terrorismo gopro

1
%HermesFileInfo:E-8:20150125: E8 Aliás DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 O ESTADO DE S. PAULO Gabriel Zacarias Imaginemos um terro- rista “tí- pico”, um jihadista islâmico de barba longa trajado de túnica e turbante, decidido a sub- jugar o Ocidente em nome do Profeta, mas que, em vez do tradicional Kalashnikov, em- punhe um “pau de selfie”. A imagem pode- ria ter saído da mente de um dos caricaturis- tas do Charlie Hebdo, brutalmente assassina- dos no dia 7. Mas essa caricatura não teria sido um retrato tão fantasioso dos algozes. No carro dos irmãos Kouachi, responsáveis pelo ataque ao jornal francês, encontrou-se, além de molotovs, uma câmera GoPro. Um dos reféns que escapou à invasão do merca- do kosher em Porte de Vincennes, ocorrida dois dias após o ataque ao Charlie Hebdo, testemunhou que o terrorista Amedy Couli- baly também estava munido de uma câmera GoPro durante o ataque. A existência de imagens ainda não foi confirmada pela polí- cia, mas sabemos que outro vídeo de Couli- baly chegou a ser postado na internet. O ví- deo, embora amador, foi cuidadosamente editado. Ao longo da peça, Coulibaly usa ao menos quatro figurinos diferentes, procu- rando encarnar a imagem clichê do jihadis- ta,quer em sua dimensão militar – com cole- te à prova de balas e fuzil – quer em seu aspectoreligioso –, sentadoem pose de reco- lhimento com túnica branca e turbante. O uso de vídeos por parte de terroristas não é decerto uma novidade, tendo sido um método frequente de reivindicação de autoria de atentados. Evoluíram com o tempo, transformando-se em verdadeiras peças de propaganda, cada vez mais bem elaboradas, e crescentemente difundidas na internet. É curioso que homens que ma- nejam métodos tão modernos de propagan- da possam ser vistos ainda como represen- tantes de um mundo arcaico. E que ainda haja teóricos que julguem pertinente falar em “choque de civilizações” em um mun- do globalmente unificado em torno dos mesmos processos de produção e consu- mo de mercadorias e imagens. Os atenta- dos recentes na França são mais uma vez a prova da caducidade da clivagem Oriente/ Ocidente. Os autores dos ataques são to- dos nascidos e crescidos na França e, a jul- gar pelos testemunhos de amigos e paren- tes citados na imprensa francesa, pos- suíam hábitos inequivocamente ociden- tais. A própria ideia de um ataque ao sema- nário satírico já estava na cultura popular francesa. Em canção coletiva de 2013, o rap- per Nekfeu pedia “um auto de fé contra esses cachorros do Charlie Hebdo”, provo- cando uma polêmica que o rapper amador Chérif Kouachi não deve ter ignorado. Apesar disso, os acontecimentos em Pa- ris foram tratados como um “11 de Setem- bro” francês, um ataque islâmico vindo de fora e arquitetado por organizações terro- ristas do Oriente Médio. Se os fatos resis- tem a essa narrativa, alguns parecem suge- rir que mudemos os fatos. Assim, em texto publicado no New York Times de 18 de janei- ro, a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, que nunca foi muito afeita à realidade, aponta como uma “imperiosa necessida- de”, como primeira medida a ser tomada, a anulação da nacionalidade francesa dos ji- hadistas. Transformar terroristas já mor- tos em apátridas dificilmente vai ser de algu- ma serventia à polícia francesa, mas pode ajudar muito aos teóricos do “choque de civilizações”. A ideia subjacente a tal propos- ta é a de que o pertencimento etnorreligioso teria sido mais importante para os terroris- tas do que o pertenci- mento nacional. Cai-se mais uma vez no lugar comum de que os mu- çulmanosrecusam a as- similação da cultura francesa por mante- rem-se atrelados a uma cultura origináriade ba- se religiosa. A ideia de que existiria uma for- ma de pertencimento sobreposta à identida- de nacional não é inteiramente falsa. Mas, ao contrário do que normalmente se afirma, isso não se deve a um déficit de modernida- de. Não se trata da reminiscência de uma forma de coletividade tradicional, anterior aos Estados nacionais, mas sim do desenvol- vimento de uma forma de identificação mais moderna do que o nacionalismo. Um traço característico da modernidade é o de produzir novas formas de pertenci- mento que não são mais determinadas pela inserção concreta numa coletividade. Co- mo notara o historiador Benedict Ander- son, as nações modernas foram grandes “comunidades imaginadas”. O desenvolvi- mento da indústria cultural e dos novos meios de comunicação ensejou, porém, no- vas formas de identidades simbólicas, e co- munidades imaginadas passaram a se tecer em torno a produtos culturais (como os fã-clubes de celebridades, ou as torcidas or- ganizadas de times de futebol). O apareci- mento da internet tornou esse processo mais evidente, permitindo que as comuni- dades se instalassem no âmbito virtual. Não por acaso, a primeira rede social de sucesso, o Orkut, era estruturada em “co- munidades”. A contemporaneidade pare- ce, assim, ter dado razão a Guy Debord, au- tor de A Sociedade do Espetáculo (1967), que já nos anos 1960 havia percebido que a