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Teologia - Deus Trindade DEUS - TRINDADE: MISTÉRIO DE Nós, cristãos, cremos que nosso Deus não é alguém solitário, egoísta, fechado em seu mundinho de glória e satisfação, mas que é comunhão de vida, participação de felicidade, família de amor, movimento de liberdade. Nosso Deus é comunhão-unidade de três pessoas distintas que se amam tanto e tão bem que são um só Deus. A distinção das pessoas não as leva a se dividirem e se isolarem umas das outras, mas, ao contrário, é exatamente nessa distinção que se encontra a riqueza de sua unidade. Por outro lado, a comunhão das três pessoas não as leva a se confundirem e se misturarem, mas, ao contrário, é exatamente nessa comunhão que se encontra a beleza de sua diversidade. Em suma, em Deus-Trindade, temos união que não é uniformidade, temos diversidade que não é divisão. É comunhão, mas não confusão. É distinção, mas não anarquia. COMUNHÃO NA DIVERSIDADE Trata-se de um modo único de ser e viver. Só Deus é assim. Nós humanos, seja pela nossa natureza criada e, portanto, limitada no tempo e no espaço, seja principalmente pelo nosso pecado e, portanto, pela mania de ver tudo de modo egoísta, nós humanos não conseguimos viver desse modo, na plenitude do amor. Quantas vezes queremos comunhão na base da imposição de nossas idéias, do rolo compressor que obriga todos a pensar e viver do mesmo modo! Quantas vezes as distinções e diferenças entre nós nos levam à divisão e à discórdia, brigas e guerras! Só Deus é comunhão na diversidade de três pessoas. Unidade na Trindade, isto é, unidade de natureza, de essência, de ser; por isso: um só Deus.

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Teologia

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Teologia - Deus Trindade

DEUS - TRINDADE: MISTÉRIO DE FÉNós, cristãos, cremos que nosso Deus não é alguém solitário, egoísta, fechado em seu mundinho de glória e satisfação, mas que é comunhão de vida, participação de felicidade, família de amor, movimento de liberdade.

Nosso Deus é comunhão-unidade de três pessoas distintas que se amam tanto e tão bem que são um só Deus. A distinção das pessoas não as leva a se dividirem e se isolarem umas das outras, mas, ao contrário, é exatamente nessa distinção que se encontra a riqueza de sua unidade. Por outro lado, a comunhão das três pessoas não as leva a se confundirem e se misturarem, mas, ao contrário, é exatamente nessa comunhão que se encontra a beleza de sua diversidade.

Em suma, em Deus-Trindade, temos união que não é uniformidade, temos diversidade que não é divisão. É comunhão, mas não confusão. É distinção, mas não anarquia.

COMUNHÃO NA DIVERSIDADE

Trata-se de um modo único de ser e viver. Só Deus é assim. Nós humanos, seja pela nossa natureza criada e, portanto, limitada no tempo e no espaço, seja principalmente pelo nosso pecado e, portanto, pela mania de ver tudo de modo egoísta, nós humanos não conseguimos viver desse modo, na plenitude do amor.

Quantas vezes queremos comunhão na base da imposição de nossas idéias, do rolo compressor que obriga todos a pensar e viver do mesmo modo! Quantas vezes as distinções e diferenças entre nós nos levam à divisão e à discórdia, brigas e guerras! Só Deus é comunhão na diversidade de três pessoas. Unidade na Trindade, isto é, unidade de natureza, de essência, de ser; por isso: um só Deus.

Trindade na Unidade, isto é, trindade de pessoas; por isso: três modos distintos de ser o mesmo Deus, de o mesmo Deus ser. Só Deus é assim!

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A TRINDADE É UM MISTÉRIO

Está claro que a nossa inteligência humana nunca alcançará o entendimento total e que a nossa linguagem humana nunca conseguirá expressar claramente esse mistério. Não se pode encaixar Deus dentro de nossos esquemas intelectuais e lingüísticos. Na verdade, somos nós que estamos envolvidos por esse mistério. “É nele que temos a vida, o movimento e o ser” (At 17,28).

Em Deus, nós existimos e vivemos. Estamos tão dentro desse movimento de amor e de vida, que não conseguimos tomar distância necessária para o contemplar de fora. Não podemos ter Deus diante de nós, como um objeto ao qual estudar e manipular, até encaixá-lo em nossa cabeça.

O mistério de Deus-Trindade não é algo que se põe diante de nós como um enigma a resolver. Se assim fosse, quando conseguíssemos resolvê-lo, deixaria de ser mistério, deixaria de ser Deus!

VIVER É AMAR E SERVIR

Deus-Trindade é mistério de fé, isto é, uma provocação constante à nossa inteligência, mas principalmente ao nosso coração, no sentido de que somos chamados a viver e a ser como ele. Criados que somos à imagem de Deus, nós temos dentro de nós a semente e o impulso da comunhão.

Criados distintos uns dos outros, pela sexualidade, pela cultura, pelo temperamento, pela constituição física e psicológica, as distinções entre nós não existem para nos

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dividir e excluir-nos uns aos outros, mas para comungarmos uns com os outros o grande desafio da vida: viver é amar e servir.

Por isso, quanto mais nos amarmos uns aos outros, mais seremos imagem de Deus-Trindade, mais iremos compreendendo, também com a inteligência, o grande mistério de Deus-Trindade, fonte e origem de toda a vida. “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus”. Mas, “aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4,7-8).

Pe. Vitor G. Feller - ITESC

Refletindo

1.º De que modo manifestamos em nossas relações pessoais e sociais nossa fé no mistério de Deus-Trindade?

2.º Como anunciamos o mistério central do cristianismo: Deus-Trindade, fonte e origem de toda vida?

Teologia - Deus Trindade

A revelação do Deus - Trindade no antigo testamento

DEUS COMUNHÃO

Se Deus é comunhão, quando ele se revela aos israelitas, se revela como comunhão. Eles é que não tinham condições espirituais e intelectuais de captarem a tripersonalidade de Deus. Já era muito para eles entenderem que Deus é um só.

No meio de povos politeístas, que reconheciam e adoravam diversos deuses (de ambos os sexos, para diversas situações...), os hebreus deram dois passos importantes.

O henoteísmo, isto é, o reconhecimento de que o seu Deus, Javé, é maior que os deuses dos povos estrangeiros, superior a todos os deuses (Dt 10, 17; 1Cr 16,25).

