,

DAF(fator de aceleração de decaimento, CD55) e MCP(proteína cofator de membrana,

CD46). Porcos transgênicos, geneticamente semelhantes aos pacientes, têm sido criados

em alguns laboratórios na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto, o uso de órgãos

desses animais no homem continua uma esperança para o futuro.

A Imunologia de transplantes constitui-se em um importante capítulo da

imunologia, onde se estudam a compatibilidade doador-receptor de órgãos ou de tecidos

através do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) e os mecanismos

envolvidos no reconhecimento celular, visando a proteger o indivíduo de agressões

externas, através da regulação da resposta imunológica. A rejeição é a expressão de

complicados mecanismos da resposta imunológica envolvendo, na maioria das vezes, os

antígenos de histocompatibilidade do órgão transplantado.

A resposta imunológica se estabelece pela intervenção dos elementos

clássicos de defesa, como o envolvimento de anticorpos, células, de numerosos circuitos

de regulação e de fatores amplificadores celulares. Tudo isto contribui para modular a

intensidade da resposta, que é o reflexo de uma sofisticada cooperação entre diferentes

células imunocompetentes.

IV. 2. IMUNOLOGIA DO TRANSPLANTE

Complexo principal de histocompatibilidade (MHC)

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O MHC é uma região gênica, hipervariada, localizada no braço pequeno do

cromossomo 6 humano, a qual codifica glicoproteínas denominadas antígenos

leucocitários humanos (sistema HLA) que, na maioria das vezes, estão envolvidos na

rejeição de transplantes. Nessa região são codificadas três classes de moléculas: classes

I, II e III (FIGURA IV.2). As moléculas da classe III (B4, Hsp10, TNF) parecem não ter

importância em transplantação. Essa pequena região codifica geneticamente moléculas

que estão intimamente envolvidas na resposta imunológica para antígenos exógenos,

para tumores e através delas permite-nos avaliar a semelhança genética entre indivíduos

ou entre doadores e receptores ao transplante de órgãos.

As glicoproteínas de classe I são as codificadas nos locus HLA-A, B e C.

Apresentam estruturas semelhantes (FIGURA IV.3), mas diferem nas seqüências de

aminoácidos da molécula, o que lhes confere especificidade. Cada indivíduo tem dois

diferentes HLAs para cada locus HLA-A, B ou C.

Os antígenos de classe II diferem entre dois indivíduos e estão mais

envolvidos com a resposta imunológica. Com o desenvolvimento da técnica de

microcitotoxicidade, tornou-se possível distinguir indivíduos diferentes geneticamente,

através da identificação na superfície de linfócitos B – os antígenos de classe II.

O MHC, representado pela região gênica hipervariável na população

humana, está representado sob duas cópias em cada indivíduo. Os cromossomos são

passados da mãe (via óvulo) e do pai (via espermatozóide) para cada filho, e a soma dos

dois definirá a especificidade dos dois antígenos HLAS para cada locus . Esse fragmento

gênico, denominado haplótipo, é transmitido de uma geração à próxima (FIGURAIV.5).

Quando ocorre recombinação gênica, haverá transferência de parte de um haplótipo ao

outro, o que em parte explica a maior semelhança, do que os habituais 50% entre irmãos

gêmeos não univitelinos.

Tipagem HLA

Os antígenos HLAs estão presentes nas membranas de todas as células do

organismo e como antígenos solúveis nos líquidos do corpo. Esses antígenos são melhor

expressos em linfócitos e plaquetas. Devido à grande facilidade em obter tais células do

sangue, elas são usadas na tipagem HLA.

As tipagens HLAs são feitas rotineiramente nos laboratórios da imunologia

de transplantes pela técnica de microcitotoxicidade, empregando-se um painel de anti-

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soros específicos para cada antígeno de histocompatibilidade. Os anticorpos usados são

de origem humana, como os soros de multíparas e anticorpos monoclonais. Nesta

técnica também são usados complemento de coelho, eosina e formalina. Recentemente,

com a identificação de genes que codificam os HLA-DR e DQ de regiões específicas,

tem sido possível tipar esses HLAs através de amplificações dessas regiões,

empregando-se a técnica denominada PCR (Poly-merase Chain Reaction).

Atualmente, os laboratórios estão-se adaptando a essa nova técnica, mais

sensível, para tipar HLAs de classe II, e um futuro próximo essa metodologia também

será utilizada para os HLAs de classe I.

Prova cruzada

A prova cruzada para linfócitos tem sido padronizada desde 1968, com a

primeira publicação de Patel e Terasaki, os quais demonstram a grande chance que os

pacientes com anticorpos anti-HLA têm de rejeitarem o transplante. Assim, baseados

em melhores tipagens HLA e nesse método, acrescido de algumas modificações,

milhares de transplantes foram e têm sido realizados com sucesso em todo o mundo.

A técnica de microcitotoxicidade consiste em selecionar pacientes pela

pesquisa de anticorpos circulantes anti-HLA. Soro atual do receptor e/ou antigo (dois

meses) em volume de ml são colocados em orifícios da microplaca Terasaki. Em

seguida, 2.000 linfócitos do doador em ml de meio para célula são adicionados aos

orifícios contendo os soros. Os linfócitos podem ser obtidos do sangue periférico, de

linfonodos ou do baço. A separação dos linfócitos requer etapas para remover

eritrócitos, polimorfonucleares, macrófagos e plaquetas, usando-se soluções gradientes

e anticorpos monoclonais ligados às pérulas magnéticas ou pelo uso de lã de náilon para

purificação de linfócitos B (LB). Todos os LBs e poucos linfócitos T (LT) expressam

antígenos da classe II, e somente anticorpos que reconhecem HLA de classe II podem

detectá-los. A maioria dos laboratórios faz provas cruzadas para LB e para LT.

Ao soro mais células, que refletem a interação antígeno (Ag) (classe I ou II)

e anticorpos (DC) anti-HLA, adiciona-se, no mesmo orifício, o complemento, em

seguida coloca-se o corante eosina para detectar a reação através da coloração dos

linfócitos, que são visualizados em microscópio óptico invertido.

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Uma variedade de anticorpos pode dar prova cruzada positiva para LB e

negativa para LT. Dependendo da intensidade da positividade, ela deve ser levada em

consideração e pode influenciar a evolução do transplante. Entretanto, a liberação ou

não para transplante de paciente com LB positivo é polêmica e depende da experiência

de cada centro transplantador.

