surui sociolinguistica tcc_ oliveira

64
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins Belém 2012

Upload: ellen-oliveira

Post on 23-Jun-2015

1.840 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Page 1: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA

Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins

Belém

2012

Page 2: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

1

ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA

Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins

Belém

2012

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado para obtenção do grau de

Licenciado em Letras – Língua

Portuguesa pela Universidade do Estado

do Pará, sob a orientação da Profª Drª Eliete de Jesus Bararuá Solano e co-

orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina

Parente Monteiro Alencar.

Page 3: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

2

Dados Internacionais de Catalogação na publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Oliveira, Ellen Cristiane de Souza Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins. / Ellen Cristiane de Souza,

Belém, 2012.

Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Letras-Língua Portuguesa) Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012.

Orientação de: Eliete de Jesus Bararuá Solano; Co-orientação de: Joelma Cristina Parente Alencar

1. Sociolinguística. 2. Índios da América do Sul. I. Solano, Elite de Jesus Bararuá (Orientador). II. Alencar, Joelma Cristina Parente (Co-orientador) III. Título.

CDD: 21 ed. 306.44

Page 4: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

3

ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA

Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras – Língua

Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano e

co-orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar.

Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano (UEPA) – Presidente

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar (UEPA) – Membro interno

____________________________________________________

Prof.ª Ms. Mara Silvia Jucá Acácio (UEPA) – Membro interno

____________________________________________________

Aprovado em:

Belém,______ de__________de 2013.

Page 5: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

4

Ao Povo Suruí-Aikewara, pelo carinho, respeito e hospitalidade

com que me receberam; pela disposição em participar

e contribuir para este trabalho, manifesto minha

gratidão e dedico este trabalho.

Page 6: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

5

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos

À Edna Oliveira e José Augusto Rosa pelo empenho em oferecer o melhor aos seus filhos:

amor e educação.

Aos meus irmãos Andrey e Andreza, pela paciência, carinho, compreensão e principalmente

por proporcionarem os momentos de leveza que tanto precisei.

À Maria Cristina de Souza Oliveira (in memoriam), pelo amor, apoio e conselhos sábios e

inesquecíveis.

À Silvia Maria Aguiar Rezende, pelos conselhos e apoio inestimáveis que contribuíram ao

meu despertar acadêmico.

À Prof.ª Dr.ª Eliete Bararuá Solano, minha orientadora, pela acolhida acadêmica, pelas

preciosas e incansáveis orientações, pela disposição em me ajudar em tudo que precisei e por

me apresentar aos estudos das línguas indígenas, experiência determinante para minha escolha

acadêmica e profissional.

À Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro Alencar, responsável por despertar meu interesse pelos estudos

indígenas, pelos conselhos providenciais e disponibilidade em me ajudar sempre.

À Prof.ª Ph.D. Josebel Akel Fares, pelo apoio e pela iniciação na pesquisa, experiências que

contribuíram ao meu aprendizado sobre ciência dos livros e da vida.

À Prof.ª Dr.ª Juliana Araújo, pelos constantes incentivos acadêmicos.

À Prof.ª Dr.ª Eneida Assis, pelo apoio e conversas-conselhos acadêmicos.

Àqueles que contribuíram para minha constituição acadêmica: Prof.ª Ma. Mara Jucá, Prof.ª

Ma. Rosana do Vale, Prof.ª Ma. Ionéli Bessa, Prof. Me. Almir Rodrigues, Prof. Me. José

Page 7: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

6

Denis Bezerra, Prof. Me. Alonso Jr., Prof. Me. Hilton Silva, Prof. Dr.. Homerval Teixeira,

Prof.ª Ma. Margareth Alves, Prof. Me. Maurício Garcia, Prof. Me. Marco Jaime, Prof. Dr.

Fernando Costa, Prof.ª Ma. Kátia Andrea, Prof.ª Ma. Isilda Cordeiro, Prof. Dr. Marco Antonio

Camelo e Prof. Dr. José Anchieta.

Aos colegas de pesquisa e/ou de campo: Alexandra Borba, Plumma Corêcha, Thomas Alves,

Tymykong Suruí, Ikatu Suruí, Murué Suruí, Tiape Suruí, Se’a Suruí, Francivaldo Freitas,

Matânia Suruí, Amoneté Suruí, Saru Suruí, Arawi Suruí, Awarua Parakanã, Roitong Suruí,

Nani Suruí, Winurru Suruí, e Warikatu Suruí, pelos preciosos auxílios.

Aos meus amigos e colegas Emídio Bahia, Camila Maciel, Marcelo Tavares, Amanda

Quaresma, Renata Colares, Évila Neves, Bianca Rodrigues, Douglas Rodrigues, Marcelo

Deusdedith, Anna Monteiro, Tayná Zalouth, Raimundo Cesário Neto, Liege Lira, Marcilene

Braga, Brena Sena, pela parceria a união ao longo da graduação.

À Capes, pelo financiamento do Projeto Observatório da Educação Escolar Indígena que

possibilitou o desenvolvimento dessa pesquisa.

Ao Deus, que é amparo, palavra e ponto final em tudo o que faço, por sempre me colocar no

exato lugar, acompanhada das pessoas com as quais deseja que eu esteja e aprenda!

Page 8: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

7

RESUMO

Este trabalho apresenta resultados e reflexões acerca da situação sociolinguística da

Língua Suruí do Tocantins, língua materna do Povo Suruí-Aikewara (Estado do Pará). A

Aldeia Sororó, lócus da pesquisa, está localizada entre os municípios de São Domingos do

Araguaia e São Geraldo do Araguaia, população com a qual esse povo mantém intenso

contato. O objetivo da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí do

Tocantins falada na Aldeia Sororó, considerando-se os seguintes aspectos: quantidade de

falantes monolíngues e multilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária e usos

linguísticos orais e escritos desenvolvidos na aldeia. Tem-se como referenciais teóricos Labov

(2008), Tarallo (1986) e Paiva (2012) referentes à Sociolinguística; os estudos de Hammers e

Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) e Couto (2009) são utilizados para tratar do

Bilinguismo; sobre usos linguísticos orais e escritos e estes usos em comunidades indígenas

tem-se como base os trabalhos desenvolvidos por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá

(1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) e Monserrat (1989). A abordagem da

pesquisa é qualitativa e o levantamento de dados foi realizado através da observação

participante e aplicação de formulários sociolinguísticos, adaptados para a realidade da Aldeia

Sororó a partir dos questionários desenvolvidos por Aquino (2010) e Silva (2001). A

aplicação dos formulários foi realicada com 177 índios da etnia Suruí-Aikewara a fim de

identificar o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues. A observação participante teve

a finalidade de conhecer o contexto sociocultural do povo e seus usos linguísticos orais e

escritos. Os dados levantados revelaram que grande parte da população é bilíngue; os usos

linguísticos orais são realizados em ambas as línguas pelos indivíduos bilíngues; e, nos usos

linguísticos escritos há predominância da Língua Portuguesa. Espera-se que este trabalho

possa contribuir para o conhecimento da realidade sociolinguística do Povo Suruí-Aikewara e

para o desenvolvimento de projetos de fortalecimento linguístico.

Palavras-chave: língua Suruí do Tocantins, Povo Suruí-Aikewara, Sociolinguística.

Page 9: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

8

RÉSUMÉ

Cet rapport présente les résultats et les réflexions sur la situation sociolinguistique de

la langue Suruí Tocantins, langue maternelle du peuple Suruí-Aikewara (Pará). Le Sororó

Village, lieu de recherche, est situé entre les villes de São Domingos do Araguaia et São

Geraldo do Araguaia, de la population avec laquelle ce peuple est en contact intense.

L'objectif de cette recherche est de décrire la situation sociolinguistique Suruí Tocantins

langue parlée dans le village de Sororó, en tenant compte des aspects suivants: le nombre de

locuteurs monolingues et multilingues en fonction de leur sexe et de l'âge et utilisations

linguistique orale et écrite développés dans le village. En ayant comme référentielle théorique

Labov (2008), Tarallo (1986) et Paiva (2012) en ce qui concerne Sociolinguistique; études de

Hammers et Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) et Couto (2009) sont utilisés pour

traiter l'le bilinguisme; utilisations du langage oral et écrit et ces usages dans les communautés

autochtones a été basée sur le travail développé par Calvet (2011), d'Angelis (2007), Melia

(1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) et Montserrat (1989). l'approche de

recherche est de nature qualitative et la collecte des données a été réalisée par l'observation

participante et à l'application de questionnaires sociolinguistiques, adaptés à la réalité de la

Sororó Village à partir de questionnaires élaborés par Aquino (2010) et Silva (2001), avec 177

Indiens ethniques Suruí-Aikewara pour identifier la quantité des locuteurs monolingues et

bilingues. L'observation participante a été conçu pour répondre au contexte socio-culturel du

peuple et de leurs usages oraux et la langue écrite. Les données recueillies ont révélé qu'une

grande partie de la population est bilingue; utilisations linguistique orale sont effectuées dans

les deux langues par des personnes bilingues, et le utilisation linguistique écrite est réalisé

principalement dans le langue portugaise. Il est à espérer que ce travail contribuera à la

connaissance de la réalité sociolinguistique du peuple Suruí-Aikewara et de développer des

projets pour renforcer la langue.

Mots-clés: Suruí Tocantins langue, Peuple Surui-Aikewara, la Sociolinguistique.

Page 10: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA 12

1.1 O POVO SURUI-AIKEWARA 12

1.2 HISTÓRICO DO CONTATO 13

1.3 LOCALIZAÇÃO 14

1.4 ESPAÇOS DA ALDEIA SORORÓ 16

1.5 SUBSISTÊNCIA 19

1.6 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS 20

1.7 ASPECTOS LINGUÍSTICOS 24

2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS 27

2.1 SOCIOLINGUÍSTICA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

TEÓRICO-METODOLÓGICAS 27

2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas 29

2.2 BILINGUISMO E INDIVIDUO BILÍNGUE 30

2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues 32

2.3 USO DAS LÍNGUAS NAS MODALIDADES

ORAL E ESCRITA EM COMUNIDADES INDÍGENAS 35

2.3.1 A modalidade oral 35

2.3.2 A modalidade escrita 37

3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ 40

3.1 ATORES, INSTRUMENTOS E MÉTODOS DA PESQUISA 41

3.2 FALANTES MONOLÍNGUES E BILÍNGUESDE ACORDO COM AS

VARIÁVEIS GÊNERO E FAIXA ETÁRIA 42

3.3 OS USOS LINGUÍSTICOS ORAIS E ESCRITOS DA ALDEIA SORORÓ 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS 50

REFERENCIAS 54

ANEXOS 57

Page 11: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

10

INTRODUÇÃO

Tão importante quanto os estudos de descrição e documentação de línguas indígenas

são os estudos sociolinguísticos que as tem como objeto. Devido à dificuldade que se tem em

identificar nas pesquisas descritivas os falantes nativos dentro da densidade demográfica

ocorre, em muitos casos, tomar-se por quantidade de falantes o número de indivíduos que

compõem a população. (Moore; Galucio; Gabas Júnior, 2008). O estudo sociolinguístico das

línguas indígenas, além de revelar a real quantidade de falantes nativos da língua, fornecem

dados que permitem, entre outros aspectos, verificar a demografia, a quantidade de falantes

bilíngues e monolíngues, o contexto sociocultural, os usos linguísticos orais e escritos e seus

contextos, a vitalidade e a transmissão intergeracional da língua.

O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu a partir de uma breve visita à Aldeia

Sororó em maio de 2012, juntamente com coordenadores do Curso de Licenciatura

Intercultural da Universidade do Estado do Pará – UEPA, a fim de aplicar a prova de seleção

do curso aos candidatos Suruí-Aikewara. Na ocasião foi possível notar significativa

quantidade de índios falantes da língua portuguesa, porém não havia clareza da quantidade de

falantes da língua indígena e os usos de ambas as línguas; ciente de que o fato poderia e

deveria ser investigado empiricamente, decidiu-se pela realização dessa pesquisa.

O objetivo principal da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí

do Tocantins falada na Aldeia Sororó. Escolheu-se a referida aldeia por apresentar maior

densidade populacional. A abordagem desta pesquisa é qualitativa e foram utilizados como

instrumentos para o levantamento de dados a observação participante e formulários

sociolinguísticos. O levantamento bibliográfico precedeu a pesquisa de campo, essa última foi

realizada no período de 11 a 22 de agosto de 2012. Os formulários sociolinguísticos foram

respondido por 177 Aikewara, dos sexos masculino e feminino das faixas etárias de 12 a 21

anos, 22 a 40 anos, 41 a 60 anos e acima de 60 anos, com finalidade de identificar quais os

falantes bilíngues e monolíngues, seus usos linguísticos e suas práticas de leitura e escrita; a

observação participante possibilitou conhecer aspectos do contexto sociocultural, no qual está

inserido o Povo Suruí-Aikewara e as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia.