O monoteísmo, isto é, o reconhecimento de que Javé é o único Deus e que os deuses estrangeiros não existem, são ídolos que não falam, nem ouvem, nem se comunicam. Eles são nada, só aparência, não existem, e deles é preciso afastar-se (1Cr 16,26; Sl 96,5; 115,4-8; Is 2,18).

DEUS É UM SÓ

Foi, portanto, um grande avanço, os judeus conseguirem captar a revelação de que Deus é um só. A esse Deus é preciso amar de todo o coração e com toda a inteligência, dedicando toda a vida pessoal e coletiva (Dt 10,12). Escutar-lhe a palavra e obedecer à sua vontade, é o caminho da verdadeira vida (Dt 10,13).

A descoberta da unicidade e da unidade de Deus foi a grande experiência, ao mesmo tempo mística e política, do povo de Israel. O judaísmo se baseia na radicalidade dessa

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fé. Trata-se do monoteísmo javista, próprio do povo judeu, em que também nós cristãos nos baseamos para fundar nossa fé em um só Deus, Criador e Senhor de todas as coisas.

Bom e piedoso judeu, Jesus nos ensinou que o mandamento dos israelitas - o amor a Deus e, correspondentemente, o amor ao próximo -, vale também para os seus discípulos, é a lei dos seus seguidores (Mt 22,34-40).

TRIPERSONALIDADE?

Por causa da radicalidade da fé monoteísta, pensar uma tripersonalidade em Deus era, para os judeus, algo impensável. Mas, se Deus é comunhão de três pessoas distintas, foi assim que ele se revelou também aos israelitas.

Hoje, à luz da fé monoteísta-trinitária, nós cristãos podemos vislumbrar, na revelação do Antigo Testamento, sinais da manifestação da tripersonalidade de Deus.

Ao lermos os escritos da Primeira Aliança, ficam algumas perguntas, que nós cristãos poderíamos responder no sentido de uma preparação para a revelação trinitária.

Alguns exemplos:

• Quem era o anjo de Javé (Gn 16,7-12; 31,11-13; Ex 3,2-4; 14,19; 1Rs 19,5-7; 2Rs 1,3s), que acompanha o povo, ajuda os oprimidos, manifesta a sabedoria de Deus, às vezes distinto, às vezes idêntico a Deus?

• Quem eram os três homens/anjos (Gn 18) que aparecem a Abraão em Mambré, às vezes apresentados no singular, às vezes no plural, às vezes identificados com Javé, às vezes distintos?

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• Quem era a Sabedoria (Pr 1,20-33; 8,1—9,6; Jó 28,12-28; Eclo 24; Sb 6,12—8,1), que grita nas praças, com uma existência quase autônoma com relação a Javé, co-ajudante na criação do mundo?

• Quem era a Palavra (Sl 119,89; 147,15s; Sb 16,12), por meio de quem Deus cria tudo e se manifesta em meio aos seres humanos?

• Quem era o Espírito (sopro, vento) (Is 4,4-6; 42,1-4; 61,1-3; Ez 11,19; 18,31; 36,26-27; 37,1-14), por meio de quem Deus cria o mundo, escolhe os líderes políticos e os profetas, se apossará do Messias anunciado e renovará os corações e toda a criação?

Mesmo que não possamos responder diretamente, afirmando ser uma ou outra das três pessoas divinas, entendemos que são sinais que apontam para a revelação do Deus-Trindade.

Pe. Vitor G. Feller

TRINDADE NO NOVO TESTAMENTOComo o Novo Testamento revela o Deus-Trindade?

Nós, cristãos, acreditamos que Deus é amor, é comunhão de três pessoas distintas. Cremos, não a partir de estudos científicos, especulações filosóficas, descobertas racionais, mas a partir da revelação do próprio Deus.

Nunca saberíamos que Deus é comunhão, se ele mesmo não tivesse vindo a nós, se não tivesse se manifestado, primeiramente ao povo de Israel e, depois, de modo definitivo, através de Jesus Cristo, aos primeiros cristãos.

Revelação progressiva

No Antigo Testamento, foi revelada a unidade e a unicidade de Deus. Mas, no Novo Testamento nos é revelado que essa unidade se constitui de um movimento de vida de três pessoas distintas.

É Jesus quem nos desvenda o mistério de Deus como comunhão de amor entre o Pai e o Filho - que é ele mesmo - e o Espírito Santo.

Esta revelação está registrada nos escritos do Novo Testamento. Em nenhum lugar desses escritos está afirmado expressamente que Deus é uma só natureza em três pessoas, mas encontramos aí diversas referências ao ser e ao agir de cada uma das pessoas, como três sujeitos de um mesmo projeto, três agentes de um mesmo desígnio, que é a salvação da humanidade.

A fé em Deus-Trindade vem atestada, de modo implícito, nos textos que tratam da celebração dos sacramentos, das profissões de fé, da catequese, da prática eclesial, da moral cristã, enfim da vida dos primeiros cristãos. Desse modo, encontramos nos escritos do Novo Testamento uma infinidade de afirmações em que aparecem conjuntamente as três pessoas divinas.

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A fé dos apóstolos

Sem preocupar-se com formulações doutrinais, os evangelistas e apóstolos registram os ensinamentos de Jesus e as inspirações do Espírito Santo. Eles não se detém na questão sobre como é que pode Deus ser um só em três pessoas. Não perguntam sobre o ser e a essência de Deus. Estão mais interessados no seu agir, no seu Reino, naquilo que Deus-Trindade fez e continua fazendo na história, em favor dos pequenos e pobres.

Ensinam apenas que toda a história da salvação é obra de três sujeitos distintos, reconhecidos - todos os três - como Deus.

Os três agem na história

Desde a criação até o fim dos tempos, a humanidade e o universo estão envolvidos por um plano misterioso de amor e de vida, desenvolvido por três sujeitos distintos.

Um é o Pai, que Jesus de Nazaré ensinou a chamar de Abbá, o Criador de todas as coisas, Javé, o Deus de Israel, o Deus dos patriarcas e profetas, o Senhor de toda a história, o Pai do filho pródigo, o dispensador de todos os bens, aquele que enviou o Filho amado para redefinir a humanidade, o Deus que ressuscitou Jesus crucificado.

