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Biografia Djalma GuimarãesTRANSCRIPT
Síntese Histórica A trajetória de Djalma Guimarães
Gabriela Dias de Oliveira Suely Aparecida Ribeiro Monteiro
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
1
Sumário 1. Apresentação.............................................................................. 2 2. Breve esboço biográfico................................................................ 2 3. Djalma Guimarães e a sua ciência.................................................. 7 4. O cientista no cotidiano............................................................... 12 5. Entre a memória e a história: a trajetória de Djalma Guimarães....... 16 6. Bibliografia ................................................................................20 7. Anexos .....................................................................................21
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1. Apresentação
O objetivo do presente trabalho é apresentar a trajetória do cientista
Djalma Guimarães, abordando suas principais contribuições para a
geologia e as demais ciências da terra. Nesse sentido, buscar-se-á
demonstrar como o seu cotidiano, as suas experiências e a sua vivência
familiar foram decisivas na formação acadêmica e intelectual de nosso
personagem. Como todo cientista de grande projeção, Djalma Guimarães
arregimentou um séquito e foi celebrado por suas descobertas e
colaborações para o campo, mas também foi alvo de críticas contundentes
no meio acadêmico e profissional. Assim, a nossa proposta não se centra
em demonstrar a vida pública de Djalma Guimarães como um cientista
exponencial e com idéias avançadas para o seu período de atuação.
Considerando a importância de sua trajetória profissional, pretendemos
também apontar aspectos da sua vida privada, contextualizando o
cientista em seu tempo e como produto de seu meio social.
2. Breve esboço biográfico
Princípe dos geólogos. Essa foi a expressão criada por Madame Curie,
numa clara demonstração de reverência e tributo, para descrever Djalma
Guimarães, aclamado cientista do século XX. Engenheiro por formação,
Djalma Guimarães desenvolveu trabalhos nas áreas da petrografia,
petrologia, petroquímica, geologia e em muitas outras, nas quais era
autodidata.
Nascido no limiar da República brasileira, em 5 de novembro de
1894, os valores positivos e liberais, pilares da nova ordem política do
país, tornaram-se, do mesmo modo, constituintes na formação intelectual,
profissional e familiar de nosso personagem. Natural de Santa Luzia,
importante vila durante o ciclo do ouro em Minas Gerais, Djalma
Guimarães iniciou a sua formação acadêmica na então capital federal, Rio
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de Janeiro, onde estudou no Colégio Pedro II, tradicional instituição de
ensino público no país, fundada durante o período regencial no Império. O
referido colégio destaca-se no cenário nacional pela lista de seus ilustres
professores como Capistrano de Abreu, Heitor Villa-Lobos e Sílvio Romero
e alunos como Afonso Arinos e Manuel Bandeira.
Anos mais tarde, regressou para Minas Gerais e matriculou-se no
curso preparatório da Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP). Escola essa
que ingressou em 1913 e na qual realizou a sua formação geral, como
engenheiro civil e de minas.
A Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 12 de outubro de
1876, foi fruto de um projeto idealizado pelo Imperador Pedro II e
elaborado pelo geólogo francês Claude Henry Gorceix, que veio ao Brasil à
convite do monarca. Em linhas gerais, a função da nova escola deveria ser
o levantamento das riquezas de Minas Gerais e do Brasil e o consequente
desenvolvimento da mineração e da siderurgia no país. 1 O
aperfeiçoamento do ensino, da ciência e da tecnologia eram também
fatores preponderantes nessa instituição mas, antes de tudo, as bases de
sua criação estiveram alicerçadas em um vontade política, como observou
o historiador José Murilo de Carvalho.2 Nesse sentido, a Escola de Minas
de Ouro Preto priorizava a pesquisa empírica em contaposição à cultura
livresca. Não obstante, nos seus anos iniciais, poucos alunos se dedicaram
a ocupações típicas de engenheiros de minas, metalurgistas ou geólogos,
pois as maiores minerações daquele período eram de propriedade inglesa,
as quais não ofereciam oportunidade de emprego para os brasileiros.
Deste modo, apenas os alunos mais inclinados aos estudos se dedicaram à
pesquisa científica, com os quais teve origem a primeira geração de
geólogos brasileiros.3
As histórias de Claude Henry Gorceix e Djalma Guimarães não se
cruzam apenas na EMOP e na trajetória profissional. Gorceix casou-se com
1 CARVALHO, José Murilo. A Escola De Minas de Ouro Preto: O peso da glória. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 19. 2 Ibidem, passim. 3 Ibidem, p. 21.
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Constança, tia paterna de nosso personagem. Outras de suas tias também
veiram a desposar-se com grandes personalidades da geociência: Maria
Canuta casou-se com Paul Ferrand e Elisa com João Pandiá Calógeras.4
Provavelmente, grandes influências na escolha da carreira profissional de
Djalma Guimarães. Dentre os seus familiares, figuras importantes no
cenário político e intelectual, destacamos ainda o seu tio avô, Bernardo
Guimarães, afamado escritor, que tem entre suas obras mais populares o
romance O Garimpeiro.
Djalma Guimarães graduou-se em 1919 na EMOP, nessa ocasião foi
agraciado com uma viagem pela Europa, prêmio concedido ao aluno
destaque daquele ano. Ficou lisongeado com o prêmio, porém o convite
foi declinado. O nosso personagem acreditava que era hora de se
embrenhar no universo profissional e, logo após a sua formatura, retornou
ao Rio de Janeiro para trabalhar como engenheiro civil, campo que
naquele período absorvia a maior parte dos engenheiros da EMOP. No
início da carreira atuou como engenheiro-chefe do tráfego da estrada de
ferro de Teresópolis e associou-se com Roberto Simonsen para construir
uma via de ligação entre os bairros cariocas Botafogo e Flamengo, a
Avenida Rui Barbosa.
Casou-se em 1920 com Rute Teixeira, sua prima, com quem teve 4
filhos: Luiz Raul Guimarães (1922), Eva Guimarães (1923), Luciano
Teixeira Guimarães (1924) e João Pandiá Guimarães (1926), esse último
recebeu o nome em homenagem ao seu tio por afinidade, João Pandiá
Calógeras, com quem mateve estreito laços de afetividade e um dos
grandes responsáveis por sua formação profissional.
Em 1921 Djalma Guimarães abandona as atividades como
engenheiro civil e passou a trabalhar como auxiliar químico no Serviço
Geológico e Mineralógico do Brasil. Dois anos mais tarde foi admitido por
concurso na mesma instuição como petrográfo. É nesse período que
4 <http://www.geocities.com/Athens/Olympus/3583/gorceix.htm> Acesso em 15/10/2008.
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Djalma Guimarães inicia a sua produção científica e começa a destacar-se
no campo da geologia.
Ainda no Rio de Janeiro, foi convidado em 1932 para organizar o
Serviço Geológico do Estado de Minas Gerais, posteriormente Serviço de
Produção Mineral. Na década de 1930 recebeu outras nomeações como
servidor público e ajudou a criar a Escola de Ciências da Universidade do
Distrito Federal, atual UFRJ, na qual organizou o curso e ministrou aulas
de geologia.
Regressou para Minas Gerais em 1938, à epoca para trabalhar como
diretor da mina de ouro Juca Vieira, em Caeté. Posteriormente foi
consultor técnico e diretor da Companhia de Brasileira de Mineração. Em
1944, com a criação do Instituto Tecnológico Industrial (ITI), assumiu a
direção do setor de geologia e geoquímica dessa instituição. Durante a sua
atuação no ITI, o nosso personagem realizou importantes descobertas que
o projetaram no cenário da geologia internacional.
Foi membro de inúmeras associações científicas nacionais e
internacionais. Dentre essas associações, detacamos a Sociedade
Brasileira de Geologia, fundada em 1946, da qual Djalma Guimarães foi o
seu primeiro presidente.
A memória de Djalma Guimarães ficou assinalada por suas
pesquisas na área da geologia. Contudo, sua preocupação como estudioso
da geociência não se limitava às questões relativas a descobertas e o
aprimoramento tecnológico do campo. Compreendendo a ciência de modo
mais amplo, o nosso personagem ultrapassou as paredes do seu
laboratório e, com certo engajamento, colaborou nas discussões que
envolviam a profissionalização da geologia e o ensino de ciências no Brasil,
temas esses que vieram a ser tratados em seus artigos. Nesse sentido, os
aspectos que se tornaram temas centrais da trajetória de nosso
personagem – pesquisa, ensino e profissionalização – foram contemplados
em sua contribuição para a criação do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ainda nos dias atuais,
uma das maiores intituições de fomento a pesquisa no Brasil.
