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1 RICARDO BOSQUESI “OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR PUCSP

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RICARDO BOSQUESI

“OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

PUCSP

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP

MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO

SUB-ÁREA DE DIREITO URBANÍSTICO E AMBIENTAL

RICARDO BOSQUESI

“OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito do Estado, sob a orientação da Professora Doutora Lucia Valle Figueiredo.

São Paulo 2006

3

RICARDO BOSQUESI

OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Direito e

aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Direito

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de Direito do Estado.

Banca examinadora: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

São Paulo, ______ de _______________ de 2006.

4

Dedico este trabalho à memória de meu avô, Manuel Ferreira da Silva Teixeira.

5

Agradeço à Danny, minha esposa, pela força e compreensão de sempre.

6

A aprovação da presente Dissertação não significará o endosso do Professor Orientador, da Banca Examinadora e da Pontifícia Universidade Católica à ideologia que a fundamenta ou que nela é exposta.

7

RESUMO

Trata-se do solo criado, instituído pela Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, como instituto jurídico e político adotado pela Política Urbana. Sua estrutura, elementos constitutivos, fundamentos e finalidades são objetos de investigação deste trabalho. Analisa-se a viabilidade de sua aplicação na concretização das diretrizes gerais propostas no Estatuto da Cidade e princípios contidos na Constituição Federal, em relação ao controle do uso do solo e ordenação adequada das cidades. Porém, serve para alertar da possibilidade de seu desvirtuamento, quando ausente um plano de instituição e controle objetivo, criterioso, impessoal e antes de tudo, moral, por parte do Município. Mal empregado, servirá como fator de agravamento das desigualdades sociais, permitindo práticas especulativas, socializando-se as perdas e privatizando-se os lucros decorrentes da atividade urbanística do Poder Público. Diante do quadrante normativo do Estatuto da Cidade em relação ao solo criado (por ser norma geral), pouco se pode afirmar acerca da sua eficiência, como instrumento político e jurídico da Política Urbana. Dependerá muito mais do Município, da maneira que foi estruturado o solo criado, por meio de seu Plano Diretor e Lei Municipal específica, o sucesso ou insucesso na concretização dos objetivos da Política Urbana. Vários aspectos do solo criado foram deixados ao Município para que os instituíssem de forma mais próxima a sua realidade, no âmbito de sua competência discricionária. Neste ponto, sobreleva-se o papel da doutrina e jurisprudência que estão se formando (haja vista a recente positivação pelo Estatuto da Cidade), a fim de que possam ofertar parâmetros para orientar sua criação e melhoria ou, ao menos, apontar os pontos que fatalmente poderão levar ao desvio de finalidade. Palavras-chave: Solo Criado. Política Urbana. Fundamento. Finalidade. Desvirtuamento.

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ABSTRACT

This one is about the created ground, instituted by the Federal Law nº 10,257, of July, 10th of 2001 - Statute of the City, as legal and politician institute adopted for the Urban Politics. Its structure, constituent elements, base and purposes are objects of inquiry of this work. It is analyzed the viability of its application, in the concretion of the general lines of direction proposals in the Statute of the City and principles contained in the Federal Constitution, relation to the control of the use of the ground and adequate ordinance of the cities. However, it serves to alert of the possibility of its disparagement, when absent a plan of institution and objective control, careful, impersonal and before everything, moral, by the City. Badly employee, will serve as an aggravation factor of the social inaqualities, allowing speculatives practices, socializing the losses and privatizing the decurrent profits of the urbanistic activity of the Public Power. Ahead of the normative quadrant of the Statute of the City in relation to the created ground (for being general norm), little can affirm concerning its efficiency, as legal and politician instrument of the Urban Politics. It will depend much more on the City, in the way that was structuralized the created ground, by its Managing Plan and specific City Law, the success or failure in the concretion of the objectives of the Urban Politics. Some aspects of the created ground had been left to the City so that they instituted them close to reality, in the scope of its discretional ability. In this point, important is the role of the doctrine and jurisprudence that are forming (has seen the recent normatization by the Statute of the City), so that they can offer parameters to guide its creation and improvement or, at least, to point the points that fatally will be able to lead to the purpose shunting line. Word-Key: Created Ground. Urban Politics. Base. Purposes. Disparagement.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………...…………………………….....................…..........

… 10

1. DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL. DESENVOLVIMENTO E

RELEVÂNCIA DAS NORMAS URBANÍSTICAS

…....................................................................................… 12

2. O SOLO CRIADO

…………............................................................................................. 23

3. OUTORGA ONEROSA DO SOLO CRIADO PREVISTA NO ESTATUTO DA CIDADE

.…..........… 33

4. COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO BÁSICO E COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO

MÁXIMO

….....................................................................................................................… 45

5. DA CONTRAPARTIDA

….............................................................................................… 52

6. SOLO CRIADO E TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR

…...............................… 65

CONCLUSÃO

…………..............................................................................................……. 73

REFERÊNCIAS

……………........................................................................................……. 79

10

INTRODUÇÃO

O tema ora proposto, solo criado, deixa mais evidenciado o

instituto do que a nomenclatura utilizada pelo Estatuto da Cidade: outorga onerosa do

direito de construir. Esta última terminologia é mais restrita, não representando o

próprio instituto do solo criado, mas uma de suas facetas, ou seja, o ato administrativo a

ele consectário.

O presente trabalho tem por objetivo analisar o instituto jurídico

do solo criado sob vários aspectos: as causas ou fontes materiais que conduziram sua

elaboração, seus elementos constitutivos, regime jurídico (plexo de normas acerca do

instituto), forma, natureza jurídica, finalidades e possíveis efeitos.

A tarefa não é fácil, em razão da recente positivação deste

instituto por meio da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da

Cidade), inclusive no que se refere à pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, pois é

necessário maior amadurecimento do instituto.

Outra dificuldade a ser enfrentada diz respeito às múltiplas formas

possíveis de positivação do instituto, no âmbito da competência discricionária

municipal, pois o Estatuto da Cidade não ingressou em minúcias acerca de sua estrutura,

como é evidente, por tratar-se de lei geral. Assim, o universo de peculiaridades, de

“modelos” diferenciados é muito grande em razão do interesse local.

Contudo, o estudo se restringirá na análise do instituto em face da

Política Urbana Constitucional, com o cumprimento das finalidades desta política (em

razão de ter sido criado como um instrumento desta política), previstas na Constituição

de forma expressa e implícita e pelo quadrante normativo do Estatuto da Cidade.

A partir deste corte epistemológico, as discussões cingir-se-ão

quanto à estrutura possivelmente hábil do solo criado, que possa cumprir seu objetivo

institucional, bem como ressaltar os pontos passíveis de desvio de finalidade. Pretende-

se, pois, ofertar uma base teórica (mas, com vistas à observância prática), contribuir

para aclarar pontos obscuros e alertar acerca dos possíveis aspectos, que possam

desvirtuá-lo ou torná-lo ineficiente.

Será abordado na primeira parte do trabalho acerca do “Direito de

11

Propriedade e sua Função Social”, do “desenvolvimento e relevância das normas

urbanísticas”. Fixa-se neste tópico o contexto o regime do “direito de propriedade”,

estritamente relacionado ao instituto do solo criado, que nela intervém como

instrumento da Política Urbana. Este é um ponto de contextualização econômica, social,

política e jurídica do solo criado, em face da função social da sociedade e dos

instrumentos normativos que visam concretizar referido princípio.

Na segunda parte serão verificados os fundamentos ou

pressupostos teóricos do atual solo criado, fazendo-se uma análise sobre o solo criado

da Carta de Embu. Fixados os pressupostos teóricos e os fundamentos do solo criado,

na seqüência será analisado o solo criado, conforme positivado no Estatuto da Cidade.

Será enfrentado o instrumento do solo criado em relação aos objetivos da Política

Urbana, dos mecanismos possíveis de sua implementação para que seja um instrumento

eficiente da Política Urbana.

Nas outras seções que seguirão, serão analisados com mais

detalhes os elementos que constituem o solo criado: o coeficiente de aproveitamento

básico, coeficiente de aproveitamento máximo e a contrapartida. No que toca ao

coeficiente de aproveitament básico, cuidar-se-á de sua definição; da distinção quanto

aos outros índices urbanísticos; se poderá ser único ou diferenciado; dos limites de sua

fixação; da antinomia dos interesses envolvidos e dos critérios assecuratórios da

isonomia. Quanto ao coeficiente de aproveitamento máximo, será analisado o limite de

sua fixação; sua função; se deverá ser único ou diferenciado e suas distinções com o

coeficiente de aproveitamento básico.

Em seguida, como importantíssimo elemento do solo criado, será

analisada a contrapartida, ou seja, os encargos decorrente da outorga (onerosa,

portanto) do direito de construir. Serão abordados os seguintes pontos: definição;

exigência ou isenção; da forma de exigí-la; dos fundamentos da exigência; das

finalidades dos recursos provenientes do adimplemento da contrapartida; natureza

jurídica; controle do recurso e sua aplicação.

Por fim, a última parte cuidará de verificar se o solo criado possui

a transferência do direito de construir como elemento indispensável, se é ou não

necessário para sua configuração; dos cuidados e critérios para adoção da transferência

de potencial adicional construtivo, caso utilizado.

12

1 DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL.

DESENVOLVIMENTO E RELEVÂNCIA DAS NORMAS

URBANÍSTICAS.

A propriedade, no Direito Romano Clássico, era concebida como

absoluta. Seu titular tinha a faculdade de usar, gozar, fruir e dispor do bem de forma

ilimitada. José Cretella Júnior (1993, p. 218) atesta muito bem esta característica: O proprietário, no direito romano, coloca-se em posição especial diante da

coisa, da “res”. Exerce sobre elas todos os direitos – ‘jura’ – possíveis. Pode usá-la, fruí-la e, em qualquer sentido, destruí-la. O jus utendi, fruendi e abutendi – os três jura – caracterizam, pois, o mais absoluto dos direitos.

Só o proprietário dispõe desse poder integral, individual, intransferível sobre a coisa que lhe pertence. É nesse sentido que se fala no traço individualista do direito de propriedade romano, pelo menos em seus primeiros tempos. (grifos nossos)

Existia em Roma, nesta época, uma dicotomia clara entre o

Direito Público e Direito Privado, de forma mais nítida que hoje, pois as normas de

direito público eram mais restritas. Com o desenvolvimento da cidade, surgiram

marcantes normas relacionadas à “urbs”, que limitaram a propriedade privada: Na nossa óptica, os primórdios do ordenamento jurídico urbanístico actual encontram-se no Direito Romano [...] Poderemos arrumar o conjunto das regras jurídicas urbanísticas dos romanos em quatro grandes grupos: normas destinadas a garantir a segurança das edificações, de modo a evitar riscos para os que nelas habitavam e para o público em geral; normas dirigidas à tutela da estética das construções; normas que visavam a salubridade das edificações; e, finalmente, disposições com um objectivo mais amplo, que poderemos designar de ordenamento do conjunto urbano. [...] não existia no direito romano um corpo unitário de normas jurídicas urbanísticas, tal como é entendido na actualidade, e eram desconhecidos do léxico jurídico do povo romano alguns dos institutos mais importantes do direito urbanístico hodierno. Mas, apesar disso, não faltavam no direito romano várias regras jurídicas cujo o fim genérico era a tutela do interesse público no domínio do urbanismo, tanto no aspecto da salvaguarda da segurança, estética e salubridade das edificações, como no de um correcto ordenamento dos aglomerados urbanos. Não será, por isso, descabido afirmar que também no campo do direito do urbanismo se manifestou a genialidade do espírito jurídico romano. (CORREIA, 2001, p.139, 141)

É oportuna a observação de Hely Lopes Meirelles (2000, p. 421)

quanto à expressão regulamentação edilícia, remetendo-se a este período:

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A expressão regulamentação edilícia originou-se da atividade dos edis romanos incumbidos da administração da cidade, e que através de edictus dispunham sobre a urbe e suas construções. Daí as derivações correntes em nossa língua: edil (vereador); edilidade (Câmara de Vereadores); edilício (relativo a edil ou edilidade). Regulamentação edilícia, atualmente, abrange todas as normas municipais de ordenamento urbano, provenham da Câmara ou do prefeito.

Com a queda de Roma e o início da idade média (Alta Idade

Média), instalou-se o feudalismo, vindo a maior parte da população, inicialmente, a se

concentrar no campo. Nesta época, com a decadência das cidades, as normas

urbanísticas também seguiram a mesma sorte. Os Senhores Feudais, grandes

proprietários de terras, exerciam poder absoluto sobre a propriedade dos imóveis rurais

e de todos os indivíduos que lá viviam. É marcante, neste período, o perfil

“individualista” da propriedade, pois estava atrelada à idéia de poder, fragmentado em

cada feudo.

Posteriormente, renascem as cidades, como relata Costaldello (et

al., 2004, p. 88):

[...] No entanto, como desenvolvimento e conseqüentes mudanças dos feudos, certos senhores construíram muralhas distanciadas da casa principal, propiciando a moradia dos camponeses e uma estrutura social diversa. Intimamente ligados à revolução agrícola, dois fatores tiveram relevância no desenvolvimento social da época: renascimento do comércio e, com ele, o ressurgimento e o fortalecimento das cidades. [...] Burgos, aldeias e vilas tornaram-se independentes, desligando-se do seu antigo senhor feudal, fazendo nascer a “burguesia”, formada, em sua maioria, pelos negociantes.

Com a decadência do regime feudal, nos séculos XIV e XV, a

nobreza foi perdendo seu poder econômico e político, paralelamente à ascensão da

burguesia. Diante disto, a nobreza se uniu ao soberano, advindo o período do Estado

Absoluto.

Neste, o poder pessoal do monarca se confundia com o próprio

Estado. Com a centralização de seu poder, o Estado passou a se caracterizar como

opressor da propriedade e liberdade individual, intervindo de forma arbitrária na

propriedade privada, impondo aos súditos diversas condições e limites, tais como

“sistematizações das fachadas que dessem para as ruas ou praças mais importantes, com

a finalidade de se obter uma regularidade arquitetônica. Outras vezes, a intervenção do

soberano ia ao ponto de ordenar, em diferentes casos, onde e como os súditos deviam

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construir.” As intervenções, na grande maioria, eram de cunho estético, fundadas numa

concepção monumentalista ou estética do monarca (CORREIA, 2001, p.145).

Com o desenvolvimento das idéias iluministas, no Século XVIII,

a burguesia, que já detinha um poder econômico forte, confrontou-se com o modelo

vigente, desencadeando-se na Revolução Francesa, em que se apregoou a intervenção

mínima do Estado, o seu enfraquecimento, a fim de que fossem assegurados os direitos

inatos ao homem, dentre eles o direito à propriedade, como expressão “jus-naturalista”.

Pela doutrina do Estado liberal (também denominado Estado –

mínimo ou Estado – polícia), que se corporificou no Século XIX, a ele caberia somente

a função de vigilância da ordem social e proteção contra as ameaças externas. Neste

contexto de não – intervenção, a propriedade foi erigida como garantida pessoal,

natural, inviolável e sagrada, nos termos do art. 2º e 17 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (SANTOS, M. W. et al., 2005, p. 209).

Com a inviolabilidade do direito de propriedade, houve neste

período escassa intervenção do Poder Público na propriedade e, por conseguinte, pouca

produção de norma de conteúdo urbanístico, prevalecendo o princípio da liberdade de

construção, que somente se infirmava por meio de parcos regulamentos, fundados em

razões de segurança, ordem pública e salubridade das edificações.

É importante consignar ainda que, diferentemente do período

absolutista, toda a intervenção na propriedade por parte do Poder Público somente se

legitimaria mediante lei, submetendo-se o próprio Estado ao princípio da legalidade,

para proporcionar segurança jurídica aos administrados.

Se a consolidação do modelo liberal de Estado proporcionou, por

um lado, um progresso econômico acentuado, fomentou a revolução industrial,

valorizou o indivíduo como ser livre; por outro, trouxe sérios problemas que

influenciaram na sua própria superação.

Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 235), retrata muito bem este

aspecto:

Em primeiro lugar, a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo,

que ignorou a natureza associativa do homem e deu margem a um comportamento egoísta, altamente vantajoso para os mais hábeis, mais audaciosos ou menos escrupulosos. Ao lado disso, a concepção individualista da liberdade, impedindo o Estado de proteger os menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social.

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Como reflexo da revolução industrial, surgiu uma classe de

proletariado, que foi se aglomerando nas cidades, sem um mínimo de dignidade quanto

ao acesso ao trabalho, remuneração, moradia, saúde, lazer, higiene, etc. Este efeito

nefasto do liberalismo impulsionou, em contrapartida, o aparecimento de idéias

socialistas que proclamavam a intervenção do Estado, para socorrer a maioria excluída e

garantir os direitos fundamentais do homem.

Portanto, verificamos deste escorço histórico que, enquanto na

Monarquia Absoluta o Estado era considerado opressor da liberdade individual, no

liberalismo, o individualismo exacerbado da classe ou pessoas mais fortes, sob o ponto

de vista sócio-econômico, acabou ocasionando opressão da maioria da população, pela

falta de acesso aos direitos e garantias fundamentais.

Esta conjuntura propiciou o desenvolvimento de idéias socialistas,

chegando-se no século XX à configuração de um modelo de Estado – social ou Estado

de serviço (DALLARI, D. A., 1991, p. 237), que interfere na sociedade para diminuir os

efeitos das desigualdades econômicas e sociais, impondo, por meio de sua força

legítima, direitos e garantias fundamentais do ser humano.

Influenciados pelas Constituições da Alemanha (Weimar) e do

México, muitos países passaram a consignar em sua Carta Política expressas

disposições sobre garantias e direitos fundamentais do homem.

Afirma Correia (2001, p. 138) que foi exatamente nesta época, ou

seja, desde o final do século XIX, que houve um incremento da legislação urbanística,

“com a finalidade de minorar os males decorrentes das chamadas cidades industriais,

também apelidadas de ‘cidades carvão’, repletas de bairros operários [...] caracterizados

pelas condições desumanas e carecidos dos requisitos mínimos de higiene e de

habitabilidade”.

O direito urbanístico tornou-se relevante, desenvolvendo seus

institutos na medida em que Poder Público intervinha concretamente, de forma ativa e

não meramente regulamentar, para sanar os problemas do crescimento desordenado das

cidades e outros oriundos da concentração urbana.

Houve, com isto, profunda alteração no direito de propriedade,

atrelando-o a uma função social, por meio de expressa previsão constitucional,

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conforme artigo 14, nº 2, da Constituição Alemã; artigo 33, nº 2, da Constituição

Espanhola e o artigo 42, da Constituição Italiana.

Na Espanha, a promulgação da Constituição de 1978 deu ênfase

ao princípio da função social da propriedade, fomentando o desenvolvimento do direito

urbanístico. Inferem-se do texto constitucional diretrizes aos Poderes Públicos para

atuarem na melhoria da qualidade de vida dos habitantes, promover acesso à moradia,

evitando a especulação imobiliária e distribuindo os encargos e benefícios da atividade

urbanística. Antonio Carceller Fernández (1997, p.21) sintetiza bem estes preceitos:

1. O que reconhece o direito de propriedade privada e determina que a

função social deste direito delimita seu conteúdo, de acordo com as leis (art. 33.1 e 2).

2. O que obriga os poderes públicos a promover as condições necessárias e a estabelecer as normas pertinentes para fazer efetivo o direito a uma habitação digna e adequada, regulando a utilização do solo de acordo com o interesse geral para impedir a especulação e fazendo participar a comunidade nas mais valias geradas pela ação urbanística dos entes públicos (art. 47).1

Ao impor o cumprimento da função social, relacionando-a ao

exercício do direito de propriedade, inevitavelmente somos levados à análise das

normas urbanísticas, que cuidam de ordenar o desenvolvimento harmônico da cidade,

por meio de instrumentos capazes, em tese, de proporcionar o acesso aos direitos

fundamentais, previstos nas Cartas Políticas. A propósito, Brewer Carías (1980, p. 83),

com muita perspicácia, já vinculava a concretização da função social dos bens imóveis

urbanos à função urbanística. Vejamos:

Com efeito, pode-se dizer que no campo urbano, a função social que deve cumprir o direito de propriedade de acordo com a Constituição, concretiza-se, indubitavelmente, numa “função urbanística” que permite ao legislador o estabelecimento de limitações, obrigações, restrições e contribuições sobre a propriedade por razão de interesse urbanístico. Desta forma, a propriedade do solo urbano está muito longe de ser uma propriedade absoluta e ilimitada. Ao contrário, tem sido talvez a “função urbanística” um dos elementos que mais tem contribuído no mundo

1 No original: “1. El que reconoce el derecho a la propriedad privada y determina que la función social de este derecho delimita su contenido, de acuerdo con las leyes (art. 33.1 y 2). 2. El que obriga a los poderes públicos a promover las condiciones necesarias y a establecer las normas pertinentes para hacer efectivo el derecho a una vivienda digna y adecuada, regulando la utilización del suelo de acuerdo con el interes general para impedir la especulación y haciendo participar a la comunidad em las plusvalías que genere la acción urbanística de los entes públicos (art. 47)”.

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contemporâneo para a transformação radical do direito de propriedade. 2

É por esta razão que o § 2º, do artigo 182, da atual Constituição

Federal do Brasil, dispõe que a “propriedade urbana cumpre sua função social quando

atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

Além de se legitimar a intervenção do Estado na propriedade

privada, as normas urbanísticas, permitidas e fundadas nas diversas normas

constitucionais, passaram a conformar o próprio conteúdo deste direito.

Giogio Pagliare (2002, p. 08), descrevendo o artigo 42 da

Constituição Italiana, enfatiza a legitimidade da intervenção urbanística, com base no

princípio da função social, que acaba por limitar a propriedade privada, visando um bem

comum:

[...] A simples leitura do artigo 42, da Carta fundamental, permite considerar por pacífica a legitimidade constitucional do direito urbanístico e, ao mesmo tempo, identificar-se o fundamento constitucional: é mais que notório, de fato, que tal norma afirma que a propriedade privada pode ser pela lei limitada para fins sociais. E não é duvidoso que o correto uso e gestão do território seja um interesse geral, represente um bem comum, constitua-se, por isto, um fim social.3

O Brasil também sofreu a influência do modelo de Estado-social.

