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Ementa e Acórdão 03/08/2015 PLENÁRIO HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS RELATOR :MIN. ROBERTO BARROSO PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamento e das notas Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9706216. Supremo Tribunal Federal Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 179

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Ementa e Acórdão

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA.

1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados.

2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.

3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento da pena.

4. Ordem concedida de ofício, para alterar de semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento da pena imposta ao paciente.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamento e das notas

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9706216.

Supremo Tribunal FederalSupremo Tribunal FederalInteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 179

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Ementa e Acórdão

HC 123108 / MG

taquigráficas, por maioria de votos, em denegar a ordem, mas conceder habeas corpus de ofício para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena, nos termos do voto ora reajustado do Relator, vencidos, parcialmente, a Ministra Rosa Weber e o Ministro Celso de Mello, que concediam a ordem, e integralmente vencidos o Ministro Edson Fachin, que não conhecia do habeas corpus, e o Ministro Marco Aurélio, que denegava a ordem.

Brasília, 03 de agosto de 2015.

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - RELATOR

2

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9706216.

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HC 123108 / MG

taquigráficas, por maioria de votos, em denegar a ordem, mas conceder habeas corpus de ofício para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena, nos termos do voto ora reajustado do Relator, vencidos, parcialmente, a Ministra Rosa Weber e o Ministro Celso de Mello, que concediam a ordem, e integralmente vencidos o Ministro Edson Fachin, que não conhecia do habeas corpus, e o Ministro Marco Aurélio, que denegava a ordem.

Brasília, 03 de agosto de 2015.

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - RELATOR

2

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Proposta de Remessa ao Pleno

05/08/2014 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Presidente, eu tenho o Habeas Corpus 123.108, que envolve a repetida questão do princípio da insignificância, no caso específico, é o furto de um par de sandálias, avaliado em dezesseis reais, por um réu reincidente.

Eu examinei a jurisprudência das duas Turmas e vi que nós vivemos um momento de grande discrepância no entendimento dessa matéria. De modo que eu gostaria de propor à Turma a submissão dessa matéria ao Plenário, para que possamos fazer uma reflexão conjunta.

Essa é a questão de ordem que gostaria de submeter.

* * * * *

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6797741.

Supremo Tribunal Federal

05/08/2014 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Presidente, eu tenho o Habeas Corpus 123.108, que envolve a repetida questão do princípio da insignificância, no caso específico, é o furto de um par de sandálias, avaliado em dezesseis reais, por um réu reincidente.

Eu examinei a jurisprudência das duas Turmas e vi que nós vivemos um momento de grande discrepância no entendimento dessa matéria. De modo que eu gostaria de propor à Turma a submissão dessa matéria ao Plenário, para que possamos fazer uma reflexão conjunta.

Essa é a questão de ordem que gostaria de submeter.

* * * * *

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6797741.

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Extrato de Ata - 05/08/2014

PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à

Sessão os Senhores Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 6527732

Supremo Tribunal Federal

PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à

Sessão os Senhores Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o número 6527732

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Relatório

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente acusado pelo furto simples (CP, art. 155, caput) de um par de sandálias da marca “Ipanema”, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais). Diz a denúncia:

“Consta do incluso inquérito policial, que na data de 11 de dezembro de 2009, por volta das 23h50min, na Avenida José Paulino da Costa, n. 370, nesta cidade e comarca [Alfenas/MG], o denunciado subtraiu para si coisa móvel de propriedade do estabelecimento comercial denominado ‘Disque Tudo +’.

Segundo restou apurado, o denunciado dirigiu-se àquele estabelecimento comercial e, instantes depois, subtraiu um par de sandálias da marca ‘Ipanema’, colocando-o em suas calças e evadindo-se do local em seguida.

É dos autos que o denunciado foi perseguido pela pessoa de Wagner Leandro Guedes, funcionário daquele estabelecimento, porém, não houve êxito na recuperação da res furtiva”. (e-STJ, fls. 1/2)

2. A sentença deixou de aplicar o princípio da insignificância em razão da reincidência, nos seguintes termos (e-STJ, fls. 150/155):

“É que um dos requisitos para o reconhecimento do princípio em tela é o reduzido grau de reprovabilidade do

Supremo Tribunal Federal

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10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente acusado pelo furto simples (CP, art. 155, caput) de um par de sandálias da marca “Ipanema”, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais). Diz a denúncia:

“Consta do incluso inquérito policial, que na data de 11 de dezembro de 2009, por volta das 23h50min, na Avenida José Paulino da Costa, n. 370, nesta cidade e comarca [Alfenas/MG], o denunciado subtraiu para si coisa móvel de propriedade do estabelecimento comercial denominado ‘Disque Tudo +’.

Segundo restou apurado, o denunciado dirigiu-se àquele estabelecimento comercial e, instantes depois, subtraiu um par de sandálias da marca ‘Ipanema’, colocando-o em suas calças e evadindo-se do local em seguida.

É dos autos que o denunciado foi perseguido pela pessoa de Wagner Leandro Guedes, funcionário daquele estabelecimento, porém, não houve êxito na recuperação da res furtiva”. (e-STJ, fls. 1/2)

2. A sentença deixou de aplicar o princípio da insignificância em razão da reincidência, nos seguintes termos (e-STJ, fls. 150/155):

“É que um dos requisitos para o reconhecimento do princípio em tela é o reduzido grau de reprovabilidade do

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9535168.

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Relatório

HC 123108 / MG

comportamento do agente, requisito este de natureza subjetiva, que por certo não se aplica ao reincidente, para o qual, ao contrário, e sob pena de se estimular a criminalidade, deve ser atribuído alto grau de censurabilidade de sua conduta.”

3. O paciente foi condenado e a pena foi fixada no mínimo legal de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, tendo sido compensada a agravante da reincidência com a atenuante da confissão. Porém, em razão da reincidência, deixou-se de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, fixando-se ainda o regime inicial semiaberto.

4. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento à apelação da defesa, em acórdão com a seguinte ementa:

“FURTO SIMPLES. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RÉU REINCIDENTE. INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. - O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal.” (e-STJ, fls. 211)

5. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assim negou seguimento ao recurso especial interposto pela defesa (e-STJ, fls. 291/292):

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 1º DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282/STF E 356/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO (I) - DISPOSITIVO DE LEI QUE NÃO AMPARA A PRETENSÃO RECURSAL. APELO ESPECIAL

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HC 123108 / MG

comportamento do agente, requisito este de natureza subjetiva, que por certo não se aplica ao reincidente, para o qual, ao contrário, e sob pena de se estimular a criminalidade, deve ser atribuído alto grau de censurabilidade de sua conduta.”

3. O paciente foi condenado e a pena foi fixada no mínimo legal de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, tendo sido compensada a agravante da reincidência com a atenuante da confissão. Porém, em razão da reincidência, deixou-se de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, fixando-se ainda o regime inicial semiaberto.

4. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento à apelação da defesa, em acórdão com a seguinte ementa:

“FURTO SIMPLES. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RÉU REINCIDENTE. INAPLICABILIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. - O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal.” (e-STJ, fls. 211)

5. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assim negou seguimento ao recurso especial interposto pela defesa (e-STJ, fls. 291/292):

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 1º DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282/STF E 356/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO (I) - DISPOSITIVO DE LEI QUE NÃO AMPARA A PRETENSÃO RECURSAL. APELO ESPECIAL

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Relatório

HC 123108 / MG

COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (II) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, LIV E LV, DA CF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indicados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos enunciados 211/STJ, 282 e 356/STF.

2. Possuindo o dispositivo de lei indicado como violado comando legal dissociado das razões recursais a ele relacionadas, resta impossibilitada a compreensão da controvérsia arguida nos autos, ante a deficiência na fundamentação recursal. Incidência do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. Para a aplicação ou não do princípio da insignificância, devem ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto, o que esbarra na vedação do enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal.

5. ‘O intuito de debater novos temas por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no agravo em recurso especial, se reveste de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a análise, ainda que se trate de matéria de ordem pública, porquanto imprescindível a prévia irresignação no momento oportuno, bem como o efetivo exame da matéria’. (AgRg no AREsp 335.371/RN, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 10/02/2014)

6. Agravo regimental a que se nega provimento.”

6. Contra este último acórdão a defesa se insurge com o

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HC 123108 / MG

COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (II) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, LIV E LV, DA CF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indicados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos enunciados 211/STJ, 282 e 356/STF.

2. Possuindo o dispositivo de lei indicado como violado comando legal dissociado das razões recursais a ele relacionadas, resta impossibilitada a compreensão da controvérsia arguida nos autos, ante a deficiência na fundamentação recursal. Incidência do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. Para a aplicação ou não do princípio da insignificância, devem ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto, o que esbarra na vedação do enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal.

5. ‘O intuito de debater novos temas por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no agravo em recurso especial, se reveste de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a análise, ainda que se trate de matéria de ordem pública, porquanto imprescindível a prévia irresignação no momento oportuno, bem como o efetivo exame da matéria’. (AgRg no AREsp 335.371/RN, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 10/02/2014)

6. Agravo regimental a que se nega provimento.”

6. Contra este último acórdão a defesa se insurge com o

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Relatório

HC 123108 / MG

presente habeas corpus. Alega-se, em síntese: (i) nulidade absoluta por ausência de interrogatório, uma vez que o réu mudou de endereço sem comunicar ao juízo (CPP, art. 367); e (ii) aplicabilidade do princípio da insignificância, devido ao ínfimo valor do bem, sua restituição à vítima e à irrelevância de circunstâncias subjetivas, conforme julgados desta Corte.

7. Em decisão monocrática, deferi medida liminar para suspender os efeitos da condenação até o julgamento de mérito.

8. O Ministério Público Federal, por meio da eminente Subprocuradora-Geral da República Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ofereceu parecer com a seguinte ementa:

“Habeas corpus. Furto. Ausência de interrogatório. Nulidade. Questão não relacionada à liberdade de locomoção. Princípio da insignificância. Supressão de instância. Reincidência em crimes contra o patrimônio cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Ínfimo valor do bem jurídico subtraído. Desproporção. Parecer pelo conhecimento parcial do writ e, nessa extensão, pela concessão da ordem.”

9. É o relatório.

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Supremo Tribunal Federal

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HC 123108 / MG

presente habeas corpus. Alega-se, em síntese: (i) nulidade absoluta por ausência de interrogatório, uma vez que o réu mudou de endereço sem comunicar ao juízo (CPP, art. 367); e (ii) aplicabilidade do princípio da insignificância, devido ao ínfimo valor do bem, sua restituição à vítima e à irrelevância de circunstâncias subjetivas, conforme julgados desta Corte.

7. Em decisão monocrática, deferi medida liminar para suspender os efeitos da condenação até o julgamento de mérito.

8. O Ministério Público Federal, por meio da eminente Subprocuradora-Geral da República Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ofereceu parecer com a seguinte ementa:

“Habeas corpus. Furto. Ausência de interrogatório. Nulidade. Questão não relacionada à liberdade de locomoção. Princípio da insignificância. Supressão de instância. Reincidência em crimes contra o patrimônio cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Ínfimo valor do bem jurídico subtraído. Desproporção. Parecer pelo conhecimento parcial do writ e, nessa extensão, pela concessão da ordem.”

9. É o relatório.

4

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Antecipação ao Voto

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Presidente, este é um dentre muitos casos que têm chegado a este Tribunal para a discussão da questão do princípio da insignificância.

Eu observo, de início, que, apesar do volume, o tema não teve repercussão geral. O Tribunal decidiu, por seis votos contra dois e três abstenções, que a questão envolveria ofensa constitucional meramente reflexa. Não obstante isso, em razão do número de processos e de um certo desconforto manifestado por Ministros em alguns julgamentos - na nossa Turma mesmo, a Ministra Rosa geralmente ressalvava a sua opinião -, entendi de afetar este processo ao Plenário. Eu estou tomando como base o HC 123.108, depois farei as adaptações, porque há uma clara oscilação na jurisprudência do Supremo, embora existam algumas linhas claramente visíveis.

Antes de enfrentar especificamente o ponto, vou declinar aqui algumas das minhas pré-compreensões sobre essa questão do sistema punitivo brasileiro, porque, como vou propor uma mudança na linha que nós temos adotado, sinto-me no dever de fundamentar, filosófica e teoricamente, esse ponto de vista.

* * * * *

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9294240.

Supremo Tribunal Federal

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Presidente, este é um dentre muitos casos que têm chegado a este Tribunal para a discussão da questão do princípio da insignificância.

Eu observo, de início, que, apesar do volume, o tema não teve repercussão geral. O Tribunal decidiu, por seis votos contra dois e três abstenções, que a questão envolveria ofensa constitucional meramente reflexa. Não obstante isso, em razão do número de processos e de um certo desconforto manifestado por Ministros em alguns julgamentos - na nossa Turma mesmo, a Ministra Rosa geralmente ressalvava a sua opinião -, entendi de afetar este processo ao Plenário. Eu estou tomando como base o HC 123.108, depois farei as adaptações, porque há uma clara oscilação na jurisprudência do Supremo, embora existam algumas linhas claramente visíveis.

Antes de enfrentar especificamente o ponto, vou declinar aqui algumas das minhas pré-compreensões sobre essa questão do sistema punitivo brasileiro, porque, como vou propor uma mudança na linha que nós temos adotado, sinto-me no dever de fundamentar, filosófica e teoricamente, esse ponto de vista.

* * * * *

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA.

1. A ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância gera o risco de casuísmos, prejudica a uniformização da jurisprudência e agrava a já precária situação do sistema carcerário – que, de maneira geral, está superlotado e oferece condições degradantes.

2. O princípio da insignificância, em caso de furto, exclui a tipicidade material nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente típica.

3. A jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal tem afastado a incidência do princípio da insignificância nos casos de reincidência e de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º).

4. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou de furto qualificado não deve, por si só, impedir a aplicação do princípio da insignificância, cujo afastamento deve ser objeto de motivação específica à luz das circunstâncias do caso (e.g., número de reincidências, especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.).

5. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de afastamento do princípio da insignificância, exige a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que devem ser referentes a crimes da mesma espécie.

6. Mesmo quando se afaste a insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituirá sanção desproporcional, por inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos

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Supremo Tribunal Federal

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA.

1. A ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância gera o risco de casuísmos, prejudica a uniformização da jurisprudência e agrava a já precária situação do sistema carcerário – que, de maneira geral, está superlotado e oferece condições degradantes.

2. O princípio da insignificância, em caso de furto, exclui a tipicidade material nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente típica.

3. A jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal tem afastado a incidência do princípio da insignificância nos casos de reincidência e de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º).

4. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou de furto qualificado não deve, por si só, impedir a aplicação do princípio da insignificância, cujo afastamento deve ser objeto de motivação específica à luz das circunstâncias do caso (e.g., número de reincidências, especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.).

5. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de afastamento do princípio da insignificância, exige a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que devem ser referentes a crimes da mesma espécie.

6. Mesmo quando se afaste a insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituirá sanção desproporcional, por inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

benefícios.7. Como consequência, deve ser fixado regime inicial

aberto domiciliar, substituindo-se, como regra, a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo em se tratando de réu reincidente, admitida a regressão em caso de inobservância das condições impostas. Interpretação conforme a Constituição do Código Penal (arts. 33, § 2º, c; 44, II, III e § 3º) e da Lei de Execução Penal (art. 117).

8. No caso concreto, trata-se de furto simples de um par de sandálias, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais), por réu com duas condenações anteriores transitadas em julgado por crime de furto, o que não é capaz de afastar a aplicação do princípio da insignificância.

9. Ordem concedida para considerar atípica a conduta do paciente.

I – INTRODUÇÃO

1. O caso é mais um entre muitos que têm chegado a este Tribunal com o objetivo de discutir a aplicação do chamado “princípio da insignificância”. Apesar do volume, o tema não teve repercussão geral reconhecida pela Corte, por seis votos contra dois (e três abstenções), tendo a maioria entendido que a questão envolveria ofensa constitucional meramente reflexa ou indireta (AI 747.522, Rel. Min. Cezar Peluso).

2. Nada obstante, em razão da quantidade de casos que esta Corte vem apreciando sobre o assunto pela via do habeas corpus, e, ainda, considerando a importância do papel do STF no oferecimento de parâmetros para uma jurisprudência uniforme, decidi estudar a matéria mais detidamente e elaborar algumas reflexões. O objetivo é singelo: não formular grandes inovações teóricas, mas organizar as ideias e propor aperfeiçoamentos, tomando como referencial o estágio atual da doutrina e da jurisprudência da Corte. Limito-me, por ora, a apontamentos gerais sobre o princípio da insignificância e sua aplicação ao crime de furto.

2

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benefícios.7. Como consequência, deve ser fixado regime inicial

aberto domiciliar, substituindo-se, como regra, a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo em se tratando de réu reincidente, admitida a regressão em caso de inobservância das condições impostas. Interpretação conforme a Constituição do Código Penal (arts. 33, § 2º, c; 44, II, III e § 3º) e da Lei de Execução Penal (art. 117).

8. No caso concreto, trata-se de furto simples de um par de sandálias, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais), por réu com duas condenações anteriores transitadas em julgado por crime de furto, o que não é capaz de afastar a aplicação do princípio da insignificância.

9. Ordem concedida para considerar atípica a conduta do paciente.

I – INTRODUÇÃO

1. O caso é mais um entre muitos que têm chegado a este Tribunal com o objetivo de discutir a aplicação do chamado “princípio da insignificância”. Apesar do volume, o tema não teve repercussão geral reconhecida pela Corte, por seis votos contra dois (e três abstenções), tendo a maioria entendido que a questão envolveria ofensa constitucional meramente reflexa ou indireta (AI 747.522, Rel. Min. Cezar Peluso).

2. Nada obstante, em razão da quantidade de casos que esta Corte vem apreciando sobre o assunto pela via do habeas corpus, e, ainda, considerando a importância do papel do STF no oferecimento de parâmetros para uma jurisprudência uniforme, decidi estudar a matéria mais detidamente e elaborar algumas reflexões. O objetivo é singelo: não formular grandes inovações teóricas, mas organizar as ideias e propor aperfeiçoamentos, tomando como referencial o estágio atual da doutrina e da jurisprudência da Corte. Limito-me, por ora, a apontamentos gerais sobre o princípio da insignificância e sua aplicação ao crime de furto.

2

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HC 123108 / MG

3. Uma das circunstâncias inerentes ao ofício jurisdicional é a apreciação de casos em que a solução prevista em lei levaria a resultados manifestamente injustos. Há situações que, embora enquadráveis no relato geral de um enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico. Assim já escrevi sobre o tema:

“A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela estaria contida, em caráter geral e abstrato, a prescrição que deveria reger a hipótese. O problema, por sua vez, deveria oferecer os elementos fáticos sobre os quais incidiria a norma, o material que nela se subsumiria. E o intérprete, por fim, desempenharia a função técnica de identificar a norma aplicável, de revelar o seu sentido e fazê-la incidir sobre os fatos do caso levado a sua apreciação. Nesse ambiente, que se pode identificar como liberal-positivista, acreditava-se piamente na objetividade da atividade interpretativa e na neutralidade do intérprete. Para bem e para mal, a vida não é assim.

Na interpretação constitucional contemporânea, a norma jurídica já não é percebida como antes. Em primeiro lugar porque, em múltiplas situações, ela fornece apenas um início de solução, não contendo, no seu relato abstrato, todos os elementos para determinação do seu sentido. É o que resulta da utilização, frequente nos textos constitucionais, da técnica legislativa que recorre a cláusulas gerais (v. infra). E, em segundo lugar, porque vem conquistando crescente adesão na ciência jurídica a tese de que a norma não se confunde com o enunciado normativo – que corresponde ao texto de um ou mais dispositivos –, sendo, na verdade, o produto da interação texto/realidade. Nessa visão, não existe norma em abstrato, mas somente norma concretizada.

Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas o conjunto

3

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3. Uma das circunstâncias inerentes ao ofício jurisdicional é a apreciação de casos em que a solução prevista em lei levaria a resultados manifestamente injustos. Há situações que, embora enquadráveis no relato geral de um enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico. Assim já escrevi sobre o tema:

“A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela estaria contida, em caráter geral e abstrato, a prescrição que deveria reger a hipótese. O problema, por sua vez, deveria oferecer os elementos fáticos sobre os quais incidiria a norma, o material que nela se subsumiria. E o intérprete, por fim, desempenharia a função técnica de identificar a norma aplicável, de revelar o seu sentido e fazê-la incidir sobre os fatos do caso levado a sua apreciação. Nesse ambiente, que se pode identificar como liberal-positivista, acreditava-se piamente na objetividade da atividade interpretativa e na neutralidade do intérprete. Para bem e para mal, a vida não é assim.

Na interpretação constitucional contemporânea, a norma jurídica já não é percebida como antes. Em primeiro lugar porque, em múltiplas situações, ela fornece apenas um início de solução, não contendo, no seu relato abstrato, todos os elementos para determinação do seu sentido. É o que resulta da utilização, frequente nos textos constitucionais, da técnica legislativa que recorre a cláusulas gerais (v. infra). E, em segundo lugar, porque vem conquistando crescente adesão na ciência jurídica a tese de que a norma não se confunde com o enunciado normativo – que corresponde ao texto de um ou mais dispositivos –, sendo, na verdade, o produto da interação texto/realidade. Nessa visão, não existe norma em abstrato, mas somente norma concretizada.

Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas o conjunto

3

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HC 123108 / MG

de fatos sobre o qual irá incidir a norma, para se transformar no fornecedor de parte dos elementos que irão produzir o Direito. Em múltiplas situações, não será possível construir qualquer solução jurídica sem nela integrar o problema a ser resolvido e testar os sentidos e resultados possíveis. Esse modo de lidar com o Direito é mais típico dos países da tradição do common law, onde o raciocínio jurídico é estruturado a partir dos fatos, indutivamente, e não a partir da norma, dedutivamente. No entanto, em países da família romano-germânica, essa perspectiva recebeu o impulso da Tópica, cuja aplicação ao Direito beneficiou-se da obra seminal de Theodor Viehweg, e de seu método de formulação da solução juridicamente adequada a partir do problema concreto (v. supra). Embora não tenha sido vitoriosa como método autônomo, a Tópica contribuiu de maneira decisiva para a percepção de que fato e realidade são elementos decisivos para a atribuição de sentido à norma, mitigando o poder da norma abstrata e o apego exagerado a uma visão sistemática do Direito.

Por fim, a dogmática contemporânea já não aceita o modelo importado do positivismo científico de separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Em variadas situações, o intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. Como consequência inevitável, sua pré-compreensão do mundo – seu ponto de observação, sua ideologia e seu inconsciente – irá influenciar o modo como apreende a realidade e os valores sociais que irão embasar suas decisões. Registre-se que juízes e tribunais são intérpretes finais da Constituição e das leis, mas não são os únicos. Boa parte da interpretação e aplicação do Direito é feita, fora de situações contenciosas, por cidadãos ou por órgãos estatais.” (Curso de

4

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de fatos sobre o qual irá incidir a norma, para se transformar no fornecedor de parte dos elementos que irão produzir o Direito. Em múltiplas situações, não será possível construir qualquer solução jurídica sem nela integrar o problema a ser resolvido e testar os sentidos e resultados possíveis. Esse modo de lidar com o Direito é mais típico dos países da tradição do common law, onde o raciocínio jurídico é estruturado a partir dos fatos, indutivamente, e não a partir da norma, dedutivamente. No entanto, em países da família romano-germânica, essa perspectiva recebeu o impulso da Tópica, cuja aplicação ao Direito beneficiou-se da obra seminal de Theodor Viehweg, e de seu método de formulação da solução juridicamente adequada a partir do problema concreto (v. supra). Embora não tenha sido vitoriosa como método autônomo, a Tópica contribuiu de maneira decisiva para a percepção de que fato e realidade são elementos decisivos para a atribuição de sentido à norma, mitigando o poder da norma abstrata e o apego exagerado a uma visão sistemática do Direito.

Por fim, a dogmática contemporânea já não aceita o modelo importado do positivismo científico de separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Em variadas situações, o intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. Como consequência inevitável, sua pré-compreensão do mundo – seu ponto de observação, sua ideologia e seu inconsciente – irá influenciar o modo como apreende a realidade e os valores sociais que irão embasar suas decisões. Registre-se que juízes e tribunais são intérpretes finais da Constituição e das leis, mas não são os únicos. Boa parte da interpretação e aplicação do Direito é feita, fora de situações contenciosas, por cidadãos ou por órgãos estatais.” (Curso de

4

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HC 123108 / MG

direito constitucional contemporâneo, 2013, p. 331-333)

4. O debate geral sobre o papel da norma, do problema e do intérprete encontra no princípio da insignificância uma de suas possíveis projeções no direito penal. Cuida-se de discutir, em síntese, se os fatos concretamente apurados, embora formalmente enquadráveis em um tipo penal, são graves a ponto de justificar uma sanção criminal ao agente.

5. Coerentemente com as premissas acima enunciadas, passo a expor, na qualidade de intérprete e de forma sumária, minha pré-compreensão sobre o cenário por trás do tema, o mais fielmente possível às convicções que pude elaborar conscientemente até o momento.

II – PRÉ-COMPREENSÃO SOBRE O DIREITO PENAL BRASILEIRO, O CRIME DE FURTO E O SISTEMA CARCERÁRIO

6. O direito penal deve ser moderado e sério: sem excesso de tipificações, que geralmente importam em criminalização da pobreza, e sem exacerbação de penas, que apenas superlotam presídios degradados. Na clássica, mas ainda atual lição de Cesare Beccaria: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade” (Dos delitos e das penas, 1764).

7. Assim, respeitado o direito de defesa, se a punição se impuser, ela deve ser aplicada. O direito penal desempenha idealmente uma função social importante de prevenção geral. Seu papel é – ou deveria ser – menos retributivo e mais o de desestimular novos atos criminosos. Na prática, porém, isto não ocorre. Em 2011, o Min. Cezar Peluso, então Presidente do STF e do CNJ, disse que 7 em cada 10 presos voltam ao crime: uma das maiores taxas de reincidência do mundo1.

1 Notícia disponível em <http://www.valor.com.br/legislacao/998962/indice-de-

reincidencia-criminal-no-pais-e-de-70-diz-peluso>, acesso em 08.12.2014. A doutrina alerta:

5

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4. O debate geral sobre o papel da norma, do problema e do intérprete encontra no princípio da insignificância uma de suas possíveis projeções no direito penal. Cuida-se de discutir, em síntese, se os fatos concretamente apurados, embora formalmente enquadráveis em um tipo penal, são graves a ponto de justificar uma sanção criminal ao agente.

5. Coerentemente com as premissas acima enunciadas, passo a expor, na qualidade de intérprete e de forma sumária, minha pré-compreensão sobre o cenário por trás do tema, o mais fielmente possível às convicções que pude elaborar conscientemente até o momento.

II – PRÉ-COMPREENSÃO SOBRE O DIREITO PENAL BRASILEIRO, O CRIME DE FURTO E O SISTEMA CARCERÁRIO

6. O direito penal deve ser moderado e sério: sem excesso de tipificações, que geralmente importam em criminalização da pobreza, e sem exacerbação de penas, que apenas superlotam presídios degradados. Na clássica, mas ainda atual lição de Cesare Beccaria: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade” (Dos delitos e das penas, 1764).

7. Assim, respeitado o direito de defesa, se a punição se impuser, ela deve ser aplicada. O direito penal desempenha idealmente uma função social importante de prevenção geral. Seu papel é – ou deveria ser – menos retributivo e mais o de desestimular novos atos criminosos. Na prática, porém, isto não ocorre. Em 2011, o Min. Cezar Peluso, então Presidente do STF e do CNJ, disse que 7 em cada 10 presos voltam ao crime: uma das maiores taxas de reincidência do mundo1.

1 Notícia disponível em <http://www.valor.com.br/legislacao/998962/indice-de-

reincidencia-criminal-no-pais-e-de-70-diz-peluso>, acesso em 08.12.2014. A doutrina alerta:

5

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HC 123108 / MG

8. O problema pode ser explicado a partir das deficiências estruturais do sistema penal brasileiro, especialmente na sua porta de entrada, que é a investigação policial, e na porta de saída, onde se situa a execução penal e o sistema penitenciário em geral. Entre esses dois extremos encontram-se o Ministério Público e o Poder Judiciário, que conseguiram se organizar relativamente bem sob a Constituição de 1988. A atividade policial, no entanto, é vista como algo menor do que as funções de acusar e julgar. Isso se reflete numa Polícia mal paga, mal equipada, sem capacidade de investigação e vizinha de porta da

“Os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados como um dos fatores

principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da

presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento

ressocializador. As estatísticas de diferentes países, dos mais variados parâmetros políticos,

econômicos e culturais, são pouco animadoras, e, embora os países latino-americanos não

apresentem índices estatísticos confiáveis (quando não, inexistentes), é este um dos fatores

que dificultam a realização de uma verdadeira política criminal. Apesar da deficiência dos

dados estatísticos é inquestionável que a delinquência não diminui em toda a América

Latina e que o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém, ao contrário,

constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores

negativos do condenado. A prisão exerce, não se pode negar, forte influência no fracasso do

tratamento do recluso. (...) Com efeito, os resultados obtidos com a aplicação da pena

privativa de liberdade são, sob todos os aspectos, desalentadores. A prisão, em vez de conter

a delinquência, tem-lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que

oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao

contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em

exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que domina a vida

carcerária imprime a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica,

as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos

reclusos. Mas, apesar dessas considerações altamente criminógenas das prisões clássicas,

tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela

eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema

penitenciário e não sair de lá pior do que entrou. (…) Inegavelmente, superpopulação e

periculosidade são dois fatores importantíssimos no aumento da taxa de reincidência. (…)

Na verdade, o condenado encarcerado é o menos culpado pela recaída na prática criminosa” (Cezar

Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 597-599 - dest. no orig.).

6

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8. O problema pode ser explicado a partir das deficiências estruturais do sistema penal brasileiro, especialmente na sua porta de entrada, que é a investigação policial, e na porta de saída, onde se situa a execução penal e o sistema penitenciário em geral. Entre esses dois extremos encontram-se o Ministério Público e o Poder Judiciário, que conseguiram se organizar relativamente bem sob a Constituição de 1988. A atividade policial, no entanto, é vista como algo menor do que as funções de acusar e julgar. Isso se reflete numa Polícia mal paga, mal equipada, sem capacidade de investigação e vizinha de porta da

“Os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados como um dos fatores

principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da

presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento

ressocializador. As estatísticas de diferentes países, dos mais variados parâmetros políticos,

econômicos e culturais, são pouco animadoras, e, embora os países latino-americanos não

apresentem índices estatísticos confiáveis (quando não, inexistentes), é este um dos fatores

que dificultam a realização de uma verdadeira política criminal. Apesar da deficiência dos

dados estatísticos é inquestionável que a delinquência não diminui em toda a América

Latina e que o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém, ao contrário,

constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores

negativos do condenado. A prisão exerce, não se pode negar, forte influência no fracasso do

tratamento do recluso. (...) Com efeito, os resultados obtidos com a aplicação da pena

privativa de liberdade são, sob todos os aspectos, desalentadores. A prisão, em vez de conter

a delinquência, tem-lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que

oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao

contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em

exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que domina a vida

carcerária imprime a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica,

as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos

reclusos. Mas, apesar dessas considerações altamente criminógenas das prisões clássicas,

tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela

eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema

penitenciário e não sair de lá pior do que entrou. (…) Inegavelmente, superpopulação e

periculosidade são dois fatores importantíssimos no aumento da taxa de reincidência. (…)

Na verdade, o condenado encarcerado é o menos culpado pela recaída na prática criminosa” (Cezar

Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 597-599 - dest. no orig.).

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

criminalidade: um cenário propício a episódios de violência e corrupção, cujas vítimas se concentram nas camadas socialmente menos favorecidas.

9. Na outra ponta há o sistema carcerário, que é um capítulo à parte. A situação é tão calamitosa que os juízes, no geral, apegam-se a qualquer formulação razoavelmente aceitável que impeça enviar alguém para o sistema penitenciário, sobretudo nas hipóteses de crimes não violentos. A razão evidente é de que mandar uma pessoa para o sistema é submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente imposta, em razão da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema da superlotação.

10. Nesse sentido, estudo do Conselho Nacional de Justiça, coordenado pelo Conselheiro Guilherme Calmon, divulgado no início do mês de junho deste ano, atualizou os números da dura realidade do sistema prisional. Existem atualmente no Brasil 567.655 presos, em um sistema que só tem capacidade para 357.219. O déficit, portanto, chega a 210.436 vagas. O número se torna ainda mais impressionante se complementados com duas outras estatísticas: (i) existem 147.937 pessoas em prisão domiciliar, por falta de vagas no sistema aberto; e (ii) há 373.991 mandados de prisão aguardando cumprimento. Mesmo com todas essas pessoas fora do sistema, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Se forem computados os presos domiciliares, subimos para a terceira posição. Existe um certo paradoxo nesse cenário. A população tem uma sensação difusa de impunidade. Ainda assim, o país pune muito, com estatísticas de encarceramento crescentes. Prende muito e prende mal, segundo consenso de todos os especialistas.

11. Em qualquer regime republicano, o direito penal deve ter caráter igualitário, e não servir de instrumento de reforço das desigualdades. Porém, as deficiências acima apontadas fazem com que o

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criminalidade: um cenário propício a episódios de violência e corrupção, cujas vítimas se concentram nas camadas socialmente menos favorecidas.

9. Na outra ponta há o sistema carcerário, que é um capítulo à parte. A situação é tão calamitosa que os juízes, no geral, apegam-se a qualquer formulação razoavelmente aceitável que impeça enviar alguém para o sistema penitenciário, sobretudo nas hipóteses de crimes não violentos. A razão evidente é de que mandar uma pessoa para o sistema é submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente imposta, em razão da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema da superlotação.

10. Nesse sentido, estudo do Conselho Nacional de Justiça, coordenado pelo Conselheiro Guilherme Calmon, divulgado no início do mês de junho deste ano, atualizou os números da dura realidade do sistema prisional. Existem atualmente no Brasil 567.655 presos, em um sistema que só tem capacidade para 357.219. O déficit, portanto, chega a 210.436 vagas. O número se torna ainda mais impressionante se complementados com duas outras estatísticas: (i) existem 147.937 pessoas em prisão domiciliar, por falta de vagas no sistema aberto; e (ii) há 373.991 mandados de prisão aguardando cumprimento. Mesmo com todas essas pessoas fora do sistema, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Se forem computados os presos domiciliares, subimos para a terceira posição. Existe um certo paradoxo nesse cenário. A população tem uma sensação difusa de impunidade. Ainda assim, o país pune muito, com estatísticas de encarceramento crescentes. Prende muito e prende mal, segundo consenso de todos os especialistas.

11. Em qualquer regime republicano, o direito penal deve ter caráter igualitário, e não servir de instrumento de reforço das desigualdades. Porém, as deficiências acima apontadas fazem com que o

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sistema penal brasileiro seja extremamente seletivo em relação à sua clientela preferencial. É por essa razão que, no Brasil de hoje, é mais fácil prender um jovem de 18 anos que porta 100 gramas de maconha do que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária.

12. As estatísticas comprovam que tais afirmações são algo mais do que uma simples pré-compreensão. Segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional2, em 12.2012 havia um total de 548.003 presos, dos quais cerca de 35,5% (195.036) eram provisórios. O nível de escolaridade de quase 60% deles (323.344) não passa do ensino fundamental incompleto, sendo que aproximadamente 5% (27.813) são analfabetos e outros 11,7% (64.102) são apenas alfabetizados. A maioria dos presos é de negros ou pardos (294.999, ou 53,8%). Quase metade dos presos do sistema (267.975, ou 49%) está no sistema prisional por crimes contra o patrimônio, sendo cerca de 14% por furto: 7% (38.027) por furto simples e outros 7% (39.846) por furto qualificado (CP, art. 155, §§ 4º e 5º).

13. O furto, como se sabe, consiste na subtração de coisa alheia móvel (CP, art. 155), sem violência ou grave ameaça. Embora o bem jurídico protegido seja o patrimônio, a respectiva ação penal é pública incondicionada, o que reflete a ênfase do legislador de 1940 na repressão a crimes patrimoniais. A pena é de um a quatro anos de reclusão e multa.

14. Passados quase 75 anos, está em análise um Anteprojeto de Código Penal elaborado por uma Comissão de Juristas presidida pelo Min. Gilson Dipp, do STJ, recentemente aposentado, que propôs a “descarceirização do furto”:

“A descarceirização do furto. Tido como um dos crimes que mais encarcera em nosso país (ainda que por conta de

2 Disponível em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-

A5B6-22166AD2E896}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D

%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-

4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>, acesso em 18.07.2014.

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sistema penal brasileiro seja extremamente seletivo em relação à sua clientela preferencial. É por essa razão que, no Brasil de hoje, é mais fácil prender um jovem de 18 anos que porta 100 gramas de maconha do que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária.

12. As estatísticas comprovam que tais afirmações são algo mais do que uma simples pré-compreensão. Segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional2, em 12.2012 havia um total de 548.003 presos, dos quais cerca de 35,5% (195.036) eram provisórios. O nível de escolaridade de quase 60% deles (323.344) não passa do ensino fundamental incompleto, sendo que aproximadamente 5% (27.813) são analfabetos e outros 11,7% (64.102) são apenas alfabetizados. A maioria dos presos é de negros ou pardos (294.999, ou 53,8%). Quase metade dos presos do sistema (267.975, ou 49%) está no sistema prisional por crimes contra o patrimônio, sendo cerca de 14% por furto: 7% (38.027) por furto simples e outros 7% (39.846) por furto qualificado (CP, art. 155, §§ 4º e 5º).

13. O furto, como se sabe, consiste na subtração de coisa alheia móvel (CP, art. 155), sem violência ou grave ameaça. Embora o bem jurídico protegido seja o patrimônio, a respectiva ação penal é pública incondicionada, o que reflete a ênfase do legislador de 1940 na repressão a crimes patrimoniais. A pena é de um a quatro anos de reclusão e multa.

14. Passados quase 75 anos, está em análise um Anteprojeto de Código Penal elaborado por uma Comissão de Juristas presidida pelo Min. Gilson Dipp, do STJ, recentemente aposentado, que propôs a “descarceirização do furto”:

“A descarceirização do furto. Tido como um dos crimes que mais encarcera em nosso país (ainda que por conta de

2 Disponível em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-

A5B6-22166AD2E896}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D

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4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>, acesso em 18.07.2014.

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reincidentes) o furto mereceu da Comissão de Reforma a adoção de mecanismos que evitam a pena de prisão, exceto nas variações de maior gravidade. A pena foi reduzida para o intervalo de seis meses a três anos e permitiu-se a aplicação exclusiva de multa, se o agente for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor. Além disso, se oferece a possibilidade de extinção da punibilidade no furto simples ou com aumento de pena, se houver a reparação do dano, aceita pela vítima. A ação penal será, nestes casos, sujeita à representação. (...)”3.

15. Além disso, a Comissão propôs a previsão expressa do princípio da insignificância: “Art. 28, § 1º. Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.”

16. O texto não foi integralmente aprovado pela Comissão de Senadores que analisou o Projeto de Lei em 17.12.20134. Manteve-se, porém, a previsão expressa do princípio da insignificância5 e a

3 Eis a redação proposta para o tipo, no que aqui interessa: “Furto – Art 155. Subtrair,

para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – Prisão, de 6 meses a 3 anos. (...) § 3º No

caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de pequeno valor a

coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se houver reparação do dano

pelo agente, aceita pela vítima, até a sentença de primeiro grau, a punibilidade será extinta;

III – somente se procederá mediante representação.” Texto disponível em:

<http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-

comissao-especial-de-juristas>, acesso em 08.12.2014.

4 Texto disponível em <http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2013/12/leia-a-

integra-do-relatorio-final-sobre-a-reforma-do-codigo-penal>, acesso em 08.12.2014.

5 Porém, o projeto veda a aplicação do princípio em casos de reiteração delitiva, com

base na atual jurisprudência do STF. Eis a redação aprovada: “Insignificância penal - Art.

26. Não há crime quando cumulativamente se verificarem, no caso concreto, e sendo possível

o seu reconhecimento, as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão

jurídica provocada. Parágrafo único. É vedado o reconhecimento da insignificância penal

quando o agente for reincidente, possuir maus antecedentes ou habitualidade delitiva.”

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reincidentes) o furto mereceu da Comissão de Reforma a adoção de mecanismos que evitam a pena de prisão, exceto nas variações de maior gravidade. A pena foi reduzida para o intervalo de seis meses a três anos e permitiu-se a aplicação exclusiva de multa, se o agente for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor. Além disso, se oferece a possibilidade de extinção da punibilidade no furto simples ou com aumento de pena, se houver a reparação do dano, aceita pela vítima. A ação penal será, nestes casos, sujeita à representação. (...)”3.

15. Além disso, a Comissão propôs a previsão expressa do princípio da insignificância: “Art. 28, § 1º. Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.”

16. O texto não foi integralmente aprovado pela Comissão de Senadores que analisou o Projeto de Lei em 17.12.20134. Manteve-se, porém, a previsão expressa do princípio da insignificância5 e a

3 Eis a redação proposta para o tipo, no que aqui interessa: “Furto – Art 155. Subtrair,

para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – Prisão, de 6 meses a 3 anos. (...) § 3º No

caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de pequeno valor a

coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se houver reparação do dano

pelo agente, aceita pela vítima, até a sentença de primeiro grau, a punibilidade será extinta;

III – somente se procederá mediante representação.” Texto disponível em:

<http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aqui-o-anteprojeto-da-

comissao-especial-de-juristas>, acesso em 08.12.2014.

4 Texto disponível em <http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2013/12/leia-a-

integra-do-relatorio-final-sobre-a-reforma-do-codigo-penal>, acesso em 08.12.2014.

5 Porém, o projeto veda a aplicação do princípio em casos de reiteração delitiva, com

base na atual jurisprudência do STF. Eis a redação aprovada: “Insignificância penal - Art.

26. Não há crime quando cumulativamente se verificarem, no caso concreto, e sendo possível

o seu reconhecimento, as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão

jurídica provocada. Parágrafo único. É vedado o reconhecimento da insignificância penal

quando o agente for reincidente, possuir maus antecedentes ou habitualidade delitiva.”

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representação para a ação penal no crime de furto6. Enquanto o projeto não é convertido em lei7, porém, é preciso continuar a trabalhar com as normas vigentes.

17. Em matéria de insignificância, como tudo o que envolve o sistema penal brasileiro, a seletividade também está presente. Nesse sentido, qualquer observador da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode confirmar que o furto de um par de chinelos, de

6 Eis as considerações dos Senadores sobre o Anteprojeto da Comissão de Juristas:

“Em primeiro lugar, não concordamos com a redução das penas para o delito de furto.

Atualmente, as penas são de 1 a 4 anos (além da multa), que permite a qualificação da

conduta como crime de menor potencial ofensivo no que se refere à possibilidade suspensão

do processo. A proposta da Comissão de Juristas traz pena de prisão de 6 meses a 3 anos.

Furto é um crime de massa no Brasil. Mais de 50% das pessoas presas em nosso sistema

penitenciário, segundo dados do Infopen, foram condenadas por furto ou roubo. A proposta

do Projeto, além de gerar uma desproteção ao bem jurídico, acabará sendo aplicada de forma

retroativa (porque mais benéfica), gerando prescrição (leia-se impunidade) em milhares de

casos, além de saídas em massa dos estabelecimentos penais. Convém manter a pena no

patamar atual.” Eis a redação aprovada em 17.12.2013, na parte que interessa: “Furto – Art.

155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de um a quatro anos.

(...) § 3º No caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de

pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se houver

reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima, até o oferecimento da denúncia, o juiz

poderá reduzir a pena até a metade; III – somente se procederá mediante representação.”

7 Desde 04.12.2014, o projeto (PLS nº 236/2012) encontra-se “pronto para a pauta” na

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal (v. tramitação em

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404>, acesso em

08.12.2014). O relatório do Senador Vital do Rêgo sugere a redução a pena do furto simples

(prisão de seis meses a dois anos), mantém a necessidade de representação da vítima e

permite o reconhecimento da insignificância mesmo em casos de reincidência. Afirma

expressamente que o princípio “torna a conduta materialmente atípica” e manifesta

preocupação em “evitar o encarceramento do agente que comete dois delitos insignificantes,

sem, contudo, banalizar a aplicação do instituto.” Eis a redação proposta para os

dispositivos: “Insignificância penal - Art. 25. A conduta não constituirá fato típico quando

cumulativamente se verificarem, no caso concreto, e sendo possível o seu reconhecimento, as

seguintes condições: I - mínima ofensividade da conduta do agente; II - reduzido grau de

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representação para a ação penal no crime de furto6. Enquanto o projeto não é convertido em lei7, porém, é preciso continuar a trabalhar com as normas vigentes.

17. Em matéria de insignificância, como tudo o que envolve o sistema penal brasileiro, a seletividade também está presente. Nesse sentido, qualquer observador da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode confirmar que o furto de um par de chinelos, de

6 Eis as considerações dos Senadores sobre o Anteprojeto da Comissão de Juristas:

“Em primeiro lugar, não concordamos com a redução das penas para o delito de furto.

Atualmente, as penas são de 1 a 4 anos (além da multa), que permite a qualificação da

conduta como crime de menor potencial ofensivo no que se refere à possibilidade suspensão

do processo. A proposta da Comissão de Juristas traz pena de prisão de 6 meses a 3 anos.

Furto é um crime de massa no Brasil. Mais de 50% das pessoas presas em nosso sistema

penitenciário, segundo dados do Infopen, foram condenadas por furto ou roubo. A proposta

do Projeto, além de gerar uma desproteção ao bem jurídico, acabará sendo aplicada de forma

retroativa (porque mais benéfica), gerando prescrição (leia-se impunidade) em milhares de

casos, além de saídas em massa dos estabelecimentos penais. Convém manter a pena no

patamar atual.” Eis a redação aprovada em 17.12.2013, na parte que interessa: “Furto – Art.

155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de um a quatro anos.

(...) § 3º No caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de

pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se houver

reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima, até o oferecimento da denúncia, o juiz

poderá reduzir a pena até a metade; III – somente se procederá mediante representação.”

7 Desde 04.12.2014, o projeto (PLS nº 236/2012) encontra-se “pronto para a pauta” na

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal (v. tramitação em

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404>, acesso em

08.12.2014). O relatório do Senador Vital do Rêgo sugere a redução a pena do furto simples

(prisão de seis meses a dois anos), mantém a necessidade de representação da vítima e

permite o reconhecimento da insignificância mesmo em casos de reincidência. Afirma

expressamente que o princípio “torna a conduta materialmente atípica” e manifesta

preocupação em “evitar o encarceramento do agente que comete dois delitos insignificantes,

sem, contudo, banalizar a aplicação do instituto.” Eis a redação proposta para os

dispositivos: “Insignificância penal - Art. 25. A conduta não constituirá fato típico quando

cumulativamente se verificarem, no caso concreto, e sendo possível o seu reconhecimento, as

seguintes condições: I - mínima ofensividade da conduta do agente; II - reduzido grau de

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dois frascos de sabonete íntimo ou de alguns bombons, todos avaliados em menos de R$ 50,00 (cinquenta reais), justifica a prisão do acusado, em regime inicial no mínimo semiaberto, caso se trate de reincidente. No entanto, se uma pessoa comete descaminho por duas vezes, sonegando R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em tributos na primeira oportunidade e R$ 10.000,00 (dez mil reais) na segunda, o sistema penal não é acionado, por não ter sido excedido o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

18. Em conclusão deste tópico, é fora de dúvida que o sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente qualquer das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa, nem prevê retribuição na medida certa. A despeito disso, toda sociedade democrática precisa de uma dose inevitável e proporcional de repressão penal e punição, como pressuposto da vida civilizada e da proteção dos direitos

reprovabilidade do comportamento; III - inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Parágrafo único. No caso de reincidência ou de habitualidade delitiva, o juiz avaliará a

possibilidade de reconhecimento da insignificância penal. (...) Furto - Art. 155. Subtrair, para

si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º

Equipara-se a coisa móvel o documento de identificação pessoal, a energia elétrica, a água ou

gás canalizados. § 2º Nas mesmas penas incorre quem utiliza de artifício para a captação de

sinal de comunicação audiovisual de acesso condicionado, de internet ou assemelhado, que

tenha valor econômico, sem a devida contraprestação financeira. Furto qualificado § 3º A

pena é de prisão, de dois a seis anos, e multa, se o crime é cometido: I – com abuso de

confiança ou mediante fraude; II – com invasão de domicílio; III – mediante destreza; IV –

mediante o concurso de duas ou mais pessoas; ou V – com destruição ou rompimento de

obstáculo à subtração da coisa. § 4º A pena será de dois a oito anos se a subtração: I – for de

coisa pública; II – ocorrer em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou calamidade

pública; ou III – for de veículo automotor com a finalidade de conduzi-lo ou transportá-lo

para outro Município, Estado ou para o exterior. § 5º No caso do caput e dos parágrafos

anteriores: I – se o agente é primário e for de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará

somente a pena de multa; II – se houver reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima,

até o oferecimento da denúncia, o juiz poderá reduzir a pena até a metade; III – somente se

procederá mediante representação. Furto com uso de explosivo § 6º Se houver emprego de

explosivo ou outro meio que cause perigo comum, a pena será de quatro a dez anos, sem

prejuízo da punição pelo crime de dano.”

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dois frascos de sabonete íntimo ou de alguns bombons, todos avaliados em menos de R$ 50,00 (cinquenta reais), justifica a prisão do acusado, em regime inicial no mínimo semiaberto, caso se trate de reincidente. No entanto, se uma pessoa comete descaminho por duas vezes, sonegando R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em tributos na primeira oportunidade e R$ 10.000,00 (dez mil reais) na segunda, o sistema penal não é acionado, por não ter sido excedido o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

18. Em conclusão deste tópico, é fora de dúvida que o sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente qualquer das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa, nem prevê retribuição na medida certa. A despeito disso, toda sociedade democrática precisa de uma dose inevitável e proporcional de repressão penal e punição, como pressuposto da vida civilizada e da proteção dos direitos

reprovabilidade do comportamento; III - inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Parágrafo único. No caso de reincidência ou de habitualidade delitiva, o juiz avaliará a

possibilidade de reconhecimento da insignificância penal. (...) Furto - Art. 155. Subtrair, para

si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º

Equipara-se a coisa móvel o documento de identificação pessoal, a energia elétrica, a água ou

gás canalizados. § 2º Nas mesmas penas incorre quem utiliza de artifício para a captação de

sinal de comunicação audiovisual de acesso condicionado, de internet ou assemelhado, que

tenha valor econômico, sem a devida contraprestação financeira. Furto qualificado § 3º A

pena é de prisão, de dois a seis anos, e multa, se o crime é cometido: I – com abuso de

confiança ou mediante fraude; II – com invasão de domicílio; III – mediante destreza; IV –

mediante o concurso de duas ou mais pessoas; ou V – com destruição ou rompimento de

obstáculo à subtração da coisa. § 4º A pena será de dois a oito anos se a subtração: I – for de

coisa pública; II – ocorrer em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou calamidade

pública; ou III – for de veículo automotor com a finalidade de conduzi-lo ou transportá-lo

para outro Município, Estado ou para o exterior. § 5º No caso do caput e dos parágrafos

anteriores: I – se o agente é primário e for de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará

somente a pena de multa; II – se houver reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima,

até o oferecimento da denúncia, o juiz poderá reduzir a pena até a metade; III – somente se

procederá mediante representação. Furto com uso de explosivo § 6º Se houver emprego de

explosivo ou outro meio que cause perigo comum, a pena será de quatro a dez anos, sem

prejuízo da punição pelo crime de dano.”

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

humanos de todos. É imperativo, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio. Neste cenário, a jurisprudência não pode ignorar a realidade, como se estivéssemos na Suécia, onde alguns presídios estão sendo fechados por falta de população carcerária. De fato, sem descurar dos deveres de proteção que o Estado tem para com a sociedade, as instituições e as pessoas, juízes e tribunais devem prestigiar os entendimentos razoáveis que não sobrecarreguem ainda mais o sistema, nem tampouco imponham aos apenados situações mais gravosas do que as que decorrem da lei e das condenações que sofreram. A Justiça, aqui, envolve a ponderação entre os deveres de proteção da sociedade e o respeito aos direitos fundamentais dos condenados, temperada com uma dose de pragmatismo e de senso de realidade.

19. À luz dessas premissas e desse contexto, passo a analisar mais especificamente o princípio da insignificância8.

III – PANORAMA DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

20. Como já referido, o princípio da insignificância tem assumido uma importância crescente na jurisprudência do Tribunal. Segundo levantamento da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, elaborado em 2011, somente 3 (três) casos no STF 8 A propósito: Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância, in:

Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski (coord.), 2012, p.

241/242: “O princípio da insignificância foi adotado pela doutrina há algum tempo, assentando

suas bases justamente na falta de desvalor normativo de resultado. Ainda que tal revalidação do

desvalor do resultado ofereça, no entanto, instrumentos dogmáticos para a construção do

princípio da insignificância, e possibilite sua construção a partir da teoria do bem jurídico, sua

aplicação jurisprudencial recente no Brasil não parece ter lastro em uma reflexão dogmática

sobre os contornos da tipicidade material, mas se escora em razões distintas e mais

pragmáticas: a crise de superlotação penitenciária e uma demanda político-criminal de evitar

o encarceramento de pessoas que praticaram delitos patrimoniais de pequena monta, em

face dos efeitos prejudiciais oriundos desse período de privação de liberdade, em especial a

contribuição do ambiente carcerário para a marginalização do detento e seu direcionamento

para a prática de delitos mais graves” (destaques no original).

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humanos de todos. É imperativo, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio. Neste cenário, a jurisprudência não pode ignorar a realidade, como se estivéssemos na Suécia, onde alguns presídios estão sendo fechados por falta de população carcerária. De fato, sem descurar dos deveres de proteção que o Estado tem para com a sociedade, as instituições e as pessoas, juízes e tribunais devem prestigiar os entendimentos razoáveis que não sobrecarreguem ainda mais o sistema, nem tampouco imponham aos apenados situações mais gravosas do que as que decorrem da lei e das condenações que sofreram. A Justiça, aqui, envolve a ponderação entre os deveres de proteção da sociedade e o respeito aos direitos fundamentais dos condenados, temperada com uma dose de pragmatismo e de senso de realidade.

19. À luz dessas premissas e desse contexto, passo a analisar mais especificamente o princípio da insignificância8.

III – PANORAMA DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

20. Como já referido, o princípio da insignificância tem assumido uma importância crescente na jurisprudência do Tribunal. Segundo levantamento da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, elaborado em 2011, somente 3 (três) casos no STF 8 A propósito: Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância, in:

Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski (coord.), 2012, p.

241/242: “O princípio da insignificância foi adotado pela doutrina há algum tempo, assentando

suas bases justamente na falta de desvalor normativo de resultado. Ainda que tal revalidação do

desvalor do resultado ofereça, no entanto, instrumentos dogmáticos para a construção do

princípio da insignificância, e possibilite sua construção a partir da teoria do bem jurídico, sua

aplicação jurisprudencial recente no Brasil não parece ter lastro em uma reflexão dogmática

sobre os contornos da tipicidade material, mas se escora em razões distintas e mais

pragmáticas: a crise de superlotação penitenciária e uma demanda político-criminal de evitar

o encarceramento de pessoas que praticaram delitos patrimoniais de pequena monta, em

face dos efeitos prejudiciais oriundos desse período de privação de liberdade, em especial a

contribuição do ambiente carcerário para a marginalização do detento e seu direcionamento

para a prática de delitos mais graves” (destaques no original).

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HC 123108 / MG

versaram sobre o princípio da insignificância em crimes patrimoniais de 2005 (data inicial da pesquisa) até 2006. Porém, de 2006 a 2009 (data-limite da pesquisa), o número já havia subido para 72 (setenta e dois)9. Ao que tudo indica, continua havendo uma tendência de crescimento exponencial: para demonstrá-lo, embora sem o mesmo rigor científico da pesquisa citada acima, basta a constatação de que uma simples busca no repositório de jurisprudência do Tribunal, disponível na internet, aponta que há atualmente mais de 600 (seiscentos) acórdãos sobre o tema, sendo que quase metade das decisões refere-se ao crime de furto10.

21. Alguns casos mais antigos tangenciaram o tema. Julgado em 06.12.1988, o RHC 66.869, Rel. Min. Aldir Passarinho, é apontado como sendo o primeiro caso em que o STF reconheceu o princípio da insignificância (lesão corporal em acidente de trânsito). Apesar disso, é possível encontrar antecedentes ainda mais remotos, em que a irrelevância penal dos fatos em questão foi utilizada como argumento para a concessão de ordens de habeas corpus. No único acórdão do Plenário sobre o tema (HC 39.289, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 08.08.1962), discutiu-se o furto de “sete metros de pano cru”, tendo sido a ordem concedida por ausência de dolo. Em casos julgados em 09.03.1970 (RHC 47.694, Rel. Min. Thompson Flores) e 15.12.1970 (HC 48.370, Rel. Min. Djaci Falcão), os pacientes foram beneficiados por decisões que reconheceram a atipicidade do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal, uma vez que as condutas ocorreram antes do advento do Decreto-Lei nº 385/1968.

9 Diagnósticos – O princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio e a

ordem econômica: análise das decisões do Supremo Tribunal Federal, 2011, p. 11 (Pierpaolo

Cruz Bottini e Maria Tereza Sadek – coordenadores).

10 <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>, acesso

em 08.12.2014. Pesquisa feita na base “acórdãos”, e utilizando como termos de busca

“insignific$ ou bagatel$”, o que retornou 621 resultados. Ao se acrescentar o termo “furto”,

obtêm-se 296 resultados: destes, todos os acórdãos foram proferidos pelas Turmas, com

exceção de um do Plenário (HC 39.289, j. 08.08.1962, referido logo a seguir).

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versaram sobre o princípio da insignificância em crimes patrimoniais de 2005 (data inicial da pesquisa) até 2006. Porém, de 2006 a 2009 (data-limite da pesquisa), o número já havia subido para 72 (setenta e dois)9. Ao que tudo indica, continua havendo uma tendência de crescimento exponencial: para demonstrá-lo, embora sem o mesmo rigor científico da pesquisa citada acima, basta a constatação de que uma simples busca no repositório de jurisprudência do Tribunal, disponível na internet, aponta que há atualmente mais de 600 (seiscentos) acórdãos sobre o tema, sendo que quase metade das decisões refere-se ao crime de furto10.

21. Alguns casos mais antigos tangenciaram o tema. Julgado em 06.12.1988, o RHC 66.869, Rel. Min. Aldir Passarinho, é apontado como sendo o primeiro caso em que o STF reconheceu o princípio da insignificância (lesão corporal em acidente de trânsito). Apesar disso, é possível encontrar antecedentes ainda mais remotos, em que a irrelevância penal dos fatos em questão foi utilizada como argumento para a concessão de ordens de habeas corpus. No único acórdão do Plenário sobre o tema (HC 39.289, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 08.08.1962), discutiu-se o furto de “sete metros de pano cru”, tendo sido a ordem concedida por ausência de dolo. Em casos julgados em 09.03.1970 (RHC 47.694, Rel. Min. Thompson Flores) e 15.12.1970 (HC 48.370, Rel. Min. Djaci Falcão), os pacientes foram beneficiados por decisões que reconheceram a atipicidade do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal, uma vez que as condutas ocorreram antes do advento do Decreto-Lei nº 385/1968.

9 Diagnósticos – O princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio e a

ordem econômica: análise das decisões do Supremo Tribunal Federal, 2011, p. 11 (Pierpaolo

Cruz Bottini e Maria Tereza Sadek – coordenadores).

10 <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>, acesso

em 08.12.2014. Pesquisa feita na base “acórdãos”, e utilizando como termos de busca

“insignific$ ou bagatel$”, o que retornou 621 resultados. Ao se acrescentar o termo “furto”,

obtêm-se 296 resultados: destes, todos os acórdãos foram proferidos pelas Turmas, com

exceção de um do Plenário (HC 39.289, j. 08.08.1962, referido logo a seguir).

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HC 123108 / MG

22. Seguiram-se outros precedentes, mas o julgado apontado como verdadeiro marco da jurisprudência do STF na matéria é o HC 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19.10.2004, no qual foram expostos de forma analítica os fundamentos e os vetores para a aplicação do princípio da insignificância. O acusado, no caso em questão, foi processado por furtar uma fita de vídeo-game, avaliada em R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Por sua importância, transcrevo a ementa do referido acórdão:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe,

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22. Seguiram-se outros precedentes, mas o julgado apontado como verdadeiro marco da jurisprudência do STF na matéria é o HC 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19.10.2004, no qual foram expostos de forma analítica os fundamentos e os vetores para a aplicação do princípio da insignificância. O acusado, no caso em questão, foi processado por furtar uma fita de vídeo-game, avaliada em R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Por sua importância, transcrevo a ementa do referido acórdão:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe,

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (destaques no original)

23. Assim, foram assentadas algumas premissas importantes: (i) a insignificância baseia-se nos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do direito penal; (ii) a insignificância exclui a tipicidade material; e (iii) para o reconhecimento da insignificância devem ser observados certos vetores, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada11.