A presente pesquisa tem como questão norteadora “qual a situação socioliguistica da

língua Suruí do Tocantins falada na Aldeia Sororó?”. Além do objetivo geral supracitado têm-

se os seguintes objetivos específicos: i) Levantar a bibliografia existente sobre os aspectos

linguísticos e socioculturais do Povo Suruí-Aikewara; ii) Identificar os falantes monolíngues,

Page 12: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

11

bilíngues ou multilíngues e suas respectivas línguas de acordo com as variáveis sexo e idade;

iii) Identificar os usos linguísticos orais e escritos desenvolvidos na comunidade.

Espera-se com esta pesquisa contribuir para o estabelecimento de um projeto de

fortalecimento da língua nativa do Povo Suruí-Aikewara tanto no sentido de valorização da

língua oral, principalmente pelas crianças e jovens, quanto no ensino/aprendizagem da língua

escrita, como forma de não deixá-la ser esquecida, diante da força imperiosa da língua

portuguesa.

Este trabalho está organizado em cinco partes: Introdução, Capítulo 1, Capítulo 2,

Capítulo 3 e Considerações Finais. Na Introdução, como de praxe, são apresentados os

aspectos relativos ao trabalho: relevância da pesquisa, metodologia, objetivos e hipóteses.

Neste trabalho capítulo 1 apresenta aspectos socioculturais do Povo Suruí-Aikewara,

como contato com a população envolvente, subsistência, atividades tradicionais e inseridas

com o contato, localização e espaços da aldeia, e aspectos linguísticos.

O capítulo 2 versa sobre o embasamento teórico do trabalho, nele são apresentados

estudos e teorias referentes à Sociolinguística, Bilinguismo e usos orais e escritos em

comunidades indígenas bilíngues.

O capítulo 3 expõe os dados obtidos na pesquisa. Nesse capítulo é apresentado a

demografia, o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues, de acordo com as variáveis

gênero e faixa etária, e os usos linguísticos orais e escritos praticados na aldeia.

Em Considerações Finais são discutidos os resultados obtidos relacionando-os com as

discussões teóricas e contexto sociocultural. Essa parte do trabalho é sucedida por

Referencias e Anexos, onde podem ser verificados os instrumentos de coleta de dados.

Page 13: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

12

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA

1.1 O Povo Surui-Aikewara

Segundo relatos de Ywynuhu Suruí apud Mastop-Lima (2002), os Suruí-Aikewára são

originários de um único grupo que, após disputa interna por uma ave semelhante ao papagaio,

foi dividido em três etnias: Asuriní do Tocantins, Parakanã e Suruí-Aikewára.

Suruí foi o nome atribuído ao grupo por Frei Gil Gomes Leitão. Também são

conhecidos por Suruí do Pará, forma de distingui-los dos Suruí de Rondônia. Mudjetire é o

nome pelo qual lhes chamam os Kayapó. Aikewára é sua autodenominação, que significa

“nós, a gente”. Esse é o motivo de empregar-se neste trabalho o termo composto Suruí-

Aikewára. São falantes de língua homônima pertencente ao tronco linguístico Tupi, família

linguística Tupi-Guarani (RODRIGUES, 2002); língua conhecida na literatura científica por

Suruí do Tocantins. A partir do contato, em meados da década de 1940, aprenderam também

o português brasileiro.

O território habitado pelos Suruí-Aikewára é de predominância de indígenas do grupo

linguístico Jê. De acordo com Arnaud (1989), na região Tocantins-Xingu habitam as

seguintes etnias de origem Tupi e os respectivos referenciais hídricos: Akuáwa-Asuriní

(Trocará, Tocantins); Suruí-Mudjetíre (Sororozinho – Tocantins); Parakanân (Tocantins –

Xingu); Asuriní do Xingu (Piaçaba) e Araweté (Ipixuna - Xingu). Como se pode observar no

Mapa 01 abaixo:

Page 14: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

13

Mapa 01: Localização dos povos de origem Tupi.

Fonte: ARNAUD, Expedito. O Índio e a Expansão Nacional. Belém: CEJUP, 1989.

1.2 Histórico do Contato

Segundo Laraia & Matta (1967), as primeiras notícias sobre os Suruí-Aikewára foram

feitas em 1923, por “Frei Antonio Sala, na revista dominicana Cayapós e Carajás: “Sororós –

raça ainda não identificada, meio bravos, vagam pelas cabeceiras do rio Sororó, afluente

direito do Itacaiúnas, defronte da povoação de Santa Isabel”. (op. cit., p. 29).

Page 15: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

14

Os primeiros registros de contato com a sociedade envolvente datam de 1947. O Povo

Suruí ao aproximarem-se de coletores de castanha esses “abriram fogo contra os indígenas

ferindo alguns deles.” (loc. cit.). Em 1952, Frei Gil Gomes empreendeu a primeira tentativa

de pacificação, no ano seguinte obteve o primeiro contato. Em 1960, com a morte do cacique

Musenai e o enfraquecimento do grupo, o regional João Corrêa tentou transformar os índios

em caçadores de pele, para tal utilizou-se do pretexto de civilizá-los e assim cometeu,

juntamente com seus comparsas, verdadeiras barbáries entre o povo: da devastação das roças

à prostituição das mulheres, além da disseminação da gripe.

Estes episódios levaram à diminuição do grupo a cerca de 40 indivíduos. Com

intervenção de Frei Gil em 1960, a expulsão dos intrusos e a guarda da área por um

empregado dele, os Suruí-Aikewára puderam retomar o plantio das roças e seus hábitos

tradicionais.

Os Aikewara, para retomar sua população, abandonaram seu controle de natalidade e

realizaram poligamia e casamentos com índios de outras etnias e com não índios. Não há

notícia se a poligamia ainda é praticada, mas os casamentos com índios de outra etnia e

“kamará1” ainda é praticado.

Aproximadamente cinco décadas após os primeiros contatos os Suruí-Aikewára

constituem uma população de aproximadamente 400 pessoas (cf. SESAI, 2012) que habitam a

Terra Indígena (TI) Suruí Sororó.

1.3 Localização

A TI do povo Suruí-Aikewara está localizada ao Sudeste do Estado do Pará entre os

municípios de Marabá, São Geraldo do Araguaia e São Domingos do Araguaia. O acesso se

dá pela rodovia BR-153, a qual corta a TI. A área da TI é de 26.257 ha e 73.706 km de

perímetro (cf. DODDE, 2012). Possui duas aldeias habitadas: Aldeia Sororó e a Aldeia Itahy.

Possui ainda outras aldeias abandonadas pelos Suruí, em razão de constantes alagamentos

durante o período de chuvas.

A TI tem como referencias hídricas os igarapés Gameleira (afluente do Rio Araguaia)

e Grotão dos Caboclos (um dos formadores do Sororó, afluentes do Rio Itacaiúnas, um dos

tributários do Rio Tocantins). O córrego Água Preta liga-se indiretamente ao Rio Itacaiúnas, e

“norteia a utilização do território para caça e coleta de frutos e outros recursos não

1 Não índio.

Page 16: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

15

madeireiros, além de ser utilizado atualmente como a principal fonte de pesca”. (op. cit., p.

97) Como se verifica no Mapa 02 abaixo:

Map

a 02:

Ter

ra I

ndíg

ena

Suru

í S

oro

ró. E

xtr

aíd

o d

e: D

od

de,

201

2.

Page 17: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

16

1.4 Espaços da Aldeia Sororó

A Aldeia Sororó é a mais antiga da TI, nela há maior concentração populacional com

aproximadamente 370 pessoas, distribuídas em pouco mais de 72 famílias (cf. SESAI, 2012).

É constituída por espaços de convívio, subsistência e habitação dos Suruí-Aikewára.

Nesta aldeia ultrapassando o portão de entrada há uma casa de guarda e um curral.

Seguindo pela estrada principal, ultrapassando algumas ladeiras e percorridos alguns

quilômetros há as primeiras casas, o posto de saúde que atende à população da aldeia e

finalmente a entrada da aldeia.

As casas da aldeia estão dispostas de modo a formar um círculo com pátio ao centro,

onde está localizado o campo de futebol, onde os Aikewara se reúnem às tardes para jogar

futebol (Figura 01); e a “Casona” (Figura 03), um local de reuniões internas e externas. Na

aldeia, há uma igreja evangélica, uma casa para alojar professores da educação básica que

trabalham na escola da aldeia, o posto da FUNAI e a Escola Indígena Moroneikó Suruí.

Figura 01: Jogo de futebol no pátio da Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 18: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

17

Na aldeia há casas tradicionais construídas de madeira e palha (Figura 02) e casas de

alvenaria (Figura 03) construídas recentemente, fomentadas pelo governo federal. Essas casas

possuem banheiro e fossa séptica. Em geral na unidade territorial onde é construída uma casa

abriga-se mais de uma família que se agrega à família principal através do casamento

matrilocal - no qual o noivo muda-se para a casa dos pais da noiva; ou patrilocal, no qual a

noiva muda-se para a casa dos pais do noivo.

Todas as casas são abastecidas por energia elétrica e muitas possuem aparelhos

eletrônicos como televisores e rádios, e eletrodomésticos como ventiladores e refrigeradores

(para conservação de carnes). Algumas têm água encanada proveniente de cinco caixas-

d’água que abastecem a aldeia, com água retirada de poços artesianos. As famílias que não

possuem água encanada em casa buscam água na Escola Moroneikó e armazenam em galões.

Figura 02: casas tradicionais da Aldeia Sororó. Foto: Joelma Alencar, 05/2012.

Page 19: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

18

Os Aikewara costumam fazer roças coletivas e familiares em áreas que, assim como

seus locais de caça e pesca, estão situados um pouco distante do pátio. Existe um local

denominado de “Açaizal” (Figura 04), onde os Aikewara costumam colher frutas, lavar

roupas e se banhar no Igarapé Gameleira, principalmente os mais velhos; embora a Aldeia

seja abastecida por água encanada.

Figura 03: “Casona” no pátio da aldeia. Ao fundo casas recém construídas. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 20: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

19

1.5 Subsistência

A subsistência dos Suruí-Aikewára advém da caça, pesca, agricultura, coleta e

comercialização de alguns produtos, entre eles a castanha-do-pará. Observou-se que o grupo

utiliza o cultivo rotativo: a cada ano uma área diferente é preparada (derrubada da mata)

permitindo que a área utilizada no plantio anterior se recupere. Os principais produtos

cultivados são mandioca, milho, fava, feijão, banana, cará, inhame e macaxeira.

Da caça e da pesca advém a fonte de proteínas. A caça é atividade constante entre os

Suruí-Aikewára. De predomínio masculino, pode ocorrer de modo individual ou coletivo. Os

principais animais objeto da caçada são: porco do mato/porcão, veado, anta, paca, cotia,

macaco, jabuti, tatu, também apreciam muito a carne de jacaré. E aves, como arara, papagaio,

tucano, mutum, entre outras das quais tanto se alimentam como aproveitam as penas para

fazer artefatos. A pesca é permitida às mulheres e crianças, utilizam como isca as larvas que

se criam dentro do coco babaçu.

Figura 04: Igarapé Gameleira localizado no Açaizal – Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 21: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

20

Ressalta-se que durante a pesquisa de campo, não raro, ouvia-se reclamações dos

índios pela escassez de caça e peixes. A excassez de caça os Aikewara atribuem à invasão da

TI por caçadores ilícitos e às queimadas que se tornaram constantes a partir da abertura da

BR-153; já a escassez de peixes os Aikewara consideram consequência dos impactos da

Barragem Santa Izabel. Este fato é um indício que essas atividades permanecem cultivadas na

aldeia como modo de manutenção do ritual.

A coleta de frutas, castanha e mel complementa a alimentação e gera renda aos Suruí.

As principais frutas coletadas são: cupuaçu, banana, bacaba e açaí; é comum a participação

das crianças nessa atividade. Limão e caju são cultivados no quintal das casas. Graviola,

bacuri e abacaxi também compõem a dieta. A castanha e o mel são fontes de alimentação e

renda. O excedente do mel é comercializado nas cidades próximas à aldeia ou com os

funcionários da FUNAI.

A safra de castanha-do-pará ocorre entre os meses de dezembro a março, ou abril, do

ano seguinte. Nesse período os Suruí-Aikewára adentram a mata e permanecem de cinco a

dez dias, a depender do estoque de alimentos levados. O transporte da castanha para a aldeia é

feito no carro da aldeia, por animais de carga ou num pequeno trator. Segue para ser

comercializada em São Domingos do Araguaia ou Marabá no caminhão fretado pelo cacique

Mairá. Com o dinheiro da venda da castanha são comprados, nos mesmos municípios,

alimentos que abastecem os Suruí-Aikewára. (MASTOP-LIMA, 2002).