Outro é o próprio Jesus de Nazaré, que se afirma como o Filho eterno do Pai, o Verbo de Deus que desde sempre vive com o Pai na eternidade e um dia se fez homem para nos salvar. Ele é o Enviado do Pai, o anunciador e iniciador do Reino de Deus, o amigo dos pobres e pecadores, o pregador da justiça e da misericórdia, o Messias que não foi aceito pelos chefes judeus, que foi levado à morte, que ressuscitou e foi exaltado à glória do Pai.

Outro é o Espírito Santo, descido sobre Maria para fecundá-la como Mãe do Salvador, vindo sobre Jesus para ungi-lo como Messias, enviado sobre os Apóstolos para

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fortalecê-los na comunhão e na missão, chamado por Jesus de advogado e consolador, enviado pelo Pai e pelo Filho para continuar a missão de Jesus de Nazaré, presente na comunidade de fé, no coração dos fiéis e no mundo para tudo santificar e renovar.

Pe. Vitor G. Feller

Para refletir

1. Que diferenças há entre o Antigo e o Novo Testamento na maneira de Deus falar de si e na maneira de os seres humanos falarem de Deus?

2. Onde e quando no Novo Testamento revela-se a unidade e trindade de Deus?

A REVELAÇÃO DO DEUS-TRINDADENos Escritos Cristãos

Nós, cristãos, acreditamos que Deus é amor, é comunhão de três pessoas distintas. Cremos, não a partir de estudos científicos, especulações filosóficas, descobertas racionais, mas a partir da revelação do próprio Deus.

Nunca saberíamos que Deus é comunhão, se ele mesmo não tivesse vindo a nós, se não tivesse se manifestado, primeiramente ao povo de Israel e, depois, de modo definitivo, através de Jesus Cristo, aos primeiros cristãos. Somente em Jesus de Nazaré nos é revelada a essência mesma de Deus.

Nos Escritos Judaicos foi revelada a unidade e a unicidade de Deus, mas, nos Escritos Cristãos, nos é revelado que essa unidade se constitui de um movimento de vida de três pessoas distintas. É Jesus quem nos desvenda o mistério de Deus como comunhão de amor entre o Pai e o Filho (que é Ele mesmo) – e o Espírito Santo.

Esta revelação está registrada nos escritos do Novo Testamento. Em nenhum lugar desses escritos está afirmado expressamente que Deus é uma só natureza em três pessoas.

Mas encontramos aí diversas referências ao ser e ao agir de cada uma das pessoas, como três sujeitos de um mesmo projeto, três agentes de um mesmo desígnio, que é a salvação da humanidade.

A fé em Deus-Trindade vem atestada, de modo implícito, nos textos que tratam da celebração dos sacramentos, das profissões de fé, da catequese, da prática eclesial, da moral cristã, enfim, da vida dos primeiros cristãos.

Desse modo, encontramos nos escritos do Novo Testamento uma infinidade de afirmações em que aparecem conjuntamente as três pessoas divinas.

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A HISTÓRIA DA SALVAÇÃO: OBRA DE TRÊS SUJEITOS

Sem preocupar-se com formulações doutrinais, os evangelistas e apóstolos registram os ensinamentos de Jesus e as inspirações do Espírito Santo. Eles não se detém na questão sobre como é que pode Deus ser um só em três pessoas. Não se perguntam sobre o ser e a essência de Deus.

Estão mais interessados no seu agir, no seu Reino, naquilo que Deus-Trindade fez e continua fazendo na história, em favor dos pequenos e pobres e de todo o povo. Ensinam apenas que toda a história da salvação é obra de três sujeitos distintos, reconhecidos – todos os três – como Deus.

PAI-FILHO-ESPÍRITO SANTO

Desde a criação até o fim dos tempos, a humanidade e o universo estão envolvidos por um plano misterioso de amor e de vida, desenvolvido por três sujeitos distintos: Pai, Filho, Espírito Santo.

Um é o PAI, que Jesus de Nazaré ensinou a chamar de Abbá, o Criador de todas as coisas, Javé, o Deus de Israel, o Deus dos patriarcas e profetas, o Senhor de toda a história, o Pai do filho pródigo, o dispensador de todos os bens, aquele que enviou o Filho amado para redimir a humanidade, o Deus que ressuscitou Jesus crucificado.

Outro é o FILHO, Jesus de Nazaré, aquele que se afirma como o Filho eterno do Pai, o Verbo de Deus que desde sempre vive com o Pai na eternidade e um dia se fez homem para nos salvar, o enviado do Pai, o anunciador e iniciador do Reino de Deus, o amigo dos pobres e pecadores, o pregador da justiça e da misericórdia, o Messias que não foi aceito pelos chefes judeus, que foi levado à morte, que ressuscitou e foi exaltado à glória do Pai.

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Outro é o ESPÍRITO SANTO, descido sobre Maria para fecundá-la como Mãe do Salvador, vindo sobre Jesus para ungi-lo como Messias, enviado sobre os Apóstolos para fortalecê-los na comunhão e na missão, chamado por Jesus de advogado e consolador, enviado pelo Pai e pelo Filho para continuar a missão de Jesus de Nazaré, presente na comunidade de fé, no coração dos fiéis e no mundo para tudo santificar e renovar.

Pe. Victor G. Feller

Refletindo

1.º Como percebemos o agir das três pessoas da Santíssima Trindade, no pensamento dos evangelistas e apóstolos?

2.º Que passagens do Novo Testamento revelam a unidade e trindade de Deus?

3.º Como nos posicionamos diante das Três Pessoas, que agem também em nossa história pessoal?

DEUS - TRINDADE NAS PRIMEIRAS COMUNIDADES CRISTÃS

VIVER COMO A TRINDADE...

Os primeiros cristãos viveram o amor ensinado e vivido por Jesus. Como nos relatam os Atos dos Apóstolos, no rimeiro retrato da comunidade, eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir o pão e nas orações..., eram unidos e colocavam em comum todas as coisas, vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um (At 2,42.44-45). Mais adiante, num outro retrato, se testemunha que a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma (At 4,32).

As primeiras comunidades cristãs receberam de Jesus e dos seus discípulos e discípulas o apelo a viverem na terra do mesmo modo como a Santíssima Trindade vivia no céu. Mais que fórmulas doutrinais e preocupações intelectuais para entender, com a cabeça, esse mistério de fé, os primeiros cristãos simplesmente se puseram no caminho de Jesus, vivendo o amor fraterno, num só coração e numa só alma.