11 O Min. Ayres Britto também formulou parâmetros para a aplicação do princípio da

insignificância (e.g., HC 107.082), que podem ser assim sintetizados: (a) vulnerabilidade

social do agente; (b) irrelevância da lesão para a vítima; (c) amadorismo na execução do

delito, desde que sem violência ou grave ameaça; (d) desproporcionalidade da pena; e (e)

existência de conteúdo econômico quanto ao objeto do crime. Sem embargo da pertinência

desses requisitos e da indiscutível qualidade de seu propositor, a aplicação cumulativa de

tais parâmetros pode produzir resultados insatisfatórios, ao retirar do alcance do princípio

da insignificância situações que devem ser por ele abrangidas, como se verá mais à frente.

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em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (destaques no original)

23. Assim, foram assentadas algumas premissas importantes: (i) a insignificância baseia-se nos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do direito penal; (ii) a insignificância exclui a tipicidade material; e (iii) para o reconhecimento da insignificância devem ser observados certos vetores, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada11.

11 O Min. Ayres Britto também formulou parâmetros para a aplicação do princípio da

insignificância (e.g., HC 107.082), que podem ser assim sintetizados: (a) vulnerabilidade

social do agente; (b) irrelevância da lesão para a vítima; (c) amadorismo na execução do

delito, desde que sem violência ou grave ameaça; (d) desproporcionalidade da pena; e (e)

existência de conteúdo econômico quanto ao objeto do crime. Sem embargo da pertinência

desses requisitos e da indiscutível qualidade de seu propositor, a aplicação cumulativa de

tais parâmetros pode produzir resultados insatisfatórios, ao retirar do alcance do princípio

da insignificância situações que devem ser por ele abrangidas, como se verá mais à frente.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

24. Este precedente foi e continua sendo citado em inúmeros outros julgados que lhe sobrevieram. Nada obstante isso, diante da multiplicidade de casos que continuaram chegando ao Tribunal, e sem que tenha havido um rompimento expresso com essa orientação, a Corte atualmente tem exigido outros requisitos para o reconhecimento da insignificância, muitos dos quais incompatíveis com as premissas acima. Além disso, o caráter aberto dos vetores supratranscritos não impede que situações relativamente idênticas sejam julgadas de forma diametralmente oposta, apesar da invocação dos mesmos parâmetros12.

25. Quanto ao furto, a jurisprudência recente do STF, de forma geral, tem exigido que: (i) o agente não seja reincidente ou contumaz na prática da conduta; e (ii) não se trate de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º).

26. Assim, parece conveniente revisitar as bases teóricas do princípio da insignificância, para refletir sobre a pertinência dos critérios atualmente exigidos pela Corte e, se for o caso, propor alternativas.

12 “Nota-se que são critérios pouco precisos, vagos, abrangentes, que buscam abrigar

toda uma gama de casos concretos heterogêneos, seja quanto ao bem protegido, seja quanto

ao modo de agir. A ausência de parâmetros mais definidos resultou na aplicação díspar do

princípio, que ora se alarga, ora se comprime, em uma sequência aleatória de decisões que

reflete a dificuldade de trabalhar com um instituto ainda em construção. Uma primeira

dificuldade é a aferição do valor da significância. Os critérios são distintos para cada Tribunal

e para cada Ministro. Esboçou-se um critério para distinguir bens de ínfimo valor – aos quais

seria aplicada a insignificância –, [de] bens de pequeno valor – aos quais seria aplicada a

redução de pena do § 2º do art. 155 do Código Penal; no entanto, esses parâmetros não

consolidaram uma pauta segura para a aplicação do princípio. Ora se reconhece a

atipicidade de furto de valores como R$ 75,00, de R$ 20,00, de R$ 96,33, de R$ 220,00, ora se

reconhece a incidência da norma penal em furtos de celular no valor de R$ 35,00 ou de

gomas de mascar no valor de R$ 98,00, sem que haja distinção fática apta a justificar as

diferentes decisões” (Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância,

in: Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski-coord., 2012, p. 245).

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24. Este precedente foi e continua sendo citado em inúmeros outros julgados que lhe sobrevieram. Nada obstante isso, diante da multiplicidade de casos que continuaram chegando ao Tribunal, e sem que tenha havido um rompimento expresso com essa orientação, a Corte atualmente tem exigido outros requisitos para o reconhecimento da insignificância, muitos dos quais incompatíveis com as premissas acima. Além disso, o caráter aberto dos vetores supratranscritos não impede que situações relativamente idênticas sejam julgadas de forma diametralmente oposta, apesar da invocação dos mesmos parâmetros12.

25. Quanto ao furto, a jurisprudência recente do STF, de forma geral, tem exigido que: (i) o agente não seja reincidente ou contumaz na prática da conduta; e (ii) não se trate de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º).

26. Assim, parece conveniente revisitar as bases teóricas do princípio da insignificância, para refletir sobre a pertinência dos critérios atualmente exigidos pela Corte e, se for o caso, propor alternativas.

12 “Nota-se que são critérios pouco precisos, vagos, abrangentes, que buscam abrigar

toda uma gama de casos concretos heterogêneos, seja quanto ao bem protegido, seja quanto

ao modo de agir. A ausência de parâmetros mais definidos resultou na aplicação díspar do

princípio, que ora se alarga, ora se comprime, em uma sequência aleatória de decisões que

reflete a dificuldade de trabalhar com um instituto ainda em construção. Uma primeira

dificuldade é a aferição do valor da significância. Os critérios são distintos para cada Tribunal

e para cada Ministro. Esboçou-se um critério para distinguir bens de ínfimo valor – aos quais

seria aplicada a insignificância –, [de] bens de pequeno valor – aos quais seria aplicada a

redução de pena do § 2º do art. 155 do Código Penal; no entanto, esses parâmetros não

consolidaram uma pauta segura para a aplicação do princípio. Ora se reconhece a

atipicidade de furto de valores como R$ 75,00, de R$ 20,00, de R$ 96,33, de R$ 220,00, ora se

reconhece a incidência da norma penal em furtos de celular no valor de R$ 35,00 ou de

gomas de mascar no valor de R$ 98,00, sem que haja distinção fática apta a justificar as

diferentes decisões” (Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância,

in: Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski-coord., 2012, p. 245).

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

IV – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: BASES TEÓRICAS

27. A concepção teórica do princípio da insignificância é atribuída a Claus Roxin13, que utilizou tal terminologia (Geringfügigkeitprinzip) pela primeira vez em 1964. O autor, lembrando a máxima romana de minimis non curat praetor14, invocou o princípio como forma de defender uma maior interpenetração entre o direito penal e a política criminal. Disse o penalista germânico em texto posterior:

“Aqui pertence igualmente o chamado princípio da insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão grave ao bem estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa no sentido do código penal só uma ação sexual de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de

13 Há menção de que Welzel teria sido o primeiro autor a tratar da insignificância

depois da II Guerra Mundial, mesclando-o, porém, à ideia de adequação social. Apesar da

proximidade, os conceitos não se confundem: “O critério da insignificância está muito

próximo ao da adequação social, mas são inconfundíveis: ‘Ainda que alguns autores o

incluam naquele, pode-se distinguir do mesmo porque não supõe a total aprovação social da

conduta, senão somente, uma relativa tolerância da mesma pela sua escassa gravidade. É o

que acontece nas ofensas esportivas cometidas contra o regulamento, mas que se enquadram

dentro do ‘normal’ no jogo (rasteiras, alguns chutes etc.)’. Por outro lado, a adequação social

está principalmente regulada pelo desvalor da ação, enquanto que a insignificância se centra

predominantemente no desvalor do resultado” (Luiz Flávio Gomes, Princípio da

insignificância e outras excludentes de tipicidade, 2013, p. 27 e 93).

14 Em tradução livre: “o juiz não cuida de coisas pequenas”. Oportuna, a propósito, a

observação de Yuri Corrêa da Luz: “Se, por um lado, essa ideia geral merece ser reconhecida como

origem remota do princípio da insignificância, por outro não devemos acreditar que nossa forma de

concebê-lo atualmente em Direito penal derive diretamente da máxima latina. Pelo contrário, parece

necessário notar que essa noção não porta, hoje, o mesmo significado de outrora. Em Roma, o que os

juristas reconheciam era ‘o qualitativo do mínimo, afirmando sua consequente irrelevância para o

Direito, mas apenas em seu sentido geral’ (Guzmán Dalbora, 1996, p. 59). Tratava-se, em outras

palavras, de uma máxima genérica, a orientar a inteireza da atividade do pretor, e não de um princípio

norteador próprio da aplicação do Direito penal” (Princípio da insignificância em matéria penal: entre

aceitação ampla e aplicação problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 204/205).

17

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IV – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: BASES TEÓRICAS

27. A concepção teórica do princípio da insignificância é atribuída a Claus Roxin13, que utilizou tal terminologia (Geringfügigkeitprinzip) pela primeira vez em 1964. O autor, lembrando a máxima romana de minimis non curat praetor14, invocou o princípio como forma de defender uma maior interpenetração entre o direito penal e a política criminal. Disse o penalista germânico em texto posterior:

“Aqui pertence igualmente o chamado princípio da insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão grave ao bem estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa no sentido do código penal só uma ação sexual de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de

13 Há menção de que Welzel teria sido o primeiro autor a tratar da insignificância

depois da II Guerra Mundial, mesclando-o, porém, à ideia de adequação social. Apesar da

proximidade, os conceitos não se confundem: “O critério da insignificância está muito

próximo ao da adequação social, mas são inconfundíveis: ‘Ainda que alguns autores o

incluam naquele, pode-se distinguir do mesmo porque não supõe a total aprovação social da

conduta, senão somente, uma relativa tolerância da mesma pela sua escassa gravidade. É o

que acontece nas ofensas esportivas cometidas contra o regulamento, mas que se enquadram

dentro do ‘normal’ no jogo (rasteiras, alguns chutes etc.)’. Por outro lado, a adequação social

está principalmente regulada pelo desvalor da ação, enquanto que a insignificância se centra

predominantemente no desvalor do resultado” (Luiz Flávio Gomes, Princípio da

insignificância e outras excludentes de tipicidade, 2013, p. 27 e 93).

14 Em tradução livre: “o juiz não cuida de coisas pequenas”. Oportuna, a propósito, a

observação de Yuri Corrêa da Luz: “Se, por um lado, essa ideia geral merece ser reconhecida como

origem remota do princípio da insignificância, por outro não devemos acreditar que nossa forma de

concebê-lo atualmente em Direito penal derive diretamente da máxima latina. Pelo contrário, parece

necessário notar que essa noção não porta, hoje, o mesmo significado de outrora. Em Roma, o que os

juristas reconheciam era ‘o qualitativo do mínimo, afirmando sua consequente irrelevância para o

Direito, mas apenas em seu sentido geral’ (Guzmán Dalbora, 1996, p. 59). Tratava-se, em outras

palavras, de uma máxima genérica, a orientar a inteireza da atividade do pretor, e não de um princípio

norteador próprio da aplicação do Direito penal” (Princípio da insignificância em matéria penal: entre

aceitação ampla e aplicação problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 204/205).

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respeito social será criminalmente injuriosa. Por ‘violência’ não se pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser ‘sensível’, para adentrar no marco da criminalidade. Se reorganizássemos o instrumentário de nossa interpretação dos tipos a partir desses princípios, daríamos uma significativa contribuição para diminuir a criminalidade em nosso país.”15

28. Em direito comparado, há sistemas que tratam a insignificância no âmbito do direito processual, facultando-se ao Parquet, com anuência do juiz, deixar de propor a ação. Outros descriminalizaram condutas, colocando-as sob tutela do direito administrativo16. Tais soluções, porém, só poderiam ser adotadas no Brasil de lege ferenda, inclusive devido à rígida indisponibilidade da ação penal (CPP, art. 42).

29. Ao cuidar do problema no âmbito do direito penal material, vários autores defendem que o juízo de tipicidade objetiva deve ser dividido em duas etapas: (i) uma formal, na qual se realiza uma subsunção entre a previsão abstrata do tipo e a conduta concretamente

15 Claus Roxin, Política criminal e sistema jurídico-penal, 2000 (trad. Luís Greco), p. 47/48.

16 Carlos Vico Mañas, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito

penal, 1994, p. 69/70: “Por todos esses motivos, a descriminalização constitui, atualmente,

importante meta de reforma do sistema penal em muitos países. O principal caminho tem

sido converter a criminalidade de bagatela em infrações administrativas, puníveis apenas

com multas de caráter disciplinar. Na Alemanha, por exemplo, todo direito penal de escassa

importância e que não tenha sido derrogado foi convertido em direito administrativo. O

novo ordenamento, como era de se esperar, comprovou a sua eficácia: a prevenção geral

restou suficientemente assegurada mediante a imposição de multas, e ao infrator são

mostrados claramente quais são os limites de sua liberdade. Ademais, a justiça criminal é

desafogada, e o processo administrativo corre de forma mais fluente e menos burocrática.

Mantêm sistemas semelhantes a Itália e a Suíça. O Japão, já em 1948, adotou medidas

parecidas, embora prevendo penas pecuniárias de caráter criminal. Alguns sistemas

permitem que o Judiciário suspenda a decisão sobre a imposição da pena, com a finalidade

de dar ao acusado a oportunidade de reparar o dano causado. É o que ocorre na Alemanha,

França, Inglaterra e Canadá. Atendida a exigência, não há aplicação de sanção criminal.”

18

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respeito social será criminalmente injuriosa. Por ‘violência’ não se pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser ‘sensível’, para adentrar no marco da criminalidade. Se reorganizássemos o instrumentário de nossa interpretação dos tipos a partir desses princípios, daríamos uma significativa contribuição para diminuir a criminalidade em nosso país.”15

28. Em direito comparado, há sistemas que tratam a insignificância no âmbito do direito processual, facultando-se ao Parquet, com anuência do juiz, deixar de propor a ação. Outros descriminalizaram condutas, colocando-as sob tutela do direito administrativo16. Tais soluções, porém, só poderiam ser adotadas no Brasil de lege ferenda, inclusive devido à rígida indisponibilidade da ação penal (CPP, art. 42).

29. Ao cuidar do problema no âmbito do direito penal material, vários autores defendem que o juízo de tipicidade objetiva deve ser dividido em duas etapas: (i) uma formal, na qual se realiza uma subsunção entre a previsão abstrata do tipo e a conduta concretamente

15 Claus Roxin, Política criminal e sistema jurídico-penal, 2000 (trad. Luís Greco), p. 47/48.

16 Carlos Vico Mañas, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito

penal, 1994, p. 69/70: “Por todos esses motivos, a descriminalização constitui, atualmente,

importante meta de reforma do sistema penal em muitos países. O principal caminho tem

sido converter a criminalidade de bagatela em infrações administrativas, puníveis apenas

com multas de caráter disciplinar. Na Alemanha, por exemplo, todo direito penal de escassa

importância e que não tenha sido derrogado foi convertido em direito administrativo. O

novo ordenamento, como era de se esperar, comprovou a sua eficácia: a prevenção geral

restou suficientemente assegurada mediante a imposição de multas, e ao infrator são

mostrados claramente quais são os limites de sua liberdade. Ademais, a justiça criminal é

desafogada, e o processo administrativo corre de forma mais fluente e menos burocrática.

Mantêm sistemas semelhantes a Itália e a Suíça. O Japão, já em 1948, adotou medidas

parecidas, embora prevendo penas pecuniárias de caráter criminal. Alguns sistemas

permitem que o Judiciário suspenda a decisão sobre a imposição da pena, com a finalidade

de dar ao acusado a oportunidade de reparar o dano causado. É o que ocorre na Alemanha,

França, Inglaterra e Canadá. Atendida a exigência, não há aplicação de sanção criminal.”

18

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HC 123108 / MG

apurada; e (ii) outra material, na qual se verifica se houve ou não afetação substancial do bem jurídico protegido. Confira-se, exemplificativamente:

“(...) não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que seja antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado. (…) A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem jurídico.”17

“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o

17 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Manual de direito penal brasileiro,

vol. 1 – parte geral, 2007, p. 394/395. O parágrafo que antecede a citação é uma simplificação

do pensamento desses autores, segundo o qual o juízo de tipicidade penal passa pelas

seguintes etapas: (i) adequação formal a uma descrição típica (tipicidade legal); (ii) verificação

do alcance da norma que deu origem ao tipo legal e da afetação do bem jurídico

(antinormatividade). De acordo com os autores, se a conduta é ordenada ou fomentada por

outra norma, não pode ser considerada penalmente típica, pois o Direito não pode proibir e

ordenar ou fomentar uma mesma conduta simultaneamente. Por essa razão, o alcance

proibitivo da norma não pode ser determinado a partir de sua interpretação isolada, mas sim

conglobada na ordem jurídica: daí a expressão tipicidade conglobante. Para os autores, portanto,

a tipicidade penal resulta da conjugação entre a tipicidade legal e a conglobante (p. 395/396).

19

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apurada; e (ii) outra material, na qual se verifica se houve ou não afetação substancial do bem jurídico protegido. Confira-se, exemplificativamente:

“(...) não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que seja antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado. (…) A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem jurídico.”17

“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o

17 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, Manual de direito penal brasileiro,

vol. 1 – parte geral, 2007, p. 394/395. O parágrafo que antecede a citação é uma simplificação

do pensamento desses autores, segundo o qual o juízo de tipicidade penal passa pelas

seguintes etapas: (i) adequação formal a uma descrição típica (tipicidade legal); (ii) verificação

do alcance da norma que deu origem ao tipo legal e da afetação do bem jurídico

(antinormatividade). De acordo com os autores, se a conduta é ordenada ou fomentada por

outra norma, não pode ser considerada penalmente típica, pois o Direito não pode proibir e

ordenar ou fomentar uma mesma conduta simultaneamente. Por essa razão, o alcance

proibitivo da norma não pode ser determinado a partir de sua interpretação isolada, mas sim

conglobada na ordem jurídica: daí a expressão tipicidade conglobante. Para os autores, portanto,

a tipicidade penal resulta da conjugação entre a tipicidade legal e a conglobante (p. 395/396).

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ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.”18

30. A tese é amplamente aceita atualmente, devido à admissão generalizada da premissa segundo a qual a utilização do direito penal, em razão da natureza drástica de suas consequências, somente se justifica como último recurso para a proteção de bens jurídicos, isto é, de valores com alta relevância para a sociedade19. Partindo desse ponto de vista, fica nítida a relação entre o princípio da insignificância e os conceitos de tipicidade material e bem jurídico: somente são materialmente típicas as condutas que afetem substancialmente os bens jurídicos protegidos; as demais são penalmente (embora não juridicamente) insignificantes20.

31. Assim, a doutrina costuma apontar, como fundamentos do princípio da insignificância, alguns postulados desenvolvidos no âmbito do direito penal e relacionados entre si, tais como os princípios (i) da intervenção mínima (o direito penal só deve ser utilizado como ultima

18 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 60.

19 Trata-se de uma definição simplificada do conceito de bem jurídico. Sobre o tema, v.

Nilo Batista, Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 2011, p. 92-94.

20 É amplamente majoritária a tese de que a insignificância exclui a tipicidade, não a

antijuridicidade ou a culpabilidade: “Em primeiro lugar, porque uma formulação assim

concebida, por tratar exclusivamente da significância como qualidade própria da conduta

ilícita, evita que esta dependa excessivamente de critérios pessoais de seu autor (problema

esse verificável na concepção que trata esse princípio no âmbito da culpabilidade). Em

segundo lugar, porque tratar a insignificância como causa de exclusão de tipicidade evita

ainda que submetamos excessivamente sua aplicação aos requisitos constitutivos das causas

de justificação, bem como mantém intacta a distinção entre irrelevância penal e irrelevância

jurídica da conduta. Compreender o princípio da insignificância como cláusula de

atipicidade parece ser, portanto, uma saída promissora. E é este, efetivamente, o modelo que

vem sendo majoritariamente adotado por nossos tribunais e por nossa doutrina” (Yuri

Corrêa da Luz, Princípio da insignificância em matéria penal: entre aceitação ampla e aplicação

problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 218 – destaques no original).

20

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ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.”18

30. A tese é amplamente aceita atualmente, devido à admissão generalizada da premissa segundo a qual a utilização do direito penal, em razão da natureza drástica de suas consequências, somente se justifica como último recurso para a proteção de bens jurídicos, isto é, de valores com alta relevância para a sociedade19. Partindo desse ponto de vista, fica nítida a relação entre o princípio da insignificância e os conceitos de tipicidade material e bem jurídico: somente são materialmente típicas as condutas que afetem substancialmente os bens jurídicos protegidos; as demais são penalmente (embora não juridicamente) insignificantes20.

31. Assim, a doutrina costuma apontar, como fundamentos do princípio da insignificância, alguns postulados desenvolvidos no âmbito do direito penal e relacionados entre si, tais como os princípios (i) da intervenção mínima (o direito penal só deve ser utilizado como ultima

18 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 60.

19 Trata-se de uma definição simplificada do conceito de bem jurídico. Sobre o tema, v.

Nilo Batista, Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 2011, p. 92-94.

20 É amplamente majoritária a tese de que a insignificância exclui a tipicidade, não a

antijuridicidade ou a culpabilidade: “Em primeiro lugar, porque uma formulação assim

concebida, por tratar exclusivamente da significância como qualidade própria da conduta

ilícita, evita que esta dependa excessivamente de critérios pessoais de seu autor (problema

esse verificável na concepção que trata esse princípio no âmbito da culpabilidade). Em

segundo lugar, porque tratar a insignificância como causa de exclusão de tipicidade evita

ainda que submetamos excessivamente sua aplicação aos requisitos constitutivos das causas

de justificação, bem como mantém intacta a distinção entre irrelevância penal e irrelevância

jurídica da conduta. Compreender o princípio da insignificância como cláusula de

atipicidade parece ser, portanto, uma saída promissora. E é este, efetivamente, o modelo que

vem sendo majoritariamente adotado por nossos tribunais e por nossa doutrina” (Yuri

Corrêa da Luz, Princípio da insignificância em matéria penal: entre aceitação ampla e aplicação

problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 218 – destaques no original).

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ratio); (ii) da fragmentariedade (o direito penal é um “sistema descontínuo de ilicitudes”, que somente se destina a proteger determinadas ofensas a certos bens jurídicos, sendo vedada a analogia para preencher lacunas sob o pretexto de resguardá-los); (iii) da subsidiariedade (só se deve lançar mão do direito penal caso outros ramos do direito não sejam capazes de oferecer uma resposta satisfatória); e (iv) da lesividade (não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico pertencente a outrem)21.

32. Todos esses fundamentos utilizados para justificar a insignificância são reconduzíveis ao princípio constitucional da razoabilidade ou proporcionalidade22, em seus três subprincípios (adequação, necessidade/vedação do excesso e proporcionalidade em sentido estrito). Não é o caso de fazer aqui uma longa digressão sobre o princípio, bastando reproduzir um pequeno trecho de obra doutrinária em que sintetizei o tema da seguinte forma:

“Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) os custos superem os

21 Definições de Nilo Batista (Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 2011, p. 82-94).

22 A ligação entre os princípios da insignificância e da razoabilidade ou

proporcionalidade não é inédita na Corte. Veja-se, por todos, o HC 107.082, Rel. Min. Ayres

Britto: “(...) 2. A insignificância penal expressa um necessário juízo de razoabilidade e

proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-

punitivo, substancialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente

formal, como exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo

que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça

como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e

proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-

estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os

outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional”.

21

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ratio); (ii) da fragmentariedade (o direito penal é um “sistema descontínuo de ilicitudes”, que somente se destina a proteger determinadas ofensas a certos bens jurídicos, sendo vedada a analogia para preencher lacunas sob o pretexto de resguardá-los); (iii) da subsidiariedade (só se deve lançar mão do direito penal caso outros ramos do direito não sejam capazes de oferecer uma resposta satisfatória); e (iv) da lesividade (não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico pertencente a outrem)21.

32. Todos esses fundamentos utilizados para justificar a insignificância são reconduzíveis ao princípio constitucional da razoabilidade ou proporcionalidade22, em seus três subprincípios (adequação, necessidade/vedação do excesso e proporcionalidade em sentido estrito). Não é o caso de fazer aqui uma longa digressão sobre o princípio, bastando reproduzir um pequeno trecho de obra doutrinária em que sintetizei o tema da seguinte forma:

“Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) os custos superem os

21 Definições de Nilo Batista (Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 2011, p. 82-94).

22 A ligação entre os princípios da insignificância e da razoabilidade ou

proporcionalidade não é inédita na Corte. Veja-se, por todos, o HC 107.082, Rel. Min. Ayres

Britto: “(...) 2. A insignificância penal expressa um necessário juízo de razoabilidade e

proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-

punitivo, substancialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente

formal, como exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo

que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça

como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e

proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-

estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os

outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional”.

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benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito). O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.” (Curso de direito constitucional contemporâneo, 2013, p. 329)

33. Com efeito, a utilização do direito penal para tratar de lesões insignificantes a bens jurídicos seria inadequada, excessiva e desproporcional. Os exemplos de Zaffaroni, Batista et al. falam por si:

“Não se trata apenas de manifestação do princípio da ultima ratio, mas também do próprio princípio republicano, do qual dimana o princípio da proporcionalidade, como requisito de correspondência racional entre a lesão ao bem jurídico e a pena: não faz sentido considerar lesão corporal (art. 129 CP) a perfuração nas orelhas da criança para uso de brincos, entrever furto (art. 155 CP) na subtração de uma caixa de fósforos para acender cigarros, ou sequestro (art. 148 CP) no motorista rabugento que só freia o ônibus e abre a porta no ponto subsequente, a duzentos metros de distância do solicitado, lobrigar corrupção (art. 333 CP) no livro com que o advogado presenteia o juiz etc.”23

34. Vale notar que a insignificância somente retira a tipicidade penal do fato, que, todavia, permanece ilícito para o direito como um todo e pode ser sancionado em outras esferas (cível, administrativa etc.)

35. Para encerrar esta nota teórica, cumpre distinguir, como faz a jurisprudência do STF, duas figuras próximas do furto de coisa insignificante: (i) o furto de coisa de pequeno valor e (ii) o furto famélico.

23 Direito penal brasileiro – II, I, 2010, p. 229/230 (destaques no original).

22

Supremo Tribunal Federal

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HC 123108 / MG

benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito). O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.” (Curso de direito constitucional contemporâneo, 2013, p. 329)

33. Com efeito, a utilização do direito penal para tratar de lesões insignificantes a bens jurídicos seria inadequada, excessiva e desproporcional. Os exemplos de Zaffaroni, Batista et al. falam por si:

“Não se trata apenas de manifestação do princípio da ultima ratio, mas também do próprio princípio republicano, do qual dimana o princípio da proporcionalidade, como requisito de correspondência racional entre a lesão ao bem jurídico e a pena: não faz sentido considerar lesão corporal (art. 129 CP) a perfuração nas orelhas da criança para uso de brincos, entrever furto (art. 155 CP) na subtração de uma caixa de fósforos para acender cigarros, ou sequestro (art. 148 CP) no motorista rabugento que só freia o ônibus e abre a porta no ponto subsequente, a duzentos metros de distância do solicitado, lobrigar corrupção (art. 333 CP) no livro com que o advogado presenteia o juiz etc.”23

34. Vale notar que a insignificância somente retira a tipicidade penal do fato, que, todavia, permanece ilícito para o direito como um todo e pode ser sancionado em outras esferas (cível, administrativa etc.)

35. Para encerrar esta nota teórica, cumpre distinguir, como faz a jurisprudência do STF, duas figuras próximas do furto de coisa insignificante: (i) o furto de coisa de pequeno valor e (ii) o furto famélico.

23 Direito penal brasileiro – II, I, 2010, p. 229/230 (destaques no original).

22

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

36. Ao contrário do furto de coisa insignificante24, o furto de coisa de pequeno valor é um fato materialmente típico: em tal caso, o art. 155, § 2º, do CP faculta ao juiz apenas reduzir ou substituir a pena caso o agente seja primário. Embora possa ser problemático distinguir em casos concretos “coisa insignificante” de “coisa de pequeno valor”, a jurisprudência do STF não confunde tais figuras, e tem considerado como “pequeno valor” a quantia de até um salário mínimo à data dos fatos (e.g., HC 119.621, Rel. Min. Cármen Lúcia). Para a insignificância, trabalho mentalmente com um valor que, no máximo, fica em torno de 1/3 (um terço) do salário mínimo25. Mas trata-se de uma mera referência.

24 A propósito, ressalve-se o entendimento do Min. Marco Aurélio (e.g., HC 110.813),

segundo o qual é inaplicável o princípio da insignificância no furto em razão da previsão no

Código Penal de uma figura específica para coisas de pequeno valor (CP, art. 155, § 2º).

25 Não se trata de valor estipulado de forma totalmente arbitrária, mas sim como

decorrência da interpretação que o STF dá ao art. 155, § 2º, do CP, que dispõe: “Se o

criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de

reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de

multa.” A jurisprudência da Corte entende que o “pequeno valor”, para tais fins,

corresponde ao montante de um salário mínimo (e.g., RHC 111.138, Rel. Min. Cármen

Lúcia). Por sua vez, a graduação da fração de redução da pena (de um a dois terços) deve

levar em conta o valor do bem subtraído: quanto mais distante do teto de um salário

mínimo, maior será a fração de redução, e vice-versa. O valor do bem e a fração de redução,

portanto, são inversamente proporcionais. Porém, caso o valor seja muito reduzido, a

hipótese não será de simples redução de pena, mas de atipicidade. Assim, é possível

enunciar o seguinte critério: (i) caso o bem tenha valor entre 2/3 e 1 salário mínimo, aplica-se

a redução de pena em sua menor fração (1/3); (ii) se a res furtiva vale entre metade e 2/3 do

salário mínimo, aplica-se uma fração intermediária (1/2); (iii) na hipótese de a coisa

subtraída valer entre 1/3 e metade do salário mínimo, reduz-se a pena na maior fração (2/3);

e (iv) caso a coisa furtada valha cerca de 1/3 do salário mínimo ou menos, incide a

insignificância. Não se ignora que o art. 155, § 2º, do CP destina-se a réus primários: porém,

trata-se de critério atinente à aplicação do princípio da insignificância, que, como se verá a

seguir, exclui a tipicidade material da conduta, tornando irrelevante eventual histórico penal

do agente. Tal critério não deve ser rígido a ponto de impedir a aplicação do princípio da

insignificância caso o limite de um terço do salário mínimo seja excedido por uma pequena

margem, mas sim servir como um critério razoavelmente objetivo, sem inviabilizar eventuais

temperamentos que o caso concreto exija. Outro critério possível seria o decorrente do art.

23

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HC 123108 / MG

36. Ao contrário do furto de coisa insignificante24, o furto de coisa de pequeno valor é um fato materialmente típico: em tal caso, o art. 155, § 2º, do CP faculta ao juiz apenas reduzir ou substituir a pena caso o agente seja primário. Embora possa ser problemático distinguir em casos concretos “coisa insignificante” de “coisa de pequeno valor”, a jurisprudência do STF não confunde tais figuras, e tem considerado como “pequeno valor” a quantia de até um salário mínimo à data dos fatos (e.g., HC 119.621, Rel. Min. Cármen Lúcia). Para a insignificância, trabalho mentalmente com um valor que, no máximo, fica em torno de 1/3 (um terço) do salário mínimo25. Mas trata-se de uma mera referência.

24 A propósito, ressalve-se o entendimento do Min. Marco Aurélio (e.g., HC 110.813),

segundo o qual é inaplicável o princípio da insignificância no furto em razão da previsão no

Código Penal de uma figura específica para coisas de pequeno valor (CP, art. 155, § 2º).

25 Não se trata de valor estipulado de forma totalmente arbitrária, mas sim como

decorrência da interpretação que o STF dá ao art. 155, § 2º, do CP, que dispõe: “Se o

criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de

reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de

multa.” A jurisprudência da Corte entende que o “pequeno valor”, para tais fins,

corresponde ao montante de um salário mínimo (e.g., RHC 111.138, Rel. Min. Cármen

Lúcia). Por sua vez, a graduação da fração de redução da pena (de um a dois terços) deve

levar em conta o valor do bem subtraído: quanto mais distante do teto de um salário

mínimo, maior será a fração de redução, e vice-versa. O valor do bem e a fração de redução,

portanto, são inversamente proporcionais. Porém, caso o valor seja muito reduzido, a

hipótese não será de simples redução de pena, mas de atipicidade. Assim, é possível

enunciar o seguinte critério: (i) caso o bem tenha valor entre 2/3 e 1 salário mínimo, aplica-se

a redução de pena em sua menor fração (1/3); (ii) se a res furtiva vale entre metade e 2/3 do

salário mínimo, aplica-se uma fração intermediária (1/2); (iii) na hipótese de a coisa

subtraída valer entre 1/3 e metade do salário mínimo, reduz-se a pena na maior fração (2/3);

e (iv) caso a coisa furtada valha cerca de 1/3 do salário mínimo ou menos, incide a

insignificância. Não se ignora que o art. 155, § 2º, do CP destina-se a réus primários: porém,

trata-se de critério atinente à aplicação do princípio da insignificância, que, como se verá a

seguir, exclui a tipicidade material da conduta, tornando irrelevante eventual histórico penal

do agente. Tal critério não deve ser rígido a ponto de impedir a aplicação do princípio da

insignificância caso o limite de um terço do salário mínimo seja excedido por uma pequena

margem, mas sim servir como um critério razoavelmente objetivo, sem inviabilizar eventuais

temperamentos que o caso concreto exija. Outro critério possível seria o decorrente do art.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

Considero inconveniente uma tarifação fixa.

37. Por fim, o furto famélico – aquele cometido por um agente impelido por uma necessidade vital – também é materialmente típico: o debate doutrinário, irrelevante para os fins do presente voto, é saber se se trata de causa de exclusão da antijuridicidade (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa). Em todo caso, o furto famélico não se confunde com o furto de coisa insignificante, já que cada figura tem seus requisitos (e.g., HC 112.262, Rel. Min. Luiz Fux).

38. Por tudo isso, conclui-se que o princípio da insignificância superou seus críticos e conta hoje com ampla aceitação teórica e jurisprudencial, de modo que “O problema que hoje enfrentamos, portanto, não parece dizer tanto respeito ao reconhecimento ou não da vigência deste princípio, mas sim a algo muito mais concreto, ainda que igualmente importante: à melhor e mais adequada forma de aplicá-lo”26.

V – ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO STF SOBRE INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DE FURTO

39. À luz do que já se expôs acima, é possível indagar: por que a jurisprudência atualmente predominante no Supremo Tribunal Federal vem afastando a insignificância por circunstâncias alheias ao juízo de

240, § 1º, do Código Penal Militar, que assim prevê: “§ 1º Se o agente é primário e é de

pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção,

diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se

pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário

mínimo do país.” No entanto, o direito penal militar é reconhecidamente mais rígido que o

comum, de modo que tal critério não poderia ser simplesmente transposto para a

generalidade dos casos. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já

reconheceu a insignificância de furtos militares de valores até mais elevados do que 1/10 do

salário mínimo (HC 107.638, Rel. Min. Cármen Lúcia).

26 Yuri Corrêa da Luz, Princípio da insignificância em matéria penal: entre aceitação ampla e

aplicação problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 209.

24

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Considero inconveniente uma tarifação fixa.

37. Por fim, o furto famélico – aquele cometido por um agente impelido por uma necessidade vital – também é materialmente típico: o debate doutrinário, irrelevante para os fins do presente voto, é saber se se trata de causa de exclusão da antijuridicidade (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa). Em todo caso, o furto famélico não se confunde com o furto de coisa insignificante, já que cada figura tem seus requisitos (e.g., HC 112.262, Rel. Min. Luiz Fux).

38. Por tudo isso, conclui-se que o princípio da insignificância superou seus críticos e conta hoje com ampla aceitação teórica e jurisprudencial, de modo que “O problema que hoje enfrentamos, portanto, não parece dizer tanto respeito ao reconhecimento ou não da vigência deste princípio, mas sim a algo muito mais concreto, ainda que igualmente importante: à melhor e mais adequada forma de aplicá-lo”26.

V – ANÁLISE CRÍTICA DA ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO STF SOBRE INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DE FURTO

39. À luz do que já se expôs acima, é possível indagar: por que a jurisprudência atualmente predominante no Supremo Tribunal Federal vem afastando a insignificância por circunstâncias alheias ao juízo de

240, § 1º, do Código Penal Militar, que assim prevê: “§ 1º Se o agente é primário e é de

pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção,

diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se

pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário

mínimo do país.” No entanto, o direito penal militar é reconhecidamente mais rígido que o

comum, de modo que tal critério não poderia ser simplesmente transposto para a

generalidade dos casos. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já

reconheceu a insignificância de furtos militares de valores até mais elevados do que 1/10 do

salário mínimo (HC 107.638, Rel. Min. Cármen Lúcia).

26 Yuri Corrêa da Luz, Princípio da insignificância em matéria penal: entre aceitação ampla e

aplicação problemática, Revista Direito GV São Paulo nº 15, 2012, p. 209.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

tipicidade da conduta? Em outros termos, e retomando o exemplo acima quanto ao crime de furto: a tipicidade da subtração de uma caixa de fósforos dependeria da ausência de outras circunstâncias objetivas ou subjetivas, segundo o atual entendimento da Corte? Por quais motivos?

40. As respostas podem ser extraídas da leitura de diversos acórdãos sobre o tema, analisados abaixo, tendo eu participado da votação de vários casos antes das presentes reflexões. O levantamento não é exaustivo, mas representativo do atual pensamento da Corte, e será dividido em duas partes: (i) na primeira, serão vistas as decisões que descaracterizam a insignificância devido à reiteração delitiva, isto é, por circunstâncias atinentes ao sujeito do crime; (ii) na segunda, serão analisados os acórdãos que deixam de aplicar o princípio por circunstâncias de caráter objetivo, como a incidência de qualificadoras (CP, art. 155, § 4º).

V.1 – Reiteração delitiva (circunstâncias subjetivas)

41. É possível encontrar uma razoável quantidade de precedentes que aplicam o princípio da insignificância mesmo em se tratando de réus reincidentes (e.g.: HC 112.400, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC 106.068, Rel. Min. Cármen Lúcia; HC 93.393, Rel. Min. Cezar Peluso etc.). No entanto, a jurisprudência hoje predominante nas duas Turmas do Tribunal orienta-se no sentido oposto, como se passa a expor.

42. No HC 115.850 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, o paciente foi condenado a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e dez dias-multa, pelo furto de quatro galinhas caipiras, avaliadas conjuntamente em R$ 40,00 (quarenta reais). Considerando a reincidência do paciente, a partir de seus antecedentes e de sua “alcunha sugestiva” (“Fernando Gatuno”), o relator afirmou que “o reconhecimento da atipicidade da conduta do paciente, pela adoção do princípio da insignificância, poderia, por via transversa, imprimir nas consciências a ideia de estar sendo avalizada a prática de delitos e de desvios de

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tipicidade da conduta? Em outros termos, e retomando o exemplo acima quanto ao crime de furto: a tipicidade da subtração de uma caixa de fósforos dependeria da ausência de outras circunstâncias objetivas ou subjetivas, segundo o atual entendimento da Corte? Por quais motivos?

40. As respostas podem ser extraídas da leitura de diversos acórdãos sobre o tema, analisados abaixo, tendo eu participado da votação de vários casos antes das presentes reflexões. O levantamento não é exaustivo, mas representativo do atual pensamento da Corte, e será dividido em duas partes: (i) na primeira, serão vistas as decisões que descaracterizam a insignificância devido à reiteração delitiva, isto é, por circunstâncias atinentes ao sujeito do crime; (ii) na segunda, serão analisados os acórdãos que deixam de aplicar o princípio por circunstâncias de caráter objetivo, como a incidência de qualificadoras (CP, art. 155, § 4º).

V.1 – Reiteração delitiva (circunstâncias subjetivas)

41. É possível encontrar uma razoável quantidade de precedentes que aplicam o princípio da insignificância mesmo em se tratando de réus reincidentes (e.g.: HC 112.400, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC 106.068, Rel. Min. Cármen Lúcia; HC 93.393, Rel. Min. Cezar Peluso etc.). No entanto, a jurisprudência hoje predominante nas duas Turmas do Tribunal orienta-se no sentido oposto, como se passa a expor.

42. No HC 115.850 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, o paciente foi condenado a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e dez dias-multa, pelo furto de quatro galinhas caipiras, avaliadas conjuntamente em R$ 40,00 (quarenta reais). Considerando a reincidência do paciente, a partir de seus antecedentes e de sua “alcunha sugestiva” (“Fernando Gatuno”), o relator afirmou que “o reconhecimento da atipicidade da conduta do paciente, pela adoção do princípio da insignificância, poderia, por via transversa, imprimir nas consciências a ideia de estar sendo avalizada a prática de delitos e de desvios de

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

conduta”. Acrescentou que a adoção do princípio da insignificância no caso constituiria “verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais”, e, ainda, que “a prudência recomenda que se leve em conta a obstinação do agente na prática delituosa, a fim de evitar que a impunidade o estimule a continuar trilhando a senda criminosa”27.

43. No RHC 117.751, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado por ter subtraído de um supermercado um desodorante, avaliado em R$ 15,12 (quinze reais e doze centavos). A insignificância foi afastada, vencido o Min. Celso de Mello, porque “o paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi, uma vez que, além de reincidente, é acusado de envolvimento em outros crimes”, e que “a aplicação do referido instituto, na espécie, poderia significar um verdadeiro estímulo à prática desses pequenos furtos, já bastante comuns nos dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade”.

44. No HC 101.998, Rel. Min. Dias Toffoli, o relator manteve a condenação a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva, pelo furto de nove barras de chocolate, avaliadas em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), ao considerar que o réu, por ser reincidente, teria “personalidade voltada à prática delituosa”.

45. De forma semelhante, no HC 118.089, Rel. Min. Cármen Lúcia, o paciente foi condenado a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva de direitos, e vinte dias-multa, por ter subtraído do caixa de uma padaria uma cédula de R$ 50,00 (cinquenta reais) e um maço de cigarros. Afirmou a relatora: “O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas

27 O Min. Luiz Fux fez considerações semelhantes ao denegar a ordem a paciente

reincidente, condenado a um ano e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por

furtar seis barras de chocolate, avaliadas conjuntamente em R$ 31,80 (trinta e um reais e

oitenta centavos), as quais seriam vendidas para comprar drogas (HC 107.733 AgR).

26

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conduta”. Acrescentou que a adoção do princípio da insignificância no caso constituiria “verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais”, e, ainda, que “a prudência recomenda que se leve em conta a obstinação do agente na prática delituosa, a fim de evitar que a impunidade o estimule a continuar trilhando a senda criminosa”27.

43. No RHC 117.751, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado por ter subtraído de um supermercado um desodorante, avaliado em R$ 15,12 (quinze reais e doze centavos). A insignificância foi afastada, vencido o Min. Celso de Mello, porque “o paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi, uma vez que, além de reincidente, é acusado de envolvimento em outros crimes”, e que “a aplicação do referido instituto, na espécie, poderia significar um verdadeiro estímulo à prática desses pequenos furtos, já bastante comuns nos dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade”.

44. No HC 101.998, Rel. Min. Dias Toffoli, o relator manteve a condenação a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva, pelo furto de nove barras de chocolate, avaliadas em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), ao considerar que o réu, por ser reincidente, teria “personalidade voltada à prática delituosa”.

45. De forma semelhante, no HC 118.089, Rel. Min. Cármen Lúcia, o paciente foi condenado a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva de direitos, e vinte dias-multa, por ter subtraído do caixa de uma padaria uma cédula de R$ 50,00 (cinquenta reais) e um maço de cigarros. Afirmou a relatora: “O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas

27 O Min. Luiz Fux fez considerações semelhantes ao denegar a ordem a paciente

reincidente, condenado a um ano e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por

furtar seis barras de chocolate, avaliadas conjuntamente em R$ 31,80 (trinta e um reais e

oitenta centavos), as quais seriam vendidas para comprar drogas (HC 107.733 AgR).

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irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida”. E ainda: “Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.”

46. O Min. Teori Zavascki tem acompanhado a posição majoritária com o reforço de alguns argumentos dogmáticos. Ao manter condenação de réu a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelo furto de um celular avaliado em R$ 100,00 (cem reais), afirmou:

“4. (...) a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal.

5. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.

6. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui condenações anteriores

27

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HC 123108 / MG

irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida”. E ainda: “Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.”

46. O Min. Teori Zavascki tem acompanhado a posição majoritária com o reforço de alguns argumentos dogmáticos. Ao manter condenação de réu a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelo furto de um celular avaliado em R$ 100,00 (cem reais), afirmou:

“4. (...) a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal.

5. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.

6. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui condenações anteriores

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transitadas em julgado, sendo uma delas por crime contra o patrimônio.” (HC 114.877)

47. Essa posição é adotada pelos Ministros Gilmar Mendes28 e Rosa Weber29 com ressalva de entendimento pessoal. Outros Ministros, como Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500), apenas afastam a insignificância caso o réu possua condenação definitiva.

48. Com a devida vênia, ao refletir melhor sobre o assunto, não me convenci de que a reincidência deva, invariavelmente, impedir a aplicação do princípio da insignificância.

49. Ainda que a resposta criminal seja, em tese, um inegável

28 “É que, para aplicação do princípio em comento, somente aspectos de ordem

objetiva do fato devem ser analisados. E não poderia ser diferente. É que, levando em conta

que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria

tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o paciente possuir

antecedentes criminais. Partindo-se do raciocínio de que crime é fato típico e antijurídico ou,

para outros, fato típico, antijurídico e culpável, é certo que, uma vez excluído o fato típico,

não há sequer que se falar em crime. É por isso que reputo mais coerente a linha de

entendimento segundo a qual, para incidência do princípio da bagatela, devem ser

analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não os

atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se

prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em detrimento do direito

penal do fato.” (HC 115.147)

29 “Ressalvo o meu entendimento pessoal porquanto, se a insignificância afeta a

tipicidade material, antecedentes criminais não se mostram aptos a inibir a aplicação do

princípio, uma vez pertinentes a categoria dogmática estranha à tipicidade. Com efeito, a

meu juízo, antecedentes criminais, por maior gravidade que ostentem, não ensejam a

tipificação criminal de conduta que, pela insignificância da ofensa perpetrada ao bem

jurídico protegido, não lhe tenha causado lesão de relevo. Assim, a vida pregressa do

indivíduo não se mostra hábil a transformar em crime fato que, pelo dano insignificante

causado ao bem jurídico objeto da tutela penal, materialmente não se subsume no tipo

previsto em lei. Apesar da ressalva pessoal, tenho acatado a orientação da Turma e negado o

reconhecimento da insignificância quando encontram-se presentes registros criminais

pretéritos.” (RHC 112.694)

28

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transitadas em julgado, sendo uma delas por crime contra o patrimônio.” (HC 114.877)

47. Essa posição é adotada pelos Ministros Gilmar Mendes28 e Rosa Weber29 com ressalva de entendimento pessoal. Outros Ministros, como Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500), apenas afastam a insignificância caso o réu possua condenação definitiva.

48. Com a devida vênia, ao refletir melhor sobre o assunto, não me convenci de que a reincidência deva, invariavelmente, impedir a aplicação do princípio da insignificância.

49. Ainda que a resposta criminal seja, em tese, um inegável

28 “É que, para aplicação do princípio em comento, somente aspectos de ordem

objetiva do fato devem ser analisados. E não poderia ser diferente. É que, levando em conta

que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria

tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o paciente possuir

antecedentes criminais. Partindo-se do raciocínio de que crime é fato típico e antijurídico ou,

para outros, fato típico, antijurídico e culpável, é certo que, uma vez excluído o fato típico,

não há sequer que se falar em crime. É por isso que reputo mais coerente a linha de

entendimento segundo a qual, para incidência do princípio da bagatela, devem ser

analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não os

atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se

prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em detrimento do direito

penal do fato.” (HC 115.147)

29 “Ressalvo o meu entendimento pessoal porquanto, se a insignificância afeta a

tipicidade material, antecedentes criminais não se mostram aptos a inibir a aplicação do

princípio, uma vez pertinentes a categoria dogmática estranha à tipicidade. Com efeito, a

meu juízo, antecedentes criminais, por maior gravidade que ostentem, não ensejam a

tipificação criminal de conduta que, pela insignificância da ofensa perpetrada ao bem

jurídico protegido, não lhe tenha causado lesão de relevo. Assim, a vida pregressa do

indivíduo não se mostra hábil a transformar em crime fato que, pelo dano insignificante

causado ao bem jurídico objeto da tutela penal, materialmente não se subsume no tipo

previsto em lei. Apesar da ressalva pessoal, tenho acatado a orientação da Turma e negado o

reconhecimento da insignificância quando encontram-se presentes registros criminais

pretéritos.” (RHC 112.694)

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

desestímulo à prática da conduta reprimida, não se pode dizer que a não incidência do direito penal configure exatamente um estímulo positivo. E, embora a prevenção ainda seja uma meta a ser atingida pelo direito penal, o peso dessa ideia é substancialmente mitigado quando se constata que o índice de reincidência dos egressos do sistema prisional no Brasil é de aproximadamente 70%, um dos maiores do mundo, como visto acima. Isso demonstra se tratar de um quadro complexo, em que o papel preventivo do direito penal talvez não seja decisivo como se imagina.

50. Além disso, o direito penal não se destina a punir meras condutas indesejáveis, “personalidades”, “meios” ou “modos de vida”, e sim crimes, isto é, condutas significativamente perigosas ou lesivas a bens jurídicos, sob pena de se configurar um direito penal do autor, e não do fato.

51. A propósito, o Tribunal teve recentemente a oportunidade de se manifestar, em caso julgado sob regime de repercussão geral, acerca da não recepção do art. 25 da Lei de Contravenções Penais30 pela Constituição (RE 583.523, j. 03.10.2013). O preceito tipificava a posse de certos instrumentos, a depender do histórico penal de seu portador ou de seu enquadramento como “vadio ou mendigo”. Na ocasião, o Tribunal rejeitou a adoção de um direito penal do autor, em lugar de um direito penal do fato. O relator do feito, Min. Gilmar Mendes, foi acompanhado por unanimidade, merecendo destaque as seguintes passagens de seu voto:

“Admitir essa qualidade do sujeito ativo para configuração do tipo vai muito além da intenção de proteger o bem jurídico tutelado, no caso o patrimônio, e representa, isso sim, um modelo político-criminal não só transgressor da

30 LCP, art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou

roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou

mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na

prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena – prisão simples, de

dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.

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desestímulo à prática da conduta reprimida, não se pode dizer que a não incidência do direito penal configure exatamente um estímulo positivo. E, embora a prevenção ainda seja uma meta a ser atingida pelo direito penal, o peso dessa ideia é substancialmente mitigado quando se constata que o índice de reincidência dos egressos do sistema prisional no Brasil é de aproximadamente 70%, um dos maiores do mundo, como visto acima. Isso demonstra se tratar de um quadro complexo, em que o papel preventivo do direito penal talvez não seja decisivo como se imagina.

50. Além disso, o direito penal não se destina a punir meras condutas indesejáveis, “personalidades”, “meios” ou “modos de vida”, e sim crimes, isto é, condutas significativamente perigosas ou lesivas a bens jurídicos, sob pena de se configurar um direito penal do autor, e não do fato.

51. A propósito, o Tribunal teve recentemente a oportunidade de se manifestar, em caso julgado sob regime de repercussão geral, acerca da não recepção do art. 25 da Lei de Contravenções Penais30 pela Constituição (RE 583.523, j. 03.10.2013). O preceito tipificava a posse de certos instrumentos, a depender do histórico penal de seu portador ou de seu enquadramento como “vadio ou mendigo”. Na ocasião, o Tribunal rejeitou a adoção de um direito penal do autor, em lugar de um direito penal do fato. O relator do feito, Min. Gilmar Mendes, foi acompanhado por unanimidade, merecendo destaque as seguintes passagens de seu voto:

“Admitir essa qualidade do sujeito ativo para configuração do tipo vai muito além da intenção de proteger o bem jurídico tutelado, no caso o patrimônio, e representa, isso sim, um modelo político-criminal não só transgressor da

30 LCP, art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou

roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou

mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na

prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena – prisão simples, de

dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.

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HC 123108 / MG

própria dignidade da pessoa humana, mas também apto a substituir um modelo de direito penal do fato por um modelo de direito penal do autor.

(...)Assim, é inadmissível no atual estágio da evolução

dogmática do direito penal do fato permitir, como elementar constitutiva do tipo, a condição de que o agente seja vadio ou mendigo.

(…)Outra elementar da infração contravencional em apreço, é

a exigência de condenação anterior do sujeito ativo por crime de roubo ou furto, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada. Em outras palavras, deve o possuidor dos instrumentos específicos ou comuns para prática de crime de furto, obrigatoriamente, ter sido condenado anteriormente, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime de furto ou roubo.

Essa questão difere da matéria relativa à agravante genérica da reincidência prevista no artigo 61, I, do CP, em que o Plenário, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 453.000/RS, rel. Min. Marco Aurélio, no dia 4.4.2013, julgou o mérito do tema, determinando a aplicação do regime da repercussão geral, reconhecida inicialmente no RE-RG 591.563.

Naquele processo, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o fato de o agente ter a pena agravada pela condenação anterior transitada em julgado, realizada no momento da individualização da pena não viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Diferentemente, na questão em apreço, a reincidência em crime contra o patrimônio é a própria elementar da infração penal.

Desse modo, é admissível ao julgador, no momento da individualização da pena, considerar a condenação anterior transitada em julgado como forma de punir com maior rigor o criminoso contumaz, o que não se mostra compatível com a atual égide constitucional considerar o passado do agente como forma de tipificar a infração penal.

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própria dignidade da pessoa humana, mas também apto a substituir um modelo de direito penal do fato por um modelo de direito penal do autor.

(...)Assim, é inadmissível no atual estágio da evolução

dogmática do direito penal do fato permitir, como elementar constitutiva do tipo, a condição de que o agente seja vadio ou mendigo.

(…)Outra elementar da infração contravencional em apreço, é

a exigência de condenação anterior do sujeito ativo por crime de roubo ou furto, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada. Em outras palavras, deve o possuidor dos instrumentos específicos ou comuns para prática de crime de furto, obrigatoriamente, ter sido condenado anteriormente, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime de furto ou roubo.

Essa questão difere da matéria relativa à agravante genérica da reincidência prevista no artigo 61, I, do CP, em que o Plenário, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 453.000/RS, rel. Min. Marco Aurélio, no dia 4.4.2013, julgou o mérito do tema, determinando a aplicação do regime da repercussão geral, reconhecida inicialmente no RE-RG 591.563.

Naquele processo, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o fato de o agente ter a pena agravada pela condenação anterior transitada em julgado, realizada no momento da individualização da pena não viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Diferentemente, na questão em apreço, a reincidência em crime contra o patrimônio é a própria elementar da infração penal.

Desse modo, é admissível ao julgador, no momento da individualização da pena, considerar a condenação anterior transitada em julgado como forma de punir com maior rigor o criminoso contumaz, o que não se mostra compatível com a atual égide constitucional considerar o passado do agente como forma de tipificar a infração penal.

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HC 123108 / MG

(…) o legislador ao considerar a vida anteacta do agente como elementar constitutiva do tipo considerou de maneira discriminatória que determinadas espécies de sujeitos, portadores de direitos iguais garantidos pela Constituição Federal, possuem maior potencialidade de cometer novos crimes.

Não entendo correto que, com base nessas condições subjetivas (condição social/econômica ou reincidência em crimes contra o patrimônio), se possa presumir que determinados agentes tem maior potencialidade de cometer a infração penal.

(...)Dessa forma, a previsão de contravenção penal de posse

injustificada de instrumentos de emprego usual na prática de furto por agente depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada, se mostra atentatória aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal.” (destaques acrescentados)

52. Portanto, embora o Tribunal tenha reconhecido, em tese, a constitucionalidade da reincidência como agravante genérica da pena (RE 453.000, Rel. Min. Marco Aurélio), isto não significa que se possa considerar a reiteração delitiva como circunstância elementar de tipos penais. Isto é: a tipicidade de uma conduta não pode depender de saber se o agente é vadio, mendigo, processado, condenado ou reincidente.

53. A jurisprudência dominante na Corte, no entanto, faz exatamente isto ao afastar o princípio da insignificância a agentes em situação de reiteração delitiva, (tecnicamente reincidentes ou não). Uma mesma conduta – e.g., a subtração de uma caixa de fósforos, de quatro galinhas, de um desodorante, de barras de chocolate etc. – tem a sua tipicidade dependente de uma investigação sobre os antecedentes criminais do agente.

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(…) o legislador ao considerar a vida anteacta do agente como elementar constitutiva do tipo considerou de maneira discriminatória que determinadas espécies de sujeitos, portadores de direitos iguais garantidos pela Constituição Federal, possuem maior potencialidade de cometer novos crimes.

Não entendo correto que, com base nessas condições subjetivas (condição social/econômica ou reincidência em crimes contra o patrimônio), se possa presumir que determinados agentes tem maior potencialidade de cometer a infração penal.

(...)Dessa forma, a previsão de contravenção penal de posse

injustificada de instrumentos de emprego usual na prática de furto por agente depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada, se mostra atentatória aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal.” (destaques acrescentados)

52. Portanto, embora o Tribunal tenha reconhecido, em tese, a constitucionalidade da reincidência como agravante genérica da pena (RE 453.000, Rel. Min. Marco Aurélio), isto não significa que se possa considerar a reiteração delitiva como circunstância elementar de tipos penais. Isto é: a tipicidade de uma conduta não pode depender de saber se o agente é vadio, mendigo, processado, condenado ou reincidente.

53. A jurisprudência dominante na Corte, no entanto, faz exatamente isto ao afastar o princípio da insignificância a agentes em situação de reiteração delitiva, (tecnicamente reincidentes ou não). Uma mesma conduta – e.g., a subtração de uma caixa de fósforos, de quatro galinhas, de um desodorante, de barras de chocolate etc. – tem a sua tipicidade dependente de uma investigação sobre os antecedentes criminais do agente.

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54. Essa construção tem obrigado o Tribunal a atenuar sua jurisprudência em alguns casos, em prejuízo a um desejável ideal de coerência. Por exemplo: no HC 117.903, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado pela tentativa de furto de “25 kg de milho em espiga”, avaliados em R$ 6,00 (seis reais). Embora se tratasse de pessoa que respondia a outros processos penais por posse de entorpecentes, com condenação por tráfico de drogas e por crime contra o patrimônio (dano qualificado), aplicou-se o princípio da insignificância, afirmando-se a necessidade de se analisar os registros do paciente cum grano salis.

55. A consideração conjunta de várias condutas insignificantes que, somadas, poderiam resultar em lesão relevante ao bem jurídico, como defendido, e.g., no HC 118.089, só seria criminalmente punível se se estiver diante de crime continuado (CP, art. 71), o que deve ser provado.

56. Resta analisar os argumentos dogmáticos usados, e.g., no HC 114.877. Data maxima venia, penso que a citação a Zaffaroni feita em casos da espécie não reflete o real pensamento do penalista. Isto porque a tipicidade conglobante (v. supra, nota 17) tem uma função redutora, e não ampliadora do juízo de tipicidade penal. É o próprio autor que afirma:

“2. O tipo objetivo não se esgota na correspondência com qualquer pragma, mas tão somente com um pragma conflitivo; constatar tal conflitividade constitui passo indispensável para a verificação da tipicidade objetiva. O pragma típico se determina desde logo pela função sistemática, que importa um âmbito máximo de antinormatividade, porém só se confirma com a simultânea constatação de sua conflitividade, procedimento que pode culminar em sua exclusão ou redução, sem jamais ultrapassar o máximo rudimentar estabelecido pela tipicidade objetiva sistemática. Por isso, pela necessidade de constatar a conflitividade, imposta pela requisição jurídica geral da alteridade e pelo objetivo político redutor da construção, cabe distinguir dentro do tipo objetivo um tipo que dê conta de tal objetivo: o tipo conglobante.

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54. Essa construção tem obrigado o Tribunal a atenuar sua jurisprudência em alguns casos, em prejuízo a um desejável ideal de coerência. Por exemplo: no HC 117.903, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado pela tentativa de furto de “25 kg de milho em espiga”, avaliados em R$ 6,00 (seis reais). Embora se tratasse de pessoa que respondia a outros processos penais por posse de entorpecentes, com condenação por tráfico de drogas e por crime contra o patrimônio (dano qualificado), aplicou-se o princípio da insignificância, afirmando-se a necessidade de se analisar os registros do paciente cum grano salis.

55. A consideração conjunta de várias condutas insignificantes que, somadas, poderiam resultar em lesão relevante ao bem jurídico, como defendido, e.g., no HC 118.089, só seria criminalmente punível se se estiver diante de crime continuado (CP, art. 71), o que deve ser provado.