1.6 Aspectos Socioculturais

O Povo Suruí mantém intenso contato com os habitantes dos municípios próximos -

São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande e Marabá - são relações

comerciais, trabalhistas e busca por serviços médicos. Alguns regionais também frequentam a

aldeia: professores não indígenas, que ministram aulas na escola da aldeia, representantes de

igrejas evangélicas e católicas que visitam a aldeia, e outras pessoas que são convidadas a

visitar a aldeia em momentos festivos.

Há também o contato cultural e linguístico estabelecido em função dos casamentos.

Embora entre o Povo Suruí-Aikewara alguns pais ainda preservam a tradição do casamento

arranjado, a escolha do parceiro matrimonial tem se tornado comum. E assim são realizados

casamentos entre índios Aikewara e regionais ou entre Aikewara e índios/índias de outras

etnias.

Page 22: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

21

Elementos culturais tradicionais integram-se a elementos inseridos a partir do contato.

Como exemplo tem-se a comemoração do aniversário de nascimento. Cita-se a comemoração

do centenário do Pajé Awasai, presenciado no segundo período de pesquisa de campo. Em

razão do aniversário havia presença de muitos regionais, os kamará; carne de diversas caças

acompanhadas por arroz, salada e farinha (manime) foi servida aos convidados: índios e não-

índios. Por se tratar de um momento festivo, os índios fizeram a pintura corporal, cujos traços

representam elementos da fauna, da flora e do universo desse povo, como a pintura do jabuti

(sauti), a pintura de cobra (moj) ou a da anta (tapi’ira).

A pintura corporal, feita em diferentes momentos sociais, também constituiu um dos

processos de preparação para a dança do Sapurahái, praticada na ocasião (Figura 05). Essa

dança é realizada por homens, mulheres e crianças. Segundo Silva, G. (2007) tem a finalidade

de afastar da aldeia os espíritos que levam doenças para os Aikewara. Nesta dança além de

cocar (araraw) alguns homens empunham arco e flecha.

Os cantos que conduzem a dança são acompanhados pelo wapusá (maracá) fabricado

“(...) com Cuipí/Cuité (Crescentia cujete L.), sementes de Mungulú, axixá, Inimó/Fio de

algodão, Akamacyrona/Taquara (Guadua angustifólia Kunth) e penas de arara.” (SILVA, G.,

2007, p. 106).

Dias depois de ocorrida a festa de aniversário, ao conversar com alguns índios jovens,

verificou-se que a comemoração do aniversário não é uma tradição dos Aikewara, eles

iniciaram esta prática por influencia dos brancos. Mais alguns dias decorridos se presencia

uma mãe comentar com outra que naquela semana foi aniversário de uma de suas filhas e ela

esqueceu2.

2 Informação verbal em pesquisa de campo.

Page 23: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

22

A Festa dos Karuára não foi presenciada em pesquisa de campo, mas é descrita na

literatura sobre o Povo Suruí, especificamente nos trabalhos de Mastop-Lima (2002) e Silva,

G. (2007). Trata-se de um ritual de reverência aos espíritos, e seu início é anunciado por um

vento forte, que traz o espírito Karuára, o pajé avisa a comunidade e ordena que queimem as

roças, para com elas serem queimadas as “coisas ruins”. A preparação e o ritual duram alguns

dias: a construção da tukása (casa ritual onde os espíritos serão aprisionados), a pintura

corporal, a confecção de artefatos e cigarros a serem utilizados no ritual. É um ritual de

predomínio masculino. E aos homens somam-se algumas mulheres somente no momento da

dança no pátio da aldeia (Figura 06).

Figura 05: Anciãos Aikewara se preparando para iniciar a dança do Sapurahái em comemoração ao

centenário do Pajé Awasai (sentado). Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 24: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

23

Os Suruí-Aikewára ainda preservam outros elementos de sua cultura material e

imaterial. Entre as tradições orais, mitos, ritos e instrumentos musicais destacam-se alguns:

entre os mitos há registro3 dos seguintes: Mito da criança que tinha rabo; Mito da origem dos

kamará; Mito do tamanduá; Mito da obtenção do fogo; Mito da índia que engravidou do pau;

Mito da cobra; Mito do urubu-rei; Mito da origem das caças; Mito da mucura; Mito da cutia e

Mito de origem .

Além do wapusá, citado anteriormente, os Suruí utilizam e confeccionam outros

instrumentos musicais como Symya (flautas), Sykã (chocalho em cacho) e Sautikapeháw

(casco de jabuti). E artesanatos como anéis, pulseiras, colares e redes; fios de algodão,

sementes e miçangas são as matérias-primas desses artigos, que além de utilizados como

adornos próprios, também são comercializados com os kamará, que visitam a aldeia e se

interessam pelos artigos. Confeccionam brinquedos; os araraw com penas de pássaros,

flechas e armadilhas de caça; vestes e outros adornos utilizados nas danças ou rituais.

3 Op. Cit.

Figura 06: Suruí-Aikewára dançando em frente à tukása. Fonte: Silva, G., (2007).

Page 25: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

24

1.7 Aspectos Linguísticos

Historicamente, o Tupinambá foi a língua que falavam os índios da costa brasileira

quando chegaram os primeiros colonos portugueses. Esta língua se tornou língua genérica

devida ao estereótipo de língua brasileira, deu origem a gramáticas e foi a mais utilizada nas

missões jesuítas. Penetrou a Amazônia devido às constantes migrações do Povo Tupinambá.

(DIETRICH, 2010, p. 12).

Conforme Rodrigues (2000) na região que compreende a bacia hidrográfica do Rio

Amazonas há o predomínio das famílias linguísticas Aruák, Karib e Tupi-Guarani. Esta

última foi composta a partir da hipótese formuladas por linguistas que, através de estudos

histórico-comparativos, verificaram a existência de correspondências regulares de aspectos

fonológicos, lexicais e morfossintáticos, entre as línguas Tupinambá e o Guarani Antigo.

Formulou-se então a hipótese de que ambas têm a mesma origem em uma proto-

língua. Portanto, devido às semelhanças entre a Língua Tupi e Guarani, como pode ser

observado, em uma simples amostragem, no vocabulário da tabela abaixo, os linguistas

consideram que as duas línguas constituem única família linguística: Tupi-Guarani.

Essa família linguística, por sua vez, deu origem a outras línguas, que são agrupadas

por Rodrigues & Cabral (2002), em oito subconjuntos:

Fonte: RODRIGUES, 1994 p.30

Page 26: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

25

A Língua Suruí pertence ao subconjunto IV da família Tupi-Guarani; juntamente com

as línguas Tapirapé, Asuriní do Tocantins, Parakanã, Avá-Canoeiro, Tembé, Guajajára e

Turiwára. Na tabela abaixo é possível visualizar a classificação das línguas em cada

subconjunto.

Quadro I: Nova constituição interna da família Tupi-Guarani

Ramo I: Guarani Antigo

Kaiwá (Kayová, Pãi), Ñandeva (Txiripá), Guaraí

Paraguaio

Mbyá

Xetá (Serra dos Dourados)

Tapieté, Chiriguano (Ava), Izoceño (Chané)

Guayaki (Axé)

Ramo II: Guarayo (Guarayú),

Sirionó, Horá (Jorá)

Ramo III: Tupí, Língua Geral Paulista (Tupí Austral)

Tupinambá, Língua Geral Amazônica (Nhe’engatú)

Ramo IV: Tapirapé

Asuriní do Tocantins, Parakanã, Suruí (Mujetire),

Avá-Canoeiro

Tembé, Guajajára, Turiwára

Ramo V: Araweté, Ararandewára-Amanajé, Anambé do Cairarí

Asuriní do Xingu

Ramo VI: Kayabí, Apiaká

Parintintín (Kagwahíb), Tupí-Kawahíb (Tupí do Machado,

Pawaté, Wiraféd, Uruewauwau, Amondáva, Karipúna,

Fonte: RODRIGUES & CABRAL (2002), p.335.

Page 27: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

26

etc.)

Juma

Ramo VII: Kamayurá

Ramo VIII: Wayampí (Oyampí), Wayampípukú, Emérillon, Joé

Urubu-ka’apór, Anambé de Ehrenreich

Guajá

Awré e Awrá

Takunhapé

Dos dados linguísticos produzidos sobre a língua Suruí do Tocantins foram

encontrados vocabulários; e a análise fonológica da língua realizada por Barbosa (1993). O

referido autor identificou na língua 23 fones consonantais, 13 fones vocálicos orais e 10 fones

vocálicos nasais.

É importante citar que os alunos Aikewara do Curso de Licenciatura Intercultural, em

parcerias com professores da Universidade do Estado do Pará – UEPA e da Universidade de

Brasília – UnB, estão desenvolvendo projetos linguísticos de natureza fonético-fonológica,

morfossintática e lexical.

A finalidade desses projetos é desenvolver a escrita oficial da língua Suruí que sirva

para o desenvolvimento de materiais didáticos, documentação da língua e correção dos nomes

próprios que, em grande parte, encontram-se grafados de modo equivocado.

Ibid., p. 335-336

Page 28: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

27

2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS

Este capítulo versará sobre as bases teóricas, que fundamentam a presente pesquisa. É

importante ressaltar que nas pesquisas sociolinguísticas em comunidades indígenas utilizam-

se diferentes bases teóricas, como aquelas pertinentes à Sociolinguística, Pragmática,

Linguística Cognitiva e outros. Pois, pesquisas dessa natureza objetivam conhecer o povo, sua

língua/línguas, as situações nas quais elas são utilizadas, e os valores que o povo atribuí à sua

lingua.

Na primeira parte deste capítulo são utilizados os estudos de Labov (2008), Tarallo

(1986), Paiva (2012), Mollica (2012), Calvet (2002), Baernert-Fuerst (1989) e Cezário &

Votre (2009) referentes à Sociolinguística.

Na segunda parte os estudos de Hammers e Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer

(2008), Santos (2008), Couto (2009) e Baniwa (2006) são utilizados para tratar do

Bilinguismo.

Na terceira parte do capítulo são apresentados estudos sobre usos linguísticos orais e

escritos e estes usos em comunidades indígenas tem-se como base os trabalhos desenvolvidos

por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá (1979), Monte (1994) e Gnerre (2003), Maher

(1990) e Monserrat (1989). Em ambas as partes se recorrem aos estudos de Ribeiro (2001),

Aquino (2010) e Silva (2001) para ilustrar os fenômenos descritos.

2.1 Sociolinguística: conceitos e definições teórico-metodológicas

A Sociolinguística é uma área da ciência linguística, que estuda a relação entre os

fatores socioculturais e a realização linguística em uma comunidade de falantes. Segundo

Cezário e Votre (2009) esta corrente concebe a língua como uma instituição social que deve

ser analisada em seu uso real considerando o contexto situacional, a cultura e a história das

pessoas que a fala.

Os precursores dessa corrente manifestaram-se, no início do século XX, ao

defenderem a importância de considerar nas pesquisas linguísticas as influencias que fatores

sociais exercem sobre a mudança linguística. Calvet (2002) destaca entre eles: Antoine

Meillet, Paul Lafargue, Marcel Cohen, Basil Bernstein e William Bright.

Meillet, embora discípulo de Saussure manifesta-se, após a publicação póstuma do

Curso de Linguística Geral, contrariamente à abordagem linguística estruturalista. Para ele, a

língua é um fato social e um sistema que tudo contém: “Por ser a língua um fato social resulta

Page 29: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

28

que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer

para dar conta da variação linguística é a mudança social”. (MEILLET apud CALVET, 2002,

p. 16).

Paul Lafargue e Marcel Cohen, influenciados pelo pensamento marxista, apresentaram

a hipótese de relação entre mudança linguística e mudança social. Para Lafargue (1894 apud

CALVET, 2002) a mudança linguística resulta de mudanças políticas; foi o que demonstrou

em seu estudo do vocabulário francês antes e depois da Revolução, publicado em 1894. Já

Cohen (1956 apud Calvet, 2002) pondera que os fatos da língua devem ser analisados sob um

olhar sociológico e não mais apenas categorizados teoricamente.

Basil Bernstein (1975) e William Bright (1966) são os estudiosos que, pela primeira

vez, defedem a relação entre mudança linguística e condição social dos falantes. Os estudos

de Bernstein sobre educação o leva a constatar que, o fracasso escolar de crianças, relaciona-

se à classe social à qual pertencem; fato que se verificava na produção do código linguístico

das crianças. Assim as crianças da working class tinham um código mais restrito e as crianças

da midle class um código mais elaborado. (BERNSTEIN, apud CALVET, 2002, p. 25). Essa

foi a primeira tentativa de descrever as diferenças linguísticas a partir das diferenças sociais.