Os auto-anticorpos estão presentes, principalmente, em pacientes portadores

de doenças auto-imunes, como artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico, e são

citotóxicos para os linfócitos do próprio paciente quando incubados in vitro na presença

de complemento. Esses auto-anticorpos talvez estejam presentes em pelo menos 10%

dos renais crônicos à espera de transplante, com características distintas. A distinção

desse paciente é de extremo valor e visa a identificar as provas cruzadas falso-positivas

devido a auto-anticorpos.

A prova cruzada tem sido modificada ao longo do tempo com o objetivo de

aumentar a sensibilidade do teste em relação ao teste standard e de avaliar melhor os

pacientes no pré-transplante. O maior problema que as modificações trouxeram foi o

aumento de testes falso-positivos, que têm merecido toda atenção por parte dos

laboratórios especializados autorizados a executar tais testes. Por outro lado, essas

inovações têm evitado as rejeições hiperagudas e agudas no pós-transplante. Essas

rejeições, quando acontecem, geralmente estão relacionadas com antígenos não

pertencentes ao sistema HLA. O principal deles é o denominado antígeno de endotélio

renal e de monócitos (endotélio-monócito). Os anticorpos pré-formados ou a serem

formados após o transplante reagem com os antígenos do endotélio renal causando as

rejeições hiperagudas não-HLA-dependentes.

Painel de reatividade

O painel de reatividade (PRA) é usado para avaliar a presença de anticorpos

anti-HLA nos soros de pacientes que estão à espera de um transplante. Essa avaliação é

recomendada a intervalos de dois em dois meses. A monitoração dos pacientes tem sido

de grande utilidade às equipes transplantadoras, porque permite uma avaliação

pregressa do estado imunológico deles. Assim, a concentração de drogas

imunossupressoras prescritas pode ser aumentada ou diminuída, dependendo dos PRAs

dos pacientes, que podem ser, provisoriamente, classificados em baixo (< 20%), médio

(< 50%), médio-alto (< 80%), alto (> 80%) respondedores. Em geral, o PRA aumenta

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com as transfusões que o paciente recebe durante o período em que está a espera do

transplante. Uma transfusão sangüínea pode mudar o seu PRA, que deve ser sempre

repetido 15 dias após transfusões sangüíneas com papa de hemácias ou sangue total

preservado em geladeira por um período de pelo menos uma semana, por ser menos

imunogênico do que o sangue fresco.

Cultura mista de linfócitos

A cultura mista de linfócitos (CML) é uma técnica recomendada somente

para transplantes de medula óssea, com o objetivo de evitar as doenças de transplante

contra hospedeiro (GVHD) ou hospedeiro contra transplante (HVGD) comuns nesse

tipo de procedimento, quando células imunocompetentes são transplantadas para

pacientes imunoincompetentes.

Na CML, leucócitos do doador e do receptor são cultivados juntos por cinco

dias. Os leucócitos do doador contêm LT com especificidade contra aloantígenos sobre

as células do receptor; os LT são estimulados e entram em proliferação na presença

desses antígenos. O mesmo acontece com as células do receptor estimuladas pelos

antígenos do doador. A proliferação é usualmente medida pela introdução na cultura e

por 18 horas após os cinco primeiros dias na cultura de um precursor para DNA

marcado radioativamente, como a timidina tritiada (timidina – 3H). Quanto maior a

proliferação, mais DNA será sintetizado pelas células e mais radioatividade será

incorporada, medindo-se, então, a resposta proliferativa.

Em comparação com os testes sorológicos, os quais definem as

especificidades dos HLAs de doador e receptor, a CML mede a semelhança e a não-

semelhança entre células de doadores e receptores. Assim, quanto maior a proliferação,

menor será a semelhança genética; e quando não há proliferação, há semelhança total

entre os HLAs do doador e do receptor.

Nos transplantes da medula, é essencial saber se os linfócitos do receptor

irão reagir contra os HLAs do doador ou se os do doador (D) irão, reagir contra os do

receptor (R). Para esse propósito, na CML unidirecional, células são tratadas com

mitomicina C ou irradiadas (raios X) para evitar a proliferação. Assim, tanto células de

D tratadas com mitomicina estimulam a proliferação de células do R como células do

receptor tratadas da mesma maneira induzem proliferação em células do D.

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Os resultados de CML são dados através de índice de estimulação em

porcentagem (% IE) e porcentagem de resposta relativa (% RR), indicando que quanto

menores esses valores, maior é a semelhança entre R e D, evitando assim as doenças

"GVHD" e "HVGD" (graft versus host e host versus graft reaction) no transplante de

medula.

Solicitação de exames para transplantes

Os pacientes indicados para transplantes são previamente selecionados pela

compatibilidade ABO e vão ao laboratório para realização de exames para avaliação

imunogenética pré-transplante de acordo com o tipo de transplante.

Efeito do HLA no transplante

O efeito da semelhança HLA entre doador e receptor é marcante na evolução

e sobrevida dos transplantes. Esse efeito decresce com o menor número de HLAs

semelhantes. Após sucessivos insucessos com o transplante renal, somente em 1958 foi

feito o primeiro transplante renal bem-sucedido entre gêmeos univitelinos. Assim, ficou

demonstrada a importância dos estudos sobre histocompatibilidade na sobrevida do

transplante. Hoje, a avaliação imunogenética entre doadores e receptores constitui-se em

uma rotina nos transplantes de órgãos e tecidos. Dados do CTS (Collaborative

Transplant Studies, Heidelberg, Alemanha) demonstram, em milhares de transplantes

renais, sobrevida de 68 a 81%, com semelhança em HLA-B e DR de 0 a 4 antígenos e

de 52 a 75% no retransplante, respectivamente, avaliados dois anos após a

transplantação. Todas essas condutas, acrescida de um maior cuidado com os resultados

das provas cruzadas e o PRA, são essenciais para um número menor de falhas e maior

sobrevida dos transplantes.

Resposta imunológica

Os anticorpos reconhecem os antígenos nas suas mais variadas formas, como

nas estruturas primárias, secundárias ou terciárias, enquanto que, o reconhecimento

pelos linfócitos ocorre somente se o antígeno for apresentado na forma linear associado

ao MHC na superfície de células apresentadoras (APC). Esse fenômeno foi denominado

restrição imunológica.