APAIXONADOS POR DEUS-TRINDADE

Mas, se o coração tem razões que a própria razão desconhece, como diz o ditado popular, é também verdade que o coração quer saber das coisas, quer entender com a razão e a inteligência o sentido profundo de suas pulsações e paixões.

Apaixonados por Deus-Trindade, os cristãos dos primeiros séculos não diziam, como nós dizemos hoje, que em Deus nós temos “uma só natureza em três pessoas”. Essa expressão só apareceu no final dos anos 200. Até lá, eles simplesmente narravam as

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maravilhas operadas pelas três pessoas. Ainda não faziam teologia como ciência, como estudo racional da fé. Apenas repetiam, de todos os modos possíveis, nas celebrações dos sacramentos, nas profissões de fé, na catequese e em todos os momentos da vida cristã, o que cabia a uma ou outra pessoa divina.

TESTEMUNHANDO A TRINDADE

O apóstolo Paulo, o maior testemunha da vida das primeiras comunidades e grande incentivador da fé em Deus-Trindade, insiste em lembrar que em tudo estão presentes e atuantes as pessoas divinas. Entre tantos de seus testemunhos trinitários, lembremos alguns.

Saúda os destinatários de suas cartas com a fórmula utilizada, já naqueles tempos, nas celebrações: a graça do Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vocês (2 Cor 13,13; ver também: Rom 16,20-21; 1 Cor 16,23; 1 Tes 5,28; 2 tes 3,18).

Reconhece que a diversidade de carismas, de ministérios e de energias vem de Deus-Trindade (1 Cor 12,4-6). Em nossa filiação divina adotiva agem as três pessoas (Gal 4,6). O Reino de Deus é paz e alegria no Espírito Santo, serviço ao Filho e agrado ao Pai (Rom 14,17-18). Cada qual de nós, e a comunidade como um todo, é templo da Trindade (Ef 2,20-22).

Outros autores, além de Paulo, também testemunham a vida trinitária das primeiras comunidades. Trazemos aqui apenas alguns exemplos.

Pedro inicia sua primeira carta lembrando a relação única de cada cristão e da comunidade com a Trindade: “Escolhidos por Deus Pai, santificados pelo Espírito e purificados pelo sangue de Jesus Cristo” (1Pd 1,2).

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Judas Tadeu, em sua cartinha, estimula os cristãos a rezar no Espírito, manter-se no amor do Pai e esperar a misericórdia do Filho (Jd 20.21).

João, na sua primeira carta, depois de lembrar que o Pai nos deu seu Filho e o Espírito Santo, incentiva os cristãos a viverem na comunhão divina, definindo, pela única vez em toda a Escritura, que “Deus é amor” (1 Jo 4, 8 e 16).

PARA REFLETIR

1.º Em que medida a vida atual de nossas comunidades reflete a vida das primeiras comunidades?

2.º Em que devemos mudar paranos nos tornarmos mais semelhantes aos primeiros cristãos?

As primeiras questões sobre a fé no Deus-trindade

QUEM AMA A DEUS...

Quem ama a Deus quer conhecê-lo sempre mais. Mesmo sabendo que nunca conseguiremos encaixá-lo totalmente em nossos pensamentos e em nossa linguagem, não podemos nos contentar, simplesmente, com o que nos é dito nos escritos bíblicos.

Acreditando em Jesus, que nos prometeu o Espírito da Verdade para nos encaminhar ao conhecimento de toda a verdade (Jo 16,13).

Nós, cristãos, ousamos fazer perguntas e elaborar teorias a respeito de nossa fé. Não se trata de desrespeito ao mistério. Ao contrário, a fé procura a inteligência, como nos ensinam os mestres da teologia.

É preciso dar razões de nossa esperança e de nossa fé a todo aquele que os pedir (1 Pd 3,15). Por isso, partindo dos dados bíblicos, avançamos entre a reverência e a audácia para entender também com a razão quem é e como é o nosso Deus.

EXPLICAR A FÉ

Nesse sentido, os primeiros cristãos foram logo desafiados a explicar a sua fé. A primeira grande questão vinha do judaísmo. Diante dos judeus da Palestina e daqueles que estavam espalhados pelas cidades do Império Romano, os cristãos se viram envolvidos numa séria polêmica.

O judaísmo ensinava que Deus é um só, o Javé de Israel, Criador do mundo e Senhor da história. Como então explicar aos judeus, de cuja fé e aliança os cristãos participavam, que de fato Deus é um só, mas em três realidades distintas?

Outras questões vieram com o encontro dos cristãos com o mundo da cultura greco-romana. Tiveram aí, diante de si, outras questões bastante empenhativas. A cultura grega politeísta era bastante receptiva à existência de diversos deuses.

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Como constatamos nos Atos dos Apóstolos, São Paulo elogiou a religiosidade dos atenienses que erigiam altares para diversos deuses e, para não deixar nenhum de fora, haviam até construído um altar ao Deus desconhecido (At 17,22-23).

Como explicar a esses povos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não eram três novos deuses, mas um só e o único Deus verdadeiro? A filosofia grega havia chegado à conclusão de que Deus existe e é o Ser supremo, a Causa primeira de todas as coisas, o Ordenador da harmonia cósmica, a simples Unidade.

Como anunciar a esses estudiosos que o Deus verdadeiro veio a nós na figura humana e mortal de Jesus de Nazaré e, se é unidade, é também diversidade?

GNOSTICISMO

O gnosticismo (do grego gnosis = conhecimento) era uma espécie de filosofia de vida que ensinava a necessidade de conhecer o sentido primeiro e último de todas as coisas, encontrado somente em Deus e no mundo do além, do puramente espiritual. Segundo essa filosofia, a matéria do mundo e do corpo humano eram más, conseqüência de algum desvio acontecido no mundo do além.

Uma queda no mundo material, frágil e mortal teria sido o castigo por esse desvio. Portanto, o bem seria alcançado com o conhecimento do mundo espiritual, o único verdadeiro, e com a conseqüente rejeição e fuga do mundo e do corpo materiais, que seriam somente carcaça e cadeia da alma prisioneira.

Como então falar de:

Um Deus que, livremente e por amor, criou esse mundo tão marcado pela fragilidade?

Um Deus que se fez homem, passou pelo sofrimento e pela morte e, ressuscitando, abriu caminho para a ressurreição e a glorificação de todos os seres humanos e de todo o mundo material?