Bright (1966), por sua vez, contribui ao pensamento sociolinguístico quando, durante a

conferência sobre sociolinguística realizada na UCLA (Universidade da Califórnia, Los

Angeles) em maio de 1964, esclarece sobre as tarefas da Sociolinguística: (...) é mostrar que a

variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais sistemáticas.

(BRIGHT apud CALVET, ibid., p. 29).

Portanto, a Sociolinguística surge devido à necessidade das pesquisas linguísticas em

reconhecer as influencia dos fatores extralinguísticos sobre a realização do sistema

linguístico. E ganha estatuto de ciência a partir dos estudos de William Labov, responsável

por delimitar o objeto e os métodos da pesquisa sociolinguística.

Labov (2008) define a língua como “um instrumento utilizado pelos membros da

comunidade para se comunicar entre si.” (LABOV, 2008, p.320). Essa definição reconhece o

caráter heterogêneo da língua, tendo em vista que uma comunidade, por seu turno, não é

homogênea, pois, comporta indivíduos de diferentes classes social e econômica, faixa etária,

etc; fatores que interferem/contribuem para a diversidade linguística. Labov estabelece que o

objeto de estudo da Sociolinguística é a “língua em uso dentro da comunidade de fala”

(LABOV, ibid., p.215). Assim os dados que o sociolinguista coleta provém da língua em uso

real por seus falantes: falas menos monitoradas realizadas em momentos nos quais os falantes

preocupam-se com o que dizem, não como dizem.

Page 30: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

29

Os métodos propostos para a coleta dos dados podem ser de natureza quantitativa,

como o uso de questionários sociolinguísticos, propostos por Labov, através dos quais o

pesquisador objetiva identificar a frequência de determinada variante e sua relação com a

variável pré-estabelecida. E pode ser de natureza qualitativa, como as observações

participantes a fim de conhecer o contexto histórico e sociocultural da comunidade.

(BAERNERT-FUERST, 1989).

Considerar os aspectos extralinguísticos no processo de construção do sistema

linguístico significa reconhecer que este sistema sofre influências de fatores sociais da

comunidade falante e fatores individuais inerentes a cada indivíduo. Portanto, significa

reconhecer a heterogeneidade e dinamismo das línguas naturais que desencadeiam o processo

de variação linguística.

2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas

As línguas naturais, por seu caráter heterogêneo relacionado a fatores linguísticos e

extralinguísticos, apresentam-se dinâmicas. Esse dinamismo resulta em variações do sistema

linguístico de ordem fonológica, morfológica, sintática ou semântica determinados por fatores

internos ou externos à língua.

Os elementos linguísticos que apresentam formas alternativas de realização são

denominados variantes: a presença ou ausência do /s/ como marca de plural na língua

portuguesa, por exemplo. Em geral, há uma oposição entre uma variante mais conservadora e

outra mais inovadora cuja realização é determinada por variáveis. Tanto o fenômeno da

variação quanto o grupo de fatores que o determina são conhecidos por variável. As variáveis

são consideradas dependentes, pois não se realizam de modo aleatório, mas obedecendo a

regras ou grupos de fatores chamados variáveis independentes, de natureza social ou

estrutural.

Segundo Mollica (2012, p. 11) as variáveis são em grande número e agem

simultaneamente sobre as variantes. Fatores de natureza fonomorfossintático, semânticos,

discursivos e lexicais são considerados variáveis internas ao sistema. Dentre as variáveis

externas ao sistema linguístico há fatores pertinentes ao indivíduo (como etnia, faixa etária e

sexo), fatores sociais (escolarização, nível de renda, profissão e classe social), contextuais

(grau de formalidade ou tensão discursiva).

As variáveis, agindo simultaneamente, exercem forças sobre as variantes, e são ao

mesmo tempo as “armas” utilizadas pelas variantes para combaterem sua opositora e se

Page 31: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

30

manterem vivas. Ao investigar o fenômeno de variação, em uma comunidade linguística, o

pesquisador busca depreender quais fatores determinam a utilização de uma variante

tradicional ou de uma variante conservadora. Para esta pesquisa interessam as variáveis

independentes faixa etária e gênero, que serão tratadas a seguir.

A variável faixa etária é um fator de análise sincrônica que revela a estabilidade da

variação ou a mudança em progresso. No primeiro caso se verifica certo equilíbrio entre

frequência de uso das variantes e o fator faixa etária. No segundo caso se verifica a maior

frequência de uso da variável inovadora por um dos grupos etários. Tarallo (1986) afirma que

“se o uso da variante mais inovadora for mais frequente entre os jovens (...) você

[pesquisador] terá presenciado uma situação de mudança em progresso.” (TARALLO, 1986,

p. 65).

Quanto à variável gênero/sexo o apontamento é o mesmo realizado para a variável

idade: exerce influencia sobre as variantes no fenômeno da variação. Todavia, possui

peculiaridades. Uma delas está ligada à “construção social dos papéis feminino e masculino.”

(PAIVA, 2012, p. 33).

Segundo Paiva (2012) nas pesquisas sociolinguísticas a variável gênero/sexo está

relacionada, de modo mais evidente, às diferenças lexicais. Nas sociedades ocidentais essa

diferenciação não é tão evidente. A autora afirma que a influencia desta variável está

fortemente relacionada à preferencia de um ou outro sexo pela utilização da variante mais

prestigiada ou mais estigmatizada socialmente; ou ainda pela variante mais conservadora ou

mais inovadora.

Essa característica, por sua vez, não tem relação com fatores biológicos e sim sociais:

a amplitude do círculo social do sexo masculino e do sexo feminino; o sentimento de

pertencimento a um grupo que compartilha, além das marcas culturais, as marcas linguísticas

como modo de individualizá-lo perante outro grupo. A este último caso há como exemplo a

supressão da oclusiva velar /k/ na fala dos homens Karajá, considerada menos conservadora

em relação à fala feminina. (RIBEIRO, 2001).

2.2 Bilinguismo e individuo bilíngue

O termo bilinguismo designa o uso de duas línguas por um falante. Esse é o conceito

mais simples para o termo que também pode se referir à utilização de duas línguas por uma

comunidade, ou ainda, oficialização de duas línguas por um país. Há outras atribuições ao

termo: “políticas linguísticas que tendem a assegurar a cada uma das línguas faladas no país

Page 32: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

31

um status oficial”; designa também o movimento de generalização por “medidas oficiais e

pelo ensino o uso corrente de determinada língua estrangeira além da língua materna”.

(DUBOIS et all, 2007).

O bilinguismo também pode ser definido segundo o contexto, grau de proficiência ou

competência do falante em uma das duas línguas ou em ambas. Hamers e Blanc (1983)

apresentam algumas dessas concepções: a de Bloomfield “que define o bilinguismo como a

posse de uma competência de falante nativo em duas línguas.” (BLOOMFIELD, 1935 apud

HAMERS e BLANC, 1983, p. 22, tradução nossa)4.

Para Titone (1972) o bilinguismo é “(...) a capacidade de um indivíduo se exprimir em

uma segunda língua respeitando os conceitos e estruturas próprios desta língua sem

parafrasear sua língua materna”. (TITONE, 1972 apud HAMERS e BLANC, loc. cit.,

tradução nossa)5.

Os autores citam ainda a definição de bilinguismo dada por Macnamara: o bilíngue é

qualquer um que possui uma competência mínima em uma das quatro habilidades

linguísticas, compreender, falar, ler e escrever em uma língua diferente da sua língua materna.

(MACNAMARA, 1967ª apud HAMERS e BLANC, loc. cit., tradução nossa)6.

As críticas apontadas por Hamers e Blanc (1983) às definições referem-se à

imprecisão das mesmas, pois não esclarecem o que se deve entender por “competência de

falante nativo”, “competência mínima em segunda língua” e “respeito aos conceitos e

estruturas próprios de uma língua”. Para os autores o bilinguismo é um fenômeno

multidimensional e assim deve ser estudado nas pesquisas empíricas. Segundo a

competência linguística do falante apontam duas distinções para os bilíngues: o bilíngue

equilibrado (equilibré) e o bilíngue dominante (dominant). O primeiro possui uma

competência equivalente nas duas línguas; o segundo possui competência superior na língua

materna.

As definições apresentadas referem-se ao bilinguismo individual, ao falante bilíngue;

denominado por Hamers (1981a) bilingualité (igualdade bilíngue) que consiste no estado

psicológico de um falante que acessa dois códigos linguísticos; o que desconsidera o contexto

de usos dessas línguas e a construção sociocultural desses falantes.

4 No original : « (...) qui définit le bilinguisme comme la possession d’une compétence de locuteur natif dans

deux langues. » 5 No original : « (...) la capacité d'un individu de s'exprimer dans une seconde langue en repectant les concepts et

les structures propres à cette langue, plutôt qu'en paraphrasant sa langue maternelle. » 6 No original: « (...) le bilíngue est quelqu’un qui possède une compétence minimale dans une des quatre

habiletés linguistiques, à savoir comprendre, parler, lire et écrire dans une langue autre que sa langue

maternelle. »

Page 33: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

32

Por bilinguismo social (bilinguisme), Hamers e Blanc (op. cit.) reconhecem o estado

de uma comunidade na qual se utilizam duas línguas por consequência do contato entre

línguas e inclui os indivíduos bilíngues. E concluem que o bilinguismo é um fenômeno global

que envolve falante e comunidade bilíngue.

Vaid (2002 apud ZIMMER et all, 2008) define bilíngue os “indivíduos que conhecem

e usam duas línguas, as quais não seriam necessariamente utilizadas no mesmo contexto, nem

dominadas com os mesmos níveis de proficiência”. Essa é uma definição bastante abrangente

que envolve os falantes bilíngues que possuem diferentes competências e grau de proficiência

em uma das duas línguas faladas. E é essa a definição que interessa a presente pesquisa

conforme os objetivos apresentados.

São muitos os fatores que levam um falante a tornar-se bilíngue, dentre os quais: o

casamento entre pessoas falantes de línguas diferentes e os filhos dessa união; as políticas de

ensino de língua estrangeira nas escolas; o desejo individual de aprender uma segunda língua

por razões culturais ou socioeconômicas; o convívio em territórios de contato linguístico ou

comunidades bilíngues, entre outros.

2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues

O contato linguístico ocorre quando indivíduos, ou coletividade, de línguas diferentes

compartilham um mesmo território. Contudo não é simples apontar uma definição para o

termo, visto que implica a necessidade, segundo Appel & Muysken (apud SANTOS, 2008, p.

23), de “definir a natureza, a escala e o grau desse contato e determinar quem entra em

contato com quem: indivíduos, famílias, comunidades ou sociedades inteiras”.

A não definição do termo decorre, certamente, dos objetivos da Linguística que reside

em estudar as consequências do contato linguístico como afirma Calvet (op. cit., p.35) “o

resultado dos contatos linguísticos é um dos primeiros objetos de estudo da Sociolinguística”

e não o contato em si.

Vale ressaltar que muitos fatores condicionam o contato linguístico e embora a

Ecolinguistica não seja uma abordagem para esta pesquisa é interessante apresentar os quatro

tipos de situações nas quais ocorre o contato linguístico e, consequentemente, o

bilinguismo/multilinguismo, conforme Couto (2009, p. 51-54):

i) Quando um povo se desloca para o território de outro povo que já constitui uma

comunidade linguística relativamente estabelecida e estabilizada. Quando o povo que se

Page 34: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

33

deslocou é mais fraco política, econômica e militarmente o resultado deste fato é a Lei das

Três gerações:

(...) a primeira geração (quando migra já adulta) aprende quando muito uma

variedade pidginizada da língua hospedeira. Os seus filhos geralmente aprendem a

língua do país hospedeiro e a dos pais, sendo, portanto bilíngues, continuando a usar

a língua original em todas as interações intergrupais. Os netos, porém, tendem a

preferir a língua da nova terra, mantendo, quando muito, um conhecimento passivo

da língua original de seus avós. A quarta geração frequentemente não tem quase

nenhum conhecimento da língua dos antepassados. (COUTO, 2009, p. 51-52).

ii) Quando um povo mais forte política, econômica e militarmente se desloca para o território

de um povo mais fraco e impõe sua língua gradativamente ao povo autóctone, no decorrer do

tempo, devido às fortes influencias da língua do povo conquistador sobre a língua do povo

nativo, esta é falada em territórios e por populações cada vez mais reduzidas, o que configura

as ilhas linguísticas.

iii) Quando tanto o povo mais forte quanto o povo mais fraco se desloca para um terceiro

território que não lhes pertence há situação propicia ao surgimento de pidgin7 e crioulo

8.

iv) Quando tanto o grupo mais fraco se desloca temporária ou sazonalmente para o território

do povo mais fraco; quanto esse o faz para o território do grupo mais forte. Ou quando em

situações fronteiriças devidas a acidente geográfico um dos grupos se desloca para o território

do outro. Nesses casos cada grupo pode falar sua língua no território do outro. Porém, em

situações intercomunicativas a língua utilizada será a mais prestigiada socialmente.