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Em suas diferentes frentes de atuação, Djalma Guimarães recebeu
todos os prêmios concedidos a seus pares naquele período: Prêmio José
Giorgi da USP; medalhas de ouro Orvile Derby e José Bonifácio Andrada e
Silva e Medalha da Inconfidência. Foi ainda eleito Professor Doutor
Honoris Causa pela Ufop e pela Universidade de Lisboa.5
A sua prática científica foi amplamente celebrada durante toda a sua
trajetória, com homenagens tradicionais no meio acadêmico, passando
mesmo pelas poucos convencionais para um homem de ciência, como a
do poema abaixo, escrito por Moacyr Lisboa:
Mago do micróscopio, apóstolo das ciências, cuja vida é estudar as massas cristalinas, é cruzar os nicoes, medir as birrefrigências, ver as franjas de BECK os índices das Andesinas... Traballhos publicou sobre as subsidencias, As granitizações, as rochas alcalinas, O ouro de Cuité e de outras ocorrências, sobre a rocha matriz dos diamantes de Minas. É um mestre consagrado; e, em sua bibliografia, mostra-nos a cultura em sã filosofia na linguagem precisa em que o gênio palpita... Dos nossos minerais um merece menção porque tanto me lembra o mestre como o irmão: é um novo tantalato e o nome é DJALMAITA
Em 1974, pouco após a sua morte, ocorrida em 10 de outubro de
1973, por iniciativa de familiares, amigos e com o apoio da prefeitura de
Belo Horizonte, a cidade foi contemplada com um museu dedicado à
mineralogia, cuja maior parte do acervo teria pertencido à antiga Feira
Permanente de Amostras. O museu recebeu o nome de Djalma Guimarães,
uma homenagem à sua contibuição no campo da geociência.
O Museu de Mineralogia Djalma Guimarães (MMDG) situado à Praça
da Liberdade, no excêntrico prédio popularmente conhecido como Rainha
da Sucata, tem a guarda de grande volume de trabalhos do cientista. No
5 MARCIANO, Vitória Régia Péres da Rocha Oliveiros. “Um mestre que amava a Terra”. Revista Diversa, n. 11, mai. 2005. <http://www.ufmg.br/diversa/11/artigo4.html> Acesso em 04/10/2008.
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Museu há um pequeno espaço dedicado à memória de Djalma Guimarães,
no qual estão em exposição objetos, livros, amostras de minerais
descritas pelo cientista e outras nomeadas em sua homenagem: a
Djalmaita e Guimarãesita.
3. Djalma Guimarães e sua ciência
Pesquisador ávido, Djalma Guimarães produziu compulsivamente
nos anos dedicados ao trabalho e à pesquisa em geologia. Tamanha
produção científica acabou por gerar contradições sobre os números de
trabalhos que publicou. O certo é que a quantidade é expressiva, em
média 240, sendo que em alguns casos, encontramos referências que
esse número ultrapasse a casa das 3 dezenas. Entre livros, artigos,
conferências e discursos, Djalma Guimarães colaborou incisivamente para
o desenvolvimento da geologia no Brasil, colocando o país em evidência
no cenário internacional. Trouxe à tona muitas descobertas, criou e
questionou teorias aceitas e tornou-se um exímio escritor, publicando para
seus pares e para o mundo, os seus experimentos e os resultados de suas
pesquisas. Alguns dos seus trabalhos ainda permanecem inéditos, os
quais se encontram sob a guarda do MMDG.
Sua experiência foi compartilhada com alunos de diversas intituições
para as quais lecionou, como a Universidade do Distrito Federal,
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Escola de Minas de Ouro
Preto. De acordo com o afamado livro organizado por Fernando Azevedo,
As Ciências no Brasil, Djalma Guimarães, seja em sua atuação como
professor ou pesquisador, contribuiu decisivamente para a formação de
um grupo de geociência em Minas Gerais.6
6 As Ciências no Brasil, livro organizador pelo educador e bacharel em direito Fernando Azevedo, foi publicado pela primeira vez em 1956 e tornou-se um marco da história da ciência do país. AZEVEDO, Fernando (org). As Ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994. 2v.
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Nas suas pesquisas sobre os minerais, o microscópio tornou-se
ferramenta inseparável e obrigatória, tanto que chegou a ser denominado
como o sábio do microscópio. Segundo nos relatou o seu neto Milton
Guimarães Bueno Prado, poucos dias antes de falecer, Djalma Guimarães
havia encomendado um novo micróscópio para o seu laboratório, mas em
virtude de seu estado de saúde e, por sua consequente internação
hospitalar, não chegou a usufruir do benefícios do instrumento. Teria
então solicitado que o microscópio fosse levado ao hospital, pedido que foi
negado, pois sua saúde carecia de cuidados e, por ordem médica,
permaneceu aqueles dias em absoluto repouso.
Como nos lembra Manoel Teixeira da Costa, geólogo e primo de
Djalma Guimarães, o nosso personagem era um homem aficionado por
seu trabalho, sendo sua memória frequentemente associada à sua prática
científica.
O relacionamento de Djalma Guimarães com as rochas, ultrapassava de muito, a corriqueira intimidade que a maioria dos naturalistas mantém com os elementos da natureza. (...) Seu laboratório, foi sempre, para ele, aquela Pasárgada do poeta, à beira de cujo rio, as rochas vinham lhe contar as suas estórias.7
Conforme relatou os Srs. Cláudio Vieira Dutra e Antônio de Pádua
Vianna Clementino, a imagem de Djalma Guimarães ficaria marcada no
meio acadêmico por uma polêmica com o também geólogo Otávio Barbosa,
acerca da Teoria da Granitização.
O nosso personagem iniciara as suas pesquisas sobre a gênese das
rochas graníticas no final da década de 1920. O resumo dessas idéias foi
publicado na Alemanha, em 1938, sob o título de Das problem der
Granitbildung. Por ter sido publicado concomitantemente ao trabalho de H.
G. Backlund, as pesquisas reacederam o debate em torno da origem das
rochas, por conseguinte, contribuindo para que Djalma Guimarães ficasse
conhecido como um dos pais da Teoria da Granitização.8
7 COSTA, Manoel Teixeira da. “A obra de Djalma Guimarães”. Revista da Escola de Minas, s.d., p. 6-8. 8 Sobre a Teoria da Granitização e a contribuição de Djalma Guimarães, ver: LIMA, Gelson Rangel; DOMINGUES, Alfredo J. Porto. “Estrutura Geral do Globo”. In: Curso de
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Se a Teoria da Granitização o projetou internacionalemente, Djalma
Guimarães foi também alvo de inúmeras críticas, inclusive de cientistas
brasileiros. E foi em torno desse tema que ocorreu o desentendimento
com Otávio Machado. O geólogo, em tese defendida na USP, colocava em
dúvida as proposições defendidas por nosso personagem. Fato esse que
estremeceu a amizade entre eles e impulsionou Djalma Guimarães a
defender veementemente a sua teoria no artigo intitulado O primeiro
crítico brasileiro da teoria da granitização. Após esse evento, o nosso
personagem ficaria marcado como uma figura ranzinza e contundente, o
que de acordo com os amigos e familiares, não correspondia à realidade.
Tendo a geociência por arcabouço, o nosso personagem ousou
transitar por outras áreas e estabelecer um diálogo com outros campos do
conhecimento. Para exemplificar, podemos citar o seu estudo sobre os
diferentes componentes presentes na alimentação humana, tais como
cobalto, cobre e zinco, e a interação metabólica entre esses elementos e a
vida. Esse estudo foi uma grande novidade no período, mesmo porque a
medicina ortomolecular ainda não estava em voga. A compilação dessa
pesquisa foi publicada em 1949, com o título de As forças propulsoras da
vida e a geoquímica.9
Ainda na área da geoquímica, publicou trabalhos sobre a
metalogênese. O primeiros deles foi divulgado apenas no exterior, Mineral
deposits of magmatic origin, cujo resumo foi também publicado na
renomada revista Economic Geology. Essa nova teoria foi aceita e incluída
na disciplina de Geologia Econômica de vários cursos de geologia dos
Estados Unidos.10
O olhar arguto do cientista, pelas lentes do seu micróscópio de
polarização, permitiu que ele descrevesse 4 novos minerais: eschwegeita,
Geografia para Professores do Ensino Superior. s. l., Ministério do Planejamento e Coordenação Geral; Instituto Brasileiro de Geografia, 1970. <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/CursodeFerias/Curso%20de%20geografia%20para%20prof%20do%20ensino%20superior%20jan%201970_n16.pdf> Acesso em 05/10/2008. 9 GUIMARÃES, Luiz Raul. Entrevista com Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 21 de outubro de 2008. 10 MARCIANO, op. cit.