Embora na Constituição anterior já tivesse previsto a função social da propriedade, foi

com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que referido princípio ganhou

alento. Ela declarou vasto elenco de direitos e garantias fundamentais, individuais,

coletivos e difusos, além de dedicar capítulo especial à política urbana.

Diante deste influxo, o direito de propriedade também evoluiu,

2 No original: “En efecto, puede decirse que em el campo urbano, la función social que debe cumplir el derecho de propriedad de acuerdo com la Constitución, se concretiza, indubitablemente, en uma “función urbanística” que permite al legislador el establecimiento de limitaciones, obligaciones, restricciones y contribuciones sobre la propriedad, por razón de interes urbanístico.

En esta forma, la propriedad privada del suelo urbano está muy lejos de ser una propriedad absoluta e ilimitada. Al contrario, ha sido contribuído em el mundo contemporâneo a la transformación radical del derecho de propriedad”. 3 No original: “La semplice lettura dell’art. 42 della Carta fondamentale consentiva di dare per pacifica la legittimità costituzionale del diritto urbanístico e, nel contempo, di individuarne il fondamento costituzionale: é piú che noto, infatti, che tale norma afferma che la proprietà privata puó essere per legge limitata per fini sociali. E non é dubbio che il corretto uso e governo del território sia um interesse generale, rappresenti un bene comune, costituisca, quindi, un fine sociale”.

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havendo, inclusive, necessidade de alterações das legislações infraconstitucionais, a fim

de cumprirem a nova ordem constitucional. O direito de propriedade passou a ter

vocação para o atendimento de uma função social, de maneira que somente se legitima

sua tutela jurídica se estiver perseguindo mencionada finalidade.

A Professora Lucia Valle Figueiredo (2004, p.13), com muita

sobriedade, esclarece-nos como está configurado o regime jurídico do direito de

propriedade, em virtude do novo paradigma constitucional:

O direito de propriedade já estava assegurado no artigo 153, § 22, da anterior

Constituição; todavia, somente no artigo 160, inciso V, ainda da antiga Constituição, aludia-se à função social da propriedade. Atualmente, a situação alterou-se. O direito de propriedade, alojado no inciso XXII, do artigo 5º, é imediatamente “temperado” pelo subseqüente inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”.

Assim, parece-nos inarredável termos que compatibilizar, procurar real e efetiva compatibilização entre direito individual de propriedade com sua função social, direito difuso de todos nós, direito metaindividual ou transindividual, como preferirem. Porém, direito a transcender a esfera jurídica do indivíduo.

Em conseqüência, temos de afirmar que a Constituição não é mais garantidora apenas de direito individual. Direi, em primeira aproximação do tema, que impende modificar nossa concepção anterior em face do Texto Constitucional. A Constituição de 1988, democrática, nada tem a ver com a Carta de 1967 e sua emenda nº 1/69.

Não sei se os constituintes se deram conta do avanço e do processo a que chegaram na Declaração de Direitos Individuais e Coletivos. Tenho para mim que pela dimensão dada aos direitos coletivos, aos direitos difusos, esta Constituição, se mais não tivesse feito, já teria dado enorme passo. O progresso foi extraordinário.

A influência do novo regime jurídico do direito de propriedade,

no plano infraconstitucional, é vista claramente do cotejo entre o Código Civil

Brasileiro de 1916 e o de 2002. O artigo 525, do Código Civil de 1916, preceituava a

plenitude da propriedade, quando todos os seus direitos elementares se achassem

reunidos no do proprietário, limitada, tão somente, “quando tem ônus real, ou é

resolúvel”.

Mais enfático é o artigo 527 do mesmo Código que dispõe: “O

domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário”. Logo mais à frente,

no artigo 554 e seguintes, tratam do direito de vizinhança, não se referindo, em nenhum

momento, que o exercício do direito de propriedade deverá atingir sua função social.

Enquanto no Código Civil de 1916 havia típico direito de

propriedade individualista, já no Código Civil de 2002, em consonância com a

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Constituição Federal de 1988, existe expressa previsão de sua função social. É o que se

nota do § 1º, do artigo 1.228:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas

finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

O direito de propriedade atrelado à função social gerou estranheza

aos civilistas arraigados à concepção de propriedade absoluta. Estes sustentam que há

patente contradição lógica e jurídica da concepção de direito de propriedade afetado a

uma função social.

Contudo, entendemos que não há aludido paradoxo. Na verdade,

houve uma alteração valorativa e teleológica da ordem jurídica, por meio da

Constituição de 1988.

Deve-se partir da análise da norma constitucional e demais

normas infraconstitucionais que regulamentam a primeira, como premissas necessárias

do conteúdo, forma e extensão do direito de propriedade. A consagração da função

social da propriedade na norma constitucional é um verdadeiro axioma a ser

considerado para a compreensão da definição do direito de propriedade. A Constituição

consubstancia a opção política do Estado, que irá influenciar as demais normas que

compõem o sistema jurídico.

Para uma melhor compreensão da dimensão do direito de

propriedade, e, por sua vez, do exercício mais restrito ou mais amplo das faculdades

inerentes ao seu exercício, entre elas o direito de construir, é crucial relacioná-lo à

conjuntura político-econômica de cada Estado, firmada pelo ordenamento jurídico.

Não podemos perder de vista que o delineamento, o quadrante do

direito de propriedade, deriva da norma constitucional, conforme visto acima. O

conteúdo, forma e extensão destes direitos são decorrências da norma constitucional e

das infraconstitucionais regulamentares. Será a partir da norma constitucional vigente

em cada Estado e em determinado tempo (KELSEN, 1996, p.13) que partirão os

pressupostos axiológicos e teleológicos que moldam o conteúdo do direito de

propriedade e, por conseqüência, do direito de construir que será visto adiante.

Portanto, é descabido o argumento de que haveria contradição

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entre direitos individuais, do proprietário, e direitos sociais, ao se vincular o direito de

propriedade à função social, pois é a própria norma que lhe imprime esta fisionomia.

Neste sentido, é oportuna a lição de Celso Antonio Bandeira de

Mello (2004, p. 714), ao afirmar que “não se deve confundir liberdade e propriedade

com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões

daquelas, porém tal como admitidas em um dado sistema normativo”.

Lucia Valle Figueiredo (2004, p.295), corrobora este

entendimento ao dizer que:

[...] o direito de propriedade só poderá ter a feição, o perfil traçado pelo ordenamento jurídico de determinado país em dado momento histórico. Se não, vejamos. Poderia o direito de propriedade ser igual em país onde a propriedade fosse coletiva ao de outro onde o regime fosse o de propriedade privada? A resposta, por certo, há de ser negativa.

Percebeu-se acima, ao relacionar o direito de propriedade à

conjuntura política, econômica e social do Estado, que não só estes fatores condicionam

o direito, bem como são por este condicionado (SOUTO, 1985, p.162).

Na gênese da norma constitucional existe uma gama de interesses

e valores contraditórios, postos como fontes materiais ou substratos da realidade.

Caberá ao constituinte fazer o recorte da realidade social ao positivar a norma

fundamental. Este ato é político, consubstanciado numa opção e determinação dos

interesses que deverão ser tutelados pelo Estado. Uma vez firmado determinado

interesse pela positivação, este irá condicionar todas as demais normas

infraconstitucionais, devendo o aplicador do Direito estar atento a tudo isto.

Nossa Constituição Federal tutela a propriedade privada, porém,

desde que esta também satisfaça a função social, consoante mencionado acima. Tanto é

que se fez constar no inciso III, do art. 170, como um dos princípios da atividade

econômica.

O exercício do direito de propriedade de maneira nociva aos

interesses sociais é considerado um abuso deste próprio direito. Portanto, diante da

norma constitucional, referida conduta não será resguardada, ao revés, será sancionada

por meio dos instrumentos legais predispostos à tutela daquela finalidade.

Para concretizar este objetivo, normas constitucionais e

infraconstitucionais impõem aos particulares e aos Poderes Públicos deveres distintos,

21

compreendendo condutas omissivas e comissivas. Aliás, o Poder Público é o

responsável pelo controle sobre os particulares, quanto ao cumprimento das normas

urbanísticas.

Nota-se que o texto constitucional não especifica qual direito de

propriedade atenderá a função social, inferindo-se daí que todos estão afetados, recaindo

sobre a propriedade de bem imóvel, móvel, isolado ou conjuntamente, materiais,

imateriais e outros.

Daremos ênfase neste trabalho, por óbvio, à propriedade do bem

imóvel urbano. Concluímos, então, que o direito de propriedade e os demais direitos

que dele se originam, tais como o de construir, estarão vinculado aos novos parâmetros

estabelecidos pela Carta Política e normas infraconstitucionais que a regulamenta, com

vista a atingir a função social da cidade e propriedade urbana.

Foi muito feliz a iniciativa do Constituinte de 1988 ao criar um

capítulo próprio para o desenvolvimento urbano - o Capítulo II que trata da “Política

Urbana” – inserido propositadamente no Título VII, que dispõe “Da Ordem Econômica

e Financeira”. O § 2º, do artigo 182, da aludida Carta Política, estabelece que “a

propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais

de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” Os artigos subseqüentes, da mesma

forma, visam concretizar o princípio da função social da cidade e propriedade.

A Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho, de 2001 – Estatuto da

Cidade - surgiu para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelecendo diretrizes gerais para o desenvolvimento da política urbana, bem como os

instrumentos que visam concretizar referida política. Em relação ao presente trabalho,

será analisado o instrumento previsto na alínea n, do inciso V, do artigo 4º, do aludido

Estatuto, denominado outorga onerosa do direito de construir, qualificado como

instituto jurídico e político.

Pelo que foi exposto, sobreleva-se, desta forma, a importância do

Direito Urbanístico, de seus institutos, fundamentos e princípios, que determinam a

compreensão do direito de propriedade e do direito de construir.

As demais normas, estatuídas pelo Poder Público, principalmente

pelo Município, tais como o Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Código de Obras, de

Postura e outras leis específicas, da mesma forma, não devem se afastar do aludido

22

princípio da função social da propriedade.

Ao deixarem de perseguir esta finalidade, haverá

inconstitucionalidade, por afronta aos dispositivos supramencionados, e ainda, ao inciso

III, do art. 1º, incisos I e III, do art. 3º, que são os fundamentos e objetivos da República

Federativa do Brasil.

Portanto, não restam dúvidas de que é totalmente legítima a

intervenção do Poder Público na propriedade privada, limitando seu exercício, com base

nas normas urbanísticas mencionadas. Todavia, hoje se fala da superação ou crise do

Estado Social, situação em que não mais possuiria condições de, por si só, promover as

soluções e atender as necessidades sociais.

Apregoam que os mecanismos econômicos, sociais e jurídicos de

regulação já não são suficientes para dar conta de resolver as necessidades atuais. Em

razão deste “enfraquecimento” do Poder Público quanto à capacidade financeira e de

eficácia jurídica para impor suas soluções, diante do quadro atual da sociedade, o

mecanismo encontrado fora sua aproximação com a iniciativa privada, por meio de uma

parceria.

Não negamos o reflexo desta “nova ordem” na Constituição (por

exemplo, a Emenda Constitucional nº 19) e nas legislações infraconstitucionais,

inclusive no campo do direito urbanístico, de propositura de novos instrumentos de

financiamento das infra-estruturas urbanas, por meio da iniciativa privada, bem como de

adoção de institutos jurídicos que estavam afetos somente ao campo do direito privado e

que hoje se vêem adotados pelas Administrações Públicas.

Todavia, os valores sociais consagrados em 1988, em nossa

Constituição Federal, não poderão ser desprestigiados em face da crise do Estado-

providência.

A despeito desta nova conjuntura, o importante é que os valores

sociais devam ser preservados e nossa Constituição Federal encontra-se aberta a esta

nova realidade, considerando as previsões da gestão democrática da cidade, por meio de

audiências públicas, iniciativa de lei pelo cidadão, controle social (por meio de

Conselhos), atribuição de competência ao Ministério Público na defesa dos interesses

sociais e coletivos e outros instrumentos de garantias dos valores fundamentais.

Não basta, contudo, a previsão abstrata na Constituição Federal.

23

Medidas concretas devem ser tomadas a fim de proporcionar eficácia a estas normas.

Sabe-se que a sociedade ainda não está preparada para o exercício destes instrumentos

democráticos. Desta forma, as autoridades deverão fomentar a participação popular, por

meio da sociedade organizada e melhoria no acesso às informações.

Por fim, é importante ressaltar que, o não acatamento das

sugestões ofertadas pela sociedade, na gestão da Administração Pública, deverá ser

expressamente motivado, sob pena de tornar-se inócua aludida participação. Embora as

sugestões não vinculem, não podem ser ignoradas por completo.

24

2 O SOLO CRIADO

A preocupação acerca do instituto do solo criado surge num

contexto de concentração populacional nas áreas urbanas, com o desenvolvimento da

indústria e crescente migração sentido campo-cidade, conforme mencionado no capítulo

anterior.

A ocupação do espaço urbano, principalmente nas grandes

cidades, estava marcada por uma situação de sensível adensamento populacional,

“déficit habitacional, pela carência de qualidade de infra-estrutura, pela ocupação

desordenada das áreas urbanas, por serviços públicos deficientes, inclusive de

transporte, água, esgoto, etc” (FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM,

2001, p. 320).

Paralelamente, surgiram novas técnicas de construções, visando

incrementar a utilização do solo natural, com a criação do solo artificial ou virtual:

A tecnologia das construções proporcionou o surgimento de edificações com pisos artificiais sobrepostos ou subpostos, como unidades autônomas, a partir do solo natural configurado pela superfície do solo. Isso importou em possibilitar a multiplicação do solo edificável em tantos novos solos quantos desses pisos artificiais sejam admitidos construir pela legislação edilícia ou de zoneamento. (SILVA, 1981, p. 309-310)

O solo artificial, importante ressaltar, não é a mera ocupação do

espaço aéreo, mas de surgimento de pisos artificiais (SILVA, 1981, p. 310), com

aumento de área edificável em relação ao solo natural. Por exemplo, não é o caso de

uma torre de telefonia, mas de um edifício de apartamentos ou garagens subterrâneas.

Referida técnica de construção foi fonte material do instituto

jurídico do solo criado. Não haveria razão jurídica e nem lógica a criação da figura do

solo criado se não existissem aludidas técnicas construtivas de criação do solo artificial.

O aumento da capacidade construtiva sobre o solo urbano, na

maior parte das vezes, tende a elevar o adensamento populacional sobre a área onde está

situada a construção e seu entorno, ocasionando um descompasso entre as áreas

públicas e privadas.

Para que seja permitido o aumento do adensamento sobre

25

determinada área da cidade, sem que se possa comprometer a qualidade de vida, faz-se

necessário preparar as infra-estruturas urbanas, tais como vias, águas, esgotos,

transportes urbanos, saneamento básico, bem como outras infra-estruturas sociais, como

escolas, creches, postos de saúde, etc.

Em outros termos, se por um lado esta nova técnica de construção

se desenvolveu para aumentar o uso do solo urbano, por outro lado, gerou preocupações

no que concerne ao planejamento, gestão e controle da atividade urbanística. Isto

impulsionou discussões entre os profissionais envolvidos no estudo do desenvolvimento

urbano, de diversas áreas, tais como engenheiros, arquitetos, economistas, juristas e

outros. Estes, diante da nova realidade urbana, apregoavam maior interferência do Poder

Público na promoção, controle do uso e ocupação do solo urbano, para ordenamento

adequado das cidades.

É neste contexto que surge a idéia do solo criado, visando servir

como instrumento de controle urbanístico e de correção do adensamento urbano. Ainda,

o solo criado é considerado uma importante estratégia de repartição dos benefícios e

ônus ocasionados pelas atividades urbanísticas realizadas pelo Poder Público, tais como

construções e alargamentos de avenidas, ampliação dos serviços públicos, infra-

estruturas e equipamentos sociais. Desta forma, também evita a apropriação, pelo

particular, das mais valias sobre seus imóveis, em razão daquelas obras públicas.

Por outro lado, não se deve olvidar da existência de diferentes

realidades, causas peculiares a cada país, que levaram à elaboração do instituto do solo

criado ou análogo, dotados de mecanismos diferenciados, a fim de responderem às

respectivas necessidades. Todavia, não se nega a influência recíproca entre os diversos

institutos, de suas legislações, que são adaptadas às diferentes situações.

O solo criado foi suscitado originalmente em 1971, como criação

de um grupo de estudiosos, especialistas da Comissão Econômica da Organização das

Nações Unidas - ONU, na cidade de Roma, que tinham por preocupação ordenar os

espaços urbanos (FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM, 2001, p. 335).

Para eles o direito de edificar não era um direito inerente ao

direito de propriedade, mas pertencente à coletividade. Desta forma, para que o

proprietário de um determinado imóvel pudesse construir além de uma determinada

área, deveria obter uma concessão ou autorização do Poder Público (GRAU, 1983, p.

26

60).

Na França, o denominado Teto Legal de Densidade (“Plafond

Legal de Densité”), instituído pela Lei nº 75-1.328 de 31 de dezembro de 1975,

estipulava-se que ao proprietário corresponde o direito de construir, limitado a um

coeficiente, fixado em lei. Este coeficiente legal representava a quantidade de

construção permitida, índice que expressa a proporção da área construída sobre a área

do terreno.

Fixou-se por meio da lei francesa que em todo o território francês

seria permitida a construção correspondente ao coeficiente “1”, ou seja, na extensão

igual à área do terreno, enquanto que, para a região de Paris, o coeficiente fixado era de

“1,5” (que corresponde a uma área e meia do terreno).

Caso o proprietário do terreno, ou quem de direito, pretendesse

construir além daqueles patamares legais de densidade, acima mencionados, estaria

subordinado ao pagamento de uma soma igual ao valor do terreno. A razão disto se

funda no ressarcimento do beneficiário junto à coletividade. Esta seria a titular do

direito de construir acima do patamar legal, enquanto aquele o titular do direito de

construir aquém do patamar legal (MARQUES NETO, 2002, p. 225).1

Na Itália, a Lei nº 10, de 28 de janeiro de 1977 separou o direito

de construir do direito de propriedade. Toda e qualquer construção, transformação

edilícia ou urbana, independentemente da extensão, estaria submetida a uma concessão

do direito de construir, específica, por parte do Prefeito (“sindaco”), consoante seu art.

1º, “in fine”.

Por esta lei, o direito de construir na Itália não mais seria

decorrência natural do direito de propriedade, mas dele se destaca para constituir

concessão do Poder Público. Em outros termos, o direito de construir não estaria

atrelado ao direito de propriedade, sendo que a possibilidade e forma de edificação

decorreriam dos planos urbanísticos.

Esta lei previu, ainda, uma contrapartida para a concessão do

direito de edificar, sendo que os recursos daí decorrentes já estavam afetados para

realização de obras de urbanização, restauração do patrimônio cultural imobiliário e

outros programas públicos. 1 In: Estatuto da Cidade – Comentários à Lei Federal 10.257/2001, Obra coletiva, publicada pela Malheiros, sob a coordenação de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.

27

Segundo Santos (2004, p. 208), a Corte Constitucional Italiana,

em 1980, após a entrada em vigor da Lei nº 10, de 28 de janeiro de 1977, acabou

considerando que o direito de construir é inerente ao direito de propriedade. Sendo

assim, fracassou na Itália a tentativa de separação entre o direito de propriedade e o

direito de construir.

Nos Estados Unidos, o instituto do Space Adrift encontra-se

atrelado ao da transferência do direito de construir. No caso em que um imóvel que teve

seu potencial construtivo reduzido, em virtude de ter sido declarado como de interesse

histórico pelo Poder Público, autorizava-se ao proprietário alienar este potencial, não

utilizado, para que este fosse acrescentado em outro imóvel, que somente assim poderia

ver excedida a área construída.

No Brasil, as preocupações de cunho urbanístico surgiram mais

tarde, pois, a urbanização iniciou-se com o processo de industrialização, a partir de

1930, sendo que no período compreendido entre 1940 e 1980 houve um enorme

crescimento econômico. Começaram a despontar as grandes metrópoles, especialmente

São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, para onde se dirigiam grande parte da

população rural, em busca de melhoria da qualidade de vida e garantia de emprego, já

que no campo a oferta de trabalho se definhava.

Ocorre que, o crescimento exacerbado das cidades e o

adensamento populacional, desprovido de uma política urbana adequada, acarretaram

conseqüências negativas, tais como poluição do ar e das águas, enchentes,

desmoronamentos, crianças abandonadas, violência, epidemias, congestionamento no

trânsito de veículos automotores, proliferação de habitações precárias e insalubres,

ausência de saneamento básico, surgimento de favelas e patente segregação social.

De acordo com Silva (1981, p. 54-55), na década de 60 houve

tentativa de implantar uma política urbana no Brasil, criando-se o Banco Nacional da

Habitação – BNH, as Sociedades de Crédito Imobiliário e o Serviço Federal de

Habitação – SERFHAU, consoante Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964. O artigo 1º da

aludida Lei “determinou que o Governo Federal, através do Ministério do

Planejamento, formulasse a política nacional de habitação e planejamento territorial e

deu ao SERFHAU atribuições ligadas ao desenvolvimento urbano”.

28

A produção de legislações esparsas não foi suficiente para dar

conta do processo de urbanização, que se acelerou após a 2ª Grande Guerra. Sofrendo

influência das Constituições do México e da Alemanha, no Brasil, a Constituição de

1934, seguidas pelas Constituições de 1946 e 1967, passaram a prever direitos e

garantias aos interesses sociais, (SOUZA et al., 1991, p. 150-151)2. Contudo, somente

com o advento da Constituição de 1988 é que ocorreu a sistematização da Política

Urbana.

Conforme mencionado, frisa-se que foi numa conjuntura de

degradação do ambiente urbano, que a discussão acerca dos fundamentos e princípios

correlatos ao instituto do solo criado ganhou corpo em nosso país. Observava-se, nesta

época o seguinte quadro: a) crescimento desordenado das cidades; b) redução

quantitativa e qualitativa dos espaços habitáveis; c) aumento da especulação imobiliária

e conseqüente dificuldade de acesso à moradia digna; d) ausência de infra-estruturas

urbanísticas e equipamentos comunitários; d) insuficiência de transportes coletivos; de

saneamento básico adequado para todos; e) restrito acesso à água tratada, etc.