ima- gem adquirira uma função de mediação das relações sociais. O espetáculo veio ocupar a terra arrasada deixada pelo avanço do ca- pitalismo, que rompera os elos sociais tradi- cionais. A vida em comum deixou de se esta- belecer a partir das relações diretas e a iden- tificação simbólica passou a ser determina- da por um conjunto de representações que não emana mais da prática cotidiana. Daí essa identificação poder ser transversal às reais diferenças geográficas e sociais. O terrorismo na França deve ser entendi- do nesse mesmo quadro. Oque move os jiha- distas do Ocidente não é o pertencimento a uma comunidade de imigrantes arraigada na tradição da religião islâmica. Essa ideia é falsa. A França recebeu grande parte de seus imigrantes entre as dé- cadasde1950e1970,pe- ríodo em que passara por intensodesenvolvi- mento econômico. Os muçulmanos dos quais sefalahojesãonaverda- de filhos e netos de imi- grantes,nascidosecres- cidos na França, muitas vezes em ruptura com os preceitos religiosos dos pais. Esse era o caso dos responsáveis pelos ataques recen- tes, que tinham um perfil que poderia se con- fundir com o de muitos jovens de periferia, em qualquer grande cidade capitalista. Fu- mavam, bebiam, escutavam rap; o fracasso escolar e a dificuldade de ascensão social os levaramaocrimecomumeaoencarceramen- to. Não haviam herdado os costumes religio- sos dos pais e não eram adeptos de práticas tradicionalistas. Um novo interesse no isla- mismo só foi despertado em Chérif Kouachi pelas imagens da invasão no Iraque, e esse acabou preso em 2005 quando ambicionava partir para o país para combater os norte- americanos. Já Coulibaly, que jamais pisara no Oriente Médio, dizia em seu vídeo ter “ju- rado fidelidade ao califado desde sua procla- mação”, referindo-se ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EI) que se autoprocla- mou um califado em junho de 2014. O EI se tornou hoje a grande pátria do jihadismo espetacular. Jovens de toda a Eu- ropa e também dos Estados Unidos partem em direção à Síria para engrossar suas filei- ras. Em proporção a sua população muçul- mana, a Bélgica, por exemplo, oferece cem vezes mais soldados ao EI do que o Egito. E não se trata de um simples retorno às ori- gens por parte dos filhos de imigrantes. Se- gundo a polícia francesa, 22% desses jiha- distas são recém-convertidos. Nada disso pode ser explicado pela suposta manuten- ção de moldes tradicionais de pertencimen- to religioso. Ao contrário, o que encontra- mosaqui é o mesmo fenômenode identifica- ção espetacular, o pertencimento sendo construído pela adesão imaginária a uma co- munidade que existe prioritariamente co- mo representação. As imagens subjetivas produzidas pelas câmeras GoPro não são apenas parte de uma “guerra de imagens”. Elas são também necessárias porque expe- riências motivadas por uma identificação imaginária já são subjetivamente vividas co- mo uma emulação da imagem. O espetáculo desemboca aqui numa inversão extrema, não se tratando mais de filmar o vivido, mas de viver a imagem. Mais uma vez, não há aqui nenhum choque de civilizações. Em muitos pontos os novos jihadistas são seme- lhantes aos atiradores loucos que se torna- ram comuns nos países mais ricos do Oci- dente. À época do massacre da escola de Co- lumbine, nos Estados Unidos, muito se dis- cutiu sobre a possível influência dos jogos de videogame sobre os atiradores. Hoje, o EI utiliza câmeras GoPro acopladas aos fuzis precisamente para produzir imagens de pro- paganda semelhantes às dos jogos de tiro em primeira pessoa. Diferentemente do pu- rosimulacro do entretenimento, a jihad ven- de uma perversa promessa de realidade. O slogan publicitário da GoPro, “Seja um herói”, poderia ser também o da nova jihad. Uma heroicização que a cobertura dos ata- ques só faz crescer, apresentando os assas- sinos como homens destemidos capazes de pôr de joelhos uma nação. A voz disso- nante havia sido até então justamente o Charlie Hebdo, que em diversas ocasiões ha- via captado o ridículo dos jovens jihadistas europeus. Talvez o verdadeiro motivo que fez do Charlie um alvo não tenha sido a pro- palada interdição de representar Maomé, mas sim a necessidade de preservar a ima- gem grandiloquente e heroica da jihad. GABRIEL ZACARIAS É DOUTOR EM ESTUDOS CULTURAIS PELAS UNIVERSIDADES DE PERPIGNAN (FRANÇA) E BÉRGAMO (ITÁLIA) COMO MEMBRO DO PROGRAMA ERASMUS MUNDUS, DA UNIÃO EUROPEIA. VIVE EM PARIS Pau de selfie. Numa inversão extrema, não se trata mais de filmar o vivido, mas de viver a imagem “Seja um herói”, diz o slogan publicitário. Poderia ser também o mote da nova jihad GETTYIMAGES Caçada Terrorismo GoPro A polícia francesa ainda caça possíveis cúmplices dos assassi- nos de 17 pessoas nos atentados de Paris. Autoridades investigam se houve ajuda de dentro ou de fora da França. O alvo principal é Hayat Boumeddiene, parceira de Amedy Coulibaly, invasor do mercado kosher. Em um mundo globalmente unificado, os atentados recentes na França filiam-se antes à lógica da sociedade do espetáculo que à tese caduca do ‘choque de civilizações’