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Um Deus que sustenta e santifica a matéria, chamando-a, com o ser humano, à divinização?

Os primeiros cristãos, como se vê, enfrentaram desafios. Para responder a essas perguntas não bastava a fé. Tiveram que usar também de inteligência.

Pe. Vitor G. Feller

Refletindo:

1) Como essas questões continuam, ainda hoje, presentes no modo de pensar e viver de nosso povo?

2) Quais as questões que hoje mais desafiam a nossa fé no Deus-Trindade?

DEUS-TRINDADE: MODELO DE COMUNIDADE

Por ser assim, amor, simplesmente amor, Deus-Trindade é modelo de comunidade. Não somente modelo, mas também fonte e origem e inspiração para relações comunitárias que sejam verdadeiramente humanas. Não somente modelo, mas também crítica de todas as relações desumanas, opressoras e exploradoras, injustas, egoístas e mesquinhas.

FRUTOS DO AMOR

Criados que somos, seja individualmente, seja coletivamente, à imagem e semelhança de Deus-Trindade (Gn 1,26-27), não podemos ficar longe dessa fonte inspiradora e desse olhar crítico e questionador. Tanto mais nós cristãos, que tivemos a graça de saber que Deus é assim e, portanto, que também nós somos assim.

O apóstolo João exulta de alegria ao anunciar essa descoberta: “Vejam que prova de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos/filhas de Deus. E nós de fato o somos! Se o mundo não nos reconhece (e às vezes nós mesmos não nos reconhecemos), é porque também não reconheceu a Deus” (1 Jo 3,1).

E continua, esperançoso: “Desde agora nós já somos filhos/filhas de Deus, embora não se tenha tornado claro o que vamos ser. Sabemos que quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque nós o veremos como ele é” (1 Jo 3,2).

Criados por um Deus-Amor, nós somos frutos do amor. Nós já somos divinos, embora, por causa da nossa condição terrena e mortal e, mais ainda, por causa das rupturas do pecado, essa nossa condição divina fique obscurecida.

SER CRISTÃO

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Ser humano e, mais ainda, ser cristão, é espelhar na terra a nossa origem trinitária. Adaptando o ditado “tal pai, tal filho”, poderíamos dizer: “tal Deus-Amor criador, tal ser humano-amor, tal humanidade-amor”.

Com o olhar da fé, podemos enxergar essa realidade no fundo de nossos próprios corações, no rosto confiante das crianças, na face serena dos idosos e idosas, no sorriso jovial da juventude e da adolescência.

Com o olhar da fé e a prática da caridade, podemos acreditar que é possível uma sociedade sem excluídos, uma única Igreja de Cristo sem divisões, uma política de serviço e não de corrupção e nepotismo, uma economia de bens e serviços disponíveis para todos, “para que todos tenham vida em abundância”, como Deus-Amor criador quis e quer (Jo 10,10).

Com o olhar da fé, a prática da caridade e a firmeza da esperança, podemos dar um basta a toda forma de violência, “esperando contra toda esperança” (Rom 4,18), podemos fincar nossos pés, mãos e corações, na fidelidade do amor de Deus-Trindade e partir para novos rumos.

SOMOS DIFERENTES

Afinal, como Paulo, nós sabemos em quem pusemos nossa confiança e nossa fé (2 Tim 1,12); como João, “nós reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse amor” (1 Jo 4,16). Nós não somos como os outros, tristes e angustiados, “que não têm esperança” (1 Tes 4,13).

A última palavra, nós bem sabemos, não será a do algoz, do tirano e do poderoso prepotente. Mas será do Deus libertador e amigo, que da morte e da cruz faz brotar a vida nova da ressurreição, que transforma a dor e o luto em força e energia para novos tempos.

Como a primeira palavra da história, fincada na eternidade, é o Amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, assim também a última palavra, a vitória final, caberá a esse mesmo Amor.

Nossa origem, nosso presente e nossa meta se encontram em Deus-Trindade. Dele viemos, nele vivemos, para ele vamos, a ele voltaremos. Em Deus-Amor, comunhão trinitária, “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28).

Pe. Vitor G. Feller

REFLETINDO:

1) De que maneira espelhamos no ministério catequético, na vida familiar e no serviço à Igreja, o amor de Deus?

2) O que falta à nossa comunidade cristã e à nossa sociedade para serem sinais da comunhão divina trinitária?

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NA IGREJA PRÉ-CONCILIAR

Até o Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja era considerada mais pelo seu lado institucional que pela sua dimensão de mistério. Era entendida como uma sociedade perfeita, tão bem organizada como qualquer país ou cidade. Sabia-se quem a ela pertencia, através de condições facilmente verificáveis: recepção do batismo e prática dos outros sacramentos, obediência à hierarquia, disciplina moral.

Acentuava-se a dimensão institucional e visível da Igreja: ligação histórica com Jesus Cristo, doutrina, estrutura hierárquica, divisão territorial por dioceses e paróquias. Esquecia-se quase a dimensão invisível e misteriosa: sua relação com Deus-Trindade, sua origem no plano salvífico do Pai, sua constituição no ministério do Filho e sua santificação pela assistência do Espírito Santo.

NO CONCÍLIO VATICANO II

Na Constituição Dogmática sobre a Igreja, chamada Lumen Gentium (luz dos povos), o Concílio Vaticano II lembra que a Igreja é, na terra, imagem da Trindade. Ela vem da Trindade, vive na Trindade e vai para a Trindade. Sua origem, sua existência e sua meta encontram-se na comunhão trinitária.

A Igreja é, para seus membros e para toda a humanidade, um reflexo, um sinal, da comunhão entre as três Pessoas divinas. Assim, quando participamos da comunhão eclesial, já estamos inseridos, de forma mística e sacramental, na vida trinitária. Viver na Igreja é já viver em Deus-Trindade. Participar da missão evangelizadora e da ação pastoral da Igreja é colaborar com a vontade de Deus de salvar toda a humanidade. Experimentar as alegrias e sacrifícios da vida familiar e comunitária da Igreja, no amor aos irmãos e irmãs, no perdão, na compreensão mútua, na superação das dificuldades, no reconhecimento das diferenças, na valorização dos dons e carismas, é provar, desde já, na forma de aperitivo e vislumbre, a vida celeste na comunhão trinitária.