Couto (2009) pondera que alguns fatores influenciam nos resultados desse contato:

quantidade de pessoas que se deslocam, tempo de permanência no território para o qual se

deslocaram, intensidade do contato entre os povos e poder econômico, político e militar de

cada povo. O resultado desse contato, por sua vez, pode ser tanto a manutenção da língua com

algumas interferências; quanto, a obsolescência seguida de glototanásia9 da língua

minoritária.

No decorrer da constituição histórico-social do Brasil, mais de uma das situações

apresentadas acima ocorreram. Basta lembrar as massas de imigrantes italianos, alemães,

japoneses, entre outros, que em terras brasileiras formaram suas colônias, o que caracteriza a

situação i. A situação ii apresentada foi o que ocorreu com a chegada dos conquistadores

7 Segunda língua de uma comunidade linguística nascida do contato entre línguas e possui sistema mais

complexo que o sistema do crioulo. (DUBOIS et all, 2007, p. 469). 8 Dá-se o nome de crioulo a sabires (sistemas linguísticos reduzidos a algumas regras de combinação e ao

vocabulário de determinado campo léxico. Línguas compostas a partir do contato entre comunidades linguísticas

diferentes.), pseudo-sabires, ou pidgins, que, por motivos diversos de ordem histórica ou sociocultural, se

tornaram línguas maternas de toda uma comunidade. (DUBOIS et all, 2007, p. 161). 9 Glototanásia é a morte da língua, refere-se à dinâmica das línguas, e ocorre quando deixa de ser usada, ou seja

não tem mais falantes. (COUTO, 2009, p. 84).

Page 35: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

34

portugueses em terras, hoje brasileiras, e a imposição gradativa da língua portuguesa através

do etnocídio das populações indígenas. A situação iii ocorre nas regiões fronteiriças do Brasil.

Esses fenômenos são argumentos suficientes para o reconhecimento do Brasil como

um país plurilíngue, afinal não se pode silenciar as vozes dos falantes das 180 línguas

ameríndias autóctones e das dezenas de línguas ocidentais trazidas por imigrantes. Estes

falantes compõem inúmeras comunidades bilíngues e/ou multilíngues por todo o território

nacional.

Tratando especificamente das comunidades indígenas bilíngues, aquelas nas quais os

indivíduos possuem maior contato com a população envolvente, em geral as línguas usadas

são a nativa/indígena e uma variedade regional do português brasileiro. É o caso do Povo

Karajá e do Povo Asurini do Tocantins (cf. SILVA, 2001 e AQUINO, 2010,

respectivamente). E há outras comunidades bilíngues ou multilíngues conforme Braggio

(apud SILVA, op. cit., 26): “(...) são bilíngües, isto é, falam a língua materna e o Português

em graus e modos variados, os seguintes grupos: Karajá e Javaé, que fazem parte da família

lingüística Karajá, e os Xerente, Apinajé e Krahò, que integram a família lingüística Jê”.

Além do contato, o bilinguismo é mantido devido ao ensino escolarizado que, embora

exista aproximadamente 90% de professores indígenas que atuam nas escolas de suas áreas

(cf. BANIWA, 2006), ainda conta com muitos professores não índios que não têm formação

adequada para atuar em áreas indígenas e, consequentemente, reproduzem alguns

preconceitos linguísticos; e os próprios professores indígenas que, em muitos casos, não

possuem formação linguística adequada; o resultado é a adoção da língua portuguesa como

língua de instrução, inclusive no ensino da língua indígena, como ocorre entre os Asurini do

Tocantins (AQUINO, op. cit.).

É possível notar que a relação de domínio através da imposição cultural e linguística e

as políticas linguísticas para as populações indígenas brasileiras resultaram na existência

contemporânea de ilhas linguísticas, que sofrem cada vez mais as pressões da sociedade

envolvente através da escola, da televisão e dos padrões socioculturais ocidentais difundidos.

Essa configuração sociolinguística contribui ainda para o sentimento de pertencimento

social e cultural do indivíduo ao seu povo, e consequentemente às atitudes e valores desse

para com sua língua e os usos que fazem de cada língua em determinados contextos. Se os

valores forem positivos concorrem para o fortalecimento e manutenção da língua nativa, L1.

Se as atitudes e valores forem negativos tendem a estigmatização da língua e, por conseguinte

o enfraquecimento ou obsolescência linguística. Sobre estes usos e suas implicações tratará a

seção seguinte.

Page 36: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

35

2.3 Uso das línguas nas modalidades oral e escrita em comunidades indígenas

As comunidades indígenas, que já iniciaram contato com a sociedade envolvente, além

da realidade bilíngue e por consequência a assimilação de elementos socioculturais ocidentais

(a língua e o universo semântico dessa sociedade), sofrem a imposição outra forma de

organização sociocultural: a linguagem escrita.

Esta imposição apresenta dois pontos: se por um lado pode representar a

estigmatização da língua nativa frente ao fascínio da escrita; por outro lado pode contribuir

para o registro de elementos culturais através da língua escrita.

Todavia, um ou outro resultado depende dos usos, do contexto de circulação e do valor

atribuído às modalidades oral e escrita.

2.3.1 A modalidade oral

De acordo com Calvet (2011) sociedades de tradição oral são aquelas que têm na fala

o fundamento de sua regulamentação social que, por sua vez, são transmitidos geração a

geração pela prática das atividades tradicionais e pela linguagem oral. Nas sociedades de

tradição oral, como as ameríndias, o poder advém pelo que o autor chama de “força da fala”:

todos são governados “por uma tradição ancestral que não se inscreve nos livros, mas na

memória social” .

Diferentemente do que ocorre nas sociedades de tradição escrita onde “todos são

governados por leis, decretos e tratados”. As línguas sem tradição escrita se mantem vivas

pela transmissão oral através da nomeação – topônimos, antropônimos, zoônimos – ditados,

trava-línguas, contos e músicas.

Essas práticas integram o universo cultural do povo e constitui o discurso

especializado da prática de atividades culturais através do qual a língua mantem sua

vitalidade. Sem a realização das atividades tradicionais e a manutenção desse universo

semântico a língua perde sua dinâmica, sobrevivem apenas alguns elementos lexicais que

perdem o sentido no seio da comunidade no decorrer do tempo. Assim sendo, nas palavras de

Silva (2009),

(...) quando determinadas atividades culturais deixam de ser desenvolvidas, as

palavras e os enunciados referentes a esses contextos vão, com o tempo, perdendo

sentido na comunidade. Já quando essas atividades são mantidas, a língua não só é

preservada, mas expandida e renovada. Essa ampliação ocorre com os novos

conhecimentos que os indígenas adquirem a partir das novas experiências e criações.

(SILVA, 2009, p. 64-65).

Page 37: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

36

A renovação à qual a autora se refere é verificada, por exemplo, na formação de

palavras (neologismos) para nomear elementos ou objetos externos à cultura indígena, mas

integrados a partir do contato por imposição ou necessidade.

Não se pode desconsiderar, porém, que a integração desses elementos é uma das

consequências do contato entre uma cultura dominada e outra dominante. E, assim como pode

ocorrer a renovação linguística pelos neologismos, pode ocorrer a invasão da língua pelos

empréstimos; ou até por substituição lexical, que é uma das causas da glototanásia.

Os estudos sociolinguísticos revelam que nas comunidades indígenas bilíngues a

linguagem oral é realizada em língua nativa nos diversos domínios sociais e atividades

socioculturais, porém não exclui o uso da língua portuguesa com falantes índios ou não

índios, dependendo do contexto no qual estão inseridos.

Cita-se, como exemplo da situação acima descrita, os povos Asuriní do Tocantins e

Karajá. Entre os Karajá a língua materna é falada em todos os domínios sociais, inclusive no

ensino escolar, e só recorrem à língua portuguesa quando há presença de “tori10” (cf. SILVA,

2001). Entre os Asuriní há equilíbrio entre os usos da língua indígena e da língua portuguesa,

mas em algumas situações a segunda pode prevalecer dependendo do contexto e dos falantes

(cf. AQUINO, 2010). Em geral, nessas comunidades, as atividades tradicionais são realizadas

em língua nativa devido à necessidade de proferir cantos, rezas, relembrar feitos dos

antepassados. Atividades que constituem a educação indígena.

Referente ao contexto escolar, a língua de realização depende da política linguística

adotada, salvo exceções, a língua do ensino escolar é a língua portuguesa. Para os índios

contatados, é importante a aprendizagem do português oral, sobretudo para aqueles que

exercem na comunidade o papel de intermediário cultural. De acordo com Maher (1990) esses

índios são “os responsáveis pela interlocução com a sociedade nacional – interlocução que,

embora frequentemente mediada pelo texto escrito, depende em muito da capacidade destes

indivíduos entenderem a fala do branco e expressarem oralmente o ponto de vista indígena.”

(MAHER, 1990, p. 05).

Esse aprendizado é importante e necessário, mas não deve, assim como na escrita,

negar a identidade e os saberes indígenas. Embora seja inegável sua importância, as atividades

orais desenvolvidas na escola estão mais relacionadas ao ensino na língua portuguesa do que

da modalidade oral da língua. É o que revela o estudo de Monte (1994) com Povos do Acre: a

aquisição da língua portuguesa como língua-meta na modalidade oral ocorre de modo

10

Não índio.

Page 38: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

37

descontínuo do processo de aquisição da modalidade escrita. Sobre a escrita tratará a seção

seguinte.

2.3.2 – A modalidade escrita

O fato das sociedades indígenas serem, tradicionalmente, orais não significa que são

desprovidas de representação gráfica do universo cultural. O que não possuem é uma

representação gráfica organizada em alfabeto, e seus saberes não estão organizados nem são

transmitidos através de textos escritos, como a organização escrita ocidental.

Esta tradição escrita ocidental adentra as sociedades indígenas por meio do contato

com a sociedade envolvente. O contato dos índios com a escrita ocorre simultaneamente ao

contato com o não-índio. Este oriundo de uma tradição escrita milenar que, ainda não sendo

letrado, possui um consolidado “numeramento”, devido à necessidade cotidiana de contar

pesos, medidas, valores, etc.

Desse contato e as relações estabelecidas, faz-se necessário ao índio adquirir o

“numeramento” da sociedade que o envolve, a não indígena ou branca , para não se deixar

lograr nas novas relações estabelecidas: trabalho, comercialização, medidas, etc. E assim

ocorre o contato primário do índio com a escrita.

Escrita, ressalva-se, na língua que tornasse sua segunda língua, a mesma falada pelo

colonizador. No caso específico do Brasil, a língua portuguesa. Língua que exerce função de

domínio. Pois, os índios, ao se fazer compreender são obrigados a aprendê-la e posteriormente

absorvem outros elementos da cultura “branca”.

No Período Colonial Brasileiro algumas línguas indígenas foram grafadas, não por

iniciativa ou necessidade de seus falantes, mas, devido à necessidade dos missionários em

conhecer e dominar a língua a fim de professar a fé cristã entre os nativos. Assim surgiram

gramáticas, dicionários e vocabulários escritos nas línguas de origem Tupi ou Guarani. A

princípio não havia por parte dos índios interesse em aprender sua língua escrita, também não

havia interesse dos missionários em lhes ensinar. (D’ANGELLIS, 2007).

Diversos autores concordam que, no decorrer do tempo de contato do índio com a

sociedade envolvente, fez-se necessário às sociedades indígenas grafar suas respectivas

línguas. Os motivos são vários e dependem da realidade sócio-histórica de cada povo:

administrar sua cooperativa ou barracão para não serem logrados pelos “brancos”; ascender

socialmente como os regionais através da educação escolar dominante; ou documentar

Page 39: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

38

aspectos culturais a fim de fortalecimento e valorização linguística ante aos jovens. (MONTE,

1994; MONSERRAT, 1989; D’ANGELLIS, 2007).

Ainda que o contato com a escrita se dê, concomitantemente ao contato com a cultura

envolvente, é a escola a instituição oficial responsável por inseri-la na comunidade, através da

alfabetização e do ensino escolarizado. Em geral, quando a escola chega à comunidade

indígena a língua nativa ainda não foi grafada, ou ainda não possui estrutura escrita definida

(alfabeto, ortografia, gramática). O ensino então se realiza na língua portuguesa e tem

algumas palavras ou enunciados traduzidos para a língua nativa, salvo exceções.

