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Trajetória da atenção psicossocial no município de Nova Iguaçu: conhecendo o território Cristiane de Carvalho Guimarães Juliana Caroline Mendonça da Silva Stephany Reis Vale Resumo A rede de atenção psicossocial do Município de Nova Iguaçu, sua história e trabalho são pouco conhecidos. Há escassez de trabalhos publicados e um número inexpressivo de pesquisas científicas em andamento. Esta rede é formada pela integração de ações articuladas em saúde mental, incluindo ações da Atenção Básica, Ambulatórios de Saúde Mental, Emergências Psiquiátricas e dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Dentre os dispositivos assistenciais encontra-se o Caps III Dr. Jair Nogueira. É destinado a pessoas portadoras de transtornos mentais severos e persistentes. A pesquisa “Trajetória da Atenção psicossocial no município de Nova Iguaçubuscou conhecer esta rede e sua história através de pesquisa documental e bibliográfica e a história do CAPS III, buscando identificar a interação deste com a rede de saúde do Município. As conclusões da pesquisa apontam a inexistência de documentos oficiais e artigos sobre a rede, o que impacta na organização da mesma assim como na assistência prestada. A elaboração e socialização destes dados e uma maior integração entre as políticas de saúde mental dos municípios da região e seus dispositivos proporcionará o desenvolvimento da rede. Palavras-chave: Atenção Psicossocial; Nova Iguaçu; Caps Desenvolvimento A reestruturação da assistência hospitalar psiquiátrica no Brasil vem acontecendo como um processo coordenado e pactuado pelo Ministério da Saúde, e permitiu que a redução do número de leitos e de hospitais psiquiátricos fosse articulada com a construção e expansão progressiva de uma rede de atenção aberta, diversificada e inserida na comunidade, com base estratégica nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ações de saúde mental na atenção básica, Programa De Volta para Casa e programas de inclusão social pelo trabalho. Segundo relatório do Ministério da Saúde intitulado “Saúde mental em dados”, de 2011, cerca de 18.000 leitos psiquiátricos de baixa qualidade assistencial foram fechados no período entre dezembro de 2002 e 2010, através do PNASH/Psiquiatria e do PRH (Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica). Este último estabelecido em 2004, após a aprovação, pelo Ministério da Saúde, da Portaria 52 (BRASIL, 2011). Nas considerações desta Portaria (Institui o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS 2004), o Ministério da Saúde indica a necessidade de estabelecer critérios técnicos para a redução progressiva de leitos, especialmente nos hospitais de maior porte, de modo a garantir adequada assistência extra-hospitalar aos internos

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Page 1: Trajetória da atenção psicossocial no município de Nova ... · mental e da rede de atenção psicossocial do Município de Nova Iguaçu, identificar a história do Caps Jair Nogueira

Trajetória da atenção psicossocial no município de Nova Iguaçu:

conhecendo o território

Cristiane de Carvalho Guimarães

Juliana Caroline Mendonça da Silva

Stephany Reis Vale

Resumo

A rede de atenção psicossocial do Município de Nova Iguaçu, sua história e trabalho são

pouco conhecidos. Há escassez de trabalhos publicados e um número inexpressivo de

pesquisas científicas em andamento. Esta rede é formada pela integração de ações articuladas

em saúde mental, incluindo ações da Atenção Básica, Ambulatórios de Saúde Mental,

Emergências Psiquiátricas e dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). Dentre os

dispositivos assistenciais encontra-se o Caps III Dr. Jair Nogueira. É destinado a pessoas

portadoras de transtornos mentais severos e persistentes. A pesquisa “Trajetória da Atenção

psicossocial no município de Nova Iguaçu” buscou conhecer esta rede e sua história através

de pesquisa documental e bibliográfica e a história do CAPS III, buscando identificar a

interação deste com a rede de saúde do Município. As conclusões da pesquisa apontam a

inexistência de documentos oficiais e artigos sobre a rede, o que impacta na organização da

mesma assim como na assistência prestada. A elaboração e socialização destes dados e uma

maior integração entre as políticas de saúde mental dos municípios da região e seus

dispositivos proporcionará o desenvolvimento da rede.