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10
arrojadita, pennaíta e geannettita, nome dado em homenagem aos
geólogos Barão von Eschwege, Arrojado Lisboa, Santos Penna e ao
engenheiro Renê Giannetti, respectivamente. Descreveu também 2
metereoritos: o primeiro, juntamente com Luciano Jacques de Moraes,
recolhido em Serra do Magé (PE) no ano de 1927, e o segundo, em 1958,
coletado no córrego do Areado, Patos de Minas (MG).11
Na área de mineralogia, realizou estudos em diversas regiões de
Minas Gerais, como a análise dos pegmatitos em São João Del Rey e do
ferro e do manganês no centro do Estado. À Djalma Guimarães é atribuído,
juntamente com Otávio Machado, a confecção, até então, mais completa e
detalhada do mapa geológico de Minas Gerais. 12 Ampliando as suas
pesquisas para outras regiões do Brasil, estudou os depósitos de
cassiterita em Roraima e a magnetita em Santa Catarina, entre tantos e
tantos outros estudos.
Todavia, as suas maiores contribuições transcederam o campo da
ciência e tiveram reflexos na economia e no cotidiano da sociedade.
Dentro dessa perspectiva, ressaltamos as suas descobertas na região do
Barreiro de Araxá: as jazidas de apatita (fosfato) e pirocloro (nióbio).
No que tange à reserva de apatita, o seu valor econômico e sua
relevância, importante destacar o fosfato na sua composição e a produção
de fertilizantes a partir dessa matéria-prima. Segundo nos relatou o
químico Cláudio Vieira Dutra e o engenheiro Antônio de Pádua Vianna
Clementino, ambos assistentes de nosso personagem à época de sua
direção no ITI, o adubo era o grande problema que se colocava para o
crescimento da agricultura mineira em meados do século XX. Djalma
Guimarães tinha consciência da importância de sua descoberta e, em
1946, publicou o artigo Fertilizantes; problema de sobrevivência, no qual
estabelecia relações entre a sua pesquisa científica, o cotidiano da
sociedade e a economia. Destarte, a descoberta dessa jazida veio de
encontro com as expectativas tanto científicas quanto políticas. A patente
11 Ibidem. 12 Um exemplar desse mapa encontra-se no acervo de Djalma Guimarães no MMDG.
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da produção de fertilizantes e os direitos de exploração das jazidas
ficaram sob a tutela do Estado. Durante o governo de Juscelino Kubitschek,
criou-se a Fertisa, empresa estatal encarregada da produção de
fertilizantes para a prosperidade da lavoura mineira.
Outra importante contribuição, também dentro das perspectativas
acima descritas, foi a descoberta do maior depósito de nióbio do mundo.
Depósito esse que, segundo os especialistas, tendo por base o consumo
atual, supriria as necessidades da humanidade por mais de 5 séculos.
Embalado pelo discurso pós Segunda Guerra Mundial, pelas
pesquisas e a corrida por materiais radioativos, Djalma Guimarães ao
procurar por urânio acabou encontrando uma grande jazida de pirocloro,
abundante em nióbio, no município de Araxá. As diferentes utilidades do
nióbio na indústria transformaram a ocorrência desse metal num grande
atrativo econômico. Na ocasião da descoberta do nióbio, Djalma
Guimarães já sabia de seu valor, tanto que ressaltou em seu relatório:
Os impulsos dado, nestes últimos anos, à fabricação de aviões a jato, armas modernas de tiro rápido, couraça de navios e submarinos resistentes à corrosão, determinou uma verdadeira “fome de nióbio” nos países industrialmente desenvolvidos.13
Nesse mesmo relatório, o cientista ressaltou que as jazidas de nióbio
encontradas em outros países até então tinham baixo teor do metal, se
comparados à jazida de Araxá. A jazida de nióbio de Araxá possui ainda
grande valor econômico e atualmente é explorada pela Companhia
Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Essa instituição mantém na
cidade do triângulo mineira uma fundação com o nome de Djalma
Guimarães, onde pode-se encontrar parte do acervo do cientista.
Em virtude da amplitude da produção científica de nosso
personagem, é impossível elencá-la neste texto. Para alguns geólogos, os
trabalhos de Djalma Guimarães são tantos que apenas a sua leitura
demoraria um tempo incomensurável. Djalma Guimarães publicou
praticamente em todas as áreas da geologia – geologia econômica, 13 GUIMARÃES apud CASTRO, José de. “O descobridor de nióbio de Araxá. Jornal da CBMM, s. l., s. d., p.9.
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geoquímica, geodinâmica, mineralogia, metalogênese, petrogênese,
tecnologia mineral, cronogeologia, petrologia e petrografia. As pesquisas
de nosso personagem demonstram a sua versatilidade, entretanto, é
consensual que as suas maiores contribuições foram nos estudos de
petrologia, pincipalmente em petrogênese, cujos trabalhos ganharam
maior repercussão no cenário científico.14
4. O cientista no cotidiano
Apesar de sua ampla produção intelectual e científica, dos extensos
trabalhos e da pesquisa intermitente, Djalma Guimarães sabia dividir o
seu tempo entre as atividades pofissionais e a convivência familiar. Ao
menos, essa é a percepção dos seus familiares sobre a figura de nosso
personagem. Ainda que fosse grande as suas resposabilidades e suas
ocupações no âmbito do trabalho, Djalma Guimarães esteve sempre
presente em casa para a esposa, os filhos e os amigos. Descrito como
uma pessoa serena, dotada de um humor inteligente e sarcástico, essa
visão era também compartilhada por muitos de seus companheiros de
profissão, como nos relata Dutra e Clementino.15
Djalma Guimarães era um marido dedicado e pai afável. Apreciava
as brincadeiras infantis e divertia-se nas festas familiares com as crianças.
Era fanfarrão, mas de pouca conversa, lembra seu filho Luiz Guimarães,
que diz sentir-se privilegiado por ter merecido atenção especial do seu
progenitor durante toda a sua vida. Os diálogos sobre geologia eram
reservados àqueles que demonstravam entendimento e interesse sobre o
assunto. Com os demais, as respostas eram sempre curtas e evasivas.
Para as crianças, oferecia as respostas conforme o seu entendimento. 14 Petrologia:ramo da geologia que trata da origem, ocorrência, estrutura e história das rochas. Petrogênese: ramo da petrologia que estuda a origem e formação das rochas. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. 15 DUTRA, Cláudio Vieira; CLEMENTINO, Antônio de Pádua Vianna. Entrevista com Gabriela Dias de Oliveira e Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 7 de novembro de 2008.
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13
Cientista de laboratório, o nosso personagem era pouco afeito às
viagens de campo. Segundo os depoimento dos entrevistados, em raras
ocasiões Djalma Guimarães desclocou-se para viagens de trabalho e,
quando o fazia, estava sempre alinhado, trajando terno. A indumentária
de prospecção era finalizada com galochas, pois não havia como substituí-
las por sapatos refinados. Cabia aos seus auxiliares a coleta dos materiais
que o nosso personagem analisaria, essa prática, além de demostar a sua
capacidade de gerenciamento, certamente contribuiu para que sua
presença fosse constante em seu lar.
Apreciador de música clássica e ópera, “gostava também muito de
vinho, casa cheia, farra e mesa farta”, lembra seu neto. Era um
telespectar inveterado de filmes de Guerra e Bang Bang. Leitor ávido de
Eça de Queirós, Machado de Assis e Júlio Verne, esses literatos
influenciaram fortemente o seu trabalho. Principalmente o primeiro, cujo
livro Os Maias e o conceito de circulação da matéria nele presente, lhe
inspirariam escrever a obra Metalogênese e a Teoria Migratória dos
Elementos, em 1938.16 Sua apropriação literária em face da ciência é um
bom exemplo para demonstrar como as atividades do dia-a-dia do
cientista interferiam em sua prática profissional.