A primeira etapa dessa inserção é a alfabetização do índio que apresenta duas

perspectivas: de um lado os interesses da sociedade nacional, de outro os interesses indígenas.

No primeiro caso é apresentado o discurso civilizatório da assimilação cultural: “(...) o índio

deve ter cultura, deve se intercomunicar, deve saber responder aos problemas criados pela

sociedade envolvente, deve se integrar.” (MELIÀ, 1979, p. 58).

Já as sociedades indígenas veem a alfabetização como possibilidade de dominarem

uma técnica do branco e assim adquirirem prestígio, melhores possibilidades de emprego,

apropriar-se de instrumentos jurídicos para defender seus direitos e interesses, registrar suas

tradições. Contudo, para o indígena a alfabetização – entende-se também ensino escolar – é

um processo complementar da educação indígena e não um processo de assimilação cultural.

Conforme Meliá (op. cit., p. 60) a alfabetização do índio é um problema complexo

que deve “(...) considerar detidamente as condições pedagógicas nas quais vai ser feita e a

situação linguística do índio, que vai ser alfabetizado, e a política linguística a ser seguida”.

Ao dar continuidade à escolarização, o avançar das séries escolares defrontam os

alunos índios com conteúdos organizados de modo, em muitos casos, descontextualizados.

Conteúdos que representam os saberes das sociedades ocidentais com valores linguísticos e

culturais alheios à sua construção ontológica.

Os materiais didáticos escritos na língua nativa quando existem não passam de

tradução dos saberes ocidentais, salvo exceções. Aqueles materiais didáticos escritos na

língua nativa que representam saberes tradicionais, ainda assim, apresentam problemas: foram

escritos! A transcrição dos saberes que são difundidos de forma tradicionalmente oral não

representa fielmente estes saberes, uma vez que, a escrita provoca a redução das formas orais

verbais e do seu conteúdo semântico, pois não possui mecanismos suficientes para representá-

los.

Gnerre (1998) denomina esse fenômeno de “decadência do diálogo” e o define como o

“(...) processo de readaptação das formas discursivas na direção de novas exigências de

Page 40: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

39

polarização ou/e reestruturação do poder discursivo, que em última análise é o poder.”

(GNERRE, 1998, p. 111).

Embora o principal ambiente de uso da modalidade escrita da língua, indígena ou

portuguesa, seja a escola não significa que não se faça uso dessa modalidade em outros

ambientes. Nos postos de saúde, cooperativas e igrejas das aldeias há circulação de materiais

escritos: livros de anotações, prontuários, avisos, atas, bíblias, entre outros. Muitos desses

materiais, salvo algumas bíblias, são escritos em língua portuguesa. Porém, o uso desta

modalidade na língua do outro, a língua portuguesa, contribui para a legitimação que a escrita

pertence à língua portuguesa e vice-versa e a língua indígena tem seu lugar na oralidade.

A realidade sociolinguística de usos das línguas indígenas e portuguesa nas

modalidades oral e escrita confirma a hipótese de Monte (1994) que no contexto de

bilinguismo nas sociedades indígenas

(...) o binômio oral/escrito vem sendo concebido e realizado, na escola e mesmo fora

dela, distintivamente em duas línguas: o lugar do oral, no meu entender, está sendo

ocupado preferencialmente pelas línguas indígenas, quando língua materna ou 1ª

língua. O lugar da escrita pela língua portuguesa, na maioria dos casos, 2ª língua

destes falantes. (MONTE, 1994, p. 55).

A autora afirma ainda que esta construção pode ser explicada pela concepção dos

grupos, analisados por ela11

, sobre oralidade e escrita. A primeira é a linguagem “nativa,

tradicional e indígena”; a segunda é uma língua alheia pertencente ao mundo dos outros e

integrada ao mundo do índio por processos de dominação sociocultural e econômica.

11

Projeto de Educação Indígena – Uma Experiência de Autoria desenvolvido com 10 etnias do Acre.

Page 41: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

40

3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ

A pesquisa de campo, com finalidade de coleta de dados, foi realizada na Aldeia

Sororó durante o período de 11 a 22 de agosto de 2012 e contou com a participação de alunos

do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade do Estado do Pará. Participação

promovida através da aplicação dos questionários sociolinguísticos (Figura 07), reuniões e

reflexões sobre os usos linguísticos e as práticas de leitura e escrita desenvolvidos na aldeia.

Nesse momento foi possível conhecer o contexto sociocultural, descrito no primeiro

capítulo deste trabalho; verificar a demografia e o quantitativo de falantes monolíngues e

bilíngues; e, os usos linguísticos orais e escritos e situações nas quais se realizam na aldeia.

Considera-se importante relatar a principal dificuldade enfrentada na realização da

pesquisa, fato que exigiu alteração da quantidade de entrevistados. A princípio os

questionários sociolinguísticos seriam realizados com índios da etnia Suruí-Aikewara de

ambos os sexos a partir de 8 anos de idade. Porém, ao dar início à realização dos primeiros

questionários com crianças de aproximadamente 10 anos, notou-se que as mesmas tinham

dificuldades de responder às questões apresentadas; algumas se calavam tímidas, outras

recorriam aos pais através do olhar e estes lhe diziam o que responder. Diante da situação foi

decidido realizar os questionários com pessoas a partir de 12 anos de idade e se obteve

sucesso.

Ainda assim não foi possível realizar o questionário sociolinguístico com 29 pessoas,

por motivos diversos: alguns estavam acampados na mata, outras viajavam em busca de

serviços médicos, outros estavam ausentes da aldeia no momento da realização da pesquisa.

Page 42: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

41

3.1 Atores, instrumentos e métodos da pesquisa

Esta pesquisa é qualitativa com levantamento de dados quantitativo. Como método de

coleta de dados foi utilizado observação participante e questionários sociolinguísticos (em

anexo), estes questionários foram adaptados para a realidade Aikewara a partir dos

questionários utilizados nas pesquisas desenvolvidas por Aquino (2010) e Silva, M. (2001).

Os questionários foram realizados com 177 pessoas dos sexos masculinos e femininos

segmentando as faixas etárias em quatro: 12 – 21 anos, 22 – 40 anos, 41 – 60 anos e 61 anos

ou mais. Escolheu-se segmentar nas faixas etárias supracitadas em adaptação à realidade

observada na Aldeia Sororó.

Os jovens de 12 – 21 anos, sem generalizações, ainda frequentam a escola e estão

iniciando sua vida matrimonial. Os adultos de 22 a 40 anos já não frequentam a escola, salvo

exceções, e em geral, além de casados já têm filhos. Os adultos da faixa etária de 41 – 60 anos

já são avós, e agregam ao seu núcleo familiar, a família de seus filhos e netos. A partir de 61

Figura 07: Aluno da Licenciatura Intercultural/UEPA realizando questionário sociolinguístico com

membros da comunidade. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 43: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

42

anos são velhos12

que, casados ou viúvos, mantem uma extensão familiar maior que a faixa

etária anteriormente citada. Dentre as faixas etárias, as pessoas acima de 61 anos são aquelas

que tendem a preservar a língua e os costumes aikewara, mesmo em face ao intenso contato, e

ensinam aos jovens. A tabela 01, a seguir, aponta a condição de monolíngue ou bilíngue.

Considerando-se que o período em campo (12 dias) é insuficiente para se ter um

panorama da situação sociocultural do povo e dos usos linguísticos que realmente fazem em

seu dia-a-dia, recorreu-se à entrevistas semiestruturadas com pessoas da comunidades e com

professores indígenas.

3.2 Falantes monolíngues e bilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária

Antes de apresentar os dados é necessário expor a demografia da Aldeia Sororó. Esses

dados demográficos foram obtidos a partir de tabelas demográficas disponibilizadas por

funcionários do posto de saúde da aldeia.

De acordo com as tabelas13

do posto de saúde da Aldeia Sororó existem 364

indivíduos nessa aldeia (cf. SESAI). Dos quais 148 são crianças de 0 a 11 anos dos sexos

masculino ou feminino.

Dos demais 216 indivíduos – de ambos os sexos – 01 é da etnia Gavião, 03 são da

etnia Parakanã e 07 não são indígenas. A população total da aldeia está distribuída em 61

casas, porém há 72 famílias. O maior número de famílias em relação ao número de casas se

deve ao casamento matrilocal. Deste modo, uma nova família é constituída habitando o

espaço territorial de uma família já existente.

Dos 177 entrevistados 85 são do gênero feminino e 92 do gênero masculino. Há

equilíbrio entre gêneros das faixas etárias de 12 a 21 anos e de 22 a 40 anos, conforme

exposto nas tabelas 03 e 04. A tabela 01 abaixo apresenta o quantitativo de falantes bilíngues

e monolíngues de acordo com a faixa etária:

12

Designação comum entre os Aikewara e não reflete preconceito. 13

Atualizada no 1ª semestre de 2012.

Page 44: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

43

Tabela 01

Idade Monolíngue Bilíngue

Língua Suruí Língua Portuguesa

12 – 21 66

22 – 40 81

41 – 60 21

61 ou + 06 03

Total 177

A tabela 02 aponta os falantes bilíngues e monolíngues por gênero feminino e

masculino:

Tabela 02

Monolíngue Bilíngue Total

Língua Suruí Língua Portuguesa

Masculino 05 87 92

Feminino 01 84 85

As tabelas 03 e 04 agregam as variáveis faixa etária e gênero, feminino e masculino

respectivamente, de modo a encontrar aqueles falantes bilíngues ou monolíngues.

Tabela 03

Idade

Gênero Feminino

Monolíngue Bilíngue

Língua Suruí Língua Portuguesa

12 – 21 31

22 – 40 40

41 – 60 12

61 ou + 01 01

Total 85

Page 45: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

44

Tabela 04

Idade

Gênero Masculino

Monolíngue Bilíngue

Língua Suruí Língua Portuguesa

12 – 21 35

22 – 40 41

41 – 60 09

61 ou + 05 02

Total 92

Com 30 famílias foram realizadas observações direcionadas pelas Fichas de

Observação Familiar – cujo principal objetivo foi identificar a língua de interação14

entre os

membros da família – constatou-se que nas casas onde o chefe da família tem mais de 60 anos

de idade (Figura )a principal língua de interação desses com sua esposa, seus filhos e netos é a

Língua Suruí. Porém, em geral, a comunicação entre velhos e crianças é mediada por um

adulto (pai ou tio da criança e filho de um ancião) que compreende as duas línguas. Os pais

mais jovens, da faixa etária de 22 – 40 anos interagem com seus filhos, mais em língua

portuguesa. Contudo usam, esporadicamente, frases-prontas em sua língua materna, Suruí do

Tocantins, como os imperativos: “vem cá”, “vem comer”, “não vai”, “vai tomar banho”. E

ainda termos lexicais que designam objetos como facão, nomes de animais e partes do corpo.

14

Estes resultados estão intimamente ligados à compreensão de língua dos índios. Conhecer e nomear um cesto,

um peixe, uma planta na língua Suruí significa falar a língua; mesmo que esta comunicação não se apresente

dinâmica, ou seja, composta pelos elementos lexicais, semânticos, e sintáticos da língua nativa. Sendo assim,

mesmo que conheçam apenas listas de palavras na língua nativa, consideram que a falam. Esta observação não se

aplica aos Suruí-Aikewara que possuem mais de 60 anos de idade e são monolíngue na língua Suruí.

Page 46: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

45

Ressalva-se que a pesquisa sociolinguística revelou que as crianças de 0 a 11 anos de

idade (Figura 09), embora compreendam alguns itens do léxico da Língua Suruí e frases

imperativas, utilizam principalmente a língua portuguesa para interagir com as diversas

pessoas da comunidade. Esse resultado foi obtido a partir da análise das fichas de interação

familiar e dos questionários sociolinguísticos, além da observação diária durante o período em

pesquisa de campo.

Os indivíduos bilíngues, que responderam aos questionários, afirmaram que falam

mais em língua portuguesa com as crianças e falam, principalmente, em língua Suruí com os

anciãos.

Figura 08: Anciãos Aikewara após realização do questionário sociolinguístico. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 47: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

46

3.3 Os usos linguísticos orais e escritos da Aldeia Sororó

Os usos linguísticos referem-se às línguas utilizadas em diferentes situações e

ambientes cotidianos, especializados, tradicionais ou não. Nos questionários sociolinguísticos

havia perguntas sobre os usos linguísticos individuais. Entretanto, ao realizá-los se percebeu

que as resposta não correspondiam à realidade da aldeia ou à realidade do falante.

Em alguns casos, o falante que declarou usar mais a língua indígena nas diversas

atividades declarou na seção Facilidade Linguística não compreender ou não falar a língua

nativa, há outros casos de falantes que embora declarassem compreender pouco a língua Suruí

afirmaram falar frequentemente nessa língua com as crianças.