56. Resta analisar os argumentos dogmáticos usados, e.g., no HC 114.877. Data maxima venia, penso que a citação a Zaffaroni feita em casos da espécie não reflete o real pensamento do penalista. Isto porque a tipicidade conglobante (v. supra, nota 17) tem uma função redutora, e não ampliadora do juízo de tipicidade penal. É o próprio autor que afirma:

“2. O tipo objetivo não se esgota na correspondência com qualquer pragma, mas tão somente com um pragma conflitivo; constatar tal conflitividade constitui passo indispensável para a verificação da tipicidade objetiva. O pragma típico se determina desde logo pela função sistemática, que importa um âmbito máximo de antinormatividade, porém só se confirma com a simultânea constatação de sua conflitividade, procedimento que pode culminar em sua exclusão ou redução, sem jamais ultrapassar o máximo rudimentar estabelecido pela tipicidade objetiva sistemática. Por isso, pela necessidade de constatar a conflitividade, imposta pela requisição jurídica geral da alteridade e pelo objetivo político redutor da construção, cabe distinguir dentro do tipo objetivo um tipo que dê conta de tal objetivo: o tipo conglobante.

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3. A tipicidade conglobante cumpre sua função redutora constatando a existência de um conflito (conflitividade), o que implica uma lesividade objetivamente imputável a um agente (dominabilidade). Através da função conglobante do tipo objetivo se estabelece a própria existência do conflito, o que pressupõe comprovar tanto sua lesividade quanto seu pertencimento a um sujeito. É inconcebível a criminalização de um pragma que não implique qualquer ofensa a outrem (representado no bem jurídico. (…) Constata-se a lesividade verificando-se: a) desde logo, se o pragma afetou verdadeiramente um bem jurídico (constitucionalmente legitimado e cuja ofensa é proibida por norma); b) se tal afetação (por lesão ou por perigo) foi substancial, significativa; c) se não incidem outras normas que, recortando e limitando o alcance proibitivo da norma deduzida do sentido semântico do tipo isolado, o invalidem, descaracterizando-se assim a afetação do bem jurídico.” (Zaffaroni, Batista et al., Direito penal – II, I, 2010, p. 212/213)

57. Por defender que a ausência de lesividade insere-se na análise da tipicidade conglobante – isto é, considerando-se a norma conglobada na ordem jurídica, e não isolada –, Zaffaroni de fato afirma que “A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa”. Daí não se extrai, porém, a conclusão de que uma mesma conduta pode ser penalmente típica para reincidentes e não para as demais pessoas, como se a ordem normativa pudesse pretender uma discriminação que a jurisprudência do STF já repeliu. Assim, a tipicidade conglobante só pode reduzir, e não ampliar o juízo de tipicidade penal.

58. Apenas para argumentar: ainda que se pudesse considerar o histórico penal do agente no juízo de tipicidade material da conduta, não seria possível levar em consideração para tais fins, sem violação ao art. 5º, LVII, da Constituição, a existência de inquéritos, ações penais em curso e condenações não definitivas: é o que defendem, como já visto, os Ministros Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500). Nessa linha, em recente julgado unânime da 2ª Turma (HC 122.936, Rel.

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3. A tipicidade conglobante cumpre sua função redutora constatando a existência de um conflito (conflitividade), o que implica uma lesividade objetivamente imputável a um agente (dominabilidade). Através da função conglobante do tipo objetivo se estabelece a própria existência do conflito, o que pressupõe comprovar tanto sua lesividade quanto seu pertencimento a um sujeito. É inconcebível a criminalização de um pragma que não implique qualquer ofensa a outrem (representado no bem jurídico. (…) Constata-se a lesividade verificando-se: a) desde logo, se o pragma afetou verdadeiramente um bem jurídico (constitucionalmente legitimado e cuja ofensa é proibida por norma); b) se tal afetação (por lesão ou por perigo) foi substancial, significativa; c) se não incidem outras normas que, recortando e limitando o alcance proibitivo da norma deduzida do sentido semântico do tipo isolado, o invalidem, descaracterizando-se assim a afetação do bem jurídico.” (Zaffaroni, Batista et al., Direito penal – II, I, 2010, p. 212/213)

57. Por defender que a ausência de lesividade insere-se na análise da tipicidade conglobante – isto é, considerando-se a norma conglobada na ordem jurídica, e não isolada –, Zaffaroni de fato afirma que “A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa”. Daí não se extrai, porém, a conclusão de que uma mesma conduta pode ser penalmente típica para reincidentes e não para as demais pessoas, como se a ordem normativa pudesse pretender uma discriminação que a jurisprudência do STF já repeliu. Assim, a tipicidade conglobante só pode reduzir, e não ampliar o juízo de tipicidade penal.

58. Apenas para argumentar: ainda que se pudesse considerar o histórico penal do agente no juízo de tipicidade material da conduta, não seria possível levar em consideração para tais fins, sem violação ao art. 5º, LVII, da Constituição, a existência de inquéritos, ações penais em curso e condenações não definitivas: é o que defendem, como já visto, os Ministros Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500). Nessa linha, em recente julgado unânime da 2ª Turma (HC 122.936, Rel.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

Min. Cármen Lúcia, j. 05.08.2014), foi concedida a ordem para trancar ação penal movida em face de acusado de tentativa de furto de onze barras de chocolate, avaliadas em R$ 44,00 (quarenta e quatro reais), embora responda a outro processo por furto.

59. Enfim, ao afastar a insignificância em casos de reincidência, a jurisprudência do STF contribui para agravar ainda mais o já dramático quadro de crise do sistema carcerário. Isto porque a sanção imposta, por menor que seja, não poderá ser substituída por pena restritiva de direitos (CP, art. 44, II), e seu cumprimento deverá ser iniciado, no mínimo, em regime semiaberto (CP, art. 33, § 2º, b e c).

V.2 – Furto qualificado (CP, art. 155, § 4º)

60. O Supremo Tribunal Federal não tem reconhecido a insignificância em furtos que, embora envolvam valores irrisórios, tenham sido praticados sob circunstâncias qualificadoras (CP, art. 155, § 4º), as quais, como se sabe, dobram a pena mínima e a máxima31. Seguem-se exemplos de casos em que a insignificância foi afastada.

61. No HC 113.258, Rel. Min. Luiz Fux, foi mantida a condenação dos pacientes por tentarem subtrair de uma loja dois chuveiros, avaliados em R$ 69,80 (sessenta e nove reais e oitenta

31 Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão,

de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado

durante o repouso noturno. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa

furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois

terços, ou aplicar somente a pena de multa. § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica

ou qualquer outra que tenha valor econômico. Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão

de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de

obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou

destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor

que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

34

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HC 123108 / MG

Min. Cármen Lúcia, j. 05.08.2014), foi concedida a ordem para trancar ação penal movida em face de acusado de tentativa de furto de onze barras de chocolate, avaliadas em R$ 44,00 (quarenta e quatro reais), embora responda a outro processo por furto.

59. Enfim, ao afastar a insignificância em casos de reincidência, a jurisprudência do STF contribui para agravar ainda mais o já dramático quadro de crise do sistema carcerário. Isto porque a sanção imposta, por menor que seja, não poderá ser substituída por pena restritiva de direitos (CP, art. 44, II), e seu cumprimento deverá ser iniciado, no mínimo, em regime semiaberto (CP, art. 33, § 2º, b e c).

V.2 – Furto qualificado (CP, art. 155, § 4º)

60. O Supremo Tribunal Federal não tem reconhecido a insignificância em furtos que, embora envolvam valores irrisórios, tenham sido praticados sob circunstâncias qualificadoras (CP, art. 155, § 4º), as quais, como se sabe, dobram a pena mínima e a máxima31. Seguem-se exemplos de casos em que a insignificância foi afastada.

61. No HC 113.258, Rel. Min. Luiz Fux, foi mantida a condenação dos pacientes por tentarem subtrair de uma loja dois chuveiros, avaliados em R$ 69,80 (sessenta e nove reais e oitenta

31 Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão,

de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado

durante o repouso noturno. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa

furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois

terços, ou aplicar somente a pena de multa. § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica

ou qualquer outra que tenha valor econômico. Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão

de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de

obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou

destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor

que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

centavos), vencida a Min. Rosa Weber. A conduta foi tida como reprovável, e a insignificância afastada, em razão do concurso de agentes.

62. No HC 118.584, Rel. Min. Cármen Lúcia, foi mantida a condenação do paciente a dois anos e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e quatorze dias-multa, pelo furto de um “compressor de limpeza de aquário”, avaliado em R$ 10,00 (dez reais). Afastou-se a insignificância em razão da reincidência, bem como porque a subtração ocorreu durante a noite e com rompimento de obstáculo (arrombamento de porta do estabelecimento), na forma do art. 155, § 4º, I, do CP.

63. No HC 113.872, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi mantida a condenação do paciente a 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela subtração de um painel de toca-discos para veículo, um estojo para CDs e um disco personalizado, no valor total de R$ 21,00 (vinte e um reais). Afastou-se a insignificância devido à reprovabilidade da conduta, em razão do uso de chave-falsa para abrir o veículo.

64. De todos esses exemplos, extrai-se que a insignificância foi afastada em razão da maior reprovabilidade das condutas, o que não se nega. No entanto, cabe retomar o exemplo acadêmico a fim de problematizar a discussão: a subtração de uma caixa de fósforos passaria a ser crime apenas por ter sido cometida durante o repouso noturno (CP, art. 155, § 1º), ou por concurso de duas pessoas (CP, art. 155, § 4º, IV)?

65. O maior juízo de reprovabilidade é aferido na etapa referente à culpabilidade, que limita a pena e se traduz na dosimetria. Essa etapa, porém, pressupõe a formação de um juízo de tipicidade e antijuridicidade da conduta. E, quanto à tipicidade, já se viu que ela depende da ocorrência de lesão significativa ao bem jurídico protegido (no caso do crime de furto, o patrimônio). A propósito, ensina a doutrina:

“Essa construção deixa claro que, por exemplo, se do exame dos fatos constatar-se que a ação não é típica, será

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centavos), vencida a Min. Rosa Weber. A conduta foi tida como reprovável, e a insignificância afastada, em razão do concurso de agentes.

62. No HC 118.584, Rel. Min. Cármen Lúcia, foi mantida a condenação do paciente a dois anos e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e quatorze dias-multa, pelo furto de um “compressor de limpeza de aquário”, avaliado em R$ 10,00 (dez reais). Afastou-se a insignificância em razão da reincidência, bem como porque a subtração ocorreu durante a noite e com rompimento de obstáculo (arrombamento de porta do estabelecimento), na forma do art. 155, § 4º, I, do CP.

63. No HC 113.872, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi mantida a condenação do paciente a 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela subtração de um painel de toca-discos para veículo, um estojo para CDs e um disco personalizado, no valor total de R$ 21,00 (vinte e um reais). Afastou-se a insignificância devido à reprovabilidade da conduta, em razão do uso de chave-falsa para abrir o veículo.

64. De todos esses exemplos, extrai-se que a insignificância foi afastada em razão da maior reprovabilidade das condutas, o que não se nega. No entanto, cabe retomar o exemplo acadêmico a fim de problematizar a discussão: a subtração de uma caixa de fósforos passaria a ser crime apenas por ter sido cometida durante o repouso noturno (CP, art. 155, § 1º), ou por concurso de duas pessoas (CP, art. 155, § 4º, IV)?

65. O maior juízo de reprovabilidade é aferido na etapa referente à culpabilidade, que limita a pena e se traduz na dosimetria. Essa etapa, porém, pressupõe a formação de um juízo de tipicidade e antijuridicidade da conduta. E, quanto à tipicidade, já se viu que ela depende da ocorrência de lesão significativa ao bem jurídico protegido (no caso do crime de furto, o patrimônio). A propósito, ensina a doutrina:

“Essa construção deixa claro que, por exemplo, se do exame dos fatos constatar-se que a ação não é típica, será

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

desnecessário verificar se é antijurídica, e muito menos se é culpável. Cada uma dessas características contém critérios valorativos próprios, com importância e efeitos teóricos e práticos igualmente próprios.”32

66. Não por outro motivo, e de forma semelhante ao que ocorre quanto à reiteração delitiva, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também registra uma grande quantidade de casos em que a insignificância foi aplicada em casos de furto, a despeito de circunstâncias objetivas desfavoráveis.

67. Foi o que ocorreu, e.g., no HC 113.327, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em que se reconheceu a insignificância de furto, praticado em concurso de pessoas, de animais que foram mortos para consumo: 5 galinhas e 1 galo, avaliados em R$ 115,00 (cento e quinze reais).

68. No HC 110.244, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada das dependências de Centro de Tradições Gaúchas, avaliados em R$ 81,80 (oitenta e um reais e oitenta centavos), praticado mediante rompimento de obstáculo e concurso de agentes que ostentavam reincidência, vencido o Min. Ricardo Lewandowski.

69. Refira-se também o HC 94.549, Rel. Min. Dias Toffoli, em que foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de sacos de cimento, avaliados em R$ 90,00 (noventa reais), cometido mediante concurso de pessoas e rompimento de obstáculo, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Ou ainda o HC 96.822, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que foi reconhecida a insignificância de um furto a supermercado, praticado em concurso de agentes, em que foram subtraídas barras de chocolate e inseticidas, avaliados em R$ 133,51 (cento e trinta e três reais e cinquenta e um centavos).

32 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 439.

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desnecessário verificar se é antijurídica, e muito menos se é culpável. Cada uma dessas características contém critérios valorativos próprios, com importância e efeitos teóricos e práticos igualmente próprios.”32

66. Não por outro motivo, e de forma semelhante ao que ocorre quanto à reiteração delitiva, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também registra uma grande quantidade de casos em que a insignificância foi aplicada em casos de furto, a despeito de circunstâncias objetivas desfavoráveis.

67. Foi o que ocorreu, e.g., no HC 113.327, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em que se reconheceu a insignificância de furto, praticado em concurso de pessoas, de animais que foram mortos para consumo: 5 galinhas e 1 galo, avaliados em R$ 115,00 (cento e quinze reais).

68. No HC 110.244, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada das dependências de Centro de Tradições Gaúchas, avaliados em R$ 81,80 (oitenta e um reais e oitenta centavos), praticado mediante rompimento de obstáculo e concurso de agentes que ostentavam reincidência, vencido o Min. Ricardo Lewandowski.

69. Refira-se também o HC 94.549, Rel. Min. Dias Toffoli, em que foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de sacos de cimento, avaliados em R$ 90,00 (noventa reais), cometido mediante concurso de pessoas e rompimento de obstáculo, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Ou ainda o HC 96.822, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que foi reconhecida a insignificância de um furto a supermercado, praticado em concurso de agentes, em que foram subtraídas barras de chocolate e inseticidas, avaliados em R$ 133,51 (cento e trinta e três reais e cinquenta e um centavos).

32 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 439.

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HC 123108 / MG

70. Todo esse levantamento mostra que o Tribunal necessita de critérios mais firmes para aplicação do princípio da insignificância, sob pena de cometer injustiças e não cumprir o papel de formar uma jurisprudência coerente, a ser observada pelas demais instâncias33.

71. Partindo da premissa de que a insignificância exclui a tipicidade material, não é possível que a aplicação do princípio dependa de circunstâncias pessoais do agente ou de fatores atinentes a etapa posterior da análise do delito (culpabilidade). Esta conclusão corresponde ao meu atual pensamento sobre a matéria, após detida reflexão à luz da doutrina, da jurisprudência e da realidade do sistema carcerário no Brasil. No entanto, tendo em vista a atual compreensão da Corte sobre o tema, vislumbro dificuldades para a aceitação desta conclusão com todas as suas consequências, razão pela qual passo a expor um encaminhamento menos ambicioso, com o fim de produzir um consenso mínimo e afastar possíveis inquietações que orientam outros pontos de vista legítimos.

VI – CRITÉRIOS DE CONSENSO MÍNIMO: UMA PROPOSTA

72. Doutrinariamente, entende-se que o princípio da insignificância incide nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente

33 Nesse sentido, Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância,

in: Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski (coord.), 2012, p.

251: “Tudo isso revela a necessidade de uma revisitação do princípio da insignificância, não

para limitar sua incidência, mas para assentar suas bases materiais e permitir o

desenvolvimento de critérios de aplicação mais uniformes, mais racionais, que permitam um

tratamento isonômico a crimes similares, praticados de maneira semelhante. Nesse sentido,

parece válida a ideia de reconhecer a insignificância apenas em delitos com valores ínfimos e,

nos demais casos, afastar a tipicidade pela ausência de subsidiariedade no uso do direito

penal, seja pela existência de normas que afastem o processo administrativo – caso dos

crimes fiscais –, seja diante da restituição do bem e do desinteresse da vítima em prosseguir

com a persecução, independentemente do valor patrimonial afetado”. Em outra

oportunidade, ao tratar da insignificância nos crimes fiscais, pretendo retomar esta reflexão.

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70. Todo esse levantamento mostra que o Tribunal necessita de critérios mais firmes para aplicação do princípio da insignificância, sob pena de cometer injustiças e não cumprir o papel de formar uma jurisprudência coerente, a ser observada pelas demais instâncias33.

71. Partindo da premissa de que a insignificância exclui a tipicidade material, não é possível que a aplicação do princípio dependa de circunstâncias pessoais do agente ou de fatores atinentes a etapa posterior da análise do delito (culpabilidade). Esta conclusão corresponde ao meu atual pensamento sobre a matéria, após detida reflexão à luz da doutrina, da jurisprudência e da realidade do sistema carcerário no Brasil. No entanto, tendo em vista a atual compreensão da Corte sobre o tema, vislumbro dificuldades para a aceitação desta conclusão com todas as suas consequências, razão pela qual passo a expor um encaminhamento menos ambicioso, com o fim de produzir um consenso mínimo e afastar possíveis inquietações que orientam outros pontos de vista legítimos.

VI – CRITÉRIOS DE CONSENSO MÍNIMO: UMA PROPOSTA

72. Doutrinariamente, entende-se que o princípio da insignificância incide nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente

33 Nesse sentido, Pierpaolo Cruz Bottini, A confusa exegese do princípio da insignificância,

in: Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski (coord.), 2012, p.

251: “Tudo isso revela a necessidade de uma revisitação do princípio da insignificância, não

para limitar sua incidência, mas para assentar suas bases materiais e permitir o

desenvolvimento de critérios de aplicação mais uniformes, mais racionais, que permitam um

tratamento isonômico a crimes similares, praticados de maneira semelhante. Nesse sentido,

parece válida a ideia de reconhecer a insignificância apenas em delitos com valores ínfimos e,

nos demais casos, afastar a tipicidade pela ausência de subsidiariedade no uso do direito

penal, seja pela existência de normas que afastem o processo administrativo – caso dos

crimes fiscais –, seja diante da restituição do bem e do desinteresse da vítima em prosseguir

com a persecução, independentemente do valor patrimonial afetado”. Em outra

oportunidade, ao tratar da insignificância nos crimes fiscais, pretendo retomar esta reflexão.

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HC 123108 / MG

típica. Os exemplos de Luiz Flávio Gomes esclarecem:

“Um ponto fundamental que talvez seja útil para o debate consiste em distinguir com clareza ambos os desvalores. A insignificância ora pode residir na conduta, ora no resultado (ou em ambos). Uma coisa é alguém arremessar uma bolinha de papel contra um transporte coletivo (CP, art. 264) e outra distinta é subtrair uma cebola ou um palito de fósforo de alguém (CP, art. 155). O desvalor da ação no primeiro caso é absolutamente nímio. A conduta não conta com periculosidade. Falta-se idoneidade. Já o desvalor da ação na subtração é muito grande, pequeno, no caso, é o desvalor do resultado. Há um terceiro grupo onde podemos constatar ambos os desvalores (é o caso de um acidente de trânsito com culpa levíssima e lesão corporal mínima).”34

73. A insignificância, assim, pressupõe a falta de desvalor da ação, ou do resultado, ou ambos. O autor diz que, dos vetores apontados pelo Min. Celso de Mello, três se referem ao desvalor da ação (mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento) e um ao do resultado (inexpressividade da lesão jurídica provocada).

74. Ainda que seja teoricamente possível distinguir os desvalores da ação e do resultado, na prática tais conceitos estão de tal forma relacionados que é difícil precisar seus limites. Por esta razão, a doutrina preconiza que o critério predominante depende do tipo penal em exame:

“(...) ambos os critérios, desvalor da ação e desvalor do resultado, revelam-se importantes na tarefa de descriminalização interpretativa, pois estão perfeitamente entrelaçados e é impossível imaginá-los separados. O valor ou desvalor de uma conduta pressupõe sempre o valor ou desvalor

34 Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade, 2013, p. 78.

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típica. Os exemplos de Luiz Flávio Gomes esclarecem:

“Um ponto fundamental que talvez seja útil para o debate consiste em distinguir com clareza ambos os desvalores. A insignificância ora pode residir na conduta, ora no resultado (ou em ambos). Uma coisa é alguém arremessar uma bolinha de papel contra um transporte coletivo (CP, art. 264) e outra distinta é subtrair uma cebola ou um palito de fósforo de alguém (CP, art. 155). O desvalor da ação no primeiro caso é absolutamente nímio. A conduta não conta com periculosidade. Falta-se idoneidade. Já o desvalor da ação na subtração é muito grande, pequeno, no caso, é o desvalor do resultado. Há um terceiro grupo onde podemos constatar ambos os desvalores (é o caso de um acidente de trânsito com culpa levíssima e lesão corporal mínima).”34

73. A insignificância, assim, pressupõe a falta de desvalor da ação, ou do resultado, ou ambos. O autor diz que, dos vetores apontados pelo Min. Celso de Mello, três se referem ao desvalor da ação (mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento) e um ao do resultado (inexpressividade da lesão jurídica provocada).

74. Ainda que seja teoricamente possível distinguir os desvalores da ação e do resultado, na prática tais conceitos estão de tal forma relacionados que é difícil precisar seus limites. Por esta razão, a doutrina preconiza que o critério predominante depende do tipo penal em exame:

“(...) ambos os critérios, desvalor da ação e desvalor do resultado, revelam-se importantes na tarefa de descriminalização interpretativa, pois estão perfeitamente entrelaçados e é impossível imaginá-los separados. O valor ou desvalor de uma conduta pressupõe sempre o valor ou desvalor

34 Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade, 2013, p. 78.

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de um resultado. Assim, por exemplo, a proibição de matar é consequência da proteção à vida; a proibição de roubar resulta da proteção à propriedade. Nos dois casos, o desvalor da ação (matar, roubar) deriva já do desvalor do resultado (destruição da vida humana, lesão da propriedade). Os mandamentos de ‘não matar’ e ‘não roubar’ só têm sentido se previamente se reconhecerem os valores que os fundamentam: a vida e a propriedade.

De qualquer forma, para que se verifique a eventual preponderância de um critério sobre o outro em determinado caso concreto, é necessário analisar a estrutura legal do respectivo tipo penal. Se este é constituído sobre a mera causação do evento, deve-se valorizar a intensidade da ofensa verificada; quando, ao contrário, o tipo dá destaque à forma de ação, importa analisar o potencial agressivo da conduta praticada (...)”. (Carlos Vico Mañas, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, 1994, p. 61/62)

75. Seja como for, conclui-se que para reconhecer a insignificância no furto prepondera a ausência de desvalor do resultado. Isto porque a conduta de subtrair já é, por si só, altamente desvalorada, sendo difícil imaginar hipóteses de furto insignificante por ausência de desvalor da ação. Além disso, o furto é um crime de resultado, não de mera conduta35.

76. Partindo dessas premissas, entendo que a simples circunstância de se tratar de réu reincidente ou de incidir alguma qualificadora (CP, art. 155, § 4º) não deve, automaticamente, afastar a

35 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 282: “Na

realidade, a classificação que consideramos mais adequada, em função da técnica legislativa

utilizada na redação dos tipos penais, é aquela que distingue os crimes de resultado dos crimes

de mera conduta, porque o elemento a ser considerado, nesse âmbito, é se, para a consumação

do crime, há a exigência da produção de algum tipo de resultado: nos crimes materiais

podem ser diferenciadas as espécies de resultado (de dano ou de perigo […]), enquanto nos

crimes de mera conduta, a simples ação ou omissão já é suficiente para a sua consumação.”

39

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de um resultado. Assim, por exemplo, a proibição de matar é consequência da proteção à vida; a proibição de roubar resulta da proteção à propriedade. Nos dois casos, o desvalor da ação (matar, roubar) deriva já do desvalor do resultado (destruição da vida humana, lesão da propriedade). Os mandamentos de ‘não matar’ e ‘não roubar’ só têm sentido se previamente se reconhecerem os valores que os fundamentam: a vida e a propriedade.

De qualquer forma, para que se verifique a eventual preponderância de um critério sobre o outro em determinado caso concreto, é necessário analisar a estrutura legal do respectivo tipo penal. Se este é constituído sobre a mera causação do evento, deve-se valorizar a intensidade da ofensa verificada; quando, ao contrário, o tipo dá destaque à forma de ação, importa analisar o potencial agressivo da conduta praticada (...)”. (Carlos Vico Mañas, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, 1994, p. 61/62)

75. Seja como for, conclui-se que para reconhecer a insignificância no furto prepondera a ausência de desvalor do resultado. Isto porque a conduta de subtrair já é, por si só, altamente desvalorada, sendo difícil imaginar hipóteses de furto insignificante por ausência de desvalor da ação. Além disso, o furto é um crime de resultado, não de mera conduta35.

76. Partindo dessas premissas, entendo que a simples circunstância de se tratar de réu reincidente ou de incidir alguma qualificadora (CP, art. 155, § 4º) não deve, automaticamente, afastar a

35 Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 282: “Na

realidade, a classificação que consideramos mais adequada, em função da técnica legislativa

utilizada na redação dos tipos penais, é aquela que distingue os crimes de resultado dos crimes

de mera conduta, porque o elemento a ser considerado, nesse âmbito, é se, para a consumação

do crime, há a exigência da produção de algum tipo de resultado: nos crimes materiais

podem ser diferenciadas as espécies de resultado (de dano ou de perigo […]), enquanto nos

crimes de mera conduta, a simples ação ou omissão já é suficiente para a sua consumação.”

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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aplicação do princípio da insignificância. É preciso motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências, a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.

77. Caso se entenda que o furto de coisa de valor ínfimo pode ser punido na hipótese de reincidência do agente, é preciso admitir que a questão da insignificância se move do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Isto porque, como visto, não é possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta é típica para uns e não para outros (os reincidentes), sob pena de configuração de um inaceitável direito penal do autor, e não do fato, como já decidiu este Tribunal (RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes).

78. Além disso, para que a reincidência exclua a aplicação do princípio da insignificância, não deve bastar a mera existência de inquéritos ou processos em andamento: é necessário que haja condenação transitada em julgado (HC 111.016, Rel. Min. Celso de Mello; HC 107.500, Rel. Min. Joaquim Barbosa), e por crime da mesma espécie (HC 114.723, Rel. Min. Teori Zavascki). Essa linha de raciocínio, embora nem sempre adotada, já encontra respaldo no acervo de jurisprudência desta Corte.

79. Por fim, ainda que se pretenda aplicar alguma resposta penal ao agente que furta coisa de valor insignificante, a sanção deverá guardar proporcionalidade com a lesão causada. Como já visto, o encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos tem efeitos desastrosos não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo, e, reflexamente, para a própria segurança pública que se quer proteger. A prisão, no caso, é manifestamente desproporcional à gravidade da conduta, nos três aspectos em que se divide o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade: não é adequada para prevenir novos crimes – como demonstra o elevado índice de reincidência no Brasil –, é excessiva no seu aspecto repressivo e gera muito mais malefícios do que benefícios.

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aplicação do princípio da insignificância. É preciso motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências, a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.

77. Caso se entenda que o furto de coisa de valor ínfimo pode ser punido na hipótese de reincidência do agente, é preciso admitir que a questão da insignificância se move do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Isto porque, como visto, não é possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta é típica para uns e não para outros (os reincidentes), sob pena de configuração de um inaceitável direito penal do autor, e não do fato, como já decidiu este Tribunal (RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes).

78. Além disso, para que a reincidência exclua a aplicação do princípio da insignificância, não deve bastar a mera existência de inquéritos ou processos em andamento: é necessário que haja condenação transitada em julgado (HC 111.016, Rel. Min. Celso de Mello; HC 107.500, Rel. Min. Joaquim Barbosa), e por crime da mesma espécie (HC 114.723, Rel. Min. Teori Zavascki). Essa linha de raciocínio, embora nem sempre adotada, já encontra respaldo no acervo de jurisprudência desta Corte.

79. Por fim, ainda que se pretenda aplicar alguma resposta penal ao agente que furta coisa de valor insignificante, a sanção deverá guardar proporcionalidade com a lesão causada. Como já visto, o encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos tem efeitos desastrosos não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo, e, reflexamente, para a própria segurança pública que se quer proteger. A prisão, no caso, é manifestamente desproporcional à gravidade da conduta, nos três aspectos em que se divide o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade: não é adequada para prevenir novos crimes – como demonstra o elevado índice de reincidência no Brasil –, é excessiva no seu aspecto repressivo e gera muito mais malefícios do que benefícios.

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80. Assim sendo, a opção de mandar essas pessoas para o cárcere deve ser encarada decididamente como a última e radical alternativa num sistema já superlotado e altamente degradante. Dessa forma, proponho que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante seja fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se para os reincidentes a aplicação do art. 33, § 2º, c, do CP36, que, na hipótese, deve ser interpretado conforme a Constituição. Sua incidência fica paralisada no caso concreto, por produzir resultado incompatível com o texto constitucional.

81. Embora a prisão domiciliar somente seja prevista na Lei de Execuções Penais em hipóteses restritas37, a realidade do sistema prisional já vem obrigando juízes e Tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não fique submetido a regime mais gravoso do que aquele a que faz jus, por falta de vagas. Nessa linha, há precedentes das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal38. Por raciocínio semelhante, é possível lançar mão da prisão domiciliar para furtos de valor insignificante, já que o ingresso do agente no sistema carcerário é manifestamente desproporcional à lesividade da ação.

36 CP, art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto

ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de

transferência a regime fechado. (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser

executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes

critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (...) c) o

condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá,

desde o início, cumpri-la em regime aberto.

37 Lei nº 7.210/1984, art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de

regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70

(setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor

ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.

38 Confira-se: HC 107.810, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio: “PENA – EXECUÇÃO –

REGIME. Ante a falência do sistema penitenciário a inviabilizar o cumprimento da pena no

regime menos gravoso a que tem jus o reeducando, o réu, impõe-se o implemento da

denominada prisão domiciliar. Precedentes: (...)”;

41

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80. Assim sendo, a opção de mandar essas pessoas para o cárcere deve ser encarada decididamente como a última e radical alternativa num sistema já superlotado e altamente degradante. Dessa forma, proponho que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante seja fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se para os reincidentes a aplicação do art. 33, § 2º, c, do CP36, que, na hipótese, deve ser interpretado conforme a Constituição. Sua incidência fica paralisada no caso concreto, por produzir resultado incompatível com o texto constitucional.

81. Embora a prisão domiciliar somente seja prevista na Lei de Execuções Penais em hipóteses restritas37, a realidade do sistema prisional já vem obrigando juízes e Tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não fique submetido a regime mais gravoso do que aquele a que faz jus, por falta de vagas. Nessa linha, há precedentes das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal38. Por raciocínio semelhante, é possível lançar mão da prisão domiciliar para furtos de valor insignificante, já que o ingresso do agente no sistema carcerário é manifestamente desproporcional à lesividade da ação.

36 CP, art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto

ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de

transferência a regime fechado. (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser

executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes

critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (...) c) o

condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá,

desde o início, cumpri-la em regime aberto.

37 Lei nº 7.210/1984, art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de

regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70

(setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor

ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.

38 Confira-se: HC 107.810, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio: “PENA – EXECUÇÃO –

REGIME. Ante a falência do sistema penitenciário a inviabilizar o cumprimento da pena no

regime menos gravoso a que tem jus o reeducando, o réu, impõe-se o implemento da

denominada prisão domiciliar. Precedentes: (...)”;

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HC 123108 / MG

82. Proponho ainda que a referida pena privativa de liberdade seja, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, afastando-se as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º do CP39, que devem ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. As sanções restritivas de direitos têm um caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, especialmente em casos abrangíveis pelo

HC 87.985, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello: “’HABEAS CORPUS’ - SENTENÇA

CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA AO RÉU O DIREITO AO REGIME PENAL SEMI-

ABERTO - IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COMPETENTE DA

ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO

DESSA MEDIDA - RECOLHIMENTO DO CONDENADO A ESTABELECIMENTO

PRISIONAL DO ESTADO, PARA AGUARDAR, EM REGIME FECHADO, QUE O PODER

PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO

REGIME PENAL SEMI-ABERTO (COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA E/OU INDUSTRIAL) -

INADMISSIBILIDADE - AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO SENTENCIADO -

HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO - PEDIDO DEFERIDO. - O

inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impostas pela Lei de

Execução Penal não pode repercutir, de modo negativo, na esfera jurídica do sentenciado,

frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos subjetivos a ele assegurados pelo

ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário

competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de

execução (LEP, art. 185). Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos

subjetivos - como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na sentença, o

cumprimento da pena em regime menos gravoso - venha a ser impossibilitado por notórias

deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de

viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal. -

Conseqüente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a

superveniência de vagas em colônia penal agrícola e/ou industrial, embora a ele já

reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semi-aberto.”

39 CP, art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas

de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o

crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a

pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem

42

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82. Proponho ainda que a referida pena privativa de liberdade seja, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, afastando-se as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º do CP39, que devem ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. As sanções restritivas de direitos têm um caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, especialmente em casos abrangíveis pelo

HC 87.985, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello: “’HABEAS CORPUS’ - SENTENÇA

CONDENATÓRIA QUE ASSEGURA AO RÉU O DIREITO AO REGIME PENAL SEMI-

ABERTO - IMPOSSIBILIDADE MATERIAL, POR PARTE DE ÓRGÃO COMPETENTE DA

ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO, DE VIABILIZAR A EXECUÇÃO

DESSA MEDIDA - RECOLHIMENTO DO CONDENADO A ESTABELECIMENTO

PRISIONAL DO ESTADO, PARA AGUARDAR, EM REGIME FECHADO, QUE O PODER

PÚBLICO VIABILIZE, MATERIALMENTE, O INGRESSO DO SENTENCIADO NO

REGIME PENAL SEMI-ABERTO (COLÔNIA PENAL AGRÍCOLA E/OU INDUSTRIAL) -

INADMISSIBILIDADE - AFRONTA A DIREITO SUBJETIVO DO SENTENCIADO -

HIPÓTESE CONFIGURADORA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO - PEDIDO DEFERIDO. - O

inadimplemento, por parte do Estado, das obrigações que lhe foram impostas pela Lei de

Execução Penal não pode repercutir, de modo negativo, na esfera jurídica do sentenciado,

frustrando-lhe, injustamente, o exercício de direitos subjetivos a ele assegurados pelo

ordenamento positivo ou reconhecidos em sentença emanada de órgão judiciário

competente, sob pena de configurar-se, se e quando ocorrente tal situação, excesso de

execução (LEP, art. 185). Não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos

subjetivos - como o de iniciar, desde logo, porque assim ordenado na sentença, o

cumprimento da pena em regime menos gravoso - venha a ser impossibilitado por notórias

deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de

viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal. -

Conseqüente inadmissibilidade de o condenado ter de aguardar, em regime fechado, a

superveniência de vagas em colônia penal agrícola e/ou industrial, embora a ele já

reconhecido o direito de cumprir a pena em regime semi-aberto.”

39 CP, art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas

de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o

crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a

pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem

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princípio da insignificância. Assim, somente em caso de descumprimento da pena restritiva deve haver a reconversão para sanção privativa de liberdade, em regime aberto domiciliar. E apenas na hipótese de descumprimento das condições impostas ao condenado em prisão domiciliar é que será possível a regressão para o regime semiaberto.

83. Feitas todas essas considerações – necessárias à reconfiguração do instituto da insignificância, tal como estou aqui propondo –, passo ao caso concreto.

VII – O CASO CONCRETO

84. Como relatado, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado a 1 ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, pelo furto simples de um par de sandálias da marca “Ipanema”, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais).

85. A aplicação do princípio da insignificância foi afastada pelas instâncias de origem em razão da reincidência do réu. Porém, como visto, trata-se de aspecto que não afasta, por si só, a incidência do princípio. Vale notar que a certidão de antecedentes juntada aos autos

como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1º.

(VETADO) § 2º. Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por

multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de

liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas

restritivas de direitos. § 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a

substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente

recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo

crime. § 4º. A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando

ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa

de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos,

respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5º. Sobrevindo

condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá

sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena

substitutiva anterior.

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princípio da insignificância. Assim, somente em caso de descumprimento da pena restritiva deve haver a reconversão para sanção privativa de liberdade, em regime aberto domiciliar. E apenas na hipótese de descumprimento das condições impostas ao condenado em prisão domiciliar é que será possível a regressão para o regime semiaberto.

83. Feitas todas essas considerações – necessárias à reconfiguração do instituto da insignificância, tal como estou aqui propondo –, passo ao caso concreto.

VII – O CASO CONCRETO

84. Como relatado, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado a 1 ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, pelo furto simples de um par de sandálias da marca “Ipanema”, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais).

85. A aplicação do princípio da insignificância foi afastada pelas instâncias de origem em razão da reincidência do réu. Porém, como visto, trata-se de aspecto que não afasta, por si só, a incidência do princípio. Vale notar que a certidão de antecedentes juntada aos autos

como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1º.

(VETADO) § 2º. Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por

multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de

liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas

restritivas de direitos. § 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a

substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente

recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo

crime. § 4º. A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando

ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa

de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos,

respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5º. Sobrevindo

condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá

sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena

substitutiva anterior.

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HC 123108 / MG

(doc. 3. fls. 121-125) aponta que, à época dos fatos em questão (11.12.2009), o réu tinha duas condenações transitadas em julgado por crime de furto, o que entendo não ser suficiente para afastar o princípio.

86. Por outro lado, a alegação da defesa de que o bem teria sido restituído à vítima foi expressamente rejeitada na sentença, com base nas provas dos autos. Desse modo, a via do habeas corpus não se prestaria a rever tal conclusão.

87. De toda forma, verifica-se no caso a manifesta ausência de desvalor do resultado, traduzida pelo ínfimo valor do bem subtraído (R$ 16,00). Incide, portanto, o princípio da insignificância.

VIII – CONCLUSÃO

88. A sistematização ora proposta tem o objetivo de auxiliar o Tribunal na aplicação do princípio da insignificância, diante das preocupações e perplexidades decorrentes do enorme volume de casos e situações fáticas que lhe são submetidas.

89. É compreensível e legítima a preocupação em oferecer uma resposta estatal a pessoas reiteradamente envolvidas em condutas socialmente reprováveis. A dificuldade está em que o direito penal não oferece a melhor solução para o problema. Está-se aqui no domínio das escolhas trágicas40. Embora a solução cogitada traga algum grau de inquiteação ao próprio relator, é preciso confrontá-la com alternativa pior: ao mandar o autor de um furto insignificante para o sistema penitenciário, está-se fabricando, quase inexoravelmente, um criminoso de muito maior agressividade e periculosidade. Vale dizer: não há solução juridicamente simples nem moralmente barata.

90. A alarmante situação carcerária no Brasil e o alto índice de

40 V. Guido Calabresi e Philip Bobbitt, Tragic choices: The conflicts society confronts in

the allocation of tragically scarce resources, 1978.

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(doc. 3. fls. 121-125) aponta que, à época dos fatos em questão (11.12.2009), o réu tinha duas condenações transitadas em julgado por crime de furto, o que entendo não ser suficiente para afastar o princípio.

86. Por outro lado, a alegação da defesa de que o bem teria sido restituído à vítima foi expressamente rejeitada na sentença, com base nas provas dos autos. Desse modo, a via do habeas corpus não se prestaria a rever tal conclusão.

87. De toda forma, verifica-se no caso a manifesta ausência de desvalor do resultado, traduzida pelo ínfimo valor do bem subtraído (R$ 16,00). Incide, portanto, o princípio da insignificância.

VIII – CONCLUSÃO

88. A sistematização ora proposta tem o objetivo de auxiliar o Tribunal na aplicação do princípio da insignificância, diante das preocupações e perplexidades decorrentes do enorme volume de casos e situações fáticas que lhe são submetidas.

89. É compreensível e legítima a preocupação em oferecer uma resposta estatal a pessoas reiteradamente envolvidas em condutas socialmente reprováveis. A dificuldade está em que o direito penal não oferece a melhor solução para o problema. Está-se aqui no domínio das escolhas trágicas40. Embora a solução cogitada traga algum grau de inquiteação ao próprio relator, é preciso confrontá-la com alternativa pior: ao mandar o autor de um furto insignificante para o sistema penitenciário, está-se fabricando, quase inexoravelmente, um criminoso de muito maior agressividade e periculosidade. Vale dizer: não há solução juridicamente simples nem moralmente barata.

90. A alarmante situação carcerária no Brasil e o alto índice de

40 V. Guido Calabresi e Philip Bobbitt, Tragic choices: The conflicts society confronts in

the allocation of tragically scarce resources, 1978.

44

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

HC 123108 / MG

reincidência dos egressos do sistema prisional são problemas altamente complexos e graves, que não podem ser integralmente resolvidos pelo Poder Judiciário. A reconfiguração jurisprudencial da insignificância, como proposta neste voto, constitui mecanismo realista e pragmático de lidar com a realidade presente, até que ela possa ser modificada.

91. Diante do exposto, voto no sentido de conceder a ordem para reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, por aplicação do princípio da insignificância, restando anulados todos os efeitos do processo penal em exame. Fica prejudicada, assim, a alegação referente à nulidade por ausência de interrogatório.

92. Caso tal posição não logre a adesão da maioria, voto, alternativamente, pela concessão parcial da ordem, a fim de alterar o regime inicial de cumprimento da pena para o aberto domiciliar, e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), consistente em prestação de serviços à comunidade, em condições a serem detalhadas na fase da execução penal.

93. É como voto.

45

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HC 123108 / MG

reincidência dos egressos do sistema prisional são problemas altamente complexos e graves, que não podem ser integralmente resolvidos pelo Poder Judiciário. A reconfiguração jurisprudencial da insignificância, como proposta neste voto, constitui mecanismo realista e pragmático de lidar com a realidade presente, até que ela possa ser modificada.

91. Diante do exposto, voto no sentido de conceder a ordem para reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, por aplicação do princípio da insignificância, restando anulados todos os efeitos do processo penal em exame. Fica prejudicada, assim, a alegação referente à nulidade por ausência de interrogatório.

92. Caso tal posição não logre a adesão da maioria, voto, alternativamente, pela concessão parcial da ordem, a fim de alterar o regime inicial de cumprimento da pena para o aberto domiciliar, e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), consistente em prestação de serviços à comunidade, em condições a serem detalhadas na fase da execução penal.

93. É como voto.

45

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Esclarecimento

10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Ministro Barroso, Vossa Excelência me permite?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Claro. Vossa Excelência sempre...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Uma breve observação, interrompendo o seu precioso e sempre preciso relatório, apenas um testemunho pessoal. No caso do descaminho, não obstante haja, realmente, essa distinção até um tanto quanto paradoxal de tratamento, quando se trata de um agente reincidente ou quando se trata de determinadas mercadorias, a exemplo de cigarros, que são nocivos para a saúde, então nós não aplicamos o princípio da insignificância.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Vossa Excelência tem toda razão, no caso de contrabando, que seria o caso de cigarro, não se aplica. Mas, no caso de descaminho, a jurisprudência tem feito uma soma. Portanto, se numa vez for cinco mil e na outra dez mil, não; se uma vez for cinco mil e na outra vinte mil, aí dá vinte e cinco, aí sim. A observação de Vossa Excelência é precisa.

Supremo Tribunal Federal

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10/12/2014 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Ministro Barroso, Vossa Excelência me permite?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Claro. Vossa Excelência sempre...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Uma breve observação, interrompendo o seu precioso e sempre preciso relatório, apenas um testemunho pessoal. No caso do descaminho, não obstante haja, realmente, essa distinção até um tanto quanto paradoxal de tratamento, quando se trata de um agente reincidente ou quando se trata de determinadas mercadorias, a exemplo de cigarros, que são nocivos para a saúde, então nós não aplicamos o princípio da insignificância.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Vossa Excelência tem toda razão, no caso de contrabando, que seria o caso de cigarro, não se aplica. Mas, no caso de descaminho, a jurisprudência tem feito uma soma. Portanto, se numa vez for cinco mil e na outra dez mil, não; se uma vez for cinco mil e na outra vinte mil, aí dá vinte e cinco, aí sim. A observação de Vossa Excelência é precisa.

Supremo Tribunal Federal

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Extrato de Ata - 10/12/2014

PLENÁRIOEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem, o julgamento foi suspenso. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux, e, nesta assentada, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público Federal. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.12.2014.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes

à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira DuarteAssessoria-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal

PLENÁRIOEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem, o julgamento foi suspenso. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux, e, nesta assentada, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público Federal. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.12.2014.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes

à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Teori Zavascki e Roberto Barroso.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira DuarteAssessoria-Chefe do Plenário

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Voto Vista

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O - V I S T A

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 1.405.917/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. Consta dos autos, em síntese, que: (a) o paciente foi condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime de furto simples (art. 155, caput, do Código Penal); (b) buscando a aplicação do princípio da insignificância, a defesa apresentou recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que lhe negou provimento; (c) inconformada, interpôs recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que a Ministra Relatora negou-lhe seguimento; (d) contra essa decisão, foi interposto agravo interno, que foi improvido, em acórdão assim ementado:

(…) 1. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indicados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos enunciados 211/STJ, 282 e 356/STF.

2. Possuindo o dispositivo de lei indicado como violado comando legal dissociado das razões recursais a ele relacionadas, resta impossibilitada a compreensão da controvérsia arguida nos autos, ante a deficiência na fundamentação recursal. Incidência do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. Para a aplicação ou não do princípio da insignificância, devem ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto, o que esbarra na vedação do enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9117974.

Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O - V I S T A

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 1.405.917/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. Consta dos autos, em síntese, que: (a) o paciente foi condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime de furto simples (art. 155, caput, do Código Penal); (b) buscando a aplicação do princípio da insignificância, a defesa apresentou recurso de apelação no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que lhe negou provimento; (c) inconformada, interpôs recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que a Ministra Relatora negou-lhe seguimento; (d) contra essa decisão, foi interposto agravo interno, que foi improvido, em acórdão assim ementado:

(…) 1. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indicados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos enunciados 211/STJ, 282 e 356/STF.

2. Possuindo o dispositivo de lei indicado como violado comando legal dissociado das razões recursais a ele relacionadas, resta impossibilitada a compreensão da controvérsia arguida nos autos, ante a deficiência na fundamentação recursal. Incidência do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. Para a aplicação ou não do princípio da insignificância, devem ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto, o que esbarra na vedação do enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9117974.

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Voto Vista

HC 123108 / MG

5. ‘O intuito de debater novos temas por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no agravo em recurso especial, se reveste de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a análise, ainda que se trate de matéria de ordem pública, porquanto imprescindível a prévia irresignação no momento oportuno, bem como o efetivo exame da matéria’. (AgRg no AREsp 335.371/RN, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 10/02/2014)

6. Agravo regimental a que se nega provimento. (…)”.

Nesta ação, sustenta a impetrante, em síntese, que: (a) “a não realização do interrogatório configurou grave prejuízo à defesa do recorrente, uma vez que a impossibilitou de externar judicialmente sua versão a respeito da conduta que lhe foi imputada”; (b) “apesar de não haver perícia nos autos, o valor objeto do furto é ínfimo (um par de sandália da marca ‘Ipanema’) e, ainda, não houve ofensa ao patrimônio do proprietário do bem em questão, o qual foi restituído”; (c) “o Supremo Tribunal Federal já decidiu que circunstâncias de ordem subjetiva, como o registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do princípio da insignificância”. Requer, assim, a concessão da ordem para que se declare a nulidade da ação penal em razão da ausência do interrogatório e, subsidiariamente, seja aplicado o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade da conduta.

2. A questão suscitada a respeito da nulidade da ação penal não foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça e, portanto, qualquer juízo desta Corte sobre ela implicaria supressão de instância e contrariedade à repartição constitucional de competências, o que não é admitido pela jurisprudência do STF (v.g., entre outros, HC 115266, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 24-09-2013; HC 116717, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 26-09-2013; RHC 117301, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 16-10-2013; HC 111773, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 21-03-2013).

2

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

5. ‘O intuito de debater novos temas por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no agravo em recurso especial, se reveste de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a análise, ainda que se trate de matéria de ordem pública, porquanto imprescindível a prévia irresignação no momento oportuno, bem como o efetivo exame da matéria’. (AgRg no AREsp 335.371/RN, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 10/02/2014)

6. Agravo regimental a que se nega provimento. (…)”.

Nesta ação, sustenta a impetrante, em síntese, que: (a) “a não realização do interrogatório configurou grave prejuízo à defesa do recorrente, uma vez que a impossibilitou de externar judicialmente sua versão a respeito da conduta que lhe foi imputada”; (b) “apesar de não haver perícia nos autos, o valor objeto do furto é ínfimo (um par de sandália da marca ‘Ipanema’) e, ainda, não houve ofensa ao patrimônio do proprietário do bem em questão, o qual foi restituído”; (c) “o Supremo Tribunal Federal já decidiu que circunstâncias de ordem subjetiva, como o registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do princípio da insignificância”. Requer, assim, a concessão da ordem para que se declare a nulidade da ação penal em razão da ausência do interrogatório e, subsidiariamente, seja aplicado o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade da conduta.

2. A questão suscitada a respeito da nulidade da ação penal não foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça e, portanto, qualquer juízo desta Corte sobre ela implicaria supressão de instância e contrariedade à repartição constitucional de competências, o que não é admitido pela jurisprudência do STF (v.g., entre outros, HC 115266, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 24-09-2013; HC 116717, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 26-09-2013; RHC 117301, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 16-10-2013; HC 111773, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 21-03-2013).

2

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Voto Vista

HC 123108 / MG

3. No mais, ao que se constata das decisões das instâncias ordinárias, não se considerou aplicável, nesse caso, o princípio da insignificância à consideração de que o paciente, além de ser reincidente específico, possui ficha de antecedentes e é costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio. Esse entendimento tem por fundamento a alta carga de reprovabilidade da conduta, decorrente da reiteração criminosa do agente. Colhe-se do acórdão emanado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

“É que, embora possua inexpressivo valor material a res furtiva – cerca de R$ 16,00 (dezesseis reais), conforme informação do gerente de venda de loja em que ocorreu o delito (fl. 90) –, não há como se afirmar o desinteresse estatal à repressão do delito praticado, por ser o réu reincidente e fazer da prática delituosa o seu meio de sobrevivência, segundo se verifica da CAC de f. 91/95.

Se assim pudéssemos entender, poderia acarretar um demasiado aumento da impunidade e da eficácia intimidante das leis penais, o que impede, no caso, a aplicação do princípio da insignificância que não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto.

Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal, como é o caso dos autos”.

Registre-se, ainda, excerto da sentença condenatória, no qual se evidencia que o crime objeto desta impetração teria sido cometido quando o paciente cumpria pena por outro delito de furto:

“No tocante à autoria, o réu confessou parcialmente a prática do delito a ele atribuído, afirmando que (…). Transcreve-se:

3

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HC 123108 / MG

3. No mais, ao que se constata das decisões das instâncias ordinárias, não se considerou aplicável, nesse caso, o princípio da insignificância à consideração de que o paciente, além de ser reincidente específico, possui ficha de antecedentes e é costumeiro na prática de crimes contra o patrimônio. Esse entendimento tem por fundamento a alta carga de reprovabilidade da conduta, decorrente da reiteração criminosa do agente. Colhe-se do acórdão emanado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

“É que, embora possua inexpressivo valor material a res furtiva – cerca de R$ 16,00 (dezesseis reais), conforme informação do gerente de venda de loja em que ocorreu o delito (fl. 90) –, não há como se afirmar o desinteresse estatal à repressão do delito praticado, por ser o réu reincidente e fazer da prática delituosa o seu meio de sobrevivência, segundo se verifica da CAC de f. 91/95.

Se assim pudéssemos entender, poderia acarretar um demasiado aumento da impunidade e da eficácia intimidante das leis penais, o que impede, no caso, a aplicação do princípio da insignificância que não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto.

Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal, como é o caso dos autos”.

Registre-se, ainda, excerto da sentença condenatória, no qual se evidencia que o crime objeto desta impetração teria sido cometido quando o paciente cumpria pena por outro delito de furto:

“No tocante à autoria, o réu confessou parcialmente a prática do delito a ele atribuído, afirmando que (…). Transcreve-se:

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Voto Vista

HC 123108 / MG

que o declarante encontra-se cumprindo pena no presídio local, por furto(...)”.

4. O caso, portanto, não diz respeito a um simples e isolado furto de um par de chinelos. Trata-se, na verdade, de um furto (de pequeno valor, é certo), praticado por agente reincidente e com reiterada conduta da mesma espécie, por conta da qual se encontra cumprindo pena. Sendo assim, é preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade em casos como o examinado. Negar a tipicidade dessas condutas significa afirmar que, do ponto de vista penal, seriam condutas lícitas. Pode-se argumentar que o lesado, nesse caso, terá a faculdade de pleitear uma indenização, no plano da responsabilidade civil. Não é preciso enfatizar que, à toda evidência, a alternativa da reparação civil não passa de possibilidade meramente formal, destituída de qualquer viabilidade no plano da realidade. Sendo assim, a conduta seria não apenas penalmente lícita, mas também imune a qualquer espécie de repressão estatal, a significar que, na prática, será uma conduta equivalente a uma conduta jurídica lícita e legítima, sob todos os aspectos.

Ora, isso está em manifesto descompasso com os valores que, inegavelmente, permeiam o conceito social de justiça. É inegável que a conduta em causa – prática reiterada e contumaz de pequenos furtos – não é considerada socialmente aceitável. Não é difícil imaginar, portanto, que, ante a inação estatal em reprimi-la, a sociedade buscará proteger-se com iniciativas que redundarão em fazer justiça por mão própria. Essa é uma consequência que, nas circunstâncias, se mostra natural e incontornável. Sendo assim, parece certo que, a pretexto de favorecer o agente, a imunização da sua conduta do controle estatal acabará por deixá-lo exposto a uma situação de “justiça privada”, com resultados imprevisíveis, provavelmente muito mais graves. O Judiciário, que detém o monopólio da jurisdição, não pode, com sua inação, abrir espaço para que isso ocorra. É justamente para situações como essa que se deve prestigiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar, em cada caso

4

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que o declarante encontra-se cumprindo pena no presídio local, por furto(...)”.

4. O caso, portanto, não diz respeito a um simples e isolado furto de um par de chinelos. Trata-se, na verdade, de um furto (de pequeno valor, é certo), praticado por agente reincidente e com reiterada conduta da mesma espécie, por conta da qual se encontra cumprindo pena. Sendo assim, é preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade em casos como o examinado. Negar a tipicidade dessas condutas significa afirmar que, do ponto de vista penal, seriam condutas lícitas. Pode-se argumentar que o lesado, nesse caso, terá a faculdade de pleitear uma indenização, no plano da responsabilidade civil. Não é preciso enfatizar que, à toda evidência, a alternativa da reparação civil não passa de possibilidade meramente formal, destituída de qualquer viabilidade no plano da realidade. Sendo assim, a conduta seria não apenas penalmente lícita, mas também imune a qualquer espécie de repressão estatal, a significar que, na prática, será uma conduta equivalente a uma conduta jurídica lícita e legítima, sob todos os aspectos.

Ora, isso está em manifesto descompasso com os valores que, inegavelmente, permeiam o conceito social de justiça. É inegável que a conduta em causa – prática reiterada e contumaz de pequenos furtos – não é considerada socialmente aceitável. Não é difícil imaginar, portanto, que, ante a inação estatal em reprimi-la, a sociedade buscará proteger-se com iniciativas que redundarão em fazer justiça por mão própria. Essa é uma consequência que, nas circunstâncias, se mostra natural e incontornável. Sendo assim, parece certo que, a pretexto de favorecer o agente, a imunização da sua conduta do controle estatal acabará por deixá-lo exposto a uma situação de “justiça privada”, com resultados imprevisíveis, provavelmente muito mais graves. O Judiciário, que detém o monopólio da jurisdição, não pode, com sua inação, abrir espaço para que isso ocorra. É justamente para situações como essa que se deve prestigiar o papel do juiz da causa, a quem cabe avaliar, em cada caso

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HC 123108 / MG

concreto, a aplicação, em dosagem adequada, seja do disposto no art. 155, § 2º do CP , seja da adequada aplicação do princípio constitucional da individualização da pena.

5. A propósito da aplicação do princípio da insignificância em casos dessa natureza, continuo convencido da posição defendida perante a Segunda Turma, como, v.g., no HC 111.077, DJe de 3/2/2014, em que sustentei:

“3. Há convergência de entendimento, na jurisprudência do STF, de que, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e assim afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. É ilustrativo e sempre referido, a propósito, o acórdão de lavra do Ministro Celso de Mello, no HC 84.412-SP, 2 ª Turma, DJ de 19.11.2004, em cuja ementa se lê:

(...) O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

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concreto, a aplicação, em dosagem adequada, seja do disposto no art. 155, § 2º do CP , seja da adequada aplicação do princípio constitucional da individualização da pena.

5. A propósito da aplicação do princípio da insignificância em casos dessa natureza, continuo convencido da posição defendida perante a Segunda Turma, como, v.g., no HC 111.077, DJe de 3/2/2014, em que sustentei:

“3. Há convergência de entendimento, na jurisprudência do STF, de que, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e assim afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. É ilustrativo e sempre referido, a propósito, o acórdão de lavra do Ministro Celso de Mello, no HC 84.412-SP, 2 ª Turma, DJ de 19.11.2004, em cuja ementa se lê:

(...) O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

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HC 123108 / MG

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Com a mesma orientação, entre muitos outros: HC 110.841-PR, 2ª Turma, Min. Cármen Lúcia, DJe de 14.12.2012; HC 113.327-MG, 2ª Turma, Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 08.12.2012; HC 109.871-MS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJe de 03.10.2012), todos indicando, como requisitos negativos de tipicidade, por insignificância, a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma periculosidade social, a reduzida reprovabilidade e de inexpressividade da lesão jurídica, requisitos que, assevera-se, devem ser necessariamente concomitantes.

4. A despeito dessa orientação uniforme sobre os pressupostos básicos do princípio da insignificância, registra-se no Tribunal certa divergência quanto a levar em consideração ou não, para esse efeito, a contumácia do agente na prática da conduta. É justamente essa a hipótese dos autos. Afastando, em casos tais, a aplicação do princípio, há diversos acórdãos da 1ª Turma, onde, ao que se constata, a jurisprudência é firme nesse sentido: HC 114.548-PR, Min. Rosa Weber, DJe 27.11.2012; HC 115.422-MG, Min. Dias Toffoli, DJe de 14.12.2012; HC 109.739-

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O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Com a mesma orientação, entre muitos outros: HC 110.841-PR, 2ª Turma, Min. Cármen Lúcia, DJe de 14.12.2012; HC 113.327-MG, 2ª Turma, Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 08.12.2012; HC 109.871-MS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJe de 03.10.2012), todos indicando, como requisitos negativos de tipicidade, por insignificância, a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma periculosidade social, a reduzida reprovabilidade e de inexpressividade da lesão jurídica, requisitos que, assevera-se, devem ser necessariamente concomitantes.

4. A despeito dessa orientação uniforme sobre os pressupostos básicos do princípio da insignificância, registra-se no Tribunal certa divergência quanto a levar em consideração ou não, para esse efeito, a contumácia do agente na prática da conduta. É justamente essa a hipótese dos autos. Afastando, em casos tais, a aplicação do princípio, há diversos acórdãos da 1ª Turma, onde, ao que se constata, a jurisprudência é firme nesse sentido: HC 114.548-PR, Min. Rosa Weber, DJe 27.11.2012; HC 115.422-MG, Min. Dias Toffoli, DJe de 14.12.2012; HC 109.739-

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SP, Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951-RS, Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696-MS, Dias Toffoli, DJ 20.10.2011; HC 107.674-MG, Min. Cármen Lúcia, DJe 14.09.2011. Mas, nesta 2ª Turma, há posições divergentes, registrando-se acórdãos que consideram irrelevante, para aferição da insignificância, a contumácia ou a reincidência do agente: HC 112.400-RS, Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.08.2012; HC 106.510-MG, Min. Celso de Mello, DJe 13.06.2011; HC 110.244-RS, Min. Gilmar Mendes, DJe 09.04.2012; HC 93.393-RS, Min. Cezar Peluso, DJe 15.05.2009.

5. O enfrentamento dessa específica questão impõe a consideração de algumas premissas de ordem conceitual. É que, como bem assevera a jurisprudência do Tribunal, nesse ponto sem divergência, o princípio da insignificância não pode ser aquilatado à luz, apenas, do conceito de tipicidade formal, mas, sim, da tipicidade em seu sentido material, conforme, aliás, ficou claro no voto do Ministro Celso de Mello, no já referido HC 84.412-SP. A questão que se põe é a de saber se o juízo de tipicidade material comporta exame dessa conduta social do agente, representada pela contumácia da prática delituosa.

6. A rigor, na base dessa discussão está o próprio conceito de delito, que, sem divergência alguma, a doutrina costuma definir da seguinte maneira:

‘Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que, por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação), é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável)’ (ZAFFARARONI, Eugênio Raul; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral v. 1, 9ª ed., RT:SP, 2011, p. 344/345).