Dizia-se apolítico, no entanto tinha consciência de que a ciência não
era um campo autônomo, idependente da esfera política. 17 Mas ao
contrário, as suas atividades como cientista estavam subordinadas à
questões inerentes à política. Um exemplo simples, e que ilustra bem esse
fato, é a sua preocupação com a importação de um material da Alemanha,
indispensável para a exploração do ouro na mina Juca Vieira, a qual
administrava. Prestes a eclodir a Segunda Guerra Mundial, sabia que o
seu trabalho estava fadado ao fracasso, caso não conseguisse a
importação do material antes da deflagração do conflito.
16 GUIMARÃES, Djalma. Eça de Queirós em face da ciência, s. l., s. d. 17 Bourdieu considera o campo científico um campo social como qualquer outro, sujeito às relações de força, disputas e estratégias. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2003.
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14
Para um homem que se apresentava como apolítico, interessante
observar a presença e a influência de figuras importantes da política
Imperial e Republicana em sua trajetória. Desde seu avó materno, o
senador Manuel Teixeira da Costa, até Pandiá Calógeras, grande influência
em sua formação, em especial, na área de geologia econômica.18 Embora
não fosse apreciador do tema, fazia questão de manter-se bem informado
sobre o assunto e não dava evasivas quando chamado a opinar sobre
essas questões.
No que tange à religião, era agnóstico por convicção. Conforme
lembra seu filho Luiz Guimarães, a sua própria formação científica e a
influência de valores positivos e liberais em sua trajetória, contribuíram
para o seu ceticismo. Se não tinha fé ou não possuía crenças, procurou
também não persuadir as escolhas pessoais de seus parente e amigos.
Apesar desses traços em sua personalidade, Djalma Guimarães não
fazia oposição às diretrizes políticas e religiosas daqueles que a ele
estiveram ligados, seja por laços sangüineos ou de afinidade.
Dentre as muitas facetas da intimidade de Djalma Guimarães, uma
chama atenção por sua irreverência: o nosso personagem mantinha uma
sombria e asssustadora imagem de um demônio sobre a mesa de seu de
escritório. Numa clara relação com o seu trabalho, o nosso personagem
nomeou a imagem com o nome de Menfistofeles, ser habitante das
profundezas da Terra e constituído por magma, de acordo com a mitologia.
Segundo os relatos, tratava-se de uma imgem de proporções grandes,
toda vermelha, com direito a capa e tridente.19
Com aqueles que tinha pouca afeição, num tom de irreverência,
dizia-se tratar de seu protetor e colocava a imagem em evidência, tal
18 João Pandiá Calógeras, engenheiro, geólogo e político. Foi Ministro da Agricultura durante o governo de Venceslau Brás e Ministro da Fazenda e da Guerra durante o governo de Epitácio Pessoa. Era casado com uma tia paterna de Djalma Guimarães, Elisa. Manteve uma relação bastante próxima como o cientista, não teve filhos e o escolheu como seu herdeiro. 19 DUTRA, Cláudio Vieira; CLEMENTINO, Antônio de Pádua Vianna. Entrevista com Gabriela Dias de Oliveira e Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 7 de novembro de 2008.
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atitude sempre “afastava as pessoas que iam procurar emprego ou
favores com Djalma”, lembra seu filho.20
Na casa de Djalma Guimarães havia um espaço reservado para o
seu escritório, onde o cientista passava horas a fio trabalhando. O seu
neto, Milton Prado, guarda boas recordações desse local. Segundo as suas
descrições, era um quarto com uma mesa próxima à janela para que o
nosso personagem pudesse aproveitar a luz natural nas observações em
seu indefectível microscópio. Suas anotações eram realizadas em uma
máquina de escrever que ele mantinha no canto da mesa, colocando-a à
sua frente quando se fazia necessário utilizá-la. Ainda segundo Milton
Prado, a sua datilografia não era tão produtiva quanto os seus trabalhos
científicos.
Nesse quarto/escritório havia ainda uma cama e uma televisão. Era
nessa cama que o neto dormia quando criança, durante as férias escolares
que passava junto aos avós. Nessas ocasiões, Milton Prado assistia filmes
com seu avô à noite e lembra-se de ter sido acordado algumas vezes no
meio da madrugada por sua avó, D. Rute, ao levar um lanche para o
marido, que insistia em trabalhar madrugada afora quando tinha algumas
idéias. Entre livros e lâminas, Djalma parecia se divertir em seu labor,
tanto que o seu espaço de trabalho domiciliar nunca foi fechado ou
restrito aos filhos e netos. Com o seu bom humor que o caracterizava,
segundo ainda Milton Prado, as crianças podiam entrar e até mexer nos
objetos sem que isso o deixasse consternado, aliás, o entrevistado revelou
nunca se lembrar de ter visto o avô enraivecido, para ele, Djalma
Guimarães sempre manteve uma postura leve, brincalhona e espontânea.
Entre as muitas curiosidades da vida privada de Djalma Guimarães,
está o convite para trabalhar na Alemanha nazista. Convite este que o
nosso personagem não só recusou, como colocou-se a ajudar os
refugiados da Guerra, muitos dos quais eram geólogos e com eles
desenvolveu diversos trabalhos.
20 PRADO, Milton Guimarães Bueno. Entrevista com Gabriela Dias de Oliveira e Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 28 de outubro de 2008.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
16
Djalma Guimarães deixou uma extensa biblioteca, que em grande
parte foi recuperada pelo seu neto e também geólogo Milton Prado. A
maior parte dos livros eram técnicos, de temas relativos à geologia. Em
suas estantes também se encontravam obras de seus escritores preferidos,
acima mencionados, além de livros de descobertas em outras áreas do
conhecimento. Livros de história das guerras e das civilizações também se
faziam presentes, além de uma coleção da revista francesa Histoire. Parte
preservada dessa biblioteca foi doada para Geosol, empresa do ramo
geológico que criou o espaço Djalma Guimarães para receber esse acervo.
Outra parte do acervo público do cientista foi também para a CBMM,
empresa que mantém uma fundação com o seu nome. Não obstante, a
maior parte de seu acervo do nosso personagem encontra-se sob a
guarda do MMDG.
5. Entre a memória e a história: a trajetória de Djalma
Guimarães
Ainda que muito celebrado por sua extensa e diversificada produção
científica, Djalma Guimarães não é uma unanimidade dentro da geociência.
Essa afirmação que, para seus admiradores, poderia ser percebida como
um desprestígio à sua imagem, é aqui entendida como um fenômeno
natural no campo científico, afinal o conhecimento é produto de
interlocuções, mas também de embates e polêmicas. Se para alguns
cientistas da atualidade o nosso personagem foi o único brasileiro
credenciado a um provável Prêmio Nobel, para outros essa era uma
realidade longínqua.
Controvérsias a parte, é inegável que Djalma Guimarães dedicou-se
arduamente à sua profissão. Algumas de suas teorias são aceitas até os
dias de hoje, outras já foram consideradas ultrapassadas e se esvaeceram
com tempo. Considerando também os desacertos como aspectos
importantes na construção do fato científico, esses, por si só, já se
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
17
apresentariam como elementos justificadores para narrar a história de
Djalma Guimarães. Entretanto, esse não parece ser o mote principal a ser
retratado. Por maior oposição que exista ao trabalho de nosso
personagem, não se pode desconsiderar todo o seu esforço em prol do
desenvolvimento científico e tecnológico da geociência no Brasil.
No espaço reservado à memória de Djalma Guimarães, no museu
que leva o seu nome, a exposição é notadamante marcada por um
discurso positivista, de enaltecimento acrítico à sua figura. Procura-se
apresentar Djalma Guimarães como um grande personagem para a
história da geociência e com idéias avançadas para o seu tempo.
De forma bastante precária e desordenada, alguns objetos de nosso
personagem estão dispostos em uma grande mesa e em um armário, nos
quais se encontram: as medalhas dos prêmios que Djalma Guimarães
conquistou, uma coleção de lâminas com amostras de rochas, alguns
artigos que publicou, livros de geologia que contemplam as suas
descobertas, algumas fotografias, o microscópio e a máquina de escrever
do seu escritório, amostras de minerais que descreveu. Na parede, um
grande destaque para o seu diploma de graduação e uma grande
fotografia de Djalma Guimarães.
A documentação produzida pelo próprio Djalma Guimarães – artigos,
conferências, discursos e anotações diversas – está acondicionada de
modo incorreto em caixas de papelão e separada por pequenas pastas de
cartolina. O material recolhido e arquivado pelos amigos do cientista,
Cláudio Dutra e Antonio Clementino, apesar do esforço dos mesmos, não
encontra-se indexado dentro das normas.