Com o objetivo de criar um instrumento que pudesse minimizar

referidos problemas, observando as experiências estrangeiras, no Brasil se desenvolveu

a idéia do solo criado, consolidada num documento denominado “O Solo Criado/Carta

de Embu”, emanado num seminário realizado em São Paulo, no mês de junho de 1976,

elaborado por vários especialistas de renome nacional. Pela atualidade e importância de

suas conclusões, é oportuna a transcrição abaixo (Fundação Prefeito Faria Lima –

CEPAM, 1977):

1. É constitucional a fixação, pelo Município, de um coeficiente único de

edificação para todos os terrenos urbanos. 1.1. A fixação desse coeficiente não interfere com a competência municipal

para estabelecer índices diversos de utilização dos terrenos, tal como já se faz, mediante legislação de zoneamento.

1.2. Toda edificação acima do coeficiente único é considerada solo criado¸ quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo.

2. É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condição de criação do solo, que o interessado entregue ao Poder Público, áreas proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta destas áreas, por inexistentes ou por não atenderem às condições legais para tanto requeridas, é admissível sua substituição pelo equivalente econômico.

2 In: “Um caminho para minorar os problemas urbanos”, Obra Coletiva, publicada pela Revista dos Tribunais, sob o título “Temas de Direito Urbanístico”, coordenada por Adilson Abreu Dallari e Lucia Valle Figueiredo. Ainda, a respeito da evolução histórica das legislações urbanísticas no Brasil, é interessante a exposição de SILVA (1981, p. 49-55).

29

2.1. O proprietário de imóvel sujeito a limitações administrativas, que impeçam a plena utilização do coeficiente único de edificação, poderá alienar a parcela não-utilizável do direito de construir.

2.2. No caso de imóvel tombado, o proprietário poderá alienar o direito de construir correspondente à área edificada ou ao coeficiente único de edificação.3

Comentando a Carta de Embu, Marques Neto (et al., 2002. p.

226-227)4 leciona o seguinte:

Os consideranda do documento primam por sintetizar as bases do raciocínio doutrinário que sustenta e justifica o instituto do solo criado. Neles vemos registrados os seguintes pressupostos: (i) há no território urbano áreas favoráveis a diferentes tipos de atividades; (ii) a maior propensão a algumas atividades tende a incrementar o valor dos imóveis em algumas áreas, nas quais haverá forte pressão para um maior aproveitamento – ensejado pelo avanço tecnológico nas técnicas construtivas – destes terrenos, levando a um maior adensamento nestas áreas; (iii) este processo sobrecarrega a infraestrutura urbana; (iv) a possibilidade de adensamento, trazida pelo avanço tecnológico, não é necessariamente inconveniente; (v) no entanto, as normas urbanísticas habitualmente limitam tal adensamento, gerando uma valorização desigual dos imóveis, favorecendo aqueles que podem ser mais aproveitados do ponto de vista de multiplicação da utilização de sua área pela ocupação do espaço aéreo ou do subsolo; (vi) o direito de propriedade é condicionado pelo principio da sua função social, o que permite a adstrição do seu uso e disposição a limites ou condições ditados por critérios de relevância social; (vii) exemplos desses condicionamentos são encontrados na legislação de parcelamentos do solo, pela qual se condiciona a divisão dos imóveis urbanos à doação de áreas para uso publico e social.

Os fundamentos do solo criado acima apresentados foram

construídos, inicialmente, por parte dos estudiosos da área, na tentativa de apresentar

soluções práticas para o adensamento urbano. Concluíram, então, que o responsável

pelo adensamento urbano, ou seja, aquele que edifica além de um coeficiente fixado em

lei, deverá arcar com os custos que o Poder Público irá despender para realizar obras de

infra-estruturas urbanas e sociais.

3 Segundo Silva (1981, p. 315): “Ao que consta, a primeira vez que se tocou no assunto coube a Eros Grau, Antonio Carlos Cintra do Amaral e Jorge Bartholomeu Carneiro da Cunha, em seminário interno do antigo Grupo Executivo da Grande São Paulo – CEGRAN, que, no início de 1975, aventaram a idéia de definição, por lei federal, de que há distinção entre direito de propriedade e direito de construir, de que decorreria uma conclusão importante, qual seja a de que ‘não existem limitações administrativas ao direito de edificação do proprietário, visto que tal direito não lhe pertence, sendo lhe atribuído mediante autorização ou concessão do poder público’. Em verdade, essa idéia é ainda mais avançada do que a do solo criado, porque não constitui simples limitação ao direito de construir, como neste, mas dissocia este direito do direito de propriedade. Nesses termos, a idéia não prosperou.” Ainda, ressalta este autor que o solo criado emanou de um documento que serviu de base para futuros seminários, até culminar na Carta de Embu, redigido em 1975 pelos técnicos: Antonio Cláudio Moreira Lima e Moreira, Dalmo do Valle Nogueira Filho, Domingos Theodoro de Azevedo Neto e Clementina de Ambrosis. 4 Vide comentário à nota número “1”, desta Seção.

30

Para tanto, o beneficiário do solo criado deverá entregar ao Poder

Público uma contrapartida, que consiste na doação de áreas ao Poder Público, na

proporção da extensão do solo criado, ou, no caso de inexistir tais áreas ou não

corresponder aos requisitos legais, deverá entregar o equivalente econômico.

Outro fundamento que se infere da Carta de Embu, diz respeito à

justa distribuição de benefícios e encargos da atividade urbanística. É legítimo cobrar

uma contrapartida do beneficiário do solo criado, que teve seu imóvel valorizado,

revertendo-se para a coletividade a devida compensação econômica. Demais, objetiva-

se desestimular a especulação imobiliária atrelada à política urbana, forma totalmente

odiosa, pois, se determinado lote poderá valer mais em função do potencial construtivo,

resultante do planejamento urbano, esta mais-valia deverá ser custeada por seu

proprietário. Enfim, todos estes fundamentos buscam concretizar o princípio da função

social da propriedade.

No Brasil é recente a positivação do instituto do solo criado,

ocorrendo apenas em 10 de julho de 2001, com a Lei Federal n� 10.257,

especificamente na Seção IX, do Capítulo II.

No entanto, ressalta-se que muitos municípios, mesmo antes do

advento do Estatuto da Cidade, já dispunham em suas legislações acerca deste instituto,

sendo os casos, entre outros, de Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, João Pessoa,

Natal e Recife5. Se isto era válido ou não, sob o ponto de vista constitucional,

atualmente pouco importa, uma vez que esta controvérsia foi superada com a entrada

em vigor do Estatuto da Cidade. No entanto, esta questão será tratada adiante.

Visto brevemente o contexto histórico e os fundamentos básicos

do instituto, interessa perscrutar acerca de seu conceito. Primeiro, é necessário ressaltar

que o solo artificial ou solo virtual, decorrente daquelas técnicas construtivas, não deve

ser encarado como sinônimo de solo criado.

Enquanto o primeiro, isoladamente, pode ser considerado mero

5 Respectivamente: Lei Complementar n° 16, de 4 de junho de 1992; Leis municipais números 9.725, de 2 de julho de 1984 e 10.209, de 9 de dezembro de 1986; Lei Complementar n° 315, de 1994; Lei Complementar n° 3, de 30 de dezembro de 1992; Lei Complementar n° 7, de 5 de agosto de 1994 e Lei n° 15.547/91.

31

evento, ato jurídico lícito ou ilícito, a depender das circunstâncias6, consubstanciado

pelo emprego de técnicas, mão de obra e materiais na construção sobre ou sob certo

terreno urbano, além da extensão do solo natural; o solo criado, por sua vez, é a

terminologia jurídica empregada nos casos em que ocorre a possibilidade de criação do

solo artificial, após a devida outorga onerosa do direito de criar referido solo, mediante

o atendimento de determinadas condicionantes normativas, fixadas pela autoridade

competente.

Nesta esteira, se o solo artificial foi construído mediante prévia

outorga onerosa do Poder Público Municipal, tratar-se-á de solo criado. Todavia, se o

solo artificial foi construído sem prévia outorga onerosa do Poder Público Municipal,

poderá ser mero evento ou, quando vertido em linguagem competente em auto de

infração à legislação urbanística, fato jurídico ilícito.

A infração às normas de cunho urbanístico, no caso em tela,

poderá ocorrer de duas formas, quando na área onde estiver situado o solo urbano não

for possível aplicar o instituto do solo criado, com base nas normas edilícias municipais

ou quando admitido, a construção ultrapassar o coeficiente máximo previsto em lei,

consoante será visto adiante. Também poderá ocorrer na hipótese em que, embora seja

possível aplicar-se o instituto do solo criado, na área onde está situado o solo urbano

edificado, o interessado não obteve previamente a outorga onerosa do direito de

construir. Neste caso, entende-se que seja possível sua regularização, mediante o

pagamento de uma contrapartida e outorga posterior do direito de construir.

Não se adentrará, por ora, na análise dos casos em que a lei

municipal poderá permitir a venda pelos particulares do adicional construtivo. O que

importa destacar é que, originariamente, este adicional construtivo parte da outorga do

Poder Público, e que só depois, se for o caso, será concedida a transferência de um

particular ao outro, mediante controle do próprio Poder Público que o outorgou.

Retomando-se a distinção entre solo criado e solo artificial,

6 Entendemos que a construção do solo artificial, enquanto não vertido numa linguagem competente, por meio da aplicação da norma jurídica, seja por meio do ato administrativo da outorga onerosa do direito de construir, seja por meio de um auto de infração à ordem urbanística, será mero evento pertencente ao campo do mundo social, mas não ao direito. É o que conclui Tárek Moysés Moussallem (2001, p. 146-147): “Então, fato jurídico é o resultado da incidência da linguagem normativa sobre a linguagem da realidade social, só possível pelo ato de aplicação do direito [...] Em suma: o fato jurídico é o enunciado protocolar resultante de ato de aplicação que executa a incidência da linguagem normativa sobre a linguagem da realidade social, localizado no antecedente de uma norma concreta”.

32

conclui-se que, o solo artificial somente será solo criado se for reconhecido

juridicamente pela autoridade pública competente, por meio do ato administrativo da

outorga onerosa do direito de construir.7

Segundo Carvalho Filho (2005, 191-192) o solo criado “é o

instituto jurídico em si, que pode ser, ou não, adotado em determinado ordenamento

jurídico [...] a outorga onerosa do direito de construir é o ato administrativo que resulta

do acolhimento do instituto; [...] é o efeito jurídico da existência do solo criado no

ordenamento”.

Conceitua-se o solo criado, portanto, como o direito de construir

resultante do ato administrativo de outorga, acima de um determinado índice de

aproveitamento básico, fixado em lei, em solo urbano situado numa zona específica, em

que haja permissão para adoção deste instituto, mediante o adimplemento, pelo

beneficiário, da prestação de uma contrapartida, fixada pela autoridade competente, para

o fim de assegurar o equilíbrio entre os encargos e benefícios resultantes da atividade

urbanística e a função social da propriedade.

Na mesma esteira, Di Sarno (2004, p. 76):

O solo criado é a possibilidade de construir acima dos parâmetros legais gerais estabelecidos pelo Poder Público. Pelo estabelecimento do coeficiente de aproveitamento, o Poder Público poderá indicar, no Plano Diretor, quais áreas urbanas podem ter edificações acima deste limite estabelecido. Portanto, aquele que quiser construir acima do permitido deverá checar se seu terreno se encontra nas regiões onde são permitidos tais benefícios.

Silva (1981, p.313) conceitua-o como “toda edificação acima do

coeficiente único, quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo”.

Contudo, como observou-se acima, toda edificação acima de um coeficiente único pode

ser considerado solo artificial, porém, nem sempre será solo criado.

Nota-se que este conceito é muito abrangente, se comparado ao

que foi apresentado acima. Fixou-se o entendimento, pois, no sentido de que a

edificação acima do coeficiente único tanto pode ser o solo criado bem como configurar

infração à ordem urbanística. Tudo dependerá da existência, ou não, do ato

administrativo da outorga onerosa do direito de criar referido solo.

7 Com o mesmo posicionamento, Marques Neto (et.al, 2003, p 232): “A outorga onerosa do direito de construir não substitui ou se confunde com a noção de solo criado. A onerosidade da outorga é, na verdade, uma conseqüência do estabelecimento do instituto do solo criado”.

33

Está correta a assertiva de que o “solo criado nada mais é que a

possibilidade conferida pelo Poder Público de edificar acima do coeficiente previsto em

lei” (SANTOS, M. W. et al., 2004, p. 211).8 Se o pode Público conferiu a possibilidade

de edificar acima do coeficiente previsto em lei, é porque emitiu o ato administrativo da

outorga onerosa do direito de construir e o beneficiário cumpriu o encargo, ou seja, a

contrapartida correspondente.

O solo criado é justamente esta possibilidade, ou melhor, esta

faculdade de edificar além do coeficiente básico, que surgiu da outorga do Poder

Público Municipal, com base nas leis urbanísticas. Se houve construção material ou não

sobre determinado solo urbano é irrelevante para sua caracterização, o que importa é

que o ato administrativo de outorga foi emitido.

Esta é mais uma razão pela qual o solo criado não poderá ser

confundido com o solo artificial, pois, o primeiro é um “direito subjetivo”, que consiste

na faculdade jurídica de construir além do coeficiente de aproveitamento básico

(observados os limites legais), de natureza imaterial; enquanto o segundo é a própria

construção que exorbita da extensão do solo natural, pertencente ao campo da realidade

física, do mundo material.

A fixação de limites construtivos (coeficientes básicos e

máximos) consectários ao solo criado constitui limitação à propriedade e não restrição.

Sendo assim, sua constituição pelo Plano Diretor não gera direito à indenização, em

razão de seu caráter geral. Em relação ao “direito de propriedade”, não há que se falar

nem em limitação, pois, seu conteúdo é resultado do conjunto de normas que traçam seu

regime jurídico.

Se o direito de propriedade tem conteúdo e forma definidos pelas

normas jurídicas, que lhe atribuem uma função social, não entendemos que o solo

criado seja uma limitação ou restrição ao “direito de propriedade”, mas sim um fator

que participa no delineamento de seu perfil.

Aliás, com os problemas de ordenação do solo urbano, que

surgiram com a urbanização, temas ligados ao Direito Urbanístico (planejamento,

gestão e controle urbanísticos) passaram a ser preocupações inevitáveis e mais

freqüentes para os estudiosos e governantes. 8 In: “Dos Instrumentos da Política Urbana”, Obra Coletiva, publicada pela Revista dos Tribunais, sob o título “Estatuto da Cidade”, coordenada por Odete Medauar e Fernando Dias Menezes de Almeida.

34

Todavia, nem sempre em todo e qualquer município será admitida

a adoção do solo criado. Os Municípios têm a faculdade de utilizar, ou não, deste

instrumento urbanístico, conforme sua peculiar necessidade. A Política Urbana de cada

município será dotada dos instrumentos urbanísticos que melhor aprouver para o caso

concreto, na tríplice função Estatal de ordenação do solo urbano: planejamento, gestão e

controle.

35

3 OUTORGA ONEROSA DO SOLO CRIADO PREVISTA NO

ESTATUTO DA CIDADE

A expressão “outorga onerosa do direito de construir” advém da

Seção IX, do Capitulo II, da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade.

É oportuno transcrever os dispositivos legais abaixo, para posterior descrição e análise:

Seção IX

Da outorga onerosa do direito de construir Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. § 1º. Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. § 2º. O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. § 3º. O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperada em cada área. Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Art. 30. Lei Municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando: I – a fórmula de cálculo para a cobrança; II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga; III – a contrapartida do beneficiário. Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Observa-se dos dispositivos que, o Plano Diretor é instrumento

normativo básico, que irá estabelecer a existência, forma e extensão deste instituto,

mediante uma contrapartida a ser prestada pelo beneficiário, sem prescindir, contudo, de

uma Lei Municipal específica. O art. 28 cuida da instituição do solo criado, enquanto

que no art. 29 se refere à permissão de alteração o uso do solo. Enquanto que estes

artigos prescrevem, respectivamente, acerca dos institutos do solo criado e do direito de

alteração de uso do solo; os artigos subseqüentes, o 30 e o 31, referem-se aos atos

administrativos que constituem os primeiros, ou seja, tratam da outorga onerosa do

direito de construir e da outorga onerosa do direito de alteração de uso do solo.

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A Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM (2005, p. 118-119),

considera que a outorga onerosa do direito de construir se divide em duas categorias

distintas: o solo criado e a alteração de uso. Vejamos:

Solo criado. O que é: É uma modalidade de outorga onerosa do direito de construir, consistente no instrumento urbanístico que permite ao proprietário ou a quem tenha interesse, adquirir o direito de construir acima do coeficiente básico de aproveitamento [...] Alteração do uso do solo. O que é: Outra modalidade de outorga onerosa do direito de construir que permite ao proprietário de um imóvel dar uso distinto daquele definido para uma determinada zona da cidade [...].

Comunga da mesma conclusão Gasparini (2002, p. 174), ao dizer

que “Essa alteração onerosa do uso é uma espécie de outorga onerosa do direito de

construir”. Porém, esta classificação é incoerente.

É um equívoco admitir a outorga onerosa do direito de construir

como gênero, do qual decorrem as espécies solo criado e alteração onerosa do uso,

porque os atos administrativos (respectivas outorgas) e seus respectivos resultados (solo

criado e alteração do uso) não devem ser confundidos.

Embora muitos tratem da outorga onerosa do direito de construir

como sinônima do solo criado, isto não se justifica, tendo em vista que o solo criado é

um instituto jurídico, instrumento da Política Urbana, enquanto que a outorga onerosa

do direito construir é ato administrativo que concede a faculdade de utilizar-se do

mencionado instituto. Ambos estão intrinsecamente ligados, um depende do outro,

porém, não devem ser confundidos.

Ainda, na Seção IX, do Capitulo II, da Lei nº 10.257, de 10 de

julho de 2001, nota-se certa imprecisão em relação à denominação, em razão de se

tratarem de duas coisas distintas: a) da outorga onerosa do direito de construir e b) da

outorga onerosa do direito de alteração de uso do solo. Conclui-se, pois, que a

denominação da Seção mencionada é mais restrita que o conteúdo nela tratado

(MARQUES NETO et al., 2002, p. 232).

Não existe, portanto, relação de gênero e espécie entre outorga

onerosa do direito de construir e solo criado em razão do que fora dito acima. Da

mesma forma, o direito de alteração de uso não é espécie da outorga onerosa do direito

de construir, mas sim, resultado da outorga onerosa do direito de alteração do uso do

solo.

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Na verdade, consoante se extrai do art. 4º, inciso V, alínea n;

artigos 30 e 31, do Estatuto da Cidade, existem dois atos administrativos distintos:

outorga do direito de construir e a outorga do direito de alteração de uso. Todavia,

ocupam lugar comum no Estatuto da Cidade pelas seguintes razões: a) possuem

natureza onerosa, como regra geral; b) são tidos como espécies de instrumentos

jurídicos e políticos da Política Urbana, no Estatuto da Cidade; c) estão submetidos à

determinada Lei municipal específica, que irá dispor sobre as condições da emissão do

respectivo ato, quanto ao tipo e fórmula do cálculo da contrapartida e quanto aos casos

possíveis de isenção da contrapartida; d) têm implicações diretas com o ordenamento da

cidade; e) têm o mesmo destino da aplicação dos recursos, provenientes das

contrapartidas, cobradas pela emissão dos respectivos atos administrativos, ou seja, às

finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Não será abordada a outorga onerosa do direito de alteração do

uso do solo, com profundidade merecida, por transbordar o objetivo desta dissertação, o

que se permite dizer, tão somente, que sua aplicação afronta aos objetivos da Política

Urbana, pois esta demanda um controle rigoroso do zoneamento e uso do solo. Destarte,

o art. 29, do Estatuto da Cidade é inconstitucional.

Interessa, por ora, o estudo da outorga onerosa do direito de

construir, ato administrativo pelo qual se concede a um indivíduo o direito de construir

além do coeficiente de aproveitamento básico, fixado em lei, mediante exigência de

uma contrapartida.

Em outros termos, seria correto dizer que a outorga onerosa do

direito de construir é o ato administrativo pelo qual se constitui o solo criado. Pode-se

denominá-la, portanto, de outorga onerosa do solo criado.

Gasparini (2002, p. 170), por sua vez, conceitua a outorga

onerosa do direito de construir como “a licença dada pelo Município ao particular,

proprietário de certo imóvel situado em área urbana, delimitada pelo plano diretor, para,

mediante contrapartida, construir acima do coeficiente de aproveitamento”.

Consoante Figueiredo (L.V., 2005, p. 124) a “outorga onerosa

consiste na possibilidade de edificação maior mediante contrapartida do construtor e,

além disso, deve haver possibilidade de a área comportar tal edificação”.

Ainda:

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É, portanto, a outorga onerosa uma exceção que o Poder Público permite a um particular de construir acima do coeficiente de aproveitamento previsto na área em que se situa o imóvel, desde que este particular, em contrapartida, faça uma prestação em prol do desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem-estar de seus habitantes. (FRANCISCO, 2001, p. 206)

No que cinge à natureza jurídica do ato administrativo da

outorga onerosa do direito de construir, deve-se, antes de tudo, fazer um breve cotejo

com o ato administrativo da licença para construir. A licença para construir, que não se

confunde com a outorga onerosa do direito de construir, refere-se ao direito de

construir ínsito ao direito de propriedade, ou seja, aquele igual ou abaixo do coeficiente

básico de aproveitamento.

Sendo assim, o titular do direito de propriedade já possui o

direito de construir sobre determinado lote. Neste caso, quando o indivíduo obtém a

licença para construir, em nada modifica seu direito subjetivo; o que ocorre é uma mera

liberação por parte da autoridade competente, do exercício deste direito.