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A ativação de linfócitos na resposta imunológica é feita através da interação

química de membranas, e o resultado desse contato é a geração de sinais que são

decodificados pela célula imunocompetente.

O primeiro sinal na ativação de LT é iniciado pela interação entre o TcR

(receptor de LT) e o antígeno específico ligado ao MHC da APC (FIGURA IV.4). Em

geral, os peptídeos que são apresentados associados ao MHC de classe I são derivados

de moléculas endógenas produzidas dentro da APC, proteínas da própria célula ou

moléculas de vírus que infectam as APCs. Em contraste, o MHC de classe II apresenta

peptídeos derivados de proteínas endocitadas por APCs.

Essa interação MHC-antígeno-TcR é estabilizada pela interação adicional de

outras moléculas. Para os linfócitos T CD4+, a molécula CD4 (FIGURA IV.4) se liga

em um sítio não polimórfico sobre o domínio beta 2 do HLA de classe II envolvido no

complexo MHC-antígeno-TcR. Para LT CD2+, a molécula CD8 interage de modo

similar, mas com o domínio alfa 3 do MHC de classe I sobre a célula-alvo.

Na interação entre LT e as células-alvo, as moléculas CD4 e CD8 são

envolvidas no sinal de transdução, como descrito abaixo: a ligação de LT e célula-alvo é

aumentada pela interação do CD2 com LFA-1 (CD58/fator de aderência de linfócito)

sobre a célula-alvo e por aderência do outro LFA-1 (CD11a/CD18) ao ICAM-1

(CD54/molécula de adesão intracelular) e ICAM-2. Essa interação é bidirecional, desde

que LFA-1, ICAM-1 e ICAM-2 estejam presentes em ambos os LTs e sua célula-alvo.

A interação entre LT e LB com APC é aumentada pela ligação do CD28

sobre o LT com antígeno B7 (por exemplo, restrito para LB). O mais interessante é que

essas moléculas (CD2, CD4, CD8, CD28, MHC de classe I, MHC de classe II, LFA-3,

ICAM-1, ICAM-2) são todas membros da superfamília das imunoglobulinas. Tal

diversidade em bases moleculares, provavelmente representa adaptações evolucionárias

sucessivas que permitem o aumento da resposta imunológica. A expressão da maioria

dessas moléculas de adesão sobre o LT e suas células-alvo é regulada pela ativação de

LT.

No segundo sinal, o contato do complexo CD3/TcR com o MHC-antígeno é

necessário, mas não suficiente para ativação da resposta imunológica. Todas as LTs

requerem um segundo sinal, embora a natureza exata desse sinal difira de acordo com a

função do LT respondedor. Os linfócitos podem ser divididos em duas subpopulações

funcionais, o LT helper (Th) que secreta interleucinas (citocinas) e o LT citotóxico (Tc)

que lisa células-alvo. A maioria dos Th é CD4+ e responde a antígenos (Ag) exógenos

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mais o MHC de classe II através da APC, como células dendríticas, macrófagos ou LB.

Por outro lado, a maioria dos Tcs é CD8+ e reconhece Ag endógenos mais o MHC de

classe I, presentes nas células nucleadas.

Em qualquer das funções do LT, o segundo sinal é dado por uma ou mais

interleucinas. Os efeitos combinados do sinal 1 (via TcR) e o sinal 2 (via IL) permitem a

ativação do Th, resultando em duas respostas principais: a) proliferação para gerar

clones de Th com especificidade dada pelo complexo Ag/MHC e maturação dos clones

Th b) geração de clones Th de memória para iniciar uma segunda e subseqüente

resposta imunológica contra um Ag específico.

O segundo sinal requerido para ativação de Th é a IL-1, a qual é secretada

pela APC. Então, o Th recebe ambos os sinais–1 (via TcR/CD3) e 2 (via IL-1) das

células APC. Outras citocinas, como IL-6 e TNF (fator de necrose de tumor), também

podem atuar como segundo sinal e afetar qualitativamente a evolução da ativação de

linfócitos.

O Tc também requer dois sinais principais. O sinal 1 compreende a interação

entre TcR e Ag/MHC sobre a célula-alvo. O sinal 2 é dado pela IL-2 produzida pelo Th

ou a associação de outras citocinas, como IL-4, IL-6 e IFN gama (interferon). Isso

permite a proliferação e a maturação do Tc.

As citocinas não somente regulam o tamanho da resposta imunológica, mas

também influenciam a sua evolução para a resistência ou suscetibilidade a infecções.

Isto tem sido demonstrado claramente em modelos experimentais com doenças auto-

imunes provando que a estimulação crônica da doença GVH ou HVG leva a sintomas

de lúpus eritematoso sistêmico, com envolvimento marcante de IL-4 e IL-5 e reduzida

produção de IL-2 e IFN gama. Isto levou os pesquisadores a suspeitarem da existência

de duas subpopulações de Th, as quais foram comprovadas posteriormente. Hoje,

aceita-se a existência de Th1 (CD4.1?) que secreta IL-2, IFN gama e TNF beta, estando

relacionados com imunidade, e Th2 (CD4-2?) que secreta IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10,

todas relacionadas com suscetibilidade. Ambas produzem várias citocinas, como: GM-

CSF (fator estimulatório de células – granulócitos e monócitos), TNF alfa e IL-3. Todos

esses mecanismos de ativação e regulação da resposta imunológica estão também

envolvidos na rejeição ao órgão transplantado.

Principais tipos de rejeição transfusional:

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Reação hemolítica aguda- devido ao sistema ABO, com hemólise intensa,

febre, taquidispnéia, dor lombar, IRA, hipotensão e choque; letalidade de 40%; 1:12000

de chance de ocorrência, principalmente por erros logísticos; condutas de suspensão de

transfusão, Hidratação, suporte ventilatório e hemodinâmico.

Reação febril não hemolítica- imunização HLA prévia ou formação de

pirógeno interno Il-1, com calafrios, hipertermia e mal-estar; 1:65 de chance de

ocorrência, principalmente em transfusão de concentrado de plaquetas; condutas de

suspensão transitória da transfusão, uso de antitérmico.

Reação hemolítica tardia- devido a imunização prévia do sistema Rh, com

anemia hemolítica leve/moderada 2-10 dias depois; 1:1000 de chance de ocorrência.