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SP, Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951-RS, Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696-MS, Dias Toffoli, DJ 20.10.2011; HC 107.674-MG, Min. Cármen Lúcia, DJe 14.09.2011. Mas, nesta 2ª Turma, há posições divergentes, registrando-se acórdãos que consideram irrelevante, para aferição da insignificância, a contumácia ou a reincidência do agente: HC 112.400-RS, Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.08.2012; HC 106.510-MG, Min. Celso de Mello, DJe 13.06.2011; HC 110.244-RS, Min. Gilmar Mendes, DJe 09.04.2012; HC 93.393-RS, Min. Cezar Peluso, DJe 15.05.2009.

5. O enfrentamento dessa específica questão impõe a consideração de algumas premissas de ordem conceitual. É que, como bem assevera a jurisprudência do Tribunal, nesse ponto sem divergência, o princípio da insignificância não pode ser aquilatado à luz, apenas, do conceito de tipicidade formal, mas, sim, da tipicidade em seu sentido material, conforme, aliás, ficou claro no voto do Ministro Celso de Mello, no já referido HC 84.412-SP. A questão que se põe é a de saber se o juízo de tipicidade material comporta exame dessa conduta social do agente, representada pela contumácia da prática delituosa.

6. A rigor, na base dessa discussão está o próprio conceito de delito, que, sem divergência alguma, a doutrina costuma definir da seguinte maneira:

‘Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que, por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação), é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável)’ (ZAFFARARONI, Eugênio Raul; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral v. 1, 9ª ed., RT:SP, 2011, p. 344/345).

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Há, pois, relevante diferença entre tipo e tipicidade:

‘O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal. (...) O juiz comprova a tipicidade comparando a conduta particular e concreta com a individualização típica, para ver se se adequa ou não a ela. Este processo mental é o juízo de tipicidade que o juiz deve realizar’ (op. cit., p. 388).

O juízo de tipicidade envolve, também e necessariamente, consideração sobre a chamada antinormatividade, a saber:

‘O tipo é gerado pelo interesse do legislador no ente que valora, elevando-o a bem jurídico, enunciando uma norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal que a ela agrega uma tutela penal. Conforme esse processo de gestação, resultará que a conduta que se adequa a um tipo penal será, necessariamente, contrária à norma que está anteposta ao tipo legal, e afetará o bem jurídico tutelado. (...) Isso significa que a conduta, pelo fato de ser penalmente típica, necessariamente deve ser também antinormativa.

Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. (...) O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado.

A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, posto que

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Há, pois, relevante diferença entre tipo e tipicidade:

‘O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal. (...) O juiz comprova a tipicidade comparando a conduta particular e concreta com a individualização típica, para ver se se adequa ou não a ela. Este processo mental é o juízo de tipicidade que o juiz deve realizar’ (op. cit., p. 388).

O juízo de tipicidade envolve, também e necessariamente, consideração sobre a chamada antinormatividade, a saber:

‘O tipo é gerado pelo interesse do legislador no ente que valora, elevando-o a bem jurídico, enunciando uma norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal que a ela agrega uma tutela penal. Conforme esse processo de gestação, resultará que a conduta que se adequa a um tipo penal será, necessariamente, contrária à norma que está anteposta ao tipo legal, e afetará o bem jurídico tutelado. (...) Isso significa que a conduta, pelo fato de ser penalmente típica, necessariamente deve ser também antinormativa.

Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. (...) O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado.

A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, posto que

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requer uma investigação do alcance da norma que está anteposta, e que deu origem ao tipo legal, e uma investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a tipicidade penal da conduta. (...) A tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade.’ (op. cit., p. 398/9).

Ora, é desse juízo amplo que se extrai o conceito de tipicidade apto a integrar, como elemento indispensável, o conceito de delito:

‘Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (...). (grifei)

A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será, pois, reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou fomenta’ (op. cit., p. 400).

(…)Os principais casos em que, apesar da tipicidade

legal, configura-se uma atipicidade conglobante, ocorrem quando uma norma ordena o que outra parece proibir (cumprimento do dever legal), quando uma norma parece proibir o que outra fomenta, quando uma norma parece

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requer uma investigação do alcance da norma que está anteposta, e que deu origem ao tipo legal, e uma investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a tipicidade penal da conduta. (...) A tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade.’ (op. cit., p. 398/9).

Ora, é desse juízo amplo que se extrai o conceito de tipicidade apto a integrar, como elemento indispensável, o conceito de delito:

‘Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas (...). (grifei)

A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será, pois, reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou fomenta’ (op. cit., p. 400).

(…)Os principais casos em que, apesar da tipicidade

legal, configura-se uma atipicidade conglobante, ocorrem quando uma norma ordena o que outra parece proibir (cumprimento do dever legal), quando uma norma parece proibir o que outra fomenta, quando uma norma parece

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proibir o que outra exclui do âmbito de proibição, por estar fora da ingerência do Estado, e quando uma norma parece proibir condutas cuja realização garantem outras normas, proibindo as condutas que a perturbam’ (op. cit., p. 479)

Essa tipicidade conglobante produz outros resultados importantes, que interessam mais de perto à questão aqui em exame:

‘Se a norma tem sua razão de ser na tutela de um bem jurídico, não podem incluir no seu âmbito de proibição as condutas que não afetam o bem jurídico. Consequentemente, para que uma conduta seja penalmente típica é necessário que tenha afetado o bem jurídico. Embora se trate de um conceito que nos proporciona um claro instrumento de interpretação legal, pode acontecer que o tipo legal tenha se configurado, e, no entanto, o bem jurídico não tenha sido atingido. Isto só pode ser estabelecido na tipicidade conglobante, ainda que, é justo reconhecer, se trate de casos excepcionais’ (op. cit., p.488/9).

Bem se vê, portanto, que a aplicação do princípio da insignificância resulta justamente desse juízo de atipicidade conglobante:

‘Há relativamente pouco tempo, observou-se que as afetações de bens jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade, isto é, alguma gravidade, posto que nem toda a afetação mínima do bem jurídico era capaz de configurar a afetação requerida pela tipicidade penal. (…)

A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica

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proibir o que outra exclui do âmbito de proibição, por estar fora da ingerência do Estado, e quando uma norma parece proibir condutas cuja realização garantem outras normas, proibindo as condutas que a perturbam’ (op. cit., p. 479)

Essa tipicidade conglobante produz outros resultados importantes, que interessam mais de perto à questão aqui em exame:

‘Se a norma tem sua razão de ser na tutela de um bem jurídico, não podem incluir no seu âmbito de proibição as condutas que não afetam o bem jurídico. Consequentemente, para que uma conduta seja penalmente típica é necessário que tenha afetado o bem jurídico. Embora se trate de um conceito que nos proporciona um claro instrumento de interpretação legal, pode acontecer que o tipo legal tenha se configurado, e, no entanto, o bem jurídico não tenha sido atingido. Isto só pode ser estabelecido na tipicidade conglobante, ainda que, é justo reconhecer, se trate de casos excepcionais’ (op. cit., p.488/9).

Bem se vê, portanto, que a aplicação do princípio da insignificância resulta justamente desse juízo de atipicidade conglobante:

‘Há relativamente pouco tempo, observou-se que as afetações de bens jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade, isto é, alguma gravidade, posto que nem toda a afetação mínima do bem jurídico era capaz de configurar a afetação requerida pela tipicidade penal. (…)

A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica

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para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada’ (op. cit., p. 488/9).6. O que resulta dessas premissas conceituais é que a

aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio, envolve juízo muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa, nesse juízo de tipicidade conglobante, de modo significativo, investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, que se traduz pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela falta de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Repetindo Zaffaroni, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (op. cit, p. 489). Essa constatação – de que a insignificância do resultado da ação não pode, por si só, afastar a tipicidade - se mostra evidente quando se considera que não passaram despercebidas ao legislador as hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas como fundamento, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade, cumpre, portanto, que se vá além da irrelevância penal a que se referiu o legislador. É indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de que se apure se o resultado dessa investigação ampliada é compatível ou não com a finalidade perseguida pelo ordenamento penal, ou, em outras palavras, se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não, quando examinado no seu contexto social, tem relevância penal. Parece certo concluir,

11

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para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada’ (op. cit., p. 488/9).6. O que resulta dessas premissas conceituais é que a

aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio, envolve juízo muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa, nesse juízo de tipicidade conglobante, de modo significativo, investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, que se traduz pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela falta de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Repetindo Zaffaroni, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (op. cit, p. 489). Essa constatação – de que a insignificância do resultado da ação não pode, por si só, afastar a tipicidade - se mostra evidente quando se considera que não passaram despercebidas ao legislador as hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas como fundamento, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade, cumpre, portanto, que se vá além da irrelevância penal a que se referiu o legislador. É indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de que se apure se o resultado dessa investigação ampliada é compatível ou não com a finalidade perseguida pelo ordenamento penal, ou, em outras palavras, se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não, quando examinado no seu contexto social, tem relevância penal. Parece certo concluir,

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à luz dessas premissas, que a relevância penal, em casos dessa natureza, comporta, sim, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.

7. É importante, todavia, que seja precisado o conceito de contumácia, a ser levado em consideração nesse juízo de insignificância penal do fato. Muita apropriada, no ponto, a observação do Professor Luiz Flávio Gomes (op. cit. p. 112/115), de que se deve

‘destacar a existência de três situações distintas: 1) a multirreincidência ou reiteração cumulativa; 2) multirreincidência ou reiteração não cumulativa; e 3) fato único cometido por agente reincidente:

1. Multirreincidência ou reiteração cumulativa: parece-nos muito acertado afirmar que a multirreincidência (de algo em princípio irrelevante) pode elevar o fato para patamar relevante, deixando de ter validade o princípio da insignificância. Em outras palavras, quando o agente pratica reiteradas condutas que, somadas, não geram um resultado insignificante (sim, bastante expressivo), deixa de ter pertinência o princípio que estamos estudando. Gerente de banco (ou um ‘hacker’) que desvia R$ 1,00 de cada conta corrente, no final, aufere soma significativa. Empregado que trabalha como caixa de estabelecimento comercial e que furta, diariamente, pequena quantidade de dinheiro. Para efeito da pena e da aplicação do principio da insignificância temos que com siderar o todo como fato único. Com isso fica refutada a aplicação a doutrina da insiginificancia quando o agente, mediante reiteradas condutas, acaba lesando seriamente o bem jurídico. (...)

2. Multirreincidência ou reiteração não cumulativa: essa é a situação de quem pratica vários fatos insignificantes, porém, não contra a mesma vitima nem de forma cumulativa. São fatos desconectados no tempo.

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à luz dessas premissas, que a relevância penal, em casos dessa natureza, comporta, sim, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.

7. É importante, todavia, que seja precisado o conceito de contumácia, a ser levado em consideração nesse juízo de insignificância penal do fato. Muita apropriada, no ponto, a observação do Professor Luiz Flávio Gomes (op. cit. p. 112/115), de que se deve

‘destacar a existência de três situações distintas: 1) a multirreincidência ou reiteração cumulativa; 2) multirreincidência ou reiteração não cumulativa; e 3) fato único cometido por agente reincidente:

1. Multirreincidência ou reiteração cumulativa: parece-nos muito acertado afirmar que a multirreincidência (de algo em princípio irrelevante) pode elevar o fato para patamar relevante, deixando de ter validade o princípio da insignificância. Em outras palavras, quando o agente pratica reiteradas condutas que, somadas, não geram um resultado insignificante (sim, bastante expressivo), deixa de ter pertinência o princípio que estamos estudando. Gerente de banco (ou um ‘hacker’) que desvia R$ 1,00 de cada conta corrente, no final, aufere soma significativa. Empregado que trabalha como caixa de estabelecimento comercial e que furta, diariamente, pequena quantidade de dinheiro. Para efeito da pena e da aplicação do principio da insignificância temos que com siderar o todo como fato único. Com isso fica refutada a aplicação a doutrina da insiginificancia quando o agente, mediante reiteradas condutas, acaba lesando seriamente o bem jurídico. (...)

2. Multirreincidência ou reiteração não cumulativa: essa é a situação de quem pratica vários fatos insignificantes, porém, não contra a mesma vitima nem de forma cumulativa. São fatos desconectados no tempo.

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Furta uma caneta esferográfica hoje, um DVD no mês seguinte etc. Para nós, considerando-se que os fatos são insignificantes se isolados (ou seja, não cumulativos), não há impedimento para a incidência do principio da insignificância, que conta com critérios objetivos. (...)

3. Fato único insignificante cometido por réu reincidente: cuidando-se de fato único, não há como negar a incidência do principio da insignificância, que deve ser regido por critérios objetivos. Isso significa que só o fato de o réu ser reincidente não pode ser critério impeditivo para a incidência do princípio da insignificância, que é objetivo. Para sua aplicação não contam os dados pessoais do agente (maus antecedentes, reincidência, etc.)’

A ressalva que se faz, a essa doutrina, é quanto a hipótese da aplicação do princípio em situação de multirreincidência ou reiteração não cumulativa de condutas do mesmo gênero (embora não, necessariamente, pertencente a idêntico tipo legal). A não ser quando sejam fatos esporádicos e distanciados no tempo, também essa especie de multirreincidência – situação de quem pratica vários fatos insignificantes, porém, não contra a mesma vítima, nem de forma cumulativa, mormente quando o agente faz disso um meio de vida –, constitui pratica que não pode ser considerada como abonadora de conduta social aceitável, nem pode ser tida como irrelevante para os fins a que se destina a tipificação do delito, “a luz da finalidade geral que da sentido a ordem normativa”.

À luz dessa doutrina não há como, no caso concreto, reconhecer, pura e simplesmente, a atipicidade da conduta do agente.

6. Entretanto, a imposição do regime inicial semiaberto revela-se desproporcional para reprovação e prevenção para a conduta ilícita imputada ao paciente. O modo inicial de cumprimento da pena foi assim estabelecido pelo juiz sentenciante:

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Furta uma caneta esferográfica hoje, um DVD no mês seguinte etc. Para nós, considerando-se que os fatos são insignificantes se isolados (ou seja, não cumulativos), não há impedimento para a incidência do principio da insignificância, que conta com critérios objetivos. (...)

3. Fato único insignificante cometido por réu reincidente: cuidando-se de fato único, não há como negar a incidência do principio da insignificância, que deve ser regido por critérios objetivos. Isso significa que só o fato de o réu ser reincidente não pode ser critério impeditivo para a incidência do princípio da insignificância, que é objetivo. Para sua aplicação não contam os dados pessoais do agente (maus antecedentes, reincidência, etc.)’

A ressalva que se faz, a essa doutrina, é quanto a hipótese da aplicação do princípio em situação de multirreincidência ou reiteração não cumulativa de condutas do mesmo gênero (embora não, necessariamente, pertencente a idêntico tipo legal). A não ser quando sejam fatos esporádicos e distanciados no tempo, também essa especie de multirreincidência – situação de quem pratica vários fatos insignificantes, porém, não contra a mesma vítima, nem de forma cumulativa, mormente quando o agente faz disso um meio de vida –, constitui pratica que não pode ser considerada como abonadora de conduta social aceitável, nem pode ser tida como irrelevante para os fins a que se destina a tipificação do delito, “a luz da finalidade geral que da sentido a ordem normativa”.

À luz dessa doutrina não há como, no caso concreto, reconhecer, pura e simplesmente, a atipicidade da conduta do agente.

6. Entretanto, a imposição do regime inicial semiaberto revela-se desproporcional para reprovação e prevenção para a conduta ilícita imputada ao paciente. O modo inicial de cumprimento da pena foi assim estabelecido pelo juiz sentenciante:

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HC 123108 / MG

“O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o SEMIABERTO, em razão da reincidência”.

7. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena faz parte do processo de individualização da pena, aspecto que encontra guarida na Constituição da República. No âmbito do Código Penal, a regência da matéria situa-se na interpretação sistemática dos arts. 33 e 59, ou seja, a integração do critério referente ao quantum da pena e os vetores subjetivos relacionados às circunstâncias judiciais. É de todo oportuno, para exata compreensão da matéria, a reprodução textual dos § § 2º e 3º do art. 33:

“2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.

Pela expressão literal do texto normativo, poder-se-ia afirmar que o regime fechado seria o único possível ao reincidente condenando à pena de reclusão, independentemente do quantum da pena aplicada. Ou seja: a reincidência, qualquer que tenha sido o delito praticado, imporia ao sentenciado a obrigação de transitar pelos três regimes prisionais. Essa interpretação literal foi adotada em diversos julgados do Superior

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“O regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade será o SEMIABERTO, em razão da reincidência”.

7. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena faz parte do processo de individualização da pena, aspecto que encontra guarida na Constituição da República. No âmbito do Código Penal, a regência da matéria situa-se na interpretação sistemática dos arts. 33 e 59, ou seja, a integração do critério referente ao quantum da pena e os vetores subjetivos relacionados às circunstâncias judiciais. É de todo oportuno, para exata compreensão da matéria, a reprodução textual dos § § 2º e 3º do art. 33:

“2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.

Pela expressão literal do texto normativo, poder-se-ia afirmar que o regime fechado seria o único possível ao reincidente condenando à pena de reclusão, independentemente do quantum da pena aplicada. Ou seja: a reincidência, qualquer que tenha sido o delito praticado, imporia ao sentenciado a obrigação de transitar pelos três regimes prisionais. Essa interpretação literal foi adotada em diversos julgados do Superior

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HC 123108 / MG

Tribunal de Justiça: REsp 4.217/PA, Rel. Min. JOSÉ CÂNDIDO, DJ de 05/11/1990; REsp 6.221/PR, Rel. Min. CARLOS THIBAU, DJ de 22/04/1991; REsp 77.373/SP, Rel. Min. WILLIAM PATTERSON, DJ de 13/05/1996; REsp 149.263/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO, DJ de 22.06.1998; REsp 66.708/SP, Min. Rel. EDSON VIDIGAL, DJ de 24.06.1996, esse último assim ementado:

“PENAL. PROCESSUAL. REGIME PRISIONAL. RÉU REINCIDENTE.

1. O condenado reincidente deve iniciar o cumprimento da pena de reclusão sempre em regime fechado, independentemente da quantidade de pena aplicada.

2. Recurso conhecido e provido”.

Com a mesma compreensão, colhe-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal o seguinte precedente:

“’HABEAS CORPUS’. SENTENÇA CONDENATÓRIA: RÉU REINCIDENTE: PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE: REGIME FECHADO PARA O INÍCIO DA EXECUÇÃO. DECISÃO EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA: REDUÇÃO DA PENA CARCERÁRIA, PREVALECENDO, NO MAIS, A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. 1. Incensurável o acórdão que, não obstante dar provimento parcial ao recurso de apelação da defesa para reduzir a pena privativa da liberdade, manteve, quanto ao mais, a sentença de primeiro grau que, em face da reincidência, determinou o regime fechado para o início da execução (art. 33 e § 2º, a, b, c, do Código Penal). 2. Habeas corpus indeferido” (HC 73927, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 20/08/1996, DJ 11-10-1996 PP-38500 EMENT VOL-01845-01 PP-00170).

No seu voto o Ministro Maurício Corrêa consignou que:

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HC 123108 / MG

Tribunal de Justiça: REsp 4.217/PA, Rel. Min. JOSÉ CÂNDIDO, DJ de 05/11/1990; REsp 6.221/PR, Rel. Min. CARLOS THIBAU, DJ de 22/04/1991; REsp 77.373/SP, Rel. Min. WILLIAM PATTERSON, DJ de 13/05/1996; REsp 149.263/DF, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO, DJ de 22.06.1998; REsp 66.708/SP, Min. Rel. EDSON VIDIGAL, DJ de 24.06.1996, esse último assim ementado:

“PENAL. PROCESSUAL. REGIME PRISIONAL. RÉU REINCIDENTE.

1. O condenado reincidente deve iniciar o cumprimento da pena de reclusão sempre em regime fechado, independentemente da quantidade de pena aplicada.

2. Recurso conhecido e provido”.

Com a mesma compreensão, colhe-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal o seguinte precedente:

“’HABEAS CORPUS’. SENTENÇA CONDENATÓRIA: RÉU REINCIDENTE: PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE: REGIME FECHADO PARA O INÍCIO DA EXECUÇÃO. DECISÃO EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA: REDUÇÃO DA PENA CARCERÁRIA, PREVALECENDO, NO MAIS, A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. 1. Incensurável o acórdão que, não obstante dar provimento parcial ao recurso de apelação da defesa para reduzir a pena privativa da liberdade, manteve, quanto ao mais, a sentença de primeiro grau que, em face da reincidência, determinou o regime fechado para o início da execução (art. 33 e § 2º, a, b, c, do Código Penal). 2. Habeas corpus indeferido” (HC 73927, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 20/08/1996, DJ 11-10-1996 PP-38500 EMENT VOL-01845-01 PP-00170).

No seu voto o Ministro Maurício Corrêa consignou que:

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HC 123108 / MG

“Eis, nos pontos que interessam ao writ, o que está no acórdão proferido em sede de apelação criminal interposta pelo impetrante-paciente e outro co-réu:

‘Fixou-se a pena-base no piso legal, acrescida na segunda fase do art. 68, C.Penal em 1/6 pela reincidência (fls. 89v), majorando-se ainda em 1/3 pelas qualificadoras, ficando em seis anos, dois meses e vinte dias de reclusão e multa de quatorze dias. A seguir, pelo conatus e adotando-se o mesmo tratamento que dispensado a Edmilson, diminui-se em 2/3, resultando toda a operação em dois anos e vinte dias de reclusão e permanecendo a multa de três dias, em homenagem ao princípio non reformatio in pejus.

......... Prevalece no mais o r. decisório guerreado pelos

sentenciados Milton Carneiro e Edmilson Alves dos Santos. Posto isto, deram provimento parcial aos apelos de Milton

Carneiro para reduzir-se sua expiação para dois anos e vinte dias de reclusão e pagamento da multa de três dias, e de Edmilson Alves dos Santos para também reduzir-se seu castigo para o pagamento da multa de três dias, tudo com valor unitário mínimo.’

Incensurável o decisum. Por isso, com bastante propriedade, destaca conclusivamente o parecer da Procuradoria Geral da República:

‘Não há lugar para a omissão apontada pelo impetrante-paciente, visto que o acórdão, embora provendo parcialmente o apelo da defesa para reduzir a pena privativa da liberdade, fez prevalecer quanto ao mais a sentença de primeiro grau que, diante da reincidência do réu, fixara o regime fechado para o início da execução. A mitigação da pena carcerária não alterou esse quadro pois, em se tratando de pena de reclusão, o reincidente deve iniciar a execução no regime fechado (CP - art. 33 e § 2º, a, b,

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“Eis, nos pontos que interessam ao writ, o que está no acórdão proferido em sede de apelação criminal interposta pelo impetrante-paciente e outro co-réu:

‘Fixou-se a pena-base no piso legal, acrescida na segunda fase do art. 68, C.Penal em 1/6 pela reincidência (fls. 89v), majorando-se ainda em 1/3 pelas qualificadoras, ficando em seis anos, dois meses e vinte dias de reclusão e multa de quatorze dias. A seguir, pelo conatus e adotando-se o mesmo tratamento que dispensado a Edmilson, diminui-se em 2/3, resultando toda a operação em dois anos e vinte dias de reclusão e permanecendo a multa de três dias, em homenagem ao princípio non reformatio in pejus.

......... Prevalece no mais o r. decisório guerreado pelos

sentenciados Milton Carneiro e Edmilson Alves dos Santos. Posto isto, deram provimento parcial aos apelos de Milton

Carneiro para reduzir-se sua expiação para dois anos e vinte dias de reclusão e pagamento da multa de três dias, e de Edmilson Alves dos Santos para também reduzir-se seu castigo para o pagamento da multa de três dias, tudo com valor unitário mínimo.’

Incensurável o decisum. Por isso, com bastante propriedade, destaca conclusivamente o parecer da Procuradoria Geral da República:

‘Não há lugar para a omissão apontada pelo impetrante-paciente, visto que o acórdão, embora provendo parcialmente o apelo da defesa para reduzir a pena privativa da liberdade, fez prevalecer quanto ao mais a sentença de primeiro grau que, diante da reincidência do réu, fixara o regime fechado para o início da execução. A mitigação da pena carcerária não alterou esse quadro pois, em se tratando de pena de reclusão, o reincidente deve iniciar a execução no regime fechado (CP - art. 33 e § 2º, a, b,

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Voto Vista

HC 123108 / MG

c ).’

Isto posto, conheço do pedido mas indefiro o habeas corpus”.

8. Posteriormente, houve revisão dessa posição extremada, por se considerar que ela não espelharia a melhor exegese em torno da matéria. Assim, em 22 de maio de 2002, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 269, com o seguinte teor:

“É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

Os precedentes fundamentadores da edição do enunciado sumular revelam, em linhas gerais, que a existência da circunstância objetiva da reincidência não poderia, por si só, ensejar juízo de grave desproporcionalidade, sobretudo se considerado que a base normativa do Código Penal, no quesito de dosimetria, é marcada essencialmente pela exigência de que o juiz valore os vetores subjetivos que envolvem a causa penal (CP, art. 59). Essa linha de compreensão, aliás, vem ao encontro da orientação jurisprudencial desta Corte, no sentido de que “o processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado (…), como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo” (HC 97256, Pleno, Rel. Min. AYRES BRITTO).

9. De certo modo, o juízo exercido sobre a matéria levou em consideração também a necessidade de se implementar uma política criminal - já reclamada na exposição de motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 - orientada no sentido de se “restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere,

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

c ).’

Isto posto, conheço do pedido mas indefiro o habeas corpus”.

8. Posteriormente, houve revisão dessa posição extremada, por se considerar que ela não espelharia a melhor exegese em torno da matéria. Assim, em 22 de maio de 2002, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 269, com o seguinte teor:

“É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

Os precedentes fundamentadores da edição do enunciado sumular revelam, em linhas gerais, que a existência da circunstância objetiva da reincidência não poderia, por si só, ensejar juízo de grave desproporcionalidade, sobretudo se considerado que a base normativa do Código Penal, no quesito de dosimetria, é marcada essencialmente pela exigência de que o juiz valore os vetores subjetivos que envolvem a causa penal (CP, art. 59). Essa linha de compreensão, aliás, vem ao encontro da orientação jurisprudencial desta Corte, no sentido de que “o processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado (…), como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo” (HC 97256, Pleno, Rel. Min. AYRES BRITTO).

9. De certo modo, o juízo exercido sobre a matéria levou em consideração também a necessidade de se implementar uma política criminal - já reclamada na exposição de motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 - orientada no sentido de se “restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere,

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Voto Vista

HC 123108 / MG

limitando sua incidência aos casos de reconhecida necessidade. As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como (…) os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho” (itens 26 e 27). Nessa linha de regulação, aliás, convém citar a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, que autorizou o magistrado sentenciante a proceder à substituição da pena privativa de liberdade até mesmo ao condenado reincidente não específico (CP, art. 44, § 3º).

Realmente, foge do senso de justiça colocar em situação equivalente um sentenciado por crime de pequena significação, que tenha uma condenação anterior, a uma pessoa que feriu gravemente a sociedade com a prática de estupro, de tráfico de drogas ou de latrocínio. Com razão, pois, o Ministro Relator quando afirma que “há situações que, embora enquadráveis no relato geral de enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico".

10. Pois bem. Se é certo que não há como equalizar, para fins de tipificação penal, o primário com o reincidente, parece não haver dúvida, particularmente nessa especial situação de insignificância, de que se mostra desproporcional emprestar à reincidência força jurídica suficiente para impor ao paciente, obrigatoriamente, o regime semiaberto, próprio para as penas de maior envergadura jurídico-penal. Nessas circunstâncias deve ganhar especial destaque o exame dos requisitos do art. 59 do Código Penal (art. 33, § 3º, do CP), como pressuposto natural para uma interpretação abrangente que privilegie o princípio da proporção entre a conduta e a penalidade necessária. A compreensão da espécie demanda uma leitura em perspectiva, tendo presente a regra geral de

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limitando sua incidência aos casos de reconhecida necessidade. As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como (…) os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho” (itens 26 e 27). Nessa linha de regulação, aliás, convém citar a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, que autorizou o magistrado sentenciante a proceder à substituição da pena privativa de liberdade até mesmo ao condenado reincidente não específico (CP, art. 44, § 3º).

Realmente, foge do senso de justiça colocar em situação equivalente um sentenciado por crime de pequena significação, que tenha uma condenação anterior, a uma pessoa que feriu gravemente a sociedade com a prática de estupro, de tráfico de drogas ou de latrocínio. Com razão, pois, o Ministro Relator quando afirma que “há situações que, embora enquadráveis no relato geral de enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico".

10. Pois bem. Se é certo que não há como equalizar, para fins de tipificação penal, o primário com o reincidente, parece não haver dúvida, particularmente nessa especial situação de insignificância, de que se mostra desproporcional emprestar à reincidência força jurídica suficiente para impor ao paciente, obrigatoriamente, o regime semiaberto, próprio para as penas de maior envergadura jurídico-penal. Nessas circunstâncias deve ganhar especial destaque o exame dos requisitos do art. 59 do Código Penal (art. 33, § 3º, do CP), como pressuposto natural para uma interpretação abrangente que privilegie o princípio da proporção entre a conduta e a penalidade necessária. A compreensão da espécie demanda uma leitura em perspectiva, tendo presente a regra geral de

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Voto Vista

HC 123108 / MG

proporcionalidade, compatível com a natureza e repercussão do delito. É indispensável, todavia, que a avaliação se dê caso a caso, até porque a pura e simples uniformização de tratamento não encontra justificativa na eleição de um padrão onde a homogeneidade não existe, até pelas dimensões territoriais do país, que oferecem realidades sociais, econômicas e culturais heterogêneas e inteiramente diferenciadas. Acertada, por isso, a orientação do STJ relativamente a réus reincidentes com penas inferiores a 4 anos, a quem aquela Corte tem deferido o regime semiaberto, subordinando assim uma interpretação literal da lei a uma necessária adequação ao princípio constitucional da devida individualização da pena.

11. Mutatis mutandis, o mesmo deve acontecer neste caso em especial: (a) trata-se de conduta de pequena significação e de virtual insignificância, apenas admitida a tipicidade em razão da reincidência; e (b) no capítulo da dosimetria, há registro expresso de que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis ao paciente, razão por que a pena-base alcançou o mínimo legal. Assim, verificadas as circunstâncias erigidas pelo STF em situação de virtual insignificância e sendo o caso de atendimento dos vetores subjetivos do art. 59 do Código Penal, é de se reconhecer, apesar da reincidência, o cabimento do regime aberto por aplicação do mesmo padrão de interpretação da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça.

12. Com base nesse entendimento, e considerando que, segundo afirmam as instâncias ordinárias, está presente a situação de reincidência e reiteração cumulativa de delitos da mesma natureza, voto pela denegação da ordem, mas a concedo, de ofício, para fixar como o aberto o regime inicial. É o voto.

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proporcionalidade, compatível com a natureza e repercussão do delito. É indispensável, todavia, que a avaliação se dê caso a caso, até porque a pura e simples uniformização de tratamento não encontra justificativa na eleição de um padrão onde a homogeneidade não existe, até pelas dimensões territoriais do país, que oferecem realidades sociais, econômicas e culturais heterogêneas e inteiramente diferenciadas. Acertada, por isso, a orientação do STJ relativamente a réus reincidentes com penas inferiores a 4 anos, a quem aquela Corte tem deferido o regime semiaberto, subordinando assim uma interpretação literal da lei a uma necessária adequação ao princípio constitucional da devida individualização da pena.

11. Mutatis mutandis, o mesmo deve acontecer neste caso em especial: (a) trata-se de conduta de pequena significação e de virtual insignificância, apenas admitida a tipicidade em razão da reincidência; e (b) no capítulo da dosimetria, há registro expresso de que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis ao paciente, razão por que a pena-base alcançou o mínimo legal. Assim, verificadas as circunstâncias erigidas pelo STF em situação de virtual insignificância e sendo o caso de atendimento dos vetores subjetivos do art. 59 do Código Penal, é de se reconhecer, apesar da reincidência, o cabimento do regime aberto por aplicação do mesmo padrão de interpretação da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça.

12. Com base nesse entendimento, e considerando que, segundo afirmam as instâncias ordinárias, está presente a situação de reincidência e reiteração cumulativa de delitos da mesma natureza, voto pela denegação da ordem, mas a concedo, de ofício, para fixar como o aberto o regime inicial. É o voto.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Realmente o Ministro Teori Zavascki está trazendo um tema que sempre foi muito discutido, pelo menos, na Segunda Turma, da qual participei, como também participei da Primeira, mas me lembro que, na Primeira, os debates não foram tão intensos como na Segunda. Sua Excelência está trazendo à colação, à baila, a seguinte questão: o princípio da insignificância deve ser conjugado com outros fatores; um desses fatores é reincidência e outro fator é a eventual qualificação do crime, ou mesmo a gravidade do crime.

Eu mesmo sou um dos Juízes que tem acompanhado esse entendimento do Ministro Teori Zavascki no sentido de entender que, quando há reincidência, ou quando o crime se reveste de especial gravidade, ou quando há um fator que qualifique o crime, como, por exemplo, um furto mediante escalada, onde há uma maior periculosidade do agente, objetivamente revelada por esse comportamento, não há que se aplicar, enfim, esse princípio da insignificância ou da bagatela. Apenas para situar esta questão e, de certa maneira, já adiantar, eu até estou verificando aqui, pelos votos anteriores que proferi, que tenho acompanhado o Ministro Teori nesse sentido.

Então, a questão que se coloca é esta: independentemente de outros fatores, considerado apenas o crime em si mesmo, se é possível ou não considerar o princípio da bagatela, ou se é necessário levar em consideração outros fatores.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Realmente o Ministro Teori Zavascki está trazendo um tema que sempre foi muito discutido, pelo menos, na Segunda Turma, da qual participei, como também participei da Primeira, mas me lembro que, na Primeira, os debates não foram tão intensos como na Segunda. Sua Excelência está trazendo à colação, à baila, a seguinte questão: o princípio da insignificância deve ser conjugado com outros fatores; um desses fatores é reincidência e outro fator é a eventual qualificação do crime, ou mesmo a gravidade do crime.

Eu mesmo sou um dos Juízes que tem acompanhado esse entendimento do Ministro Teori Zavascki no sentido de entender que, quando há reincidência, ou quando o crime se reveste de especial gravidade, ou quando há um fator que qualifique o crime, como, por exemplo, um furto mediante escalada, onde há uma maior periculosidade do agente, objetivamente revelada por esse comportamento, não há que se aplicar, enfim, esse princípio da insignificância ou da bagatela. Apenas para situar esta questão e, de certa maneira, já adiantar, eu até estou verificando aqui, pelos votos anteriores que proferi, que tenho acompanhado o Ministro Teori nesse sentido.

Então, a questão que se coloca é esta: independentemente de outros fatores, considerado apenas o crime em si mesmo, se é possível ou não considerar o princípio da bagatela, ou se é necessário levar em consideração outros fatores.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Senhor Presidente, Vossa Excelência me dá a palavra como Relator? Apenas para recolocar a questão. Já se passou algum tempo do julgamento, eu ouvi com interesse, cuidado, prazer e proveito o voto do Ministro Teori, como sempre faço. E faço bom proveito quando concordo e faço bom proveito quando não concordo também, até porque essa é uma matéria em que todos nós temos aflições e dúvidas relevantes. Eu apenas relembraria a hipótese e a alternativa de que gostaria de cogitar.

Eu trouxe a julgamento três casos em que está em questão o

princípio da insignificância. No primeiro caso, um indivíduo foi condenado a um ano de prisão pelo furto de um par de sandálias de R$ 16,00 (dezesseis reais), não lhe tendo sido aplicado o princípio da insignificância pela circunstância de que era reincidente igualmente em um pequeno furto. Portanto, não se aplicou a insignificância por reincidência. O segundo caso é o de furto de dois sabonetes íntimos no valor de R$ 48,00 (quarenta e oito reais), no qual não se aplicou o princípio da insignificância porque o crime foi praticado por marido e mulher. Portanto, houve coautoria, qualificação do furto, e se entende, portanto, que a insignificância não pode ser aplicada. E o terceiro caso foi o do furto dos quinze bombons caseiros no valor de R$ 30,00 (trinta reais), com rompimento de obstáculo e escalada.

Eu trouxe a matéria à discussão porque o Tribunal tem mantido uma

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03/08/2015 PLENÁRIO

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RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

PACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVES IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EXPLICAÇÃO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Senhor Presidente, Vossa Excelência me dá a palavra como Relator? Apenas para recolocar a questão. Já se passou algum tempo do julgamento, eu ouvi com interesse, cuidado, prazer e proveito o voto do Ministro Teori, como sempre faço. E faço bom proveito quando concordo e faço bom proveito quando não concordo também, até porque essa é uma matéria em que todos nós temos aflições e dúvidas relevantes. Eu apenas relembraria a hipótese e a alternativa de que gostaria de cogitar.

Eu trouxe a julgamento três casos em que está em questão o

princípio da insignificância. No primeiro caso, um indivíduo foi condenado a um ano de prisão pelo furto de um par de sandálias de R$ 16,00 (dezesseis reais), não lhe tendo sido aplicado o princípio da insignificância pela circunstância de que era reincidente igualmente em um pequeno furto. Portanto, não se aplicou a insignificância por reincidência. O segundo caso é o de furto de dois sabonetes íntimos no valor de R$ 48,00 (quarenta e oito reais), no qual não se aplicou o princípio da insignificância porque o crime foi praticado por marido e mulher. Portanto, houve coautoria, qualificação do furto, e se entende, portanto, que a insignificância não pode ser aplicada. E o terceiro caso foi o do furto dos quinze bombons caseiros no valor de R$ 30,00 (trinta reais), com rompimento de obstáculo e escalada.

Eu trouxe a matéria à discussão porque o Tribunal tem mantido uma

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HC 123108 / MG

jurisprudência pela qual a reincidência, em si, ou a qualificação do furto impedem, por si sós, a aplicação do princípio da insignificância. E, verdadeiramente, esta é a matéria que eu gostaria de submeter ao Tribunal. Eu não vou repetir o meu voto, mas apenas gostaria de pontuar onde há divergência.

Eu gostaria de dizer que eu compartilho do ponto de vista do Ministro Teori Zavascki de que o furto de um par de chinelos ou de um sabonete íntimo ou de uma caixa de bombons não são fatos irrelevantes e, evidentemente, é socialmente condenável esse tipo de conduta. Portanto, nós não estamos divergindo quanto à reprovabilidade desses delitos que aqui procurei enquadrar como colhidos pelo princípio da insignificância.

O que nós divergimos aqui e o que estou divergindo da posição do Tribunal, por isso trouxe a matéria, diz respeito ao tipo de resposta que o Estado deve dar a esses delitos. Uma possibilidade, que vem das instâncias inferiores, é a condenação do réu, mesmo que em tese o delito pudesse ser colhido pela insignificância, pelo simples fato da reincidência; e condenação à pena privativa de liberdade em regime semiaberto. Ou seja, o sujeito vai para o sistema. Essa é uma resposta. A outra resposta, que é a que permeou o meu voto, é a de que encarcerar este indivíduo, aplicar a ele uma pena privativa de liberdade, é pior para a sociedade e pior para o indivíduo. Para o indivíduo evidentemente, mas nós estamos aqui cuidando também da questão da sociedade. E é pior porque joga este indivíduo num sistema superlotado. É pior porque, tragicamente, no dia em que ele entrar no sistema penitenciário, em quase todas as capitais do país, ele já vai escolher a qual facção vai pertencer. E é, portanto, indesejável, porque esse indivíduo de baixíssima periculosidade, depois de cumprir quatro, cinco, seis meses de prisão no sistema penitenciário, sairá como um indivíduo perigoso e devedor de favores às facções.

Portanto, a primeira divergência em relação à decisão que vem de

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jurisprudência pela qual a reincidência, em si, ou a qualificação do furto impedem, por si sós, a aplicação do princípio da insignificância. E, verdadeiramente, esta é a matéria que eu gostaria de submeter ao Tribunal. Eu não vou repetir o meu voto, mas apenas gostaria de pontuar onde há divergência.

Eu gostaria de dizer que eu compartilho do ponto de vista do Ministro Teori Zavascki de que o furto de um par de chinelos ou de um sabonete íntimo ou de uma caixa de bombons não são fatos irrelevantes e, evidentemente, é socialmente condenável esse tipo de conduta. Portanto, nós não estamos divergindo quanto à reprovabilidade desses delitos que aqui procurei enquadrar como colhidos pelo princípio da insignificância.

O que nós divergimos aqui e o que estou divergindo da posição do Tribunal, por isso trouxe a matéria, diz respeito ao tipo de resposta que o Estado deve dar a esses delitos. Uma possibilidade, que vem das instâncias inferiores, é a condenação do réu, mesmo que em tese o delito pudesse ser colhido pela insignificância, pelo simples fato da reincidência; e condenação à pena privativa de liberdade em regime semiaberto. Ou seja, o sujeito vai para o sistema. Essa é uma resposta. A outra resposta, que é a que permeou o meu voto, é a de que encarcerar este indivíduo, aplicar a ele uma pena privativa de liberdade, é pior para a sociedade e pior para o indivíduo. Para o indivíduo evidentemente, mas nós estamos aqui cuidando também da questão da sociedade. E é pior porque joga este indivíduo num sistema superlotado. É pior porque, tragicamente, no dia em que ele entrar no sistema penitenciário, em quase todas as capitais do país, ele já vai escolher a qual facção vai pertencer. E é, portanto, indesejável, porque esse indivíduo de baixíssima periculosidade, depois de cumprir quatro, cinco, seis meses de prisão no sistema penitenciário, sairá como um indivíduo perigoso e devedor de favores às facções.

Portanto, a primeira divergência em relação à decisão que vem de

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HC 123108 / MG

baixo é que ela determina um encarceramento em regime semiaberto. Portanto, é uma decisão que coloca o autor deste pequeno furto dentro do sistema penitenciário.

Há dois problemas teóricos, Presidente, que eu não vou explorar aqui, mas que não considero irrelevantes. Primeiro, é que se nós consideramos, como a jurisprudência do Supremo tem considerado e a doutrina inteira considera, que a hipótese de insignificância é de atipicidade material, a reincidência impedir o reconhecimento da atipicidade material, a meu ver, gera uma incongruência teórica extremamente complexa.

Eu divirjo do Ministro Teori numa questão teórica, mas ela é irrelevante, quanto ao uso do Zaffaroni no seu conceito de tipicidade conglobante, porque acho que o sentido que ele dá é diferente. E o sentido que ele dá é redutor da apenação, e não potencializador da apenação, mas eu não queria transformar isso num debate teórico. Eu só gostaria de explicitar, primeiro, a razão pela qual considero que a pena privativa de liberdade é indesejável nos casos de insignificância. E, por isso, eu estou mantendo o meu voto.

Agora, o Ministro Teori Zavascki propõe uma solução que converge para a solução alternativa que eu havia proposto no meu voto. Quer dizer, na verdade, do ponto de vista prático, o Ministro Teori concede regime aberto para dois e não concede para o terceiro, porque o terceiro já havia obtido medida restritiva de direito. Portanto, a conclusão do Ministro Teori, quanto aos casos concretos, coincide com a solução alternativa. Eu, no meu voto, Presidente, disse que trataria como atipicidade material nesses casos. Porém, se o Tribunal não convergir para esse ponto de vista - e aí eu trato de como deve ser a apenação nos casos de insignificância -, aqui eu, no meu voto, dizia:

Por essa razão, caso a minha posição principal não logre maioria - posição que eu aqui reitero -, eu submeto ao Tribunal

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HC 123108 / MG

baixo é que ela determina um encarceramento em regime semiaberto. Portanto, é uma decisão que coloca o autor deste pequeno furto dentro do sistema penitenciário.

Há dois problemas teóricos, Presidente, que eu não vou explorar aqui, mas que não considero irrelevantes. Primeiro, é que se nós consideramos, como a jurisprudência do Supremo tem considerado e a doutrina inteira considera, que a hipótese de insignificância é de atipicidade material, a reincidência impedir o reconhecimento da atipicidade material, a meu ver, gera uma incongruência teórica extremamente complexa.

Eu divirjo do Ministro Teori numa questão teórica, mas ela é irrelevante, quanto ao uso do Zaffaroni no seu conceito de tipicidade conglobante, porque acho que o sentido que ele dá é diferente. E o sentido que ele dá é redutor da apenação, e não potencializador da apenação, mas eu não queria transformar isso num debate teórico. Eu só gostaria de explicitar, primeiro, a razão pela qual considero que a pena privativa de liberdade é indesejável nos casos de insignificância. E, por isso, eu estou mantendo o meu voto.

Agora, o Ministro Teori Zavascki propõe uma solução que converge para a solução alternativa que eu havia proposto no meu voto. Quer dizer, na verdade, do ponto de vista prático, o Ministro Teori concede regime aberto para dois e não concede para o terceiro, porque o terceiro já havia obtido medida restritiva de direito. Portanto, a conclusão do Ministro Teori, quanto aos casos concretos, coincide com a solução alternativa. Eu, no meu voto, Presidente, disse que trataria como atipicidade material nesses casos. Porém, se o Tribunal não convergir para esse ponto de vista - e aí eu trato de como deve ser a apenação nos casos de insignificância -, aqui eu, no meu voto, dizia:

Por essa razão, caso a minha posição principal não logre maioria - posição que eu aqui reitero -, eu submeto ao Tribunal

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HC 123108 / MG

a minha proposta alternativa de concessão parcial da ordem, a fim de alterar o regime inicial de cumprimento da pena para aberto domiciliar e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

Aqui, Presidente, até pedi para distribuir a todos os colegas. Qual é uma das minhas aflições em relação ao princípio da insignificância? É que ele vem sendo aplicado de maneira relativamente inconstante. Eventualmente, aqui no Tribunal, mas, sobretudo, na jurisprudência dos tribunais inferiores.

Eu concordo integralmente com o Ministro Teori que a decisão sobre a aplicação ou não da insignificância deve competir ao juiz do caso concreto. Portanto, neste particular, estamos todos de acordo. Só que o juiz do caso concreto, seguindo a jurisprudência do Supremo, entende que não pode aplicar insignificância sempre que haja reincidência, ou sempre que haja qualificação. Portanto, eu acho que, independentemente do caso concreto, essa é uma questão que nós precisamos enfrentar. A mim, não me parece que a reincidência por si só deva, em todo e qualquer caso, impedir o reconhecimento da insignificância; nem me parece que a coautoria deva, em todo e qualquer caso, impedir a insignificância. Nesse caso emblemático do marido e mulher que furtaram um sabonete íntimo, tratar essa hipótese como coautoria qualificadora foge ao propósito da norma quando tipificou o furto como qualificado.

De modo, Presidente, que, em relação ao caso concreto, eu mantenho a minha posição, porque considero que houve atipicidade na conduta, pelas razões que expus no meu voto. Alternativamente, tenho a hipótese do regime aberto. Mas o que eu gostaria de fazer, Presidente, e fiz distribuir a todos, é procurar uniformizar as teses do Tribunal como orientação para os juízes do caso concreto. Se alguma dessas minhas propostas for aprovada, eu acho que será uma boa orientação; se elas não forem aprovadas, estamos reiterando um ponto de vista.

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Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9060618.

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HC 123108 / MG

a minha proposta alternativa de concessão parcial da ordem, a fim de alterar o regime inicial de cumprimento da pena para aberto domiciliar e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

Aqui, Presidente, até pedi para distribuir a todos os colegas. Qual é uma das minhas aflições em relação ao princípio da insignificância? É que ele vem sendo aplicado de maneira relativamente inconstante. Eventualmente, aqui no Tribunal, mas, sobretudo, na jurisprudência dos tribunais inferiores.

Eu concordo integralmente com o Ministro Teori que a decisão sobre a aplicação ou não da insignificância deve competir ao juiz do caso concreto. Portanto, neste particular, estamos todos de acordo. Só que o juiz do caso concreto, seguindo a jurisprudência do Supremo, entende que não pode aplicar insignificância sempre que haja reincidência, ou sempre que haja qualificação. Portanto, eu acho que, independentemente do caso concreto, essa é uma questão que nós precisamos enfrentar. A mim, não me parece que a reincidência por si só deva, em todo e qualquer caso, impedir o reconhecimento da insignificância; nem me parece que a coautoria deva, em todo e qualquer caso, impedir a insignificância. Nesse caso emblemático do marido e mulher que furtaram um sabonete íntimo, tratar essa hipótese como coautoria qualificadora foge ao propósito da norma quando tipificou o furto como qualificado.

De modo, Presidente, que, em relação ao caso concreto, eu mantenho a minha posição, porque considero que houve atipicidade na conduta, pelas razões que expus no meu voto. Alternativamente, tenho a hipótese do regime aberto. Mas o que eu gostaria de fazer, Presidente, e fiz distribuir a todos, é procurar uniformizar as teses do Tribunal como orientação para os juízes do caso concreto. Se alguma dessas minhas propostas for aprovada, eu acho que será uma boa orientação; se elas não forem aprovadas, estamos reiterando um ponto de vista.

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Explicação

HC 123108 / MG

Portanto, Presidente, as teses que embasam o meu convencimento nesses três habeas corpus são as seguintes. A primeira:

A reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem por si sós que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.

Portanto, tudo que estou fazendo é devolvendo ao juiz do caso concreto a possibilidade de considerar, como nesse caso eu considerei, que o anterior furto de uma calça de criança num varal não era de gravidade suficiente para me impedir de reconhecer a insignificância no caso desse cidadão que roubou um par de chinelos. Mas eu não quero ser o juiz da causa. Eu quero dar um balizamento ao juiz de primeiro grau e dizer: o simples fato de haver reincidência ou qualificadora não impedem o reconhecimento da insignificância. Esta é a primeira proposta que eu gostaria de submeter, não como tese vinculante, mas como um obiter dictum relevante que servisse de bússola para o juiz de primeiro grau.

A segunda tese, Presidente, que eu gostaria de submeter é a seguinte:

Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto e domiciliar.

E aqui a razão de ter feito essa opção é não deixar que este indivíduo de nenhuma periculosidade entre no sistema, de modo que ele sofre uma reprimenda, ele ficará sujeito a uma pena privativa de liberdade, mas uma pena privativa de liberdade em regime aberto de prisão domiciliar. Para isso – e acho que o Ministro Teori Zavascki já fez isso também no

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HC 123108 / MG

Portanto, Presidente, as teses que embasam o meu convencimento nesses três habeas corpus são as seguintes. A primeira:

A reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem por si sós que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.

Portanto, tudo que estou fazendo é devolvendo ao juiz do caso concreto a possibilidade de considerar, como nesse caso eu considerei, que o anterior furto de uma calça de criança num varal não era de gravidade suficiente para me impedir de reconhecer a insignificância no caso desse cidadão que roubou um par de chinelos. Mas eu não quero ser o juiz da causa. Eu quero dar um balizamento ao juiz de primeiro grau e dizer: o simples fato de haver reincidência ou qualificadora não impedem o reconhecimento da insignificância. Esta é a primeira proposta que eu gostaria de submeter, não como tese vinculante, mas como um obiter dictum relevante que servisse de bússola para o juiz de primeiro grau.

A segunda tese, Presidente, que eu gostaria de submeter é a seguinte:

Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto e domiciliar.

E aqui a razão de ter feito essa opção é não deixar que este indivíduo de nenhuma periculosidade entre no sistema, de modo que ele sofre uma reprimenda, ele ficará sujeito a uma pena privativa de liberdade, mas uma pena privativa de liberdade em regime aberto de prisão domiciliar. Para isso – e acho que o Ministro Teori Zavascki já fez isso também no

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Explicação

HC 123108 / MG

voto dele – é preciso afastar, para os reincidentes, a aplicação do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal, que, na hipótese, deve ser interpretado conforme a Constituição. Portanto, a sua incidência fica paralisada, no caso concreto, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade. Desse modo, o juiz de primeiro grau, ao reconhecer que a hipótese pode ser enquadrada no princípio da insignificância, mas se entender que não deve enquadrá-la, por exemplo, por reincidência, ele pode – pode, não é obrigado –, nós não estamos fixando critérios definitivos, mas estamos autorizando o juiz, neste caso, a decretar a prisão em regime aberto, como é a proposta do Ministro Teori e era a proposta alternativa do meu voto.

E a terceira e última ideia que compartilho é:

Na hipótese prevista acima de aplicação de pena privativa de liberdade, a conduta que, considerada isoladamente, poderia enquadrar-se no âmbito da insignificância, e que não o foi em razão da reincidência ou da qualificação, deverá o juiz, como regra geral, substituí-la por pena restritiva de direitos, afastando-se a incidência do artigo 44, II e § 3º, do CP, que também impede essa aplicação no caso de reincidência, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade.

Em última análise, o que eu estou propondo aqui é que, quando se entenda que não deva ser aplicado o princípio da insignificância, por reincidência ou por qualificação do furto – o juiz todavia poderá, terá a faculdade e preferencialmente deverá fazer assim –, a pena privativa de liberdade a ser aplicada deverá ser em regime aberto. E, sempre que possível, a critério do juiz do caso concreto, essa pena privativa de liberdade deve ser convertida em pena restritiva de direito.

Presidente, concluindo, eu votei considerando que nos três casos deveria incidir o princípio da insignificância e, consequentemente, eu

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HC 123108 / MG

voto dele – é preciso afastar, para os reincidentes, a aplicação do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal, que, na hipótese, deve ser interpretado conforme a Constituição. Portanto, a sua incidência fica paralisada, no caso concreto, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade. Desse modo, o juiz de primeiro grau, ao reconhecer que a hipótese pode ser enquadrada no princípio da insignificância, mas se entender que não deve enquadrá-la, por exemplo, por reincidência, ele pode – pode, não é obrigado –, nós não estamos fixando critérios definitivos, mas estamos autorizando o juiz, neste caso, a decretar a prisão em regime aberto, como é a proposta do Ministro Teori e era a proposta alternativa do meu voto.

E a terceira e última ideia que compartilho é:

Na hipótese prevista acima de aplicação de pena privativa de liberdade, a conduta que, considerada isoladamente, poderia enquadrar-se no âmbito da insignificância, e que não o foi em razão da reincidência ou da qualificação, deverá o juiz, como regra geral, substituí-la por pena restritiva de direitos, afastando-se a incidência do artigo 44, II e § 3º, do CP, que também impede essa aplicação no caso de reincidência, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade.

Em última análise, o que eu estou propondo aqui é que, quando se entenda que não deva ser aplicado o princípio da insignificância, por reincidência ou por qualificação do furto – o juiz todavia poderá, terá a faculdade e preferencialmente deverá fazer assim –, a pena privativa de liberdade a ser aplicada deverá ser em regime aberto. E, sempre que possível, a critério do juiz do caso concreto, essa pena privativa de liberdade deve ser convertida em pena restritiva de direito.

Presidente, concluindo, eu votei considerando que nos três casos deveria incidir o princípio da insignificância e, consequentemente, eu

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Explicação

HC 123108 / MG

concedi a ordem nos três casos. A minha tese alternativa era a de prisão em regime aberto, que tem a adesão do Ministro Teori, mas eu estou propondo a mais, Presidente - e até gostaria de ouvir o Ministro Teori antes de ouvir o Ministro Fachin -, que o Tribunal deve, porque acho que essa é uma obrigação que nós temos, impedir uma jurisprudência desencontrada em primeiro grau. E se não prevalecerem essas teses, eu vou lastimar, mas ainda assim alguma orientação é melhor do que nenhuma orientação. E, hoje em dia, Ministro Fux, há juízes de primeiro grau que atuam de uma determinada forma e juízes que atuam de outra forma.

Então, as minhas propostas são, independentemente da solução do caso concreto, estabelecer que o simples fato da reincidência não impede que o juiz reconheça a insignificância. E se o juiz, em caso que em tese comportaria a insignificância, entender no entanto de condenar, a condenação deve ser em regime aberto e, como regra geral, deve substituir a pena por medida restritiva de direito.

Agradeço a atenção, Presidente. É como voto.

* * * * *

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HC 123108 / MG

concedi a ordem nos três casos. A minha tese alternativa era a de prisão em regime aberto, que tem a adesão do Ministro Teori, mas eu estou propondo a mais, Presidente - e até gostaria de ouvir o Ministro Teori antes de ouvir o Ministro Fachin -, que o Tribunal deve, porque acho que essa é uma obrigação que nós temos, impedir uma jurisprudência desencontrada em primeiro grau. E se não prevalecerem essas teses, eu vou lastimar, mas ainda assim alguma orientação é melhor do que nenhuma orientação. E, hoje em dia, Ministro Fux, há juízes de primeiro grau que atuam de uma determinada forma e juízes que atuam de outra forma.

Então, as minhas propostas são, independentemente da solução do caso concreto, estabelecer que o simples fato da reincidência não impede que o juiz reconheça a insignificância. E se o juiz, em caso que em tese comportaria a insignificância, entender no entanto de condenar, a condenação deve ser em regime aberto e, como regra geral, deve substituir a pena por medida restritiva de direito.

Agradeço a atenção, Presidente. É como voto.

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Esclarecimento

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Ministro Barroso, apenas um esclarecimento: em sua tese nº 2, Vossa Excelência preconiza o regime inicial aberto domiciliar. Eu tenho uma certa dúvida com relação a isso, porque o regime aberto, que está previsto no art. 33, § 1º, alínea c, do Código Penal, diz o seguinte: "(…) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado". No caso da prisão domiciliar, eu enfrentei muitas vezes essa questão e essa dúvida; muitas vezes queria, em certos casos, deferir a prisão domiciliar, mas ela está regulada em outra lei, que é precisamente a Lei de Execução Penal, que trata da matéria no art. 117 e que tem a seguinte dicção:

"Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;II - condenado acometido de doença grave;III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV - condenada gestante".

Eu, portanto, não sei. Para essa combinação do regime aberto com o regime domiciliar, embora até desejável em certos casos, nós teríamos que combinar aqui duas leis distintas.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu já explico, Presidente: é que na maior parte dos Estados da Federação brasileira, inclusive e notadamente no Distrito Federal, a ausência de casa de albergado faz com que o regime aberto seja cumprido em prisão domiciliar. Por qual razão eu já coloquei o domiciliar "de cara"? Porque, se não, o sujeito primeiro entra no sistema e depois é que ele vai para a prisão domiciliar. A minha preocupação aqui é que – se alguém conversar com os Defensores Públicos ou com os servidores do

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Ministro Barroso, apenas um esclarecimento: em sua tese nº 2, Vossa Excelência preconiza o regime inicial aberto domiciliar. Eu tenho uma certa dúvida com relação a isso, porque o regime aberto, que está previsto no art. 33, § 1º, alínea c, do Código Penal, diz o seguinte: "(…) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado". No caso da prisão domiciliar, eu enfrentei muitas vezes essa questão e essa dúvida; muitas vezes queria, em certos casos, deferir a prisão domiciliar, mas ela está regulada em outra lei, que é precisamente a Lei de Execução Penal, que trata da matéria no art. 117 e que tem a seguinte dicção:

"Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;II - condenado acometido de doença grave;III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV - condenada gestante".

Eu, portanto, não sei. Para essa combinação do regime aberto com o regime domiciliar, embora até desejável em certos casos, nós teríamos que combinar aqui duas leis distintas.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu já explico, Presidente: é que na maior parte dos Estados da Federação brasileira, inclusive e notadamente no Distrito Federal, a ausência de casa de albergado faz com que o regime aberto seja cumprido em prisão domiciliar. Por qual razão eu já coloquei o domiciliar "de cara"? Porque, se não, o sujeito primeiro entra no sistema e depois é que ele vai para a prisão domiciliar. A minha preocupação aqui é que – se alguém conversar com os Defensores Públicos ou com os servidores do

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, eles confirmarão – a entrada no sistema é o divisor de águas: entrou no sistema, ele contrai automaticamente todos os vícios.

Portanto, é por essa razão, Presidente. Mas gostaria de dizer a Vossa Excelência que, por jurisprudência dominante e chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo, nos casos da Ação Penal nº 470, todos os réus em regime aberto que cumprem pena no Distrito Federal, pelo menos, estão em prisão domiciliar.

Portanto, Vossa Excelência tem toda razão ao afirmar que há normas distintas, mas, no mundo real e por força da jurisprudência, o regime aberto, em boa parte do País, virou prisão domiciliar. Há até uma repercussão geral com o Ministro Gilmar Mendes, que provavelmente vai trazê-la, em que se discute precisamente essa situação de não haver acomodação no regime próprio e, portanto, a ida para um regime mais brando.

Por essa razão, eu propus, Presidente, o "aberto domiciliar", porque a jurisprudência tem encampado essa ideia, embora Vossa Excelência esteja certo quanto ao tratamento legislativo diverso.

*********************

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HC 123108 / MG

Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, eles confirmarão – a entrada no sistema é o divisor de águas: entrou no sistema, ele contrai automaticamente todos os vícios.

Portanto, é por essa razão, Presidente. Mas gostaria de dizer a Vossa Excelência que, por jurisprudência dominante e chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo, nos casos da Ação Penal nº 470, todos os réus em regime aberto que cumprem pena no Distrito Federal, pelo menos, estão em prisão domiciliar.