Daí a razão pela qual Figueiredo (L. V., 2005, p. 128) a conceitua

como “um ato administrativo constitutivo-formal, possibilitando àquele em favor de

quem foi expedida, direito de levar a cabo a construção, nos termos em que lhe foi

deferida: isto é, de acordo com o projeto aprovado e no prazo estipulado”.

Considera-se a licença para construir como ato administrativo

vinculado. Satisfeitos os requisitos legais, a Administração ficará obrigada a expedi-la.

Aqui não há margem de discricionariedade para a Administração.

A outorga onerosa do direito de construir, ao revés, refere-se ao

direito de construir acima do coeficiente básico de aproveitamento, que somente se

consumará por meio da obtenção deste direito junto ao Poder Público Municipal.

Desta forma, concorda-se com Figueiredo (L. V., 2005, p. 125),

que diz que “a outorga onerosa é ato constitutivo de direito, pois poderá não ser

deferida se a infra-estrutura do local não comportar o aumento de área construída, ou,

então, houver plausibilidade de isso vir acontecer”.

Possui natureza constitutiva de direito. Enquanto na licença para

construir o indivíduo já possuía o direito subjetivo de construir sobre determinado

imóvel, na outorga onerosa do direito de construir o indivíduo não possui o direito

subjetivo de construir. Nesta, o interessado deverá solicitar ao Poder Público Municipal

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referido direito, que, aquiescendo ou não, consoante interesse da coletividade,

constituir-se-á ou não em prol daquele o direito de construir, se e quando as condições

legais e concretas autorizarem, e desde que haja a devida compensação da outorga do

direito, por meio de uma contrapartida do beneficiário.

Sendo assim, é um ato discricionário (FIGUEIREDO, L. V.,

2005, p. 125), em que a autoridade competente deverá analisar cada pedido, diante das

circunstâncias, podendo, inclusive, não deferir o pedido de outorga.

Contrariando este entendimento, Gasparini (2002, p. 172)

defende a natureza vinculada do ato administrativo da outorga onerosa do direito de

construir:

A licença para o proprietário construir acima do coeficiente de aproveitamento é ato administrativo vinculado. É ato administrativo na medida em que é manifestação de vontade da Administração Pública municipal. Ademais, é vinculado, ou seja, se o terreno estiver em área urbana descrita pelo plano diretor passível dessa espécie de intervenção urbanística e se atendidas as demais exigências, a licença deve ser outorgada, sob pena de restar caracterizado abuso de direito. Essa licença pode ser definida como o ato administrativo concreto, de natureza vinculada, pelo qual a Administração Pública municipal outorga, ao proprietário de imóvel situado em área descrita no plano diretor como sujeita ao regime de outorga onerosa do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento indicado para essa área. (grifo nosso).

Na mesma trilha está Carvalho Filho (2005, p. 196):

A despeito de, numa primeira visão, a denominação do instituto induzir a raciocínio diverso, o certo é que na outorga onerosa haverá a mesma vinculação, vale dizer, mesmo quando o direito de construir for pretendido além dos limites do coeficiente básico de aproveitamento, continuará militando em favor do interessado a presunção de que a construção é compatível com a ordem urbanística, como ocorre no direito de construir dentro do coeficiente básico. A razão é simples: a partir do momento em que as áreas nas quais se possibilita exercer tal direito estejam previstas no plano diretor, como estabelece o art. 28 do Estatuto, constitui direito subjetivo do proprietário erigir sua construção dentro dos limites estabelecidos na lei. Portanto, não poderá a Administração denegar-lhe essa pretensão. Cuida-se de direito subjetivo instituído por lei [...].

Segundo este último raciocínio, se o Plano Diretor e lei específica

municipal especificaram as áreas sujeitas ao instituto, a forma e requisitos de sua

concessão, o tipo e o quantum da contrapartida ou isenção, o estoque por área, e, uma

vez verificado que houve total enquadramento aos termos mencionados, não existem

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razões para se negar o ato de outorga. Diante disto, acaba por categorizar o ato

administrativo de outorga do direito de construir como vinculado.

No entanto, não se pode concordar com esta posição. Já foi dito

que o solo criado encontra-se no Estatuto da Cidade como um instrumento jurídico e

político de efetivação da política urbana. Sendo assim, deverá estar em consonância

com o plano urbanístico. No entanto, admite-se que nenhum plano é infalível ao ponto

de afastar eventual equívoco ou imprevisão.

As autoridades municipais e os técnicos envolvidos no

planejamento não devem conceber o Plano Diretor como um fim em si mesmo, mas

como um instrumento, veículo de identificação da realidade urbana, que propõe

mecanismos de alterações ou manutenções desta realidade, conforme o caso,

objetivando o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantindo o

bem-estar de seus habitantes.

De acordo com as peculiaridades de cada município, de cada área

ou região, serão necessários mecanismos distintos para solucionarem os problemas

existentes. O Plano Diretor não é mera formalidade legal, deve estar sensível a tudo

isto, para que assim, possam ser previstos quais os tipos de instrumentos que irão

atender a específica necessidade.

Dependendo da peculiaridade do Município, poderá optar pela

instituição ou não de determinados instrumentos, entre eles, o solo criado.

Desde logo, verifica-se que, em face da realidade municipal analisada, a concepção, estruturação e dimensionamento dos aludidos instrumentos será diversa. Não há que se falar, necessariamente, na aplicação efetiva de todos os instrumentos incondicionalmente por todos os municípios. É preciso ter presente que a norma do art. 30 e seus incisos da Constituição Federal garante ao Município “legislar sobre assuntos de interesse local”. A vetusta norma constitucional não só garante efetivamente o princípio da autonomia municipal, em seus vários aspectos, mas, inclusive, serve para diagnosticar e implementar, como bem lhe aprouver, a concretização dos instrumentos urbanísticos. Haverá município que, por suas dimensões geográficas e econômicas, não necessitará desse ou daquele instrumento urbanístico. (CEPAM, 2001, p. 319-320)

O mesmo se diz em relação à aplicação do solo criado, seja no

momento da sua escolha como instrumento normativo que irá compor o Plano Diretor,

bem como da conveniência e oportunidade para emissão do ato administrativo da sua

outorga, se já previsto no Plano Diretor como instrumento da Política Urbana.

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Frisamos nosso entendimento, no sentido de que há

discricionariedade tanto no momento da avaliação política quanto à adoção ou não

deste instituto, da forma e extensão na previsão normativa, bem como há

discricionariedade no momento da emissão do ato administrativo da outorga onerosa.

Fala-se em discricionariedade para o legislador municipal. O

Estatuto da Cidade estabeleceu um quadrante normativo, no âmbito das normas gerais

de fixação de diretrizes do instituto do solo criado. Por outro lado, deixou vários pontos

a serem preenchidos pela legislação municipal, tal com fixação de índices, estipulação

do “quantum” da contrapartida e outros, conforme as peculiaridades do Município.

Em relação ao ato administrativo da outorga onerosa, também

defendemos sua natureza discricionária. Não se pretendendo delongar no conceito de

discricionariedade, por suplantar o objetivo deste trabalho, é válido adotar, por ora, o

ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 09; 48):

Haveria atuação vinculada e, portanto, um poder vinculado, quando a norma a ser cumprida já predetermina e de modo completo qual o único possível comportamento que o administrador estará obrigado a tomar perante casos concretos cuja compostura esteja descrita, pela lei, em termos que não ensejam dúvida alguma quanto ao seu objetivo reconhecimento. Opostamente, haveria atuação discricionária quando, em decorrência do modo pelo qual o Direito regulou a atuação administrativa, resulta para o administrador um campo de liberdade em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua quanto à maneira de proceder nos casos concretos, assistindo-lhe, então, sobre eles prover na conformidade de uma intelecção, cujo acerto seja irredutível à objetividade e ou segundo critérios de conveniência e oportunidade administrativa. Diz-se que, em tais casos, a Administração dispõe de um “poder” discricionário. [...] Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.

Além das normas urbanísticas, o contexto fático também irá

condicionar o ato administrativo da outorga onerosa do direito de construir. Não dá

para a norma prever abstratamente todas as condições para a outorga onerosa do direito

de construir, razão pela qual deixa à apreciação da autoridade competente qual será a

melhor medida.

Isto não caracteriza, em hipótese alguma, um poder arbitrário,

ilimitado por parte da autoridade competente. Plano Diretor e norma municipal

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específica deverão prever os critérios a serem considerados no momento da apreciação

do requerimento de outorga onerosa do direito de construir. Estes critérios deverão, por

sua vez, afinar com os objetivos da política urbana.

Desta assertiva, dois pontos merecem esclarecimentos: 1) quais

serão estes critérios?; 2) quais serão os objetivos da política urbana a serem perseguidos

pelo solo criado?

Em relação à primeira indagação, a resposta insere-se no campo

do poder discricionário do legislador municipal. Substitui-se o problema? Há de se

dizer que no momento da criação do solo criado no Plano Diretor e no momento da

criação da norma municipal específica, deverão ser analisadas as peculiaridades de

cada Município e assim, fixá-los em sintonia com a realidade que lhe serviu de

substrato. Desta forma, fica difícil estabelecer aqui quais seriam os critérios específicos

a serem observados, pois cada realidade moldará o tipo ideal.

O certo é que todos deverão perseguir os objetivos da política

urbana. Admitimos que, ao dizer que os objetivos da política urbana se fundam no

“bem estar social de seus habitantes”, na “finalidade pública” em nada esclarece o

problema, pois estaríamos utilizando termos vagos por demais, com imprecisão

semântica que impossibilitaria vislumbrar-se, pelo menos, a idéia do que se pretende

com referida política. A parte final do “caput” do art. 182, também possui referido

conceito jurídico indeterminado: “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Embora contenha uma imprecisão semântica, não são termos

ocos, tendo um norte, que nos faz inferir um conteúdo possível à luz das circunstâncias

reais do caso concreto. Em relação específica ao solo criado, considerando seus

elementos fundamentais, como instrumento jurídico e político da política urbana, pode-

se de antemão expressar os objetivos por ele visados, que serão vistos adiante, cabendo

agora somente o elenco: a) promover o ordenamento adequado da cidade, evitando-se o

adensamento das áreas em face de novas construções; b) servir de instrumento de

isonomia, na justa distribuição dos ônus e benefícios da atividade urbanística; c) servir

como instrumento de correção ou redução das externalidades negativas do mercado

imobiliário.

Se da aplicação do instrumento do solo criado resultar no

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sacrifício destas metas, a autoridade deverá negar o pedido de outorga. Para tanto,

deverá motivar expressamente sua decisão, com base nas circunstâncias do caso

concreto, explicitando as previsões do plano em antinomia com a realidade posta no

momento da outorga, prejudicial aos preceitos da Política Urbana.

Demais, quanto mais se executa o plano urbanístico, mais ele se

torna obsoleto. Como o desenvolvimento urbano é mutante, o que se planejou ontem

como ideal, hoje poderá ser prejudicial, em virtude da alteração da realidade que lhe

serviu de base ao planejamento.

Assim, deve-se tomar a devida cautela no momento da concessão

da outorga onerosa do direito de construir, ao se verificar se é útil ou prejudicial a

aplicação do instituto do solo criado. O Plano Diretor e demais normas urbanística

possuem caráter dinâmico. A Política Urbana pode fracassar se houver aplicação cega

do plano, sem se perscrutar, a cada momento de sua aplicação, sobre a subsunção do

plano à realidade.

Se houve alteração dos pressupostos fáticos considerados pelo

plano, em face da nova realidade, posta em análise no momento da outorga, não há

como aplicá-lo formalmente, sob pena de se desvirtuar dos objetivos e dos

fundamentos de determinado instrumento urbanístico. Em suma: não se aplica o mesmo

instrumento, para necessidade diversa, ou seja, se a “ratio” é outra, outro deve ser o

instituto aplicado.

Em virtude destes argumentos, não há como sustentar que a

outorga onerosa do direito de construir possua natureza vinculada. Encará-la como tal é

um erro, que poderá comprometer o ordenamento adequado da cidade e a consecução

de sua finalidade social.

Ilustrando, temos a seguinte hipótese: um Município instituiu em

seu Plano Diretor e Lei Municipal Específica o instrumento do solo criado; tomou por

base a infra-estrutura existente em determinada área e seu entorno, bem como o

adensamento provável (§ 3�, do art. 28, do Estatuto da Cidade), fixando o coeficiente

de aproveitamento máximo e respectivo estoque para a zona. Por meio da lei específica

aludida, determinou as condições a serem observadas para a outorga, a forma do

cálculo para sua cobrança e a contrapartida do beneficiário.

Passado um tempo, referida zona e seu entorno adensou-se mais

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que o previsto, tanto pelo volume quanto pelo período esperados, acarretando

congestionamentos nas ruas e transtornos decorrentes da falha na prestação dos

serviços públicos em geral. Esta situação poderia não ter sido prevista, seja pela própria

impossibilidade de vislumbrá-la, seja pela falha do planejamento. Perante esta situação,

seria correto exigir da autoridade responsável conceder novas outorgas? Isto não iria

agravar mais ainda o problema?

Não se trata de apologia ao descumprimento das normas de

cunho urbanístico. Frisa-se que a atividade urbanística está calcada no princípio da

legalidade, contudo, o que se pretende, de fato, é assegurar a finalidade da Política

Urbana, bem como todos os demais princípios correlatos a esta atividade. No caso,

acima de qualquer interesse individual, prevalece o interesse público.

Na gestão e controle do desenvolvimento urbano, as autoridades

e técnicos envolvidos, freqüentemente se deparam com o inesperado ou com fatores

negativos que acabam se desenvolvendo de forma mais célere que o estimado. Por isto,

esta preocupação não é ignorada pelas legislações.

Exemplo disto é o Plano Diretor de São Paulo (Lei nº 13.430, de

13/09/2002), que no art. 212, §§ 3º e 4º, exige monitoramento freqüente sobre o

impacto na infra-estrutura e no meio ambiente, decorrente da concessão da outorga do

potencial construtivo adicional, e, caso este monitoramento constate que haja uma

tendência de saturação da ocupação de determinada área da Cidade, no período de um

ano, a concessão da outorga onerosa do potencial construtivo adicional e a

transferência do direito de construir poderão ser suspensas, no prazo de 180 (cento e

oitenta) dias, por meio de Decreto do Executivo.

Este posicionamento está em sintonia com o princípio da coesão

dinâmica, implícito ao planejamento urbano. Daniela Campos Libório Di Sarno (2004,

p. 51) explica que:

O princípio da coesão dinâmica surge justamente para que as modificações feitas pelas interferências urbanísticas sejam continuadas por ações que tenham pertinência e nexo com o contexto. As mesmas prioridades, o mesmo enfoque deverá se dado para as ações urbanísticas de um certo local em certo tempo. A dinâmica do planejamento é fundamental para a eficácia deste princípio. Na medida em que certo plano seja aplicado, ele vai se desatualizando com relação ao seu objeto, justamente por transformá-lo. Assim, o plano deverá prever mecanismo de revisão e atualização de seu conteúdo. É a coesão dinâmica.

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Se este princípio parte da premissa, já constatada, de que a

própria aplicação do plano altera a realidade, demandando a alteração do planejado,

pela mesma razão poderá deixar de se outorgar o direito de construir (ou seja, aplicar o

solo criado), caso se verifique que este ato não mais se coaduna com o interesse

público. Não quer dizer que a autoridade tenha um poder arbitrário. Há sim um poder

discricionário, em que se exige a devida motivação do ato denegatório da outorga.

Como dispositivos que concretizam aludidos princípios, temos,

também, o § 3º, do art. 40, do Estatuto da Cidade, que obriga a revisão do Plano Diretor

pelo menos a cada 10 (dez) anos, ao passo que no inciso III, do art. 42, do mesmo

Estatuto, dispõe que o plano diretor deverá conter, no mínimo, sistema de

acompanhamento e controle.

Foi dito alhures que muitos municípios no Brasil, mesmo antes

do advento do Estatuto da Cidade, já dispunham nas suas legislações acerca do solo

criado. No entanto, apesar da doutrina e Carta de Embu terem delineado aludido

instituto, posicionou-se no sentido de que havia inconstitucionalidade na sua

implantação, somente com base na legislação municipal, sem que houvesse prévia Lei

Federal que o regulamentasse.

Bastos (1993, p. 223-224), em parecer acerca do projeto de Lei

do Plano Diretor do Município de São Paulo, emitido em 25 de março de 1991,

concluiu haver inconstitucionalidade da previsão de instrumentos da política urbana,

fundando-se na necessidade de prévia lei federal:

O projeto sob comento em muitos pontos é inconstitucional por precipitação. É dizer, por ter se adentrado por questões que a Lei Magna da República exige uma prévia normatividade federal. No sempre citado artigo 182, já é feita uma primeira referência à lei federal quando fica estatuído que a política de desenvolvimento urbano, nada obstante executada pelo Poder Público Municipal, há de obedecer às diretrizes gerais fixadas em lei federal. Idéia que vem reforçada pelo § 4º, do mesmo artigo que ao autorizar a exigência da promoção do adequado aproveitamento da propriedade deixa certo que tal medida só pode ser levada a efeito se antecedida de lei federal.

A definição jurídica do instituto do solo criado e requisitos de

sua outorga implica diretamente no campo de definição e conformação do direito de

propriedade. Sendo assim, as normas gerais definidoras do instituto, inegavelmente,

devem ser legisladas pela União, em virtude de sua competência privativa, nos termos

do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.

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É que somente à União compete definir, por meio de lei geral,

cada instrumento de consecução da Política Urbana, segundo inciso IX, do art. 21,

cumulado com art. 24, inciso I, § 1º e art. 182, caput.

Foi o que fez, por meio do Estatuto da Cidade, estando superada

esta controvérsia jurídica, definindo-se o instituto do solo criado e regulamentando os

requisitos elementares para sua outorga.

A partir daí, o Município passou a ser encarado como principal

agente da Política Urbana. De acordo com o art. 30, inciso I e II, cumulado com art.

182, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, a ele compete executar a Política de

desenvolvimento urbano, utilizando-se do Plano Diretor como instrumento básico.

Atente-se, ainda, para o poder expressamente concedido ao município para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, preceituado no art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, sem se esquecer da competência municipal para executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (CEPAM, 2005, p. 24)

Embora já houvesse previsão desta competência, desde a

promulgação da Constituição Federal de 1988, somente com a instituição das normas

gerais por parte da União, ou seja, do Estatuto da Cidade, possibilitou ao Município

assumir juridicamente esta incumbência constitucional.

O Município deve estar preparado ou preparar-se para essa missão constitucional que lhe incumbe através da Lei 10.257/2001. Sua condição de ente federativo torna-o mais responsável em face da Política Urbana porque, mesmo atuando na esfera local, ele deverá responder pelo bom êxito de uma política nacional, naquilo que lhe toca. É o caso de se recordar que o Município, embora “parte” da Federação, tem a missão do “todo” (a União), uma vez que estão em jogo os interesses maiores da nação. (MILARÉ, 2004, p. 631).

Para que o Município cumpra sua missão constitucional,

utilizando-se do solo criado como instrumento da Política Urbana, deverá observar a

estrutura normativa necessária. Em suma, deverá conciliar a Constituição Federal, o

Estatuto da Cidade, o Plano Diretor Municipal juntamente com a Lei de Zoneamento e,

por fim, a Lei Municipal Específica.

Pela Constituição Federal institui-se a Política Urbana, dispõe

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sobre seus princípios e objetivos, além de estabelecer a competência municipal para seu

desenvolvimento. O Estatuto da Cidade regulamenta a Constituição Federal quanto a

esta matéria, estabelecem-se as diretrizes gerais, fundamentos e finalidades da Política

Urbana. Para tanto, ele ainda define os diversos instrumentos que atuam no

planejamento, gestão e controle de referida política.

O Plano Diretor, por sua vez, é o instrumento básico da política

de desenvolvimento e de expansão urbana1. Nele se farão constar:

a) Os aspectos físicos, econômicos e sociais atuais e os desejados pela sociedade, com

mecanismos que visem alterar a realidade presente, na busca de uma melhor qualidade

de vida da população, propiciando o exercício de seus direitos básicos, tais como

moradia, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, lazer e trabalho

(consoante o art. 182, § 1º, da Constituição Federal);

b) Planejamento do desenvolvimento urbano, explicitando os objetivos básicos da

política urbana (consoante o art. 30, VIII, da Constituição Federal e o art. 4º, III, a, do

Estatuto da Cidade), estabelecendo diretrizes a serem observadas pelo proprietário da

terra urbana, para que se possa cumprir a função social, obstaculizando seu uso nocivo;

c) Previsão do instituto do solo criado, fixando as áreas onde será aplicável;

d) Coeficiente de aproveitamento básico único para toda zona urbana ou, se for o caso,

diferenciado para áreas específicas na zona urbana (questão controvertida, que será

vista adiante);

e) Definição dos limites máximos a serem atingidos pelo coeficiente de

aproveitamento, considerando a “proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e

aumento de densidade esperada em cada área” (§ 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade).

Importante observar, ainda, a forma de positivação do Plano

Diretor. Para a aprovação do Plano Diretor, deverão ser observados os procedimentos

previstos no Estatuto da Cidade, no art. 40, § 4º, incisos I ao III, consistentes em

“audiências públicas e debates com a participação da população e de associações 1 José Afonso da Silva, em parecer sobre “Aspectos Relevantes da Lei nº 13.260/01 – Operação Urbana Água Espraiada”, sob a organização da EMURB – Empresa Municipal de Urbanização e Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Município de São Paulo – CEJUR, emitido em data de 04, de abril, de 2002, explica que: “O sistema de planos urbanísticos concebido pela Constituição e agora consolidado no Estatuto da Cidade se assemelha ao sistema italiano que agrupa os planos urbanísticos em duas categorias: planos urbanísticos gerais e planos urbanísticos especiais. O plano diretor é o plano geral do sistema brasileiro. É assim que a Constituição o concebe quando estatui que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão. [...] É plano, porque estabelece os objetivos a serem atingidos. É diretor, porque fixa as diretrizes do desenvolvimento urbano municipal”.

48

representativas dos vários segmentos da comunidade”; “publicidade quanto aos

documentos e informações produzidos” e “acesso de qualquer interessado aos

documentos e informações produzidos”.