Injúria pulmonar relacionada a transfusão- Ac HLA, leucoaglutininas e

histamina(via complemento) agregam granulócitos na microvasculatura pulmonar, com

febre, calafrios, taquidispnéia, cianose e infiltrados difusos no Rx de tórax; 1:5000

chance de ocorrência; pode evoluir para SARA.

Principais tipos de rejeição de enxertos:

Os tipos de rejeição são (QUADRO IV.2):

Reação hiperaguda: devido ao sistema ABO, sistema Rh imunizado ou

presença de outros anticorpos séricos; ocorre em órgãos vascularizados, os anticorpos

reagem contra células endoteliais vasculares e ativam complemento e coagulação,

causando morte isquêmica; o enxerto fica ingurgitado e púrpura pelo sangue

desoxigenado da hemorragia; ocorre em poucos minutos, horas ou dias.

Reação aguda: devido a células T citotóxicas alorreagentes tipo T CD8,

podendo ser primária(10-13 dias em enxerto de pele) ou secundária(6-8 dias em enxerto

de pele), quando já houve imunização prévia com produção de células T de memória e

anticorpos; ocorre em alguns dias até 6 meses.

Reação crônica: devido a células T auxiliares tipo T CD4, que secretam

anticorpos IgG, citocinas e quimiocinas(CCL5) recrutadoras de monócitos; caracteriza-

se pela presença de macrófagos, que causam fibrose, arteriosclerose concêntrica e

atrofia e secretam citocinas(IL-1 e TNF-alfa) e quimiocinas(CCL2) para o recrutamento

de novos macrófagos; ocorre a partir de 6 meses.

Page 11: TRANSPLANTES 02

A apresentação de aloantígenos pode ser direta, com leucócitos passageiros do

enxerto migrando para linfonodos regionais do receptor, ou pode ser indireta, quando as

células apresentadoras de antígenos, APC, são do próprio receptor. Como as células T

citotóxicas só podem ser ativadas pelo alorreconhecimento direto, este mecanismo é o

principal causador da rejeição aguda; o alorreconhecimento indireto é mais importante

na rejeição crônica.

Embora o MHC, ou antígeno leucocitário humano(HLA) no caso do homem,

seja o maior causador de rejeições de enxerto devido a seu grande polimorfismo e

complexidade, o que gera MHCs diferentes para cada indivíduo geneticamente

diferente, ele não é único no processo da resposta alorreativa. A presença de antígenos

de histocompatibilidade menores, que são peptídeos de proteínas não-MHC

alelicamente variáveis, garante que até mesmo irmãos HLA-idênticos apresentem

rejeição em um transplante entre ambos, mas com menor velocidade. Este tipo de

resposta se assemelha àquela da infecção viral, só que com ataque a todas as células do

enxerto(não apenas as células infectadas, como na infecção viral), sendo o gene Smcy

do cromossomo Y um dos poucos conhecidos responsáveis por esse tipo de resposta(do

tipo anti-macho, uma vez que a mulher não o apresenta).

Quando se realiza um transplante alogênico de medula óssea, como em quadros

de leucemia, linfomas, imunodeficiência primária ou doenças congênitas de células-

tronco hematopoéticas(talassemia, por exemplo), ocorre a doença enxerto X hospedeiro

(GVHD). Essa doença consiste em um processo de rejeição do órgão doado em relação

ao corpo do receptor, uma vez que a medula óssea é uma fonte de células de defesa. Seu

quadro clínico é de inflamação grave com exantemas, diarréia e doença hepática, sendo

mais virulenta quando há divergência de um antígeno principal de MHC-I ou MHC-2.

Uma diferença MHC-II aumenta a proliferação de células T e uma diferença de MHC-I

gera a produção de células T citotóxicas.

A GVHD apresenta uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que é necessária

imunossupressão para evitá-la, uma imunossupressão torna o indivíduo muito suscetível

a infecções ou cânceres, pois ele se encontra imunodeprimido devido a quimioterapia e

raios-X pré-transplante. No caso da leucemia, também, muito do efeito terapêutico se

deve à imunidade da medula óssea transplantada em relação aos antígenos H menores e

tumor-específicos da neoplasia. Assim, procura-se uma forma de evitar reação de

células T alogênicas a antígenos do receptor encontrados logo após o transplante, e uma

das mais promissoras vertentes é a depleção de células dendríticas essenciais. Neste

Page 12: TRANSPLANTES 02

caso, não haveria ativação de células T após o transplante, não havendo GVHD, mas

não se sabe se haveria efeito enxerto X leucemia.

Como regra geral, a falência de um órgão vital requer que o mesmo seja

substituído. Os transplantes fazem parte da rotina médica atual, devido a fatores de

viabiliação na medicina clínica: melhoria da técnica pelos profissionais, organização de

centros para armazenamento e tipagem do HLA de órgãos, imunossupressão

eficiente(destaque para ciclosporina A e FK-506, o Tacrolimo) e uso de MLR e ensaio

de diluição limitante. O MLR é a reação de linfócitos mistos, onde se observa

proliferação de células T alorreativas do possível doador em presença de linfócitos do

possível receptor quando for haver rejeição; o ensaio de diluição limitante é um teste

mais preciso que o MLR.

Por outro lado, os transplantes ainda apresentam muitas dificuldades: pequena

disponibilidade de órgãos, não curam doenças de base(o órgão transplantado pode

passar pelo mesmo que o antigo passou), efeitos colaterais da imunossupressão (risco

aumentado de infecções e câncer), alto custo e seleção de doador compatível. Os irmãos

apresentam 50% de chance de similaridade de 50% de HLA e 25% de chance de HLA

igual, sendo a primeira opção para doador; pais sempre apresentam 50% de similaridade

genética, sendo a segunda opção; outros parentes variavelmente compatíveis são as

próximas opções.

IV. 3. IMUNOSSUPRESSÃO

Sobre imunossupressão, temos(QUADRO IV.1):

Antimetabólitos e inibidores mitóticos- esta classe de fármacos é usada na

imunossupressão crónica. Os dois antimetabólitos principais usados em casos clínicos

são a azatioprina e o mofetilo micofenolato. A azatioprina é um potente inibidor

mitótico sendo normalmente administrada imediatamente antes e depois do transplante,

diminuindo a proliferação dos linfócitos T em resposta aos aloantigénios do transplante.