SINAL DO REINO

A Igreja não somente é reflexo da comunhão divina e trinitária. Ela é, também, instrumento e sinal do Reino de Deus. Desse modo ela pertence a Deus. Ela não se pertence a si mesma, não encontra o sentido de sua existência e missão em si mesma. Ela é de Deus e só em Deus-Trindade, no mistério do amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, é que ela tem significado. Por isso, a Igreja nunca será verdadeiramente compreendida, se a analisarmos com os olhos deste mundo.

Ela não é uma organização qualquer, como um Estado, um partido político, uma associação sindical, um clube social, um grêmio esportivo. As ciências humanas e sociais, como a história e a sociologia, a política e a economia, entre outras, nunca conseguirão captar o sentido mais básico e original da Igreja. Poderão estudá-la segundo diversas abordagens, pois afinal ela é constituída de seres humanos. Em seus estudos, poderão abrir muitas pistas e apontar muitas luzes, a fim de que ela consiga entender-se a si mesma e cumprir sua missão. Mas, o único olhar que capta o núcleo central da Igreja é o olhar da fé.

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Somente quem crê em Deus-Trindade compreenderá o sentido e a missão da Igreja. Assim, os pecados que cometemos contra a Igreja, tais como indiferença em participar dos sacramentos, omissão quanto aos serviços pastorais, fechamento em grupos e movimentos, maledicência e fofocas que provocam divisões, desrespeito às lideranças..., são pecados cometidos contra a fé, a caridade e a esperança, isto é, as virtudes teologais, que nos põem em relação cada vez mais direta com Deus-Trindade.

REFLETINDO:

1) Como vivemos nossa comunhão eclesial?

2) De que modo poderemos colaborar para que a Igre ja reflita mais claramente a comunhão trinitária?

3) Que pecados costumamos cometer contra Deus- Trindade e sua Igreja?

COMUNHÃO TRINITÁRIA

Em seu mistério trinitário, Deus é uma comunidade, uma família, uma equipe, um grupo. Deus é comunhão, convive e age em grupo eternamente. Deus decide tudo em

grupo, em equipe, porque tudo o que a Trindade santa faz é comum às três pessoas divinas. Deus não vive separado, não é solitário, não é isolado, não é individualista.

Deus é comunhão do “eu” singular do Pai diante do “tu” do Filho, seu único e mais perfeito interlocutor, ambos constituindo o “nós” do Espírito Santo, que é uma pessoa em duas realidades de amor infinito, que se identifica como pessoa no amor do Pai e do Filho, totalmente voltado a ser e garantir o amor entre os dois.

Esta unidade de Deus, sua vida em comunhão, é o fundamento da Igreja, conforme o que Jesus mesmo pediu ao Pai: “que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17,21), como eu-tu-nós somos um.

Deus, comunhão trinitária, criou o ser humano para a comunhão. Ninguém foi criado para ser sozinho, para virar-se sozinho na vida. Todo ser humano é criado para ser relacional, dialogal, comunicativo.

Desde sua criação, a pessoa humana é, por natureza, um ser social. Ao criar o ser humano, na dualidade entre homem e mulher, Deus-Trindade inscreve neles o chamado e a capacidade para a comunhão. Para corresponder a essa vocação inata no coração e na constituição do ser humano, é preciso viver em comunidade, em grupo, em família.

Nenhuma das pessoas divinas existe para si, mas para as outras duas. Cada pessoa divina se define como alguém, isto é, encontra sua identidade e personalidade, exatamente na relação com as outras duas. Cada pessoa divina vive eternamente para as outras duas, com as outras duas, a partir das outras duas.

É próprio das pessoas divinas o relacionar-se, o doar-se, o buscar fora de si o sentido de sua própria personalidade e de sua ação na história. Por isso, em Deus tudo é comum.

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Se é assim a nossa fonte, o nosso DNA, então só encontramos nossa realização e felicidade, seja pessoal, seja social, na vida em comunhão.

Também a maior glória da Trindade é a vida comunitária do ser humano, de modo que todos e cada qual possam ser verdadeiramente humanos, isto é, dialogais, comunitários. Assim, quanto mais humanos, mais divinos e trinitários nós seremos.

Nessa direção e meta comum a toda a humanidade, a Igreja é por excelência um farol, uma baliza, um sinal. Ela é a comunhão dos que vivem trinitariamente, a exemplo das pessoas divinas.

A existência cristã é uma existência trinitária. Por isso, a ação pastoral e evangelizadora da Igreja, em qualquer de suas dimensões, consiste em formar grupos e comunidades de fé, de caridade e de esperança. Formar grupos é um compromisso trinitário. Formar comunidades é levar as pessoas ao encontro com Deus, ao desafio de ser e viver como são e vivem as pessoas divinas.

Por isso, qualquer que seja a paróquia, o setor de pastoral, o movimento, o grupo, o organismo, de que alguém participe, sua primeira missão é favorecer a criação de uma Igreja cada vez mais ministerial, ecumênica, solidária, missionária.

Quem se isola em grupinhos e panelinhas ofende, não somente a Igreja e sua ação pastoral, mas agride violentamente o manancial trinitário de onde tudo brota.

Pe. Vitor G. Feller

REFLETINDO:

1) Quais os sinais que existem entre nós, na nossa ação Pastoral de que somos imagem de Deus-Trindade?

2) Quais as atitudes nossas que agridem o sentido de comunidade e de comunhão em nosso trabalho pastoral?

Sinais e símbolos do Deus-Trindade

Como em todas as ocasiões em que tratamos do mistério divino, qualquer símbolo é apenas uma sombra e uma imagem muito diluída da verdade que nos fascina. Mesmo assim, somos ousados em usar de símbolos e imagens, não para desfigurar a profundidade e a beleza de Deus, mas para facilitar nosso balbucio de filhos e filhas ao pretendermos dizer quem é o Deus-Trindade a quem amamos.

FAMÍLIA

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A primeira imagem-símbolo que nos vem à mente é a da família bem constituída, onde temos três categorias de pessoas (pai, mãe, filhos), cada uma com carismas e encargos próprios. Também podem ser sinais da Trindade uma comunidade, um grupo de oração e reflexão, um grupo de amigos, onde as pessoas são diferentes, mas têm objetivos comuns, onde as alegrias são multiplicadas e os sofrimentos divididos, onde se aprende a conviver e a lutar juntos pela solução dos problemas. São ainda símbolos muito comuns da Santíssima Trindade:

a) três anéis entrelaçados, que podem ser vistos soltos para visualizar a Trindade das pessoas, ou sobrepos tos para visualizar a unidade do ser divino; b) três velas acesas num só fogo; c) três pessoas abraçadas numa ciranda alegre e festiva;d) vaso de três flores da mesma espécie em três cores diversas; e) o triângulo eqüilátero.