Portanto, Vossa Excelência tem toda razão ao afirmar que há normas distintas, mas, no mundo real e por força da jurisprudência, o regime aberto, em boa parte do País, virou prisão domiciliar. Há até uma repercussão geral com o Ministro Gilmar Mendes, que provavelmente vai trazê-la, em que se discute precisamente essa situação de não haver acomodação no regime próprio e, portanto, a ida para um regime mais brando.

Por essa razão, eu propus, Presidente, o "aberto domiciliar", porque a jurisprudência tem encampado essa ideia, embora Vossa Excelência esteja certo quanto ao tratamento legislativo diverso.

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Antecipação ao Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor

Presidente, permite-me inicialmente cumprimentar Vossa Excelência e os

ilustres Pares ao reinício dos trabalhos neste segundo semestre. E

também, ainda inicialmente, peço permissão para saudar o bâtonnier do

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Presidente Marcus

Vinicius, salientando sempre o papel relevante da Ordem na defesa das

instituições democráticas e das garantias e direitos individuais.

No que diz respeito às três hipóteses de habeas corpus

que estão em pauta, embora não integrasse a Corte ao tempo deste

julgamento - como sabem Vossas Excelências, isso se deu em quatorze de

dezembro do ano pretérito -, procurei me inteirar tanto do notável voto

proferido pelo ilustre Ministro-Relator, Ministro Luís Roberto Barroso,

como também das sustentações orais e de toda a matéria; e, nos termos

que permite o Regimento Interno desta Corte, nomeadamente o § 2º do

art. 134, gostaria de externar inicialmente que me julgo apto a participar

da apreciação dos casos e proferir o voto.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor

Presidente, permite-me inicialmente cumprimentar Vossa Excelência e os

ilustres Pares ao reinício dos trabalhos neste segundo semestre. E

também, ainda inicialmente, peço permissão para saudar o bâtonnier do

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Presidente Marcus

Vinicius, salientando sempre o papel relevante da Ordem na defesa das

instituições democráticas e das garantias e direitos individuais.

No que diz respeito às três hipóteses de habeas corpus

que estão em pauta, embora não integrasse a Corte ao tempo deste

julgamento - como sabem Vossas Excelências, isso se deu em quatorze de

dezembro do ano pretérito -, procurei me inteirar tanto do notável voto

proferido pelo ilustre Ministro-Relator, Ministro Luís Roberto Barroso,

como também das sustentações orais e de toda a matéria; e, nos termos

que permite o Regimento Interno desta Corte, nomeadamente o § 2º do

art. 134, gostaria de externar inicialmente que me julgo apto a participar

da apreciação dos casos e proferir o voto.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 179

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

I. Julgamento conjunto: Habeas corpus 123.108-MG, Habeas Corpus 123.533-SP e Habeas Corpus 123.734-MG.

O Senhor Ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, assento desde logo que comungo de uma série de preocupações externadas pelo eminente Relator, especialmente quando menciona a seletividade do direito penal, a superlotação carcerária e a consideração de que o direito penal deve ser mínimo mas, dentro da reduzida esfera de atuação que a Constituição lhe reservou, deve ser sério. Estou, pois, atento à Constituição Federal.

Ainda a título introdutório, afigura-me importante ressaltar que os fatos em julgamento nestes writs não se ressumem a um par de sandálias, 15 (quinze) bombons caseiros ou 2 (dois) sabonetes íntimos líquidos, que são os objetos materiais de cada um dos crimes relatados nos três habeas corpus. A dimensão do que está em análise por esta Corte perpassa em muito a consideração isolada do valor desses bens.

Digo isso com os olhos especialmente voltados às vítimas mais frágeis do crime de furto. Todos os integrantes de nossa sociedade são vítimas em potencial dessa modalidade delitiva. Porém, as mais frágeis são justamente aquelas dotadas das menores condições financeiras, ou seja, quem não consegue pagar por aparatos privados de segurança. Retirar do Estado o poder de intervir penalmente nessas hipóteses, no meu modo de ver, significa deixar desassistida uma parcela da população que não teria a quem se socorrer. Assim, discutir esta matéria não é apenas uma opção entre retirar ou não uma parcela economicamente desassistida (usuais autores do crime de furto) do alcance de um eventual uso arbitrário do poder punitivo. Significa

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

I. Julgamento conjunto: Habeas corpus 123.108-MG, Habeas Corpus 123.533-SP e Habeas Corpus 123.734-MG.

O Senhor Ministro Edson Fachin: Senhor Presidente, assento desde logo que comungo de uma série de preocupações externadas pelo eminente Relator, especialmente quando menciona a seletividade do direito penal, a superlotação carcerária e a consideração de que o direito penal deve ser mínimo mas, dentro da reduzida esfera de atuação que a Constituição lhe reservou, deve ser sério. Estou, pois, atento à Constituição Federal.

Ainda a título introdutório, afigura-me importante ressaltar que os fatos em julgamento nestes writs não se ressumem a um par de sandálias, 15 (quinze) bombons caseiros ou 2 (dois) sabonetes íntimos líquidos, que são os objetos materiais de cada um dos crimes relatados nos três habeas corpus. A dimensão do que está em análise por esta Corte perpassa em muito a consideração isolada do valor desses bens.

Digo isso com os olhos especialmente voltados às vítimas mais frágeis do crime de furto. Todos os integrantes de nossa sociedade são vítimas em potencial dessa modalidade delitiva. Porém, as mais frágeis são justamente aquelas dotadas das menores condições financeiras, ou seja, quem não consegue pagar por aparatos privados de segurança. Retirar do Estado o poder de intervir penalmente nessas hipóteses, no meu modo de ver, significa deixar desassistida uma parcela da população que não teria a quem se socorrer. Assim, discutir esta matéria não é apenas uma opção entre retirar ou não uma parcela economicamente desassistida (usuais autores do crime de furto) do alcance de um eventual uso arbitrário do poder punitivo. Significa

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 179

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

também a opção por deixar uma parcela economicamente desassistida (vítimas mais frágeis do crime de furto) sem ter a quem se socorrer para a proteção de seu patrimônio.

Por essa razão, a compreensão que formei a partir da análise dos temas postos nos presentes casos remete-me a conclusões parcialmente diversas, especialmente no que diz respeito à possibilidade de enunciarmos teses rígidas a serem seguidas pelas instâncias ordinárias no tema relacionado ao princípio da insignificância no crime de furto. Creio, ao contrário das conclusões a que chega o eminente Relator, que algumas das proposições feitas na parte conclusiva de seu voto não podem ser enunciadas categoricamente por esta Corte – dada a diversidade de casos concretos possíveis -, nada obstante reconheça a relevância das preocupações de política criminal externadas por Sua Excelência.

Antes de explicar as razões pelas quais divirjo parcialmente das teses enunciadas por Sua Excelência anuncio a forma pela qual entendo aquelas teses.

(i) o princípio da insignificância exclui a tipicidade material nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e do resultado, embora a conduta seja formalmente típica;

(ii) a reiteração criminosa e a presença de circunstâncias qualificadoras no crime de furto podem impedir o reconhecimento do princípio da insignificância, a despeito do mínimo valor da coisa furtada, por serem hipóteses que interferem na consideração a respeito do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

(iii) apesar dessa possibilidade, a constatação de qualificadora no crime de furto, bem como de reiteração criminosa por parte do seu autor, não pode implicar automaticamente no afastamento da incidência do princípio da insignificância, sendo necessária fundamentação que leve em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, globalmente consideradas;

(iv) na análise do caso concreto, diante de todas as suas circunstâncias, poderá o magistrado considerar desproporcional e,

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HC 123108 / MG

também a opção por deixar uma parcela economicamente desassistida (vítimas mais frágeis do crime de furto) sem ter a quem se socorrer para a proteção de seu patrimônio.

Por essa razão, a compreensão que formei a partir da análise dos temas postos nos presentes casos remete-me a conclusões parcialmente diversas, especialmente no que diz respeito à possibilidade de enunciarmos teses rígidas a serem seguidas pelas instâncias ordinárias no tema relacionado ao princípio da insignificância no crime de furto. Creio, ao contrário das conclusões a que chega o eminente Relator, que algumas das proposições feitas na parte conclusiva de seu voto não podem ser enunciadas categoricamente por esta Corte – dada a diversidade de casos concretos possíveis -, nada obstante reconheça a relevância das preocupações de política criminal externadas por Sua Excelência.

Antes de explicar as razões pelas quais divirjo parcialmente das teses enunciadas por Sua Excelência anuncio a forma pela qual entendo aquelas teses.

(i) o princípio da insignificância exclui a tipicidade material nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e do resultado, embora a conduta seja formalmente típica;

(ii) a reiteração criminosa e a presença de circunstâncias qualificadoras no crime de furto podem impedir o reconhecimento do princípio da insignificância, a despeito do mínimo valor da coisa furtada, por serem hipóteses que interferem na consideração a respeito do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

(iii) apesar dessa possibilidade, a constatação de qualificadora no crime de furto, bem como de reiteração criminosa por parte do seu autor, não pode implicar automaticamente no afastamento da incidência do princípio da insignificância, sendo necessária fundamentação que leve em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, globalmente consideradas;

(iv) na análise do caso concreto, diante de todas as suas circunstâncias, poderá o magistrado considerar desproporcional e,

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portanto, incompatível com a Constituição, a necessária imposição de regime que implique na automática segregação carcerária, por aplicação de regime semiaberto ou fechado, ou vedação à substituição de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, quando se estiver diante de um furto de coisa de valor mínimo, ao qual se negou a incidência do princípio da insignificância.

Feitos esses esclarecimentos prévios, passo ao voto propriamente dito.

Inicio por brevemente explicitar minha compreensão sobre o princípio da insignificância e os efeitos de seu reconhecimento sobre a configuração dos elementos constitutivos do conceito analítico de crime.

O princípio da insignificância, tido por alguns como uma derivação do de minimis non curat praetor, é fruto de um longo amadurecimento na doutrina. Para ficar apenas nos desenvolvimentos mais recentes, na Alemanha, o princípio ganhou especial relevo quando a teoria finalista passou a examinar as opções político-criminais do Estado à luz da relevância social da ação, o que implicou no reconhecimento de que determinadas condutas, pela inexpressiva ofensa aos bens juridicamente protegidos, dispensariam, por atipicidade, uma resposta penal.

O ponto central do argumento é que focaliza o direito penal como ultima ratio da política social, por isso apenas ofensas que não possam ser protegidas por outras esferas do direito devem ser penalizadas. Simples infrações de trânsito, barulhos não permitidos ou incômodos na comunidade devem, portanto, passar ao largo da usual sanção do direito penal, que tem na violência institucionalizada seu atuar mais característico.

O princípio da subsidiariedade (ou ultima ratio) ao lado do da fragmentariedade - segundo o qual não são todas as formas de ataque ao bem jurídico que justificam a tutela penal, mas apenas os ataques mais perigosos-, fundam a noção de que levíssimas ofensas a bens jurídicos não devem ser consideradas materialmente típicas, especialmente quando outros ramos do direito oferecerem uma resposta eficaz para a contenção

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portanto, incompatível com a Constituição, a necessária imposição de regime que implique na automática segregação carcerária, por aplicação de regime semiaberto ou fechado, ou vedação à substituição de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, quando se estiver diante de um furto de coisa de valor mínimo, ao qual se negou a incidência do princípio da insignificância.

Feitos esses esclarecimentos prévios, passo ao voto propriamente dito.

Inicio por brevemente explicitar minha compreensão sobre o princípio da insignificância e os efeitos de seu reconhecimento sobre a configuração dos elementos constitutivos do conceito analítico de crime.

O princípio da insignificância, tido por alguns como uma derivação do de minimis non curat praetor, é fruto de um longo amadurecimento na doutrina. Para ficar apenas nos desenvolvimentos mais recentes, na Alemanha, o princípio ganhou especial relevo quando a teoria finalista passou a examinar as opções político-criminais do Estado à luz da relevância social da ação, o que implicou no reconhecimento de que determinadas condutas, pela inexpressiva ofensa aos bens juridicamente protegidos, dispensariam, por atipicidade, uma resposta penal.

O ponto central do argumento é que focaliza o direito penal como ultima ratio da política social, por isso apenas ofensas que não possam ser protegidas por outras esferas do direito devem ser penalizadas. Simples infrações de trânsito, barulhos não permitidos ou incômodos na comunidade devem, portanto, passar ao largo da usual sanção do direito penal, que tem na violência institucionalizada seu atuar mais característico.

O princípio da subsidiariedade (ou ultima ratio) ao lado do da fragmentariedade - segundo o qual não são todas as formas de ataque ao bem jurídico que justificam a tutela penal, mas apenas os ataques mais perigosos-, fundam a noção de que levíssimas ofensas a bens jurídicos não devem ser consideradas materialmente típicas, especialmente quando outros ramos do direito oferecerem uma resposta eficaz para a contenção

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de condutas indesejadas.Tais princípios, caros à doutrina do direito penal, nada

mais são do que densificações dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, muito bem versados em seu voto pelo eminente Relator.

Tem-se, portanto, consagrado na doutrina do direito penal, a ampla aceitação dos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e o corolário princípio da insignificância. Este último, repito, impede a formação de um juízo positivo de tipicidade material.

A esse respeito, sustentaram os ilustres defensores públicos que aqui ocuparam a tribuna, que o reconhecimento da insignificância tem a consequência de tornar materialmente atípica uma conduta e que o fato de alguém ser primário ou reincidente não pode constituir elemento de consideração da tipicidade de uma conduta.

O eminente Relator, na parte final de seu voto, chega a mencionar que, caso se entenda necessária a punição do furto de valor ínfimo quando o agente é reincidente, ter-se-ia de admitir que a insignificância move-se do domínio da tipicidade para o domínio da culpabilidade.

Esse raciocínio, de todo respeitável, segundo o qual por ser o princípio da insignificância uma consideração a ser levada a efeito quando o intérprete está a realizar o juízo de tipicidade, e que por isso deve estar imune a considerações a respeito das condutas anteriormente praticadas pelo agente, enceta, ao meu modo de ver, e com a devida vênia das compreensões diversas, um repto hermenêutico.

A enunciação desse postulado é, em si, na minha compreensão, em princípio correto. De fato, qualquer pessoa que pratique uma conduta atípica, seja primário ou reincidente, não estará incidindo em um tipo penal e, consequentemente, não estará cometendo crime algum. Da mesma forma, ponho-me de acordo com a afirmação segundo a qual o reconhecimento da insignificância é causa de exclusão da tipicidade.

Parece-me, todavia, que o repto hermenêutico está no fato segundo o qual a questão da reincidência se coloca num momento

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de condutas indesejadas.Tais princípios, caros à doutrina do direito penal, nada

mais são do que densificações dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, muito bem versados em seu voto pelo eminente Relator.

Tem-se, portanto, consagrado na doutrina do direito penal, a ampla aceitação dos princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e o corolário princípio da insignificância. Este último, repito, impede a formação de um juízo positivo de tipicidade material.

A esse respeito, sustentaram os ilustres defensores públicos que aqui ocuparam a tribuna, que o reconhecimento da insignificância tem a consequência de tornar materialmente atípica uma conduta e que o fato de alguém ser primário ou reincidente não pode constituir elemento de consideração da tipicidade de uma conduta.

O eminente Relator, na parte final de seu voto, chega a mencionar que, caso se entenda necessária a punição do furto de valor ínfimo quando o agente é reincidente, ter-se-ia de admitir que a insignificância move-se do domínio da tipicidade para o domínio da culpabilidade.

Esse raciocínio, de todo respeitável, segundo o qual por ser o princípio da insignificância uma consideração a ser levada a efeito quando o intérprete está a realizar o juízo de tipicidade, e que por isso deve estar imune a considerações a respeito das condutas anteriormente praticadas pelo agente, enceta, ao meu modo de ver, e com a devida vênia das compreensões diversas, um repto hermenêutico.

A enunciação desse postulado é, em si, na minha compreensão, em princípio correto. De fato, qualquer pessoa que pratique uma conduta atípica, seja primário ou reincidente, não estará incidindo em um tipo penal e, consequentemente, não estará cometendo crime algum. Da mesma forma, ponho-me de acordo com a afirmação segundo a qual o reconhecimento da insignificância é causa de exclusão da tipicidade.

Parece-me, todavia, que o repto hermenêutico está no fato segundo o qual a questão da reincidência se coloca num momento

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anterior à afirmação da atipicidade da conduta.Ou seja, não se está a dizer que uma dada conduta atípica,

torna-se típica, porque o agente é reincidente. Fosse essa a premissa, não teria dúvida em rechaçá-la.

O que se está discutindo é se a reincidência é ou não relevante para a configuração da insignificância, esta sim, a causa da atipicidade.

Uma vez declarada a insignificância do fato é que se chega à conclusão de ser a conduta atípica. Em outras palavras, a conduta é tida por atípica porque se reconheceu previamente a incidência do princípio da insignificância e, pelo que entendo do que se extrai da jurisprudência até agora predominante nesta Suprema Corte, os julgados que afastam a alegação de atipicidade material quando se está diante de réu reincidente, o fazem porque não consideram presentes no caso concreto as condições para a configuração da insignificância.

Assim, a reincidência não é tida, diretamente, como causa de afastamento da alegação de atipicidade da conduta. A reincidência é tida como causa de afastamento da aplicabilidade do princípio da insignificância. Uma vez declarada que a conduta é significante, aí sim, declara-se sua tipicidade.

Não se está mais, nesse momento, realizando-se um juízo de adequação formal da conduta ao tipo, onde se verifica que todos os elementos descritivos e normativos do tipo encontram correspondência com a conduta ocorrida no âmbito da realidade fenomênica. Esse é um juízo próprio de tipicidade formal e em relação a ele é indiscutível que não tem cabimento, em princípio, considerações a respeito da primariedade ou da vida pregressa do agente.

O reconhecimento da insignificância infirma a tipicidade material da conduta e os precedentes dessa Corte que assentam não ser reconhecível a insignificância quando o acusado é reincidente, como decorrência lógica, afastam a alegação de atipicidade e não o contrário.

Resta, então, perquirir sobre se a reiteração da conduta é elemento válido a ser considerado para se afastar a incidência do

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anterior à afirmação da atipicidade da conduta.Ou seja, não se está a dizer que uma dada conduta atípica,

torna-se típica, porque o agente é reincidente. Fosse essa a premissa, não teria dúvida em rechaçá-la.

O que se está discutindo é se a reincidência é ou não relevante para a configuração da insignificância, esta sim, a causa da atipicidade.

Uma vez declarada a insignificância do fato é que se chega à conclusão de ser a conduta atípica. Em outras palavras, a conduta é tida por atípica porque se reconheceu previamente a incidência do princípio da insignificância e, pelo que entendo do que se extrai da jurisprudência até agora predominante nesta Suprema Corte, os julgados que afastam a alegação de atipicidade material quando se está diante de réu reincidente, o fazem porque não consideram presentes no caso concreto as condições para a configuração da insignificância.

Assim, a reincidência não é tida, diretamente, como causa de afastamento da alegação de atipicidade da conduta. A reincidência é tida como causa de afastamento da aplicabilidade do princípio da insignificância. Uma vez declarada que a conduta é significante, aí sim, declara-se sua tipicidade.

Não se está mais, nesse momento, realizando-se um juízo de adequação formal da conduta ao tipo, onde se verifica que todos os elementos descritivos e normativos do tipo encontram correspondência com a conduta ocorrida no âmbito da realidade fenomênica. Esse é um juízo próprio de tipicidade formal e em relação a ele é indiscutível que não tem cabimento, em princípio, considerações a respeito da primariedade ou da vida pregressa do agente.

O reconhecimento da insignificância infirma a tipicidade material da conduta e os precedentes dessa Corte que assentam não ser reconhecível a insignificância quando o acusado é reincidente, como decorrência lógica, afastam a alegação de atipicidade e não o contrário.

Resta, então, perquirir sobre se a reiteração da conduta é elemento válido a ser considerado para se afastar a incidência do

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princípio da insignificância num caso concreto.Como bem ressaltado no voto do eminente Relator,

verifico que não só esta Corte, mas os Tribunais e doutrinadores desse país, em sua maioria, têm seguidamente feito referência às tradicionais lições do eminente decano, o Min. Celso de Mello, quando no julgamento do HC 84.412-SP, Segunda Turma, DJ 19.11.2004, enunciou os vetores a serem seguidos para se verificar a incidência num caso concreto do princípio da insignificância. Colho, da ementa, o trecho que reputo central no raciocínio de Sua Excelência, o qual no original leva apenas os grifos, sendo meu o sublinho:

O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, ( b ) a nenhuma periculosidade social da ação, ( c ) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e ( d ) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

Essas premissas, que estão consagradas não só nas dicções

desta Corte, mas que já integram o patrimônio da jurisprudência brasileira a respeito do tema, têm, segundo compreendo, base na concepção segundo à qual, ao tipificar condutas, por imperativo constitucional, o legislador deve se ater ao desvalor da conduta e ao desvalor do resultado, sempre de olhos postos nos princípios da subsidiariedade e fragmentariedade.

Nessa linha, cito magistério clássico de Hans Welzel, quando expõe que "toda ação humana, para o bem ou para mal, está sujeita a

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princípio da insignificância num caso concreto.Como bem ressaltado no voto do eminente Relator,

verifico que não só esta Corte, mas os Tribunais e doutrinadores desse país, em sua maioria, têm seguidamente feito referência às tradicionais lições do eminente decano, o Min. Celso de Mello, quando no julgamento do HC 84.412-SP, Segunda Turma, DJ 19.11.2004, enunciou os vetores a serem seguidos para se verificar a incidência num caso concreto do princípio da insignificância. Colho, da ementa, o trecho que reputo central no raciocínio de Sua Excelência, o qual no original leva apenas os grifos, sendo meu o sublinho:

O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, ( b ) a nenhuma periculosidade social da ação, ( c ) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e ( d ) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

Essas premissas, que estão consagradas não só nas dicções

desta Corte, mas que já integram o patrimônio da jurisprudência brasileira a respeito do tema, têm, segundo compreendo, base na concepção segundo à qual, ao tipificar condutas, por imperativo constitucional, o legislador deve se ater ao desvalor da conduta e ao desvalor do resultado, sempre de olhos postos nos princípios da subsidiariedade e fragmentariedade.

Nessa linha, cito magistério clássico de Hans Welzel, quando expõe que "toda ação humana, para o bem ou para mal, está sujeita a

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dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser valorada de acordo com o resultado que origina (valor de resultado material), e também, independentemente do resultado causado, segundo o sentido da atividade como tal (valor do ato)" (Derecho penal alemán. Tradução: Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. 4 ed. Santiago : Editorial Jurídica de Chile, 1993, p. 1, versão livre do espanhol).

Sendo assim, quando o legislador tipifica uma conduta não tem em mente apenas a proteção ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Ter em mente a proteção a um bem jurídico, ainda que essa missão do direito penal seja objeto de discussões doutrinárias, em razão do princípio da ofensividade, é uma injunção constitucional.

Afinal, ao Estado não é dado tipificar condutas que violem meras concepções morais. Apenas condutas que violem ou ponham em risco bens jurídicos de fundamental importância à sociedade é que são dignas da tutela penal. Entretanto, não é só! Além de violar ou colocar em risco um bem jurídico de fundamental importância, deve recair sobre a conduta a ser tipificada pelo legislador um desvalor ético-social que justifique a sanção grave com a qual trabalha ordinariamente o direito penal, que é a privação da liberdade.

Essa circunstância explica a razão pela qual um homicídio culposo, que viola o bem jurídico vida na mesma intensidade que o faz um homicídio doloso, tem pena sensivelmente menor cominada. É que no segundo caso, o desvalor da conduta é muito maior e a ele deve estar atento o legislador e o aplicador do direito penal.

Igualmente, o inadimplemento de uma obrigação civil pode lesar o patrimônio de outrem de forma muito mais intensa do que um furto, porém quanto a esse último fato, o desvalor da conduta é determinante para sua tipificação e quanto ao desvalor do inadimplemento civil, puro e simples, a Constituição proíbe que se responda com prisão, como expressa o art. 5º, LXVII, da CF.

Ao aceitar como premissas da configuração do princípio da insignificância as vetoriais enunciadas pelo eminente Ministro Celso de Mello, ao lavrar o voto condutor do julgamento do precitado HC

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dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser valorada de acordo com o resultado que origina (valor de resultado material), e também, independentemente do resultado causado, segundo o sentido da atividade como tal (valor do ato)" (Derecho penal alemán. Tradução: Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. 4 ed. Santiago : Editorial Jurídica de Chile, 1993, p. 1, versão livre do espanhol).

Sendo assim, quando o legislador tipifica uma conduta não tem em mente apenas a proteção ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Ter em mente a proteção a um bem jurídico, ainda que essa missão do direito penal seja objeto de discussões doutrinárias, em razão do princípio da ofensividade, é uma injunção constitucional.

Afinal, ao Estado não é dado tipificar condutas que violem meras concepções morais. Apenas condutas que violem ou ponham em risco bens jurídicos de fundamental importância à sociedade é que são dignas da tutela penal. Entretanto, não é só! Além de violar ou colocar em risco um bem jurídico de fundamental importância, deve recair sobre a conduta a ser tipificada pelo legislador um desvalor ético-social que justifique a sanção grave com a qual trabalha ordinariamente o direito penal, que é a privação da liberdade.

Essa circunstância explica a razão pela qual um homicídio culposo, que viola o bem jurídico vida na mesma intensidade que o faz um homicídio doloso, tem pena sensivelmente menor cominada. É que no segundo caso, o desvalor da conduta é muito maior e a ele deve estar atento o legislador e o aplicador do direito penal.

Igualmente, o inadimplemento de uma obrigação civil pode lesar o patrimônio de outrem de forma muito mais intensa do que um furto, porém quanto a esse último fato, o desvalor da conduta é determinante para sua tipificação e quanto ao desvalor do inadimplemento civil, puro e simples, a Constituição proíbe que se responda com prisão, como expressa o art. 5º, LXVII, da CF.

Ao aceitar como premissas da configuração do princípio da insignificância as vetoriais enunciadas pelo eminente Ministro Celso de Mello, ao lavrar o voto condutor do julgamento do precitado HC

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84.412-SP, esta Corte afasta-se de uma concepção doutrinária que vê o princípio da insignificância balizado exclusivamente sob a ótica do desvalor do resultado, ou seja, sob a ótica de ínfima violação do bem jurídico tutelado pela norma penal.

Embora nada impeça que esta Corte redefina essas balizas, creio estarem elas sedimentadas, e particularmente não me colocaria de acordo com uma concepção que olha a insignificância apenas sob a ótica do desvalor do resultado. Não só por estar assentada e já ser tradicionalmente aceita, a construção teórica levada a efeito pelo eminente decano desta Suprema Corte naquela oportunidade deve ser mantida pelos sólidos fundamentos teóricos em que se assenta.

Ao estabelecer como um dos requisitos para que se tenha por presente a insignificância, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, Sua Excelência está, na minha concepção, chamando a atenção para o fato de que a reprovabilidade, ou seja, culpabilidade, ou o desvalor da conduta praticada é fundamental, também, para que se tenha por presente e configurada hipótese de aplicação do princípio da insignificância.

Assentada a premissa da qual parto, segundo a qual para que se tenha presente o princípio da insignificância é necessário que o bem jurídico violado ou posto em risco seja, no caso concreto, ínfimo e, também, que a reprovabilidade do comportamento do agente seja reduzidíssima, considero agora o decidido por este Plenário, por unanimidade, no RE 453.000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, em regime de Repercussão Geral, quando assentou a tese segundo a qual é constitucional a previsão legal (art. 61, I, do Código Penal) que considera a reincidência uma circunstância agravante.

Faço-o não apenas com os olhos voltados ao resultado do julgamento, mas, principalmente, pelos fundamentos invocados pelos eminentes pares para assentar a reincidência como constitucionalmente legítima circunstância agravante.

A maior reprovabilidade da conduta de quem, uma vez condenado por fato anterior volta a delinquir, foi fundamento invocado

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84.412-SP, esta Corte afasta-se de uma concepção doutrinária que vê o princípio da insignificância balizado exclusivamente sob a ótica do desvalor do resultado, ou seja, sob a ótica de ínfima violação do bem jurídico tutelado pela norma penal.

Embora nada impeça que esta Corte redefina essas balizas, creio estarem elas sedimentadas, e particularmente não me colocaria de acordo com uma concepção que olha a insignificância apenas sob a ótica do desvalor do resultado. Não só por estar assentada e já ser tradicionalmente aceita, a construção teórica levada a efeito pelo eminente decano desta Suprema Corte naquela oportunidade deve ser mantida pelos sólidos fundamentos teóricos em que se assenta.

Ao estabelecer como um dos requisitos para que se tenha por presente a insignificância, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, Sua Excelência está, na minha concepção, chamando a atenção para o fato de que a reprovabilidade, ou seja, culpabilidade, ou o desvalor da conduta praticada é fundamental, também, para que se tenha por presente e configurada hipótese de aplicação do princípio da insignificância.

Assentada a premissa da qual parto, segundo a qual para que se tenha presente o princípio da insignificância é necessário que o bem jurídico violado ou posto em risco seja, no caso concreto, ínfimo e, também, que a reprovabilidade do comportamento do agente seja reduzidíssima, considero agora o decidido por este Plenário, por unanimidade, no RE 453.000/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, em regime de Repercussão Geral, quando assentou a tese segundo a qual é constitucional a previsão legal (art. 61, I, do Código Penal) que considera a reincidência uma circunstância agravante.

Faço-o não apenas com os olhos voltados ao resultado do julgamento, mas, principalmente, pelos fundamentos invocados pelos eminentes pares para assentar a reincidência como constitucionalmente legítima circunstância agravante.

A maior reprovabilidade da conduta de quem, uma vez condenado por fato anterior volta a delinquir, foi fundamento invocado

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 94 de 179

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

pela maioria dos eminentes pares naquele julgamento.Cito, como exemplo, excerto do voto condutor do

eminente Relator, o Min. Marco Aurélio:

“Saliento, então, a inviabilidade de dar-se o mesmo peso, em termos de gravame de ato de constrição a alcançar a liberdade de ir e vir, presentes os interesses da sociedade, a caso concreto em que envolvido réu primário e a outro em que o Estado se defronta com quem fora condenado antes e voltou a trilhar o caminho glosado penalmente, deixando de abraçar a almejada correção de rumos, de alcançar a ressocialização”.

Ao menos nos fundamentos, esta Suprema Corte pôs-se de

acordo com a tese segundo a qual a reincidência é causa de maior reprovabilidade da conduta, o que, como decorrência lógica, interfere na consideração da presença, no caso concreto, da configuração do princípio da insignificância, já que “o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento” é um dos vetores consagrados.

Em conclusão, segundo compreendo, a despeito do reduzido valor da coisa furtada, é possível considerar a vida pregressa do acusado quando se está diante da análise da presença do princípio da insignificância, o que, consequentemente, interfere no juízo de tipicidade.

Aliás, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento somente pode ser aferido a partir da análise dos elementos que usualmente dizem respeito à reprovabilidade da conduta, quer o legislador tenha se antecipado e feito um juízo mais rigoroso quanto a ele na lei, quer a análise esteja a cargo do magistrado sentenciante.

No que diz respeito às circunstâncias qualificadoras do crime de furto, nada mais são do que juízos antecipados, feitos pelo legislador, de maior reprovabilidade das diversas condutas enunciadas.

Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt esclarece que “o modus operandi, no crime de furto, pode apresentar particularidades que representem maior gravidade na violação do patrimônio alheio, produzindo maior

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HC 123108 / MG

pela maioria dos eminentes pares naquele julgamento.Cito, como exemplo, excerto do voto condutor do

eminente Relator, o Min. Marco Aurélio:

“Saliento, então, a inviabilidade de dar-se o mesmo peso, em termos de gravame de ato de constrição a alcançar a liberdade de ir e vir, presentes os interesses da sociedade, a caso concreto em que envolvido réu primário e a outro em que o Estado se defronta com quem fora condenado antes e voltou a trilhar o caminho glosado penalmente, deixando de abraçar a almejada correção de rumos, de alcançar a ressocialização”.

Ao menos nos fundamentos, esta Suprema Corte pôs-se de

acordo com a tese segundo a qual a reincidência é causa de maior reprovabilidade da conduta, o que, como decorrência lógica, interfere na consideração da presença, no caso concreto, da configuração do princípio da insignificância, já que “o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento” é um dos vetores consagrados.

Em conclusão, segundo compreendo, a despeito do reduzido valor da coisa furtada, é possível considerar a vida pregressa do acusado quando se está diante da análise da presença do princípio da insignificância, o que, consequentemente, interfere no juízo de tipicidade.

Aliás, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento somente pode ser aferido a partir da análise dos elementos que usualmente dizem respeito à reprovabilidade da conduta, quer o legislador tenha se antecipado e feito um juízo mais rigoroso quanto a ele na lei, quer a análise esteja a cargo do magistrado sentenciante.

No que diz respeito às circunstâncias qualificadoras do crime de furto, nada mais são do que juízos antecipados, feitos pelo legislador, de maior reprovabilidade das diversas condutas enunciadas.

Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt esclarece que “o modus operandi, no crime de furto, pode apresentar particularidades que representem maior gravidade na violação do patrimônio alheio, produzindo maior

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

alarma social, tornando a conduta mais censurável e, por isso mesmo, merecedora de maior punibilidade, quer pelo maior desvalor da ação, quer pelo maior desvalor do resultado (destruição ou rompimento de obstáculo)“ (Tratado de direito penal – parte especial. v.3, 11 ed, São Paulo : Saraiva, 2015, p. 52).

As circunstâncias qualificadoras, portanto, porque reveladoras de maior censurabilidade da ação de furtar podem, tanto quanto a reiteração criminosa, ser validamente consideradas como óbices ao reconhecimento do princípio da insignificância.

Retorno agora à afirmação que fiz no início deste voto sobre a dificuldade de enunciarmos teses rígidas a serem seguidas pelas instâncias ordinárias no tema relacionado ao princípio da insignificância, especialmente no que diz respeito ao crime de furto.

Partilho, como já mencionei, das mesmas preocupações de política criminal externadas pelo eminente Relator em seu voto. A seletividade do direito penal que prende muito quem não deveria estar preso e prende pouco quem deveria é uma preocupação de todos. É fato que normalmente as camadas menos favorecidas economicamente são os alvos mais fáceis do sistema repressivo estatal.

Sabem todos que o furto é um crime usualmente praticado por pessoas de menor capacidade econômica e, como o sistema penal é mais eficiente contra essas pessoas, há um evidente e difuso excesso de repressão contra essa parcela economicamente menos favorecida da população.

Todavia, não considero que a rígida enunciação de teses descriminalizantes por esta Suprema Corte seja o caminho para sanar essas dificuldades, especialmente quando em causa o delito de furto.

Se é verdade que os crimes de furto são praticados, em geral, por quem não detém as melhores condições financeiras, também não é de se desconsiderar o fato segundo o qual esses mesmos desafortunados são as vítimas mais frágeis dessas condutas. Afinal, não dispõem de recursos para valerem-se de aparatos privados de segurança, a eles nada restando, quando vítimas de um crime de furto, senão

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alarma social, tornando a conduta mais censurável e, por isso mesmo, merecedora de maior punibilidade, quer pelo maior desvalor da ação, quer pelo maior desvalor do resultado (destruição ou rompimento de obstáculo)“ (Tratado de direito penal – parte especial. v.3, 11 ed, São Paulo : Saraiva, 2015, p. 52).

As circunstâncias qualificadoras, portanto, porque reveladoras de maior censurabilidade da ação de furtar podem, tanto quanto a reiteração criminosa, ser validamente consideradas como óbices ao reconhecimento do princípio da insignificância.

Retorno agora à afirmação que fiz no início deste voto sobre a dificuldade de enunciarmos teses rígidas a serem seguidas pelas instâncias ordinárias no tema relacionado ao princípio da insignificância, especialmente no que diz respeito ao crime de furto.

Partilho, como já mencionei, das mesmas preocupações de política criminal externadas pelo eminente Relator em seu voto. A seletividade do direito penal que prende muito quem não deveria estar preso e prende pouco quem deveria é uma preocupação de todos. É fato que normalmente as camadas menos favorecidas economicamente são os alvos mais fáceis do sistema repressivo estatal.

Sabem todos que o furto é um crime usualmente praticado por pessoas de menor capacidade econômica e, como o sistema penal é mais eficiente contra essas pessoas, há um evidente e difuso excesso de repressão contra essa parcela economicamente menos favorecida da população.

Todavia, não considero que a rígida enunciação de teses descriminalizantes por esta Suprema Corte seja o caminho para sanar essas dificuldades, especialmente quando em causa o delito de furto.

Se é verdade que os crimes de furto são praticados, em geral, por quem não detém as melhores condições financeiras, também não é de se desconsiderar o fato segundo o qual esses mesmos desafortunados são as vítimas mais frágeis dessas condutas. Afinal, não dispõem de recursos para valerem-se de aparatos privados de segurança, a eles nada restando, quando vítimas de um crime de furto, senão

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

socorrerem-se da Polícia.Se afirmarmos a tese segundo a qual é atípica a reiterada

prática de pequenos furtos, a Polícia restará manietada e às vítimas mais pobres, despidas de recursos para contratar segurança privada, nenhuma outra alternativa seria possível.

Por essa mesma razão, entendo não ser possível definir um limite estanque ou um valor fixo e preestabelecido, para que considere como insignificante uma conduta que formalmente se amolde no tipo do crime de furto. Tenho que, como princípio, somente a análise ampla e verticalizada do caso concreto permite verificar se aquele específico bem furtado, naquelas específicas condições, pode ter seu valor considerado insignificante.

Ocorre que a constatação de que um bem é de valor ínfimo não prescinde da consideração da importância econômica dele ao patrimônio de uma dada vítima. O furto de poucos reais pode não ser insignificante se esse for o único patrimônio de alguém.

Nesse sentido, cito a doutrina de Paulo Cesar Busato:

“Além da gravidade do ataque poder ser analisada segundo sua dimensão qualitativa, também há de ser observada desde um ponto de vista quantitativo. Por exemplo: um furto é um ataque sorrateiro ao patrimônio, em princípio intolerável, porém, a expressão quantitativa dessa agressão há de ser relevante para o desenvolvimento patrimonial da vítima. (…) Isso significa, naturalmente, que a vítima desempenha aqui papel fundamental. Vítimas diferentes podem sofrer iguais lesões de bens jurídicos e, em um caso, esse fato consistir em crime e, em outro, não. Isso em função da aplicação ou não do princípio de intervenção mínima na exata medida em que a ofensa ao bem jurídico represente uma violação intolerável ao desenvolvimento da vítima. (Direito penal. São Paulo : Atlas, 2013, p. 66).

A circunstância de que o furto não tem sempre a mesma

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HC 123108 / MG

socorrerem-se da Polícia.Se afirmarmos a tese segundo a qual é atípica a reiterada

prática de pequenos furtos, a Polícia restará manietada e às vítimas mais pobres, despidas de recursos para contratar segurança privada, nenhuma outra alternativa seria possível.

Por essa mesma razão, entendo não ser possível definir um limite estanque ou um valor fixo e preestabelecido, para que considere como insignificante uma conduta que formalmente se amolde no tipo do crime de furto. Tenho que, como princípio, somente a análise ampla e verticalizada do caso concreto permite verificar se aquele específico bem furtado, naquelas específicas condições, pode ter seu valor considerado insignificante.

Ocorre que a constatação de que um bem é de valor ínfimo não prescinde da consideração da importância econômica dele ao patrimônio de uma dada vítima. O furto de poucos reais pode não ser insignificante se esse for o único patrimônio de alguém.

Nesse sentido, cito a doutrina de Paulo Cesar Busato:

“Além da gravidade do ataque poder ser analisada segundo sua dimensão qualitativa, também há de ser observada desde um ponto de vista quantitativo. Por exemplo: um furto é um ataque sorrateiro ao patrimônio, em princípio intolerável, porém, a expressão quantitativa dessa agressão há de ser relevante para o desenvolvimento patrimonial da vítima. (…) Isso significa, naturalmente, que a vítima desempenha aqui papel fundamental. Vítimas diferentes podem sofrer iguais lesões de bens jurídicos e, em um caso, esse fato consistir em crime e, em outro, não. Isso em função da aplicação ou não do princípio de intervenção mínima na exata medida em que a ofensa ao bem jurídico represente uma violação intolerável ao desenvolvimento da vítima. (Direito penal. São Paulo : Atlas, 2013, p. 66).

A circunstância de que o furto não tem sempre a mesma

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

vítima, em minha concepção, explica a razão pela qual não vejo paradoxo em aceitar-se o vultoso valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como critério fixo de determinação da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de descaminho (nesse sentido, por exemplo: HC 121408, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski e HC 126191, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli) e não reconhecer, para o crime de furto, a incidência do princípio quando os valores são muito mais reduzidos, nem mesmo reconhecer a possibilidade de fixação de um valor a priori.

Embora ambos os crimes tenham uma dimensão patrimonial, há diferenças que não podem ser desconsideradas.

O descaminho tem como vítima sempre o Estado e o furto tem inúmeras vítimas possíveis, com seus inúmeros patrimônios individuais.

O desvalor ético-social que recai sobre a conduta de inadimplir um tributo devido é diverso daquele que recai sobre a conduta de subtrair coisa alheia móvel.

O bem jurídico tutelado no descaminho é a Administração Pública e, reflexamente, seu patrimônio em formação, já o furto ataca o patrimônio consolidado de alguém.

Por fim, o que me parece mais significativo é o fato de que a Administração Pública tem à sua disposição instrumentos jurídicos eficazes, fora do âmbito penal, de contenção do descaminho, como a execução fiscal (à qual, diga-se, renuncia quando o valor é inferior a R$ 20.000,00, conforme o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002, e Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda) e a fiscalização da Receita Federal, que pode impor aos sujeitos ativos desse crime o perdimento da mercadoria descaminhada. Afinal, sabem todos, o lugar onde, nos grandes centros, se costuma comercializar mercadorias descaminhadas. Uma fiscalização administrativa mais efetiva, nas fronteiras e nos conhecidos sítios dos grandes centros urbanos, pode conter descaminhos e eventualmente dispensar a tutela penal quando o valor do tributo iludido não ultrapasse um certo patamar.

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vítima, em minha concepção, explica a razão pela qual não vejo paradoxo em aceitar-se o vultoso valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como critério fixo de determinação da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de descaminho (nesse sentido, por exemplo: HC 121408, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski e HC 126191, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli) e não reconhecer, para o crime de furto, a incidência do princípio quando os valores são muito mais reduzidos, nem mesmo reconhecer a possibilidade de fixação de um valor a priori.

Embora ambos os crimes tenham uma dimensão patrimonial, há diferenças que não podem ser desconsideradas.

O descaminho tem como vítima sempre o Estado e o furto tem inúmeras vítimas possíveis, com seus inúmeros patrimônios individuais.

O desvalor ético-social que recai sobre a conduta de inadimplir um tributo devido é diverso daquele que recai sobre a conduta de subtrair coisa alheia móvel.

O bem jurídico tutelado no descaminho é a Administração Pública e, reflexamente, seu patrimônio em formação, já o furto ataca o patrimônio consolidado de alguém.

Por fim, o que me parece mais significativo é o fato de que a Administração Pública tem à sua disposição instrumentos jurídicos eficazes, fora do âmbito penal, de contenção do descaminho, como a execução fiscal (à qual, diga-se, renuncia quando o valor é inferior a R$ 20.000,00, conforme o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002, e Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda) e a fiscalização da Receita Federal, que pode impor aos sujeitos ativos desse crime o perdimento da mercadoria descaminhada. Afinal, sabem todos, o lugar onde, nos grandes centros, se costuma comercializar mercadorias descaminhadas. Uma fiscalização administrativa mais efetiva, nas fronteiras e nos conhecidos sítios dos grandes centros urbanos, pode conter descaminhos e eventualmente dispensar a tutela penal quando o valor do tributo iludido não ultrapasse um certo patamar.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

Já à vitima de furto, resta apenas uma improvável reparação civil.

Estas as razões pelas quais entendo não serem assimiláveis ao delito de furto, compreensões a respeito do princípio da insignificância próprias da análise de casos de descaminho. Quanto a este último crime, enunciações mais padronizadas são possíveis, já quanto ao delito de furto, a análise aprofundada e meticulosa do caso concreto se faz necessária.

II. SOBRE AS TESES ENUNCIADAS PELO EMINENTE RELATOR:

Com base nas razões acima enunciadas, passo à análise das teses propostas pelo eminente Relator.

Embora de acordo com a afirmação segundo a qual a reiteração não deve, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância, exigindo do julgador análise pormenorizada do caso concreto, entendo, na linha das razões acima enunciadas, que a reiteração criminosa, afirmada a partir dos fatos provados nos autos, que indiquem ser o acusado contumaz na prática de furtos leves, podem ser levadas em consideração para um juízo relativo ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento que impeça o reconhecimento, na hipótese, do princípio da insignificância.

Tudo, independentemente da existência ou não de condenações com trânsito em julgado, pois é a censurabilidade do comportamento do acusado que estará em julgamento. Não se trata de afirmar uma reincidência técnica, nos moldes exigidos pelo art. 62, do Código Penal. A análise da censurabilidade de uma dada conduta pode sim, na minha compreensão, levar em consideração o fato de ser aquela conduta isolada na vida do acusado. Por certo, não bastará a invocação de uma fórmula genérica afirmando ser o acusado contumaz na prática delitiva. A fundamentação, demonstrando quais fatos provados nos autos indicam ser o acusado contumaz, será sempre obrigatória, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.

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Já à vitima de furto, resta apenas uma improvável reparação civil.

Estas as razões pelas quais entendo não serem assimiláveis ao delito de furto, compreensões a respeito do princípio da insignificância próprias da análise de casos de descaminho. Quanto a este último crime, enunciações mais padronizadas são possíveis, já quanto ao delito de furto, a análise aprofundada e meticulosa do caso concreto se faz necessária.

II. SOBRE AS TESES ENUNCIADAS PELO EMINENTE RELATOR:

Com base nas razões acima enunciadas, passo à análise das teses propostas pelo eminente Relator.

Embora de acordo com a afirmação segundo a qual a reiteração não deve, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância, exigindo do julgador análise pormenorizada do caso concreto, entendo, na linha das razões acima enunciadas, que a reiteração criminosa, afirmada a partir dos fatos provados nos autos, que indiquem ser o acusado contumaz na prática de furtos leves, podem ser levadas em consideração para um juízo relativo ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento que impeça o reconhecimento, na hipótese, do princípio da insignificância.

Tudo, independentemente da existência ou não de condenações com trânsito em julgado, pois é a censurabilidade do comportamento do acusado que estará em julgamento. Não se trata de afirmar uma reincidência técnica, nos moldes exigidos pelo art. 62, do Código Penal. A análise da censurabilidade de uma dada conduta pode sim, na minha compreensão, levar em consideração o fato de ser aquela conduta isolada na vida do acusado. Por certo, não bastará a invocação de uma fórmula genérica afirmando ser o acusado contumaz na prática delitiva. A fundamentação, demonstrando quais fatos provados nos autos indicam ser o acusado contumaz, será sempre obrigatória, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

Exigir que haja trânsito em julgado de sentença condenatória por crime anterior de furto, tal como proposto pelo eminente Relator, para afastar o princípio da insignificância, significa dizer que o furto de coisa cujo valor é mínimo, ainda que praticado reiteradamente, jamais poderá ser objeto de condenação, quando o agente limitar-se a essa modalidade delitiva.

Afinal, quando um indivíduo praticar o primeiro fato, este será atípico, pela inexistência de óbice à configuração da insignificância. Se esta Corte fechar as portas para a condenação quando do segundo fato, o terceiro, quarto e sucessivos outros, igualmente passarão ao largo da Justiça Criminal. Sendo assim, o comportamento pretérito do réu, tenha ele sido ou não condenado com trânsito em julgado, pode, desde que fundamentadamente, ser considerado como causa apta à exclusão da incidência do princípio da insignificância.

Quanto à proposta consistente em fixar como necessariamente desproporcional, portanto inconstitucional, o encarceramento, a fixação de regime mais grave que o aberto, a necessidade de prisão domiciliar ou a obrigatoriedade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na linha do que acima expus, entendo que a generalização é incompatível com a multiplicidade e variedade de casos que podem se apresentar no cotidiano dos delitos de furto.

A análise casuística, feita pelas instâncias ordinárias, a quem também incumbe velar pela Constituição ao exercer jurisdição constitucional em sede de controle difuso, se por um lado tem a desvantagem de possibilitar eventual tratamento que desborde da isonomia, por outro lado, permite que as inúmeras especificidades do caso concreto sejam sopesadas para a melhor solução ao caso, evitando-se juízos apriorísticos nem sempre ajustados às inúmeras possibilidades fáticas.

Se, em princípio, é possível afirmar que a melhor solução a quem pratica um furto de coisa de valor insignificante é a sanção penal alternativa à privação de liberdade, por outro lado, peremptoriamente

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Exigir que haja trânsito em julgado de sentença condenatória por crime anterior de furto, tal como proposto pelo eminente Relator, para afastar o princípio da insignificância, significa dizer que o furto de coisa cujo valor é mínimo, ainda que praticado reiteradamente, jamais poderá ser objeto de condenação, quando o agente limitar-se a essa modalidade delitiva.

Afinal, quando um indivíduo praticar o primeiro fato, este será atípico, pela inexistência de óbice à configuração da insignificância. Se esta Corte fechar as portas para a condenação quando do segundo fato, o terceiro, quarto e sucessivos outros, igualmente passarão ao largo da Justiça Criminal. Sendo assim, o comportamento pretérito do réu, tenha ele sido ou não condenado com trânsito em julgado, pode, desde que fundamentadamente, ser considerado como causa apta à exclusão da incidência do princípio da insignificância.

Quanto à proposta consistente em fixar como necessariamente desproporcional, portanto inconstitucional, o encarceramento, a fixação de regime mais grave que o aberto, a necessidade de prisão domiciliar ou a obrigatoriedade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na linha do que acima expus, entendo que a generalização é incompatível com a multiplicidade e variedade de casos que podem se apresentar no cotidiano dos delitos de furto.

A análise casuística, feita pelas instâncias ordinárias, a quem também incumbe velar pela Constituição ao exercer jurisdição constitucional em sede de controle difuso, se por um lado tem a desvantagem de possibilitar eventual tratamento que desborde da isonomia, por outro lado, permite que as inúmeras especificidades do caso concreto sejam sopesadas para a melhor solução ao caso, evitando-se juízos apriorísticos nem sempre ajustados às inúmeras possibilidades fáticas.

Se, em princípio, é possível afirmar que a melhor solução a quem pratica um furto de coisa de valor insignificante é a sanção penal alternativa à privação de liberdade, por outro lado, peremptoriamente

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

fechar as portas do cárcere, impedindo que isso ocorra sempre, pode implicar na supressão, à sociedade, de instrumentos jurídicos aptos à contenção de uma conduta socialmente danosa.

O exemplo de uma pequena comunidade, perturbada por sucessivos pequenos furtos praticados por um mesmo indivíduo, demonstra que podem haver casos que justifiquem o isolamento de um determinado cidadão.

Embora extremamente relevantes as preocupações do eminente Relator com a realidade carcerária, entendo que a análise das especificidades do caso concreto não pode ser objetada por esta Corte. Para tanto, iniciativas como a do Conselho Nacional de Justiça de incentivar a prática da audiência de custódia nas instâncias ordinárias, dando eficácia ao disposto no art. 7o., 5, do Pacto de São José da Costa Rica (“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais...”) mostram-se quiçá mais adequadas tanto à valorização da atividade jurisdicional de primeiro grau na análise do caso concreto, quanto ao atingimento da nobre finalidade de se evitar o encarceramento indevido de quem não é suficientemente perigoso.

Além disso, a declaração de desconformidade com a Constituição de sanções previstas em lei, com fundamento no princípio da proporcionalidade, na minha compreensão, demanda a constatação de um absurdo déficit entre a gravidade da conduta e a sanção cominada. Nesse ponto, como acima exposto, reside meu dissenso com o entendimento do eminente Relator.

Por não depreender, necessariamente, esse absurdo descompasso entre a gravidade da conduta e a sanção cominada nesses casos, entendo, tal qual afirma Otto Bachof, que uma "primazia política do legislador" precisa ser reconhecida no tema referente ao estabelecimento da gravidade das penas relacionadas às condutas proibidas. Nesse sentido, embora em outro contexto, leciona Jorge de Figueiredo Dias em passagem que não leva grifos no original:

Precisamente porque não pode ser ultrapassado o

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fechar as portas do cárcere, impedindo que isso ocorra sempre, pode implicar na supressão, à sociedade, de instrumentos jurídicos aptos à contenção de uma conduta socialmente danosa.

O exemplo de uma pequena comunidade, perturbada por sucessivos pequenos furtos praticados por um mesmo indivíduo, demonstra que podem haver casos que justifiquem o isolamento de um determinado cidadão.

Embora extremamente relevantes as preocupações do eminente Relator com a realidade carcerária, entendo que a análise das especificidades do caso concreto não pode ser objetada por esta Corte. Para tanto, iniciativas como a do Conselho Nacional de Justiça de incentivar a prática da audiência de custódia nas instâncias ordinárias, dando eficácia ao disposto no art. 7o., 5, do Pacto de São José da Costa Rica (“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais...”) mostram-se quiçá mais adequadas tanto à valorização da atividade jurisdicional de primeiro grau na análise do caso concreto, quanto ao atingimento da nobre finalidade de se evitar o encarceramento indevido de quem não é suficientemente perigoso.

Além disso, a declaração de desconformidade com a Constituição de sanções previstas em lei, com fundamento no princípio da proporcionalidade, na minha compreensão, demanda a constatação de um absurdo déficit entre a gravidade da conduta e a sanção cominada. Nesse ponto, como acima exposto, reside meu dissenso com o entendimento do eminente Relator.

Por não depreender, necessariamente, esse absurdo descompasso entre a gravidade da conduta e a sanção cominada nesses casos, entendo, tal qual afirma Otto Bachof, que uma "primazia política do legislador" precisa ser reconhecida no tema referente ao estabelecimento da gravidade das penas relacionadas às condutas proibidas. Nesse sentido, embora em outro contexto, leciona Jorge de Figueiredo Dias em passagem que não leva grifos no original:

Precisamente porque não pode ser ultrapassado o

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

inevitável entreposto constituído pelo critério da necessidade ou da carência de pena. Critério que, em princípio, caberá ao legislador ordinário avaliar e só em casos gritantes poderá ser jurídico-constitucionalmente sindicado, nomeadamente por violação ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito (v.g. quando o legislador ordinário entendesse sancionar o homicídio doloso apenas com sanções jurídico-civis; ou quando decidisse subverter por completo a ordenação axiológica constitucional, descriminalizando totalmente a lesão de valores pessoais e criminalizando de forma maciça a lesão de valores patrimoniais! (Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo : RT, 1999, p. 80).

III. OS CASOS CONCRETOS.

Voltando-me aos casos concretos em julgamento, acompanho o eminente Relator quanto ao não conhecimento dos writs, pelas mesmas razões, na linha da jurisprudência desta Corte. Divirjo, todavia, no que diz respeito à concessão das ordens de ofício.

Pelas razões acima expostas, não depreendo flagrante ilegalidade nos atos jurisdicionais atacados.

A verificação do acerto ou não do afastamento do princípio da insignificância nos casos concretos, porque, como mencionado supra, está sujeita à análise de uma multiplicidade de fatores que perpassam o simples valor econômico da res furtiva, demanda análise pormenorizada e revolvimento da matéria probatória, o que reputo incompatível com o rito do habeas corpus.

Nesse sentido: HC 119976, Rel. Min. Luiz Fux; RHC 120351 AgR, Rel. Min. Celso de Mello; HC 115.346, Rel. Min. Roberto Barroso; HC 100.779, Rel. Min. Luiz Fux; e RHC 85.214, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.

Como as decisões da origem encontram-se fundamentadas em razões que, em princípio, reputo válidas ao afastamento da insignificância, para refutar as conclusões das instâncias ordinárias,

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HC 123108 / MG

inevitável entreposto constituído pelo critério da necessidade ou da carência de pena. Critério que, em princípio, caberá ao legislador ordinário avaliar e só em casos gritantes poderá ser jurídico-constitucionalmente sindicado, nomeadamente por violação ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito (v.g. quando o legislador ordinário entendesse sancionar o homicídio doloso apenas com sanções jurídico-civis; ou quando decidisse subverter por completo a ordenação axiológica constitucional, descriminalizando totalmente a lesão de valores pessoais e criminalizando de forma maciça a lesão de valores patrimoniais! (Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo : RT, 1999, p. 80).

III. OS CASOS CONCRETOS.

Voltando-me aos casos concretos em julgamento, acompanho o eminente Relator quanto ao não conhecimento dos writs, pelas mesmas razões, na linha da jurisprudência desta Corte. Divirjo, todavia, no que diz respeito à concessão das ordens de ofício.

Pelas razões acima expostas, não depreendo flagrante ilegalidade nos atos jurisdicionais atacados.

A verificação do acerto ou não do afastamento do princípio da insignificância nos casos concretos, porque, como mencionado supra, está sujeita à análise de uma multiplicidade de fatores que perpassam o simples valor econômico da res furtiva, demanda análise pormenorizada e revolvimento da matéria probatória, o que reputo incompatível com o rito do habeas corpus.

Nesse sentido: HC 119976, Rel. Min. Luiz Fux; RHC 120351 AgR, Rel. Min. Celso de Mello; HC 115.346, Rel. Min. Roberto Barroso; HC 100.779, Rel. Min. Luiz Fux; e RHC 85.214, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.

Como as decisões da origem encontram-se fundamentadas em razões que, em princípio, reputo válidas ao afastamento da insignificância, para refutar as conclusões das instâncias ordinárias,

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

HC 123108 / MG

precisaria refazer o cotejo fato-norma, o que se me afigura impossível na via estreita do habeas corpus.

Posto isso, voto por não conhecer das impetrações, sem concessão de ordem de ofício.

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Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9135468.

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HC 123108 / MG

precisaria refazer o cotejo fato-norma, o que se me afigura impossível na via estreita do habeas corpus.

Posto isso, voto por não conhecer das impetrações, sem concessão de ordem de ofício.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, comungo da compreensão aqui externada de que não há divergência entre todos nós quanto à reprovabilidade das condutas retratadas nesses três habeas corpus. Na verdade, como disse o eminente Relator, estamos a discutir talvez a forma de resposta penal que se há de dar a este tipo de conduta. E, com relação a isso, endosso todas as colocações aqui feitas.

Eu me debrucei sobre este tema pela primeira vez em julgamento da Primeira Turma, em habeas corpus da relatoria do Ministro Luiz Fux, em que estava em causa o furto de uma bandeja de carne no valor de R$ 19,00 (dezenove reais). E a posição da Primeira Turma era no sentido de denegar a ordem, se bem me recordo, em função de reincidência. E eu fiquei muito impressionada com o tema. Eu fui pensar um pouco a respeito e vi que, na realidade, a doutrina majoritária – conforme também aqui foi muito bem externado – e a própria jurisprudência se inclinam no sentido do reconhecimento da atipicidade material da conduta, e forte inclusive nos princípios da fragmentariedade, da própria intervenção mínima do Estado em matéria penal. Embora também haja julgados da Corte, lembro de um belíssimo voto da lavra do Ministro Ayres Britto, em que ele invoca o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade para afastar a condenação na hipótese de uma conduta que não teria uma grave ofensividade.

De qualquer sorte, Senhor Presidente, eu entendo que o Direito anda sempre a reboque dos fatos, que a realidade é muito mais rica do que as fórmulas e as teorias em que nós procuramos contê-la e externá-la. E, por isso, embora endosse a posição majoritária, no sentido de que o princípio da insignificância constitua uma excludente da tipicidade material, e assim tenho votado vencida, apenas nos casos corriqueiros, ressalvando a minha posição na Primeira Turma, eu não tenho como afastar o sentimento e a própria conclusão de que caso a caso é que o assunto, o

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, comungo da compreensão aqui externada de que não há divergência entre todos nós quanto à reprovabilidade das condutas retratadas nesses três habeas corpus. Na verdade, como disse o eminente Relator, estamos a discutir talvez a forma de resposta penal que se há de dar a este tipo de conduta. E, com relação a isso, endosso todas as colocações aqui feitas.

Eu me debrucei sobre este tema pela primeira vez em julgamento da Primeira Turma, em habeas corpus da relatoria do Ministro Luiz Fux, em que estava em causa o furto de uma bandeja de carne no valor de R$ 19,00 (dezenove reais). E a posição da Primeira Turma era no sentido de denegar a ordem, se bem me recordo, em função de reincidência. E eu fiquei muito impressionada com o tema. Eu fui pensar um pouco a respeito e vi que, na realidade, a doutrina majoritária – conforme também aqui foi muito bem externado – e a própria jurisprudência se inclinam no sentido do reconhecimento da atipicidade material da conduta, e forte inclusive nos princípios da fragmentariedade, da própria intervenção mínima do Estado em matéria penal. Embora também haja julgados da Corte, lembro de um belíssimo voto da lavra do Ministro Ayres Britto, em que ele invoca o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade para afastar a condenação na hipótese de uma conduta que não teria uma grave ofensividade.