Há ainda uma grande compilação de matérias jornalísticas, artigos e
ensaios publicados sobre Djalma Guimarães, nesse conjunto, com raras
exceções, não houve a preocupação de apresentar as suas referências
bibliográficas. O pequeno acervo de fotografias do Museu também não
possui qualquer tipo de descrição ou datação.
A proposta desse trabalho é apresentar o nosso personagem dentro
de uma perspectiva diferente daquela contemplada no MMDG. Não
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
18
pretende-se apresentá-lo no sentido restrito do termo biografia, apesar de
se tratar de uma abordagem biográfica de Djalma Guimarães.
Consideramos, destarte, o aspecto apontado pelo historiador Giovanni
Levi e a sua abordagem teórica que comtempla “uma relação recíproca
entre biografia e contexto”.21 Neste sentido, Djalma Guimarães passa a
ser compreendido como um homem de seu tempo, em diálogo com a
produção científica de seu período e fruto do seu meio social. Nesse
sentido, o acervo de Djalma Guimarães no MMDG poderia ser incorporado
ao novo memorial, mas transvestido em uma nova linguagem, que
buscasse apresentar a memória de nosso personagem em seu contexto
histórico.
Por se tratar de um personagem polêmico, consideramos ser
procedente a proposta do próprio Djalma Guimarães narrar a sua história.
Nesse exercício, selecionamos alguns discursos proferidos em momentos
distintos de sua carreira em que o próprio cientista realiza uma reflexão
sobre a sua prática profissional. Assim, destacamos o seu último discurso,
que não pode ser lido, pois Djalma Guimarães veio a falecer as vésperas
de viajar para Lisboa,onde receberia o título de Doutor Honoris Causa.22
Como mencionado anteriormente, o nosso personagem publicou
uma quantidade expressiva de trabalhos e, em virtude das limitações
inerentes à esta pesquisa, selecionamos aqui apenas uma pequena
amostra que consideramos de fundamental importância, não apenas para
a comunidade científica, mas para a sociedade em geral. Nesse sentido,
talvez fosse interessante apresentar o impacto dessas pesquisas no
cotidiano, demonstrando como a prática científica de Djalma Guimarães
promoveu transformações no dia-a-dia da sociedade. Como exemplo,
destacamos a descoberta das jazidas de apatita (fosfato) e pirocloro
(nióbio) em Araxá e os seus usos na agricultura e na indústria,
respectivamente.
21 LEVI, Giovanni. "Usos da biografia". In: AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.180. 22 Os referidos discursos encontram-se em anexo.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
19
Os documentos que fazem parte do acervo de Djalma Guimarães
apresentam-se em condições razoáveis, apesar da precariedade de seu
condicionamente. Para preservar esse corpus documental, é necessário o
seu tratamento técnico, desde a higienização até a sua edição diplomática.
A proposta de preservação desse acervo justifica-se pela própria
preservação da memória de nosso personagem. Pretende-se que com
essas medidas cautelares, outros pesquisadores possam consultar essa
documentação e produzir novos estudos sobre Djalma Guimarães e a
história da ciência, em especial, da geociência.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
20
Bibliografia
AZEVEDO, Fernando (org). As Ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994. 2v.
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica
do campo científico. São Paulo: UNESP, 2003. CARVALHO, José Murilo. A Escola De Minas de Ouro Preto: O peso da
glória. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. CASTRO, José de. “O descobridor de nióbio de Araxá. Jornal da CBMM, s.
l., s. d. COSTA, Manoel Teixeira da. “A obra de Djalma Guimarães”. Revista da
Escola de Minas, s.d. DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa DOMINGUES, Alfredo J. Porto. “Estrutura Geral do Globo”. In: Curso de
Geografia para Professores do Ensino Superior. s. l., Ministério do Planejamento e Coordenação Geral; Instituto Brasileiro de Geografia, 1970.
DUTRA, Cláudio Vieira; CLEMENTINO, Antônio de Pádua Vianna. Entrevista
com Gabriela Dias de Oliveira e Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 7 de novembro de 2008.
GUIMARÃES, Djalma. Eça de Queirós em face da ciência, s. l., s. d. GUIMARÃES, Luiz Raul. Entrevista com Suely Aparecida Ribeiro Monteiro.
Belo Horizonte, 21 de outubro de 2008. LEVI, Giovanni. "Usos da biografia". In: AMADO, Janaína & FERREIRA,
Marieta de Moraes (orgs). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV.
MARCIANO, Vitória Régia Péres da Rocha Oliveiros. “Um mestre que
amava a Terra”. Revista Diversa, n. 11, mai. 2005. PRADO, Milton Guimarães Bueno. Entrevista com Gabriela Dias de Oliveira
e Suely Aparecida Ribeiro Monteiro. Belo Horizonte, 28 de outubro de 2008.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
21
Anexos
CRONOLOGIA
1894 – (05/11/94) Djalma Guimarães nasceu em Santa Luzia, MG. (doc. Certidão
de nascimento, segunda via tirada em 01-01-46)
1913 – Ingressa na Escola de Minas de Ouro Preto
1919 – Graduou-se como engenheiro de minas e civil na Escola de Minas em Ouro
Preto.
1920 – Engenheiro-chefe do tráfego da Estrada de Ferro Teresópolis
- Associa-se à Roberto Simonsen, juntos constroem a Avenida Rui Barbosa, que
liga o Flamengo ao Botafogo.
1921 – Auxiliar de químico do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil
1922 - Nasce seu primeiro filho Luiz Guimarães (14/03/22)
1923 - (1923/31) Petrógrafo do antigo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil
(admissão por concurso)
Nasce sua filha: Eva Guimarães (18-08-23)
1924 – Descreveu um novo mineral: arrojadita (fosfato de ferro, manganês e cálcio,
encontrado na Serra Branca, Pucuí, Paraíba)
- Apresenta seu trabalho cientifico sobre a origem dos depósitos carboníferos
no sul do Brasil no 1º Congresso Brasileiro do Carvão;
- Publica Contribuições a Petrografia do Brasil
- Nasce seu terceiro filho Luciano Teixeira Guimarães (07/09/24)
1926 – Descreveu o mineral eschwege (columbato-tantalato-titanato-ferato de ítrio,
ébrio, urânio e tório, encontrado em fragmentos detríticos no Alto do Rio Doce)
- Nasce seu filho João Pandiá Guimarães (07/08/26)
1927 – Descreveu, junto com L. J. Morais, o meteorito da serra de Magé,
Pernambuco
1932 – Organiza o Serviço Geológico do Estado de Minas Gerais (denominado
posteriormente Serviço da Produção Mineral)
1933 – Nomeado assistente chefe do Instituto Geológico e Mineralógico do Brasil.
1935 – Fundação da Escola de Ciências das Universidade do Distrito Federal, no Rio
de Janeiro, atual UFRJ – Djalma é convidado para organizar o setor de
geologia e lecionar.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
22
- Chefiou o Laboratório da Produção Mineral, no qual estabeleceu uma estação
experimental para tratamento de minérios.
1938 – Afasta-se voluntariamente do Departamento Nacional da Produção Mineral e
regressa para Belo Horizonte.
- Nomeado diretor da Cia de Mineração Juca Vieira, Caeté, MG. (mina de ouro)
- Publica Metalogênese e a Teoria Migratória dos Elementos e Das Problem
Granitbildung na revista Chemie der Erde.
1939 – (1939-45) Nomeado engenheiro de minas e geólogo, consultor e diretor
técnico da Cia Brasileira de Mineração.
1941 - Caio Pandiá Guimarães e Octávio Barbosa descrevem um novo mineral,
encontrado em Brejaúba, Minas Gerais, ao qual dão o nome de Djalmaita.
Minério radioativo de urânio (tantalato de urânio), cujo nome homenageia
Djalma Guimarães.
- Paraninfo da turma de formandos em Engenharia Civil da Escola de Minas-
Ouro Preto
1944 – Criação do Instituto de Tecnologia Industrial – ITI. Assumiu a direção do
setor de geologia e geoquímica.
1945 –Tornou-se Sócio Efetivo da Sociedade Brasileira de Geologia
- Designado Chefe de Setor de Geologia e Minas do ITI
1946 – Eleito Presidente da Sociedade Brasileira de Geologia (o primeiro presidente
da então recém criada SBG);
- Assumi o cargo de tecnologista, chefe da seção (posteriormente Serviço de
Geologia e Geoquímica) do Instituto de Tecnologia Industrial.