Upload: gabriel-ferreira-zacarias

Post on 03-Oct-2015

12 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Artigo publicado no caderno Alias do jornal O Estado de São Paulo. Partindo do ataque terrorista ao Charlie Hebdo, analisa o terrorismo contemporâneo como um fenômeno plenamente inserido na logica da moderna sociedade do espetáculo.

TRANSCRIPT

  • %HermesFileInfo:E-8:20150125:

    E8 Alis DOMINGO, 25 DE JANEIRO DE 2015 O ESTADO DE S. PAULO

    Gabriel Zacarias

    Imaginemos umterro-rista t-pico,umjihadista islmicodebarba longatrajadodetnicaeturbante,decididoasub-jugar oOcidente emnome do Profeta, masque,emvezdotradicionalKalashnikov,em-punhe um pau de selfie. A imagem pode-riatersadodamentedeumdoscaricaturis-tasdoCharlieHebdo,brutalmenteassassina-dos no dia 7. Mas essa caricatura no teriasido um retrato to fantasioso dos algozes.Nocarrodos irmosKouachi, responsveispeloataqueaojornalfrancs,encontrou-se,almdemolotovs, uma cmeraGoPro.Umdosrefnsqueescapou invasodomerca-dokosher emPorte deVincennes, ocorridadois dias aps o ataque ao Charlie Hebdo,testemunhouqueoterroristaAmedyCouli-balytambmestavamunidodeumacmeraGoPro durante o ataque. A existncia deimagensaindanofoiconfirmadapelapol-cia,mas sabemosqueoutro vdeodeCouli-baly chegou a ser postadona internet.O v-deo, embora amador, foi cuidadosamenteeditado. Ao longoda pea, Coulibaly usa aomenos quatro figurinos diferentes, procu-rando encarnar a imagemclich do jihadis-ta,queremsuadimensomilitarcomcole-te prova de balas e fuzil quer em seuaspectoreligioso,sentadoemposedereco-lhimento comtnica branca e turbante.O uso de vdeos por parte de terroristas