De qualquer sorte, Senhor Presidente, eu entendo que o Direito anda sempre a reboque dos fatos, que a realidade é muito mais rica do que as fórmulas e as teorias em que nós procuramos contê-la e externá-la. E, por isso, embora endosse a posição majoritária, no sentido de que o princípio da insignificância constitua uma excludente da tipicidade material, e assim tenho votado vencida, apenas nos casos corriqueiros, ressalvando a minha posição na Primeira Turma, eu não tenho como afastar o sentimento e a própria conclusão de que caso a caso é que o assunto, o

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Voto - MIN. ROSA WEBER

HC 123108 / MG

tema, há de ser abordado, e a resposta se há de dar.Naquele caso da bandeja de carne de R$ 19,00 (dezenove reais),

assim como nessas hipóteses trazidas nesses habeas corpus – sandálias de R$ 16,00 (dezesseis reais), dois desodorantes íntimos de R$ 48,00 (quarenta e oito reais) e quinze bombons –, parece-me que a conduta não tem um relevo, apesar da sua ofensividade, que mereça o acionamento da máquina estatal e a segregação desses agentes num ambiente carcerário, que nós sabemos que hoje se constitui muito mais numa escola de crimes e que não se presta ao cumprimento das finalidades para as quais ele foi engendrado.

Por isso, acompanho, Senhor Presidente, o eminente Relator, no que tange aos dois primeiros habeas corpus. Eu havia compreendido de forma um pouco diferente, procurei esclarecer agora com o Ministro Luís Roberto, não estou aqui com a cópia de todos os votos de Sua Excelência, no sentido de que o voto não seria no sentido da extinção sem resolução do mérito com relação aos três, mas apenas com relação ao segundo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro era um habeas corpus contra uma decisão colegiada do Superior Tribunal de Justiça, de modo que eu o conheci.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Qual é o número, Excelência?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro é o HC nº 123.108, Presidente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Pois não! Então, nesse caso, a Ministra Rosa Weber acompanha o Relator no sentido de deferir a ordem?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - No sentido de deferir a ordem, é o caso das sandálias.

Eu gostaria de fazer uma alusão – o Ministro Luís Roberto também o

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HC 123108 / MG

tema, há de ser abordado, e a resposta se há de dar.Naquele caso da bandeja de carne de R$ 19,00 (dezenove reais),

assim como nessas hipóteses trazidas nesses habeas corpus – sandálias de R$ 16,00 (dezesseis reais), dois desodorantes íntimos de R$ 48,00 (quarenta e oito reais) e quinze bombons –, parece-me que a conduta não tem um relevo, apesar da sua ofensividade, que mereça o acionamento da máquina estatal e a segregação desses agentes num ambiente carcerário, que nós sabemos que hoje se constitui muito mais numa escola de crimes e que não se presta ao cumprimento das finalidades para as quais ele foi engendrado.

Por isso, acompanho, Senhor Presidente, o eminente Relator, no que tange aos dois primeiros habeas corpus. Eu havia compreendido de forma um pouco diferente, procurei esclarecer agora com o Ministro Luís Roberto, não estou aqui com a cópia de todos os votos de Sua Excelência, no sentido de que o voto não seria no sentido da extinção sem resolução do mérito com relação aos três, mas apenas com relação ao segundo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro era um habeas corpus contra uma decisão colegiada do Superior Tribunal de Justiça, de modo que eu o conheci.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Qual é o número, Excelência?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro é o HC nº 123.108, Presidente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Pois não! Então, nesse caso, a Ministra Rosa Weber acompanha o Relator no sentido de deferir a ordem?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - No sentido de deferir a ordem, é o caso das sandálias.

Eu gostaria de fazer uma alusão – o Ministro Luís Roberto também o

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Voto - MIN. ROSA WEBER

HC 123108 / MG

fez –, eu tenho sempre defendido e julgado nessa linha de que a reincidência ou registros criminais pretéritos não se mostram hábeis, enquanto dizem com a categoria dogmática da culpabilidade, para interferir e afastar a atipicidade material. Com todo o respeito, eu tenho assim compreendido. Então, não me parece que a reincidência ou mesmo simples registros penais pretéritos possam afastar essa compreensão que adoto, na linha defendida pelo eminente Relator.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministra Rosa, se bem entendi, o Ministro Fachin, embora tenha discordado da conclusão em seu voto, também não considera que a reincidência, por si só, necessariamente impeça o reconhecimento da insignificância. Foi isso que depreendi.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Foi nessa direção, embora a afirmação, se me permite reiterar, é no sentido de que a reincidência pode implicar no reconhecimento da insignificância. Ou melhor, não afasta necessariamente, é só uma formulação um pouco diversa.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nós estamos de acordo. Quer dizer, a reincidência pode impedir o reconhecimento da insignificância, mas não necessariamente.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Não necessariamente, é disso que se trata. Não há uma simetria.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Então, pensamos igual quanto a esse ponto, e a Ministra Rosa também.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Por isso que afirmo, aqui, a tese do Ministro Luís Roberto no sentido de que a reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem, por si sós,

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fez –, eu tenho sempre defendido e julgado nessa linha de que a reincidência ou registros criminais pretéritos não se mostram hábeis, enquanto dizem com a categoria dogmática da culpabilidade, para interferir e afastar a atipicidade material. Com todo o respeito, eu tenho assim compreendido. Então, não me parece que a reincidência ou mesmo simples registros penais pretéritos possam afastar essa compreensão que adoto, na linha defendida pelo eminente Relator.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministra Rosa, se bem entendi, o Ministro Fachin, embora tenha discordado da conclusão em seu voto, também não considera que a reincidência, por si só, necessariamente impeça o reconhecimento da insignificância. Foi isso que depreendi.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Foi nessa direção, embora a afirmação, se me permite reiterar, é no sentido de que a reincidência pode implicar no reconhecimento da insignificância. Ou melhor, não afasta necessariamente, é só uma formulação um pouco diversa.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nós estamos de acordo. Quer dizer, a reincidência pode impedir o reconhecimento da insignificância, mas não necessariamente.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Não necessariamente, é disso que se trata. Não há uma simetria.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Então, pensamos igual quanto a esse ponto, e a Ministra Rosa também.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Por isso que afirmo, aqui, a tese do Ministro Luís Roberto no sentido de que a reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem, por si sós,

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Voto - MIN. ROSA WEBER

HC 123108 / MG

que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto. Ou seja, num determinado caso, a reincidência talvez impeça sim a aplicação do princípio, mas não necessariamente o afastará.

Por isso, Senhor Presidente, não acompanharia o Ministro Luís Roberto no terceiro habeas corpus, se ele estivesse a extinguir sem resolução do mérito, porque tenho adotado a linha, no caso da extinção sem a resolução do mérito, na hipótese de absoluta teratologia ou ilegalidade manifesta, de conceder a ordem de ofício. Mas, nessa hipótese, disse-me o Ministro Luís Roberto, ele não propôs a extinção sem resolução do mérito, e sim a denegação da ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Esse é o 123. 734?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - É.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Nesse caso, Vossa Excelência concede de ofício?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ofício.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - O Ministro extingue sem solução de mérito, e Vossa Excelência concede de ofício para reconhecer a insignificância, é isso?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não acho que seja teratológico, de forma alguma. Essa é a minha compreensão. Aí, acompanharia a divergência do Ministro Fachin, onde ele fica na extinção do processo sem resolução do mérito, no terceiro habeas corpus.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Não conhecendo, portanto.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não conheceria, ficaria

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HC 123108 / MG

que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto. Ou seja, num determinado caso, a reincidência talvez impeça sim a aplicação do princípio, mas não necessariamente o afastará.

Por isso, Senhor Presidente, não acompanharia o Ministro Luís Roberto no terceiro habeas corpus, se ele estivesse a extinguir sem resolução do mérito, porque tenho adotado a linha, no caso da extinção sem a resolução do mérito, na hipótese de absoluta teratologia ou ilegalidade manifesta, de conceder a ordem de ofício. Mas, nessa hipótese, disse-me o Ministro Luís Roberto, ele não propôs a extinção sem resolução do mérito, e sim a denegação da ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Esse é o 123. 734?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - É.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Nesse caso, Vossa Excelência concede de ofício?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ofício.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - O Ministro extingue sem solução de mérito, e Vossa Excelência concede de ofício para reconhecer a insignificância, é isso?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não acho que seja teratológico, de forma alguma. Essa é a minha compreensão. Aí, acompanharia a divergência do Ministro Fachin, onde ele fica na extinção do processo sem resolução do mérito, no terceiro habeas corpus.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Não conhecendo, portanto.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não conheceria, ficaria

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Voto - MIN. ROSA WEBER

HC 123108 / MG

na extinção do habeas, sem a resolução do mérito.Na cópia do voto que tenho, ele está concedendo a ordem. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - No Habeas Corpus 123.533, Vossa Excelência simplesmente concede?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Se eu concedo de ofício, certamente não conheci. Deixe-me confirmar.

Ordem concedida de ofício para considerar atípica a conduta da paciente.

Deixe-me confirmar, Presidente, porque são três. O caso do furto dos bombons caseiros, o 123.734, concedi a ordem de ofício. Portanto, não conheci, porque já havia trânsito em julgado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência acompanha?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu, na verdade, denego a ordem no terceiro. Eu tenho o entendimento, e o Ministro Teori inclusive lembrou no seu voto, de que, quando há rompimento de obstáculos, há escalada, é difícil aplicar aí, em função do desvalor da conduta e da periculosidade do agente, o princípio da insignificância. Ou seja, caso a caso, ele há de ser apreciado. E, nessa terceira hipótese, que envolve escalada e rompimento de obstáculo, eu não acompanho o eminente Relator. Fico na extinção, não concedo a ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, só para tentar resumir: Vossa Excelência afirma a tese que a reincidência não afasta necessariamente o reconhecimento do princípio da insignificância. Mas, quando o crime é qualificado por rompimento de obstáculo ou por escalada - que é muito comum, quando a pessoa ingressa inclusive na residência da vítima -, Vossa Excelência entende que o comportamento é de tal gravidade que pode, sim, afastar o reconhecimento do princípio da insignificância.

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HC 123108 / MG

na extinção do habeas, sem a resolução do mérito.Na cópia do voto que tenho, ele está concedendo a ordem. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - No Habeas Corpus 123.533, Vossa Excelência simplesmente concede?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Se eu concedo de ofício, certamente não conheci. Deixe-me confirmar.

Ordem concedida de ofício para considerar atípica a conduta da paciente.

Deixe-me confirmar, Presidente, porque são três. O caso do furto dos bombons caseiros, o 123.734, concedi a ordem de ofício. Portanto, não conheci, porque já havia trânsito em julgado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência acompanha?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu, na verdade, denego a ordem no terceiro. Eu tenho o entendimento, e o Ministro Teori inclusive lembrou no seu voto, de que, quando há rompimento de obstáculos, há escalada, é difícil aplicar aí, em função do desvalor da conduta e da periculosidade do agente, o princípio da insignificância. Ou seja, caso a caso, ele há de ser apreciado. E, nessa terceira hipótese, que envolve escalada e rompimento de obstáculo, eu não acompanho o eminente Relator. Fico na extinção, não concedo a ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, só para tentar resumir: Vossa Excelência afirma a tese que a reincidência não afasta necessariamente o reconhecimento do princípio da insignificância. Mas, quando o crime é qualificado por rompimento de obstáculo ou por escalada - que é muito comum, quando a pessoa ingressa inclusive na residência da vítima -, Vossa Excelência entende que o comportamento é de tal gravidade que pode, sim, afastar o reconhecimento do princípio da insignificância.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

HC 123108 / MG

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Considerados todos os elementos e a avaliação a ser procedida pelo juízo de primeiro grau, porque esses casos chegam aqui em habeas corpus, numa via estreita, que não nos permite reexame e avaliação dos fatos com uma amplitude que eu entendo necessária.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu lembro que esses casos foram afetados ao Plenário para tentar-se chegar a uma uniformidade de interpretação. Mas eu já vi que, aqui, nós temos vários pontos de vista divergentes, já temos quatro votos que admitem a insignificância em certa circunstâncias, outros não admitem, outros entendem que cada caso deve ser examinado de per si.

6

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9521867.

Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Considerados todos os elementos e a avaliação a ser procedida pelo juízo de primeiro grau, porque esses casos chegam aqui em habeas corpus, numa via estreita, que não nos permite reexame e avaliação dos fatos com uma amplitude que eu entendo necessária.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu lembro que esses casos foram afetados ao Plenário para tentar-se chegar a uma uniformidade de interpretação. Mas eu já vi que, aqui, nós temos vários pontos de vista divergentes, já temos quatro votos que admitem a insignificância em certa circunstâncias, outros não admitem, outros entendem que cada caso deve ser examinado de per si.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 109 de 179

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Esclarecimento

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

E S C L A R E C I M E N T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Solicito um esclarecimento, Senhor Presidente: no caso dos bombons, o eminente Relator não conheceu da ação de “habeas corpus”, mas concedeu a ordem de ofício?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Observo que, no primeiro caso, há decisão colegiada. Quanto ao segundo caso, porém, em que se registra decisão monocrática, Vossa Excelência, Senhor Relator, formula juízo negativo de cognoscibilidade?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Também não conheço, porque é contra decisão liminar, mas concedo de ofício.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Obrigado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - No caso dos bombons, quem era a vítima? Por favor, Vossa Excelência consegue recordar?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Era um comerciante.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Era um comerciante. Um pequeno comerciante ou supermercado?

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

E S C L A R E C I M E N T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Solicito um esclarecimento, Senhor Presidente: no caso dos bombons, o eminente Relator não conheceu da ação de “habeas corpus”, mas concedeu a ordem de ofício?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Observo que, no primeiro caso, há decisão colegiada. Quanto ao segundo caso, porém, em que se registra decisão monocrática, Vossa Excelência, Senhor Relator, formula juízo negativo de cognoscibilidade?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Também não conheço, porque é contra decisão liminar, mas concedo de ofício.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Obrigado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - No caso dos bombons, quem era a vítima? Por favor, Vossa Excelência consegue recordar?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Era um comerciante.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Era um comerciante. Um pequeno comerciante ou supermercado?

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, mas em um dos casos, o regime já era aberto. Foi só a denegação.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente, só um minutinho, o caso dos bombons é esse que a Ministra Rosa está denegando a ordem; teve escalada e teve rompimento. Ele já tinha furtado, sempre no mesmo estabelecimento, estava cumprindo pena...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - É o 123? Esse é o caso no qual o comerciante se queixa da ação do criminoso?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É o 123, VII, 3,4. Foram quinze bombons avaliados em R$ 30,00 (trinta reais). Mas

teve duas qualificadoras, a do artigo - escalada e rompimento -, além disso, ele já tinha furtado três vezes o mesmo estabelecimento, num total de R$ 14 mil (quatorze mil reais). E essa é a questão, nas outras vezes, ele tinha furtado GPS, folha de cheque, dinheiro do caixa.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Vossa Excelência está se baseando, quer dizer, não há nenhuma condenação por nenhum desses eventos, o réu era primário.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou fazendo o exame da conduta como um todo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Este é o depoimento do queixoso, mas não há...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não é o depoimento do queixoso, é o que está na decisão do STJ, contra a qual a foi imputada...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Sim, mas reproduzindo esse depoimento. Mas não há nenhum tipo...

2

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HC 123108 / MG

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, mas em um dos casos, o regime já era aberto. Foi só a denegação.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Senhor Presidente, só um minutinho, o caso dos bombons é esse que a Ministra Rosa está denegando a ordem; teve escalada e teve rompimento. Ele já tinha furtado, sempre no mesmo estabelecimento, estava cumprindo pena...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - É o 123? Esse é o caso no qual o comerciante se queixa da ação do criminoso?

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É o 123, VII, 3,4. Foram quinze bombons avaliados em R$ 30,00 (trinta reais). Mas

teve duas qualificadoras, a do artigo - escalada e rompimento -, além disso, ele já tinha furtado três vezes o mesmo estabelecimento, num total de R$ 14 mil (quatorze mil reais). E essa é a questão, nas outras vezes, ele tinha furtado GPS, folha de cheque, dinheiro do caixa.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Vossa Excelência está se baseando, quer dizer, não há nenhuma condenação por nenhum desses eventos, o réu era primário.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou fazendo o exame da conduta como um todo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Este é o depoimento do queixoso, mas não há...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não é o depoimento do queixoso, é o que está na decisão do STJ, contra a qual a foi imputada...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Sim, mas reproduzindo esse depoimento. Mas não há nenhum tipo...

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou dizendo o que está nos autos. Não ia inventar isso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Tem uma condenação.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Tem uma condenação, no caso.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Nesse caso, eu não sei se há condenação, mas, nos outros dois casos, há condenação transitada em julgado, sendo que que ele estava inclusive com..

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não há condenação, isso é o relato da vítima. Não há nenhuma condenação, o réu é primário.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Aqui não é o relato da vítima, é o que está na decisão do STJ.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Certo, mas o STJ reproduziu o relato da vítima. O que eu posso assegurar a Vossa Excelência é que...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - O STJ deve ter decidido conforme prova que estava nos autos. Não vou discutir prova.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – A vítima declarou, mas a reincidência, Ministro Teori, como nós, aliás, já decidimos aqui, pressupõe uma decisão transitada em julgado. Eu não vou considerar que ele é reincidente, porque a vítima se queixou.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Nesse caso, não há reincidência.

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O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou dizendo o que está nos autos. Não ia inventar isso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Tem uma condenação.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Tem uma condenação, no caso.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Nesse caso, eu não sei se há condenação, mas, nos outros dois casos, há condenação transitada em julgado, sendo que que ele estava inclusive com..

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não há condenação, isso é o relato da vítima. Não há nenhuma condenação, o réu é primário.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Aqui não é o relato da vítima, é o que está na decisão do STJ.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Certo, mas o STJ reproduziu o relato da vítima. O que eu posso assegurar a Vossa Excelência é que...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - O STJ deve ter decidido conforme prova que estava nos autos. Não vou discutir prova.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – A vítima declarou, mas a reincidência, Ministro Teori, como nós, aliás, já decidimos aqui, pressupõe uma decisão transitada em julgado. Eu não vou considerar que ele é reincidente, porque a vítima se queixou.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Nesse caso, não há reincidência.

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, mas o Ministro Gilmar, fiado no que Vossa Excelência disse, está supondo que haja. Não há reincidência, o réu é primário. Portanto, a hipótese é de condenação...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Eu não disse que nesse caso havia reincidência. Estou dizendo que, nos outros dois casos, é que havia reincidência. Nesse caso, não há reincidência.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – A hipótese é, portanto, a condenação de um indivíduo primário pelo furto de quinze bombons.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas esse primário que já tinha roubado antes, é isso?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Aí, a vítima tem queixas.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Escalou e rompeu, escalou três metros...

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É qualificado.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Então, a grande questão que sempre se discutiu na Segunda Turma é a seguinte: se é possível, para avaliar o princípio da insignificância, a aplicação do princípio da bagatela, tomar-se em conta apenas o fato em si mesmo, considerado o valor da res furtiva, ou se é possível levar-se em consideração uma série de outras circunstâncias, inclusive o comportamento do réu. O Tribunal está dividido nessas duas correntes.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, mas o Ministro Gilmar, fiado no que Vossa Excelência disse, está supondo que haja. Não há reincidência, o réu é primário. Portanto, a hipótese é de condenação...

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Eu não disse que nesse caso havia reincidência. Estou dizendo que, nos outros dois casos, é que havia reincidência. Nesse caso, não há reincidência.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – A hipótese é, portanto, a condenação de um indivíduo primário pelo furto de quinze bombons.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas esse primário que já tinha roubado antes, é isso?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Aí, a vítima tem queixas.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Escalou e rompeu, escalou três metros...

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É qualificado.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Então, a grande questão que sempre se discutiu na Segunda Turma é a seguinte: se é possível, para avaliar o princípio da insignificância, a aplicação do princípio da bagatela, tomar-se em conta apenas o fato em si mesmo, considerado o valor da res furtiva, ou se é possível levar-se em consideração uma série de outras circunstâncias, inclusive o comportamento do réu. O Tribunal está dividido nessas duas correntes.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

– A posição do Ministro Celso, no voto emblemático, é valorar o desvalor da conduta e o resultado, a consequência a que se chegou. Acho que não temos uma dúvida teórica em relação a isso. Mas o fato é que o réu era primário e, por esta razão... Senão seria reincidência mais furto qualificado. Aí acho que seria uma hipótese diferente. Eu trouxe uma hipótese de cada: uma de reincidência, uma de coautoria e uma de rompimento de obstáculo.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não. Vossa Excelência trouxe duas hipóteses de reincidência e uma hipótese com duas qualificadoras.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Isso.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Uma delas é a coautoria e a outra qualificadora, no mesmo caso...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É a reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É rompimento de obstáculo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, não. A primeira é reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Ministro Barroso, olhe o HC 123.734. Esse caso é o dos bombons e tem duas qualificadoras. E os outros dois casos são de duas reincidências.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - E Vossa Excelência, ministro Teori, está encaminhando voto em que sentido?

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HC 123108 / MG

– A posição do Ministro Celso, no voto emblemático, é valorar o desvalor da conduta e o resultado, a consequência a que se chegou. Acho que não temos uma dúvida teórica em relação a isso. Mas o fato é que o réu era primário e, por esta razão... Senão seria reincidência mais furto qualificado. Aí acho que seria uma hipótese diferente. Eu trouxe uma hipótese de cada: uma de reincidência, uma de coautoria e uma de rompimento de obstáculo.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não. Vossa Excelência trouxe duas hipóteses de reincidência e uma hipótese com duas qualificadoras.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Isso.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Uma delas é a coautoria e a outra qualificadora, no mesmo caso...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É a reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - É rompimento de obstáculo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, não. A primeira é reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Ministro Barroso, olhe o HC 123.734. Esse caso é o dos bombons e tem duas qualificadoras. E os outros dois casos são de duas reincidências.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - E Vossa Excelência, ministro Teori, está encaminhando voto em que sentido?

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou considerando com base nessas duas qualificadoras e considerando como a conduta ocorreu, ou seja, que já havia praticado três furtos no mesmo estabelecimento e muito mais graves. E aqui há duas qualificadoras: de rompimento de obstáculo e escalada. Quer dizer, esse conjunto não pode significar que essa conduta seja insignificante. Isso que estou dizendo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Penalmente irrelevante.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Foi rompimento.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - E nos outros dois casos há reincidência e contumácia.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não. Não tem reincidência. É rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou falando nos outros casos, Ministro.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro caso é só reincidência. O segundo caso é coautoria e talvez tenha reincidência. Vou confirmar.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não. Não tem. É o HC 123.734. Tem duas qualificadoras: é o rompimento de obstáculo e...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Escalada. É o HC

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou considerando com base nessas duas qualificadoras e considerando como a conduta ocorreu, ou seja, que já havia praticado três furtos no mesmo estabelecimento e muito mais graves. E aqui há duas qualificadoras: de rompimento de obstáculo e escalada. Quer dizer, esse conjunto não pode significar que essa conduta seja insignificante. Isso que estou dizendo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Penalmente irrelevante.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Foi rompimento.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - E nos outros dois casos há reincidência e contumácia.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não. Não tem reincidência. É rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Estou falando nos outros casos, Ministro.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro caso é só reincidência. O segundo caso é coautoria e talvez tenha reincidência. Vou confirmar.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não. Não tem. É o HC 123.734. Tem duas qualificadoras: é o rompimento de obstáculo e...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Escalada. É o HC

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

123.734. E os outros dois casos têm reincidência.

O SENHOR LUÍS MINISTRO ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É isso que estou dizendo. O primeiro caso é reincidência. O terceiro caso é rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Terceiro caso.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Qual seria, então, o caso que só tem reincidência?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É o primeiro caso: HC 123.108.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Tem dois casos com...O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - HC 123.108?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – HC 123.108 só tem reincidência. O segundo caso...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Que é o HC 123.533?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Sim. O segundo caso, que é o do furto do sabonete íntimo, é coautoria mais reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Mais reincidência. Então há dois casos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro caso é só reincidência – HC 123.108. O segundo, que é o HC 123.533, que é o furto do sabonete íntimo, é coautoria – marido e mulher –

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123.734. E os outros dois casos têm reincidência.

O SENHOR LUÍS MINISTRO ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É isso que estou dizendo. O primeiro caso é reincidência. O terceiro caso é rompimento de obstáculo e escalada.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Terceiro caso.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Qual seria, então, o caso que só tem reincidência?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É o primeiro caso: HC 123.108.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Tem dois casos com...O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - HC 123.108?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – HC 123.108 só tem reincidência. O segundo caso...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Que é o HC 123.533?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Sim. O segundo caso, que é o do furto do sabonete íntimo, é coautoria mais reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Mais reincidência. Então há dois casos.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – O primeiro caso é só reincidência – HC 123.108. O segundo, que é o HC 123.533, que é o furto do sabonete íntimo, é coautoria – marido e mulher –

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Esclarecimento

HC 123108 / MG

e reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - E mais contumácia.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – E o terceiro e último caso é furto qualificado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Tem duas qualificadoras.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Por escalada e rompimento de obstáculo.

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e reincidência.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - E mais contumácia.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – E o terceiro e último caso é furto qualificado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Tem duas qualificadoras.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Por escalada e rompimento de obstáculo.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégia Corte, ilustre representante do Ministério Público, senhores advogados, também queria manifestar aqui o meu regozijo de voltarmos a conviver neste ambiente tão salutar como sói ser o Pleno do Supremo Tribunal Federal presidido por Vossa Excelência.

Vou descrever um fato, que é notório, e depois vou adentrar num aspecto que me parece importante sobre a nossa postura judicial nesse caso de insignificância, que não é uma categoria jurídica legal, mas é uma criação doutrinária, de alhures, que, no meu modo de ver, não se aplica no nosso ambiente nacional.

Recentemente, um jornalista da TV Globo estava entrevistando uma senhora sobre a recorrência de furtos de cordões em determinado lugar. E, exatamente no momento da entrevista, um jovem passou e arrancou o cordão. O repórter correu atrás do rapaz que havia cometido esse ilícito, mas não conseguiu alcançá-lo e ela disse: o problema não é o valor do cordão; o problema é a humilhação que nós sofremos pela impotência de reação e pelo desapossamento que eu fui vítima, o que revela um desprezo pela minha pessoa, conquanto ser humano.

E, no meu modo de ver, isso é algo que não se concilia com o ideário da nação de construir uma sociedade justa e solidária, ou seja, uma doutrina extremamente sofisticada que visa a infirmar a vontade do legislador. Quer dizer, no meu modo de ver, além desse aspecto supraconstitucional, que é o ideário maior da nação promover o bem de todos, construir a sociedade justa. E preconizar essa tese não conduz, no meu modo de ver, a uma sociedade justa. Além disso, nós estamos aqui sob ainda o pálio constitucional, estamos fazendo uma valoração que os representantes do povo não fizeram.

Com isso, eu quero dizer que, sobre esse tema da insignificância, há um desacordo moral razoável na sociedade. Nós temos a experiência

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Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégia Corte, ilustre representante do Ministério Público, senhores advogados, também queria manifestar aqui o meu regozijo de voltarmos a conviver neste ambiente tão salutar como sói ser o Pleno do Supremo Tribunal Federal presidido por Vossa Excelência.

Vou descrever um fato, que é notório, e depois vou adentrar num aspecto que me parece importante sobre a nossa postura judicial nesse caso de insignificância, que não é uma categoria jurídica legal, mas é uma criação doutrinária, de alhures, que, no meu modo de ver, não se aplica no nosso ambiente nacional.

Recentemente, um jornalista da TV Globo estava entrevistando uma senhora sobre a recorrência de furtos de cordões em determinado lugar. E, exatamente no momento da entrevista, um jovem passou e arrancou o cordão. O repórter correu atrás do rapaz que havia cometido esse ilícito, mas não conseguiu alcançá-lo e ela disse: o problema não é o valor do cordão; o problema é a humilhação que nós sofremos pela impotência de reação e pelo desapossamento que eu fui vítima, o que revela um desprezo pela minha pessoa, conquanto ser humano.

E, no meu modo de ver, isso é algo que não se concilia com o ideário da nação de construir uma sociedade justa e solidária, ou seja, uma doutrina extremamente sofisticada que visa a infirmar a vontade do legislador. Quer dizer, no meu modo de ver, além desse aspecto supraconstitucional, que é o ideário maior da nação promover o bem de todos, construir a sociedade justa. E preconizar essa tese não conduz, no meu modo de ver, a uma sociedade justa. Além disso, nós estamos aqui sob ainda o pálio constitucional, estamos fazendo uma valoração que os representantes do povo não fizeram.

Com isso, eu quero dizer que, sobre esse tema da insignificância, há um desacordo moral razoável na sociedade. Nós temos a experiência

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Voto - MIN. LUIZ FUX

HC 123108 / MG

social, por exemplo, expressada na voz dessa senhora, que é um desacordo moral razoável sobre se considerar insignificante, ainda que seja de pequeno valor, o furto de um cordão de estimação.

De sorte que, nesses casos de desacordo moral razoável, como citou o Ministro Teori, em inúmeros casos, inclusive, esse recente episódio em que um autor de um furto foi amarrado e morto num poste - se não me engano, numa cidade do Sul, acho até que do Paraná -, ele foi amarrado numa árvore ou num poste.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ministro Fux, Vossa Excelência me permite?

É um dado que nós já tínhamos levado em conta, quando do debate na Segunda Turma, que a ausência de alguma resposta por parte do Estado estimula, suscita reação da sociedade, especialmente diante de condutas reiteradas.

Infelizmente, nós temos assistido a esse quadro de barbárie, especialmente em comunidades pequenas, em que há a identificação, ou se supõe que alguma pessoa é autora de delitos reiterados e acaba se dando essa resposta, que é o retorno à barbárie que o Direito Penal quer evitar. Também, nós devemos levar em conta esses aspectos.

Um outro aspecto que o ministro Fachin enfocou muito bem e que também me preocupa é o aspecto da discussão de lege ferenda às teses colocadas pelo ministro Barroso. Eu acho que muito bem postas, mas elas suscitam essa indagação. Eu me pergunto, muitas vezes, por que esse tema não é tratado? A gente que faz a consideração de Direito Comparado encontra isso. Por que determinados temas não são definidos? E se diz: mas vai ser aplicada apenas a pena restritiva de direito, ou até mesmo voltar a discussão sobre o tratamento como um crime menor. Mas a questão delimitaria, exigiria, muitas vezes, uma delimitação legal, tratar como contravenção determinados casos, a

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HC 123108 / MG

social, por exemplo, expressada na voz dessa senhora, que é um desacordo moral razoável sobre se considerar insignificante, ainda que seja de pequeno valor, o furto de um cordão de estimação.

De sorte que, nesses casos de desacordo moral razoável, como citou o Ministro Teori, em inúmeros casos, inclusive, esse recente episódio em que um autor de um furto foi amarrado e morto num poste - se não me engano, numa cidade do Sul, acho até que do Paraná -, ele foi amarrado numa árvore ou num poste.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ministro Fux, Vossa Excelência me permite?

É um dado que nós já tínhamos levado em conta, quando do debate na Segunda Turma, que a ausência de alguma resposta por parte do Estado estimula, suscita reação da sociedade, especialmente diante de condutas reiteradas.

Infelizmente, nós temos assistido a esse quadro de barbárie, especialmente em comunidades pequenas, em que há a identificação, ou se supõe que alguma pessoa é autora de delitos reiterados e acaba se dando essa resposta, que é o retorno à barbárie que o Direito Penal quer evitar. Também, nós devemos levar em conta esses aspectos.

Um outro aspecto que o ministro Fachin enfocou muito bem e que também me preocupa é o aspecto da discussão de lege ferenda às teses colocadas pelo ministro Barroso. Eu acho que muito bem postas, mas elas suscitam essa indagação. Eu me pergunto, muitas vezes, por que esse tema não é tratado? A gente que faz a consideração de Direito Comparado encontra isso. Por que determinados temas não são definidos? E se diz: mas vai ser aplicada apenas a pena restritiva de direito, ou até mesmo voltar a discussão sobre o tratamento como um crime menor. Mas a questão delimitaria, exigiria, muitas vezes, uma delimitação legal, tratar como contravenção determinados casos, a

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HC 123108 / MG

atuação sem violência e sem repercussão patrimonial.

Mas o ponto de que também tratou o ministro Fachin, que impressiona, é este: o que é um crime sem repercussão econômica significativa? O que significa para alguém numa favela o furto de uma calça jeans – e o esforço que se faz, às vezes, para tê-la – ou de um tênis?

Por isso que é extremamente complexa essa consideração, embora eu mesmo já tenha levado à Turma, num caso em que não houve reincidência específica, continuei defendendo a tese da aplicação do princípio da insignificância. E acho que já é um passo poder dizer – e acho que isso é mérito do voto do ministro Barroso – que também a simples existência da iteração ou da reincidência não deve levar, necessariamente, à afirmação de que não se aplica o princípio da insignificância. Mas isso faz necessária a intervenção do juiz. Daí, minha dificuldade de subscrever...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Mas aí, Ministro Gilmar, eu acho que estamos de acordo...

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Estou muito próximo do pensamento de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – E tem mais uma outra coisa, se a resposta penal for uma sanção que não o encarceramento, mas que haja uma resposta penal, já será melhor.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Aí é que vou chegar. Se eu puder concluir, vou chegar exatamente. Me engrandece o fato de Vossa Excelência ter se adjuntado a essas razões de que há um desacordo moral na sociedade, em que a primeira consequência constitucional desse desacordo moral é o minimalismo judicial. Quer dizer, não somos nós, aqui, preconizarmos o princípio da insignificância, porque há aqui uma

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atuação sem violência e sem repercussão patrimonial.

Mas o ponto de que também tratou o ministro Fachin, que impressiona, é este: o que é um crime sem repercussão econômica significativa? O que significa para alguém numa favela o furto de uma calça jeans – e o esforço que se faz, às vezes, para tê-la – ou de um tênis?

Por isso que é extremamente complexa essa consideração, embora eu mesmo já tenha levado à Turma, num caso em que não houve reincidência específica, continuei defendendo a tese da aplicação do princípio da insignificância. E acho que já é um passo poder dizer – e acho que isso é mérito do voto do ministro Barroso – que também a simples existência da iteração ou da reincidência não deve levar, necessariamente, à afirmação de que não se aplica o princípio da insignificância. Mas isso faz necessária a intervenção do juiz. Daí, minha dificuldade de subscrever...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Mas aí, Ministro Gilmar, eu acho que estamos de acordo...

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Estou muito próximo do pensamento de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – E tem mais uma outra coisa, se a resposta penal for uma sanção que não o encarceramento, mas que haja uma resposta penal, já será melhor.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Aí é que vou chegar. Se eu puder concluir, vou chegar exatamente. Me engrandece o fato de Vossa Excelência ter se adjuntado a essas razões de que há um desacordo moral na sociedade, em que a primeira consequência constitucional desse desacordo moral é o minimalismo judicial. Quer dizer, não somos nós, aqui, preconizarmos o princípio da insignificância, porque há aqui uma

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HC 123108 / MG

outra questão constitucional também séria, porque se o legislador, no estado democrático de direito, ponderou, já depois do Código Penal, sobre crimes de menor potencial ofensivo e submeteu-os a um procedimento mais tênue, com transação penal, inclusive, nesse estado democrático de direito, não cabe ao Judiciário descriminalizar condutas que foram eleitas pelos representantes do povo como crime. Nós não temos essa capacidade institucional, nós não somos eleitos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência me permite uma pequeno aparte? Uma discussão que é recorrente entre nós e sobretudo na Segunda Turma: o legislador previu, inclusive, o furto privilegiado para atender a essas questões.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É a isso que eu ia me referir. Veja, Vossa Excelência, o seguinte: no meu modo de ver, o art. 59, quando estabelece os parâmetros da dosimetria, e o próprio art. 155, no seu §3º ou 4º, ele dispõe que o juiz pode substituir por pena de multa, pode haver a aplicação de penas restritivas de direito. O que nós não podemos fazer é que, à luz do princípio da insignificância, consideremos atípica uma conduta que o legislador valorou e entendeu atípica. Então, vamos declarar inconstitucional o furto de bem de pequeno valor e, aí, atuaremos como legisladores positivos, porque não está escrito em lugar nenhum isso. E outra coisa, se nós formos considerar o valor nos delitos, nós vamos acabar com a diferença entre crime material e crime formal. Acabou a diferença. Crime de mera conduta e crime material. Tudo tem que ter um valor.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Na tentativa, nunca há.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Não tem nada, não cabe nenhuma sanção.

Então, esses argumentos, vamos dizer assim, legais, no meu modo de ver, eles insinuam que, às vezes, o professor Claus Roxin tem até uma boa razão na teoria do domínio do fato, mas, aqui, essa teoria da bagatela que ele criou, isso pode ser aplicável lá onde ele atua, porque tem um

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outra questão constitucional também séria, porque se o legislador, no estado democrático de direito, ponderou, já depois do Código Penal, sobre crimes de menor potencial ofensivo e submeteu-os a um procedimento mais tênue, com transação penal, inclusive, nesse estado democrático de direito, não cabe ao Judiciário descriminalizar condutas que foram eleitas pelos representantes do povo como crime. Nós não temos essa capacidade institucional, nós não somos eleitos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência me permite uma pequeno aparte? Uma discussão que é recorrente entre nós e sobretudo na Segunda Turma: o legislador previu, inclusive, o furto privilegiado para atender a essas questões.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É a isso que eu ia me referir. Veja, Vossa Excelência, o seguinte: no meu modo de ver, o art. 59, quando estabelece os parâmetros da dosimetria, e o próprio art. 155, no seu §3º ou 4º, ele dispõe que o juiz pode substituir por pena de multa, pode haver a aplicação de penas restritivas de direito. O que nós não podemos fazer é que, à luz do princípio da insignificância, consideremos atípica uma conduta que o legislador valorou e entendeu atípica. Então, vamos declarar inconstitucional o furto de bem de pequeno valor e, aí, atuaremos como legisladores positivos, porque não está escrito em lugar nenhum isso. E outra coisa, se nós formos considerar o valor nos delitos, nós vamos acabar com a diferença entre crime material e crime formal. Acabou a diferença. Crime de mera conduta e crime material. Tudo tem que ter um valor.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Na tentativa, nunca há.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Não tem nada, não cabe nenhuma sanção.

Então, esses argumentos, vamos dizer assim, legais, no meu modo de ver, eles insinuam que, às vezes, o professor Claus Roxin tem até uma boa razão na teoria do domínio do fato, mas, aqui, essa teoria da bagatela que ele criou, isso pode ser aplicável lá onde ele atua, porque tem um

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Voto - MIN. LUIZ FUX

HC 123108 / MG

ambiente penal diferente. Mas essa teoria da insignificância, esse princípio não está previsto na lei e é uma criação contra legem que vai nos impor declarar a inconstitucionalidade de dispositivos. Isso em primeiro lugar.

E, como dizia eu, a reprimenda penal... Como Vossa Excelência também destacou, o Ministro Teori concluiu assim e o Ministro Fachin ainda trouxe um outro argumento que é muito importante. Porque eu fui promotor do interior e, na minha comarca do interior, tinha um farmácia que vendia dois xampus por mês, então, esse era um pequeno comerciante, um pobre comerciante. Então, o furto de um xampu na drogaria popular de Copacabana é insignificante, mas, na comarca de Trajano de Moraes, não é. E aqui nós temos que tratar com questões de âmbito nacional. E, como Vossa Excelência também destacou, o próprio legislador elegeu uma fórmula para resolver essas pequenas questões. Não precisa aplicar pena privativa de liberdade, aplica pena de multa ou, então, aplica o regime aberto. Agora, o que não pode é o Judiciário descriminalizar uma conduta valorada pelo legislador. Isso é uma figura penal, que está prevista no nosso ordenamento.

De sorte que eu verifico, também, que todas essas mudanças da legislação penal, elas não se referem aos tipos, mas à resposta penal. Elas visam a minimizar a punibilidade. Então, nesses casos, vamos aplicar o regime aberto. Nesses casos, vamos aplicar a pena de multa. Dificilmente se descriminaliza o que já está criminalizado. O que se criam são figuras novas, que essa nova sociedade acabou por gerar fatos que não estão previstos na lei, como sói ocorrer com essa recente lei de organização criminosa, que não se enquadrava na quadrilha ou no bando, a lavagem de dinheiro e esses crimes cibernéticos.

Agora, a preocupação é não colocar no sistema, como disse o Ministro Barroso. Para não colocar no sistema, a resposta penal é mínima. Mas não é uma resposta penal mínima que se descriminalize aquilo que o legislador criminalizou. Nós temos meios de chegar a esse resultado. Nos delitos de menor potencial ofensivo, ou vai para o juizado especial ou aplica a pena de multa, ou o regime aberto, como é agora a proposta do

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ambiente penal diferente. Mas essa teoria da insignificância, esse princípio não está previsto na lei e é uma criação contra legem que vai nos impor declarar a inconstitucionalidade de dispositivos. Isso em primeiro lugar.

E, como dizia eu, a reprimenda penal... Como Vossa Excelência também destacou, o Ministro Teori concluiu assim e o Ministro Fachin ainda trouxe um outro argumento que é muito importante. Porque eu fui promotor do interior e, na minha comarca do interior, tinha um farmácia que vendia dois xampus por mês, então, esse era um pequeno comerciante, um pobre comerciante. Então, o furto de um xampu na drogaria popular de Copacabana é insignificante, mas, na comarca de Trajano de Moraes, não é. E aqui nós temos que tratar com questões de âmbito nacional. E, como Vossa Excelência também destacou, o próprio legislador elegeu uma fórmula para resolver essas pequenas questões. Não precisa aplicar pena privativa de liberdade, aplica pena de multa ou, então, aplica o regime aberto. Agora, o que não pode é o Judiciário descriminalizar uma conduta valorada pelo legislador. Isso é uma figura penal, que está prevista no nosso ordenamento.

De sorte que eu verifico, também, que todas essas mudanças da legislação penal, elas não se referem aos tipos, mas à resposta penal. Elas visam a minimizar a punibilidade. Então, nesses casos, vamos aplicar o regime aberto. Nesses casos, vamos aplicar a pena de multa. Dificilmente se descriminaliza o que já está criminalizado. O que se criam são figuras novas, que essa nova sociedade acabou por gerar fatos que não estão previstos na lei, como sói ocorrer com essa recente lei de organização criminosa, que não se enquadrava na quadrilha ou no bando, a lavagem de dinheiro e esses crimes cibernéticos.

Agora, a preocupação é não colocar no sistema, como disse o Ministro Barroso. Para não colocar no sistema, a resposta penal é mínima. Mas não é uma resposta penal mínima que se descriminalize aquilo que o legislador criminalizou. Nós temos meios de chegar a esse resultado. Nos delitos de menor potencial ofensivo, ou vai para o juizado especial ou aplica a pena de multa, ou o regime aberto, como é agora a proposta do

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Voto - MIN. LUIZ FUX

HC 123108 / MG

Ministro Teori com a qual eu vou exatamente concordar. Então, sob o prisma constitucional, acho que é sério nós

chancelarmos o princípio da insignificância. Sob o prisma legal, a própria lei tem instrumentos. E sob o prisma interdisciplinar, é inegável que há um desacordo moral razoável da sociedade que impõe à postura da Suprema Corte um minimalismo necessário para que não se crie uma carta de alforria capaz de gerar uma violação ao princípio da igualdade, porque, como disse o Ministro Fachin, agora reitero eu com a minha experiência de promotor de justiça, há furtos de pequeno valor que são de grande expressão numa comarca do interior e nenhuma expressão numa comarca da capital.

E outro aspecto também importante, Senhor Presidente, apenas para mencionar, porque aqui foi invocado um caso da Primeira Turma. A Primeira Turma faz uma distinção entre o crime de bagatela e o crime famélico. Então, eu não acredito que, pelo roubo de uma bandeja de carne, alguém tenha sido condenado ou não tenha sido exonerado pelo Supremo Tribunal Federal. Alguma coisa diferente deve ter havido. Quer dizer, tem gente que gosta de salgado, tem gente que gosta de doce. Aqui roubou bombom. Ali roubou carne. Mas deve ter havido alguma coisa diferente que a Primeira Turma não exonerou. Eu até perguntaria à Ministra Rosa, Vossa Excelência ficou vencida?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu disse que fiquei, Ministro Fux.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então deve ter havido alguma diferença.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - A reincidência. Eu disse que, pelo que recordo, era uma hipótese de reincidência.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É, mas deve ter mais do que uma bandeja de carne, porque se fosse só a bandeja de carne seria o furto famélico. Mas, de qualquer maneira, o Supremo faz a distinção entre crime famélico - e não condena quem rouba em estado de necessidade, quem furta em estado de necessidade - e crime de bagatela, em que há todos esses requisitos que nós adotamos.

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HC 123108 / MG

Ministro Teori com a qual eu vou exatamente concordar. Então, sob o prisma constitucional, acho que é sério nós

chancelarmos o princípio da insignificância. Sob o prisma legal, a própria lei tem instrumentos. E sob o prisma interdisciplinar, é inegável que há um desacordo moral razoável da sociedade que impõe à postura da Suprema Corte um minimalismo necessário para que não se crie uma carta de alforria capaz de gerar uma violação ao princípio da igualdade, porque, como disse o Ministro Fachin, agora reitero eu com a minha experiência de promotor de justiça, há furtos de pequeno valor que são de grande expressão numa comarca do interior e nenhuma expressão numa comarca da capital.

E outro aspecto também importante, Senhor Presidente, apenas para mencionar, porque aqui foi invocado um caso da Primeira Turma. A Primeira Turma faz uma distinção entre o crime de bagatela e o crime famélico. Então, eu não acredito que, pelo roubo de uma bandeja de carne, alguém tenha sido condenado ou não tenha sido exonerado pelo Supremo Tribunal Federal. Alguma coisa diferente deve ter havido. Quer dizer, tem gente que gosta de salgado, tem gente que gosta de doce. Aqui roubou bombom. Ali roubou carne. Mas deve ter havido alguma coisa diferente que a Primeira Turma não exonerou. Eu até perguntaria à Ministra Rosa, Vossa Excelência ficou vencida?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Eu disse que fiquei, Ministro Fux.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então deve ter havido alguma diferença.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - A reincidência. Eu disse que, pelo que recordo, era uma hipótese de reincidência.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É, mas deve ter mais do que uma bandeja de carne, porque se fosse só a bandeja de carne seria o furto famélico. Mas, de qualquer maneira, o Supremo faz a distinção entre crime famélico - e não condena quem rouba em estado de necessidade, quem furta em estado de necessidade - e crime de bagatela, em que há todos esses requisitos que nós adotamos.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

HC 123108 / MG

Então, pedindo vênia aos brilhantes votos que aqui já foram prolatados, me valendo do argumento de todos, porque afinal de contas me vali do argumento de todos, acompanho o voto do Ministro Teori Zavascki.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência está denegando, mas concedendo de ofício para que o regime a ser considerado seja o aberto?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Acompanhando integralmente. A resposta penal é que é importante aqui.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministro Fux, Vossa Excelência entende que pode ser regime aberto?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Entendo.

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

Então, pedindo vênia aos brilhantes votos que aqui já foram prolatados, me valendo do argumento de todos, porque afinal de contas me vali do argumento de todos, acompanho o voto do Ministro Teori Zavascki.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência está denegando, mas concedendo de ofício para que o regime a ser considerado seja o aberto?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Acompanhando integralmente. A resposta penal é que é importante aqui.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministro Fux, Vossa Excelência entende que pode ser regime aberto?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Entendo.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 124 de 179

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Senhor Presidente, cumprimento os votos já proferidos, o debate já

realizado pela Corte em matéria que nós temos enfrentado constantemente na Primeira e na Segunda Turmas. Mas todos esses debates, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Ministros, só reafirmam a minha convicção de que, em matéria de aplicação da lei penal, não cabe a esta Corte uniformizar entendimentos.

A realidade fática - e aqui as três hipóteses trazidas pelo Relator assim o demonstram - é muito maior do que qualquer tentativa nossa de estandardizar algum tipo de orientação para a aplicação para toda a magistratura nacional. Os debates mostraram isso. Agora há pouco o Ministro Luiz Fux, diante da sua experiência desde promotor, inicialmente advogado, depois promotor, juiz pelo Estado do Rio de Janeiro, mostrando as diferenças de um mesmo bem, como pode ser tratado em uma ou outra localidade, naquele mesmo Estado da federação. Observamos também as colocações trazidas por Sua Excelência, o Ministro Fachin.

Eu louvo, Senhor Presidente, a tentativa do nobre Relator, inclusive porque isso foi provocado diante da tentativa de uniformizar entendimentos da Primeira com a Segunda Turma - a Segunda Turma aceitando de uma maneira mais liberal a aplicação do princípio, a Primeira Turma mais restritiva -, mas eu verifico que isso é impossível, Senhor Presidente. E reafirmo a minha posição, em matéria de súmula vinculante eu tenho sempre reiterado aqui, em matéria de natureza penal, a minha contrariedade à edição de súmulas vinculantes. Também entendo que uniformizar teses, nesses temas, não convém.

Por isso, julgando estritamente os casos concretos, eu vou pedir vênia ao Relator para acompanhar a solução trazida pelo Ministro Teori Zavascki para os três casos: sou contrário à fixação de teses.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9290704.

Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Senhor Presidente, cumprimento os votos já proferidos, o debate já

realizado pela Corte em matéria que nós temos enfrentado constantemente na Primeira e na Segunda Turmas. Mas todos esses debates, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Ministros, só reafirmam a minha convicção de que, em matéria de aplicação da lei penal, não cabe a esta Corte uniformizar entendimentos.

A realidade fática - e aqui as três hipóteses trazidas pelo Relator assim o demonstram - é muito maior do que qualquer tentativa nossa de estandardizar algum tipo de orientação para a aplicação para toda a magistratura nacional. Os debates mostraram isso. Agora há pouco o Ministro Luiz Fux, diante da sua experiência desde promotor, inicialmente advogado, depois promotor, juiz pelo Estado do Rio de Janeiro, mostrando as diferenças de um mesmo bem, como pode ser tratado em uma ou outra localidade, naquele mesmo Estado da federação. Observamos também as colocações trazidas por Sua Excelência, o Ministro Fachin.

Eu louvo, Senhor Presidente, a tentativa do nobre Relator, inclusive porque isso foi provocado diante da tentativa de uniformizar entendimentos da Primeira com a Segunda Turma - a Segunda Turma aceitando de uma maneira mais liberal a aplicação do princípio, a Primeira Turma mais restritiva -, mas eu verifico que isso é impossível, Senhor Presidente. E reafirmo a minha posição, em matéria de súmula vinculante eu tenho sempre reiterado aqui, em matéria de natureza penal, a minha contrariedade à edição de súmulas vinculantes. Também entendo que uniformizar teses, nesses temas, não convém.

Por isso, julgando estritamente os casos concretos, eu vou pedir vênia ao Relator para acompanhar a solução trazida pelo Ministro Teori Zavascki para os três casos: sou contrário à fixação de teses.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9290704.

Inteiro Teor do Acórdão - Página 125 de 179

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

HC 123108 / MG

Entendo também, Senhor Presidente, como recentemente votei na Segunda Turma, que é possível aplicar, em determinada situação, o princípio da insignificância. Acompanhei o Ministro Gilmar Mendes, não era uma reincidência específica, era um bem de dois ou três reais. Não há sentido, realmente, dentro daquelas circunstâncias, de, em razão de uma condenação por outro crime, que não aquele específico, ter-se, então, a impossibilidade de aceitar a reincidência. Acompanhei Sua Excelência, sendo que sempre votei na Primeira Turma, na maioria dos casos, pela não aplicação do princípio em razão da reincidência. Ou seja, vamos deixar que os juízes apliquem, na análise do conjunto da obra, o princípio da individualização da pena. O voto do Ministro Teori Zavascki aqui pode, realmente, superar a questão do regime a ser aplicado e entendo que aí já há um grande avanço nesse tema, como foi dito por Vossa Excelência, pelo Ministro-Relator, mas não fixaria tese nenhuma.

Eu vou, então, acompanhar as soluções trazidas pelo voto do Ministro Teori Zavascki.

2

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

Entendo também, Senhor Presidente, como recentemente votei na Segunda Turma, que é possível aplicar, em determinada situação, o princípio da insignificância. Acompanhei o Ministro Gilmar Mendes, não era uma reincidência específica, era um bem de dois ou três reais. Não há sentido, realmente, dentro daquelas circunstâncias, de, em razão de uma condenação por outro crime, que não aquele específico, ter-se, então, a impossibilidade de aceitar a reincidência. Acompanhei Sua Excelência, sendo que sempre votei na Primeira Turma, na maioria dos casos, pela não aplicação do princípio em razão da reincidência. Ou seja, vamos deixar que os juízes apliquem, na análise do conjunto da obra, o princípio da individualização da pena. O voto do Ministro Teori Zavascki aqui pode, realmente, superar a questão do regime a ser aplicado e entendo que aí já há um grande avanço nesse tema, como foi dito por Vossa Excelência, pelo Ministro-Relator, mas não fixaria tese nenhuma.

Eu vou, então, acompanhar as soluções trazidas pelo voto do Ministro Teori Zavascki.

2

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 179

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Esclarecimento

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Presidente, eu só gostaria de esclarecer que a solução do regime aberto era a solução alternativa do meu voto, e, para que não passe despercebido, nós estamos afastando a incidência do dispositivo do Código Penal, que não prevê regime aberto no caso de reincidência.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Mas eu só posso acompanhar Vossa Excelência nesse ponto quando

Vossa Excelência assumir isso como voto não alternativo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Está certo, mas nós estamos fixando.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Por enquanto, Vossa Excelência tem defendido o voto mais

abrangente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu entendo. Mas, mal ou bem, eu acho que nós estamos caminhando para uma tese importante, que é a possibilidade de fixação de regime aberto no caso que fosse, em tese, enquadrável como insignificância. E essa é um mudança muito significativa no sistema de encarceramento do País. Portanto, eu gostaria de destacar esse ponto.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9291506.

Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Presidente, eu só gostaria de esclarecer que a solução do regime aberto era a solução alternativa do meu voto, e, para que não passe despercebido, nós estamos afastando a incidência do dispositivo do Código Penal, que não prevê regime aberto no caso de reincidência.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Mas eu só posso acompanhar Vossa Excelência nesse ponto quando

Vossa Excelência assumir isso como voto não alternativo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Está certo, mas nós estamos fixando.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:Por enquanto, Vossa Excelência tem defendido o voto mais

abrangente.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu entendo. Mas, mal ou bem, eu acho que nós estamos caminhando para uma tese importante, que é a possibilidade de fixação de regime aberto no caso que fosse, em tese, enquadrável como insignificância. E essa é um mudança muito significativa no sistema de encarceramento do País. Portanto, eu gostaria de destacar esse ponto.

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Antecipação ao Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, eu tenho voto escrito, vou fazer a juntada, até pra não tomar o tempo do Tribunal, uma vez que os argumentos e os fundamentos todos apresentados já foram devidamente debatidos. Portanto, farei juntada de voto, no qual tive a preocupação de fazer um estudo sobre o encaminhamento da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal nesta matéria, até se chegar, ao que já foi aqui mais de uma vez citado, ao Habeas Corpus nº 84.412, relatado pelo eminente Ministro- Decano Celso de Mello, e o que, a partir daquela decisão, consolidou-se como fixação de premissas sobre a aplicação do princípio da insignificância e os critérios a serem adotados. Não farei a leitura, até porque já foi feita, e há jurisprudência.

Eu queria chamar atenção apenas, Senhor Presidente, para dois casos. Primeiro, o que já foi acentuado também, mas faço questão de deixar isso claro, não estamos cuidando de furto de chinelo, furto de dois desodorantes ou furto de quinze bombons; não é isso que toma uma tarde inteira deste Plenário; para que, depois, não se diga que o Supremo ficou um tarde inteira discutindo o furto de quinze bombons. Não, aqui há um fundamento que foi aplicado e sobre o qual se discute para se saber qual a orientação a ser seguida, pondo-me, de imediato, de acordo com o que acaba da enfatizar o Ministro Dias Toffoli. Não é para fixação de tese, porque a vida é muito mais do que o que se contém em tese, e tese a gente pode conduzir também de maneira errada, porque palavras são enganosas.

Então, o que é sério aqui, como foi bem posto pelo Ministro-Relator e reiterado por todos, é basicamente: se se pode aplicar o princípio da insignificância ou se o Supremo Tribunal Federal acolhe a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em casos de reincidência e em casos de qualificadora, tal como num dos casos postos.

Em segundo lugar, Senhor Presidente, eu gostaria de, com a licença

Supremo Tribunal Federal

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Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, eu tenho voto escrito, vou fazer a juntada, até pra não tomar o tempo do Tribunal, uma vez que os argumentos e os fundamentos todos apresentados já foram devidamente debatidos. Portanto, farei juntada de voto, no qual tive a preocupação de fazer um estudo sobre o encaminhamento da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal nesta matéria, até se chegar, ao que já foi aqui mais de uma vez citado, ao Habeas Corpus nº 84.412, relatado pelo eminente Ministro- Decano Celso de Mello, e o que, a partir daquela decisão, consolidou-se como fixação de premissas sobre a aplicação do princípio da insignificância e os critérios a serem adotados. Não farei a leitura, até porque já foi feita, e há jurisprudência.

Eu queria chamar atenção apenas, Senhor Presidente, para dois casos. Primeiro, o que já foi acentuado também, mas faço questão de deixar isso claro, não estamos cuidando de furto de chinelo, furto de dois desodorantes ou furto de quinze bombons; não é isso que toma uma tarde inteira deste Plenário; para que, depois, não se diga que o Supremo ficou um tarde inteira discutindo o furto de quinze bombons. Não, aqui há um fundamento que foi aplicado e sobre o qual se discute para se saber qual a orientação a ser seguida, pondo-me, de imediato, de acordo com o que acaba da enfatizar o Ministro Dias Toffoli. Não é para fixação de tese, porque a vida é muito mais do que o que se contém em tese, e tese a gente pode conduzir também de maneira errada, porque palavras são enganosas.

Então, o que é sério aqui, como foi bem posto pelo Ministro-Relator e reiterado por todos, é basicamente: se se pode aplicar o princípio da insignificância ou se o Supremo Tribunal Federal acolhe a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em casos de reincidência e em casos de qualificadora, tal como num dos casos postos.

Em segundo lugar, Senhor Presidente, eu gostaria de, com a licença

Supremo Tribunal Federal

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 179

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Antecipação ao Voto

HC 123108 / MG

do Ministro Fux, valer-me do que ele apresentou como dado que não pode ser desconhecido: o direito não existe para ser aplicado na lua, em outra esfera ou sequer em outro país; o direito é o conhecimento e a consolidação de leis que se faz para aplicar num determinado momento, num determinado local.

E, aí, é preciso realmente levar em consideração a interpretação analisando-se não apenas os princípios constitucionais, que têm a sua dinâmica e a sua vida, para que o Direito não desconheça e possa ser tomado sem considerar, primeiro, que não se pode tomar uma pessoa que praticou algo que não tem significação ou relevo penal para a sociedade e para as pessoas - eu vou usar o verbo envolver exatamente no seu sentido -, quer dizer, há um agressor e há uma vítima. Isso pode ser pequeno para essa vítima, se for aqui. Mas eu sou de Espinosa. Eu sei que uma pessoa que, uma vez entra numa farmácia, pega um desodorante no outro dia e no outro dia, mais do que o valor, Ministro Fux, estabelece-se uma sensação de medo; e o medo e a vergonha para mim são os dois elementos que fragilizam o ser humano.

No Brasil, eu ando com medo no centro da minha cidade que é Belo Horizonte. Eu ando com medo à noite. O Estado foi criado para dar, primeiro, essa condição e não está dando. Há poucos dias, numa pesquisa - não sei se correta, imagino que sim - de um desses órgãos de consulta, de pesquisa e de estatística tido como sério, dizia-se que um altíssimo grau, parece que mais de setenta por cento das pessoas pesquisadas no demonstrativo, tinham medo de sair. O medo é algo que tira o sossego, que tira o direito fundamental, a paz - não a paz social, mas a paz de cada um de nós.. Isso aumenta à medida em que o Estado não responde, o que gera aquilo que, num Estado da Federação, em 96, houve: 156 casos da linchamento.

Hannah Arendt dizia que toda sociedade tem um determinado momento em que se põe diante de uma bifurcação: ou ela assume o seu marco civilizatório ou passa para barbárie. O que define um e outro é exatamente a ideia de justiça que o Estado é capaz da cumprir. Se não for assim, a sociedade, achando que pode, parte para a barbárie, que é o que

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Supremo Tribunal Federal

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

do Ministro Fux, valer-me do que ele apresentou como dado que não pode ser desconhecido: o direito não existe para ser aplicado na lua, em outra esfera ou sequer em outro país; o direito é o conhecimento e a consolidação de leis que se faz para aplicar num determinado momento, num determinado local.

E, aí, é preciso realmente levar em consideração a interpretação analisando-se não apenas os princípios constitucionais, que têm a sua dinâmica e a sua vida, para que o Direito não desconheça e possa ser tomado sem considerar, primeiro, que não se pode tomar uma pessoa que praticou algo que não tem significação ou relevo penal para a sociedade e para as pessoas - eu vou usar o verbo envolver exatamente no seu sentido -, quer dizer, há um agressor e há uma vítima. Isso pode ser pequeno para essa vítima, se for aqui. Mas eu sou de Espinosa. Eu sei que uma pessoa que, uma vez entra numa farmácia, pega um desodorante no outro dia e no outro dia, mais do que o valor, Ministro Fux, estabelece-se uma sensação de medo; e o medo e a vergonha para mim são os dois elementos que fragilizam o ser humano.