1947 – Publica na revista norte-americana Economic Geology o artigo Mineral
Deposits of Magmatic Origin (síntese de suas concepções metalogênicas)
1948 – Professor da UFOP
- (1948/50) Leciona na Escola de Engenharia da UFMG.
- Descreve dois novos minerais: giannettita (cloro-silicato-zirconato de cálcio,
sódio e manganês ) e pennaíta (zircono-titanífero), ambos encontrados em
Poços de Caldas
1950 – Descoberta da mina de urânio em Volta Grande, nas proximidades de São
João Del Rei, uma das maiores minas do mundo.
- Desvincula-se do departamento de geologia da UDF - Participa do editorial do livro Geochimica et Cosmochimica ACTA
1951 – Nomeado Conselheiro da Academia Brasileira de Ciências
- Criação do CNPq
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
23
- Nomeado diretor de pesquisas Geológicas, da Divisão Técnico Científica do
CNPq
- Designado pelo Governador do Estado de MG para constituir a comissão
técnica responsável pela criação do centro atômico do Estado.
- Recebe a medalha Orville Derby concedida pela Academia Brasileira de
Ciências em nome da Divisão de Geologia e Mineralogia
1951 - Descoberta a jazida de nióbio em Araxá
1953 – Criada a para-estatal FERTISA Fertilizantes de Minas Gerais S/A.
- Diretor tecno-científico da Fertisa
1955 – Recebe o prêmio concedido pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais em
agradecimento e reconhecimento aos seus trabalhos e à doação da patente
de um novo processo de produção de fertilizante a partir da apatita da mina
de Araxá.
- Recebe a Medalha da Inconfidência
1956 – Nomeado para o cargo em comissão de Chefe do Serviço de Geologia e
Geoquimica do ITI.
1957 – (1957/60) Ocupa a cadeira de Geologia II da Escola de Minas em
substituição a um professor que falecera.
1958 – Descreveu o meteorido que foi recolhido no córrego do Areado, Patos de
Minas.
1960 – Convidado pela PBH para assessorar trabalhos relacionados ao levantamento
e exploração de reservas minerais no município.
1961– Prêmio José Giorgi (1958/1959) concedido pela USP.
1963 – Aposenta-se após 30 anos de serviço público.
– Professor de Geologia do Departamento de História Natural da UFMG.
1966 – Medalha José Bonifácio de Andrade
1967 – Pede exoneração do cargo de professor da UFMG.
– Assumi o cargo de Consultor científico do Departamento Nacional da
Produção Mineral.
1968 – Recebe o título de Doutor Honoris Causa na UFOP.
1971 – Nomeado pelo Ministério das Minas e Energia integrante da comissão
responsável por relacionar trabalhos, relatórios técnicos e mapas.
1973 – É internado no hospital Prontocor (05/10) e falece em 10/10.
1974 – Criação do Museu de Mineralogia com o seu nome
2006 – Descoberta de um novo mineral que recebeu o nome de Guimarãesita, em
homenagem a Djalma Guimarães.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
24
Iconografia
A documentação iconográfica sobre Djalma Guimarães no MMDG é
reduzida, em sua maior parte, composta por fotografias em seu ambiente
de trabalho. Em algumas, o nosso personagem trabalha à mesa em seu
escritório e, em outras, observa amostras em seu micróscopio. Há ainda
um outro conjunto de fotografias que registra a presença de Djalma
Guimarães em solenidades. A variedade de poses também é pequena,
contudo esse não seria obstáculo, caso as fotos estivessem devidamente
descritas e datadas.
Para suprir essa lacuna, optamos por selecionar fotografias do
acervo familiar, as quais foram gentilmente cedidas por seu neto, Milton
Prado. São 19 fotografias que contemplam toda a sua trajetória, desde a
sua infância até a idade adulta. As fotos foram identificadas e datadas
pelo própria família. Segundo o Milton Prado, é pequeno o acervo familiar
como imagens de Djalma Guimarães porque era ele quem assumia a
função de fotógrafo. A família não possui imagens em movimento do
cientista.
Arquivos públicos da cidade de Belo Horizonte foram pesquisados e
neles também não foram encontradas referências de vídeos com imagens
de Djalma Guimarães.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
25
Discurso – Doutor Honoris Causa Universidade de Lisboa
Em sendo um pesquisador, sou um péssimo orador e começo por desculpar-
me pela pobreza da minha oração em agradecimento a vós que representais a
ciência portuguesa.
Antes de agradecer ao nobre colega, pelas palavras elogiosas, e à Faculdade
de Ciência, pelo tão honroso título que me foi concedido pela Égrégia Congregação
da Universidade, cabe apresentar minha desculpa pelo faro de vir tão tardiamente
apresentar-me diante a vós. Acontece que recebi o convite dos Eminentes Professors
Dr. Torres de Assunção e Dr. Carlos Ferreira quando havia sofrido uma intervenção
cirúrgica que tornou-me quse inválido por um ano; minha recuperação custou-me
dois anos de tratamento. Felizmente consegui vencer as dificuldades em idade quase
octagenária para me apresentar perante tão ilustre Cenáculo da Ciência Lusitana.
Devo confessar, que não segui a carreira de pesquisador de Geociência por
expontânea vontade, mas sob influências várias.
A mentalidade do homem começa a se delinear na adolescência e, nesse
período, exercem influência definitiva o ambiente, o que é lido e ensinado. Assim,
por circunstâncias impostas pelo destino, na idade de 11 a 12 anos, fui orientado na
leitura de obras como Júlio Verne, que exaltam a imaginação. Mais tarde atraíram-
me os autores portugueses, como Camilo Castelo Branco, Anthero de Quental,
Guerra Junqueiro, Alexandre Herculano, Camões, e em particular, Eça de Queiroz.
A finura da dialética de tão ilustres autores, o método analítico da obsevação
dos fatos e do homem, a ironia, mordacidade e visão realística das cousas, a
percusciência em entrever “averdade sob o manto diáfano da fantasia” tiveram uma
influência considerável no meu modo de atacar os problemas científicos,
involuntariamente arrastando a polêmicas.
As teses defendidas, teorias propostas em vários ramos da geociência estão
penetrando nos mais notáveis centros de cultura científica, não pelo fato de terem
sido impostos pela minha dialética, mas pela própria evidência dos fatos.
Eça de Queiroz, por exemplo, em certa altura das minhas elucubrações
científicas, lançou um feixe de luz sobre as minhas dúvidas e dificuldades em
compreender certas questões ligadas aos processos de transformações da crosta
terrestre. Em outra oportunidade, já lembrei a página lapidar desse gênio da
literatura portuguesa que ilumina a via por onde poderia chegar a uma concepção
real dos fenômenos de circulação da matéria da litosfera.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
26
Tenho o prazer de recordar o nome do primeiro homem de ciências que
reconheceu o alcance doutrinário de minha obra, pois foi também outro português, o
Dr. Décio Thadeu. Como se depreende desse curto relato dos impulsos mentais,
filosóficos e de influência ancestral, cinquenta por cem do que tenho realizado
dependeu do que Portugal representou para mim na minha juventude. De outro lado
estava a influência da Escola Francesa de Engenharia de Minas fundada por Henry
Gorceix, em Ouro Preto e do ambiente de família que incluíam outros dois mestres
daquela instituição de ensino.
Crei que não preciso dizer mais nada para que se possa imaginar como pude
preencher mais de meio século de pesquisa científica, moldando minha mentalidade
em ambiente intelectual agitado pelas figuras mais eminetes do povo luso-brasileiro.
Representa, para mim, a mais alta recompensa pela obra realizada a distinção
recebida dos Exelentíssimos Mestres da Universidade de Lisboa.
Não pode haver, para mim, maior honra que o título concedido pelo mais alto
Cenáculo da Ciência Luso-Brasileira.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
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Discurso - Medalha José Bonifácio de Andrade e Silva
Não pretendo desferir um discurso, mesmo porque o Snr. Presidente da Soc.
Bras. Geol. dispensou-me deste inaudito esforço, o que vem trazer tranqüilidade
para os nobres colegas.
Desejo somente agradecer à Soc. Bras. Geol. por essa nímia gentileza e
generozidade em oferecer-me a medalha J. Bonifácio de Andrade e Silva, como
prova de reconhecimento pelas minhas contribuições à Geologia do Brasil.