A azatioprina actua na célula durante a fase S do ciclo celular (FIGURA IV.7; FIGURA

IV.8). É convertida em 6-mercaptopurina dentro das células inibindo a produção de

adenosina monofosfato (AMP) e guanina monofosfato (GMP), atrasando a proliferação

celular. Outros inibidores mitóticos são metotrexate, um inibidor da biossíntese purínica

e a ciclofosfamida que actua directamente na cadeia de DNA. O facto destes inibidores

mitóticos actuarem em todas as células de divisão rápida e não especificamente em

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células envolvidas na resposta contra o transplante poderá levar a reacções deletérias ao

impedir a divisão de outras células funcionais. O mofetilo micofenolato é uma droga

que se converte rapidamente em acido micofenólico, sendo um inibidor reversível de

inosina monofosfato desidrogenase (IMPDH), a enzima que controla um passo crucial

na conversão de inosina monofosfato (IMP) em GMP. A inibição de IMPDH faz

decrescer a quantidade de guanosina trifosfato (GTP) disponível para a célula e impede

a proliferação de linfócitos. Em muitos locais, o mofetilo micofenolato substituiu

completamente a azatioprina como o antimetabolito primário usado em transplantação

clinica. A supressão da medula óssea e o aumento do risco do transplante ser maligno

são os principais problemas associados aos antimetabólitos. O mofetilo micofenolato

está associado a mais efeitos gastrointestinais do que a azatioprina. O Allopurinol

prolonga o tempo de meia vida da azatioprina o que pode causar uma depressão

significativa da medula óssea.

Corticosteróides: os corticosteróides são agentes anti-inflamatórios e têm

efeitos a vários níveis da resposta imunitária. Usados desde o inicio dos anos 60,

acredita-se que bloqueiam a produção de IL-1 e IL-6 pelas células apresentadoras de

antigénios. Estas drogas são normalmente dadas aos pacientes de transplantes

juntamente com um inibidor mitótico, como por exemplo, a azatioprina, para prevenir a

rejeição aguda (FIGURA IV.7; FIGURA IV.8). Os efeitos adversos dos corticosteróides

incluem a hipertensão, hiperlipidemia, doença da úlcera, diabetes, obesidade, cataratas e

susceptibilidade a infecções. À maioria dos pacientes de transplantes são administradas

doses baixas de corticosteróides na duração de vida do transplante, apesar de alguns

métodos já eliminarem o seu uso.

Metabólitos fúngicos como imunosupressores: a ciclosporina e o

tacrolimus (conhecida como FK-506) são ambos derivados de fungos. A ciclosporina é

um polipéptido cíclico produzido por um fungo encontrado na Noruega (Beauvaria

nivea), enquanto que tacrolimus é um antibiótico isolado a partir de Streptomyces

tsukubaensis, um fungo encontrado no solo japonês. A ciclosporina e tacrolimus

apresentam um mecanismo semelhante de ação (FIGURA IV.6), quebrando a cascata de

eventos dependentes de cálcio que se segue à ligação do antigénio com o receptor do

linfócito T. Ambos os agentes se ligam a proteínas no citosol: a ciclosporina liga-se a

ciclofilina e o tacrolimus liga-se a FK-binding protein (FK-BP). Após se terem ligado,

estes agentes tornam o complexo calcineurina inactivo, prevenindo a transcrição

subsequente do gene de IL-2. A ciclosporina revolucionou a transplantação com a sua

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potente actividade imunossupressora que se traduziu numa maior sobrevivência dos

transplantes de praticamente todos os órgãos. Os perfis tóxicos das duas drogas são

semelhantes. O principal efeito adverso parece ser a nefrotoxicidade. Tanto a

ciclosporina como tacrolimus diminuem o fluxo sanguíneo renal que por sua vez

provoca hipertensão, retenção de fluidos, acidose do tubo renal distal e disfunção renal.

Existem dois tipos de disfunção renal que podem resultar da terapia com ciclosporina ou

tacrolimus. A toxicidade funcional é uma complicação reversível que se trata com a

descontinuidade do fármaco ou quando a dose é reduzida. A nefrotoxicidade crónica

caracteriza-se pela fibrose intersticial e hialinose arteriolar. O balanço entre os

potenciais benefícios e os efeitos tóxicos do tratamento a longo prazo com ciclosporina

e tacrolimus é ainda tema de discussão. Embora muitos pacientes possam ser tratados

com sucesso sem o uso de ciclosporina, em 30% destes pacientes desenvolve-se uma

rejeição aguda. Por esta razão,  na ausência de toxicidade significativa, a maioria dos

pacientes irá continuar a utilizar ciclosporina ou tacrolimus  desde que o transplante

funcione. O tacrolimus e a ciclosporina podem também afectar o sistema nervoso,

causando tremores e ocasionalmente convulsões. Ambas as drogas são metabolizadas

no sistema P450-3A4, pelo que muitas drogas podem interferir com o metabolismo da

ciclosporina ou tacrolimus. A monitorização de rotina dos níveis de toxicidade do soro é

requerida quando se utilizam inibidores de calcineurina. Na ciclosporina, o componente

parental parece ter a maior actividade imunossupressora, e a maioria dos laboratórios

utilizam a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC), ou anticorpos monoclonais

para detectar os componentes parentais. Em geral, os níveis sanguíneos entre 100 a 200

ng/mL parecem ser apropriados para a maioria dos pacientes de transplantes. Para

tacrolimus, o método que se apresenta mais eficaz para prevenir a rejeição e níveis

tóxicos demasiado elevados, é manter os níveis entre 5 e 15 ng/mL durante 12 horas.

Terapia de combinação: cyclosporina e tacrolimus têm sido empregues

como monoterapia (em investigação), sendo que muitos centros usam e avaliam

combinações de todas as drogas mencionadas anteriormente. Os inibidores de

calcineurina têm sido combinados com prednisona. A adição de azatioprina ou mofetilo

micofenolato aumenta a eficácia terapêutica, mas podem ser causa de efeitos nocivos.