A inobservância deste procedimento é causa de nulidade, a ser

declarada pelo Judiciário. Não é mera formalidade, mas mecanismo de controle por

parte da sociedade civil, sendo garantia da gestão democrática da cidade. Na audiência

pública deverão ser registradas em ata todas as sugestões.

As autoridades municipais não têm obrigação de incluir o

instituto do solo criado no Plano Diretor, como instrumento da política urbana. Tudo

irá depender de sua necessidade peculiar. É mais freqüente sua inclusão nos grandes

centros, nas capitais, onde o problema do adensamento populacional e escassez da

infra-estrutura urbana são maiores.

Contudo, se na audiência pública houver sugestão no sentido de

instituir o solo criado, o não acatamento demandará expressa motivação. As sugestões

deverão ser apreciadas quanto à conveniência e oportunidade na elaboração do Plano

Diretor. O ato discricionário que não acatar referidas sugestões demandará expressa

motivação, sob pena da exigência da participação popular tornar-se inócua, mera

formalidade, desprovida de propósitos.

A falta do Plano Diretor impede a instituição do solo criado.

Nesta hipótese, não haveria fixação do coeficiente básico e máximo de aproveitamento

(§§ 2º e 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade), e, por conseguinte, imposição de limites

normativos expressos ao exercício do direito de construir.

Se o direito de propriedade é resultado do plexo de normas que

ditam seu regime jurídico, o que dizer, neste caso, da ausência do Plano Diretor e de

fixação dos aludidos índices? Carvalho Pinto (2005, p. 280-281) nos responde,

socorrendo-se à teoria alemã do princípio da vinculação situacional:

Se o conteúdo da propriedade urbana é definido pelos planos urbanísticos, como se caracteriza este conteúdo nas cidades que não dispõem de planos em vigor? O princípio da vinculação situacional é utilizado pela doutrina alemã para determinar o regime jurídico das áreas que não estejam sujeitas a nenhum plano de ordenamento territorial ou limitação setorial. Admite-se que seu regime normal é o que corresponde à manutenção da situação existente. [...] Os terrenos não edificados, mas dotados de infra-estrutura, podem receber edificações semelhantes às existentes em seu entorno [...] Admite-se apenas uma edificabilidade limitada, em harmonia com a utilização atualmente praticada [...].

49

Não entendemos que possa o Judiciário, na ausência de previsão

do solo criado no Plano Diretor, exigir das autoridades sua inclusão. Se forem

observados todos os trâmites legais exigidos para a elaboração do Plano Diretor e se

optou por não instituí-lo, não poderá o Judiciário usurpar a função do Executivo, que

teve a iniciativa do projeto e do legislativo, que deliberou a respeito. Não há de se falar,

no presente caso, de ausência de política urbana. Esta fora instituída com o perfil

adequado à realidade.

A ausência do instituto, no caso, não pode ser considerada como

omissão ou negligência das autoridades que elaboraram o planejamento urbano, mas

sim, fora opção de não consagrá-lo como instrumento, preferindo outros em face da

peculiaridade local.

Ainda quanto ao arcabouço legislativo necessário para a

instituição do solo criado, não devemos olvidar da importância da Lei de Zoneamento,

que, a despeito de ser norma distinta do Plano Diretor, integra-o, por meio do

mapeamento e fixação dos limites territoriais das diversas áreas urbanas, bem como seu

respectivo regulamento. Em relação ao solo criado, a Lei de Zoneamento exerce seu

papel em conjunto com o Plano Diretor, ao estabelecer um zoneamento rigoroso,

delimitando as áreas urbanas, fixando as dimensões mínimas dos lotes e, por fim,

classificando os tipos de uso permitidos para cada área.

Por fim, de acordo com expressa previsão do art. 30, do Estatuto

da Cidade, para instituir o solo criado é necessário criar lei específica, que irá tratar das

condições a serem observadas para a outorga onerosa; da espécie e “quantum” da

contrapartida; da fórmula de cálculo para a cobrança da contrapartida e dos casos

passíveis de isenção do pagamento da outorga.

Pensamos que o objetivo de se exigir “lei específica” prende-se à

razão de proporcionar maior flexibilidade na sua instituição, respondendo às

circunstâncias, possibilidades, objetivos e interesses públicos do momento e de cada

área. Se tudo fosse previsto abstratamente no Plano Diretor, para toda e qualquer

ocasião, haveria um distanciamento muito grande das reais necessidades, das

peculiaridades e condições que orientarão a concessão da outorga do direito de

construir, por parte do Poder Público Municipal.

50

4 COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO BÁSICO E

COEFICIENTE DE APROVEITAMENTO MÁXIMO

O coeficiente de aproveitamento é definido no § 1º, do artigo 28,

do Estatuto da Cidade, como a relação entre a área edificável e a área do terreno. De

acordo com Eros Roberto Grau (1983, p. 56), "o coeficiente de aproveitamento

expressa a relação entre a área construída (isto é, a soma das áreas dos pisos utilizáveis,

cobertos ou não, de todos os pavimentos de uma edificação) e a área total do terreno em

que a edificação se situa".

Criou-se a figura do coeficiente de aproveitamento para regular e

controlar a densidade das edificações. Por exemplo: se um terreno possui duzentos e

cinqüenta metros quadrados, será permitida a construção na extensão de quinhentos

metros quadrados se o coeficiente de aproveitamento fixado for “2”.

O coeficiente de aproveitamento qualificado como “básico” pelo

Estatuto da Cidade, no caput do art. 28 e seu § 2º, é o potencialmente explorável sem

que haja necessidade de outorga onerosa do direito de construir pelo Poder Público.

Abaixo ou igual a este coeficiente básico, somente se requer a licença para construir,

dispensando-se a outorga onerosa do direito de construir e prestação de contrapartida

ao Município.

Em outros termos, o coeficiente de aproveitamento básico é um

índice que serve de marco distintivo da titularidade do direito de construir sobre certo

imóvel. Abaixo ou igual a ele há o direito de construir inerente ao direito de

propriedade, onde seu titular é o mesmo do direito de propriedade, ao passo que, acima

dele, o direito de construir pertence à coletividade.

Neste último caso, somente poderá ser exercido o direito de

construir se houver concessão da outorga ao Poder Público Municipal e o particular

prestar uma contrapartida. Também será possível, consoante norma municipal, adquirir

o potencial construtivo de outro particular. Porém, este direito que fora transferido, tem

por origem a outorga, não se dispensando o controle e ratificação de seu exercício, por

parte do Município.

Nos termos do § 2º, do art. 28, do Estatuto da Cidade, o

51

coeficiente de aproveitamento básico, fixado no Plano Diretor, poderá ser único para

toda a zona urbana, bem como poderá ser distinto para áreas específicas dentro da zona

urbana. Portanto, coeficiente de aproveitamento básico não se confunde com

coeficiente único.

A estipulação de coeficiente de aproveitamento básico

diferenciado pelo Plano Diretor poderá configurar uma situação de iniqüidade, de

desrespeito ao princípio da isonomia, estimulando, inclusive, a especulação imobiliária.

Constata o mesmo problema Júlia Verna Ferreira de Souza (et al.,

1991, p. 161-162), apregoando-se a adoção de coeficiente único como solução:

[...] o índice de aproveitamento, como já referido, tem se mostrado, por si só, mecanismo insuficiente para o efetivo e racional controle do uso do solo urbano. Com efeito, sendo variável, isto é, havendo diferentes coeficientes de aproveitamento em diferentes zonas, os terrenos cujo o coeficiente de aproveitamento for maior, terão, como conseqüência, uma maior valorização, enquanto os terrenos de coeficiente menor sofrerão uma queda de valor. Vale dizer, os terrenos valorizam-se ou depreciam-se em decorrência do volume de construção que poderão suportar em função do coeficiente de aproveitamento. Trata-se de situação iníqua, atentatória do princípio da igualdade, já que dá tratamento desigual aos proprietários de terrenos que, assim, aleatoriamente, ganham ou perdem. [...] O que se pretende, então, para corrigir a distorção a pouco assinalada é, exatamente, o estabelecimento de um coeficiente único, de tal forma que o direito de construir do proprietário encontre seus limites nesse mesmo coeficiente único. A construção que venha exceder esse coeficiente será solo criado.

No mesmo diapasão Barreira (et al., 1998, p. 27):

Em geral, estabelecem-se índices diferenciados para as diferentes zonas, procedimento este que, se por um lado demonstra-se razoável em razão dos objetivos urbanísticos, por outro perpetra regalias incompatíveis com o princípio isonômico, pois importa em propiciar valorização superior àqueles terrenos aos quais incidam coeficientes maiores. Chegou-se, assim, à idéia da fixação de um coeficiente único, cuja superação constituiria solo criado.

O solo criado idealizado pela Carta de Embu previu somente o

“coeficiente único de edificação para todos os terrenos urbanos”. A previsão de

coeficiente “diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana” positivou-se

por meio do mencionado § 2º, “in fine”, do art. 28, do Estatuto da Cidade.

Conclui-se que seria melhor se o próprio Estatuto da Cidade

tivesse fixado o coeficiente de aproveitamento básico e único para todos os municípios,

52

garantindo o mínimo de conteúdo ao direito de propriedade. Isto porque é a União o

ente da federação competente para esta matéria, nos termos do inciso I, do art. 22, da

Constituição Federal. No entanto, a fixação de índice de aproveitamento acima deste

patamar básico possui cunho urbanístico, de competência municipal.

É o que fez a França por meio da Lei nº 75-1.328 de 31 de

dezembro de 1975 (“Plafond Legal de Densité”), que instituiu coeficiente construtivo

correspondente a “1” para todo o território francês, enquanto que, para a região de Paris,

fixou-se o coeficiente de “1,5”.

Não se tem pela Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 o conteúdo exato do direito de propriedade. Ela o reconhece e o condiciona a

uma função social, segundo visto anteriormente. Contudo, a dificuldade é de se saber

decifrar e entender o conceito jurídico indeterminado da “função social da propriedade”.

A despeito desta imprecisão, há como compreendê-lo em face da

realidade de cada Município. O art. 182, § 2º, estatui que a “propriedade urbana cumpre

sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade

expressa no plano diretor”. Portanto, será o Plano Diretor que determinará referido

conceito da função social, da maneira que melhor satisfaça o interesse local, respeitado

o direito fundamental do conteúdo mínimo da propriedade.

Para que o Município elabore seu Plano Diretor, como

instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º,

C.F./88), prevendo o solo criado, inclusive, como instrumento de sua consecução, deve

existir prévia lei federal que disponha sobre as diretrizes gerais de referida política.

Embora o Estatuto da Cidade não tenha já fixado o coeficiente de

aproveitamento básico, seria um erro afirmar, categoricamente, que toda e qualquer

fixação deste índice pelo Município desemboca na inconstitucionalidade.

Esta conclusão dependerá da forma como foi instituído. Para se

preservar a constitucionalidade do instituto do solo criado, é evidente que o Poder

Público Municipal não poderá prescindir da razoabilidade, restringindo demasiadamente

o exercício do direito de construir, fixando coeficiente e aproveitamento básico

restritíssimo, que leve ao esvaziamento do direito de propriedade. Deve-se reservar um

mínimo possível de coeficiente construtivo ínsito ao direito de propriedade, que faculte

ao seu titular o exercício deste direito.

53

Segundo Bastos (1993, p. 214), o conteúdo do direito de

propriedade pode ser retirado do próprio sistema constitucional:

É certo que a própria Constituição não explicita a substância deste direito. Isto, contudo, não significa que tenha utilizado uma palavra oca cuja significação fique inteiramente ao talante da legislação ordinária. Embora com nuanças, em todos os países onde a propriedade privada é consagrada, há um núcleo de prerrogativas asseguradas e tidas como um componente mínimo de sua essência.

Como frisado anteriormente, almejando-se conferir maior

segurança jurídica e evitar agressão à propriedade (e inconstitucionalidade), o ideal é

respeitar o mínimo de fruição natural da propriedade, ou seja, o volume natural da área

do terreno, por meio da fixação de coeficiente de aproveitamento básico “1”.

Este também é o entendimento de Silva (1981, p. 311):

[...] a fixação do coeficiente de aproveitamento único iguala esta equação econômica. Esse coeficiente único pode ser qualquer um, mas o mais lógico e razoável consiste no coeficiente de aproveitamento correspondente a 1 (um), o que equivale a reconhecer a todo o proprietário de terreno o direito de erguer nele uma construção correspondente, em metros quadrados, a tantos metros quadrados quantos ele tiver, ou seja, cada metro quadrado de terreno lhe dará o direito de construir um metro quadrado de edificação, coeficiente esse que poderá ser utilizado totalmente ou não, respeitados evidentemente os demais índices urbanísticos previstos para a zona. Para construir nesse limite, o interessado precisará apenas de obter a correspondente licença da Prefeitura, tal como ocorre atualmente para toda a construção.

Se por razões outras não for possível respeitar o coeficiente

básico fixado no volume da área do terreno, tal como ocorre no imóvel tombado, é

justo que se compense o proprietário por meio do instituto da “transferência do direito

de construir”, previsto no art. 35 do Estatuto da Cidade.

O critério que deve guiar o legislador na fixação do coeficiente

de aproveitamento básico é o interesse público visado pela política urbana, atentando-

se ao princípio da igualdade, impessoalidade, moralidade e eficiência (artigos 5º e 37,

“caput”, da Constituição Federal). Será legítima esta interferência legislativa se o ato

político de decisão estiver pautado em justificativas de ordem técnica, juridicamente

motivada, para evitar desigualdades e favoritismos. Ressalta-se, neste momento, a

importância da participação popular nas audiências públicas, como forma de controle.

Marques Neto (et al., 2002, p. 236) defende que o coeficiente de

54

aproveitamento básico deverá observar três parâmetros, a saber:

O primeiro é ditado pelo princípio da impessoalidade, de modo a interditar o estabelecimento de coeficientes básicos que onerem ou desonerem, imotivadamente, indivíduos específicos ou situações particulares. O segundo, decorrente do princípio da finalidade, traduz-se na adstrição dos critérios para estabelecimento do ou dos coeficientes básicos de aproveitamento a partir das razões urbanísticas balizadoras do plano diretor. Por fim, há que se ter em conta que a fixação do coeficiente básico não poderá ser tal que sirva para desnaturar o direito de propriedade, condicionando toda a edificação à obtenção de outorga onerosa do direito de construir pelo proprietário.

O coeficiente de aproveitamento básico é distinto da taxa de

ocupação. Os dois devem ser aplicados, conjuntamente, como forma de disciplina do

ordenamento do solo urbano, mas, enquanto o primeiro controla a densidade das

edificações, o segundo disciplina o espaço entre as elas.

Grau (1983, p. 56) define a taxa de ocupação como a “[...]

relação entre a área ocupada (isto é, a projeção em plano horizontal da área construída

acima do nível do solo) e a área total do terreno”. Dimensiona a extensão da área acima

da superfície do solo que poderá ser ocupada pela construção. Infere-se daí que o índice

máximo da taxa de ocupação é “1”, corresponde a toda área do lote.

A propósito, Silva (1997, p. 228) esclarece que:

[...] taxa de ocupação e o coeficiente de aproveitamento (também denominado de índice de ocupação e índice de utilização, respectivamente) são dois instrumentos básicos para definir uma distribuição eqüitativa e funcional de densidades (edilícia e populacional) compatíveis com a infra-estrutura e equipamentos de cada área considerada. Pelo primeiro desses índices urbanístico, estabelecem-se os limites de ocupação do terreno, isto é, define-se a área do terreno que será ocupada pela edificação. Equivale, pois, à superfície de terreno edificável. Pelo segundo, define-se o grau de aproveitamento do terreno, isto é, fixa-se a quantidade de edificação, em metros quadrados, que pode ser construída na superfície edificável do terreno.

Segundo Barreira (et al., 1998, 26-27):

A taxa de ocupação refere-se a área do terreno que poderá ser utilizada para a construção. Significa dizer que, se por hipótese for fixada a taxa de 0,3, a construção poderá ocupar 30% da projeção horizontal do terreno. Esse fator, portanto, jamais será superior a 1 e, via de regra, aproxima-se de 0,5 (50% do terreno); a utilização é controlada através de coeficiente de aproveitamento, que é a relação entre área do lote e o total de construção. Uma área de 1.000m2 localizada em zona onde o coeficiente é 2 poderá receber construção de até 2.000m2. A primeira, pois, indica o espaço que a edificação ocupa do terreno e o segundo, a sua densidade.

55

O Estatuto da cidade refere-se ao coeficiente de aproveitamento

máximo, no § 3º, do art. 28, que remete ao Município a fixação dos limites máximos

daquelas construções que ultrapassem o coeficiente de aproveitamento básico. Este

índice é o teto admitido para construção oriunda da outorga onerosa do direito de

construir. Em outras palavras, o coeficiente de aproveitamento máximo é o volume

máximo de construção permitido para o solo criado, de acordo com previsão do Plano

Diretor. A fixação do coeficiente de aproveitamento máximo é de competência

municipal, sendo um típico índice urbanístico.

Para que seja estabelecido este coeficiente máximo, no momento

da elaboração do Plano Diretor, os técnicos e autoridades municipais deverão tomar por

base a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade

esperada em cada área.

Segundo Carvalho Filho (2005, p. 201):

[...] É de grande relevância prognosticar referida adequação. Se a demanda atual e a projetada, resultantes da construção, forem de tal ordem que a infra-estrutura local não possa atende-las, será necessário impedir esse tipo de construção. Como é sabido, vários gravames de ordem urbanística poderão atingir moradores e usuários da área. Desse modo, não há como deixar de averiguar se os serviços componentes da infra-estrutura poderão dar suporte à demanda oriunda da construção. De fato, o aumento exagerado de moradores, ou de usuários, pode acarretar indesejável colapso na execução de serviços públicos, como energia, saneamento básico, água, transportes, educação, assistência médica, etc. Ademais, o Estatuto, como já vimos, estabelece, em várias passagens, a importância da proporcionalidade entre infra-estrutura e demanda para fins de política urbana. Para exemplificar, citem-se o art. 2�, I (garantia do direito a cidades sustentáveis), VI “a” (utilização inadequada de imóveis urbanos); VI, “d” (empreendimentos geradores de excessivo tráfego); VI, “f” (deterioração de áreas urbanizadas), dentre outros.

Não é fácil apurar com critérios de objetividade o real significado

da expressão “proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de

densidade esperada em cada área”. A despeito desta imprecisão semântica, a apreciação

técnica da realidade de cada município, das condições das suas diversas áreas, serão os

pressupostos fáticos necessários para o estabelecimento do coeficiente máximo de

aproveitamento.

Vejamos comentário de Marques Neto (et al., 2002, p. 237), no

mesmo sentido:

Duas notas defluem necessárias. Primeiro, que o Estatuto fixou como

56

parâmetro de limitação da criação do solo não a infra-estrutura projetada ou potencialmente a ser desenvolvida, e sim a infra-estrutura já existente quando da definição dos limites máximos (é dizer, quando da elaboração do plano diretor). Outra, que a proporcionalidade preconizada deverá ser detalhadamente demonstrada e deverá ser detalhada para cada região da cidade. Se acima criticamos a possibilidade de diferenciação local entre os coeficientes básicos de aproveitamento, considerando-a inconveniente e incompatível com o instituto do solo criado, no tocante aos limites máximos a diferenciação é de rigor. Só com a regionalização destes limites é que se pode ter o solo criado com um forte caráter de ordenação urbanística, esvaziando seu caráter de instrumento de arrecadação.

Com base nestes estudos, o Plano Diretor poderá estabelecer

diferentes coeficientes de aproveitamento máximos, para distintas zonas, sem que isto

ofenda o princípio da isonomia. Em relação ao coeficiente de aproveitamento máximo a

conclusão é distinta do caso de fixação diferenciada do coeficiente de aproveitamento

básico.

O estabelecimento diferenciado de índices, no caso do

coeficiente de aproveitamento máximo, é justificado pelas condições factuais de cada

área, ou seja, da infra-estrutura existente, apuradas e justificadas por meio de critérios

objetivos.

Demais, a fixação diferenciada do coeficiente máximo de

aproveitamento, por outro lado, não representa iniqüidade entre os proprietários de

diversas áreas, nem muito menos estímulo à especulação imobiliária, pois, a construção

acima do coeficiente de aproveitamento básico não é gratuita, não representando, desta

forma, um favor legal ao proprietário.

A aquisição do direito de construir além do coeficiente de

aproveitamento básico, até o limite do coeficiente de aproveitamento máximo, depende

da outorga do solo criado e está atrelada ao cumprimento de uma contrapartida, por

parte do beneficiário.

Para a correta e segura aplicação do instituto do solo criado, não

basta fixar o coeficiente de aproveitamento básico e máximo. É necessário, ainda,

estabelecer para cada área um estoque de potencial construtivo, em metros quadrados,

que poderão ser objetos de solo criado.

Ainda, é importante haver previsão de mecanismos de

acompanhamento da evolução das respectivas outorgas, da quantidade de potenciais

construtivos consumidos e o saldo de estoque, principalmente, quanto ao controle das

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transferências do direito de construir.

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5 DA CONTRAPARTIDA

Contrapartida é o ônus financeiro no qual se obriga aquele que

teve para si o benefício de construir além do coeficiente de aproveitamento básico, por

meio do instituto do solo criado, decorrente da outorga do Poder Público Municipal.

Consoante Gasparini (2002, p. 171):

Contrapartida é a compensação que o beneficiário da licença para construir acima do coeficiente de aproveitamento entrega ao Município. Contrapartida é expressão ampla que significa uma compensação, um contrapeso em dinheiro (entrega de certo valor), em bens (doação de área para alargamento de via pública), em construção (execução de um viaduto) ou em serviço (execução de pavimentação).

A onerosidade da outorga do direito de construir é tida como

regra no Estatuto da Cidade, sendo condição expressa na própria nomenclatura da

“Seção IX”, do “Capítulo II”. Outrossim, o art. 30 dispõe que “Lei municipal específica

estabelecerá as condições a serem o observadas para outorga onerosa do direito de

construir” (grifo nosso).