No Brasil, eu ando com medo no centro da minha cidade que é Belo Horizonte. Eu ando com medo à noite. O Estado foi criado para dar, primeiro, essa condição e não está dando. Há poucos dias, numa pesquisa - não sei se correta, imagino que sim - de um desses órgãos de consulta, de pesquisa e de estatística tido como sério, dizia-se que um altíssimo grau, parece que mais de setenta por cento das pessoas pesquisadas no demonstrativo, tinham medo de sair. O medo é algo que tira o sossego, que tira o direito fundamental, a paz - não a paz social, mas a paz de cada um de nós.. Isso aumenta à medida em que o Estado não responde, o que gera aquilo que, num Estado da Federação, em 96, houve: 156 casos da linchamento.

Hannah Arendt dizia que toda sociedade tem um determinado momento em que se põe diante de uma bifurcação: ou ela assume o seu marco civilizatório ou passa para barbárie. O que define um e outro é exatamente a ideia de justiça que o Estado é capaz da cumprir. Se não for assim, a sociedade, achando que pode, parte para a barbárie, que é o que

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Supremo Tribunal Federal

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Antecipação ao Voto

HC 123108 / MG

o Ministro Gilmar acaba de lembrar, no sentido que ela começa a fazer justiça pelas própria mãos, que é só vingança.

Também é preciso levar isso em consideração não para penalizar mais o agressor, mas para se pensar sobre esse sistema que aí está. E chamo atenção apenas para isso. Havendo uma farmácia, um armazém, numa cidade pequena - o Ministro Fux citou uma cidade do interior do Rio -, e sendo esse armazém quatorze vezes furtado, ainda que seja só para furtar uma lata de óleo, perdeu-se o sossego, perdeu-se algo que o Estado existe para me garantir : o direito de eu ir dormir em paz. Acho que também isso nós não podemos perder de vista.

De toda sorte, Presidente, considerando o que se tem nos autos, a questão relativa aos dois primeiros casos, a questão relativa à reincidência com a insignificância, mantenho o posicionamento que venho adotando no sentido de acolher como não possível a adoção do princípio da insignificância, o que não significa que deva ser apenado com regime fechado, que é outro dado. Eu não estou fixando tese nem adotando tese; eu estou acompanhando o Ministro Teori no sentido de que a adoção do princípio da insignificância incompatibiliza-se com a reincidência.

No caso concreto, e apenas no caso, aliás, nos casos, porque são dois, considerando o regime que foi aplicado, também acompanho o Ministro Teori, com as vênias do Relator, para dizer que, nesse caso e nesses casos, considerando a atuação do juiz, como muito bem enfatizado pelo Ministro Fachin, não seria de se considerar a impossibilidade de adoção do regime aberto a eles que já estavam em regime semi-aberto. Portanto, estou acolhendo.

A mesma coisa no terceiro caso, só que, nesse caso, é apenas a denegação da ordem, porque há duas qualificadoras, que também, na minha compreensão, impedem a aplicação do princípio da insignificância: a escalada e o rompimento de obstáculo.

Como disse, Senhor Presidente, faço a juntada do voto para perfeito esclarecimento de todos os fundamentos, acompanhando, portanto, com as vênias do Relator, o voto do Ministro Teori Zavascki.

* * * *

3

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9539400.

Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

o Ministro Gilmar acaba de lembrar, no sentido que ela começa a fazer justiça pelas própria mãos, que é só vingança.

Também é preciso levar isso em consideração não para penalizar mais o agressor, mas para se pensar sobre esse sistema que aí está. E chamo atenção apenas para isso. Havendo uma farmácia, um armazém, numa cidade pequena - o Ministro Fux citou uma cidade do interior do Rio -, e sendo esse armazém quatorze vezes furtado, ainda que seja só para furtar uma lata de óleo, perdeu-se o sossego, perdeu-se algo que o Estado existe para me garantir : o direito de eu ir dormir em paz. Acho que também isso nós não podemos perder de vista.

De toda sorte, Presidente, considerando o que se tem nos autos, a questão relativa aos dois primeiros casos, a questão relativa à reincidência com a insignificância, mantenho o posicionamento que venho adotando no sentido de acolher como não possível a adoção do princípio da insignificância, o que não significa que deva ser apenado com regime fechado, que é outro dado. Eu não estou fixando tese nem adotando tese; eu estou acompanhando o Ministro Teori no sentido de que a adoção do princípio da insignificância incompatibiliza-se com a reincidência.

No caso concreto, e apenas no caso, aliás, nos casos, porque são dois, considerando o regime que foi aplicado, também acompanho o Ministro Teori, com as vênias do Relator, para dizer que, nesse caso e nesses casos, considerando a atuação do juiz, como muito bem enfatizado pelo Ministro Fachin, não seria de se considerar a impossibilidade de adoção do regime aberto a eles que já estavam em regime semi-aberto. Portanto, estou acolhendo.

A mesma coisa no terceiro caso, só que, nesse caso, é apenas a denegação da ordem, porque há duas qualificadoras, que também, na minha compreensão, impedem a aplicação do princípio da insignificância: a escalada e o rompimento de obstáculo.

Como disse, Senhor Presidente, faço a juntada do voto para perfeito esclarecimento de todos os fundamentos, acompanhando, portanto, com as vênias do Relator, o voto do Ministro Teori Zavascki.

* * * *

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Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9539400.

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 179

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA:

1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de JOSÉ ROBSON ALVES, condenado, nas instâncias ordinárias, a um ano de reclusão e dez dias-multa, no regime inicial semiaberto, por ter furtado um par de sandálias da marca Ipanema, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais).

2. A Impetrante postula a concessão da ordem, alegando, em síntese: a) nulidade absoluta do processo, por ausência de interrogatório, uma vez que o réu mudou de endereço sem comunicar ao juízo (art. 367 do Código de Processo Penal) e b) aplicabilidade do princípio da insignificância, devido ao valor ínfimo do bem e restituição à vítima e à irrelevância de circunstâncias subjetivas, conforme julgados deste Supremo Tribunal.

3. Em 1º.7.2014, o Ministro Relator deferiu a medida liminar para “suspender, até o julgamento do mérito deste habeas corpus, os efeitos do decreto condenatório”.

4. Iniciado o julgamento, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal, por indicação do Ministro Relator, deslocou“o julgamento do habeas corpus ao Plenário” (Evento n. 14).

5. Em 10.12.2014, foi iniciado o julgamento no Plenário e, após “o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem”, a sessão foi suspensa, retomando-se as deliberações nesta data.

6. No processo em exame, discute-se, a partir do caso concreto, a exata dimensão e a possibilidade da aplicação do princípio da

Supremo Tribunal Federal

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Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA:

1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de JOSÉ ROBSON ALVES, condenado, nas instâncias ordinárias, a um ano de reclusão e dez dias-multa, no regime inicial semiaberto, por ter furtado um par de sandálias da marca Ipanema, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais).

2. A Impetrante postula a concessão da ordem, alegando, em síntese: a) nulidade absoluta do processo, por ausência de interrogatório, uma vez que o réu mudou de endereço sem comunicar ao juízo (art. 367 do Código de Processo Penal) e b) aplicabilidade do princípio da insignificância, devido ao valor ínfimo do bem e restituição à vítima e à irrelevância de circunstâncias subjetivas, conforme julgados deste Supremo Tribunal.

3. Em 1º.7.2014, o Ministro Relator deferiu a medida liminar para “suspender, até o julgamento do mérito deste habeas corpus, os efeitos do decreto condenatório”.

4. Iniciado o julgamento, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal, por indicação do Ministro Relator, deslocou“o julgamento do habeas corpus ao Plenário” (Evento n. 14).

5. Em 10.12.2014, foi iniciado o julgamento no Plenário e, após “o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem”, a sessão foi suspensa, retomando-se as deliberações nesta data.

6. No processo em exame, discute-se, a partir do caso concreto, a exata dimensão e a possibilidade da aplicação do princípio da

Supremo Tribunal Federal

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 179

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

insignificância: a) às hipóteses nas quais as circunstâncias subjetivas sejam desfavoráveis ao agente e b) às hipóteses de furto qualificado (art. 155, § 4º, do Código Penal).

7. O princípio da insignificância, apesar de fundado em bases teóricas relativamente recentes, já conta com cristalizada jurisprudência neste Supremo Tribunal, segundo a qual foram estabelecidos parâmetros mais seguros com relação ao princípio que externava alguma vaguidão.

8. A aplicação do princípio da insignificância tem por objetivo evitar intervenção estatal drástica em situações de mínima lesão ao bem jurídico tutelado. Cezar Roberto Bitencourt ensina que a “[t]ipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. (...) Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 58).

9. O princípio da insignificância limita a tipicidade formal, funciona como critério geral de interpretação restritiva ou de correção típica, diminuindo a área de incidência do tipo às condutas relevantes e excluindo da tipicidade “[a]s ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo-se excluir a tipicidade em caso de danos de pouca importância. Esses princípios [da insignificância e da adequação social] são entendidos, respectivamente, como critério geral de interpretação restritiva (correção típica) e como critério para determinação do injusto penal” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Vol. 1. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. p. 145).

2

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HC 123108 / MG

insignificância: a) às hipóteses nas quais as circunstâncias subjetivas sejam desfavoráveis ao agente e b) às hipóteses de furto qualificado (art. 155, § 4º, do Código Penal).

7. O princípio da insignificância, apesar de fundado em bases teóricas relativamente recentes, já conta com cristalizada jurisprudência neste Supremo Tribunal, segundo a qual foram estabelecidos parâmetros mais seguros com relação ao princípio que externava alguma vaguidão.

8. A aplicação do princípio da insignificância tem por objetivo evitar intervenção estatal drástica em situações de mínima lesão ao bem jurídico tutelado. Cezar Roberto Bitencourt ensina que a “[t]ipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. (...) Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 58).

9. O princípio da insignificância limita a tipicidade formal, funciona como critério geral de interpretação restritiva ou de correção típica, diminuindo a área de incidência do tipo às condutas relevantes e excluindo da tipicidade “[a]s ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo-se excluir a tipicidade em caso de danos de pouca importância. Esses princípios [da insignificância e da adequação social] são entendidos, respectivamente, como critério geral de interpretação restritiva (correção típica) e como critério para determinação do injusto penal” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Vol. 1. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. p. 145).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 179

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

10. Por ser critério de interpretação restritiva do tipo, atuando como excludente da seara penal de condutas consideradas irrelevantes, o princípio da insignificância não pode receber interpretação ampliativa pelo Poder Judiciário, sob pena de se vulnerar indevidamente a atividade legislativa de seleção de condutas socialmente proscritas.

11. Cezar Roberto Bitencourt ressalta a necessidade de aplicação parcimoniosa pelo Poder Judiciário do princípio da insignificância e salienta que:

“[a] seleção dos bens jurídicos tuteláveis pelo Direito Penal e os critérios a serem utilizados nessa seleção constituem função do Poder Legislativo, sendo vedada aos intérpretes e aplicadores do direito essa função privativa daquele Poder Institucional. Agir diferentemente constituirá violação dos sagrados princípios constitucionais da reserva legal e da independência dos poderes. O fato de determinada conduta tipificar uma infração penal de menor potencial ofensivo (art. 98, I, da CF) não quer dizer que tal conduta configure, por si só, o princípio da insignificância. Os delitos de lesão corporal leve, de ameaça, injúria, por exemplo, já sofreram a valoração do legislador que, atendendo as necessidades sociais e morais históricas dominantes, determinou as consequências jurídico-penais de sua violação. Os limites do desvalor da ação, do desvalor do resultado e as sanções correspondentes já foram valorados pelo legislador. As ações que lesarem tais bens, embora menos importantes se comparados a outros bens como a vida e a liberdade sexual, são social e penalmente relevantes.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 58).

12. A Segunda Turma deste Supremo Tribunal decidiu o HC 84.412/SP, Relator o Ministro Celso de Mello, quando, valendo-se da técnica das cláusulas abertas, foram fixados os vetores de interpretação do princípio da insignificância:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O

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HC 123108 / MG

10. Por ser critério de interpretação restritiva do tipo, atuando como excludente da seara penal de condutas consideradas irrelevantes, o princípio da insignificância não pode receber interpretação ampliativa pelo Poder Judiciário, sob pena de se vulnerar indevidamente a atividade legislativa de seleção de condutas socialmente proscritas.

11. Cezar Roberto Bitencourt ressalta a necessidade de aplicação parcimoniosa pelo Poder Judiciário do princípio da insignificância e salienta que:

“[a] seleção dos bens jurídicos tuteláveis pelo Direito Penal e os critérios a serem utilizados nessa seleção constituem função do Poder Legislativo, sendo vedada aos intérpretes e aplicadores do direito essa função privativa daquele Poder Institucional. Agir diferentemente constituirá violação dos sagrados princípios constitucionais da reserva legal e da independência dos poderes. O fato de determinada conduta tipificar uma infração penal de menor potencial ofensivo (art. 98, I, da CF) não quer dizer que tal conduta configure, por si só, o princípio da insignificância. Os delitos de lesão corporal leve, de ameaça, injúria, por exemplo, já sofreram a valoração do legislador que, atendendo as necessidades sociais e morais históricas dominantes, determinou as consequências jurídico-penais de sua violação. Os limites do desvalor da ação, do desvalor do resultado e as sanções correspondentes já foram valorados pelo legislador. As ações que lesarem tais bens, embora menos importantes se comparados a outros bens como a vida e a liberdade sexual, são social e penalmente relevantes.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 58).

12. A Segunda Turma deste Supremo Tribunal decidiu o HC 84.412/SP, Relator o Ministro Celso de Mello, quando, valendo-se da técnica das cláusulas abertas, foram fixados os vetores de interpretação do princípio da insignificância:

“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O

3

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

RECONHECIMENTO DESTE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

- Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

- O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

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HC 123108 / MG

RECONHECIMENTO DESTE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQUENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

- Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

- O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (grifos no original).

13. A partir dessa decisão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a fixar as seguintes premissas acerca do princípio da insignificância: a) serve para excluir a tipicidade material, b) deve ser interpretado em paralelo com os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, e c) exige-se, para ser aplicado, a presença dos seguintes vetores: I – mínima ofensividade da conduta do agente, II – nenhuma periculosidade social da ação, III – reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, IV – inexpressividade da lesão jurídica provocada, V – ausência de prejuízo importante ao titular do bem jurídico tutelado, e VI – ausência de prejuízo importante à integridade da ordem social.

14. A jurisprudência deste Supremo Tribunal não permaneceu estática quanto à conclusão contida no acórdão transcrito. Continuou a avançar na fixação dos limites do princípio da insignificância, partindo dos vetores já delineados, mas conferindo-lhes cada vez mais concretude.

15. Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal passaram a reconhecer a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de furto simples (art. 155, caput, do Código Penal) de objetos de pequeno valor, nas hipóteses nas quais o acusado era reconhecidamente reincidente específico na prática delituosa (HC 119.303/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 9.12.2013). Confira-se o precedente a seguir:

“Habeas corpus. Penal. Furto simples. Artigo 155, caput, do Código Penal. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Paciente reincidente em delitos contra o

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HC 123108 / MG

- O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (grifos no original).

13. A partir dessa decisão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a fixar as seguintes premissas acerca do princípio da insignificância: a) serve para excluir a tipicidade material, b) deve ser interpretado em paralelo com os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, e c) exige-se, para ser aplicado, a presença dos seguintes vetores: I – mínima ofensividade da conduta do agente, II – nenhuma periculosidade social da ação, III – reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, IV – inexpressividade da lesão jurídica provocada, V – ausência de prejuízo importante ao titular do bem jurídico tutelado, e VI – ausência de prejuízo importante à integridade da ordem social.

14. A jurisprudência deste Supremo Tribunal não permaneceu estática quanto à conclusão contida no acórdão transcrito. Continuou a avançar na fixação dos limites do princípio da insignificância, partindo dos vetores já delineados, mas conferindo-lhes cada vez mais concretude.

15. Ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal passaram a reconhecer a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de furto simples (art. 155, caput, do Código Penal) de objetos de pequeno valor, nas hipóteses nas quais o acusado era reconhecidamente reincidente específico na prática delituosa (HC 119.303/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 9.12.2013). Confira-se o precedente a seguir:

“Habeas corpus. Penal. Furto simples. Artigo 155, caput, do Código Penal. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Paciente reincidente em delitos contra o

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

patrimônio. Precedentes. Acentuado grau de reprovabilidade da conduta praticada. Ordem denegada. 1. A tese de irrelevância material da conduta praticada pelo paciente não prospera, tendo em vista ser ele reincidente em práticas delituosas. Esses aspectos dão claras demonstrações de ser ele um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva. 2. Conforme a jurisprudência desta Corte, “o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário” (HC nº 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28/5/10). 3. Ordem denegada” (HC 110.926/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 25.4.2012, grifos nossos).

16. Ao evoluir com relação a esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal passou a obstar a incidência do princípio da insignificância também ao reincidente não específico (HC 117.751/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 27.8.2013).

17. Recentemente a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem rejeitado a aplicação do princípio da insignificância até mesmo aos agentes reconhecidamente primários, porém considerados contumazes:

Agravo regimental no habeas corpus. Argumentos insuficientes para modificar a decisão agravada. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Paciente com personalidade voltada à prática delitiva. Precedentes. Regimental não provido. 1. A informação incontroversa de que o paciente é um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância, na linha da pacífica jurisprudência contemporânea da Corte, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na espécie, a existência da reincidência. 2. Os argumentos do agravante são insuficientes para modificar a decisão impugnada. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (HC 122.030-AgR/MG, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 27.8.2014, grifos nossos).

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patrimônio. Precedentes. Acentuado grau de reprovabilidade da conduta praticada. Ordem denegada. 1. A tese de irrelevância material da conduta praticada pelo paciente não prospera, tendo em vista ser ele reincidente em práticas delituosas. Esses aspectos dão claras demonstrações de ser ele um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva. 2. Conforme a jurisprudência desta Corte, “o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder Judiciário” (HC nº 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28/5/10). 3. Ordem denegada” (HC 110.926/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 25.4.2012, grifos nossos).

16. Ao evoluir com relação a esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal passou a obstar a incidência do princípio da insignificância também ao reincidente não específico (HC 117.751/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 27.8.2013).

17. Recentemente a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem rejeitado a aplicação do princípio da insignificância até mesmo aos agentes reconhecidamente primários, porém considerados contumazes:

Agravo regimental no habeas corpus. Argumentos insuficientes para modificar a decisão agravada. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Paciente com personalidade voltada à prática delitiva. Precedentes. Regimental não provido. 1. A informação incontroversa de que o paciente é um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância, na linha da pacífica jurisprudência contemporânea da Corte, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na espécie, a existência da reincidência. 2. Os argumentos do agravante são insuficientes para modificar a decisão impugnada. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (HC 122.030-AgR/MG, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 27.8.2014, grifos nossos).

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

18. Tendo em vista a evolução histórica da jurisprudência deste Supremo Tribunal, verifica-se não haver necessidade da existência de prévia condenação criminal transitada em julgado contra o agente, para ser-lhe negada a aplicação do princípio da insignificância. Basta o acusado ser considerado contumaz na prática delitiva, para ser-lhe obstruída a aplicação do princípio, ainda que esteja respondendo, no caso concreto, por furto de objeto de pequeno valor.

19. A evolução da jurisprudência revela ser a contumácia delitiva fator a propiciar prejuízo relevante à integridade da ordem social, além de afastar o “reduzido grau de reprovabilidade da conduta”, constituindo óbice à incidência do princípio da insignificância.

20. A partir dos julgados deste Supremo Tribunal, pode-se observar que “o princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto” (HC 118.089/MG, DJe 24.3.2013, HC 115.707/MS, DJe 12.8.2013, e HC 120.812/PR, DJe 20.3.2014, todos de minha relatoria).

21. Ao impedir a aplicação do princípio da insignificância ao contumaz, este Supremo Tribunal não está adotando o odioso “direito penal do autor”. Ao contrário, mantém íntegro o prestígio ao “direito penal do fato”.

22. O Supremo Tribunal Federal distingue, para efeitos do juízo de tipicidade material, a conduta delituosa praticada pelo contumaz da praticada pelo agente com antecedentes imaculados. O foco não é o agente, mas a conduta do agente.

23. Em passado recente, o juízo de tipicidade era exclusivamente objetivo e consistia no mero exercício de enquadramento da conduta

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18. Tendo em vista a evolução histórica da jurisprudência deste Supremo Tribunal, verifica-se não haver necessidade da existência de prévia condenação criminal transitada em julgado contra o agente, para ser-lhe negada a aplicação do princípio da insignificância. Basta o acusado ser considerado contumaz na prática delitiva, para ser-lhe obstruída a aplicação do princípio, ainda que esteja respondendo, no caso concreto, por furto de objeto de pequeno valor.

19. A evolução da jurisprudência revela ser a contumácia delitiva fator a propiciar prejuízo relevante à integridade da ordem social, além de afastar o “reduzido grau de reprovabilidade da conduta”, constituindo óbice à incidência do princípio da insignificância.

20. A partir dos julgados deste Supremo Tribunal, pode-se observar que “o princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto” (HC 118.089/MG, DJe 24.3.2013, HC 115.707/MS, DJe 12.8.2013, e HC 120.812/PR, DJe 20.3.2014, todos de minha relatoria).

21. Ao impedir a aplicação do princípio da insignificância ao contumaz, este Supremo Tribunal não está adotando o odioso “direito penal do autor”. Ao contrário, mantém íntegro o prestígio ao “direito penal do fato”.

22. O Supremo Tribunal Federal distingue, para efeitos do juízo de tipicidade material, a conduta delituosa praticada pelo contumaz da praticada pelo agente com antecedentes imaculados. O foco não é o agente, mas a conduta do agente.

23. Em passado recente, o juízo de tipicidade era exclusivamente objetivo e consistia no mero exercício de enquadramento da conduta

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

fática ao modelo ideal de tipo elaborado pelo legislador, denominado pela doutrina como juízo de tipicidade formal.

24. Nesse campo, não importa se a conduta foi perpetrada por agente contumaz ou por agente sem qualquer antecedente. Ela será, ou não, formalmente típica, conforme haja a adaptação das respectivas características externas, com a necessária perfeição, ao modelo abstrato estabelecido pelo legislador.

25. No contexto atual da teoria do crime, o fato típico deixou de ser apenas a conduta que se adéqua formalmente ao modelo abstrato estabelecido pelo legislador. Passou-se a exigir, para caracterização do fato típico, além da tipicidade formal, juízo de tipicidade conglobante, o qual contempla a análise da antinormatividade e da tipicidade material da conduta submetida à investigação.

26. Rogério Greco ensina que, “[p]ara que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material). Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2011. p. 160).

27. Assim, no atual estágio da teoria do crime, é perfeitamente possível admitir que a mesma conduta formalmente típica praticada por agentes diversos seja considerada penalmente típica em um caso, e não o seja em outro.

28. Por exemplo, se o oficial de justiça entrar em determinada residência, de maneira forçada, para cumprir mandado de busca e apreensão, não estará cometendo qualquer ilícito porque, apesar de formalmente típica (violação de domicílio), a conduta não é antinormativa, pois o agente público atua no estrito cumprimento do

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fática ao modelo ideal de tipo elaborado pelo legislador, denominado pela doutrina como juízo de tipicidade formal.

24. Nesse campo, não importa se a conduta foi perpetrada por agente contumaz ou por agente sem qualquer antecedente. Ela será, ou não, formalmente típica, conforme haja a adaptação das respectivas características externas, com a necessária perfeição, ao modelo abstrato estabelecido pelo legislador.

25. No contexto atual da teoria do crime, o fato típico deixou de ser apenas a conduta que se adéqua formalmente ao modelo abstrato estabelecido pelo legislador. Passou-se a exigir, para caracterização do fato típico, além da tipicidade formal, juízo de tipicidade conglobante, o qual contempla a análise da antinormatividade e da tipicidade material da conduta submetida à investigação.

26. Rogério Greco ensina que, “[p]ara que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material). Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2011. p. 160).

27. Assim, no atual estágio da teoria do crime, é perfeitamente possível admitir que a mesma conduta formalmente típica praticada por agentes diversos seja considerada penalmente típica em um caso, e não o seja em outro.

28. Por exemplo, se o oficial de justiça entrar em determinada residência, de maneira forçada, para cumprir mandado de busca e apreensão, não estará cometendo qualquer ilícito porque, apesar de formalmente típica (violação de domicílio), a conduta não é antinormativa, pois o agente público atua no estrito cumprimento do

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dever legal. A conduta do oficial de justiça, nesse caso, não é penalmente típica, porque não é antinormativa.

29. Diversa é a situação do indivíduo que ingressa forçadamente na residência de outrem, sem o amparo de qualquer cláusula permissiva do Direito. Responderá o agente pelo crime de violação de domicílio, pois tal conduta, além de formalmente típica, é antinormativa e materialmente típica. Nos exemplos citados, o juízo de tipicidade penal foi distinto, apesar da idêntica situação fática, e nem por isso se pode falar em aplicação do “direito penal do autor”.

30. Situação semelhante ocorre por ocasião do juízo de tipicidade material, que impõe ao intérprete investigar se a conduta submetida à análise, além de ser formalmente típica, vulnerou, em escala relevante, o bem jurídico protegido pela norma penal, pois, do contrário, estará ausente a tipicidade material e, por consequência, a penal.

31. Rogério Greco ensina que, “[e]m virtude do conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação o princípio da insignificância. Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2011. p. 159/160).

32. O juízo de tipicidade material, todavia, não pode ficar restrito ao grau de ofensa imposto ao bem jurídico isoladamente considerado. Deve-se ponderar a extensão do dano imposto à ordem jurídica de maneira global, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt:

“[a] insignificância da ofensa afasta a tipicidade [material]. Mas essa insignificância somente pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, ‘a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à

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dever legal. A conduta do oficial de justiça, nesse caso, não é penalmente típica, porque não é antinormativa.

29. Diversa é a situação do indivíduo que ingressa forçadamente na residência de outrem, sem o amparo de qualquer cláusula permissiva do Direito. Responderá o agente pelo crime de violação de domicílio, pois tal conduta, além de formalmente típica, é antinormativa e materialmente típica. Nos exemplos citados, o juízo de tipicidade penal foi distinto, apesar da idêntica situação fática, e nem por isso se pode falar em aplicação do “direito penal do autor”.

30. Situação semelhante ocorre por ocasião do juízo de tipicidade material, que impõe ao intérprete investigar se a conduta submetida à análise, além de ser formalmente típica, vulnerou, em escala relevante, o bem jurídico protegido pela norma penal, pois, do contrário, estará ausente a tipicidade material e, por consequência, a penal.

31. Rogério Greco ensina que, “[e]m virtude do conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação o princípio da insignificância. Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2011. p. 159/160).

32. O juízo de tipicidade material, todavia, não pode ficar restrito ao grau de ofensa imposto ao bem jurídico isoladamente considerado. Deve-se ponderar a extensão do dano imposto à ordem jurídica de maneira global, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt:

“[a] insignificância da ofensa afasta a tipicidade [material]. Mas essa insignificância somente pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, ‘a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à

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ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que estes pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada’” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 59).

33. A jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de, para o reconhecimento de eventual atipicidade material da conduta, pela incidência do princípio da insignificância, não poder o julgador ficar restrito, por exemplo, ao valor da res furtiva, “devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade” (HC 118.853/ES, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 19.5.2014).

34. Ao passar a considerar “o reflexo da conduta no âmbito da sociedade” para efeitos de análise do juízo de tipicidade material, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez que absorver a diretriz teórica que impõe a consideração global da ordem jurídica para a valoração da insignificância.

35. Este Supremo Tribunal considera que o legislador, quando se propôs a proteger, por meio do Direito Penal, determinados bens jurídicos previamente selecionados, não quis deixar a salvo apenas os bens jurídicos de determinado indivíduo ou grupo de indivíduos. O impulso legislativo é inspirado à proteção difusa dos bens jurídicos de todos os indivíduos submetidos aos preceitos do Estado, tendo em vista a consideração global da ordem jurídica. Nessa linha de raciocínio, a ofensa ao patrimônio, à liberdade, à honra e à integridade física de determinado indivíduo ultrapassa os limites da lesão individual, implicando, de modo reflexo, lesão a toda ordem normativa.

36. Assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no

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ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que estes pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada’” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 59).

33. A jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de, para o reconhecimento de eventual atipicidade material da conduta, pela incidência do princípio da insignificância, não poder o julgador ficar restrito, por exemplo, ao valor da res furtiva, “devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade” (HC 118.853/ES, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 19.5.2014).

34. Ao passar a considerar “o reflexo da conduta no âmbito da sociedade” para efeitos de análise do juízo de tipicidade material, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez que absorver a diretriz teórica que impõe a consideração global da ordem jurídica para a valoração da insignificância.

35. Este Supremo Tribunal considera que o legislador, quando se propôs a proteger, por meio do Direito Penal, determinados bens jurídicos previamente selecionados, não quis deixar a salvo apenas os bens jurídicos de determinado indivíduo ou grupo de indivíduos. O impulso legislativo é inspirado à proteção difusa dos bens jurídicos de todos os indivíduos submetidos aos preceitos do Estado, tendo em vista a consideração global da ordem jurídica. Nessa linha de raciocínio, a ofensa ao patrimônio, à liberdade, à honra e à integridade física de determinado indivíduo ultrapassa os limites da lesão individual, implicando, de modo reflexo, lesão a toda ordem normativa.

36. Assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu no

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sentido de a ofensa de bagatela, de forma isolada e praticada por agente com antecedentes imaculados, não implicar atentado relevante à ordem jurídica estatal e, por isso, autorizar a incidência do princípio da insignificância, afastando-se a tipicidade material da conduta. Este Supremo Tribunal entende ser o desvalor do resultado pouco relevante.

37. Por outro lado, a reiteração dessas ofensas, consideradas a princípio como de bagatela, acaba por gerar abalo de maneira mais incisiva à ordem jurídica, ofendendo em maior extensão o conjunto de bens jurídicos protegidos pela norma penal, a inviabilizar a aplicação do princípio da insignificância. Nesse caso, o desvalor do resultado, atentando-se para a “consideração global da ordem jurídica”, não se mostra irrelevante.

38. Nessa ótica, não existe qualquer incoerência na distinção de tratamento reservado ao contumaz em comparação ao tratamento reservado ao agente detentor de antecedentes imaculados, para efeitos de juízo de tipicidade material. Não se trata de “direito penal do autor”, mas sim de “direito penal do fato”.

39. A conduta do agente contumaz, sob o enfoque da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, possui significado diferente porque atenta em maior extensão contra os bens jurídicos protegidos pela legislação penal, considerados na totalidade (consideração global da ordem jurídica), não podendo ser classificada como insignificante.

40. Conforme salientado, a conduta do oficial de justiça também apresenta conotação diversa da conduta do invasor de domicílio. Em ambos os casos, o mesmo fato praticado por agentes distintos resulta em juízos de tipicidade penal distintos e nem por isso pode-se falar em “direito penal do autor”.

41. O juízo de tipicidade material proposto por este Supremo

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Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9539403.

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sentido de a ofensa de bagatela, de forma isolada e praticada por agente com antecedentes imaculados, não implicar atentado relevante à ordem jurídica estatal e, por isso, autorizar a incidência do princípio da insignificância, afastando-se a tipicidade material da conduta. Este Supremo Tribunal entende ser o desvalor do resultado pouco relevante.

37. Por outro lado, a reiteração dessas ofensas, consideradas a princípio como de bagatela, acaba por gerar abalo de maneira mais incisiva à ordem jurídica, ofendendo em maior extensão o conjunto de bens jurídicos protegidos pela norma penal, a inviabilizar a aplicação do princípio da insignificância. Nesse caso, o desvalor do resultado, atentando-se para a “consideração global da ordem jurídica”, não se mostra irrelevante.

38. Nessa ótica, não existe qualquer incoerência na distinção de tratamento reservado ao contumaz em comparação ao tratamento reservado ao agente detentor de antecedentes imaculados, para efeitos de juízo de tipicidade material. Não se trata de “direito penal do autor”, mas sim de “direito penal do fato”.

39. A conduta do agente contumaz, sob o enfoque da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, possui significado diferente porque atenta em maior extensão contra os bens jurídicos protegidos pela legislação penal, considerados na totalidade (consideração global da ordem jurídica), não podendo ser classificada como insignificante.

40. Conforme salientado, a conduta do oficial de justiça também apresenta conotação diversa da conduta do invasor de domicílio. Em ambos os casos, o mesmo fato praticado por agentes distintos resulta em juízos de tipicidade penal distintos e nem por isso pode-se falar em “direito penal do autor”.

41. O juízo de tipicidade material proposto por este Supremo

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Tribunal quando da aplicação do princípio da insignificância não implica ampliação do juízo de tipicidade penal, o que entraria em choque com os postulados da tipicidade conglobante.

42. O Supremo Tribunal Federal, ao limitar a aplicação do princípio da insignificância aos casos nos quais o agente não seja contumaz nem reincidente (ou reincidente específico), não pretendeu ampliar a abrangência de nenhum tipo formal, mas manteve-os com integralidade inabalada.

43. A proposta deste Supremo Tribunal consiste em definir os casos nos quais o princípio da insignificância, critério de correção típica, deve ou não ser aplicado, para efeitos de exclusão da tipicidade material, não se confundindo com o alargamento da tipicidade penal.

44. Para o Supremo Tribunal Federal, o impedimento da incidência do princípio da insignificância em favor de agentes considerados contumazes não ofende o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, da Constituição da República).

45. A insignificância constitui critério de correção típica a ser utilizado com elevada parcimônia pelo Poder Judiciário, ou seja, na margem de atuação, por possuir a importante e drástica característica de excluir a tipicidade penal da conduta.

46. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente os agentes que ostentam “desvios ínfimos, isolados”, podem ser beneficiados com a incidência do princípio da insignificância.

47. O agente que, apesar de não reincidente, apresenta inúmeros apontamentos criminais, a ponto de ser considerado contumaz na prática delituosa, não poderá contar com o princípio da insignificância porque a respectiva conduta passa a ser relevante para o Direito Penal, levando-se

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Tribunal quando da aplicação do princípio da insignificância não implica ampliação do juízo de tipicidade penal, o que entraria em choque com os postulados da tipicidade conglobante.

42. O Supremo Tribunal Federal, ao limitar a aplicação do princípio da insignificância aos casos nos quais o agente não seja contumaz nem reincidente (ou reincidente específico), não pretendeu ampliar a abrangência de nenhum tipo formal, mas manteve-os com integralidade inabalada.

43. A proposta deste Supremo Tribunal consiste em definir os casos nos quais o princípio da insignificância, critério de correção típica, deve ou não ser aplicado, para efeitos de exclusão da tipicidade material, não se confundindo com o alargamento da tipicidade penal.

44. Para o Supremo Tribunal Federal, o impedimento da incidência do princípio da insignificância em favor de agentes considerados contumazes não ofende o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, da Constituição da República).

45. A insignificância constitui critério de correção típica a ser utilizado com elevada parcimônia pelo Poder Judiciário, ou seja, na margem de atuação, por possuir a importante e drástica característica de excluir a tipicidade penal da conduta.

46. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente os agentes que ostentam “desvios ínfimos, isolados”, podem ser beneficiados com a incidência do princípio da insignificância.

47. O agente que, apesar de não reincidente, apresenta inúmeros apontamentos criminais, a ponto de ser considerado contumaz na prática delituosa, não poderá contar com o princípio da insignificância porque a respectiva conduta passa a ser relevante para o Direito Penal, levando-se

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em conta a necessidade de proteção global da ordem jurídica. 48. O contumaz, embora presumivelmente inocente, gera abalo à

ordem normativa. Isso porque, apontado como autor de ilícitos, faz movimentar todo o aparato criminal repressivo (lavratura de boletins de ocorrência, de autos de prisão em flagrante e investigações policiais, por exemplo), gerando intranquilidade no meio social. O contumaz não faz movimentar o aparato repressivo em ocasiões “ínfimas e isoladas”, mas de forma reiterada e constante, motivo por que essa conduta deixa de ser penalmente irrelevante, afastando-se a incidência do princípio da insignificância.

49. Apesar disso, os contumazes permanecem tratados pelo sistema como presumivelmente inocentes e poderão defender-se, durante a marcha processual, das imputações feitas.

50. O critério para incidência do princípio da insignificância, portanto, é o agente ostentar “desvios ínfimos e isolados”, a fim de se proteger globalmente a ordem jurídica. Não se conclui antecipadamente ser o contumaz culpado pelos desvios apontados na ficha criminal. Permanece considerado inocente, porém não se pode olvidar das inúmeras situações nas quais pôs a atuar o sistema estatal repressivo.

51. Tendo em vista a circunstância de haver provocado a atuação do sistema estatal repressivo inúmeras vezes, afasta-se a incidência do princípio da insignificância ao contumaz, porque essa atuação reiterada do sistema criminal abala a ordem jurídica. Não há, portanto, qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência.

52. A admissão do contrário poderia resultar no chancelamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das ações do criminoso especializado em pequenos furtos, sem nunca ser condenado, porque sempre teria a favor a incidência do princípio da insignificância, levando à atipicidade das condutas. Permaneceria, sob o ponto de vista legal, eternamente primário,

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em conta a necessidade de proteção global da ordem jurídica. 48. O contumaz, embora presumivelmente inocente, gera abalo à

ordem normativa. Isso porque, apontado como autor de ilícitos, faz movimentar todo o aparato criminal repressivo (lavratura de boletins de ocorrência, de autos de prisão em flagrante e investigações policiais, por exemplo), gerando intranquilidade no meio social. O contumaz não faz movimentar o aparato repressivo em ocasiões “ínfimas e isoladas”, mas de forma reiterada e constante, motivo por que essa conduta deixa de ser penalmente irrelevante, afastando-se a incidência do princípio da insignificância.

49. Apesar disso, os contumazes permanecem tratados pelo sistema como presumivelmente inocentes e poderão defender-se, durante a marcha processual, das imputações feitas.

50. O critério para incidência do princípio da insignificância, portanto, é o agente ostentar “desvios ínfimos e isolados”, a fim de se proteger globalmente a ordem jurídica. Não se conclui antecipadamente ser o contumaz culpado pelos desvios apontados na ficha criminal. Permanece considerado inocente, porém não se pode olvidar das inúmeras situações nas quais pôs a atuar o sistema estatal repressivo.

51. Tendo em vista a circunstância de haver provocado a atuação do sistema estatal repressivo inúmeras vezes, afasta-se a incidência do princípio da insignificância ao contumaz, porque essa atuação reiterada do sistema criminal abala a ordem jurídica. Não há, portanto, qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência.

52. A admissão do contrário poderia resultar no chancelamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das ações do criminoso especializado em pequenos furtos, sem nunca ser condenado, porque sempre teria a favor a incidência do princípio da insignificância, levando à atipicidade das condutas. Permaneceria, sob o ponto de vista legal, eternamente primário,

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e, no raciocínio extremo, poderia fazer da prática de pequenos furtos meio de vida, o que representaria, inegavelmente, abalo ainda maior da ordem social.

53. Por isso a jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que o “criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida” (HC 118.089/MG, de minha relatoria, DJe 24.10.2013).

54. Coerente com as premissas norteadoras da aplicação do princípio da insignificância, este Supremo Tribunal tem obstado a incidência do instituto nos casos de furto qualificado (HC 114.174/RS, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 21.11.2013, HC 120.812/PR, de minha relatoria, DJe 20.3.2014, e HC 110.850/SC, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 27.8.2014).

55. Por considerar incompatível com a proteção da ordem jurídica globalmente considerada, este Supremo Tribunal tem vedado a incidência do princípio da insignificância aos crimes de furto qualificado, os quais vulneram em maior extensão a ordem normativa, consoante premissa adotada pelo próprio legislador.

56. Os furtos qualificados, mesmo na hipótese de inexpressivo valor da res furtiva subtraída, apresentam lesividade social consideravelmente mais intensa que os furtos simples, o que os torna incompatíveis com os postulados do princípio da insignificância, pois

“o legislador ordinário, ao qualificar a conduta incriminada, apontou o grau de afetação social do crime, de sorte que a relação existente entre o texto e o contexto (círculo hermético) não pode conduzir o intérprete a inserção de uma norma não abrangida pelos signos do texto legal (…) a conduta do paciente, como narrada na denúncia – furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e pelo

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e, no raciocínio extremo, poderia fazer da prática de pequenos furtos meio de vida, o que representaria, inegavelmente, abalo ainda maior da ordem social.

53. Por isso a jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que o “criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida” (HC 118.089/MG, de minha relatoria, DJe 24.10.2013).

54. Coerente com as premissas norteadoras da aplicação do princípio da insignificância, este Supremo Tribunal tem obstado a incidência do instituto nos casos de furto qualificado (HC 114.174/RS, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 21.11.2013, HC 120.812/PR, de minha relatoria, DJe 20.3.2014, e HC 110.850/SC, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 27.8.2014).

55. Por considerar incompatível com a proteção da ordem jurídica globalmente considerada, este Supremo Tribunal tem vedado a incidência do princípio da insignificância aos crimes de furto qualificado, os quais vulneram em maior extensão a ordem normativa, consoante premissa adotada pelo próprio legislador.

56. Os furtos qualificados, mesmo na hipótese de inexpressivo valor da res furtiva subtraída, apresentam lesividade social consideravelmente mais intensa que os furtos simples, o que os torna incompatíveis com os postulados do princípio da insignificância, pois

“o legislador ordinário, ao qualificar a conduta incriminada, apontou o grau de afetação social do crime, de sorte que a relação existente entre o texto e o contexto (círculo hermético) não pode conduzir o intérprete a inserção de uma norma não abrangida pelos signos do texto legal (…) a conduta do paciente, como narrada na denúncia – furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e pelo

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concurso de agentes –, não pode ser considerada como inexpressiva para fins penais, nem há de ser qualificada como sendo de menor afetação social” (HC 118.853/ES, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 19.5.2014).

57. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirma que as hipóteses de furto qualificado (art. 155, § 4º, do Código Penal), por representarem ações que vulneram em larga extensão o patrimônio privado, causando maior intranquilidade no meio social (por exemplo: furto cometido em concurso de agentes ou por especialista que se vale de destreza, ou de chave falsa ou de rompimento de obstáculo), são incompatíveis com a incidência do princípio da insignificância, ainda que o objeto furtado seja de pequeno valor.

58. No tocante à sensível questão penitenciária, que envolve o sancionamento de agentes envolvidos em furtos de coisas de pequeno valor, é preciso separar a situação do reincidente (específico ou não) da situação do contumaz.

59. O sistema penitenciário brasileiro contribui muito pouco para a ressocialização dos indivíduos a ele submetidos. Os números apresentados pelo Ministro Relator revelam, incontestavelmente, elevado índice de reincidência dos egressos do sistema correicional. Porém o problema não parece ser somente do sistema carcerário. Envolve a sociedade brasileira, que reluta vigorosamente em absorver os jubilados do sistema prisional, de certa forma empurrando-os novamente ao crime.

60. Apesar do cenário preocupante, o Poder Legislativo, nos últimos trinta anos, desde a edição da Lei n. 7.209/1984, tem feito inúmeras e salutares alterações no Direito Penal, voltadas principalmente ao afastamento das penas privativas de liberdade dos agentes condenados por crimes de menor potencial ofensivo. Uma dessas alterações importantes consta na Lei n. 9.099/1995, pela qual trazidos para o sistema os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

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HC 123108 / MG

concurso de agentes –, não pode ser considerada como inexpressiva para fins penais, nem há de ser qualificada como sendo de menor afetação social” (HC 118.853/ES, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe 19.5.2014).

57. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirma que as hipóteses de furto qualificado (art. 155, § 4º, do Código Penal), por representarem ações que vulneram em larga extensão o patrimônio privado, causando maior intranquilidade no meio social (por exemplo: furto cometido em concurso de agentes ou por especialista que se vale de destreza, ou de chave falsa ou de rompimento de obstáculo), são incompatíveis com a incidência do princípio da insignificância, ainda que o objeto furtado seja de pequeno valor.

58. No tocante à sensível questão penitenciária, que envolve o sancionamento de agentes envolvidos em furtos de coisas de pequeno valor, é preciso separar a situação do reincidente (específico ou não) da situação do contumaz.

59. O sistema penitenciário brasileiro contribui muito pouco para a ressocialização dos indivíduos a ele submetidos. Os números apresentados pelo Ministro Relator revelam, incontestavelmente, elevado índice de reincidência dos egressos do sistema correicional. Porém o problema não parece ser somente do sistema carcerário. Envolve a sociedade brasileira, que reluta vigorosamente em absorver os jubilados do sistema prisional, de certa forma empurrando-os novamente ao crime.

60. Apesar do cenário preocupante, o Poder Legislativo, nos últimos trinta anos, desde a edição da Lei n. 7.209/1984, tem feito inúmeras e salutares alterações no Direito Penal, voltadas principalmente ao afastamento das penas privativas de liberdade dos agentes condenados por crimes de menor potencial ofensivo. Uma dessas alterações importantes consta na Lei n. 9.099/1995, pela qual trazidos para o sistema os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

61. Tanto que ao indivíduo não reincidente acusado de furto simples, não sendo o caso de aplicação do princípio da insignificância, será proposta a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995), de forma que esse agente não estará submetido aos efeitos deletérios do sistema carcerário.

62. Se, por algum motivo, não couber o acordo de suspensão condicional do processo, por exemplo, por ter o agente sido beneficiado anteriormente com acordo da mesma natureza, o processo prosseguirá, mas, se condenado, impor-se-ão ao agente penas restritivas de direito, na forma do art. 43 c/c o art. 44 do Código Penal.

63. As penas privativas de liberdade, portanto, ficam restritas aos agentes considerados reincidentes em crimes dolosos, consoante o disposto no art. 44, inc. II, do Código Penal.

64. O sistema repressivo brasileiro, apesar de não ser imune a críticas, está meticulosamente articulado para evitar o encarceramento precoce de indivíduos acusados de crimes de pequeno potencial ofensivo e respeita critério de aumento gradativo de rigor, na medida em que o agente insiste em não se adequar ao socialmente exigido. Concedem-se várias oportunidades ao indivíduo, para não ser inserido no sistema carcerário.

65. As penas privativas de liberdade ficam reservadas ao agente considerado reincidente (específico ou não), sendo inafastável a conclusão de muito provavelmente esse agente estar ou ter estado cumprindo pena, privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e apesar disso não haver emendado a conduta ao socialmente exigível.

66. Para o reincidente, o prévio contato com o sistema punitivo estatal, seguindo-se o critério crescente de rigor punitivo, não foi capaz de

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61. Tanto que ao indivíduo não reincidente acusado de furto simples, não sendo o caso de aplicação do princípio da insignificância, será proposta a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995), de forma que esse agente não estará submetido aos efeitos deletérios do sistema carcerário.

62. Se, por algum motivo, não couber o acordo de suspensão condicional do processo, por exemplo, por ter o agente sido beneficiado anteriormente com acordo da mesma natureza, o processo prosseguirá, mas, se condenado, impor-se-ão ao agente penas restritivas de direito, na forma do art. 43 c/c o art. 44 do Código Penal.

63. As penas privativas de liberdade, portanto, ficam restritas aos agentes considerados reincidentes em crimes dolosos, consoante o disposto no art. 44, inc. II, do Código Penal.

64. O sistema repressivo brasileiro, apesar de não ser imune a críticas, está meticulosamente articulado para evitar o encarceramento precoce de indivíduos acusados de crimes de pequeno potencial ofensivo e respeita critério de aumento gradativo de rigor, na medida em que o agente insiste em não se adequar ao socialmente exigido. Concedem-se várias oportunidades ao indivíduo, para não ser inserido no sistema carcerário.

65. As penas privativas de liberdade ficam reservadas ao agente considerado reincidente (específico ou não), sendo inafastável a conclusão de muito provavelmente esse agente estar ou ter estado cumprindo pena, privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e apesar disso não haver emendado a conduta ao socialmente exigível.

66. Para o reincidente, o prévio contato com o sistema punitivo estatal, seguindo-se o critério crescente de rigor punitivo, não foi capaz de

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

incentivá-lo a adequar-se ao exigido pelo ordenamento. Apesar de submetido à suspensão condicional do processo e às penas restritivas de direito, não se adaptou ao esperado, de modo a não restar alternativa ao sistema repressivo, senão aumentar o rigor da sanção.

67. Não há, assim, com a devida vênia, como aderir à proposta do Ministro Relator, voltada à imposição de regime de pena menos gravoso (regime aberto domiciliar) ao agente reincidente, porque a situação prática demonstra que as sanções mais brandas revelaram-se inócuas com relação a esse agente. A jurisprudência também já formulou correção aos critérios legislativos por meio da Súmula n. 269 do Superior Tribunal de Justiça, a qual autoriza a fixação do regime semiaberto aos reincidentes condenados à pena privativa de liberdade inferior a quatro anos: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

68. Impõe-se, então, aderir à jurisprudência já consolidada do Supremo Tribunal Federal, submetendo-se o agente às penas estatuídas no Código Penal, com a correção feita pela Súmula n. 269 do Superior Tribunal de Justiça, seguindo-se os critérios crescentes de rigor, como forma de repressão e reeducação do agente.

69. Quanto à espécie vertente, improcedente o pedido de habeas corpus, por ser o paciente reincidente na prática delitiva, apresentando outras quatro condenações criminais com trânsito em julgado (certidão de antecedentes criminais, fls. 48/52), a afastarem a incidência do princípio da insignificância, o qual “não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto” (HC 118.089/MG, DJe 24.3.2013, HC 115.707/MS, DJe 12.8.2013, e HC 120.812/PR, DJe 20.3.2014, todos de minha relatoria).

70. A ausência do interrogatório sustentada na inicial não decorreu

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incentivá-lo a adequar-se ao exigido pelo ordenamento. Apesar de submetido à suspensão condicional do processo e às penas restritivas de direito, não se adaptou ao esperado, de modo a não restar alternativa ao sistema repressivo, senão aumentar o rigor da sanção.

67. Não há, assim, com a devida vênia, como aderir à proposta do Ministro Relator, voltada à imposição de regime de pena menos gravoso (regime aberto domiciliar) ao agente reincidente, porque a situação prática demonstra que as sanções mais brandas revelaram-se inócuas com relação a esse agente. A jurisprudência também já formulou correção aos critérios legislativos por meio da Súmula n. 269 do Superior Tribunal de Justiça, a qual autoriza a fixação do regime semiaberto aos reincidentes condenados à pena privativa de liberdade inferior a quatro anos: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

68. Impõe-se, então, aderir à jurisprudência já consolidada do Supremo Tribunal Federal, submetendo-se o agente às penas estatuídas no Código Penal, com a correção feita pela Súmula n. 269 do Superior Tribunal de Justiça, seguindo-se os critérios crescentes de rigor, como forma de repressão e reeducação do agente.

69. Quanto à espécie vertente, improcedente o pedido de habeas corpus, por ser o paciente reincidente na prática delitiva, apresentando outras quatro condenações criminais com trânsito em julgado (certidão de antecedentes criminais, fls. 48/52), a afastarem a incidência do princípio da insignificância, o qual “não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto” (HC 118.089/MG, DJe 24.3.2013, HC 115.707/MS, DJe 12.8.2013, e HC 120.812/PR, DJe 20.3.2014, todos de minha relatoria).

70. A ausência do interrogatório sustentada na inicial não decorreu

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

HC 123108 / MG

de falha imputável ao Poder Judiciário, mas da ação do próprio paciente, que informou artificiosamente endereço falso à Justiça Criminal.

71. O Paciente, quando ouvido em sede policial (fl. 35), ludibriou a autoridade policial ao afirmar residir na Rua Tiradentes, 377, Centro, Alfenas/MG. Porém, quando o oficial de justiça se dirigiu ao local para intimá-lo a comparecer à audiência, acabou informado “pela sua tia Keila Cristina Silva Alves, [que] referida pessoa [o paciente] mudou-se a cerca de quinze anos para o bairro jardim aeroporto, neste município de Alfenas, em lugar incerto e não sabido” (grifos nossos).

72. Portanto a ausência de interrogatório decorreu de ato do próprio Paciente, que ludibriou a Justiça Criminal, não existindo, dessa forma, qualquer irregularidade na decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, que decretou a revelia do paciente, conforme se vê à fl. 89.

73. Por todo o exposto, voto no sentido de denegar a ordem.

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de falha imputável ao Poder Judiciário, mas da ação do próprio paciente, que informou artificiosamente endereço falso à Justiça Criminal.

71. O Paciente, quando ouvido em sede policial (fl. 35), ludibriou a autoridade policial ao afirmar residir na Rua Tiradentes, 377, Centro, Alfenas/MG. Porém, quando o oficial de justiça se dirigiu ao local para intimá-lo a comparecer à audiência, acabou informado “pela sua tia Keila Cristina Silva Alves, [que] referida pessoa [o paciente] mudou-se a cerca de quinze anos para o bairro jardim aeroporto, neste município de Alfenas, em lugar incerto e não sabido” (grifos nossos).

72. Portanto a ausência de interrogatório decorreu de ato do próprio Paciente, que ludibriou a Justiça Criminal, não existindo, dessa forma, qualquer irregularidade na decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, que decretou a revelia do paciente, conforme se vê à fl. 89.

73. Por todo o exposto, voto no sentido de denegar a ordem.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, eu gostaria de cumprimentar os votos já proferidos e o do ministro Barroso, que acho que tem méritos, inclusive, de trazer esta questão que nos aflige nas turmas e que tem produzido essas incongruências já apontadas.

Eu também vou pedir vênia a Sua Excelência, Presidente, para acompanhar a divergência constante do voto do Ministro Teori Zavascki, embora na Turma, quando esta questão se colocou, eu tenha acompanhado o do ministro Celso de Mello, na linha de que aqui estava em discussão o tema no plano da tipicidade e pouco relevante era, então, a identificação das situações iterativas ou das qualificadoras. Mas eu mesmo dizia, quando o acompanhava, que encontrava dificuldade diante dessas situações de temas iterativos, da prática reiterada. Nós temos essa situação inclusive, por exemplo, no Estado do Paraná, onde se alegam, na fronteira de Foz do Iguaçu, nos crimes de natureza fiscal, aquele transporte continuado. Temos tido habeas corpus, que se repetem nas turmas, de pessoas que passam com pequenas quantidades de mercadorias e depois alegam o princípio da insignificância, o que, também, seria usar do princípio da proporcionalidade e do espírito que norteia de justiça material para praticar um crime de maneira sistemática. Então, havia esta preocupação.

O ministro Celso, inclusive, redarguiu que a reiteração, na verdade, poderia afetar a qualificação do princípio da insignificância. Por exemplo, demonstrar que não era um crime de pequena ou de reduzida ofensividade. De toda sorte, o ministro Teori trouxe essa proposta e ela restou vencedora e nós todos passamos – cumprindo o princípio da colegialidade – a proceder as ressalvas e a encaminhar nesse sentido.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, eu gostaria de cumprimentar os votos já proferidos e o do ministro Barroso, que acho que tem méritos, inclusive, de trazer esta questão que nos aflige nas turmas e que tem produzido essas incongruências já apontadas.

Eu também vou pedir vênia a Sua Excelência, Presidente, para acompanhar a divergência constante do voto do Ministro Teori Zavascki, embora na Turma, quando esta questão se colocou, eu tenha acompanhado o do ministro Celso de Mello, na linha de que aqui estava em discussão o tema no plano da tipicidade e pouco relevante era, então, a identificação das situações iterativas ou das qualificadoras. Mas eu mesmo dizia, quando o acompanhava, que encontrava dificuldade diante dessas situações de temas iterativos, da prática reiterada. Nós temos essa situação inclusive, por exemplo, no Estado do Paraná, onde se alegam, na fronteira de Foz do Iguaçu, nos crimes de natureza fiscal, aquele transporte continuado. Temos tido habeas corpus, que se repetem nas turmas, de pessoas que passam com pequenas quantidades de mercadorias e depois alegam o princípio da insignificância, o que, também, seria usar do princípio da proporcionalidade e do espírito que norteia de justiça material para praticar um crime de maneira sistemática. Então, havia esta preocupação.

O ministro Celso, inclusive, redarguiu que a reiteração, na verdade, poderia afetar a qualificação do princípio da insignificância. Por exemplo, demonstrar que não era um crime de pequena ou de reduzida ofensividade. De toda sorte, o ministro Teori trouxe essa proposta e ela restou vencedora e nós todos passamos – cumprindo o princípio da colegialidade – a proceder as ressalvas e a encaminhar nesse sentido.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

HC 123108 / MG

Mas, é claro, continuam a surgir peculiaridades, como o habeas corpus que relatei, em que alguém foi condenado por crime de homicídio e depois praticou crime de pequena monta, um furto, talvez até de caráter famélico, e nós entendemos que não era de se falar aqui na reincidência como impeditivo de reconhecimento da aplicação do princípio da insignificância e, portanto, demos essa abertura.

Eu também sou muito sensível ao argumento trazido pelo ministro Barroso a propósito do modelo prisional. Nós sabemos que estamos perante quadro extremamente grave e todos reconhecem, creio, hoje, quase a uma só voz, que temos aqui realmente um grande déficit, que afeta inclusive a Justiça. Muitas prisões preventivas desnecessárias. Vossa Excelência tem liderado todo este processo que visa a nacionalizar a iniciativa das chamadas audiências de custódia exatamente para minimizar as prisões preventivas que, sabemos nós, muitas vezes, levam depois a um tipo de perversão: pessoas que foram flagradas cometendo um crime pouco significativo, daqui a pouco se tornam emissários vinculados a essas organizações criminosas, como já apontou o ministro Barroso.

Apenas para assentar que, mesmo a referência feita por Sua Excelência ao artigo 33, a exigência de reincidência, isso já vem sendo mitigado na jurisprudência. O próprio STJ tem a Súmula 269, na qual se ressalta:

É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados à pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É, ou seja, eles passaram do fechado ao semiaberto; nós estamos

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HC 123108 / MG

Mas, é claro, continuam a surgir peculiaridades, como o habeas corpus que relatei, em que alguém foi condenado por crime de homicídio e depois praticou crime de pequena monta, um furto, talvez até de caráter famélico, e nós entendemos que não era de se falar aqui na reincidência como impeditivo de reconhecimento da aplicação do princípio da insignificância e, portanto, demos essa abertura.

Eu também sou muito sensível ao argumento trazido pelo ministro Barroso a propósito do modelo prisional. Nós sabemos que estamos perante quadro extremamente grave e todos reconhecem, creio, hoje, quase a uma só voz, que temos aqui realmente um grande déficit, que afeta inclusive a Justiça. Muitas prisões preventivas desnecessárias. Vossa Excelência tem liderado todo este processo que visa a nacionalizar a iniciativa das chamadas audiências de custódia exatamente para minimizar as prisões preventivas que, sabemos nós, muitas vezes, levam depois a um tipo de perversão: pessoas que foram flagradas cometendo um crime pouco significativo, daqui a pouco se tornam emissários vinculados a essas organizações criminosas, como já apontou o ministro Barroso.

Apenas para assentar que, mesmo a referência feita por Sua Excelência ao artigo 33, a exigência de reincidência, isso já vem sendo mitigado na jurisprudência. O próprio STJ tem a Súmula 269, na qual se ressalta:

É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados à pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – É, ou seja, eles passaram do fechado ao semiaberto; nós estamos

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

HC 123108 / MG

passando agora para o aberto.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso é o que eu estou dizendo que, na verdade, já há essa abertura, porque, de fato, a exigência parece demasiada, mesmo em relação aos reincidentes.

De qualquer sorte, aventuro dizer e disse que, nas incursões que fiz no Direito Comparado, há situações em que não se descriminaliza a conduta, mas se diz que não se deve aplicar a pena de prisão, mesmo a detenção simples. Recomenda-se que não se aplique, inicialmente, como Vossa Excelência está a propor. E parece que, de fato, tem-se que pensar nisto.

Mas, como eu disse, também, esse tema parece que, pelo menos em seus contornos mais definidos, reclama intervenção legislativa, uma intervenção legislativa para assentar quais seriam essas situações que demandariam esse tipo de tratamento. E que acompanhamento se teria, porque, nós já vimos, pelas análises aqui feitas, que o tema é assaz complexo, inclusive nesse embate que se faz na perspectiva da vítima.

Eu me lembro que, quando estudava em Münster, havia um célebre professor, professor Schneider, que se tornou realmente célebre. Eu participei de um ou outro seminário com ele e, na época, ele julgava que um símbolo de sua notoriedade era o fato de ter obras traduzidas para o russo – é que, ainda naquela época de transição, queda do muro –, tal significava algo. E ele escreveu, era um tipo de fundador da vitimologia, quer dizer a ideia de estudar o Direito Penal numa perspectiva da vítima, e também a criminologia nessa perspectiva. E nós vimos que esse tema resulta extremamente complexo quando olhamos também nessa perspectiva.

Ministra Cármen já disse muitas vezes, falar: "É um furto de (...), numa farmácia". Mas se trata de uma pequena farmácia, a única naquele

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passando agora para o aberto.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso é o que eu estou dizendo que, na verdade, já há essa abertura, porque, de fato, a exigência parece demasiada, mesmo em relação aos reincidentes.