A unanimidade foi o reconhecimento que os velhos falam mais na língua suruí e as

crianças falam mais na língua portuguesa.

Diante das situações expostas acima foi decidido desconsiderar os usos linguísticos

declarados individualmente nos questionários e partir para uma consideração mais ampla,

Figura 09: Crianças Aikewara brincando no pátio da aldeia. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.

Page 48: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

47

envolvendo os usos linguísticos da aldeia. A estratégia utilizada foi reunir os alunos da

Licenciatura Intercultural para discutir sobre esses usos. A fala que resume os usos

linguísticos da aldeia é a de Tyape Suruí: “em todas as atividades nossas aqui da aldeia tem as

duas línguas”.

Os alunos ressaltaram que, quando existem atividades realizadas por crianças e velhos,

deve sempre estar presente alguém que compreende as duas línguas para fazer a mediação

entre os falantes. Os mesmos alunos afirmaram que nomes de plantas, animais e peixes da

Terra Indígena só conhecem na língua Suruí do Tocantins. Com base nas considerações e

discussões realizadas foi construída a tabela abaixo:

TABELA 05

USOS LINGUÍSTICOS

Atividades mais

Tradicionais

Qual língua é utilizada nas situações abaixo +LI15

+LP AMBAS

Nas festas tradicionais – Ex.: Sapurahái X

Nas cerimônias/rituais religiosos X

Nas atividades de caça X

// de pesca X

// plantio (roça) X

// coleta de frutas X

// coleta de castanha X

Durante confecção de artesanatos X

Nas reuniões internas na aldeia X

Brincadeiras infantis, banho no rio X

Atividades

menos

tradicionais

(inseridas a

partir do

contato)

Situações de compra e venda na aldeia entre parentes X

Reuniões na aldeia com pessoas de fora X

Nas cerimônias católicas/cultos evangélicos realizados

na aldeia

X

Jogo de Futebol na Aldeia X

Viagens em grupo X

Nas festas não tradicionais – Kamará ou aniversários X

Oficinas de Formação de Professores na

Aldeia/Licenciatura Intercultural

X

Namoro X

O que se infere da tabela é que nas atividades mais tradicionais prevalece o uso da

língua Suruí, complementa-se que este uso pode se dar através da nomeação de elementos da

fauna e da flora, da entoação de cantos ou narração de mitos e histórias antigas. Nas

atividades desenvolvidas a partir do contato, mesmo realizada somente por índios – como o

jogo de futebol, viagens em grupo e oficina de formação de professores – a língua mais falada

é a portuguesa. Há explicação: além dessas atividades não serem da cultura indígena as

15

LI = Língua Indígena; LP = Língua Portuguesa.

Page 49: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

48

pessoas que as desenvolvem são bilíngues e, sobretudo jovens que tem menos domínio da

língua em relação aos velhos.

Nas cerimonias religiosas cristãs realizadas na aldeia são faladas as duas línguas, pois

nas cerimônias católicas há preces proferidas na língua nativa; e nos cultos evangélicos há

hinos cantados na língua Suruí.

Durante a coleta de frutas, embora seja uma atividade tradicional, a comunicação se

realiza principalmente em língua portuguesa devido a grande participação de crianças nessa

atividade, a língua nativa é usada para nomear elementos da fauna e da flora.

Os alunos do curso de licenciatura, que participaram da atividade de reflexão e

preenchimento da tabela, ressalvaram que durante as atividades de confecção dos artesanatos

a língua mais falada é a nativa porque as pessoas que ainda desenvolvem essa atividade são,

em geral, os velhos.

A seguir a tabela 06, preenchida juntamente com alunos da Licenciatura Intercultural,

demonstra as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia.

TABELA 06

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA

Em qual(is) língua(s)

são escritos os

seguintes textos que

circulam na aldeia:

LI

LP

LI=LP Observações

Cartas e bilhetes - - - Não desenvolvem este tipo de texto.

Jornais e revistas X

Cartazes, avisos X

Materiais religiosos

(Bíblia, panfletos,

hinário)

X Exceto alguns hinos e a oração do Pai Nosso que ainda

não foram escritos.

Histórias, mitos X Há escassas histórias na língua Suruí.

Textos Didáticos X Salvo algumas cartilhas.

Relatórios (de viagens, de reuniões,

etc.)

X

Atas de reuniões X

Notícias As notícias circulam na modalidade oral.

Tarefas escolares X Há tarefas na língua portuguesa e língua Suruí, porém

há mais na primeira. Levantamento, listas X

Letras de Músicas X As músicas tradicionais são cantadas em LI, mas as

letras de músicas existentes são da cultura envolvente e

portanto em LP.

Depreende-se da tabela que as práticas de leitura e escrita são realizadas

principalmente em língua portuguesa. Este fato pode ser um reflexo do alfabeto na língua

Page 50: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

49

Aikewara estar ainda em desenvolvimento; assim como pode ser consequência das políticas

de ensino e de línguas para as escolas indígenas que privilegiam o ensino da língua

portuguesa.

Page 51: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

50

Considerações Finais

A Aldeia Sororó é uma comunidade indígena bilíngue, cujo fenômeno do bilinguismo

se deu devido ao contato linguístico decorrente da migração da população envolvente para seu

território tradicional. A partir da regulamentação e constituição da Terra Indígena esse

território torna-se uma ilha linguística, característica de muitas comunidades indígenas.

As observações revelaram que o risco de desaparecimento que a língua sofre não está

na frequência com que é falada, pois grande maioria dos falantes bilíngues Suruí – ao

responderem os questionários sociolinguísticos – declararam falar a língua em casa,

principalmente com os idosos e em atividades realizadas em outros ambientes pertinentes à

aldeia; como reunião no pátio, confecção de artesanatos, caça e pesca, preparação do roçado.

Porém, as observações participantes revelaram que a língua que reconhecem falar são

palavras isoladas que tem sua função comunicativa complementada pelo uso da língua

portuguesa. Assim, o que se verificou foi o uso frequente de substantivos ou expressões do

universo sociocultural do Povo Aikewara. Utilizado principalmente por aqueles com menos

de 40 anos.

Compreende-se que, em comunidades indígenas bilíngues, o uso de uma ou outra

língua constitui um fenômeno equivalente ao da variável linguística. O uso da língua nativa

ou da segunda língua são dois modos de realizar a comunicação na comunidade linguística.

O uso da L1 (equivalente à variante conservadora) ou L2 (equivalente à variante

inovadora) é determinado por fatores como gênero, faixa etária, escolaridade,

contexto/situação de fala, origem étnica do interlocutor.

Do mesmo modo que há um conflito entre as variantes linguísticas em prol de sua

sobrevivência, há conflito entre as línguas. E este conflito é ainda mais grave, pois se a

mudança em progresso beneficiar a L2 pode resultar em morte da língua nativa, L1. Fato,

infelizmente, comum na história dos povos indígenas do Brasil.

Os dados revelaram que pessoas da etnia Suruí de 12 a 40 anos são bilíngues. São

monolíngues em Língua Suruí do Tocantins pessoas acima de 60 anos e as crianças de 0 a 11

anos de idade tendem ao monolinguísmo em Língua Portuguesa, visto que seus familiares se

comunicam com elas nessa língua.

As crianças só têm contato com a língua Suruí em situações e ambientes

especializados, como em festas e atividades tradicionais e rituais, além de estarem mais

expostas à cultura envolvente através da escola e dos valores disseminados pelas redes de

televisão.

Page 52: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

51

Esta situação é preocupante, pois a geração que dará continuidade à etnia Suruí-

Aikewara, as crianças que hoje compõem cerca de 40% da população, pouco sabem e menos

ainda falam na língua nativa. O que pode significar a perca de muitos saberes tradicionais.

Os jovens e adultos bilíngues, salvo exceções, que afirmam compreender e falar a

língua Suruí, parecem compreender por língua o léxico e alguns enunciados nessa língua.

Situação que, certamente, colabora para o enfraquecimento da transmissão intergeracional.

Esse cenário sociolinguístico demonstra que há na comunidade um processo análogo

ao da mudança em progresso tendo em vista que a língua portuguesa, assumindo papel de

variante inovadora, é falada com maior frequência entre a população jovem, especificamente

infantil.

Quanto aos usos linguísticos orais e escritos que são desenvolvidos na aldeia, de

acordo com os resultados expostos nas tabelas e considerando as observações feitas, a

se’engete (denominação que o povo Aikewara dá a sua língua) ocupa o lugar da oralidade, em

contextos de usos, como o das atividades tradicionais, dos mitos, rituais, atividades de caça e

pesca, da comunicação informal. Ainda assim nas diversas situações comunicativas,

observadas na aldeia, a presença da língua se resume a algumas palavras, do léxico, o que

demonstra que a língua Suruí encontra-se ameaçada, em termos de vitalidade.

As crianças que participam de danças e rituais tradicionais ou atividades de pesca e

coleta são orientadas na língua portuguesa; mesmo com presença de anciãos monolíngues em

Suruí é necessário um intérprete para as crianças.

É possível compreender que no domínio oral há a presença das duas línguas, em

algumas situações comunicativas uma prevalece sobre a outra. A fala de Murué Suruí, aluna

da Licenciatura, demonstra um contexto específico da Língua Suruí: “na pesca os velhos só

falam na língua. Eu mesmo não sei o nome de nenhum peixe na língua dos kamará16

”.

No que se refere ao domínio escrito as considerações sociolinguísticas das línguas

Suruí e Portuguesa na Aldeia Sororó, apresentadas neste trabalho, demonstraram que entre o

Povo Aikewara a língua portuguesa é preponderante nas práticas de leitura e escrita, por ser a

principal língua utilizada nas diversas atividades da escola, no ensino escolar, nas atividades

comerciais, nas atividades que exigem do índio defender seus interesses diante do branco – é

língua de instrução.

Os textos escritos que circulam na aldeia são majoritariamente em língua portuguesa:

jornais, revistas, cartazes, avisos, relatórios, atas, levantamentos, listas, letras de músicas. As

16

Informação verbal em pesquisa de campo.

Page 53: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

52

exceções são algumas produções em Suruí nas seguintes modalidades escritas: histórias e

mitos escritos em algumas cartilhas, tarefas escolares da disciplina Linguagem.

Na modalidade oral, portanto, a língua ocupa seu lugar na comunidade bilíngue.

Todavia, na comunidade Suruí, a língua portuguesa também se faz presente nas atividades

comunicativas desenvolvidas por pessoas bilíngues e entre crianças bilíngues e adultos

monolíngues. Portanto, ambas as línguas coexistem. Porém, não é demais ressaltar que em

algumas atividades da Aldeia Sororó a língua portuguesa predomina no domínio oral.

E na modalidade escrita a língua portuguesa domina. Este fato confirma a hipótese de

Monte (1994) que no contexto de bilinguismo nas sociedades indígenas as línguas são

realizadas e construídas em modalidades distintas, a linguagem escrita é ocupada pela língua

portuguesa e a linguagem oral é o lugar da língua indígena, tanto no ambiente escolar quanto

na comunidade como um todo.

De modo geral a situação sociolinguística da língua Suruí do Tocantins é, no mínimo,

preocupante. A população é bilíngue e, em algumas situações, a língua que consideram falar é

na verdade listas de palavras do léxico; as crianças falam e compreendem cada vez menos a

língua de seus ancestrais.

Considerando os dados e as observações, há sim um grande risco da língua Suruí do

Tocantins se tornar terminologia dentro do universo desse povo, ou seja, seu uso ficar restrito

aos espaços e atividades especializadas, nomeando objetos e sendo usada em algumas

expressões imperativas. Em contrapartida, há na comunidade um movimento, talvez ainda

pouco planejado, de valorização e fortalecimento linguístico.

Este movimento se manifesta no reconhecimento, por todos, da importância do

processo de ensino-aprendizagem escolar e não escolar da língua nativa; nos esforços em

desenvolver neologismos capazes de atribuir significados coerentes com a concepção de

mundo do povo; e, no incentivo que os mais velhos dão aos jovens em aprender a língua.

Os resultados levam a sugestão de que é preciso que se estabeleça um projeto de

fortalecimento da Língua Suruí tanto no sentido de valorização da língua oral, principalmente

pelas crianças e jovens, quanto no ensino/aprendizagem da língua escrita.

O fato de os alunos da turma de Licenciatura Intercultural já demonstrarem um

empenho em fortalecer, cada vez mais, suas tradições sócio-culturais e em aprender a escrever

(e falar com mais frequência) em Suruí para, dentre outras atividades, produzir textos para

que sejam ensinados na escola e utilizados na aldeia; e o empenho da comunidade em

desenvolver os neologismos para nomear elementos introduzidos na cultura a partir do

Page 54: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

53

contato, já sinalizam suas preocupações em fortalecer sua língua materna, como forma de não

deixá-la ser esquecida, diante da força imperiosa da língua portuguesa.