Segundo Carvalho Filho (2005, p. 206), a onerosidade é

inferência lógica do sistema, pois, “não haveria mesmo por que ser gracioso o

consentimento estatal. Afinal, o ato de outorga transmite benefício direto para o titular

do direito de construir [...] em locais onde a construção desejada [...] não seriam, em

princípio, viáveis”.

Esta característica nos remonta desde o solo criado da Carta de

Embu, que atribuía ao beneficiário do solo criado uma obrigação equiparável ao do

loteador. Esta onerosidade, portanto, prende-se ao próprio fundamento do instituto do

solo criado.Vejamos abaixo:

[...] É constitucional exigir, na forma da lei municipal, como condição de criação do solo, que o interessado entregue ao Poder Público, áreas proporcionais ao solo criado; quando impossível a oferta destas áreas, por inexistentes ou por não atenderem às condições legais para tanto requeridas, é admissível sua substituição pelo equivalente econômico (Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, 1977).

A contrapartida se justifica em relação a dois pontos, que ora se

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apresentam numa relação conjuntiva (as duas justificativas estão presentes), ora numa

relação disjuntiva (somente se justifica em relação a um ponto), a depender do caso

concreto. A primeira justificativa é que a contrapartida atua como mecanismo de

indenização ao Poder Público (ou seja, da própria coletividade), quanto ao adensamento

proporcionado pelo particular, em virtude do aumento de construção. Portanto, o

recurso proveniente da contrapartida age na correção do adensamento urbano, às

expensas do causador do “adensamento”.

A segunda justificativa prende-se ao princípio da justa

distribuição do benefício e encargo da atividade urbanística. Visa-se corrigir as

externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando que o particular se aproprie

das “mais valias” em seu imóvel, resultante de obras públicas ou se beneficie de favor

legal, decorrente do plano urbano e outras leis de cunho urbanístico.

Neste último caso, nota-se que, por circunstâncias específicas da

cidade e por razões técnicas que nortearam a elaboração do Plano Diretor, no âmbito da

opção dos instrumentos e índices construtivos disponíveis ao adequado ordenamento da

cidade, algumas áreas passam a ganhar maior relevo econômico que outras,

valorizando-se em relação às demais.

Isto ocorre, por exemplo, quando a norma estabelece que

determinado terreno urbano, pertencente à zona “X”, é permitida a construção até três

vezes a área do lote, enquanto que em outro lote, situado na zona “Y”, permite-se a

construção na extensão restrita à área do terreno. Neste exemplo, por certo, os terrenos

situados na zona “X” tendem a se valorizar mais que os terrenos situados na zona “Y”,

em função da maior potencialidade construtiva.

Não restam dúvidas, então, de que existem situações criadas por

normas de planejamento que, mesmo de forma indireta ou que não tenham almejado,

acabam beneficiando alguns proprietários de terrenos urbanos em prejuízo de outros.

Quanto ao primeiro ponto, todavia, observa-se que a construção

em solo artificial, ou seja, além do solo natural, representa um fator preocupante para o

adequado ordenamento urbano, configurando provável fator de adensamento da área.

Esta situação demanda providências do Poder Público, para ampliação da infra-estrutura

e aparelhamento urbano, que se tornaram necessários em razão do adensamento

provocado pelo beneficiário da construção.

60

Em outros termos, se um empreendedor lucra com a construção

do solo artificial, mas, conseqüentemente, gera os problemas urbanísticos acima

relatados, é inadmissível que o Poder Público empregue seus recursos em atividades

urbanísticas reparadoras, sem que se exija do beneficiário uma compensação

(contrapartida).

Há de se dizer que, para alguns urbanistas, a criação de solo

artificial pode até não culminar, necessariamente, num fator de adensamento urbano,

argumentando que isto ocorre na maioria das vezes, em bairros periféricos, onde habita

a classe econômica mais baixa da população. Portanto, nem sempre a extensão

construída em determinado terreno está diretamente e proporcionalmente relacionada ao

adensamento populacional.

Conforme constata Rolnik (et al., 2002, p. 210-211):

[...] a idéia que um aumento do coeficiente de aproveitamento traz necessariamente um aumento de densidade no Brasil não tem sido verdadeira: o aumento de densidade da área construída nem sempre significa o aumento da densidade populacional. Pelo contrário, bairros que se transformam em centros de negócios tendem a expulsar população, esvaziando-se à noite e desequilibrando ainda mais o uso da infra-estrutura. Em São Paulo, bairros que passaram por um grande aumento da área construída, se verticalizando na década de 1990, como Tatuapé e Vila Madalena, tiveram um decréscimo populacional, pois houve a troca do perfil econômico dos moradores, por um público de mais alta renda, que exige grande área construídas por pessoa. A densidade nas cidades brasileiras é alta exatamente onde não há investimentos em infra-estruturas ou grande densidade construtiva,- as favelas e periferias de todas as grandes cidades. Desta foram, o puro aumento do coeficiente de aproveitamento pode levar ao menor e não maior aproveitamento de uma área da cidade [...]

Por isto que o fundamento da contrapartida (e do solo criado, por

conseguinte) não pode ficar adstrito, tão somente, como instrumento de solução do

adensamento urbano. Esta circunstância caracteriza o ponto disjuntivo das justificativas

quanto à imposição da contrapartida.

Se em determinadas hipóteses se possa chegar à conclusão acima,

ainda assim se justificaria a imposição da contrapartida na aplicação do instituto do solo

criado. Neste caso, seu papel seria agir como instrumento de correção, ao menos

atenuante, das externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando-se, assim, a

especulação.

Nestes termos, a contrapartida se funda na promoção de isonomia,

61

como instrumento de justa repartição dos encargos e benefícios, que eventualmente

possam decorrer da atividade urbanística. Se pelo plano urbano é possível construir

além de determinado coeficiente, que elevará o valor do imóvel, deve-se pagar um

preço por isto, tanto para que o recurso auferido retorne em obras de infra-estruturas ou

outras finalidades urbanísticas, bem como para evitar locupletamento do particular

decorrente da lei.

Desta forma se reconhece que o direito de construir tem um valor em si mesmo, independente do valor da propriedade, podendo agregar ou subtrair valor a esta. O reconhecimento deste valor do direito de construir, concedido pela legislação urbanística e as eventuais injustiças decorrentes da apropriação deste valor pelos proprietários dos terrenos, foi a grande motivação da introdução da idéia da outorga onerosa do direito de construir (ou solo criado) no Brasil. [...] O preço pago por este direito serviria para dotar a região dos equipamentos urbanos exigidos pelo adensamento provocado pelas novas construções. O objetivo deste dispositivo, seria ‘eliminar o valor diferenciado dos terrenos em função de dispositivos legais, preservar áreas verdes e de proteção aos mananciais e ao meio ambiente, preservar edificações de valor histórico e obter recursos para manutenção da cidade, que seriam gerados pelo dinamismo de sua própria economia interna. [...] Na França, a legislação proposta pelo Ministério do Equipamento visava corrigir a enorme distorção existente entre os altíssimos preços dos terrenos liberados para a construção de prédios altos e os preços baixos num bairro vizinho onde os limites para a construção eram rígidos. (ROLNIK et al., 2002, p. 200-201)

Visa-se, com isto, evitar que determinadas pessoas se apropriem

da valorização imobiliária sem que tenham praticado qualquer esforço por isto, sendo

meramente agraciados por favor legal, tal como o planejamento urbano ou de atividade

Estatal urbanística, como obras de infra-estruturas.

Concluindo, a contrapartida atua na correção do mercado

imobiliário, no sentido de devolver à coletividade o benefício patrimonial e

proporcionar isonomia entre os diversos proprietários de imóveis urbanos, além de

poder, separadamente ou em conjunto, indenizar a coletividade pela perda social

advinda do adensamento urbano, já que a construção além de certo coeficiente poderá

também acarretar este mal, provocando a saturação dos serviços e equipamentos

urbanos.

A externalidade negativa tem sua inspiração na teoria econômica,

como explica Rodrigues (2002, p. 141):

62

Externalidade é o nome que se dá a um desvio de mercado e para se compreender o fenômeno é necessária uma breve visitação às ciências econômicas [...] Externalidade pode ser positiva ou negativa, quando no preço do bem colocado no mercado não estão incluídos os ganhos e as perdas sociais resultantes de sua produção ou consumo, respectivamente [...] Para ter-se outro exemplo de externalidade negativa, basta pensar numa rede de lanchonetes que se instale próxima ao acostamento de uma via pública. Nesse caso, pergunta-se: os produtos que ali são vendidos têm embutido nos seus preços o custo social de um aumento do trânsito no local, da poluição sonora, da poluição visual, etc? Ainda, é justo que aqueles que não compram os produtos sejam “consumidores” desse efeito social negativo?

No mesmo sentido:

Externalidades são situações em que a atividade de uma unidade econômica prejudica ou beneficia outras unidades. No primeiro caso, a externalidade é negativa. No segundo, positiva. As externalidades negativas apresentam uma distribuição dos custos da atividade econômica para unidades que dela não se beneficiam. [...] As externalidades negativas e positivas podem ser exemplificadas respectivamente pela poluição ambiental e pela valorização imobiliária decorrente de obras públicas. As atividades poluidoras acarretam um custo para a sociedade, representado pelos gastos em saúde e em recuperação ambiental. São custos gerados pela atividade poluidora, mas que não se refletem no preço do produto final ou nos cálculos da unidade produtora. [...] A alta densidade encontrada nas cidades também é responsável por inúmeras externalidades nelas presentes. São muitas as atividades que produzem ruídos, odores, tráfego, poluição do ar ou das águas, erosão, etc. Além disso, a presença de uma edificação pode retirar a insolação, a vista, o acesso ou a aeração de outra. Ao mesmo tempo, as obras públicas e privadas valorizam os imóveis vizinhos, sem que sejam deles cobradas (CARVALHO PINTO, 2005, p. 53-54).

A preocupação da justa distribuição dos benefícios e encargos,

resultantes da implementação da Política Urbana também é preocupação dos

portugueses, ao cuidarem da denominada Perequação Compensatória dos Benefícios e

Encargos Resultantes dos Planos Municipais:

De acordo com o artigo 137o. do Decreto-Lei nº 380/99, os mecanismos de perequação compensatória a prever nos planos municipais de ordenamento do território devem prosseguir os seguintes objetivos: a redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos proprietários; a obtenção pelos municípios de meios financeiros adicionais para a realização das infra-estruturas urbanísticas e para o pagamento de indemnizações por expropriação; a disponibilização de terrenos e edifícios ao município para a implementação, instalação ou renovação de infra-estruturas, equipamentos e espaços urbanos de utilização colectiva, designadamente zonas verdes, bem como para compensação de particulares nas situações em que tal se revele necessário; o estímulo da oferta de terrenos para urbanização e construção, evitando-se a retenção dos solos com fins especulativos; a eliminação das pressões e influências dos

63

proprietários ou grupos para orientar as soluções do plano na direcção das suas intenções. Estes objetivos elencados pelo legislador não se situam no mesmo nível. Enquanto o primeiro – o da redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos proprietários – constitui um objectivo essencial daqueles mecanismos, uma vez que se apresenta como conatural ao princípio da perequação dos benefícios e encargos resultantes dos planos municipais, os restantes são uma mera conseqüência ou um efeito do funcionamento dos mecanismos perequativos (CORREIA, 2001, p. 490).

Se a norma municipal permite edificação acima de um coeficiente

de aproveitamento básico, possibilitando a construção de um prédio composto por

inúmeros andares, por exemplo, espera-se, como ocorre na maioria dos casos, que na

área construída e seu entorno haja um aumento de consumo sobre a infra-estrutura

existente, tal como no tráfego em vias públicas, consumo de água, serviços de esgoto,

hospitais, escolas, etc. Por isto que o § 3º, do art. 28, do Estatuto da Cidade prescreve

que a fixação do coeficiente máximo de aproveitamento, deve-se tomar por parâmetro a

“proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperada

em cada área”.

Partindo da premissa necessária de que construção além de

determinado índice pode acarretar aumento do consumo da infra-estrutura urbana,

estabelecemos o seguinte raciocínio: se por um lado há um ganho, por parte do

construtor, que teve um acréscimo patrimonial com a edificação, por outro, gerou

prejuízo para toda a coletividade, que sofrerá com o consumo maior de referida infra-

estrutura urbana, proporcionando escassez e novo investimento público na área.

O Poder Público, diante do adensamento, vê-se obrigado em

ampliar a infra-estrutura existente, com dispêndio de recursos públicos, a fim de corrigir

situação gerada pelo beneficiário da construção. Há aqui, portanto, situação de

privatização dos lucros e socialização das perdas.

Não é fácil instituir, por meio de lei, uma fórmula infalível que

possa apurar com exatidão o “quantum” das perdas sociais ou os ganhos por parte do

beneficiário do solo criado, visando futura compensação ao Poder Público ou correção

das externalidades. Como bem pondera Victor Carvalho Pinto (2005, p. 49):

Para compreender o ambiente em que se desenvolve a política urbana, é preciso estudar a características específicas do mercado imobiliário e suas técnicas de regulação. A fundamentação do urbanismo decorre simultaneamente da existência de falhas neste mercado e de técnicas capazes

64

de corrigi-las. Entretanto, nem o mercado nem a técnica atuam em um vazio institucional. A eficiência do mercado depende das regras que o organizam. Da mesma forma, a aplicação das técnicas urbanísticas variará conforme as regras que organizam o sistema político.

Embora não se tenha uma fórmula que possa responder a todos

estes objetivos, o Município deverá buscar uma que melhor ajuste a sua realidade. O

que não se admite, todavia, é a simples isenção do pagamento da contrapartida. Esta

isenção somente será possível em caráter excepcionalíssimo, quando houver interesse

público urbanístico relevante, taxativamente previsto em lei municipal específica, nos

termos do inciso II, do art. 30, do Estatuto da Cidade.

É evidente que as hipóteses de isenção, previstas em lei, deverão

guardar relação direta com os fins da Política Urbana, específicas a cada Município.

Poderão ser previstas, por exemplo, hipóteses em que se tenha intenção de estimular a

produção de determinados usos em certas áreas, como no caso das habitações de

interesse social, instalações de equipamentos culturais ou de saúde, em áreas onde haja

carência destes espaços ou equipamentos.

Embora o inciso II, do artigo 30 do Estatuto da Cidade, estabeleça

que será lei municipal específica que irá dispor sobre as hipóteses de isenção do

pagamento da contrapartida, na grande parte dos municípios estas hipóteses estão

previstas nos Planos Diretores como meio de estimular o adensamento de determinada

região, a fim de aproveitar a infra-estrutura disponível, que é um erro. Ainda, prevêem

nas obras de caráter beneficente ou em razão da finalidade social da construção. No

caso destas duas últimas hipóteses, é um erro admiti-las, pois a ordem urbanística não

compreende atos beneficentes.

Alguns juristas entendem que, ao se conceder a isenção da

contrapartida o Município deverá observar o que dispõe o art. 14, § 1º, da Lei

Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, por

considerá-la renúncia de receita tributária. Porém, não concordamos com esta assertiva,

pois a contrapartida não possui natureza tributária.

Carvalho Filho (2005, p. 204) diz expressamente que a

contrapartida é taxa, em razão do poder de polícia:

Embora o Estatuto não o diga expressamente, a cobrança exigida ao beneficiário do direito emana da instituição da respectiva taxa. É que os casos

65

de outorga do direito têm como fundamento o exercício do poder de polícia pelo Município (polícia de construções e uso do solo), eis que o ato, como foi visto, poderá ser expedido com licença ou como autorização. Esse fato gerador está expresso no art. 145, II, da CF, e no art. 77, do Código Tributário Nacional. Assim, quando a lei fala em “fórmula de cálculo para a cobrança”, deve ler-se que se trata de cobrança da respectiva taxa, única contraprestação pecuniária que guarda adequação à hipótese.

Na verdade, é um entendimento equivocado, pois a contrapartida

tem natureza de preço. É impossível fazer a subsunção da contrapartida ao art. 3º, do

Código Tributário Nacional, por várias razões.

A outorga onerosa decorre de uma faculdade do beneficiário, que

poderá requerer ou não o acréscimo de construção sobre seu imóvel, não existindo a

compulsoriedade, elemento necessário para a configuração do tributo.

A natureza da relação jurídica do instituto do solo criado, que faz

decorrer a contrapartida, está longe de ser uma relação tributária (subordinada), mais se

aproximando de relação jurídica negocial (coordenada):

A entrega desses bens imóveis ou a execução de certa obra tem a natureza de obrigação contratual e, no caso de a contrapartida ser em dinheiro, sua natureza é de preço público. Preço Público é o pagamento feito pelo particular ao Poder Público segundo o valor por este unilateralmente fixado, quando facultativa e espontaneamente adquire bens, utiliza os serviços públicos ou aufere vantagem posta à sua disposição (GASPARINI, 2002, 178).

No mesmo sentido é a posição de Lucia Valle Figueiredo (2005,

p. 125): “A contrapartida financeira da outorga onerosa caracteriza-se como preço e

jamais será tributo, inicialmente por sua não compulsoriedade. Depois, por não se

enquadrar em qualquer dos requisitos constitucionais para poder ser”.

A contrapartida nem sempre será representada por uma “prestação

pecuniária”, pois, consoante previsão em lei, poderá ser prestada “in natura”,

compreendendo entrega de bens, serviços ou obras, impossível para os tributos.

Ainda, a contrapartida não é cobrada “mediante atividade

administrativa plenamente vinculada”, mas sim de um ato administrativo de natureza

discricionária, conforme se posicionou acerca da outorga onerosa do direito de

construir. Este ato sequer se assemelha ao lançamento tributário.

Vale lembrar que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao

tratar dos instrumentos da Política Urbana, fez constar a outorga onerosa do direito de

66

construir e de alteração de uso na alínea “n”, do inciso V, do Art. 4º, categorizando-a

entre os “instrumentos jurídicos e políticos”. Se fosse um instrumento tributário e

financeiro, comporia o elenco do inciso IV, do Artigo 4º, do Estatuto da Cidade.

Se tivesse natureza tributária, o artigo 31 do Estatuto da Cidade

que vincula a aplicação dos recursos auferidos pela contrapartida às finalidades

previstas nos incisos I ao IX do art. 26 do mesmo estatuto, seria inconstitucional, nos

termos do art. 167, IV, da Constituição Federal, que veda afetação de receita de

“impostos” a órgão, fundo ou despesa, salvo as exceções deste mesmo dispositivo.

Ver o instituto do solo criado como tributo, é admitir a existência

de mais uma via de arrecadação, em que o Poder Público criaria uma dificuldade

(impondo coeficientes de aproveitamentos restritíssimos) para que assim, pudesse

vender facilidades (outorga onerosa do direito de construir) mediante o pagamento de

uma contrapartida. Esta intenção é odiosa, desvirtuando a finalidade crucial do instituto:

de servir como mecanismo de controle do adequado ordenamento da cidade e de

utilização do solo.

No que tange à fórmula do cálculo da contrapartida, também

deverá estar prevista na referida lei municipal específica (inciso I, do art. 30, do Estatuto

da Cidade). O Poder Público Municipal pode estabelecer vários critérios para calcular o

valor da contrapartida, inserindo-se dentro do campo da competência discricionária,

pois o Estatuto da Cidade não adentrou em minúcias quanto ao procedimento de

apuração, deixando ampla liberdade ao legislador e executivo municipal.

Embora não se tenha uma fórmula geral de apuração do valor pelo

Estatuto da Cidade, adverte Carvalho Filho (2005, p. 204) que:

[...] o valor que resultar da aplicação da fórmula prevista em lei deve corresponder, da forma mais precisa possível, ao benefício auferido pelo titular do direito, quando lhe é permitido construir acima do coeficiente básico da área ou lhe é autorizada a alteração do uso do solo. Aqui será preciso recorrer-se ao princípio da proporcionalidade para obter o justo equilíbrio que deve revestir tal pagamento: nem poderá ser excessivo, que não permita sequer o exercício do direito, nem irrisório a ponto de o benefício recebido pelo particular não proporcionar a respectiva e justa contrapartida.

O valor máximo exigível pela contrapartida não poderá exceder

em valor unitário do metro quadrado de “solo criado” o valor unitário do terreno, pois, o

valor do acessório (“solo criado”) não poderá ultrapassar o valor total do principal (o

67

próprio terreno)1.

De uma forma ou de outra, o importante é o estabelecimento de

um mecanismo que seja capaz de manter a proporcionalidade entre o ganho para o

beneficiário do solo criado e a perda social do adensamento, ajustado com clareza,

transparência e objetividade (art. 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988).

Mesmo que haja a fixação de uma contrapartida “in natura”, ou

seja, aquela não pecuniária, conforme tipos permitidos em lei municipal, consistente em

entrega de bens, construção ou serviços, não se prescinde do cálculo supra-referido.

Primeiro se apura a contrapartida pelo cálculo e depois se

converte na obrigação específica, com base no que for mais vantajoso para atender as

finalidades da Política Urbana (GASPARINI, 2002, p. 172).