Em geral, o uso de muitas drogas imunossupressoras requer um balanço entre o risco de

perda do órgão transplantado e os níveis de toxicidade. As doses diárias e os níveis

terapeuticos de drogas imunossupressoras no sangue usadas em pacientes de

transplantes, têm sido determinadas empiricamente. Muito poucos estudos controlados

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têm comparado directamente doses múltiplas ou níveis de azatioprina, prednisona,

ciclosporina, ou tacrolimus (FIGURAS IV.6; FIGURA IV.7; FIGRA IV.8). Apesar de

as doses e níveis de drogas imunossupressoras poderem ser alterados ao longo do tempo

para auxiliar a diminuição do risco global da imunossupressão, a maioria dos pacientes

parece requerer imunossupressão de manutenção desde que o alograft esteja ainda a

funcionar. Muitos casos de rejeição aguda tardia ocorreram quando as drogas

imunossupressoras foram alteradas ou a sua administração descontinua no curso pós-

transplantação. Obviamente o objectivo é equilibrar um nível apropriado de

imunossupressão com os riscos a longo prazo, que incluem o desenvolvimento de

cancro, infecções e problemas metabólicos.

Radiação: devido à elevada sensibilidade dos linfócitos aos raios-x, a

irradiação com estes raios poderá ser utilizada para eliminá-los. Desta forma, antes do

transplante, são irradiados os nódulos linfáticos, o timo e o baço, resultando na

eliminação dos linfócitos do receptor.Devido a este processo, o paciente encontra-se

num estado imunossuprimido, não rejeitando com tanta facilidade o novo tecido ou

órgão. Visto que a medula óssea não é exposta à radiação inicialmente, as células

estaminais da linha linfóide proliferam e renovam a população de linfócitos. Estes

linfócitos aparentam ser mais tolerantes aos antigénios do transplante. Naturalmente, a

situação de imunossupressão geral bloqueia a resposta imune na totalidade, colocando o

paciente numa situação fragilizada.

Terapia antilinfócito: as terapias antilinfócito disponíveis incluem a -

globulina (gamma) antitimócito do anticorpo policlonal (ATGAM) e os anticorpos

monoclonais OKT3, daclizumab e basiliximab. Os anticorpos policlonais como os

ATGAM são anticorpos dos tecidos linfáticos humanos que foram desenvolvidos

noutros animais. Os anticorpos monoclonais são produzidos a partir de hibridomas de

linhas celulares. Daclizumab e basiliximab são anticorpos humanizados que se mostram

efectivos na prevenção de rejeições agudas, ligando-se a um receptor IL-2. Tanto os

ATGAM como os OKT3 induzem uma rápida redução no numero de linfócitos T,

através da morte celular directa mediada por anticorpos ou sequestro (movimento dos

linfócitos T fora do compartimento vascular). A diferença está na especificidade dos

anticorpos monoclonais em relação a determinados antigénios. Estes anticorpos, para

determinadas moléculas da superfície de células do sistema imunitário, conseguem

suprimir a actividade de linfócitos T no geral ou a actividade de sub-populações de

linfócitos T. São igualmente úteis no bloqueio da sinalização co-estimulatória, que será

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aprofundada posteriormente. Alguns estudos em animais sugerem que alguns anticorpos

monoclonais podem ser usados para suprimir apenas os linfócitos T que estão

activados.Uma vez que têm efeitos profundos no sistema imunitário, estas drogas

apenas são usadas na terapia de curta duração. Muitas vezes prescrita no período inicial

pós-transplantação, para prevenir a rejeição aguda, a terapia antilinfócito pode também

ser usada para tratar uma rejeição aguda estabelecida.  A administração intravenosa da

terapia antilinfócito pode provocar um aumento considerável no nível de citoquinas,

produzindo um síndroma febril (febre, mialgia) conhecido como o síndroma de

libertação de citoquinas. Sendo anticorpos humanizados Daclizumab e basiliximab não

causam libertação de citoquinas.

Bloqueio de sinais co-estimulatórios: a activação dos linfócitos TH

requer uma sinalização co-estimulatória para além do sinal mediado pelo receptor dos

linfócitos T (TCR). Este tipo de sinalização pode provir da interacção entre a molécula

B7 da membrana das APC e a molécula CD28 ou CTLA-4 dos linfócitos T. Se não

houver uma sinalização co-estimulatória, os linfócitos T activados tornam-se anérgicos.

Um segundo par de moléculas co-estimulantes para a activação de linfócitos T são a

CD40, presente na APC, e a CD40L ou CD154, presente no linfócito T. Foi

demonstrado que ao bloquear a sinalização co-estimulatória mediada pela B7 com a

CTLA-4 após transplantação, os linfócitos T do hospedeiro que actuam contra o tecido

transplantado, tornam-se anérgicos, permitindo a sobrevivência do tecido.

Há sítios de transplante que não requerem imunossupressão, pois

normalmente há tolerância de enxertos. Estes sítios incluem a câmara anterior do olho, a

córnea, o útero, o cérebro e os testículos. Todos estes locais caracterizam-se pela

ausência de canais linfáticos e, em alguns casos, pela ausência de vasos sanguíneos.

Consequentemente, os aloantigénios do transplantado não são capazes de sensibilizar os

linfócitos do receptor, tendo o graft uma maior probabilidade de aceitação, mesmo

quando os antigénios HLA não são compatíveis.

Quanto ao aconselhamento genético, para os transplantes de enxertos

deve-se esclarecer sobre tipagem sanguínea, possíveis doadores(como já mencionado), a

necessidade de imunossupressão em alotransplante e seus efeitos colaterais, os altos

custos e rejeição crônica ao enxerto, que implica em novos transplantes. No caso das

transfusões de componentes do sangue, atentar para a tipagem sanguínea e a reações

imprevistas por sistemas não avaliados ou por outros mecanismos.

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Para o futuro, considera-se promissores os xenotransplantes de animais

transgênicos, notadamente porcos com reguladores de complemento(DAF, etc.)

humanos e sem alfa-Gal, e o uso de células-tronco armazenadas para a realização de

autotransplantes. Além disso, deve-se estudar uma forma de mimetismo da tolerância

quase impecável da mãe em relação ao feto, resultado de vários mecanismos de controle

aditivos entre si. Os principais seriam a atuação do trofoblasto da camada externa da

placenta, que não apresenta MHCs(inibindo atuação de células T) e apresenta HLA-G

(c1 não-clássica, que inibem o ataque por células NK), produz em grande quantidade a

indolamina 2,3-dioxigenase catabolizadora de triptofano(sem triptofano, as células T

apresentam resposta reduzida) e secreta TGF-beta, IL-4 e IL-10(que suprimem as

respostas Th1); o epitélio uterino também produz estas citocinas, há supressão

temporária de resposta imune contra o MHC paterno durante a gravidez e há atividade

das células T reguladoras para supressão da resposta ao feto.