Não posso, entretanto, silenciar deante das considerações encomiásticas
proferidas pelo velho amigo professor Victor Leinz que, evidentemente vê-me
através de possante lente de aumento preparada por uma amizade nunca
interrompida pelas vicissitudes da vida.
Não possuo a acuidade intelectual que se poderia depreender das palavras do
nobre amigo.
O sucesso de algumas investigações genéticas decorreram de um mero acaso.
Acontece que até antes do grande surto verificado no campo da geoquímica, os
petrogenétas e metalogenétas estavam e muitos ainda estão, aferrados a velha e
obsoleta premissa de constituição molecular dos cristais. Isso é uma prova de que
até os grandes costumam cochilar: Quand hoc est bônus dormitat Homerus.
Premissa essa cuja inveracidade já era conhecida desde 1886, quando o grande
cristalógrafo alemão Von Groth definiu a estrutura cristalina como constituída de
átomos.
Mas tarde, Laue, Bragg e outros notáveis especialistas demonstraram exato o
conceito de Von Groth, pela analise roentgenegráfica dos cristais.
Uma teoria sempre decorre de premissas ou postulados que no consenso geral
se admite certa, correta, indiscutível. Foi baseado em um postulado até hoje de pé
que Euclides erigiu a geometria.
Uma vez constatada ou demonstrada a falsidade de uma premissa ou
postulado, todo edifício teórico ou doutrinário desaba e nem é mais possível
reergue-lo sobre os mesmos alicerces.
A incapacidade de compreender as terias ortodoxas, fundadas no conceito
molecular, levou-me a tentar outra via de acesso até a intimidade dos fenômenos
físico-quimicos de transformação da matéria e, portanto, das conseqüências do
ponto de vista metalogenético.
Segundo a linguagem dos geômetras foi uma questão de mudança de
coordenadas para alcançar uma solução menos exotérica e mais de acordo com os
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
28
conhecimentos atuais das ciências fundamentais da geologia, mas foram
necessários 20 anos para que se começasse a perceber a mudança de vista. A
historia da ciência tem revelado que a inércia não é propriedade exclusiva da matéria.
Para terminar esta breve alocução, desejo lembrar sómente uma página de
Eça de Queiroz, em seu romance “ Os Mais” , quando o seu personagem João de Ega,
que parece ser o próprio escritor, anuncia o propósito de lançar uma obra que iria
abalar o século e já fazia tremer toda a Coimbra.
Com aquele sorriso sardônico, a mordacidade cintilando através de seu
impertinente monóculo, Eça não perdoava nem a si mesmo. Demoliu instituições e
ridicularizou homens d´aquem e d`além mar.
Naquela página lapidar, esse gênio da literatura portugueza ao fazer João de
Ega traçar o plano do seu livro, cujo titulo era “Memorias de um Atomo” , delineou os
objetivos da geoquímica e previu o conceito da circulação da matéria na litosfera. Foi
esta pagina que me inspirou no ensaio sobre a teoria migratória dos elementos e
mais tarde o desenvolvimento da teoria metalogenética defendida em várias
publicações e hoje praticamente confirmada pelas investigações geoquímicas desses
últimos 5 anos.
Si algum geoquímico tivesse se detido na leitura da aludida pagina, as
realizações deste principio da metade do século XX teriam se antecipado, ao meditar
sobre as graves frases do ilustre bacharel João da Ega.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
29
Discurso – Medalha Orville Derby
É com indivisível emoção que respondo à saudação de meu nobre e ilustre
colega Luciano Jacques Moraes, cumprimento missão que lhe foi combinada, de
entrega do Prêmio Orville Derby, conferido a mim pela douta comissão nomeada pela
A.B.C.
Desejaria eu, estar, neste momento, desempenhando, como representante de
uma geração de geólogos que está prestes a se despedir da vida ativa, essa missão
nobre de premiar o labor da nova geração, já revelada por brilhantes contribuições à
ciência geológica.
Interpreto a distinção a mim conferida, como se fora eu o representante
escolhido de um período recente da história de nosso progresso científico, durante
o qual nos libertamos dos cânones ortodoxos, construindo nosso próprio sistema
filosófico de orientação das pesquisas geológicas e metodológica decorrente, na
interpretação dos fenômenos geológicos.
Estaríamos aqui, para consagrar uma época e não um homem; um símbolo,
representativo de uma época de um esforço sinérgico e construtivo, durante a qual o
herói solitário de um Eschwege, de um Arrojado Lisbôa, foi substituído pelo labor
pertinaz, perseverante de equipes de equipes de especialistas, uma época em que a
técnica de investigação surgiu do nada, pois haviam desaparecido do cenário
científico brasileiro todos colaboradores estrangeiros capazes de nos transmitir os
ensinamentos necessários à aplicação de métodos de observação e técnica de
laboratório.
Desde os processos de análise química até os de investigação microscópica
tivemos de reconstituí-los e melhorá-los, com nossos próprios recursos, para que,
convenientemente armados, pudéssemos atacar os múltiplos problemas que
deveríamos enfrentar.
O que se nos afigura, de início, ciência esotérica, tornou-se em pouco tempo
rotina de laboratório, até mesmo os métodos delicados de análise ótica creados por
Fedorow e desenvolvidos desenvolvidos por outros especialistas como Reinhard,
Duparc , Emmons, etc. Tal realização, alcançada à custa de esforço tenaz,
consulta à literatura e dedicação exclusiva aos problemas que nos eram
apresentados pelos geólogos, teve, como resultado, lançarmos sempre em novos
campos de investigação inesplorados.
É evidente que tão gigantesca obra não poderia ser fruto do labor de um
homem, mas sim de uma pleiade de jovens, sequiosos de saber e de experiência.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
30
Esse auto-didatismo involuntário, teve suas vantagens, pois não herdamos
preconceitos, idéias em conversa, prejuízo do magister dixit; enveredamos, um
pouco desintencionalmente, “por caminhos nunca dantes navegados” e chegamos a
erigir princípios fundamentais que norteiam hoje nossas investigações e
interpretações dos fenômenos geológicos.
Lembro, mas uma vez, que não vos falo na primeira pessoa, pois é claro a
impossibilidade de erigir tão vasta obra científica sem a colaboração de inúmeros
colegas ilustres.
O que hoje premiasteis é o esforço de abnegados geólogos que prepararam
com sacrifício inaudito, o ambiente cientifico que agora desfrutam as novas gerações,
já sem as dificuldades dos tempos heróicos de que procedemos.
As idéias e hipóteses revolucionarias que tenho proposto e defendido,
surgiram do trabalho de geólogos brasileiros, em suas arrancadas para as mais
remotas regiões do país, sem o alarde das expedições anunciadas com pirotecnia
sensacionalista, mas compenetrados de sua alta missão e revestidos daquele
estoicismo espartano que o nosso hinterland agreste põe a prova aos intrépitos
exploradores de seus segredos.
Para não ir muito longe, basta citar o problema das gêneses dos batolitos de
granito, cuja discussão, na Europa, está atingindo a fase de sedimentação de
conceitos, bem próximos dos defendidos por nós. A mudança de pontos de vista
começou na Europa, na mesma ocasião em que, seguindo a escola francesa, ou
melhor, continuando-a, lançamos os fundamentos de uma.
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
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Discurso - Doutor Honoris Causa EMOP
Exmo. Professor Antônio Pinho Filho Diretor da Escola Federal de Minas Exmo. Professor Moacyr do Amaral Lisboa Presidente da Congragação da EFMOP Exmos. Professores Exmo. Professor José Jaime Rodrigues Branco Snr. Jorge Pereira Raggi Meus Senhores
O honroso título que a Escola Federal de Minas de Ouro Preto acaba de me
conceder é a maior conquista que um discípulo desta casa pode almejar.
Devo, entretanto, confessar que aqui mesmo aprendi como merecer tão alta
homenagem, pois a meio século recebi dos Mestres Augusto Barbosa, Armando
Behring, Magalhães Gomes, Alfredo Baeta, Luciano dos Santos, os conhecimentos
básicos para penetrar no ambiente da ciência geológica ensinada pela palavra fácil
do Mestre Costa Sena.
Assim, ao sair da Escola de Minas e ingressar no antigo Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil já possuía os meios necessários para conquistar a metodologia
e tecnologia de investigações do campo da mineralogia e petrografia, ciências essas
fundamentais no trato de problemas geológicos.