O art. 31, do Estatuto da Cidade, direciona os recursos auferidos

pela contrapartida às finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26 da Lei nº

10.257/2001 (art. 31), ou seja, regularização fundiária; execução de programas e

projetos habitacionais de interesse social; constituição de reserva fundiária;

ordenamento e direcionamento da expansão urbana; implementação de equipamentos 1 Na cidade de São Paulo, por meio de seu Plano Diretor (Lei nº 13.430, de 13/09/2002), adotou-se o seguinte critério: “Art. 213 - A contrapartida financeira, que corresponde à outorga onerosa de potencial construtivo adicional, será calculada segundo a seguinte equação: Ct = Fp x Fs x B, onde: Ct = contrapartida financeira relativa a cada m² de área construída adicional; Fp = fator de planejamento, entre 0,5 e 1,4; Fs = fator de interesse social, entre 0 e 1,0; B significa o benefício econômico agregado ao imóvel, calculado segundo a seguinte equação: vt ÷ CAb, sendo vt = valor do m² do terreno fixado na Planta Genérica de Valores - PGV e CAb = Coeficiente de Aproveitamento Básico. § 1º - Os fatores Fp e Fs da equação prevista no "caput" deste artigo poderão ser fixados para as zonas ou parte delas, distritos ou subperímetros destes, áreas de Operação Urbana Consorciada e de Projetos Estratégicos ou seus setores. § 2º - Os fatores mencionados no parágrafo 1º deverão variar em função dos objetivos de desenvolvimento urbano e das diretrizes de uso e ocupação do solo, estabelecidas neste Plano Diretor Estratégico. § 3º - Ficam mantidos os critérios de cálculo das contrapartidas financeiras estabelecidos nas leis de Operações Urbanas em vigor. § 4º - Em caso de não cumprimento da destinação que motivou a utilização do fator Fs, o Poder Executivo procederá à cassação ou ao cancelamento da isenção ou redução, bem como a sua cobrança com multa, juros e correção monetária. § 5º - Quando o coeficiente de aproveitamento básico puder ser acrescido nas condições estabelecidas nos artigos 166 e 297 desta lei, na fórmula de cálculo da contrapartida financeira definida no "caput" deste artigo, o coeficiente de aproveitamento básico deverá ser substituído pelo coeficiente de aproveitamento que resultou da redução da taxa de ocupação”. Ainda: No caso da cidade de Natal, estabeleceu-se uma densidade básica e se vende densidades acima desta pelo valor de 1,5% do montante total o investimento na edificação. No caso da cidade de Porto Alegre, se realiza periodicamente um leilão de estoques de solo criado. Em outros casos, estabeleceu-se uma porcentagem (em torno de 70%) do valor vendal do imóvel por cada metro quadrado adicional concedido (ROLNIK et al., 2002, p. 210)

68

urbanos e comunitários; criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; criação de

unidades de conservação ou proteção de outras áreas verdes; criação de unidades de

conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental e proteção de áreas de

interesse histórico, cultural ou paisagístico.

Este elenco é taxativo, conclusão que se chega ao analisar as

razões do veto do Presidente da República sobre o inciso IX, do art. 26, do Estatuto da

Cidade, que previa “outras finalidades de interesse social ou de utilidade pública,

definidas no Plano Diretor”.

O art. 2º, do Estatuto da Cidade, estabelece as diretrizes gerais da

Política Urbana. Conforme CEPAM (2005, p. 121-122), as diretrizes que deverão ser

perseguidas pelo instituto do solo criado, que possuem afinidade com os objetivos

traçados pelos incisos I ao VIII, do art. 26, do mesmo dispositivo legal, são os

seguintes:

A) Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra

urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura, ao transporte e aos

serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art.

2º, I);

B) Planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da

população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de

influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento e seus efeitos

negativos sobre o meio ambiente (art. 2º, IV);

C) Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos

adequados aos interesses e necessidade da população e às características locais (art.

2º, V);

D) Ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a deterioração das áreas

urbanizadas e a poluição e a degradação ambiental (art. 2º, VI, f e g);

E) Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização

(art. 2º, IX);

F) Proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do

patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arquitetônico (art. 2º, XII);

G) Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de

baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e

69

ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da

população e as normas ambientais (art. 2º, XIV).

Dentre as opções trazidas pelos incisos I ao VIII, do art. 26, do

Estatuto da Cidade, o Município terá o poder discricionário de escolher e positivar

aquelas que forem consideradas necessárias para atenderem sua peculiar necessidade,

conforme as áreas específicas, constando-as em lei municipal específica. Depois de

referida positivação em lei municipal específica, observado o art. 26, incisos I ao VIII,

os recursos auferidos pela contrapartida ficarão vinculados e mais restritos. Se não

houver esta restrição, fica a extensão dada pelo Estatuto da Cidade, que é lei geral.

A afetação não se restringe somente ao recurso pecuniário, mas a

todo tipo de contrapartida, tal como bem, prestação de serviços ou obras. Não podem

ser utilizados na saúde, educação, ou outros setores que não sejam os discriminados nos

incisos acima aludidos. Caso haja desrespeito a este art. 31, incorrerá o Prefeito

Municipal em impropriedade administrativa, ex vi do inciso IV, do art 52 do Estatuto da

Cidade. Para se evitar que o recurso ingresse no “caixa geral” da Prefeitura Municipal e

tome outro rumo senão aquele para o qual foi legalmente vinculado, o ideal é a criação

de um Fundo de Desenvolvimento Urbano, a fim de que possa ser identificado do ponto

de vista orçamentário-financeiro.

O Município deverá, ainda, criar um Conselho de

Desenvolvimento Urbano, composto por servidores municipais envolvidos na atividade

urbanística e membros de diversos setores da sociedade, para atuarem como órgão

consultivo e fiscalizador da gestão urbanística, principalmente quanto ao efetivo

destino dos recursos (em dinheiro, prestação de serviços, obras, etc) provenientes da

contrapartida, garantindo-se a gestão democrática da cidade (art. 43, inciso I, do

Estatuto da Cidade).

Na composição deste Conselho é muito importante o equilíbrio

dos interesses postos em conflito. Deve-se manter rigorosa igualdade de membros tanto

do setor público quanto do setor privado. Em relação ao setor privado, o equilíbrio

também deve existir quanto à qualidade dos representantes de classe, sendo prejudicial,

por exemplo, se todos ou a maioria dos membros fossem representantes da classe

empresária vinculada à produção do solo criado (Construtoras, incorporadoras, etc), ou

o inverso (somente a classe dos usuários) que não sentem e não representam os

70

problemas enfrentados pelo empresariado.

O Conselho não terá atribuição deliberativa em relação ao solo

criado, pois o próprio Estatuto da Cidade exige lei municipal específica acerca desta

matéria (art. 30), o que usurparia a função do legislativo. Todavia, é importante que o

Conselho atue na fase da elaboração do Plano Diretor e referida lei específica como

órgão consultivo e, após sua implantação, como órgão fiscalizador.

Por fim, o recurso proveniente da contrapartida deve estar

vinculado à respectiva área na qual ocorreu a outorga onerosa do direito de construir ou

seu entorno. Seria incoerente admitir a desvinculação espacial deste recurso, em face

do que foi explicitado. Se uma área específica sofreu os efeitos do aumento de

construção, a contrapartida se justifica para atuar na correção ou atenuante do

correspondente efeito. Pensar diferente é se distanciar dos fundamentos e justificativas

que lhe deram arrimo.

Contudo, diante do art. 31, que vincula a aplicação dos recursos

às finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26, poder-se-ia, à primeira vista,

concluir que se tornou difícil, senão quase impossível sua vinculação à zona objeto da

outorga. Neste sentido, calharia indagar da possibilidade, por exemplo, da vinculação

do recurso na área em que ocorreu a outorga onerosa para a regularização fundiária

(inciso I, do art. 26)? Ou até mesmo para execução de programas e projetos

habitacionais de interesse social (incisoII, do art. 26)?

Se for considerado o pressuposto de aplicação do recurso na área

em que se deu a outorga onerosa do direito de construir, deverá o Poder Público

Municipal destiná-lo às necessidades de cada área, dentre o elenco do art. 26, e de

forma motivada. Se no caso concreto for impossível carrear o recurso para certas

finalidades previstas no art. 26, do Estatuto da Cidade, outras existirão neste mesmo

elenco que encontrarão perfeita utilidade, tal como implantação de equipamentos

urbanos e comunitários (inciso V, art. 26); proteção de áreas de interesse histórico,

cultural ou paisagístico (inciso VIII, art. 26) ou criação de espaços públicos de lazer

(inciso VI, art. 26).

As características da área que deverão ser levadas em

consideração, por parte do Poder Público Municipal, no momento da destinação do

recurso a certa finalidade. Não é necessário exaurir o elenco previsto no art. 26 e não há

71

impedimento em repetir a destinação do recurso quanto à mesma finalidade. Há

margem de discricionariedade dentro do elenco previsto no art. 26, do Estatuto da

Cidade, que não deixa de ser abrangente.

Ainda em relação à vinculação do recurso quanto à área onde

ocorreu o ato de outorga onerosa do direito de construir, outra questão deve ser

levantada. Nos casos em que a lei municipal permite a transferência do potencial

construtivo, de uma zona para outra, conforme será visto adiante, também é importante

verificar o destino do recurso, proveniente da contrapartida. Isto porque, pode o

município emitir vários Certificados de Potenciais Adicionais Construtivos, em relação

à determinada área e a construção decorrente do potencial ocorrer em outra.

Para evitar este desequilíbrio, mantendo a aplicação do recurso

na área onde ocorreu a construção por meio do solo criado, deverá a legislação

municipal estabelecer um mecanismo de vinculação do recurso à área onde

efetivamente ocorreu a construção. Embora todo recurso ingresse no Fundo Municipal

de Desenvolvimento Urbano, nada impede a afetação de recursos na área onde

efetivamente se construiu.

Da mesma forma que o Poder Público Municipal deverá prever

mecanismos de controle da aplicação dos Certificados de Potencial Adicional

Construtivo – CEPAC (baixa do certificado, no momento da outorga, observados os

critérios legais; bem como controle do estoque em relação à área), no momento da

emissão da outorga onerosa do direito de construir, deverá também manter um sistema

de informação ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, para afetação do

recurso na área onde se utilizou o CEPAC.

72

6 SOLO CRIADO E TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE

CONSTRUIR

Antes de se estabelecer a relação entre o instituto do solo criado

e da transferência do direito de construir, temos que retomar, mesmo que brevemente,

a discussão acerca da separação ou não entre o direito de propriedade e o direito de

construir, pontos comuns, pensa-se, entre o solo criado, transferência do direito de

construir e operações urbanas consorciadas.

Foi dito anteriormente que as normas de cunho urbanístico não

podem ser consideradas como limites ao “direito de propriedade”, pois, fixou-se

entendimento consoante a corrente jus-positivista. Portanto, será o plexo de normas,

partindo-se das constitucionais, que determinarão sua existência, conteúdo, forma e

extensão.

Demais, foi visto que a positivação do instituto do solo criado

implica no reconhecimento de direito de construir até determinada extensão

(coeficiente de aproveitamento básico) e que, acima dele, somente será possível se

houver outorga (onerosa) por parte do Poder Público Municipal, respeitado o limite

máximo (coeficiente de aproveitamento máximo) fixado em lei. Vale lembrar, por fim,

que o ato administrativo da outorga onerosa foi considerado como discricionário e

constitutivo de direito.

Não se nega, portanto, que haja a separação entre o direito de

propriedade e o direito de construir. Por este ponto de vista, o direito de construir ínsito

ao direito de propriedade seria aquele abaixo ou igual ao coeficiente de aproveitamento

básico, em que se exige somente a licença para construir, enquanto que haveria outro

direito de construir destacado da propriedade e pertencente à coletividade. O

proprietário do imóvel só teria para si constituído este último direito de construir, se lhe

fosse outorgado pelo Poder Público, mediante o pagamento de uma contrapartida.

Este posicionamento não significa, em hipótese alguma, o

esvaziamento do direito de propriedade, que possa conceber coeficiente de

aproveitamento básico restritíssimo. O coeficiente de aproveitamento básico deverá ser

fixado em proporção que assegure, no mínimo, a faculdade de construção no limite do

73

solo natural, ou seja, coeficiente “1”, como fora defendido.

É necessário considerar um conteúdo mínimo ao direito de

propriedade ao imóvel urbano, que tem sua expressão na possibilidade exercer a

edificação, pois, a propriedade está prevista na Constituição Federal, no art. 5º, “caput”,

como direito e garantia fundamental do homem.

Embora este dispositivo constitucional tenha aplicabilidade

imediata (nos termos do § 1º, do art. 5o. da C.F./88), não quer dizer que haja óbice

quanto a sua regulamentação. Para atender o interesse público, as leis poderão,

perfeitamente, condicionar ou limitar seu exercício1.

Se nossa Carta Magna exige que a propriedade cumpra sua

função social, ela deixa de ser absoluta e passa a ser condicionada pelas normas e

institutos da Política Urbana. Diante deste novo regime jurídico, resta desvencilhar dos

“pré-conceitos” ditados pela ordem jurídica anterior, impregnados dos valores liberais,

a fim de ser encarada a questão da separação do direito de propriedade e o direito de

construir com neutralidade, nos termos acima explicitados. Sendo assim, é correto o

pensamento de Carvalho Pinto (2005, p. 278-279-324), abaixo transcrito:

Embora não tenha sido feita na Constituição brasileira uma separação explícita entre o direito de propriedade e o direito de construir, esta pode ser considerada uma decorrência natural do princípio da função social da propriedade. A edição do Estatuto da Cidade, consagrando institutos que já vinham sendo utilizados por diversos Municípios, como a outorga do direito de construir, a transferência do direito de construir e as operações urbanas consorciadas, confirma tal entendimento. O novo regime do direito de construir exige da doutrina jurídica uma ampla revisão dos paradigmas atualmente adotados. [...] Como bem autônomo, o direito de construir pode pertencer tanto ao Estado quanto aos particulares. Entretanto, sua titularidade original é da coletividade, uma vez que o meio ambiente é um ‘bem de uso comum do povo’.

A Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas – 1 Segundo Victor Carvalho Pinto (2005, p. 275): “As restrições aos direitos fundamentais devem ser gerais e abstratas, ou seja, não podem discriminar ou favorecer nenhuma pessoa ou grupo em particular. Um ou outro segmento pode ser indiretamente beneficiado ou prejudicado, mas este não pode ser o objetivo de quem impõe a restrição. As restrições são gratuitas, ou seja, não geram em favor do indivíduo qualquer direito à indenização contra o Poder Público. Constituem um ônus normal, decorrente a vida em sociedade, caracterizando como condição de convivência, a fim de que o exercício do direito de uma pessoa não prejudique o direito de outra. Uma indenização poderá ser devida, entretanto, se a restrição incidir sobre apenas um segmento determinado da sociedade, obrigando-o a suportar um sacrifício em favor dos demais”.

74

ONU “acordou sobre a necessidade de afirmar a separação entre o direito de

propriedade e o direito de edificar, delegando a cada país representado na comissão o

desenvolvimento de critérios e mecanismos legais próprios quanto à sua aplicação”

(FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM, 2001, p. 335).

No Brasil, quando Eros Grau, Antonio Carlos Cintra do Amaral e

Jorge Bartholomeu Carneiro da Cunha, de forma pioneira, trataram das questões

envolvendo o solo criado, adotaram claramente esta linha. Todavia, a Carta de Embu

acabou não acolhendo esta tese.

Fixada a posição acerca da possibilidade da separação entre do

direito de propriedade e o direito de construir, sem descurar do conteúdo mínimo do

direito de propriedade, indaga-se, agora, se o instituto do solo criado traz ínsita a idéia

da transferência do direito de construir.

Inicialmente, é importante analisar a transferência do direito de

construir tratada no final da “Carta de Embu/Solo Criado”, aplicável nas seguintes

hipóteses:

A) Em imóvel sujeito às limitações administrativas, que impeçam a plena utilização

do coeficiente único de edificação, dando azo à alienação da parcela não-

utilizável do direito de construir;

B) Em imóvel tombado, podendo o proprietário alienar o direito de construir

correspondente à área edificada ou ao coeficiente único de edificação.

Com base nos preceitos acima, não há como concordar que o

Clássico solo criado tenha a transferência do direito de construir como elemento

essencial em sua composição. Em outros termos, analisando a natureza ontológica do

instituto do solo criado, conclui-se que a transferência do direito de construir não é um

requisito necessário para sua configuração. O mesmo se diga em relação ao Estatuto da

Cidade, pois, não se vislumbra qualquer dispositivo expresso que possa levar à

conclusão quanto ao entrelaçamento necessário entre o solo criado e a transferência do

direito de construir.

A Seção IX, do Capítulo II, do Estatuto da Cidade, que dispõe

sobre a outorga do direito de construir e alteração de uso (do art. 28 ao art. 30), não diz

expressamente, também, que uma vez outorgado o direito de construir, acima do

coeficiente básico de aproveitamento, poderia o beneficiário vender referido direito a

75

terceiro.

A Seção X do Estatuto da Cidade se refere às operações urbanas

consorciadas, sendo que em seu art. 34 dispõe que lei específica poderá prever emissão

pelo município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de

construção - CEPAC, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no

pagamento das obras necessárias à operação urbana. No § 1 º, do dispositivo

mencionado, há previsão de que os certificados mencionados possam ser negociados

livremente, sendo conversíveis em direitos de construir dentro da área objeto de

operação.

No art. 35, do Estatuto da Cidade, há previsão do instituto da

transferência do direito de construir, aplicável nas hipóteses em que o direito de

construir sobre determinado imóvel se restringe, por ter sido considerado necessário

para um dos objetivos previstos no inciso I ao III neste dispositivo.

Embora não se possa depreender que no Estatuto da Cidade o

instituto do solo criado esteja intrinsecamente atrelado à possibilidade de transferência

do potencial construtivo (potencial construtivo adicional decorrente da outorga onerosa

do solo criado), muitas legislações municipais têm admitido esta possibilidade.

Não se permite entender que isto seja uma inconstitucionalidade,

pois se o Estatuto da Cidade prevê os dois institutos, não haveria problema a utilização

destes dois, desde que não afronte os objetivos da Política Urbana. Demais, o que se

transfere não é, propriamente, o direito de construir, mas o potencial construtivo. O

direito de construir será constituído no ato da outorga, quando expedido pela autoridade

competente.

A questão que o caso envolve é a potencialidade construtiva,

muitas vezes representada por um certificado (CEPAC), que tem estreita ligação com o

consumo de infra-estrutura para determinada área e cumprimento do respectivo ônus

urbanístico (contrapartida).

Assim, existindo esta previsão em lei, o sujeito interessado na

construção, além do coeficiente de aproveitamento básico, terá opção de adquirir o

potencial construtivo do Poder Público Municipal, por meio da outorga do solo criado,

ou pelos particulares, por meio da transferência do aludido potencial (MARQUES

NETO et al., 2002. p. 233).

76

Alerta-se que a comercialização e transferência dos potenciais

construtivos, caso haja previsão na lei Municipal, deverá ser procedida de forma

cautelosa. O potencial construtivo pertencente a cada Município não é um bem

ilimitado, devendo estar previsto no plano diretor um estoque de área passível de

construção, observada a infra-estrutura existente (§ 3º, do art. 28, do Estatuto da

Cidade).

Sendo assim, o Poder Público Municipal não poderá se utilizar de

expedição de potencial construtivo, visando exclusivamente auferir recursos, desviando-

se de sua finalidade urbanística principal, ou seja, controlar a utilização do solo urbano e

promover o adequado ordenamento da cidade.

No Plano Diretor Estratégico de São Paulo, instituído pela Lei nº

13.430, de 13 de setembro de 2002, houve previsão expressa no art. 215, da

possibilidade de expedição do Certificado de Potencial Construtivo Adicional –

CEPAC, bem como a transferência de referido potencial, na modalidade objetiva e

subjetiva. A modalidade objetiva é a que se permite a transferência do potencial de um

lote para o outro, sendo ambos de titularidade da mesma pessoa; enquanto que a

modalidade subjetiva, ao revés, permite a negociação do potencial adicional construtivo,

para transferi-lo a outra pessoa (e outro lote, por conseguinte)2.

Ainda, conforme observou a lei paulistana, deve haver critérios de

aplicação e controle da aludida transferência, por parte do Poder Público Municipal,

para que o instituto não desvie de seu objetivo. Com base nesta lei, nos princípios e

2 Vejamos: “Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002 - Art. 215. Quando o Potencial Construtivo Adicional não for solicitado diretamente vinculado à aprovação de projeto de edificação, o Executivo poderá expedir Certidão de Outorga Onerosa de Potencial Construtivo Adicional, vinculada a determinado lote ou lotes, que será convertida em direito de construir com a aprovação do respectivo projeto de edificação. § 1º - As certidões expedidas na forma que dispõe o ‘caput’ deste artigo, que ainda não tiverem sido convertidas em direito de construir, poderão ser negociadas a critério da Prefeitura, desde que sejam atendidas todas as condições estabelecidas nesta Seção, para o lote que passará a receber o Potencial Construtivo Adicional. § 2º - Apresentada solicitação de transferência da certidão para outro lote, o Executivo: a) verificará se o lote para o qual se pretende transferir a certidão localiza-se em áreas passíveis de aplicação de outorga onerosa e se há estoque disponível, não sendo possível a transferência para as áreas de Operações Urbanas e Áreas de Intervenção Urbana; b) determinará o novo potencial construtivo adicional por meio da relação entre os valores dos lotes calculada, utilizando-se os valores que constam para o metro quadrado de terreno na Planta Genérica de Valores - PGV; c) poderá expedir nova certidão cancelando a certidão original, com a anuência do titular desta, realizando os procedimentos necessários à atualização e ao controle de estoque”.

77

diretrizes próprios do instituto, sugerem-se os seguintes critérios:

A) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o

CEPAC será convertido em direito de construir) submeter-se-á às mesmas

normas contidas no Plano Diretor e Lei Específica Municipal, quanto ao regime

e condições para utilização do instituto do solo criado;

B) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o

CEPAC será convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de

uso (zona de uso industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que

se originou o potencial construtivo;

C) O Poder Público Municipal deverá verificar se o lote receptor do CEPAC está

inserido em área na qual se permite a aplicação do solo criado;

D) O Poder Público Municipal deverá verificar se na área onde está situado o lote

receptor, não se esgotaram os estoques para utilização do solo criado;

E) O Poder Público Municipal deverá verificar se há compatibilidade do CEPAC

com a nova área, no que concerne aos valores divergentes entre o lote que

originou o potencial construtivo e o do lote que irá recebê-lo. Por meio de um

cálculo, previsto em Lei Municipal específica, o CEPAC será convertido e

adequado para um Novo Potencial Construtivo, considerando a proporção entre

o valor representado por cada CEPAC e a exigência para o novo lote, com a

respectiva correspondência pecuniária à extensão em metros quadrados3;

F) Lei Municipal específica deverá prever a quantidade de estoque de Potencial

Adicional Construtivo (em metros quadrados), destacados por zonas e prazo

mínimo de sua duração;

G) O Poder Público Municipal deverá controlar a evolução do consumo de

estoques, acima referidos, considerando-se consumo por zona os decorrentes da

outorga onerosa do solo criado e as decorrentes de transferências do potencial

construtivo;

H) Lei Municipal específica e/ou Plano Diretor deverão prever a possibilidade de

suspensões das outorgas onerosas do direito de construir, quando na iminência

de esgotamento dos estoques, em relação a cada área.