    no decerto uma novidade, tendo sidoummtodo frequente de reivindicao deautoria de atentados. Evoluram com otempo, transformando-se em verdadeiraspeas de propaganda, cada vez mais bemelaboradas, e crescentemente difundidasna internet.curiosoquehomensquema-nejammtodostomodernosdepropagan-dapossamservistosaindacomorepresen-tantes de um mundo arcaico. E que aindahaja tericos que julguem pertinente falarem choque de civilizaes em ummun-do globalmente unificado em torno dosmesmos processos de produo e consu-mo de mercadorias e imagens. Os atenta-dos recentes na Frana somais uma vez aprova da caducidade da clivagemOriente/Ocidente. Os autores dos ataques so to-dos nascidos e crescidos na Frana e, a jul-gar pelos testemunhos de amigos e paren-tes citados na imprensa francesa, pos-suam hbitos inequivocamente ociden-tais. Aprpria ideiadeumataque ao sema-nrio satrico j estava na cultura popularfrancesa.Emcanocoletivade2013,orap-per Nekfeu pedia um auto de f contra

    esses cachorros do Charlie Hebdo, provo-cando uma polmica que o rapper amadorChrif Kouachi no deve ter ignorado.Apesar disso, os acontecimentos em Pa-

    ris foram tratados como um 11 de Setem-bro francs, um ataque islmico vindo defora e arquitetado por organizaes terro-ristas do Oriente Mdio. Se os fatos resis-tema essa narrativa, alguns parecem suge-rir quemudemos os fatos. Assim, em textopublicadonoNewYorkTimesde18dejanei-ro, a lder da Frente Nacional, Marine LePen,quenunca foimuito afeita realidade,aponta como uma imperiosa necessida-de, comoprimeiramedida a ser tomada, aanulao da nacionalidade francesa dos ji-hadistas. Transformar terroristas j mor-tosemaptridasdificilmentevaiserdealgu-ma serventia polcia francesa, mas podeajudar muito aos tericos do choque decivilizaes.Aideiasubjacenteatalpropos-taadequeopertencimentoetnorreligiosoteria sidomais importante para os terroris-tas do que o pertenci-mentonacional.Cai-semais uma vez no lugarcomum de que os mu-ulmanosrecusamaas-similao da culturafrancesa por mante-rem-seatreladosaumaculturaoriginriadeba-se religiosa. A ideia deque existiria uma for-ma de pertencimentosobreposta identida-de nacional no inteiramente falsa. Mas,aocontrriodoquenormalmenteseafirma,issono sedeveaumdficit demodernida-de. No se trata da reminiscncia de umaforma de coletividade tradicional, anterioraosEstadosnacionais,massimdodesenvol-vimento de uma forma de identificaomaismoderna do que o nacionalismo.Umtraocaractersticodamodernidade

    o de produzir novas formas de pertenci-mentoquenosomaisdeterminadaspelainsero concreta numa coletividade. Co-mo notara o historiador Benedict Ander-son, as naes modernas foram grandescomunidades imaginadas.Odesenvolvi-mento da indstria cultural e dos novosmeiosdecomunicaoensejou,porm,no-vas formasde identidadessimblicas, e co-munidades imaginadaspassaramase tecerem torno a produtos culturais (como osf-clubesdecelebridades,ouastorcidasor-ganizadas de times de futebol). O apareci-mento da internet tornou esse processomais evidente, permitindo que as comuni-

    dades se instalassem no mbito virtual.No por acaso, a primeira rede social desucesso, o Orkut, era estruturada em co-munidades. A contemporaneidade pare-ce, assim, ter dado razoaGuyDebord, au-tor deASociedade do Espetculo (1967), quejnosanos 1960haviapercebidoquea ima-gemadquiriraumafunodemediaodasrelaes sociais. O espetculo veio ocupara terra arrasada deixada pelo avano do ca-pitalismo,queromperaoselossociaistradi-cionais.Avidaemcomumdeixoudeseesta-belecerapartirdasrelaesdiretaseaiden-tificaosimblicapassouaserdetermina-dapor umconjuntode representaes queno emana mais da prtica cotidiana. Daessa identificao poder ser transversal sreais diferenas geogrficas e sociais.O terrorismonaFranadeve ser entendi-

    donessemesmoquadro.Oquemoveosjiha-distas doOcidenteno opertencimento auma comunidade de imigrantes arraigadana tradio da religio islmica. Essa ideia

    falsa. A Frana recebeugrande parte de seusimigrantes entre as d-cadasde1950e1970,pe-rodo em que passaraporintensodesenvolvi-mento econmico. Osmuulmanos dos quaissefalahojesonaverda-defilhosenetosde imi-grantes,nascidosecres-cidosnaFrana,muitasvezes em ruptura com