IV. 4. SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES

Histórico

A atividade de transplante de órgãos e tecidos no Brasil, iniciou-se no ano

de 1964 na cidade do Rio de Janeiro e no ano de 1965, na cidade de São Paulo, com a

realização dos dois primeiros transplantes renais do país. O primeiro transplante

cardíaco ocorreu também na cidade de São Paulo no ano de 1968, realizado pela equipe

do Dr. Euriclides de Jesus Zerbini. Este fato ocorreu pouco menos de um ano após a

realização do transplante pioneiro pelo Dr. Christian Barnard, na África do Sul.

Deste período inicial até os dias atuais, esta atividade teve uma evolução

considerável em termos de técnicas, resultados, variedade de órgãos transplantados e

número de procedimentos realizados. Mesmo com a existência da Lei nº 5.479, de 10 de

agosto de 1968, posteriormente revogada pela Lei nº 8.489 de 18 de novembro de 1992,

que dispunha sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes de cadáver para

finalidade terapêutica e científica, não havia, neste período, uma legislação apropriada

que regulamentasse a realização de transplante. O que havia eram regulamentações

regionais, desenvolvidas informalmente quanto à inscrição de receptores, ordem de

Page 18: TRANSPLANTES 02

transplante, retirada de órgãos e critérios de destinação e distribuição dos órgãos

captados.  

Na medida em que grande parte dos procedimentos realizados era financiada

por recursos públicos e que se aprofundava o entendimento de que os órgãos captados

eram “bens públicos”, cresceu, na sociedade brasileira, entre os gestores do SUS e na

própria comunidade transplantadora, o desejo de regulamentar a atividade, criar uma

coordenação nacional para um sistema de transplantes e definir critérios claros,

tecnicamente corretos e socialmente aceitáveis e justos, de destinação dos órgãos.

Em 1997 foi criada a chamada Lei dos Transplantes (Lei nº 9.434, de 4 de

fevereiro de 1997), cujo objetivo era dispor sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes

do corpo humano para fins de transplante, e o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997

que a regulamentou, na tentativa de minimizar as distorções e até mesmo injustiças na

destinação dos órgãos. No dia 30 de junho de 1997, através deste mesmo decreto, foi

criado no âmbito do Ministério da Saúde o Sistema Nacional de Transplantes – SNT

tendo como atribuição desenvolver o processo de captação e distribuição de tecidos,

órgãos e partes retiradas do corpo humano para finalidades terapêuticas e transplantes.

A partir destas definições legais, começou um intenso trabalho no

Ministério da Saúde no sentido de implementar as medidas preconizadas, organizar o

Sistema Nacional de Transplantes (SNT), implantar as Listas Únicas de Receptores,

criar as Centrais Estaduais de Transplantes, normatizar complementarmente a atividade,

cadastrar e autorizar serviços e equipes especializadas, estabelecer critérios de

financiamento, impulsionar a realização dos procedimentos e ainda adotar uma série de

medidas necessárias ao pleno funcionamento do Sistema. Todas essas atividades, pela

sua complexidade e abrangência, tiveram naturais dificuldades de implementação, pois

se passou a vivenciar um período de transição entre a informalidade anterior e uma

intensa regulamentação e implementação de controles presentes. É preciso que se

compreenda a implantação do Sistema Nacional de Transplantes como um processo de

construção, onde, a cada dia que passa, com a experiência adquirida pelo vivenciamento

de dificuldades e problemas que vão surgindo, pelo crescimento do grau de organização,

vão sendo agregadas novas normas e aperfeiçoados os mecanismos de controle e

gerenciamento do Sistema.

O Sistema Nacional de Transplantes é hoje respeitado pela sociedade

brasileira, pelos pacientes e pela comunidade transplantadora. Isto seguramente se deve

ao grande esforço que o Ministério da Saúde tem empreendido nessa área, pela

Page 19: TRANSPLANTES 02

seriedade e transparência que tem pautado sua atuação na condução do SNT e pelo

extraordinário estímulo que tem dado à atividade de transplante no País. Graças a este

trabalho, o Brasil figura hoje no segundo lugar em número absoluto de transplantes

realizados ao ano em todo o mundo. Se considerarmos a relação número de transplantes

e PIB, o Brasil ocupa o primeiro lugar, o que demonstra claramente os investimentos

realizados nessa área e o estímulo dado a seu incremento.

Para que se compreenda a amplitude e abrangência das medidas adotadas

pelo Ministério no período de 1998 a 2001 na área de transplantes, apresentamos a

seguir uma sistematização destas ações.

Regulamentação do Sistema Nacional de Transplantes

A partir da edição da Lei dos Transplantes (Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro

de 1997) e do Decreto n.º 2.268, de 30 de junho de 1997, coube ao Ministério da Saúde

o detalhamento técnico, operacional e normativo do Sistema Nacional de Transplantes.

Esse detalhamento foi estabelecido em agosto de 1998 com a aprovação do

Regulamento Técnico de Transplantes.

O Regulamento estabelece:

            - as atribuições das Coordenações Estaduais;

            - fluxo e rotinas com vistas à autorização às equipes especializadas e

estabelecimentos de saúde para proceder à retirada e transplantes de órgãos, partes e

tecidos do corpo humano;

            - as condições para a retirada desses órgãos, partes e tecidos, para a realização de

transplantes ou enxertos;

            - normas operacionais para a execução desses procedimentos;

            - as exigências técnicas quanto a recursos humanos e materiais para a realização

de transplante de cada órgão especificado;

            - a disponibilidade desses recursos em tempo integral;

            - as condições da recomposição do cadáver;

            - a formalização dos procedimentos realizados;

            - as normas para o processo de cancelamento de autorização para as equipes

especializadas ou para os estabelecimentos;

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            - a periodicidade de renovação das referidas autorizações de estabelecimentos e

equipes para a retirada e transplante de órgãos, partes e tecidos;

            - o sistema de lista única, previsto no Decreto n.º 2.268, de 1997;

            - constituição dos conjuntos de critérios específicos para a distribuição de cada

tipo de órgão ou tecido para os receptores;

            - a priorização de atendimento por gravidade em cada modalidade de transplante.

