saer - a pesquisa

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SAER, Juan José. A pesquisa. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. “Num lampejo repentino – o rumor da água, mais nítido do que durante o trajeto porque o motor havia parado revelando a tranqüilidade da noite, contribuiu sem dúvida para sua súbita clarividência –, compreendeu por que, apesar de sua boa vontade, e até de seus esforços, desde que chegou de Paris após tantos anos de ausência, sua terra natal não lhe provocava nenhuma emoção: porque agora ele já é um adulto, e ser adulto significa justamente ter chegado a entender que não se nasce na terra natal, mas num lugar maior, mais neutro, nem amigo, nem inimigo, desconhecido, que ninguém poderia chamar de seu e que não estimula o afeto, mas a estranheza, um lugar que não é nem espacial, nem geográfico, nem sequer verbal, mas, e até onde essas palavras podem continuar significando alguma coisa, físico, químico, biológico, cósmico, e do qual o invisível e o visível, da ponta dos dedos até o universo estrelado, ou o que se pode chegar a saber sobre o invisível e o visível, tomam parte, e que esse conjunto, que abarca até mesmo as fronteiras do inconcebível, não é na realidade sua pátria, mas sua prisão, ela mesma abandonada e apartada do que está no exterior – a escuridão desmedida que vagueia, ígnea e gélida a um só tempo, fora do alcance não apenas dos sentidos, mas também da emoção, da saudade e do pensamento”.

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Page 1: SAER - A Pesquisa

SAER, Juan José. A pesquisa. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

“Num lampejo repentino – o rumor da água, mais nítido do que durante o trajeto porque o motor havia parado revelando a tranqüilidade da noite, contribuiu sem dúvida para sua súbita clarividência –, compreendeu por que, apesar de sua boa vontade, e até de seus esforços, desde que chegou de Paris após tantos anos de ausência, sua terra natal não lhe provocava nenhuma emoção: porque agora ele já é um adulto, e ser adulto significa justamente ter chegado a entender que não se nasce na terra natal, mas num lugar maior, mais neutro, nem amigo, nem inimigo, desconhecido, que ninguém poderia chamar de seu e que não estimula o afeto, mas a estranheza, um lugar que não é nem espacial, nem geográfico, nem sequer verbal, mas, e até onde essas palavras podem continuar significando alguma coisa, físico, químico, biológico, cósmico, e do qual o invisível e o visível, da ponta dos dedos até o universo estrelado, ou o que se pode chegar a saber sobre o invisível e o visível, tomam parte, e que esse conjunto, que abarca até mesmo as fronteiras do inconcebível, não é na realidade sua pátria, mas sua prisão, ela mesma abandonada e apartada do que está no exterior – a escuridão desmedida que vagueia, ígnea e gélida a um só tempo, fora do alcance não apenas dos sentidos, mas também da emoção, da saudade e do pensamento”.