Palavras-chave: Atenção Psicossocial; Nova Iguaçu; Caps

Desenvolvimento

A reestruturação da assistência hospitalar psiquiátrica no Brasil vem acontecendo como um

processo coordenado e pactuado pelo Ministério da Saúde, e permitiu que a redução do

número de leitos e de hospitais psiquiátricos fosse articulada com a construção e expansão

progressiva de uma rede de atenção aberta, diversificada e inserida na comunidade, com base

estratégica nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), ações de saúde mental na atenção

básica, Programa De Volta para Casa e programas de inclusão social pelo trabalho. Segundo

relatório do Ministério da Saúde intitulado “Saúde mental em dados”, de 2011, cerca de

18.000 leitos psiquiátricos de baixa qualidade assistencial foram fechados no período entre

dezembro de 2002 e 2010, através do PNASH/Psiquiatria e do PRH (Programa de

Reestruturação da Assistência Psiquiátrica). Este último estabelecido em 2004, após a

aprovação, pelo Ministério da Saúde, da Portaria 52 (BRASIL, 2011).

Nas considerações desta Portaria (Institui o Programa Anual de Reestruturação da Assistência

Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004), o Ministério da Saúde indica a necessidade de

estabelecer critérios técnicos para a redução progressiva de leitos, especialmente nos hospitais

de maior porte, de modo a garantir adequada assistência extra-hospitalar aos internos

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(BRASIL, 2004). Um dos critérios técnicos utilizados é o redirecionamento dos recursos

financeiros para a rede extra-hospitalar de saúde mental.

Nova Iguaçu - município da grande Região Metropolitana do Rio de Janeiro, assim como

outros municípios brasileiros, vem passando por uma reorganização de seus serviços de

saúde, em função dos processos de luta por um país e um sistema de saúde mais

democráticos. A cidade de Nova Iguaçu abriga aproximadamente 800 mil habitantes, quase

10% da população da Região Metropolitana e constitui um dos maiores pólos comerciais e

industriais brasileiros (NOVA IGUAÇU, 2010).

A rede de saúde mental do município é composta pelos dispositivos assistenciais CAPS III

(um), CAPSi (um), CAPSad (um), Ambulatórios de Saúde Mental (três), Emergências

Psiquiátricas (duas) e Serviços Residenciais Terapêuticos (três), que possibilitam a atenção

psicossocial de pessoas com transtornos mentais, construídos de acordo com as premissas da

Reforma Psiquiátrica Brasileira. É formada pela integração de ações articuladas em saúde

mental, incluindo as ações da Atenção Básica, dos Ambulatórios de Saúde Mental, das

Emergências Psiquiátricas e, principalmente, dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS)

(NOVA IGUAÇU, 2010).

Dentre os dispositivos assistenciais da rede de saúde mental do Município encontra-se o

CAPS III Dr. Jair Nogueira, com funcionamento 24h/dia, incluindo finais de semana e

feriados. É destinado a pessoas portadoras de transtornos mentais severos e persistentes. A

este dispositivo é facultado acolhimento noturno para eventual repouso e/ou observação.

Frente à importância que o Município de Nova Iguaçu possui para o Estado do Rio de Janeiro,

a história e o funcionamento de sua rede de saúde ainda é pouco conhecida. Há escassez de

trabalhos publicados sobre a região e um número inexpressivo de pesquisas científicas em

andamento, embora se entenda que é fundamental o conhecimento do território,

compreendido como o espaço geográfico habitado, instituído de significados e de afetos,

espaços de laços sociais e de garantia de qualidade de vida, de manutenção econômica e de

exercício político dos cidadãos, para que a exclusão vivida pelos sujeitos em sofrimento

mental no passado não se estabeleça novamente. (ONOCKO-CAMPOS; FURTADO, 2006).