    os preceitos religiosos dos pais. Esse era ocaso dos responsveis pelos ataques recen-tes,quetinhamumperfilquepoderiasecon-fundir com o demuitos jovens de periferia,em qualquer grande cidade capitalista. Fu-mavam, bebiam, escutavam rap; o fracassoescolar e a dificuldade de ascenso social oslevaramaocrimecomumeaoencarceramen-to.Nohaviamherdadooscostumesreligio-sos dos pais e no eram adeptos de prticastradicionalistas. Umnovo interesse no isla-mismosfoidespertadoemChrifKouachipelas imagens da invaso no Iraque, e esseacaboupresoem2005quandoambicionavapartir para o pas para combater os norte-americanos. J Coulibaly, que jamais pisaranoOrienteMdio,diziaemseuvdeoterju-radofidelidadeaocalifadodesdesuaprocla-mao, referindo-se aoEstado Islmico doIraque e do Levante (EI) que se autoprocla-mouumcalifado em junhode2014.O EI se tornou hoje a grande ptria do

    jihadismoespetacular.JovensdetodaaEu-ropaetambmdosEstadosUnidospartem

    emdireo Sria para engrossar suas filei-ras. Emproporo a sua populaomuul-mana, a Blgica, por exemplo, oferece cemvezesmais soldados aoEIdoqueoEgito.Eno se trata de um simples retorno s ori-gensporpartedos filhosde imigrantes. Se-gundo a polcia francesa, 22% desses jiha-distas so recm-convertidos. Nada dissopode ser explicado pela suposta manuten-odemoldestradicionaisdepertencimen-to religioso. Ao contrrio, o que encontra-mosaquiomesmofenmenodeidentifica-o espetacular, o pertencimento sendoconstrudopelaadesoimaginriaaumaco-munidade que existe prioritariamente co-mo representao. As imagens subjetivasproduzidas pelas cmeras GoPro no soapenas parte de uma guerra de imagens.Elas so tambm necessrias porque expe-rincias motivadas por uma identificaoimaginria jsosubjetivamentevividasco-moumaemulaodaimagem.Oespetculodesemboca aqui numa inverso extrema,nose tratandomaisde filmarovivido,masde viver a imagem. Mais uma vez, no haqui nenhum choque de civilizaes. Emmuitospontososnovosjihadistassoseme-lhantes aos atiradores loucos que se torna-ram comuns nos pases mais ricos do Oci-dente.pocadomassacredaescoladeCo-lumbine, nos EstadosUnidos,muito se dis-cutiu sobre a possvel influncia dos jogosdevideogamesobreosatiradores.Hoje,oEIutiliza cmeras GoPro acopladas aos fuzisprecisamenteparaproduzirimagensdepro-paganda semelhantes s dos jogos de tiroemprimeirapessoa.Diferentementedopu-rosimulacrodoentretenimento,ajihadven-deumaperversa promessa de realidade.OsloganpublicitriodaGoPro, Sejaum

    heri,poderiasertambmodanovajihad.Umaheroicizao que a cobertura dos ata-ques s faz crescer, apresentandoos assas-sinos como homens destemidos capazesde pr de joelhos uma nao. A voz disso-nante havia sido at ento justamente oCharlieHebdo,queemdiversasocasiesha-via captado o ridculo dos jovens jihadistaseuropeus. Talvez o verdadeiromotivo quefezdoCharlieumalvonotenhasidoapro-palada interdio de representar Maom,mas sim a necessidade de preservar a ima-gem grandiloquente e heroica da jihad.

    GABRIEL ZACARIAS DOUTOR EM ESTUDOS

    CULTURAIS PELAS UNIVERSIDADES DE

    PERPIGNAN (FRANA) E BRGAMO (ITLIA)

    COMO MEMBRO DO PROGRAMA ERASMUS MUNDUS,

    DA UNIO EUROPEIA. VIVE EM PARIS

    Pau de selfie.Numa inversoextrema, nose trata maisde filmar ovivido, mas deviver a imagem

    Seja um heri,diz o slogan

    publicitrio. Poderiaser tambm o mote

    da nova jihad

    GETTYIMAGES

    Caada

    TerrorismoGoPro

    A polcia francesa ainda caa possveis cmplices dos assassi-nos de 17 pessoas nos atentados de Paris. Autoridades investigam sehouve ajuda de dentro ou de fora da Frana. O alvo principal HayatBoumeddiene, parceira de Amedy Coulibaly, invasor do mercado kosher.

    Em um mundo globalmente unificado, os atentados recentes na Frana filiam-se antes lgica da sociedade do espetculo que tese caduca do choque de civilizaes