Nota-se, assim, que mesmo diante de tal situação a comunidade reconhece a

importância de salvar sua língua. E a língua mesmo “anêmica” tende a ser renovada e

preservada. Espera-se que este trabalho possa contribuir para futuros estudos

sociolinguísticos, e planejamento linguístico-educacional que busquem possibilitar o

fortalecimento e vitalidade da língua Suruí do Tocantins.

Page 55: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

54

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Letícia de Souza. Pesquisas Sociolinguísticas entre os Asuriní do Tocantins:

contribuição para o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). 2010.

Dissertação, Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília – DF, 2010.

ARNAUD, Expedito. O índio e a Expansão Nacional. Belém: CEJUP, 1989.

BAERNERT-FUERST, Ute. Flashes Metodológicos: a sociolinguística

qualitativa/quantitativa. In: Fotografias Sociolinguísticas. TARALLO, Fernando (Org.).

Campinas – SP: Pontes (Editora da Universidade Estadual de Campinas), 1989.

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre

os povos indígenas no Brasil de hoje – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

BARBOSA, José Natal. Contribuição à Análise Fonológica do Suruí do Tocantins. 1993.

59f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília.

Brasília-DF, 1993.

CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução de: Marcos

Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

CALVET, Louis-Jean. Tradição Oral & Tradição Escrita. Tradução de:

Waldemar Ferreira Netto; Maressa de Freitas Vieira. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.

CEZÁRIO, Maria Maura; VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário

Eduardo (Org.). Manual de Linguística. 1.ed. 2. reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.

COUTO, Hildo Honório do. Linguística, ecologia e ecolinguística: contato de línguas. São

Paulo: Contexto, 2009.

D’ANGELIS, Wilmar da Rocha. Como nasce e por onde se desenvolve uma tradição

escrita em sociedades de tradição oral?. Campinas – SP: Curt Nimuendajú, 2007.

DIETRICH, Wolf. O Tronco Tupi e suas Famílias de Línguas: classificação e esboço

tipológico. In: NOLL, Volker; DIETRICH, Wolf (Orgs.). O Português e o Tupi no Brasil.

São Paulo: Contexto, 2010.

DODDE, Paula Arrais Moreira. Impactos de Empreendimentos Lineares em Terras

Indígenas na Amazônia Legal: o caso da Br-230/Pa e das Terras Indígenas Mãe Maria,

Nova Jacundá E Sororó. 2012. 184p. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético),

Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE),

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ, 2012.

DUBOIS, Jean. et all. Dicionário de Linguística. Tradução de: Frederico de Barros Pessoa

(et al.), 8.ed. São Paulo: Cultrix, 2007.

GNERRE, Maurizio. Linguagem, Escrita e Poder. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Page 56: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

55

HAMERS, Josiane F. ; BLANC, Michel. Bilingualité et bilinguisme. 2ª ed. Bruxelles –

Belgique: Pierre Mardaga éditeur, 1983.

LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. Tradução de: Marcos Bagno; Maria Marta

Pereira Scherre; Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

LARAIA, Roque de Barros; Matta, Roberto da. Índios e Castanheiros: a empresa extrativa e

os índios no médio Tocantins. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967.

MAHER, Terezinha de Jesus Machado. Já que é preciso falar com os doutores de

Brasília... subsídios para o planejamento de curso de português oral em contexto indígena.

Dissertação, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas –

UNICAMP. Campinas - SP, 1990.

MASTOP-LIMA, Luiza de Nazaré. O Tempo Antigo entre os Suruí/Aikewára: um estudo

sobre mito e identidade étnica. 2002. 132f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-

Graduação em Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal

do Pará, Belém, 2002.

MELIÁ, Bartomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo: Edições Loyola, 1979.

MOLLICA, Maria Cecília. Fundamentação Teórica: conceituação e delimitação. In:

MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o

tratamento da variação. 4.ed. 1. Reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012.

MONSERRAT, Ruth (Org.). A Conquista da Escrita: encontros de educação escolar

indígena. São Paulo: Iluminuras, 1989.

MONTE, Nietta Lindemberg. Entre o Silêncio em Língua Portuguesa e a Página Branca da

Escrita Indígena. Em Aberto, n.63, Brasília – DF, ano 14, p. 54-68, jul./set. 1994.

MOORE, Denny; GALUCIO, A. V; GABAS JUNIOR, Nilson. O desafio de documentar e

preservar as línguas amazônicas. Scientific American Brasil – Amazônia (A Floresta e o

Futuro), Brasil, p. 36 – 43, 01 set. 2008. [Disponível em:

http://saturno.museugoeldi.br/lingmpeg/portal/downloads/publicacoes/desafio-de-

documentar-e-preservarmoore-galucio-gabas.pdf]. Acesso: 10/2012.

PAIVA, Maria da Conceição de. A Variável gênero/sexo. In: MOLLICA, Maria Cecília;

BRAGA, Maria Luiza (Orgs.). Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação.

4.ed. 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012.

RIBEIRO, Eduardo Rivail. Empréstimos Tupi-Guarani em Karajá. Revista do Museu

Antropológico. v. 5/6 (2001/2002), p. 75-100. [http://www.etnolinguistica.org/artigo:ribeiro-

2001a] Acesso: 10/2012.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas

indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

Page 57: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

56

______. Panorama das Língua Indígenas na Amazônia. In: QUEIXALÓS, F.; RENAULT-

LESCURE, O. (Orgs.). As Línguas Amazônicas Hoje. São Paulo: Instituto Socioambiental,

2000.

______; CABRAL, Ana Suelly Arruda Câmara. Revendo a Classificação Interna da Família

Tupi-Guarani. In: CABRAL, Ana Suelly Arruda Câmara & RODRIGUES, Aryon Dall’Igna

(Orgs.). Línguas Indígenas Brasileiras: Fonologia, Gramática e História. Atas do I Encontro

Internacional do Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas da ANPOLL, Tomo I. Belém:

EDUFPA, 2002.

SANTOS, Glaucia Felismino dos. Contato Lingüístico na Região de Fronteira

Brasil/Uruguai: a entoação dialetal em enunciados assertivos e interrogativos do português e

do espanhol. 2010. Dissertação, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro

– RJ: 2008.

SILVA, Gilmar Matta da. Sapurahái de Karuára: mitos, instrumentos musicais e canto

entre os Suruí Aikewára. 2007. 127 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação

em Ciências Sociais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do

Pará, Belém, 2007. SILVA, Maria do Socorro Pimentel da. A situação sociolinguística dos Karajá de Santa Isabel do

Morro e Fontoura. Brasília: FUNAI/DEDOC/2001. _____ Reflexões Sociolinguísticas sobre Línguas Indígenas Ameaçadas. Goiânia: Editora da UCG, 2009. TARALLO, Fernando Luiz. A Pesquisa Sociolinguística. 2.ed. São Paulo: Editora Ática, 1986.

ZIMMER, M.; FINGER, I,; SCHERER, L. Do bilinguismo ao multilinguismo: intersecções entre a psicolingüística e a neurolingüística. ReVEL. Vol. 6, n. 11, agosto de 2008. [www.revel.inf.br].

Page 58: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

57

ANEXOS

ANEXO 1 – Roteiro de entrevista com professores índios ou pessoas da comunidade

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NOS TERRITÓRIOS

ETNOEDUCACIONAIS AMAZÔNICOS

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

Page 59: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

58

ENTREVISTA COM PROFESSORES SURUÍ-AIKEWÁRA/PESSOAS DA COMUNIDADE

USOS LINGUÍSTICOS Qual língua – Língua Indígena (LI) ou Língua Portuguesa (LP) – é utilizada:

Nas festas tradicionais – Sapurahái (LI) (LP)

Nas festas não tradicionais – Kamará

Nas cerimônias/rituais religiosos

Nas cerimônias católicas/cultos evangélicos realizados na aldeia

Nas atividades de caça

// pesca

// plantio (roça)

// coleta de frutas

// coleta de castanha

Durante confecção de artesanatos

Nas reuniões internas na aldeia

Reuniões na aldeia com pessoas de fora

Brincadeiras infantis, banho no rio

Jogo de Futebol na Aldeia

Viagens de barco

Situações de compra e venda na aldeia entre parentes

Oficinas de Formação de Professores na Aldeia/Licenciatura Intercultural

Namoro

Anexo 2 – Ficha/roteiro de observação familiar

FICHAS DE OBSERVAÇÃO FAMILIAR

NOME PARENTESCO IDADE

Page 60: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

59

Só LI Só LP LI = LP Mais LI Mais LP

Língua de interação entre marido e mulher

Língua de interação entre mãe e filhos

Língua de interação entre pai e filhos

Língua de interação entre avô e netos

Língua de interação entre avó e netos

Língua utilizada nas brincadeiras infantis

Língua utilizada nas brincadeiras tradicionais

Anexo 3 – Questionário Sociolinguístico

Questionário de proficiência e uso da língua Nº _____

Informação Pessoal

Nome:__________________________________________________ Ocupação:____________

Sexo: M( ) F( ) Idade: 8-12( ) 13-18( ) 19-39( ) 40 e mais ( ) Série:_______

SOBRE ATITUDES E VALORAÇÃO LINGUISTICA

Page 61: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

60

Que língua você aprendeu a falar primeiro? Por quê?

Que língua você acha mais fácil, suruí-aikewára ou português? Por quê?

Que língua você acha mais bonita? Por quê?

Que língua você usa mais, suruí-aikewára ou português? Por quê?

Com quem você conversa em suruí-aikewára na aldeia? Quando isso acontece?

Você sabe ler e escrever em suruí-aikewára? O que você lê e escreve em suruá-aikewára?

Que língua você acha que deve ser ensinada na escola primeiro, suruí-aikewára ou português? Por quê?

Em que línguas você acha que o professor deve conversar com você e seus colegas na sala de aula, suruí-

aikewára ou português? Por quê?

Você acha que a língua suruí-aikewára pode desaparecer? Por quê?

O que você acha que pode ser feito para proteger a língua suruí-aikewára?

FACILIDADE LINGÜÍSTICA EM SURUÍ-AIKEWÁRA

Sim Um pouco Não

Você pode entender uma conversação em suruí-aikewára?

Você fala suruí-aikewára?

Você pode ler em suruí-aikewára?

Você pode escrever em suruí-aikewára?

FACILIDADE LINGÜÍSTICA EM PORTUGUÊS

Sim Um pouco Não

Você pode entender uma conversação em Português?

Você fala Português?

Você pode ler em Português?

Você pode escrever em Português?

SITUAÇÃO SOCIOLINGÜÍSTICA SURUÍ-AIKEIWÁRA Uso da Língua de Acordo com os Domínios Sociais (língua suruí-aikewára=SA; língua portuguesa=LP)

SA LP Ambas

Que língua você usa mais freqüentemente em casa para falar com adultos?

Que língua você usa mais freqüentemente em casa para falar com as crianças?

Que língua você usa mais freqüentemente em casa para escrever?

Que língua você usa no trabalho para falar com seus colegas?

Que língua você fala com pessoas da mesma idade na vizinhança?

Que língua você usa durante uma cerimônia de sua tribo?

Que língua as crianças falam mais freqüentemente?

Que língua os mais velhos falam mais freqüentemente?

Que língua você usa quando está bravo?

Qual língua é melhor para uma pessoa falar?

Que língua você prefere para ler?

Que língua você prefere para escrever?

Qual é a língua mais bonita? Por quê?

Que língua deve ser ensinada na escola? Por quê?

Comentários:

Page 62: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

61

Anexo 4 – Ficha/roteiro de observação das práticas de leitura e escrita desenvolvidas na

aldeia

PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA

Em qual(is) língua(s) são escritos os seguintes textos que circulam na aldeia: (Língua Indígena Suruí-Aikewára=LI;Língua Portuguesa=LP)

Só Só LI=LP Observações

Page 63: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

62

LI LP

1. Cartas e bilhetes

2. Jornais e revistas

3. Cartazes, avisos

4. Materiais religiosos

(Bíblia, panfletos,

hinário)

5. Histórias, mitos

6. Textos Didáticos

7. Relatórios (de viagens,

de reuniões, etc.)

8. Atas de reuniões

9. Cartas e bilhetes

10. Notícias

11. Tarefas escolares

12. Levantamento, listas

13. Letras de Músicas

Page 64: Surui sociolinguistica tcc_ oliveira

63

Centro de Ciências Sociais e de Educação Curso de Letras

Av. Djalma Dutra S/n

66030-010 Belém - PA