Por proposição da Coordenação Nacional do Sistema Nacional de

Transplantes e com o aval de toda a comunidade transplantadora do País, a Lei dos

Transplantes teve algumas de suas disposições alteradas. As alterações, inicialmente

promovidas por meio de edição de Medida Provisória em outubro de 2000, foram

aprovadas pelo Congresso Nacional e consolidadas na forma da Lei n.º 10.211, em

março de 2001.

As mudanças envolvem a retirada da obrigatoriedade do registro da

manifestação de vontade – "doador" ou "não doador" – das carteiras de identidade e de

habilitação (essa manifestação foi substituída posteriormente, e por Portaria Ministerial,

pelo Registro Nacional de Doadores, já abordado acima), a consolidação da

obrigatoriedade de consulta à família para autorização da doação e retirada de órgãos e

ainda o estabelecimento de critérios melhor definidos para a efetivação das doações de

órgãos intervivos. Nas doações intervivos em que o receptor e doador não são parentes

próximos ou cônjuges (exceção feita à doação de Medula Óssea), passou a ser exigida

autorização judicial para a realização do procedimento.

Centrais Estaduais de Transplante

A partir da aprovação do Regulamento Técnico de Transplantes, o

Ministério da Saúde desenvolveu, em parceria com as Secretarias Estaduais de Saúde,

um grande esforço no sentido de implantar nos estados as Centrais de Notificação,

Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), também chamadas de Centrais Estaduais

de Transplante.

Até outubro de 2002, foram implantadas 22 CNCDOs (estaduais) e 10

Centrais Regionais, nos seguintes estados:

Norte

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Amazonas

Pará

Nordeste

Alagoas

Bahia

Ceará

Maranhão

Paraíba

Pernambuco

Piauí

Rio Grande do Norte

Sergipe

Sudeste

Espírito Santo

Minas Gerais - Central Estadual; Regional Metropolitana-

BH; Regional Uberlândia; Regional Juiz de Fora; Regional Zona da

Mata; Regional Sul; Regional Norte/Nordeste; Regional Leste

Rio de Janeiro

São Paulo - Central Estadual; Central Regional 1 (capital)

e Regional 2 (Interior)

Sul

Paraná - Central Estadual; Regional Londrina e Regional

Maringá

Rio Grande do Sul

Santa Catarina

Centro-Oeste

Distrito Federal

Goiás

Page 22: TRANSPLANTES 02

Mato Grosso

Mato Grosso do Sul

Central Nacional de Transplante

Como a atividade das Centrais Estaduais se dá no âmbito estadual e com o

desenvolvimento e incremento das atividades de transplante no País, surgiu a

necessidade da criação de uma estrutura que articulasse as ações interestaduais. Assim,

em 16 de agosto de 2000, foi criada a Central Nacional de Transplantes, que funciona

24 horas por dia no Aeroporto de Brasília. A Central Nacional articula o trabalho das

Centrais Estaduais e provê os meios para as transferências de órgãos entre estados com

vistas a contemplar as situações de urgência e evitar os desperdícios de órgãos sem

condições de aproveitamento da sua origem. Assim, exemplificando, quando um

coração é doado e retirado num estado que não realize transplante desse órgão, o mesmo

é disponibilizado para a Central Nacional que o transfere para o estado mais próximo

que realize o procedimento. Esta atividade tem garantido um melhor aproveitamento

dos órgãos captados.

Para apoiar as ações da Central Nacional, viabilizar e agilizar seu trabalho

dentro dos prazos exíguos que se dispõem para operacionalizar os procedimentos

envolvidos na sua atividade, o Ministério da Saúde, em janeiro de 2001, celebrou Termo

de Cooperação com 15 empresas aéreas reunidas no Sindicado Nacional das Empresas

Aéreas. Esta cooperação vem garantindo o transporte gratuito de órgãos e,

eventualmente, de equipes médicas de retirada.

IV. 5. TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA

O conceito de altas doses de quimioterapia seguidas da infusão de células-

tronco hematopoéticas foi incorporado ao contexto terapêutico com a finalidade de cura

para uma série de neoplasias hematológicas e tumores sólidos. A utilização desta

estratégia terapêutica é conhecida como transplante de medula óssea (TMO).

Page 23: TRANSPLANTES 02

         Existem três tipos de transplante: o alogênico, o autólogo e o singênico. No

transplante alogênico, a medula óssea é retirada de um doador previamente selecionado

por testes de histocompatibilidade, normalmente identificado entre os familiares ou em

bancos de medula óssea. No transplante autólogo, a medula óssea ou as células tronco

periféricas são retiradas do próprio paciente, criopreservadas e reinfundidas após o

regime de condicionamento. O transplante de medula óssea entre gêmeos univitelinos é

denominado singênico. Mais recentemente, o transplante com células do cordão

umbilical vem sendo empregado em alguns centros para o tratamento de crianças e

adultos jovens, principalmente portadoras de leucemias agudas. O objetivo é promover

o enxertamento das novas células no organismo do receptor, gerando uma mistura

celular e a seguir, como as células enxertadas são mais resistentes, elas passam a

proliferar e destruir as células tumorais remanescentes no receptor.

         A indicação do transplante depende, em geral, da fase da doença em que os

pacientes se encontram. A realização do transplante consiste na retirada da medula

óssea da crista ilíaca posterior através de múltiplas aspirações por agulhas especiais para

este procedimento ou pela retirada com máquinas de aférese (processadores celulares)

das células tronco periféricas estimuladas. Estas células, após a infusão no receptor, vão

circular na corrente sanguínea e por um mecanismo tropismo (mediado por citocinas) se

alojam na medula óssea iniciando a reconstituição hematopoética do paciente. Estas

células marcam-se fenotipicamente como CD34+ e tem uma alta capacidade

proliferativa.

         Durante duas a três semanas após a infusão da medula óssea, o paciente

permanece em aplasia medular intensa (fase em que os leucócitos, glóbulos vermelhos e

plaquetas permanecem baixos) enquanto não ocorre a enxertia. A neutropenia severa

predispõe à infecções bacterianas, fúngicas, virais e protozoários. Após este período, os

leucócitos começam a aparecer no sangue periférico, demonstrando a recuperação

medular. Milhares de transplantes de medula óssea foram realizados nos últimos quinze

anos e a maior experiência se concentra nas leucemias linfoblásticas, mielóide aguda,

mielóide crônica e anemia aplástica severa.