Aqui me foi ministrado uma filosofia cientifica alertadora de preconceitos
cujas origens se perdem na noite dos tempos e resurgem, uma vez por outra,
disfarçados sobre o manto diáfano de brilhante dialética. Tenho dado prova dessa
atitude filosófica em várias oportunidades e me permito o ensejo de citar o primeiro
período de minha introdução à Geologia do Brasil, editada em 1964 pelo
Departamento Nacional da Produção Mineral. Eis o período:
“a geologia nasceu, como algumas outras ciências, de lendas e crenças pouco relacionadas com observação de fatos, mas bastante ricas em interpretações fantasiosas de fenômenos naturais. Este vício de origem, perseguiu esta ciência até o século XIX e, ainda hoje, sua influência é combatida no sentido de eliminar persistentes preconceitos cujas raízes se prolongam no empírico passado”
Apezar de esforços em introduzir interpretações matemáticas nas
investigações de problemas específicos, do progresso notável da ciência auxiliares e
do aperfeiçoamento de instrumentos de pesquisas, ainda não se conseguiu liberar
completamente a geologia de seu empírico passado. A mineralogia, entretanto,
evoluiu rapidamente no sentido de ciência exata, estritamente dependente da física,
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
32
química e matemática. A geoquímica, como ciência auxiliar, não esta longe do
mesmo alvo quanto aos seus princípios norteadores da pesquisa.
Está ainda longe o tempo em que veremos os tratados de geologia
inteiramente escoimados de opiniões pessoais ou livre das sombras aristotélicas.
Foi necessário o trabalhos de homens de homens de gênio, no inicio deste
século, para pôr a disposição do pesquisador um instrumento um instrumento
roentgenografico capaz de penetrar na intimidade da matéria e permitir uma visão
mais correta dos fenômenos de transformação mineral. Não poucos preconceitos
foram abalados ou ruíram melancolicamente, para deixar penetrar luz no que antes
era crepuscular.
É com satisfação que tive experiência da eficiência do ensino nesta Casa,
quando lecionei Geologia no curso de engenharia de minas e mais tarde petrografia
no curso de Geologia. Meu contato com os geólogos formados pela Escola de Minas
tem revelado elevado nível cultural e espírito crítico necessário para quem se dedica
a uma ciência ainda em fase de evolução.
Por isso, desde o tempo em que completei o curso de engenharia de minas
até hoje não julgo imperiosa a necessidade de apelar para estágios em institutos
científicos alienígenas, salvo quando convém adquirir experiência tecnologia no
emprego de moderna aparelhagem.
A tradição de elevado ensino desta Casa tem propiciado ao País numerosos
técnicos, cientista e estadistas que contribuíram para o progresso material e cultural
da Nação. Entre os estatistas impõem-se os nomes de Pires do Rio, Francisco Sá e
Pandiá Calogeras.
Lembrei o nome de ex-alunos que foram os primeiros a iniciarem sistemáticas
investigações geológicas no Brasil, após contribuições de cientistas da primeira
metade do século XIX e quando não havia instituição de ensino capaz de formar
especialistas em mineralogia, petrografia e geografia.
São bem conhecidas as contribuições de Miguel Arrojado Lisboa, Costa Sena,
Antonio Olinto dos Santos Pires, Gonzaga de Campos, Luiz Caetano Ferraz,
Francisco de Paula Oliveira, Euzébio de Paula Oliveira.
É sabido que depois da fundação da Escola de Minas surgiu uma nova era de
investigações do recurso mineral do Brasil, com reflexos em sua economia, mas foi
uma verdadeira fase de desbravamento.
A segunda fase de contribuição do engenheiro de minas ao conhecimento de
geologia e recursos minerais teve como ponto de partida a fundação do Serviço
Geológico e Mineralógico do Brasil cujo diretor, depois de Orville A. Derby, foi
Síntese Histórica Djalma Guimarães Gabriela Oliveira e Suely Monteiro
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Gonzaga de Campos e mais tarde Euzébio P. de Oliveira, ambos ex-alunos desta
Escola.
Euzébio de Oliveira reuniu uma plêiade de jovens engenheiros de minas,
dentre os quais se destacaram Luciano Jacques de Moraes, Luiz Flores de Moraes
Rego, Avelino Inácio de Oliveira, José Ferreira de Andrade Junior, Paulino Franco de
Carvalho, Pedro Moura, Gerson de Faria Alvim e muitos outros que iniciaram a
terceira fase de investigações geológicas caracterizada pela penetração em
nosso hinterland.
Meu papel foi o de preencher a vaga de petrógrafo, pois que o
desaparecimento de E. Hussak e a retirada de E. Rieman para a Alemanha deixou a
instituição sem especialista capaz de colaborar com os geólogos na solução de
problemas petrológicos.
No desempenho de meus encargos adquiri conhecimentos e experiência
suficiente para compreender a profundidade de conceitos genéticos lançados por
Derby, Hussak e Gorceix. O que mais tarde realizei nesse campo de investigação
cientifica não foi mais que ampliar a significação dos ensinamentos desses grandes
nomes da ciência e interpretar suas idéias a luz de princípios estabelecidos pela
cristaloquimica e geoquímica, no sentido de alcançar doutrina coerente que
conduzisse a uma interligação entre processo metalogeneticos e metamorfismo
regional.
A idéia de que a formação de depósitos minerais epigenéticos é conseqüência
de metamorfismo regional, desencadeado em geosinclinal em sua fase de evolução
orogênica, já esta conquistando terreno nos meios científicos europeus. Isso mostra
que desde 1938 estavamos no caminho certo para atingir uma conceituação de
acordo com os fatos de observação e princípios mineralogeneticos firmados pela
investigação físico-quimica e de estrutura cristalina.
Voltando ao objetivo de minha alocução, vem a propósito acentuar que desde
1924 já estavam sendo colhidos dados para a confecção do mapa geológico do Brasil.
Se bem que não tenha sido o primeiro a ser publicado pelo Serviço Geologico, pelo
menos representa notável progresso em relação ao editado por Franz Foetterle em
1854, auxiliando por Von Martius.
Sob direção de Euzébio de Oliveira formou-se um núcleo de especialistas que
tornaram possível o trabalho em equipe, na solução de problemas de maior vulto.
Nesta fase heróica conquistava-se o conhecimento do sub-solo em lombo de
burro ou subindo e descendo rios em canoas ou pirogas, vencendo corredeiras e
hostilidade do meio, sem os recursos em que se dispõem hoje.
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Com um corpo técnico habituado às dificuldades de penetração no
interior do pais e bastante familiarizado com os nossos problemas, não foi difícil ao
ministro Juarez Távora transformar o antigo Serviço Geológico e Mineralógico em
uma outra instituição com mais vasto programa. Coube a outro ex-aluno desta Casa
e seu professor, a incumbência de levar a bom termo a reorganização da antiga
instituição com a denominação de Departamento Nacional da Produção Mineral. Foi
notável o progresso alcançado durante a gestão do Professor Fleury da Rocha, cuja
brilhante inteligência compreendeu a oportunidade de uma revisão dos métodos
administrativos e de impulsionamento da pesquisa de recursos minerais pela
criação de condições favoráveis à iniciativa privada, tolhida pela ausência de uma
legislação adequada.
Um dos grandes serviços prestados por Fleury da Rocha foi a coordenação do
trabalho de uma comissão de ex-alunos da Escola de Minas, encarregada de oferecer
ao Governo um projeto de Código de Minas.
De 1930 em deante, as condições e meios de pesquisa científica foram se
tornando melhores, mais fáceis os meios de comunicação e o aparecimento de
instituições oficiais destinadas a fomentar a investigação cientifica veio permitir a
proliferação de centros de atividades em vários estados do Brasil.
Apesar disso, a influencia da Escola Federal de Minas de faz sentir em todos
os setores da indústria extrativa mineral e, em particular, na execução de
programas de investigação geológica do departamento Nacional de Produção Mineral.
Ao terminar, cabe-me agradecer as palavras generosas do Professora Moacyr
do Amaral Lisboa, presidente da Assembléia Escolar, do Professor José James
Rodrigues Branco que representa nesta cerimônia a Congregação da Escola e do
aluno Jorge Pereira Raggi, representante do Corpo Discente.
Em face de tão carinhosa apreciação de meu esforço através de decênios,
sinto pela primeira vez que devo ter realizado algo de valor e esta impressão é tanto
mais profunda quanto é sabido que a Egregia Concregação da Escola mantem a
tradição de severidade no julgamento do valor intelectual de um especialista, mesmo
que saído dos bancos escolares desta Casa.