A pesquisa levanta a história, apresentando informações aos problemas enfrentados pelos

trabalhadores e usuários dos serviços de saúde e saúde mental que não desejam e não

precisam mais ser excluídos de sua comunidade, mas precisam conhecê-la para poder

usufruir/fazer parte da mesma.

Da mesma forma a comunidade em questão poderá se beneficiar desta pesquisa, na medida

em que poderá conhecer um pouco mais dos serviços de saúde que funcionam em seu

território e todas as suas boas práticas.

Metodologia

Quanto à forma de apresentação do problema, trata-se de pesquisa qualitativa. Quanto aos

seus objetivos, trata-se de pesquisa exploratória que utiliza como procedimentos técnicos a

análise bibliográfica e documental com finalidade conhecer a história do sistema de saúde

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mental e da rede de atenção psicossocial do Município de Nova Iguaçu, identificar a história

do Caps Jair Nogueira e analisar a relação deste dispositivo assistencial com a rede de atenção

à saúde mental no Município. Para tal há participação em reuniões da comunidade, como

associação de moradores e associação de serviços comunitários, para observação. Foram

visitadas as Secretarias de Saúde do Município de Nova Iguaçu assim como a Secretaria de

Saúde do Estado do Rio de Janeiro e Secretarias de Saúde de municípios vizinhos da baixada

fluminense, tendo em vista que há informações (colidas oralmente) que em passado não muito

distante, havia uma única secretaria de saúde para os municípios da região. Visita à biblioteca

da Fundação Oswaldo Cruz também ocorreu para busca de artigos que somente estejam

disponíveis em versão impressa.

Conclusões

Foram realizadas visitas as Secretarias de Saúde e nos Caps dos municípios de Nova Iguaçu,

Duque de Caxias e Belford Roxo. Entrevistas semiestruturadas com os gestores e outros

representantes dos Caps (incluindo aqui representante do Caps de Paracambi) foram utilizadas

como instrumento para o levantamento de dados. A revisão bibliográfica e análise documental

sobre a história da saúde mental na baixada fluminense deixou muitas lacunas, uma vez que

somente um artigo científico foi encontrado e não há documentos sobre a criação das Redes

de Saúde Mental nos municípios, nas Secretarias, ou nos próprios dispositivos. Quase toda a

história reunida foi coletada através de relatos dos trabalhadores dos dispositivos. Algumas

informações vieram através de pesquisas na internet e de algumas revistas históricas cedidas

pela Câmara Municipal de Duque de Caxias. Foram realizadas também visitas à biblioteca da

Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro, e nada foi encontrado. O contato com a Secretaria

Estadual de saúde também não agregou informações. A análise dos dados até o momento

informa que a história da saúde mental nos municípios é praticamente invisível, pois faltam

documentos sobre a criação dos dispositivos e falta conhecimento de alguns trabalhadores

sobre a história da saúde mental. Em alguns momentos, vale ressaltar, percebemos que a

população do entorno dos dispositivos também não conhece os mesmos. As lacunas

apresentam-se na dificuldade de sabermos qual foi o primeiro Caps ou até mesmo sobre o

porquê dos nomes atribuídos a eles. Sabe-se somente, através de Silva (2012), que houve um

atraso significativo na introdução da política de saúde mental na região da baixada

fluminense, e somente a partir de 2006 iniciou-se uma descentralização do sistema de saúde.