3 No mesmo sentido, o Município de Curitiba estabelece uma fórmula que insere no cálculo os diferentes valores das áreas emissoras e receptoras do potencial construtivo, conforme os artigos 4º e 5º, da Lei nº 9.803, de 03 de janeiro de 2000.

78

É importante destacar o item “B” acima, dispondo que o “lote

destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o CEPAC será

convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de uso (zona de uso

industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que se originou o potencial

construtivo”.

Esta condição é necessária e deverá constar expressamente de lei.

Permitir a transferência do potencial construtivo para outra zona de diferente uso

significa alterar substancialmente a natureza da construção e do potencial originário. O

Plano Diretor, ou ao menos a Lei Municipal específica, deverão constar como

impedimento transferências do potencial construtivo entre áreas onde os usos sejam

diferentes.

Não se pode transferir o potencial construtivo de um lote onde a

zona seja industrial para zona onde a zona seja residencial. Em cada tipo de uso existem

critérios distintos de apreciação da realidade, para se permitir a construção por meio da

aplicação adicional do potencial construtivo, representado pelo CEPAC. Permitir a

alteração qualitativa do potencial construtivo, ao invés de atuar como fator de

ordenamento adequado da cidade, será um obstáculo ao estabelecimento de um

planejamento rigoroso.

No que tange ao procedimento de distribuição dos potenciais

adicionais de construção, representados pelos Certificados de Potencial Adicional de

Construção – CEPAC, caso este seja adotado pelo município como forma de viabilizar

o solo criado, não se deve olvidar de sua vinculação ao princípio da legalidade, da

indisponibilidade dos bens públicos e, por fim, pelo princípio da licitação. Assim, estará

vinculado a um procedimento que proporcione isonomia entre os interessados e a

melhor vantagem para o Município.

Deve-se adotar procedimento licitatório, na modalidade do leilão,

sendo que e o valor pago será o da proposta vencedora, ou seja, a mais vantajosa: o

maior preço, desde que seja igual ou superior ao cálculo do preço mínimo, previsto em

lei municipal específica (inciso I, do art. 30).

A propósito, Floriano de Azevedo Marques Neto (et al., 2002, p.

240) entende que:

[...] a lei específica referida no art. 30 deverá prever procedimento licitatório

79

simplificado, sendo admissível inclusive, no nosso entender, a previsão, na legislação municipal, de modalidade licitatória específica, para o que a modalidade de leilão se nos apresenta como paradigma bastante adequado. Não se diga, em oposição a este entendimento, que assim se estaria ferindo o art. 22, XXVII, da Constituição, conjugado com o art. 22, § 8º, da Lei 8.666/1993. Primeiro porque a modalidade de leilão já está prevista na Lei Geral de Licitações, cuidando-se aqui apenas de ampliar as hipóteses de sua aplicação, para colher situação não prevista naquela lei nacional. Segundo porque o Estatuto da Cidade, também lei nacional e superveniente, acabou por dar expressa autorização para que lei fixe condições para a outorga onerosa (o que, a nosso ver, envolve procedimentos), sem ressalvar qualquer exigência à licitação. Por fim, porquanto o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de considerar inconstitucional a previsão na Lei Nacional de Licitações de regras que limitassem a autonomia dos demais entes federados para dispor dos bens de que são titulares (ADIN 927-3-RS, J. 3.11.1993, IN RTDP 12/173 E SS., SÃO PAULO, MALHEIROS EDITORES; 1995).

Por outro lado, se a legislação municipal vincular a venda do

potencial adicional construtivo somente aos proprietários de lotes da respectiva zona,

estar-se-á diante de um caso de inexigibilidade de licitação, nos termos do artigo 25 da

Lei 8.666/1993. Impossibilitando-se concorrência, o valor a ser pago será o resultado do

cálculo previsto em lei específica, acima referida. No entanto, se a quantidade de

estoque de potencial adicional de construção ofertada for pequena, que não dê para

todos os proprietários daquela área, justifica-se da mesma forma o procedimento

licitatório entre eles.

Se a legislação municipal restringir a compra de CEPAC somente

se o interessado provar a condição de proprietário de imóvel em que será aplicado o

potencial construtivo, por certo facilitará o controle. Por outro lado, isto poderá reduzir

o número de interessados e inviabilizar o resultado esperado pelo instituto, além de

impedir que eventual interessado na compra de certo terreno, tenha garantida a

possibilidade de construir além do coeficiente básico de aproveitamento.

Isto foi dito em relação à venda dos potenciais adicionais de

construção, por parte do Poder Público. Se houver transferência destes potenciais

construtivos pelos particulares, será o próprio mercado, em cada município, que irá

ditar o preço. Mesmo que haja transferência de particular para particular, não se

prescinde do controle do Poder Público, devendo a lei municipal específica adotar um

sistema próprio.

Deve-se reforçar o entendimento de que o Certificado de

Potencial Adicional de Construção não representa, propriamente, o direito de construir.

Na verdade, ele é um título representativo de um potencial adicional de construção,

80

sendo um ativo patrimonial, conversível em direito de construir. Antes de sua

conversão, porém, deverá passar pelo crivo do Poder Público (por meio da outorga

onerosa do direito de construir), que verificará a consonância de sua aplicação com as

finalidades da Política Urbana.

O interessado levará o projeto da obra, que, por exceder o

coeficiente de aproveitamento básico, deverá se fazer um pedido de outorga onerosa do

direito de construir, acostando o Certificado de Potencial Adicional de Construção,

como modalidade de pagamento da respectiva contrapartida.

Após a baixa do CEPAC, com a incorporação do direito de

construir além do coeficiente básico, deverá ocorrer a averbação deste direito sobre o

lote, junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente. Se o CEPAC foi

proveniente de outro lote, ou seja, foi objeto da transferência do potencial construtivo

de um lote para outro, deverá ocorrer o registro, fazendo-se constar o lote originário e o

destinatário.

A autoridade pública verificará o procedimento previsto em lei,

para a respectiva outorga, tal como a autenticidade do CEPAC; compatibilidade e

adequação do CEPAC à área que será construída em face do valor da contrapartida;

possibilidade de conceder outorga na área onde se pretende construir; existência de

estoque na área onde se pretende construir etc, conforme explicitado acima. Somente

depois de verificadas as condições necessárias previstas em lei e julgadas conforme, a

autoridade expedirá o ato administrativo da outorga do solo criado, sendo este o

momento exato da conversão do CEPAC em direito de construir, propriamente dito.

Converge no mesmo sentido Carvalho Pinto (2005, p. 287-288):

Na verdade, o plano urbanístico não atribui, por si só, direitos de construir, mas potenciais construtivos. Os potenciais definidos pelos índices urbanístico do plano transformam-se em direitos de construir após o cumprimento de ônus urbanístico, pelos quais o proprietário contribui para financiar a infra-estrutura da cidade. Ônus é um “comportamento que o sujeito deve adotar para alcançar uma determinada vantagem, que consiste na aquisição ou na conservação de um direito”. É o atendimento aos ônus urbanísticos que permite ao proprietário incorporar ao seu lote o direito de construir previsto no plano.

O legislador municipal deverá fixar um prazo decadencial para o

resgate, ou melhor, conversão do CEPAC em direito de construir, a fim de evitar a

especulação. Contudo, o prazo não deverá ser muito curto, sob pena de gerar descrédito

81

neste mecanismo.

82

CONCLUSÃO

1. A análise do instituto do solo criado implica na discussão

acerca da propriedade e direito de propriedade. A propriedade está prevista na

Constituição Federal de 1988 como direito e garantia fundamental. Contudo, a ela foi

afetada uma função social, razão pela qual o “direito de propriedade” será

regulamentado, tendo seu conteúdo, forma e extensão delineadas pelo plexo de normas

que acabam configurando seu perfil.

2. Desta forma, se o solo criado é um instrumento político e

jurídico de intervenção na propriedade, que visa concretizar sua função social, não

representa uma limitação ao direito de propriedade, mas é um dos fatores que

participam de sua conformação.

3. Foram estabelecidas algumas distinções terminológicas,

necessárias, envolvendo o solo criado, a fim de evitar confusões conceituais,

freqüentemente encontradas nas leis e na doutrina. Assim, o solo criado não pode ser

confundido com o solo artificial, pois o primeiro é instituto jurídico, enquanto que o

segundo é o resultado da construção além do solo natural. O solo artificial poderá

configurar solo criado se houver previamente uma outorga do direito de construir, mas

poderá, por outro lado, configurar infração à ordem urbanística se ausente a outorga

onerosa do direito de construir.

A infração à ordem urbanística decorrente da construção do solo

artificial poderá se configurar como “construção clandestina” ou “construção ilegal”.

Ocorre a construção clandestina quando na zona em que está situada a construção seja

possível a utilização do solo criado (inclusive, podendo regularizá-la); enquanto que,

haverá construção ilegal (sujeita à demolição) quando na zona em que ocorrera a

construção não seja permitida a aplicação do instituto do solo criado.

Distingue-se, ainda, o solo criado da outorga onerosa do direito

de construir. O solo criado é um instituto jurídico, instrumento da Política Urbana,

enquanto que a outorga onerosa do direito construir é ato administrativo que concede a

faculdade de utilizar-se do mencionado instituto. Ambos estão intrinsecamente ligados,

um depende do outro, porém, não devem ser confundidos. Também não se confunde a

83

outorga onerosa do direito de construir com a outorga onerosa de alteração do uso,

pois são atos administrativos distintos, que se referem, respectivamente, ao solo criado

e outorga do direito de alteração do uso do solo.

4. A outorga onerosa do direito de construir não se confunde com

a licença para construir. Esta última se dá quando a construção é realizada em extensão

abaixo ou igual ao coeficiente de aproveitamento básico e a construção que ultrapassar

referido índice será objeto da outorga onerosa do direito de construir.

A licença para construir possui natureza constitutivo-formal, pois

o beneficiário já possuía seu direito subjetivo inerente ao direito de propriedade, sendo

este ato meramente liberatório de direito. A outorga onerosa do direito de construir, por

sua vez, é ato constitutivo de direito, pois o beneficiário não possuía o direito de

construir acima do coeficiente de aproveitamento básico, que só se constituiu após a

concessão por meio do Poder Público Municipal. Por fim, enquanto a licença é ato

administrativo vinculado, a outorga onerosa do direito de construir é ato administrativo

discricionário, pois para sua concessão é necessário avaliar um conjunto de situações

referentes à realidade urbanística do momento, em face do princípio da coesão

dinâmica, tal como a evolução e existência de estoque para a área ou outros fatores que

possam acarretar dano ao interesse público.

5. O coeficiente de aproveitamento básico, elemento constitutivo

do solo criado, é a linha distintiva da titularidade do direito de construir entre o

proprietário do lote e a coletividade, sendo que abaixo e igual a ele o direito de

construir é inerente ao direito de propriedade (conteúdo mínimo do direito de

propriedade, objeto da licença para construir), enquanto que, acima dele, o titular é a

coletividade (objeto de outorga onerosa do direito de construir). Sem descurar do

conteúdo mínimo do direito de propriedade, neste ponto admite-se a separação entre o

direito de propriedade e o direito de construir.

Embora previsto pelo § 2º, do art. 28, do Estatuto da Cidade,

fixação de coeficiente de aproveitamento básico diferenciado para diversas áreas, isto

poderá representar afronta à isonomia entre os distintos proprietários. Uma área que

possui coeficiente de aproveitamento básico maior que outra, possivelmente valorizará

mais que a outra. Portanto, não se admite a apropriação deste benefício, de forma

gratuita, sem qualquer esforço do proprietário, por mero “favor legal”.

84

Para evitar referida iniqüidade, propôs-se a fixação de coeficiente

de aproveitamento básico único no Plano Diretor, para todo o território municipal.

Ainda, para que não haja esvaziamento do direito de propriedade, mantendo-se o

mínimo possível de seu conteúdo, apregoou-se a fixação do índice “1”, representativo

da área do solo natural. Neste coeficiente, o proprietário do lote poderá construir no

limite da área do próprio lote, sem se utilizar do instituto do solo criado.

6. O Plano Diretor também deverá fixar o coeficiente de

aproveitamento máximo, que ao contrário do coeficiente de aproveitamento básico,

deverá ser diferenciado em relação às zonas, conforme a proporcionalidade da infra-

estrutura existente e o aumento de densidade esperada para cada área (§ 3º, do art. 28,

do Estatuto da Cidade).

O estabelecimento diferenciado de índices, no caso do

coeficiente de aproveitamento máximo, é justificado pelas condições de cada área, ou

seja, da infra-estrutura existente, apuradas e justificadas por meio de critérios objetivos.

Não representa, portanto, afronta ao princípio da isonomia entre os proprietários de

diversas áreas, pois a construção acima do coeficiente de aproveitamento básico não é

gratuita, não representando, desta forma, um favor legal ao proprietário, considerando

que a construção dentro deste limite está atrelada ao cumprimento de uma

contrapartida, por parte do beneficiário.

7. Mencionada contrapartida é elemento crucial para a

compreensão do solo criado. Sua cobrança se ampara em dois pontos, que ora se

apresentam numa relação conjuntiva (as duas justificativas estão presentes), ora numa

relação disjuntiva (somente se justifica em relação a um ponto), a depender do caso

concreto. A primeira justificativa é que a contrapartida atua como mecanismo de

indenização ao Poder Público (ou seja, da própria coletividade), quanto ao adensamento

proporcionado pelo particular, em virtude do aumento de construção. Portanto, o

recurso proveniente da contrapartida age na correção do adensamento urbano, às

expensas do causador do referido “adensamento”.

A segunda justificativa prende-se ao princípio da justa

distribuição do benefício e encargo da atividade urbanística. Visa-se corrigir as

externalidades negativas do mercado imobiliário, evitando que o particular se aproprie

das “mais valias” em seu imóvel, resultante de obras públicas ou se beneficie de favor

85

legal, decorrente do plano urbano e outras leis de cunho urbanístico.

8. A contrapartida tem natureza de preço e não de tributo, pelas

seguintes razões:

A) Não é compulsória, pois decorre de uma faculdade do beneficiário, que poderá

requerer ou não o acréscimo de construção sobre seu imóvel. Não nasce de uma relação

subordinada, mas coordenada;

B) A contrapartida nem sempre será representada por uma “prestação pecuniária”, pois,

consoante previsão em lei, poderá ser prestada “in natura”, compreendendo entrega de

bens, serviços ou obras, impossível para os tributos;

C) A contrapartida não é cobrada “mediante atividade administrativa plenamente

vinculada” (lançamento);

D) O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), ao tratar dos instrumentos da Política

Urbana, fez constar a outorga onerosa do direito de construir na alínea “n”, do inciso

V, do Art. 4º, categorizando-a entre os “instrumentos jurídicos e políticos”. Se fosse um

instrumento tributário e financeiro, comporia o elenco do inciso IV, do Artigo 4º, do

Estatuto da Cidade;

E) Se tivesse natureza tributária, o artigo 31 do Estatuto da Cidade que vincula a

aplicação dos recursos auferidos pela contrapartida às finalidades previstas nos incisos I

ao IX do art. 26 do mesmo estatuto, seria inconstitucional, nos termos do art. 167, IV,

da Constituição Federal, que veda afetação de receita de “impostos” a órgão, fundo ou

despesa, salvo as exceções deste mesmo dispositivo.

9. O recurso proveniente da contrapartida deve estar vinculado às

finalidades previstas nos incisos I ao VIII, do art. 26 do Estatuto da Cidade (consoante

art. 31 do mesmo Estatuto). Para tanto, deverá ser criado um Fundo de

Desenvolvimento Urbano, para que não se dê entrada do recurso no caixa geral da

Prefeitura e se perca o controle e afetação legal. Também deverá ser criado um

Conselho de Desenvolvimento Urbano (com composição paritária público/privada,

sendo esta última distribuída entre os diversos segmentos da sociedade), com atribuição

consultiva e fiscalizadora.

10. Entende-se que a vinculação do recurso também se dá em

relação à área na qual ocorreu a outorga onerosa do direito de construir ou seu entorno.

Seria incoerente admitir a desvinculação espacial deste recurso, em face dos

86

fundamentos que justificam a cobrança da contrapartida, pois se uma área específica

sofreu os efeitos do aumento de construção, será nela o emprego do recurso para

correção ou atenuante do correspondente efeito.

Embora seja difícil conciliar a aplicação do recurso na área

específica em que ocorreu a outorga onerosa do direito de construir, em face da

vinculação do art. 31 (que vincula a aplicação dos recursos às finalidades previstas nos

incisos I ao VIII, do art. 26), o certo é que dentro do elenco do art. 26, conforme o caso

concreto (ou seja, as características da área que deverão ser levadas em consideração,

por parte do Poder Público Municipal, no momento da destinação do recurso a certa

finalidade), conclui-se que não é necessário exaurir o elenco previsto no art. 26 e não

há impedimento em repetir a destinação do recurso quanto à mesma finalidade. Sendo

assim, há margem de discricionariedade dentro do elenco previsto no art. 26, do

Estatuto da Cidade, que não deixa de ser abrangente.

11. A mesma vinculação espacial do recurso deverá ser

observada no caso da transferência do potencial adicional construtivo de uma área para

outra. Neste caso, o recurso deverá ficar onde foi aproveitado o potencial adicional

construtivo, ou seja, onde ocorreu a outorga onerosa do direito de construir (e fora dado

o CEPAC como pagamento da contrapartida). Para tanto, Lei Municipal específica

deverá prever mecanismos de controle da aplicação dos recursos, por meio de um

sistema de informação ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, para afetação

do recurso na área onde se utilizou o CEPAC.

12. A transferência do direito de construir não é elemento

indispensável para a configuração do instituto do solo criado. Na realidade, o que

ocorre é a transferência de potencial adicional construtivo, de um lote para outro

(dentro da mesma área ou área distinta, conforme a previsão legal). O solo criado

somente passará a existir após o ato da outorga onerosa do direito de construir, que

utilizará do potencial adicional construtivo, anteriormente adquirido, dando-se baixa no

CEPAC (Certificado de Potencial Adicional Construtivo) como adimplemento da

contrapartida.

13. É evidente que deverão existir critérios firmes para a

aplicação da transferência do potencial adicional construtivo atrelada à outorga

onerosa do direito de construir, a fim de que esta não se afaste do objetivo de controlar

87

o uso do solo urbano e promover o adequado ordenamento da cidade. Destacam-se,

portanto, os seguintes:

A) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o

CEPAC será convertido em direito de construir) submeter-se-á às mesmas

normas contidas no Plano Diretor e Lei Específica Municipal, quanto ao regime

e condições para utilização do instituto do solo criado;

B) O lote destinatário da transferência do potencial adicional construtivo (onde o

CEPAC será convertido em direito de construir) deverá ter a mesma natureza de

uso (zona de uso industrial, comercial, residencial ou misto) que o lote em que

se originou o potencial construtivo;

C) O Poder Público Municipal deverá verificar se o lote receptor do CEPAC está

inserido em área na qual se permite a aplicação do solo criado;

D) O Poder Público Municipal deverá verificar se na área onde está situado o lote

receptor, não se esgotaram os estoques para utilização do solo criado;

E) O Poder Público Municipal deverá verificar se há compatibilidade do CEPAC

com a nova área, no que concerne aos valores divergentes entre o lote que

originou o potencial construtivo e o do lote que irá recebê-lo. Por meio de um

cálculo, previsto em Lei Municipal específica, o CEPAC será convertido e

adequado para um Novo Potencial Construtivo, considerando a proporção entre

o valor representado por cada CEPAC e a exigência para o novo lote, com a

respectiva correspondência pecuniária à extensão em metros quadrados;

F) Lei Municipal específica deverá prever a quantidade de estoque de Potencial

Adicional Construtivo (em metros quadrados), destacados por zonas e prazo

mínimo de sua duração;

G) O Poder Público Municipal deverá controlar a evolução do consumo de

estoques, acima referidos, considerando-se consumo por zona os decorrentes da

outorga onerosa do solo criado e as decorrentes de transferências do potencial

construtivo;

H) Lei Municipal específica e/ou Plano Diretor deverão prever a possibilidade de

suspensões das outorgas onerosas do direito de construir, quando na iminência

de esgotamento dos estoques, em relação a cada área.

14. O CEPAC deverá ter um prazo para ser utilizado, pois, caso

88

contrário poderá servir de especulação, desvirtuando-se a finalidade para o qual foi

constituído. Portanto, Lei Municipal específica ou o próprio Plano Diretor deverá

prever o prazo decadencial de sua utilização.

15. Diante do quadrante normativo do Estatuto da Cidade em

relação ao solo criado (por ser norma geral), pouco se pode afirmar acerca da sua

eficiência, como instrumento político e jurídico da Política Urbana. Contudo, dois

pontos prejudiciais foram apontados:

a) O § 2º, do art. 28, “in fine”, que prevê a possibilidade de fixação de coeficientes de

aproveitamentos distintos para diversas áreas: pelos motivos afirmados no item “5”,

acima;

b) O art. 31, que vincula a aplicação do recurso aos incisos I ao VIII, do art. 26, quando

se parte do pressuposto necessário de aplicação do recurso na mesma área da outorga

onerosa do direito de construir: pelos motivos afirmados no item “10”, acima.

16. Por outro lado, dependerá muito mais do Município, da

maneira que foi estruturado o solo criado, por meio de seu Plano Diretor e Lei

Municipal específica, o sucesso ou insucesso na concretização dos objetivos da Política

Urbana. Vários aspectos do solo criado foram deixados ao Município para que os

instituíssem de forma mais próxima a sua realidade, no âmbito de sua competência

discricionária. Neste ponto, sobreleva-se o papel da doutrina e jurisprudência que estão

se formando (haja vista a recente positivação pelo Estatuto da Cidade), a fim de que

possam ofertar parâmetros para orientar sua criação e melhoria ou, ao menos, apontar

os pontos que fatalmente poderão levar ao desvio de finalidade.

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REFERÊNCIAS

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