O QUADRO DE RUBLEVOutra imagem muito bonita é o quadro do artista russo, ortodoxo, dos três homens de Mambré, hóspedes de Abraão, figuras de Javé. No relato do Gênesis (capítulo 18), a própria linguagem trai o fascínio do mistério, às vezes usando o singular, às vezes o plural, para contar o fato. No quadro, o pintor Rublev, do século XIV, apresenta os três com rosto idêntico para mostrar a mesma identidade, mas com roupagens e posições diferentes para indicar a distinção de cada um.

Um outro quadro é o dos três círculos entrelaçados, um desenhado com a mão aberta para baixo para representar o cuidado providencial do Pai, outro com a cruz para simbolizar a entrega amorosa do Filho e outro com a pombinha para significar a liberdade irradiante do Espírito.

NATUREZAMuitos elementos da natureza podem ser apreciados em sua ternariedade (três aspectos).

Nas plantas vemos: na raiz, o Pai que dá segurança e sustento; no tronco, o Filho que se apresentou como videira pela qual nos vem a graça; no fruto, o Espírito Santo com seus dons e carismas.

Na água temos três estados que lembram: no sólido/gelo, o Pai fundamento de todas as coisas; no líquido/fluidez, o Filho em sua caminhada pelo mundo; no gasoso/vapor, o Espírito Santo em sua presença misteriosa em todas as coisas.

Na água temos ainda três formas: a fonte, na qual percebemos o Pai, origem de todas as coisas; o rio, no qual vislumbramos o Filho que vem do Pai e atravessa o mundo; o mar, no qual entrevemos o Espírito Santo, a confluência de todas as nossas ações.

Três astros marcam profundamente nossa existência: o sol, que é imagem do Pai que nos aquece em seu amor; a terra, que é símbolo do Filho no qual e a partir do qual

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temos a vida; a lua, que é sinal do Espírito Santo a nos iluminar as mentes nas noites escuras da fé.

O espaço é tridimensional: a altura nos recorda o Pai que está no alto dos céus; a largura nos lembra o Filho que veio a nós no espaço e no tempo; a profundidade nos indica o Espírito Santo que infunde o amor em nossos corações.

O tempo se apresenta em três movimentos: o passado para significar o Pai, origem de tudo; o presente para simbolizar o Filho, nosso companheiro de viagem na história da humanidade; o futuro para o qual nos conduz o Espírito Santo.

Pe. Vitor G. Feller

REFLETINDO:

1) Como estes símbolos nos ajudam a entender o misté- rio de Deus-Trindade? 2) Qual desses símbolos é o mais interessante? Por quê? 3) Que outros símbolos poderíamos acrescentar?

SPIRITUALIDADE TRINITÁRIA

Integrada e IntegradoraSe o nosso Deus é Trindade, toda a nossa espiritualidade deveria ser trinitária. Os cristãos entendem sua espiritualidade não como um conjunto de ações religiosas, fechadas num mundo intimista de sacristia, mas como estilo de vida segundo o Espírito de Deus. Um estilo, um jeito de viver, que perpassa todas as relações humanas, desde a interioridade pessoal, passando pela família e comunidade, até atingir a sociedade e o cosmos.

Os cristãos se sabem sempre diante de três pessoas: Abbá, Ieshuá e Ruah (Pai, Jesus e Espírito, na língua hebraica, uma das línguas da revelação bíblica)! Cada uma delas nos enriquece com os dons e carismas próprios de sua personalidade, de sua identidade e de sua peculiar presença e ação na criação e na história. Mas não se pode, sob pena de perdermos a característica trinitária da fé cristã, exagerar a relação com uma só das pessoas divinas, menosprezando as outras.

O equilíbrio é nossa segurança, nossa certeza de uma espiritualidade humanamente integrada e integradora.

ABBÁ, PAPAI, PAIZINHO

Do Abbá, papai, paizinho, recebemos amparo e segurança. Nele encontramos apoio e firmeza. A ele elevamos verticalmente nosso olhar, com ousadia e esperança. Ele é Deus antes de nós, além de nós, acima de nós, um Deus cujos pensamentos e desígnios nos são insondáveis.

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A ele nós amamos em primeiro lugar, mais do que tudo, com todas as forças, toda a alma e todo o entendimento. Ele é nossa fonte e origem, o manancial de onde brota toda a vida da natureza e da humanidade. Ele é a autoridade suprema, não para oprimir, explorar e excluir, mas para servir e dar vida e manter na vida.

É impossível viver sem uma referência direta à primeira pessoa da Santíssima Trindade. No entanto, se ficássemos só com essa pessoa, se exagerássemos nossa relação com o Pai, esquecendo-nos do Filho e do Espírito, o próprio Pai poderia tornar-se para nós patrão, policial, castigador, um Deus distante e severo, inacessível, bem outro que o Pai querido de Jesus Cristo, que derramou sobre o Filho e sobre nós o Espírito de amor.

IESHUÁ, DEUS FEITO HOMEM

Do Ieshuá, Deus feito homem para nos salvar, recebemos força e coragem para nos inserirmos no mundo, para assumirmos a causa dos pobres, para lutarmos política e socialmente por um mundo mais justo, sem exclusões e discriminações.

A Ele nos dirigimos horizontalmente, como um de nós. Ele é Emanuel, Deus conosco, no meio de nós, entre nós. Um Deus feito homem em tudo, nas fraquezas e obscuridades de nossa natureza frágil e mortal, mas que venceu o pecado, que não se deixou manipular pelas tentações da idolatria do ter mais, poder mais, gozar mais a vida, em detrimento dos outros. Nós o amamos nos irmãos e irmãs, sobretudo, nos mais pequenos e pobres, com quem ele quis se identificar. Sua presença permanente entre nós, na Eucaristia e na Palavra, na comunidade e nos pobres, nos pastores e servidores de sua Igreja, é um apelo constante e intransferível ao empenho pela transformação da realidade do mundo pecador em novos céus e terra.