A história que pôde ser construída através das fontes mencionadas informa que vários Caps da

região iniciaram suas atividades por volta do ano 2000 (não há documentos que precisem a

data). Alguns trabalhadores mencionam frases como: “Precisava ser aberto um Caps em

Nova Iguaçu”!, Sem aprofundamento na questão. Estes trabalhadores, em sua maioria, são

contratados e os gestores desconhecem a forma de seleção dos mesmos. Alguns dizem que

nunca haviam trabalhado com saúde mental ou estudado sobre o tema antes de se ver dentro

de um dispositivo. Não identificamos também, na fala desses sujeitos, qualquer menção ao

Projeto Terapêutico Singular, que seria o esperado, tendo em vista se tratar do principal

instrumento de trabalho interdisciplinar dos Caps e que possibilita a participação, reinserção e

construção de autonomia para o usuário/família em sofrimento psíquico. Isto condiz com a

informação anterior, de que muitos não haviam tido contato com a temática da saúde mental.

Com relação ao Caps Jair Nogueira, sabe-se que funciona em uma casa no centro da cidade,

em uma área de grande movimentação de pedestres, linhas de ônibus e estação de trem. Não

foi possível, até o presente momento, uma informação precisa do ano de sua inauguração.

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Acredita-se que tem em torno de 10 anos. Não se sabe ao certo quem foi Jair Nogueira ou

quando o este iniciou seu trabalho. As informações sobre a história do Caps vem através da

fala dos usuários e dos funcionários mais antigos e mesmo pelo filme Estamira de Marcos

Prado1 que apresenta, em algumas cenas, a visita ao Caps José Müller chamado pelos usuários

como “Caracol” que é anterior a criação do Caps Jair Nogueira. Supostamente o Caps José

Müller teria sido “transferido” para o local onde está o Caps Jair Nogueira e seu nome teria

mudado. Um quadro de Jair Nogueira está no hall de entrada do dispositivo e o relata como

um médico visionário esforçado em curar vidas e salvar doentes e um dos fundadores da

Associação Médica de Nova Iguaçu. De acordo com a fala dos usuários, bem como os

trabalhadores, a casa onde funciona o Caps era a casa que Jair Nogueira morou.

Vale ressaltar que os trabalhadores e gestores são bastante comprometidos, mas lamentam a

falta de integração entre os Caps e a população da região, o que não propicia projetos em prol

da comunidade e dos usuários. É possível afirmar que é necessária uma maior integração entre

as políticas de saúde, especialmente de saúde mental no município de Nova Iguaçu e os

demais e seus dispositivos. A pesquisa já gerou nova pesquisa, intitulada “Projeto Terapêutico

Singular e os serviços de saúde mental de Nova Iguaçu”, que tem o objetivo de descrever e

analisar como os trabalhadores de saúde dos Caps de Nova Iguaçu constroem, propõem e

conduzem os Projetos Terapêuticos Singulares dos usuários.

O relatório final da pesquisa será entregue à Secretaria de Saúde de Nova Iguaçu e oferecido

às demais Secretarias.

Referências

BRASIL, Ministério da Saúde. Saúde mental em dados Ano VI, nº. 9, julho de 2011.

BRASIL, Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF, 1988.

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº. 52, 20 de janeiro de 2004. Institui o Programa

Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS, 2004.

ONOCKO-CAMPOS, R.; FURTADO, J. P. Entre a saúde coletiva e a saúde mental: um

instrumental metodológico para avaliação da rede de centros de atenção psicossocial (CAPS)

do Sistema Único de Saúde. Caderno de Saúde Pública, v. 22, nº. 5, p. 1053-62, 2006.

Disponível

em<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2006000500018>.

Acesso em: 07 de março de 2015.

NOVA IGUAÇU. Caderno de Organização da Atenção Básica e Saúde Mental de Nova

Iguaçu. Nova Iguaçu, RJ, 2010.

SILVA, Simone Pinheiro. Caps ad de Nova Iguaçu:a história de implantação de uma política

de álcool e outras drogas. In: ALARCON, Sergio; JORGE, Marco Aurélio Soares (Orgs.).

1 Estamira é um filme documentário brasileiro dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, lançado em 2005.

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Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo. Rio de Janeiro:

Fiocruz, 2014. p. 315-327.