De qualquer sorte, aventuro dizer e disse que, nas incursões que fiz no Direito Comparado, há situações em que não se descriminaliza a conduta, mas se diz que não se deve aplicar a pena de prisão, mesmo a detenção simples. Recomenda-se que não se aplique, inicialmente, como Vossa Excelência está a propor. E parece que, de fato, tem-se que pensar nisto.

Mas, como eu disse, também, esse tema parece que, pelo menos em seus contornos mais definidos, reclama intervenção legislativa, uma intervenção legislativa para assentar quais seriam essas situações que demandariam esse tipo de tratamento. E que acompanhamento se teria, porque, nós já vimos, pelas análises aqui feitas, que o tema é assaz complexo, inclusive nesse embate que se faz na perspectiva da vítima.

Eu me lembro que, quando estudava em Münster, havia um célebre professor, professor Schneider, que se tornou realmente célebre. Eu participei de um ou outro seminário com ele e, na época, ele julgava que um símbolo de sua notoriedade era o fato de ter obras traduzidas para o russo – é que, ainda naquela época de transição, queda do muro –, tal significava algo. E ele escreveu, era um tipo de fundador da vitimologia, quer dizer a ideia de estudar o Direito Penal numa perspectiva da vítima, e também a criminologia nessa perspectiva. E nós vimos que esse tema resulta extremamente complexo quando olhamos também nessa perspectiva.

Ministra Cármen já disse muitas vezes, falar: "É um furto de (...), numa farmácia". Mas se trata de uma pequena farmácia, a única naquele

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HC 123108 / MG

local, que se ressente desse tipo de prática, sobretudo, porque ela incorpora o medo como um dos seus, passa a agir de uma outra maneira.

De modo que, considerando toda essa complexidade e me dizendo simpático às teses propostas pelo ministro Barroso, então, e também eu vou divergir em parte do ministro Toffoli, porque eu não considero que o Direito Penal é insuscetível de ser submetido a determinada tese, desde que nós tenhamos clareza em relação a isso. Veja que, por exemplo, aplicamos, e acho que aplicamos bem, a súmula quanto à progressão de regime.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro, Vossa Excelência me permite?

Pelas intermináveis discussões, não se tem clareza considerada a matéria!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É claro. Mas, veja, eu ia, e fiz referência a Vossa Excelência, ministro Marco Aurélio, sinalizando que faria referência a Vossa Excelência, porque estava me lembrando do célebre HC sobre crime hediondo e a progressão de regime que, depois da decisão, nós avançamos para a súmula. E me parece que fizemos bem, porque, depois de nossa decisão, ainda tínhamos juízes insistindo na tese da progressão de regime, até com o argumento de que nós decidíramos em caso concreto e que aquilo não tinha efeito vinculante.

Imaginemos amanhã, para ficarmos numa tese bastante simples, que tenhamos uma lei posterior em matéria penal e que esteja sendo aplicada a fatos anteriores de forma negativa. Ora, se nós expedimos uma súmula para dizer exatamente isto, que não pode haver retroatividade malévola, evidente que podemos fazê-lo. O problema aqui é que difícil fixar uma tese, a meu ver.

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

local, que se ressente desse tipo de prática, sobretudo, porque ela incorpora o medo como um dos seus, passa a agir de uma outra maneira.

De modo que, considerando toda essa complexidade e me dizendo simpático às teses propostas pelo ministro Barroso, então, e também eu vou divergir em parte do ministro Toffoli, porque eu não considero que o Direito Penal é insuscetível de ser submetido a determinada tese, desde que nós tenhamos clareza em relação a isso. Veja que, por exemplo, aplicamos, e acho que aplicamos bem, a súmula quanto à progressão de regime.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro, Vossa Excelência me permite?

Pelas intermináveis discussões, não se tem clareza considerada a matéria!

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É claro. Mas, veja, eu ia, e fiz referência a Vossa Excelência, ministro Marco Aurélio, sinalizando que faria referência a Vossa Excelência, porque estava me lembrando do célebre HC sobre crime hediondo e a progressão de regime que, depois da decisão, nós avançamos para a súmula. E me parece que fizemos bem, porque, depois de nossa decisão, ainda tínhamos juízes insistindo na tese da progressão de regime, até com o argumento de que nós decidíramos em caso concreto e que aquilo não tinha efeito vinculante.

Imaginemos amanhã, para ficarmos numa tese bastante simples, que tenhamos uma lei posterior em matéria penal e que esteja sendo aplicada a fatos anteriores de forma negativa. Ora, se nós expedimos uma súmula para dizer exatamente isto, que não pode haver retroatividade malévola, evidente que podemos fazê-lo. O problema aqui é que difícil fixar uma tese, a meu ver.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministro Gilmar, duas observações. Quanto à questão do de lege ferenda – que eu concordo com Vossa Excelência –, o novo Código Penal, que ainda não foi votado, prevê expressamente a insignificância e estabelece os critérios. E a verdade é que é uma questão de se qualificar o que nós entendemos por tese. Quer dizer, eu acho que há duas ideias se consolidando aqui. A primeira: o regime pode ser aberto. Essa é uma tese, uma ideia.

E a segunda, que eu ainda não sei se é majoritária: a reincidência, por si só, não impedirá o reconhecimento da insignificância. Portanto, tese, quando eu falo tese, não é necessariamente uma súmula ou uma proposição rigorosamente objetiva, mas um consenso mínimo sobre a razão de decidir.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu já tinha dito até na primeira primeira intervenção que fizera e saudando exatamente a iniciativa de Vossa Excelência, que preferia fazer uma inversão aqui para deixar claro que a reincidência não impede o reconhecimento - como nós estamos dizendo e como o ministro Teori ressaltou – do princípio da insignificância. Mas isso não retira do juiz a possibilidade de fazer a análise num ou noutro sentido.

Mas, de qualquer forma, quero cumprimentar Vossa Excelência pela iniciativa, que trouxe realmente uma contribuição, porque, claro, certamente estávamos fazendo uma leitura também invertida. Houve reincidência, não se aplica o princípio da insignificância, o que também não era correto. Portanto, é extremamente saudável essa iniciativa. E, de qualquer forma, pelo menos, estamos fixando senão uma tese em sentido cabal, estamos dando uma orientação.

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Ministro Gilmar, duas observações. Quanto à questão do de lege ferenda – que eu concordo com Vossa Excelência –, o novo Código Penal, que ainda não foi votado, prevê expressamente a insignificância e estabelece os critérios. E a verdade é que é uma questão de se qualificar o que nós entendemos por tese. Quer dizer, eu acho que há duas ideias se consolidando aqui. A primeira: o regime pode ser aberto. Essa é uma tese, uma ideia.

E a segunda, que eu ainda não sei se é majoritária: a reincidência, por si só, não impedirá o reconhecimento da insignificância. Portanto, tese, quando eu falo tese, não é necessariamente uma súmula ou uma proposição rigorosamente objetiva, mas um consenso mínimo sobre a razão de decidir.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu já tinha dito até na primeira primeira intervenção que fizera e saudando exatamente a iniciativa de Vossa Excelência, que preferia fazer uma inversão aqui para deixar claro que a reincidência não impede o reconhecimento - como nós estamos dizendo e como o ministro Teori ressaltou – do princípio da insignificância. Mas isso não retira do juiz a possibilidade de fazer a análise num ou noutro sentido.

Mas, de qualquer forma, quero cumprimentar Vossa Excelência pela iniciativa, que trouxe realmente uma contribuição, porque, claro, certamente estávamos fazendo uma leitura também invertida. Houve reincidência, não se aplica o princípio da insignificância, o que também não era correto. Portanto, é extremamente saudável essa iniciativa. E, de qualquer forma, pelo menos, estamos fixando senão uma tese em sentido cabal, estamos dando uma orientação.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Um consenso mínimo.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Um consenso mínimo em relação a isso.

Mas, com todas as vênias e todos os encômios ao voto de Vossa Excelência, acompanho a manifestação do ministro Teori.

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Um consenso mínimo.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Um consenso mínimo em relação a isso.

Mas, com todas as vênias e todos os encômios ao voto de Vossa Excelência, acompanho a manifestação do ministro Teori.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, em época de criminalidade no atacado – e não preciso me referir a este ou aquele caso –, o tempo do Plenário é absorvido em discussões, que já apontei como intermináveis, sobre um tipo de clareza solar, segundo o Código Penal, que está em vigor há setenta e quatro anos. Já ouvi, neste Plenário, o enfoque da inconstitucionalidade, ante o princípio polivalente da proporcionalidade, do próprio Código, de dispositivos do próprio Código Penal.

Presidente, não é dado transportar, para o habeas corpus, enfoques próprios aos recursos. Digo isso, considerada a admissibilidade ou não da impetração. Para que se tenha uma impetração como admissível – e não há também a potencialização da forma em se tratando de habeas corpus, já que o cidadão comum tem a capacidade postulatória –, basta que se articule na inicial a existência de ato praticado à margem da lei – não se cogita, nesse estágio, da procedência, ou não – e haja órgão competente para dizer se está ou não configurada essa mesma ilegalidade. A procedência ou improcedência resolve-se no campo do mérito, não do conhecimento ou não conhecimento da ação, como se fosse um recurso.

Presidente, os processos foram deslocados da Primeira Turma para o Plenário, tendo em conta a eleição de tese a respeito, e recebi, agora, proposta do Relator contendo três teses sobre a problemática, que já consumiu praticamente duas sessões do Plenário para chegar-se a um resultado concreto.

A questão, a meu ver, deve ser resolvida processo-crime por processo-crime, e não pelo Supremo, já que, no caso, não se tem sempre a existência de uma ilegalidade. A aplicação da pena desta ou daquela forma, segundo os dispositivos do Código Penal, resolve-se, de início, no campo do justo e do injusto.

O Direito Penal se submete ao princípio da legalidade estrita. As preocupações do ministro Luiz Fux e as reveladas pelo ministro Gilmar

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, em época de criminalidade no atacado – e não preciso me referir a este ou aquele caso –, o tempo do Plenário é absorvido em discussões, que já apontei como intermináveis, sobre um tipo de clareza solar, segundo o Código Penal, que está em vigor há setenta e quatro anos. Já ouvi, neste Plenário, o enfoque da inconstitucionalidade, ante o princípio polivalente da proporcionalidade, do próprio Código, de dispositivos do próprio Código Penal.

Presidente, não é dado transportar, para o habeas corpus, enfoques próprios aos recursos. Digo isso, considerada a admissibilidade ou não da impetração. Para que se tenha uma impetração como admissível – e não há também a potencialização da forma em se tratando de habeas corpus, já que o cidadão comum tem a capacidade postulatória –, basta que se articule na inicial a existência de ato praticado à margem da lei – não se cogita, nesse estágio, da procedência, ou não – e haja órgão competente para dizer se está ou não configurada essa mesma ilegalidade. A procedência ou improcedência resolve-se no campo do mérito, não do conhecimento ou não conhecimento da ação, como se fosse um recurso.

Presidente, os processos foram deslocados da Primeira Turma para o Plenário, tendo em conta a eleição de tese a respeito, e recebi, agora, proposta do Relator contendo três teses sobre a problemática, que já consumiu praticamente duas sessões do Plenário para chegar-se a um resultado concreto.

A questão, a meu ver, deve ser resolvida processo-crime por processo-crime, e não pelo Supremo, já que, no caso, não se tem sempre a existência de uma ilegalidade. A aplicação da pena desta ou daquela forma, segundo os dispositivos do Código Penal, resolve-se, de início, no campo do justo e do injusto.

O Direito Penal se submete ao princípio da legalidade estrita. As preocupações do ministro Luiz Fux e as reveladas pelo ministro Gilmar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 155 de 179

Page 156: Supremo Tribunal Federal Supremo Tribunal Federal

Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

HC 123108 / MG

Mendes são minhas. É preciso observar a autocontenção. Os representantes do povo são, em uma das Casas, 513, em outra, 81. Somos 11 neste Plenário e não cabe reescrever o Código Penal. Creio que estamos caminhando nesse sentido, inclusive mitigando um instituto que é seríssimo, o qual repercute em várias situações, que é o da reincidência, sem declarar o conflito da previsão legal normativa – contida, portanto, no Direito posto – com a Carta da República.

O passo, a meu ver, Presidente, é demasiadamente largo. Digo mais: bússola, para os magistrados, não se terá nesta ou naquela decisão, ainda que seja do Supremo; a bússola está na legislação de regência da matéria. O tipo penal, a meu ver, é claríssimo. Talvez não se tenha preceito tão claro quanto o do artigo 155 do Código Penal, no que revelado o furto: "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia". E o fenômeno é constatável, pouco importando o valor da coisa subtraída. Aliás, Vossa Excelência ressaltou que, quanto à questão do valor da coisa furtada, há disciplina específica, não cabendo lançar mão de construção jurisprudencial, como é a construção alusiva ao crime de bagatela.

No § 2° do artigo 155 do Código Penal – recuso-me a dizer que nele se tem um crime privilegiado, mas reconheço que a expressão crime privilegiado, está consagrada no dia a dia daqueles que manuseiam o Direito –, está previsto, de forma também bem clara, em bom português, que, "se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada", conclui-se pela existência do crime de bagatela e não se faz incidir o preceito do Código Penal? Não. "(...). O juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa".

Presidente, creio que pressuposto de dias melhores é a observância ao Direito elaborado pelo Congresso Nacional. A função dos julgadores, quer queiramos ou não – e aqueles que não concordarem com o enfoque devem mudar de cadeira –, é vinculada. Claro que o preceito legal admite interpretação, mas uma coisa é interpretar, ato de vontade, e outra é fechar-se o Código Penal, como se não existisse, e estabelecerem-se regras e, ainda, pretender que essas regras venham a ser observadas pelos

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HC 123108 / MG

Mendes são minhas. É preciso observar a autocontenção. Os representantes do povo são, em uma das Casas, 513, em outra, 81. Somos 11 neste Plenário e não cabe reescrever o Código Penal. Creio que estamos caminhando nesse sentido, inclusive mitigando um instituto que é seríssimo, o qual repercute em várias situações, que é o da reincidência, sem declarar o conflito da previsão legal normativa – contida, portanto, no Direito posto – com a Carta da República.

O passo, a meu ver, Presidente, é demasiadamente largo. Digo mais: bússola, para os magistrados, não se terá nesta ou naquela decisão, ainda que seja do Supremo; a bússola está na legislação de regência da matéria. O tipo penal, a meu ver, é claríssimo. Talvez não se tenha preceito tão claro quanto o do artigo 155 do Código Penal, no que revelado o furto: "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia". E o fenômeno é constatável, pouco importando o valor da coisa subtraída. Aliás, Vossa Excelência ressaltou que, quanto à questão do valor da coisa furtada, há disciplina específica, não cabendo lançar mão de construção jurisprudencial, como é a construção alusiva ao crime de bagatela.

No § 2° do artigo 155 do Código Penal – recuso-me a dizer que nele se tem um crime privilegiado, mas reconheço que a expressão crime privilegiado, está consagrada no dia a dia daqueles que manuseiam o Direito –, está previsto, de forma também bem clara, em bom português, que, "se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada", conclui-se pela existência do crime de bagatela e não se faz incidir o preceito do Código Penal? Não. "(...). O juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa".

Presidente, creio que pressuposto de dias melhores é a observância ao Direito elaborado pelo Congresso Nacional. A função dos julgadores, quer queiramos ou não – e aqueles que não concordarem com o enfoque devem mudar de cadeira –, é vinculada. Claro que o preceito legal admite interpretação, mas uma coisa é interpretar, ato de vontade, e outra é fechar-se o Código Penal, como se não existisse, e estabelecerem-se regras e, ainda, pretender que essas regras venham a ser observadas pelos

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

HC 123108 / MG

demais órgãos do Judiciário.Não tenho, Presidente, como fugir a essas disposições legais. Não

tenho como, ante o princípio da legalidade estrita – e é linear, não cabendo distinguir a observância, ou não, em tal ou qual situação –, como buscar fazer justiça, sob pena de grassar a insegurança.

Resta a matéria alusiva ao regime de cumprimento da pena. Também aqui há balizamento normativo muito claro, do artigo 33 do Código Penal. O regime de cumprimento semiaberto ou aberto somente é possível – a não ser que se declare a inconstitucionalidade dos preceitos – em não se tratando de reincidente. Está-se no campo da opção normativa criminológica e numa quadra – repito – de delinquência saltitante, de delinquência maior.

Não cabe ao Tribunal olvidar o que está no artigo 33 do Código Penal e, que os regimes semiaberto e aberto somente são observáveis em se tratando de agente criminoso que não tenha a qualificação de reincidente. Sendo reincidente, não há campo para acionarem-se os preceitos no que versam esses regimes, sob pena de o Supremo se arvorar em autor de um novo Código Penal.

Simplesmente, nos três casos, indefiro a ordem.

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demais órgãos do Judiciário.Não tenho, Presidente, como fugir a essas disposições legais. Não

tenho como, ante o princípio da legalidade estrita – e é linear, não cabendo distinguir a observância, ou não, em tal ou qual situação –, como buscar fazer justiça, sob pena de grassar a insegurança.

Resta a matéria alusiva ao regime de cumprimento da pena. Também aqui há balizamento normativo muito claro, do artigo 33 do Código Penal. O regime de cumprimento semiaberto ou aberto somente é possível – a não ser que se declare a inconstitucionalidade dos preceitos – em não se tratando de reincidente. Está-se no campo da opção normativa criminológica e numa quadra – repito – de delinquência saltitante, de delinquência maior.

Não cabe ao Tribunal olvidar o que está no artigo 33 do Código Penal e, que os regimes semiaberto e aberto somente são observáveis em se tratando de agente criminoso que não tenha a qualificação de reincidente. Sendo reincidente, não há campo para acionarem-se os preceitos no que versam esses regimes, sob pena de o Supremo se arvorar em autor de um novo Código Penal.

Simplesmente, nos três casos, indefiro a ordem.

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Voto - MIN. CELSO DE MELLO

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia, Senhor Presidente, para conceder a ordem de “habeas corpus”, considerando, para tanto, os fundamentos que venho expondo, nesta Corte, sobre o sentido e a razão de ser do princípio da insignificância, que constitui, como todos sabemos, causa supralegal de exclusão da tipicidade penal em sua dimensão material (HC 92.463/RS – HC 94.653/RS – HC 94.772/RS – HC 95.957/RS – HC 101.696/MG – HC 102.921/MG – HC 115.246/MG – RHC 107.264/DF – RHC 122.464-AgR/BA, v.g.).

Tenho assinalado, nos diversos precedentes de que fui Relator, como os que venho de referir, que o princípio da insignificância (“De minimis non curat praetor”) deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, de tal modo que, configurados os vetores que permitem identificar, em cada situação ocorrente, a presença do fato insignificante (RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torne-se possível ao julgador reconhecer caracterizada a ausência da tipicidade penal em sua projeção material.

Não constitui demasia ressaltar que essa percepção do tema tem o beneplácito de expressivo magistério doutrinário (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 06, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia, Senhor Presidente, para conceder a ordem de “habeas corpus”, considerando, para tanto, os fundamentos que venho expondo, nesta Corte, sobre o sentido e a razão de ser do princípio da insignificância, que constitui, como todos sabemos, causa supralegal de exclusão da tipicidade penal em sua dimensão material (HC 92.463/RS – HC 94.653/RS – HC 94.772/RS – HC 95.957/RS – HC 101.696/MG – HC 102.921/MG – HC 115.246/MG – RHC 107.264/DF – RHC 122.464-AgR/BA, v.g.).

Tenho assinalado, nos diversos precedentes de que fui Relator, como os que venho de referir, que o princípio da insignificância (“De minimis non curat praetor”) deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, de tal modo que, configurados os vetores que permitem identificar, em cada situação ocorrente, a presença do fato insignificante (RTJ 192/963-964, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torne-se possível ao julgador reconhecer caracterizada a ausência da tipicidade penal em sua projeção material.

Não constitui demasia ressaltar que essa percepção do tema tem o beneplácito de expressivo magistério doutrinário (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 06, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 158 de 179

Page 159: Supremo Tribunal Federal Supremo Tribunal Federal

Voto - MIN. CELSO DE MELLO

HC 123108 / MG

Por vislumbrar presentes os vetores a que anteriormente aludi (RTJ 192/963-964), reconheço caracterizada, na espécie, a ocorrência do fato insignificante.

Sendo assim, e em face das razões expostas, peço licença, uma vez mais, para conceder, integralmente, a ordem de “habeas corpus”.

É o meu voto.

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

Por vislumbrar presentes os vetores a que anteriormente aludi (RTJ 192/963-964), reconheço caracterizada, na espécie, a ocorrência do fato insignificante.

Sendo assim, e em face das razões expostas, peço licença, uma vez mais, para conceder, integralmente, a ordem de “habeas corpus”.

É o meu voto.

2

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 159 de 179

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu peço vênia para divergir do eminente Relator, mantendo a posição que venho afirmando na Segunda Turma, ou que vinha afirmando na Segunda Turma. Continuo convencido, data venia, do acerto daquela minha posição, que não era só minha, mas de diversos Pares que me acompanhavam, ou eu talvez acompanhasse os demais Colegas nesta posição.

Eu entendo que a reincidência, tal como assentou agora o eminente Ministro Marco Aurélio, tem consequências penais. O nosso Código Penal está repleto de alusões à reincidência, que tem consequências e, sobretudo no artigo 61, estabelece que a reincidência sempre agrava a pena. Portanto, a reincidência é um fator que deve ser levado em consideração e que, a meu ver, afasta necessariamente o reconhecimento do princípio da insignificância.

No primeiro caso, no Habeas Corpus 123.108, eu acompanho, com o devido respeito, o eminente Ministro Teori Zavascki para denegar a ordem e conceder de ofício. Eu concedo para que o regime prisional seja mitigado, não apenas porque entendo que aqui é possível aplicar o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, sobretudo, mas também é possível conjugar dois dispositivos do Código Penal: o artigo 33, que, como todos nós sabemos, estabelece os regimes prisionais; e, muito embora, o art. 33, § 2º, estabeleça que o condenado não reincidente pode, desde o início, cumprir a pena em regime aberto e, portanto, a contrario sensu, o reincidente, em tese, não poderia, eu vejo que o § 3º estabelece que a determinação do regime de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 desse Código. Portanto, há uma exceção à regra, uma mitigação dessa regra absoluta. E, quando se vai ao art. 59, verifica-se exatamente o seguinte: que o juiz,

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Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

VOTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu peço vênia para divergir do eminente Relator, mantendo a posição que venho afirmando na Segunda Turma, ou que vinha afirmando na Segunda Turma. Continuo convencido, data venia, do acerto daquela minha posição, que não era só minha, mas de diversos Pares que me acompanhavam, ou eu talvez acompanhasse os demais Colegas nesta posição.

Eu entendo que a reincidência, tal como assentou agora o eminente Ministro Marco Aurélio, tem consequências penais. O nosso Código Penal está repleto de alusões à reincidência, que tem consequências e, sobretudo no artigo 61, estabelece que a reincidência sempre agrava a pena. Portanto, a reincidência é um fator que deve ser levado em consideração e que, a meu ver, afasta necessariamente o reconhecimento do princípio da insignificância.

No primeiro caso, no Habeas Corpus 123.108, eu acompanho, com o devido respeito, o eminente Ministro Teori Zavascki para denegar a ordem e conceder de ofício. Eu concedo para que o regime prisional seja mitigado, não apenas porque entendo que aqui é possível aplicar o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, sobretudo, mas também é possível conjugar dois dispositivos do Código Penal: o artigo 33, que, como todos nós sabemos, estabelece os regimes prisionais; e, muito embora, o art. 33, § 2º, estabeleça que o condenado não reincidente pode, desde o início, cumprir a pena em regime aberto e, portanto, a contrario sensu, o reincidente, em tese, não poderia, eu vejo que o § 3º estabelece que a determinação do regime de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 desse Código. Portanto, há uma exceção à regra, uma mitigação dessa regra absoluta. E, quando se vai ao art. 59, verifica-se exatamente o seguinte: que o juiz,

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

HC 123108 / MG

atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à periculosidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só a pena, mas o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Portanto, combinando esses dois dispositivos, eu penso que é possível mitigar, no caso, a pena.

Portanto, então, em resumo, entendo que a reincidência afasta, data venia, o reconhecimento do princípio da insignificância, mas entendo que, de ofício, é possível mitigar a pena com fundamento nesses dispositivos aos quais eu me referi e, também, subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade.

Quanto ao HC 123.533, eu vejo que não apenas se tem aqui a reincidência, mas também a coautoria. E tenho expressado sempre, e sobretudo na Segunda Turma, que a coautoria dificulta a defesa da vítima. Isso é comum, por exemplo, hoje nos arrastões, que infelizmente acontecem nas praia do Rio de Janeiro. É um crime em que muitos agentes envolvem e dificultam a defesa de múltiplas vítimas, mas, mesmo em São Paulo, há um crime muito praticado, que é justamente aquele crime em que três pessoas praticam: o primeiro esbarra na vítima, o segundo simula que vai ajudar a levantar e o terceiro lhe furta a carteira. Ainda que, nesta carteira, estivessem só dez reais, o que se vê aqui é que a coautoria dificulta a defesa da vítima, portanto, é uma situação que agrava ou que mostra um comportamento de maior perigo para a paz social e, enfim, para a própria higidez do ordenamento legal. Eu, nesse caso também, pelos mesmos motivos já enunciados pelo Ministro Teori Zavascki, denego a ordem, mas, de ofício, também mitigo o regime inicial de cumprimento.

Com relação ao terceiro caso, que é o HC 123.734, nós temos a qualificadora, um dupla qualificadora: rompimento de obstáculo e escalada. E, neste caso, a conduta do agente revela uma maior periculosidade.

E me lembro que um dia julgamos na Segunda Turma um caso em

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HC 123108 / MG

atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à periculosidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só a pena, mas o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Portanto, combinando esses dois dispositivos, eu penso que é possível mitigar, no caso, a pena.

Portanto, então, em resumo, entendo que a reincidência afasta, data venia, o reconhecimento do princípio da insignificância, mas entendo que, de ofício, é possível mitigar a pena com fundamento nesses dispositivos aos quais eu me referi e, também, subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade.

Quanto ao HC 123.533, eu vejo que não apenas se tem aqui a reincidência, mas também a coautoria. E tenho expressado sempre, e sobretudo na Segunda Turma, que a coautoria dificulta a defesa da vítima. Isso é comum, por exemplo, hoje nos arrastões, que infelizmente acontecem nas praia do Rio de Janeiro. É um crime em que muitos agentes envolvem e dificultam a defesa de múltiplas vítimas, mas, mesmo em São Paulo, há um crime muito praticado, que é justamente aquele crime em que três pessoas praticam: o primeiro esbarra na vítima, o segundo simula que vai ajudar a levantar e o terceiro lhe furta a carteira. Ainda que, nesta carteira, estivessem só dez reais, o que se vê aqui é que a coautoria dificulta a defesa da vítima, portanto, é uma situação que agrava ou que mostra um comportamento de maior perigo para a paz social e, enfim, para a própria higidez do ordenamento legal. Eu, nesse caso também, pelos mesmos motivos já enunciados pelo Ministro Teori Zavascki, denego a ordem, mas, de ofício, também mitigo o regime inicial de cumprimento.

Com relação ao terceiro caso, que é o HC 123.734, nós temos a qualificadora, um dupla qualificadora: rompimento de obstáculo e escalada. E, neste caso, a conduta do agente revela uma maior periculosidade.

E me lembro que um dia julgamos na Segunda Turma um caso em

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

HC 123108 / MG

que o indivíduo tinha rompido um obstáculo, escalado um muro de uma casa, ingressado no quintal da casa e furtou uma toalha, ou, salvo engano, um lençol. Um crime de baixo valor econômico, resultado do crime, mas, no entanto, a gravidade da situação de alguém penetrar na casa de um cidadão. Aliás, o domicílio é protegido constitucionalmente, a própria Constituição diz que ninguém poderá penetrar no domicílio, salvo ordem judicial; isso é uma coisa extremamente grave. E, se o proprietário ou a proprietária da casa estivesse presente, talvez pudesse ocorrer, inclusive, uma tragédia.

Portanto, nesse caso, também entendo, na presença dessas qualificadoras, não ser possível reconhecer o princípio da insignificância ou ter o crime como sendo um delito de bagatela. Mas, neste caso, no HC 123.734, como também já assentou o Ministro Teori Zavascki, o regime inicial já foi mitigado, portanto, eu simplesmente me limito a denegar a ordem, sem concedê-la de ofício, porquanto desnecessária esta providência.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, só a título de esclarecimento, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido realmente bem ponderada.

Eu apenas faço essa observação, porque, por exemplo, naquele caso, eu fiquei um pouco impressionado, por quê? Porque eu me conheço, porque eu gosto de pagar minhas dívidas materiais, ideológicas e morais. Naquele caso da carne, eu fiquei um pouco impressionado, se eu tivesse realmente relatado, mas eu não fui o Relator daquele caso. Mas eu fui procurar. E o que a Primeira Turma fez? A Primeira Turma condenou naquele caso de furto da carne no supermercado, porque a acusação comprovou que o réu era useiro e vezeiro na prática de furto no supermercado. Então, eu, o Ministro Marco Aurélio e o então Presidente, que foi o Relator, é que capitaneou esse resultado.

Em contrapartida, a mesma Primeira Turma fez a distinção entre princípio da insignificância e furto famélico e concedeu a ordem a uma senhora que furtara um pacote de fraldas de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), considerando que efetivamente era um furto famélico, e ela estava

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HC 123108 / MG

que o indivíduo tinha rompido um obstáculo, escalado um muro de uma casa, ingressado no quintal da casa e furtou uma toalha, ou, salvo engano, um lençol. Um crime de baixo valor econômico, resultado do crime, mas, no entanto, a gravidade da situação de alguém penetrar na casa de um cidadão. Aliás, o domicílio é protegido constitucionalmente, a própria Constituição diz que ninguém poderá penetrar no domicílio, salvo ordem judicial; isso é uma coisa extremamente grave. E, se o proprietário ou a proprietária da casa estivesse presente, talvez pudesse ocorrer, inclusive, uma tragédia.

Portanto, nesse caso, também entendo, na presença dessas qualificadoras, não ser possível reconhecer o princípio da insignificância ou ter o crime como sendo um delito de bagatela. Mas, neste caso, no HC 123.734, como também já assentou o Ministro Teori Zavascki, o regime inicial já foi mitigado, portanto, eu simplesmente me limito a denegar a ordem, sem concedê-la de ofício, porquanto desnecessária esta providência.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, só a título de esclarecimento, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido realmente bem ponderada.

Eu apenas faço essa observação, porque, por exemplo, naquele caso, eu fiquei um pouco impressionado, por quê? Porque eu me conheço, porque eu gosto de pagar minhas dívidas materiais, ideológicas e morais. Naquele caso da carne, eu fiquei um pouco impressionado, se eu tivesse realmente relatado, mas eu não fui o Relator daquele caso. Mas eu fui procurar. E o que a Primeira Turma fez? A Primeira Turma condenou naquele caso de furto da carne no supermercado, porque a acusação comprovou que o réu era useiro e vezeiro na prática de furto no supermercado. Então, eu, o Ministro Marco Aurélio e o então Presidente, que foi o Relator, é que capitaneou esse resultado.

Em contrapartida, a mesma Primeira Turma fez a distinção entre princípio da insignificância e furto famélico e concedeu a ordem a uma senhora que furtara um pacote de fraldas de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), considerando que efetivamente era um furto famélico, e ela estava

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

HC 123108 / MG

em estado de necessidade. Então, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é

extremamente adequada, pontual. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Eu também concordo com Vossa Excelência. E, nesse sentido, tendo a concordar com o eminente Relator, que trouxe à baila uma importantíssima questão; Sua Excelência mostra toda a sensibilidade que o juiz deve ter. Eu também entendo que - o Ministro Fachin levantou essa questão, o Ministro Toffoli também -, em matéria penal, cada caso é um caso. É possível, em situações limites, considerando até o estado de necessidade, superar a reincidência ou outros fatores agravantes.

Mas, nestes exemplos que agora examinamos, eu entendo que não há teratologia, não há ilegalidade, não há abuso de autoridade, e, portanto, a solução, data venia, encontrada pelo Ministro Teori me parece a mais acertada, por isso, eu o estou acompanhando.

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

em estado de necessidade. Então, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é

extremamente adequada, pontual. O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Eu também concordo com Vossa Excelência. E, nesse sentido, tendo a concordar com o eminente Relator, que trouxe à baila uma importantíssima questão; Sua Excelência mostra toda a sensibilidade que o juiz deve ter. Eu também entendo que - o Ministro Fachin levantou essa questão, o Ministro Toffoli também -, em matéria penal, cada caso é um caso. É possível, em situações limites, considerando até o estado de necessidade, superar a reincidência ou outros fatores agravantes.

Mas, nestes exemplos que agora examinamos, eu entendo que não há teratologia, não há ilegalidade, não há abuso de autoridade, e, portanto, a solução, data venia, encontrada pelo Ministro Teori me parece a mais acertada, por isso, eu o estou acompanhando.

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Debate

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Pelos meus cálculos aqui, pelas minhas anotações, a posição do Ministro Teori foi vencedora, mas também a alternativa do Ministro Roberto Barroso acabou de certa maneira prevalecendo também.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nos dois primeiros casos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E, no terceiro, Vossa Excelência havia se pronunciado...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, porque no terceiro o Ministro Teori não dá regime aberto, que era a minha solução alternativa. O Ministro Teori denega a ordem.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - O terceiro caso não tem esse problema.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente, no terceiro caso, a questão não se colocou, porque já era medida restritiva de direito.

Mas, Presidente, eu me disponho a relatar, espelhando a posição majoritária do Tribunal, portanto, reajustando...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas há o Regimento Interno – e falo inclusive como Presidente da Comissão de Regimento Interno – que precisa ser observado: vencido o Relator, é designado redator para o acórdão, o autor do primeiro voto vencedor.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Pelos meus cálculos aqui, pelas minhas anotações, a posição do Ministro Teori foi vencedora, mas também a alternativa do Ministro Roberto Barroso acabou de certa maneira prevalecendo também.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nos dois primeiros casos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E, no terceiro, Vossa Excelência havia se pronunciado...

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Não, porque no terceiro o Ministro Teori não dá regime aberto, que era a minha solução alternativa. O Ministro Teori denega a ordem.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - O terceiro caso não tem esse problema.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente, no terceiro caso, a questão não se colocou, porque já era medida restritiva de direito.

Mas, Presidente, eu me disponho a relatar, espelhando a posição majoritária do Tribunal, portanto, reajustando...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas há o Regimento Interno – e falo inclusive como Presidente da Comissão de Regimento Interno – que precisa ser observado: vencido o Relator, é designado redator para o acórdão, o autor do primeiro voto vencedor.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 164 de 179

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Debate

HC 123108 / MG

– Pois então, estou reajustando para acompanhar o Ministro Teori.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então, será o seu ponto de vista. Vossa Excelência esclareceu que estaria disposto a retratar o convencimento do Colegiado e não o próprio.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Certo, e vou expor a posição da maioria.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas não o seu.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas Vossa Excelência agora reajusta o voto. É uma evolução que merece aplauso!

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Naturalmente a minha posição é a de que quem redige o acórdão deve retratar não a sua própria posição, mas a posição que teve maioria no Tribunal. E essa é uma das questões pelas quais eu mais de uma vez me bati. Não constar, sobretudo da conclusão de voto, posições que são exclusivamente do Relator. De modo que eu estou...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência denegaria também?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Estamos falando de forma clara de outra coisa. Ou bem Vossa Excelência evolui, e então fica como redator do acórdão, ou não evolui, não podendo redigir. Há no Plenário julgador que proferiu voto endossado pela maioria. Então, deve ser designado como redator do acórdão.

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Supremo Tribunal Federal

HC 123108 / MG

– Pois então, estou reajustando para acompanhar o Ministro Teori.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então, será o seu ponto de vista. Vossa Excelência esclareceu que estaria disposto a retratar o convencimento do Colegiado e não o próprio.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Certo, e vou expor a posição da maioria.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas não o seu.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas Vossa Excelência agora reajusta o voto. É uma evolução que merece aplauso!

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Naturalmente a minha posição é a de que quem redige o acórdão deve retratar não a sua própria posição, mas a posição que teve maioria no Tribunal. E essa é uma das questões pelas quais eu mais de uma vez me bati. Não constar, sobretudo da conclusão de voto, posições que são exclusivamente do Relator. De modo que eu estou...

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Vossa Excelência denegaria também?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Estamos falando de forma clara de outra coisa. Ou bem Vossa Excelência evolui, e então fica como redator do acórdão, ou não evolui, não podendo redigir. Há no Plenário julgador que proferiu voto endossado pela maioria. Então, deve ser designado como redator do acórdão.

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Debate

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu estou acompanhando o Ministro Teori.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência fica relator do acórdão. Vossa Excelência indefere a ordem?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Concedo a ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Nos dois primeiros?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nos dois primeiros.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência não está acompanhando o Ministro Teori. Vossa Excelência acompanharia o Ministro Teori se indeferisse a ordem nos dois casos.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não, denega a ordem nos três e concede de ofício em dois.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Isso, e concedo de ofício nos dois, exatamente.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Denega a ordem nos três.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Denega e concede de ofício nos dois primeiros e, no último, simplesmente denega.

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Eu estou acompanhando o Ministro Teori.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência fica relator do acórdão. Vossa Excelência indefere a ordem?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Concedo a ordem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Nos dois primeiros?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Nos dois primeiros.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência não está acompanhando o Ministro Teori. Vossa Excelência acompanharia o Ministro Teori se indeferisse a ordem nos dois casos.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Não, denega a ordem nos três e concede de ofício em dois.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Isso, e concedo de ofício nos dois, exatamente.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Denega a ordem nos três.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Denega e concede de ofício nos dois primeiros e, no último, simplesmente denega.

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Debate

HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência fica com o acórdão.

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HC 123108 / MG

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Então, Vossa Excelência fica com o acórdão.

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Retificação de Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

REAJUSTE DE VOTO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado pelo furto simples de um par de chinelos, avaliados em R$ 16,00 (dezesseis reais). A aplicação do princípio da insignificância foi afastada por se tratar de réu reincidente. No presente caso, o paciente foi condenado a um ano de reclusão e 10 dias-multa, sem substituição por penas restritivas de direitos, em regime inicial semiaberto. Não houve prisão em flagrante, o réu respondeu em liberdade e o parecer ministerial é pela concessão da ordem, por atipicidade da conduta.

2. Na sessão de 10.12.2014, proferi voto pela concessão da ordem, para reconhecer a atipicidade da conduta. Em síntese, concluí que não é materialmente típico o fato que, embora enquadrável na previsão abstrata de uma norma (tipicidade formal), não traduz um desvalor da conduta e/ou do resultado relevantes para o direito penal. Essa relevância deve ser aferida a partir da proporcionalidade da resposta penal que se pretende aplicar, bem como da realidade do sistema carcerário brasileiro, reconhecidamente seletivo em relação à sua clientela.

3. Ao aplicar essas premissas, concluí que o caso concreto não tem relevo penal. Embora a conduta em questão possa ser – e seja – socialmente reprovável, considerei que o direito penal não é a ferramenta adequada, necessária e proporcional para lidar com esse tipo de problema. Poderia ser num mundo ideal, mas nas circunstâncias brasileiras entendo que o direito penal deve ser utilizado como um instrumento fragmentário, subsidiário e drástico, de que se deve lançar mão somente como ultima ratio.

Supremo Tribunal Federal

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

REAJUSTE DE VOTO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR)

1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado pelo furto simples de um par de chinelos, avaliados em R$ 16,00 (dezesseis reais). A aplicação do princípio da insignificância foi afastada por se tratar de réu reincidente. No presente caso, o paciente foi condenado a um ano de reclusão e 10 dias-multa, sem substituição por penas restritivas de direitos, em regime inicial semiaberto. Não houve prisão em flagrante, o réu respondeu em liberdade e o parecer ministerial é pela concessão da ordem, por atipicidade da conduta.

2. Na sessão de 10.12.2014, proferi voto pela concessão da ordem, para reconhecer a atipicidade da conduta. Em síntese, concluí que não é materialmente típico o fato que, embora enquadrável na previsão abstrata de uma norma (tipicidade formal), não traduz um desvalor da conduta e/ou do resultado relevantes para o direito penal. Essa relevância deve ser aferida a partir da proporcionalidade da resposta penal que se pretende aplicar, bem como da realidade do sistema carcerário brasileiro, reconhecidamente seletivo em relação à sua clientela.

3. Ao aplicar essas premissas, concluí que o caso concreto não tem relevo penal. Embora a conduta em questão possa ser – e seja – socialmente reprovável, considerei que o direito penal não é a ferramenta adequada, necessária e proporcional para lidar com esse tipo de problema. Poderia ser num mundo ideal, mas nas circunstâncias brasileiras entendo que o direito penal deve ser utilizado como um instrumento fragmentário, subsidiário e drástico, de que se deve lançar mão somente como ultima ratio.

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

4. O eminente Min. Teori Zavascki votou pela concessão parcial da ordem, em menor extensão. S. Exa. afirma: “é preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade em casos como o ora examinado”, já que “a alternativa de reparação civil não passa de possibilidade meramente formal, destituída de qualquer viabilidade no plano da realidade. Sendo assim, a conduta seria não apenas penalmente lícita, mas também imune a qualquer espécie de repressão estatal, a significar que, na prática, será uma conduta equivalente a uma conduta jurídica lícita e legítima, sob todos os aspectos”. Prossegue sustentando que “isso está em manifesto descompasso com os valores que, inegavelmente, permeiam o conceito social de justiça”, e acrescenta S. Exa.: “a pretexto de favorecer o agente, a imunização da sua conduta do controle estatal acabará por deixá-lo exposto a uma situação de ‘justiça privada’, com resultados imprevisíveis, provavelmente muito mais graves”. Conclui: “É justamente para situações como essa que se deve prestigiar o papel do juiz da causa”, a quem caberia individualizar a pena “em cada caso concreto”, “até porque a pura e simples uniformização de tratamento não encontra justificativa na eleição de um padrão onde a homogeneidade não existe, até pelas dimensões territoriais do país, que oferecem realidades sociais, econômicas e culturais heterogêneas e inteiramente diferenciadas”.

5. O Min. Teori Zavascki rememorou decisões anteriores de sua lavra em que, citando Zaffaroni, entendeu que em casos da espécie é preciso formular “um juízo de tipicidade conglobante”, pelo qual se deve “investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo”, de modo que “‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’”. Textualmente, afirmou S. Exa. em seu voto:

“O que resulta dessas premissas conceituais é que a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio, envolve juízo muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa, nesse juízo de tipicidade conglobante, de modo significativo, investigar o

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HC 123108 / MG

4. O eminente Min. Teori Zavascki votou pela concessão parcial da ordem, em menor extensão. S. Exa. afirma: “é preciso que o Tribunal tenha presente as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade em casos como o ora examinado”, já que “a alternativa de reparação civil não passa de possibilidade meramente formal, destituída de qualquer viabilidade no plano da realidade. Sendo assim, a conduta seria não apenas penalmente lícita, mas também imune a qualquer espécie de repressão estatal, a significar que, na prática, será uma conduta equivalente a uma conduta jurídica lícita e legítima, sob todos os aspectos”. Prossegue sustentando que “isso está em manifesto descompasso com os valores que, inegavelmente, permeiam o conceito social de justiça”, e acrescenta S. Exa.: “a pretexto de favorecer o agente, a imunização da sua conduta do controle estatal acabará por deixá-lo exposto a uma situação de ‘justiça privada’, com resultados imprevisíveis, provavelmente muito mais graves”. Conclui: “É justamente para situações como essa que se deve prestigiar o papel do juiz da causa”, a quem caberia individualizar a pena “em cada caso concreto”, “até porque a pura e simples uniformização de tratamento não encontra justificativa na eleição de um padrão onde a homogeneidade não existe, até pelas dimensões territoriais do país, que oferecem realidades sociais, econômicas e culturais heterogêneas e inteiramente diferenciadas”.

5. O Min. Teori Zavascki rememorou decisões anteriores de sua lavra em que, citando Zaffaroni, entendeu que em casos da espécie é preciso formular “um juízo de tipicidade conglobante”, pelo qual se deve “investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo”, de modo que “‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’”. Textualmente, afirmou S. Exa. em seu voto:

“O que resulta dessas premissas conceituais é que a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio, envolve juízo muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa, nesse juízo de tipicidade conglobante, de modo significativo, investigar o

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, que se traduz pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela falta de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Repetindo Zaffaroni, há de se considerar que a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa (op. cit, p. 489). Essa constatação de que a insignificância do resultado da ação não pode, por si só, afastar a tipicidade - se mostra evidente quando se considera que não passaram despercebidas ao legislador as hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas como fundamento, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade, cumpre, portanto, que se vá além da irrelevância penal a que se referiu o legislador. É indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de que se apure se o resultado dessa investigação ampliada é compatível ou não com a finalidade perseguida pelo ordenamento penal, ou, em outras palavras, se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não, quando examinado no seu contexto social, tem relevância penal. Parece certo concluir, à luz dessas premissas, que a relevância penal, em casos dessa natureza, comporta, sim, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.”

6. No que diz respeito às particularidades do caso, S. Exa. observou que o paciente é reincidente específico em crimes contra o patrimônio. Conclui concedendo a ordem parcialmente, apenas para alterar o regime inicial da pena para o aberto, nos seguintes termos:

“9. De certo modo, o juízo exercido sobre a matéria levou em consideração também a necessidade de se implementar uma política criminal - já reclamada na exposição de motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 - orientada no

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desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, que se traduz pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela falta de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Repetindo Zaffaroni, há de se considerar que a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa (op. cit, p. 489). Essa constatação de que a insignificância do resultado da ação não pode, por si só, afastar a tipicidade - se mostra evidente quando se considera que não passaram despercebidas ao legislador as hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas como fundamento, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade, cumpre, portanto, que se vá além da irrelevância penal a que se referiu o legislador. É indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de que se apure se o resultado dessa investigação ampliada é compatível ou não com a finalidade perseguida pelo ordenamento penal, ou, em outras palavras, se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não, quando examinado no seu contexto social, tem relevância penal. Parece certo concluir, à luz dessas premissas, que a relevância penal, em casos dessa natureza, comporta, sim, juízo sobre a contumácia da conduta do agente.”

6. No que diz respeito às particularidades do caso, S. Exa. observou que o paciente é reincidente específico em crimes contra o patrimônio. Conclui concedendo a ordem parcialmente, apenas para alterar o regime inicial da pena para o aberto, nos seguintes termos:

“9. De certo modo, o juízo exercido sobre a matéria levou em consideração também a necessidade de se implementar uma política criminal - já reclamada na exposição de motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984 - orientada no

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

sentido de se ‘restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere, limitando sua incidência aos casos de reconhecida necessidade. As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como (…) os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho’ (itens 26 e 27). Nessa linha de regulação, aliás, convém citar a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, que autorizou o magistrado sentenciante a proceder à substituição da pena privativa de liberdade até mesmo ao condenado reincidente não específico (CP, art. 44, § 3º).

Realmente, foge do senso de justiça colocar em situação equivalente um sentenciado por crime de pequena significação, que tenha uma condenação anterior, a uma pessoa que feriu gravemente a sociedade com a prática de estupro, de tráfico de drogas ou de latrocínio. Com razão, pois, o Ministro Relator quando afirma que ‘há situações que, embora enquadráveis no relato geral de enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico’.”

7. Deve ser louvado o resultado do voto do Min. Teori Zavascki, que mantém o paciente fora do sistema carcerário, por fixar o regime aberto, na linha do que já constava na proposta alternativa do meu voto original. Por entender que o mais importante nesta matéria não é a prevalência do meu voto, mas sim a construção de alguns critérios minimamente consensuais para aplicação do princípio da insignificância, reajusto o meu voto para acompanhar as conclusões de S. Exa., com

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HC 123108 / MG

sentido de se ‘restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere, limitando sua incidência aos casos de reconhecida necessidade. As críticas que em todos os países se tem feito à pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como (…) os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho’ (itens 26 e 27). Nessa linha de regulação, aliás, convém citar a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, que autorizou o magistrado sentenciante a proceder à substituição da pena privativa de liberdade até mesmo ao condenado reincidente não específico (CP, art. 44, § 3º).

Realmente, foge do senso de justiça colocar em situação equivalente um sentenciado por crime de pequena significação, que tenha uma condenação anterior, a uma pessoa que feriu gravemente a sociedade com a prática de estupro, de tráfico de drogas ou de latrocínio. Com razão, pois, o Ministro Relator quando afirma que ‘há situações que, embora enquadráveis no relato geral de enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico’.”

7. Deve ser louvado o resultado do voto do Min. Teori Zavascki, que mantém o paciente fora do sistema carcerário, por fixar o regime aberto, na linha do que já constava na proposta alternativa do meu voto original. Por entender que o mais importante nesta matéria não é a prevalência do meu voto, mas sim a construção de alguns critérios minimamente consensuais para aplicação do princípio da insignificância, reajusto o meu voto para acompanhar as conclusões de S. Exa., com

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

algumas breves observações.

8. A aplicabilidade ou não do princípio da insignificância a situações concretas há de ser determinada pelo juiz do caso, mais próximo dos fatos e da realidade social em que inserida a conduta. Nada obstante isso, é de bom alvitre que existam alguns critérios gerais, tendo em vista o caráter nacional do direito penal e a indesejabilidade de que situações assemelhadas sejam tratadas de modo assimétrico.

9. Tendo em vista a dinâmica assumida pelos debates em plenário, e procurando dar clareza à posição majoritária do Tribunal, propus na sessão de 03.08.2015 que se deliberasse sobre três teses ou enunciados que pudessem traduzir um consenso mínimo do Tribunal na matéria. Essas teses eram as seguintes:

1. A reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem, por si sós, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto;

2. Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto e domiciliar; e

3. Na hipótese prevista acima de aplicação de pena privativa de liberdade, a conduta que, considerada isoladamente, poderia enquadrar-se no âmbito da insignificância, e que não o foi em razão da reincidência ou da qualificação, deverá o juiz, como regra geral, substituí-la por pena restritiva de direitos, afastando-se a incidência do artigo 44, II e § 3º, do CP, que também impede essa aplicação no caso de reincidência, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade.

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HC 123108 / MG

algumas breves observações.

8. A aplicabilidade ou não do princípio da insignificância a situações concretas há de ser determinada pelo juiz do caso, mais próximo dos fatos e da realidade social em que inserida a conduta. Nada obstante isso, é de bom alvitre que existam alguns critérios gerais, tendo em vista o caráter nacional do direito penal e a indesejabilidade de que situações assemelhadas sejam tratadas de modo assimétrico.

9. Tendo em vista a dinâmica assumida pelos debates em plenário, e procurando dar clareza à posição majoritária do Tribunal, propus na sessão de 03.08.2015 que se deliberasse sobre três teses ou enunciados que pudessem traduzir um consenso mínimo do Tribunal na matéria. Essas teses eram as seguintes:

1. A reincidência ou o fato de a imputação envolver furto qualificado não impedem, por si sós, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto;

2. Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto e domiciliar; e

3. Na hipótese prevista acima de aplicação de pena privativa de liberdade, a conduta que, considerada isoladamente, poderia enquadrar-se no âmbito da insignificância, e que não o foi em razão da reincidência ou da qualificação, deverá o juiz, como regra geral, substituí-la por pena restritiva de direitos, afastando-se a incidência do artigo 44, II e § 3º, do CP, que também impede essa aplicação no caso de reincidência, por produzir resultado incompatível com o princípio da proporcionalidade.

5

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

10. A aceitação de cada um desses enunciados representaria algum grau de mudança na compreensão atual da Corte sobre o princípio da insignificância, pois, via de regra, o Tribunal vem excluindo automaticamente a aplicação do princípio em casos de reincidência, hipótese em que a pena privativa de liberdade não é substituída por restritiva de direitos e o regime inicial é fixado, no mínimo, no semiaberto, por força dos arts. 33, § 2º, c, e 44, II, III e § 3º, todos do CP.

11. Pois bem: no decorrer da votação, a maioria dos membros da Corte manifestou-se favoravelmente ao acolhimento de parte da tese 1 (relativamente à reincidência) e de parte da tese 2 (quanto ao regime aberto). Nem todos, porém, se pronunciaram de forma conclusiva quanto às hipóteses de crime qualificado (parte da tese 1), à possibilidade de adoção de prisão domiciliar (parte final da tese 2) e de substituição da pena privativa de liberdade (tese 3). De modo que a maioria dos Ministros do Tribunal entendeu expressamente que a insignificância não é automaticamente excluída pela reincidência, o que depende de justificativa à luz das circunstâncias do caso; e que, nas hipóteses de exclusão do princípio da insignificância pela reincidência, é possível a aplicação de regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade, já que o regime semiaberto seria excessivo.

12. Durante os debates, pronunciaram-se expressamente no sentido da adoção de parte da tese 1 (não afastamento automático do princípio da insignificância em razão da reincidência) e de parte da tese 2 (possibilidade de aplicação de regime aberto) os eminentes Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Celso de Mello. Os Mins. Luiz Fux e Ricardo Lewandowski se manifestaram contrariamente à tese 1 e aderiram apenas a parte da tese 2 (regime aberto), concedendo a ordem no caso. Os Mins. Dias Toffoli e Cármen Lúcia acompanharam as conclusões do Min. Teori Zavascki, sem se comprometerem, porém, com a fixação de teses. O Min. Marco Aurélio se

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HC 123108 / MG

10. A aceitação de cada um desses enunciados representaria algum grau de mudança na compreensão atual da Corte sobre o princípio da insignificância, pois, via de regra, o Tribunal vem excluindo automaticamente a aplicação do princípio em casos de reincidência, hipótese em que a pena privativa de liberdade não é substituída por restritiva de direitos e o regime inicial é fixado, no mínimo, no semiaberto, por força dos arts. 33, § 2º, c, e 44, II, III e § 3º, todos do CP.

11. Pois bem: no decorrer da votação, a maioria dos membros da Corte manifestou-se favoravelmente ao acolhimento de parte da tese 1 (relativamente à reincidência) e de parte da tese 2 (quanto ao regime aberto). Nem todos, porém, se pronunciaram de forma conclusiva quanto às hipóteses de crime qualificado (parte da tese 1), à possibilidade de adoção de prisão domiciliar (parte final da tese 2) e de substituição da pena privativa de liberdade (tese 3). De modo que a maioria dos Ministros do Tribunal entendeu expressamente que a insignificância não é automaticamente excluída pela reincidência, o que depende de justificativa à luz das circunstâncias do caso; e que, nas hipóteses de exclusão do princípio da insignificância pela reincidência, é possível a aplicação de regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade, já que o regime semiaberto seria excessivo.

12. Durante os debates, pronunciaram-se expressamente no sentido da adoção de parte da tese 1 (não afastamento automático do princípio da insignificância em razão da reincidência) e de parte da tese 2 (possibilidade de aplicação de regime aberto) os eminentes Ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Celso de Mello. Os Mins. Luiz Fux e Ricardo Lewandowski se manifestaram contrariamente à tese 1 e aderiram apenas a parte da tese 2 (regime aberto), concedendo a ordem no caso. Os Mins. Dias Toffoli e Cármen Lúcia acompanharam as conclusões do Min. Teori Zavascki, sem se comprometerem, porém, com a fixação de teses. O Min. Marco Aurélio se

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Retificação de Voto

HC 123108 / MG

manifestou em sentido contrário às teses 1 e 2.

13. Diante do exposto, ressalvando meu entendimento pessoal quanto à atipicidade da conduta, e na linha da proposta alternativa que já constava do meu voto original, reajusto meu voto para acompanhar as conclusões a que chegou o Min. Teori Zavascki, concedendo a ordem de ofício apenas para alterar o regime inicial de cumprimento da pena do paciente para aberto, e traduzindo o entendimento manifestado pela maioria dos membros do Tribunal nas seguintes proposições objetivas:

1. A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e

2. Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.

14. É como voto.

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HC 123108 / MG

manifestou em sentido contrário às teses 1 e 2.

13. Diante do exposto, ressalvando meu entendimento pessoal quanto à atipicidade da conduta, e na linha da proposta alternativa que já constava do meu voto original, reajusto meu voto para acompanhar as conclusões a que chegou o Min. Teori Zavascki, concedendo a ordem de ofício apenas para alterar o regime inicial de cumprimento da pena do paciente para aberto, e traduzindo o entendimento manifestado pela maioria dos membros do Tribunal nas seguintes proposições objetivas:

1. A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e

2. Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.

14. É como voto.

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Confirmação de Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor

Presidente, peço só licença para registrar que, nada obstante tenha

haurido importantes lições de todos os debates, ainda que seja

absolutamente isolado, mantenho o meu posicionamento pelo não

conhecimento das três impetrações. Irei juntar o voto nessa direção.

* * * * *

Supremo Tribunal Federal

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor

Presidente, peço só licença para registrar que, nada obstante tenha

haurido importantes lições de todos os debates, ainda que seja

absolutamente isolado, mantenho o meu posicionamento pelo não

conhecimento das três impetrações. Irei juntar o voto nessa direção.

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Confirmação de Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mantenho, “data venia”, Senhor Presidente, a minha posição.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167994.

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03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mantenho, “data venia”, Senhor Presidente, a minha posição.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 10167994.

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Confirmação de Voto

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, eu mantenho também o meu voto, concedo a ordem, como concedia o Ministro Luís Roberto, no Habeas Corpus nº 123.108, e concedo de ofício a ordem no HC nº 123.533. No HC nº 123.734, eu não conheço do habeas corpus, porque ele é substitutivo de recurso extraordinário, e não concedo a ordem de ofício. Então, com relação a esse terceiro caso, eu acompanho o voto do Ministro Fachin.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Não conhece. E, no 123, Vossa Excelência, pela minha anotação, concedia a ordem?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Sim, concedia de ofício.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - E no 123.108, pela minha anotação, Vossa Excelência também concedia a ordem.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - No primeiro, eu conheço do habeas corpus e concedo a ordem. No segundo, eu não conheço e concedo a ordem de ofício. Era o voto do Ministro Luís Roberto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E, no terceiro, simplesmente não conhece?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não conheço.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Não conhece, então, no 123.108, não conhece e concede de ofício e, no último, simplesmente não concede.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9521872.

Supremo Tribunal Federal

03/08/2015 PLENÁRIO

HABEAS CORPUS 123.108 MINAS GERAIS

CONFIRMAÇÃO DE VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, eu mantenho também o meu voto, concedo a ordem, como concedia o Ministro Luís Roberto, no Habeas Corpus nº 123.108, e concedo de ofício a ordem no HC nº 123.533. No HC nº 123.734, eu não conheço do habeas corpus, porque ele é substitutivo de recurso extraordinário, e não concedo a ordem de ofício. Então, com relação a esse terceiro caso, eu acompanho o voto do Ministro Fachin.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Não conhece. E, no 123, Vossa Excelência, pela minha anotação, concedia a ordem?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Sim, concedia de ofício.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - E no 123.108, pela minha anotação, Vossa Excelência também concedia a ordem.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - No primeiro, eu conheço do habeas corpus e concedo a ordem. No segundo, eu não conheço e concedo a ordem de ofício. Era o voto do Ministro Luís Roberto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - E, no terceiro, simplesmente não conhece?

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Não conheço.O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI

(PRESIDENTE) - Não conhece, então, no 123.108, não conhece e concede de ofício e, no último, simplesmente não concede.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 9521872.

Inteiro Teor do Acórdão - Página 177 de 179

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Extrato de Ata - 03/08/2015

PLENÁRIOEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem, o julgamento foi suspenso. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux, e, nesta assentada, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público Federal. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.12.2014.

Decisão: Retificada a proclamação da assentada anterior para constar que o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. Em seguida, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto ora reajustado do Ministro Roberto Barroso (Relator), denegou a ordem, mas concedeu habeas corpus de ofício para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena, vencidos, parcialmente, a Ministra Rosa Weber e o Ministro Celso de Mello, que concediam a ordem, e integralmente vencidos o Ministro Edson Fachin, que não conhecia do habeas corpus, e o Ministro Marco Aurélio, que denegava a ordem. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes

à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira DuarteAssessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal

PLENÁRIOEXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 123.108PROCED. : MINAS GERAISRELATOR : MIN. ROBERTO BARROSOPACTE.(S) : JOSÉ ROBSON ALVESIMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOPROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERALCOATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por indicação do relator, deslocou o julgamento do habeas corpus ao Plenário. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 5.8.2014.

Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), concedendo a ordem, o julgamento foi suspenso. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux, e, nesta assentada, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Falou, pelo paciente, o Dr. João Alberto Simões Pires Franco, Defensor Público Federal. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 10.12.2014.

Decisão: Retificada a proclamação da assentada anterior para constar que o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. Em seguida, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto ora reajustado do Ministro Roberto Barroso (Relator), denegou a ordem, mas concedeu habeas corpus de ofício para fixar o regime aberto para o cumprimento da pena, vencidos, parcialmente, a Ministra Rosa Weber e o Ministro Celso de Mello, que concediam a ordem, e integralmente vencidos o Ministro Edson Fachin, que não conhecia do habeas corpus, e o Ministro Marco Aurélio, que denegava a ordem. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.08.2015.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes

à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.

Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

p/ Fabiane Pereira de Oliveira DuarteAssessora-Chefe do Plenário

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 178 de 179

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Extrato de Ata - 03/08/2015

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