É impossível viver sem uma relação explícita à segunda pessoa da Santíssima Trindade. Contudo, se nos fixássemos apenas no Filho, esquecendo-nos do Pai e do Espírito Santo, o próprio Filho se tornaria para nós apenas um mestre de uma nova lei, um contestador político, um reformador religioso. Não seria o Filho amado do Pai, por quem nós também somos filhos e filhas. Não seria o Ungido pelo Espírito, por quem e para quem nós também fomos ungidos.

RUAH DIVINA – O DEUS DENTRO DE NÓS

Da Ruah divina (ruah, em hebraico, é feminino!), nós aprendemos que somos diferentes uns dos outros, cada qual com dons e carismas próprios, para a utilidade do bem comum. Com ele nos encontramos na profundidade de nossos corações.

Ele é o Deus dentro de nós, mais íntimo a nós que nós a nós mesmos. E como ele está em mim, está também em cada qual de meus irmãos e irmãs, de qualquer raça ou cultura, igreja ou religião. Faz-me/faz-nos sentir a beleza e o encanto da filiação divina. Promove a alegria, o louvor, a festa. Como ele é na Trindade o laço do amor entre Pai e Filho, garantindo a perfeita unidade na plena distinção entre os dois, assim ele me/nos

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induz ao diálogo com o diferente, me/nos ensina a apreciar a singularidade na pluralidade, a unidade na diversidade.

Ele nos ensina que é anti-cristão e desumano fechar-se em guetos, grupinhos, panelinhas. É impossível viver a fé cristã e a dignidade humana sem relação à terceira pessoa divina. Porém, qualquer redução da espiritualidade ao Espírito Santo, sem espaços para os dons que vêm do Pai e do Filho, levará a fazer dele apenas uma energia interior, um deus ao gosto e prazer de cada qual, um deus do interior de cada qual, feito à imagem e semelhança do egoísmo humano. Não seria mais o Espírito Santo, santificador e comprometedor, o amor que une Pai e Filho em sua entrega e doação para a vida do mundo.

Pe. Vitor G. Feller

REFLETINDO:

1) Em que momentos e de que maneira expressamos a dimensão trinitária de nossa espiritualidade cristã? 2) Quais as falhas de nossa espiritualidade?3) Que tipo de espiritualidade somos chamados a viver, espelhando-nos no Deus-Trindade?

IGREJA: ÍCONE DA TRINDADE

Numa linguagem teológica, diz-se que a origem da Igreja está no próprio mistério de Deus-Trindade. Numa linguagem histórica, menciona-se a história de Jesus de Nazaré como início da Igreja. Essas duas linguagens se implicam mutuamente, porque Jesus de Nazaré é a presença humana do Deus eterno em nossa história.

A IGREJA E A TRINDADE

A Igreja tem sua origem, seu sentido e sua meta no mistério de Deus-Trindade. Ela vem da Trindade, vive na Trindade e vai para a Trindade. Ela é na terra a imagem da Trindade celeste. A Igreja é o ícone da Trindade. A comunhão perfeita das três pessoas divinas é a semente, a raiz, o tronco, a seiva da comunhão da Igreja. Poderíamos dizer que as três pessoas divinas são os primeiros membros da Igreja, o cerne da comunhão eclesial.

Os três divinos são distintos entre si, numa distinção que não leva à divisão, mas sim à comunhão mais plena. Assim a Igreja é a comunhão, embora imperfeita, na diversidade de povos, línguas e nações, de carismas e dons, de vocações e ministérios. As três pessoas divinas comungam entre si o mesmo amor, a mesma liberdade e consciência, o mesmo poder e glória, numa comunhão que não anula as diferenças, que não reprime as distinções.

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IGREJA: COMUNHÃO E DIVERSIDADE

Também a Igreja não é um caldeirão que tudo massifica numa geléia geral, pondo todos numa mesma forma. É na diversidade que se encontra a beleza da Igreja. Diversidade na comunhão, comunhão na diversidade. Tal Trindade, tal Igreja. É claro, com as devidas diferenças. A comunhão trinitária é eterna e, por isso, plena e perfeita. A comunhão eclesial é humana e histórica e, por isso, imperfeita e peregrina.

A NOVA ALIANÇA

Historicamente falando, a Igreja tem sua origem na revelação histórica desse Deus-Trindade. Desde que criou o mundo, Deus já quis a Igreja, previu a unidade de todos os seus filhos e filhas na comunhão com Cristo. É a Igreja na ordem da criação. Mas, como a aliança da criação com a humanidade foi rompida pelo pecado humano, Deus escolheu o povo de Israel, com quem fez uma aliança de presença e de palavra, de lei e de promessa. Temos aí a Igreja, sob a ordem da lei.

Mas é com Jesus Cristo que Deus-Pai estabelece a nova e eterna aliança com a humanidade. Como anunciador da Boa Notícia do amor do Pai aos pobres e do Reino de justiça para todos, ele reuniu ao seu redor um grupo de pessoas que nele acreditaram, seguindo-o em sua prática de solidariedade com os marginalizados e de denúncia das idolatrias do dinheiro e do poder. Um grupo que pode ser apresentado em forma dinâmica de concentração e expansão: multidões, setenta e dois discípulos, doze apóstolos, três amigos íntimos, um líder.

Enquanto permanecia com seus discípulos e discípulas, Jesus os fortalecia na fé, ensinava-lhes como se opor à perversidade da religião legalista, corrigia-lhes pretensões de poderio e mando. Ao ser morto pelos donos do poder religioso, pelos doutores da Lei e pelos sacerdotes do Templo, Jesus os deixou em estado de perplexidade: se ele foi morto pelos representantes de Deus, era verdade o que ele ensinava? A fuga e a volta para casa parecia, então, a melhor saída.

A NOVA IGREJA

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Foi quando o próprio Jesus lhes apareceu ressuscitado, confirmando sua missão messiânica, infundindo-lhes seu Espírito, enviando-os a anunciar a todo o mundo o seu Evangelho, prometendo-lhes sua presença permanente entre eles e elas.

A Igreja nasce das duas mãos do Pai: de Jesus de Nazaré e do Espírito Santo, da cruz e do cenáculo, da Páscoa e de Pentecostes, do sangue derramado pelo coração aberto do Mestre e do fogo descido sobre a cabeça dos discípulos.

Pe. Vitor G. Feller

Para refletir:

1.º Em que situações nossa Igreja reflete a comunhão trinitária?

2.º Em que situações ela se afasta do mistério de Deus-Trindade?