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PUBLICAÇÃO OFICIAL Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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    Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

  • VOLUME 238ANO 27

    ABRIL/MAIO/JUNHO 2015

    Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

  • SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIAGabinete do Ministro Diretor da Revista

    DiretorMinistro Herman BenjaminChefe de GabineteAndrea Dias de Castro CostaServidoresEloame AugustiGerson Prado da SilvaMaria Anglica Neves SantAnaTcnica em SecretariadoMaria Luza Pimentel MeloMensageiroCristiano Augusto Rodrigues Santos

    Superior Tribunal de Justiawww.stj.jus.br, [email protected] do Ministro Diretor da RevistaSetor de Administrao Federal Sul, Quadra 6, Lote 1, Bloco C, 2 Andar, Sala C-240, Braslia-DF, 70095-900Telefone (61) 3319-8055/3319-8003, Fax (61) 3319-8992

    Revista do Superior Tribunal de Justia. N. 1 (set. 1989). -- Braslia : STJ, 1989 - .

    Periodicidade varia: Mensal, do n. 1 (set. 1989) ao n. 202 (jun. 2006), Trimestral a partir do n. 203 (jul/ago/set. 2006).

    Volumes temticos na sequncia dos fascculos: n. 237 ao n. 239 organizados por Antonio Herman Benjamin, Jos Rubens Morato Leite e Slvia Capelli.

    Repositrio Ofi cial da Jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia. Nome do editor varia: Superior Tribunal de Justia/Editora Braslia Jurdica, set. 1989 a dez. 1998; Superior Tribunal de Justia/Editora Consulex Ltda, jan. 1999 a dez. 2003; Superior Tribunal de Justia/ Editora Braslia Jurdica, jan. 2004 a jun. 2006; Superior Tribunal de Justia, jul/ago/set 2006-.

    Disponvel tambm em verso eletrnica a partir de 2009: https://ww2.stj.jus.br/web/revista/eletronica/publicacao/?aplicacao=revista.eletronica.

    ISSN 0103-4286

    1. Direito, Brasil. 2. Jurisprudncia, peridico, Brasil. I. Brasil. Superior Tribunal de Justia (STJ). II. Ttulo.

    CDU 340.142(81)(05)

  • MINISTRO HERMAN BENJAMIN Diretor

    Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

  • Organizadores do Volume TemticoAntonio Herman BenjaminJos Rubens Morato Leite

    Slvia Cappelli

    RSTJ 238 - Direito Ambiental

    Juristas Colaboradoreslvaro Luiz Valery Mirra

    Ana Maria de Oliveira NusdeoAna Maria Moreira Marchesan

    Ana Paula Rengel GonalvesAndra Silva

    Andria Mendona AgostiniAnnelise Monteiro Steigleder

    Arcia Fernandes CorreiaBraulio Cavalcanti Ferreira

    Cndido Alfredo Silva Leal JniorCarlos E. Peralta

    Carlos Eduardo Ferreira PintoCarlos Magno de Souza Paiva

    Carlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayClarides Rahmeier

    Cristiane DeraniDaniel Gaio

    Danielle de Andrade MoreiraDlton Winter de Carvalho

    Eduardo Coral ViegasEla Wiecko Volkmer de Castilho

    Eliane Cristina Pinto MoreiraEliziana da Silveira Perez

    Elton M. C. LemeEveline de Magalhes Werner Rodrigues

    Fernanda Dalla Libera DamacenaFernanda Luiza Fontoura de MedeirosFernanda Menna Pinto PeresFernando Reverendo Vidal AkaouiFrancisco Humberto Cunha FilhoGabriel WedyGabriela Cristina Braga NavarroGabriela SilveiraGermana Parente Neiva BelchiorGilberto Passos de FreitasGiorgia Sena MartinsGirolamo Domenico TreccaniGuilherme Jos Purvin FigueiredoHeline Sivini FerreiraHugo Nigro MazzilliIbraim RochaIns Virgnia Prado SoaresIngo Wolfgang SarletJarbas Soares JniorJoo Luis Nogueira MatiasJos Heder BenattiJos Rubens Morato LeiteKamila Guimares de MoraesKleber Isaac Silva de SouzaLeonardo Castro Maia

  • Letcia AlbuquerqueLeticia Rodrigues da Silva

    Lidia Helena Ferreira da Costa PassosLucas Lixinski

    Luciano Furtado LoubetLus Fernando Cabral Barreto Junior

    Luiz Fernando RochaLuiz Guilherme Marinoni

    Luiza Landerdahl ChristmannLuly Rodrigues da Cunha Fischer

    Marcelo Abelha RodriguesMarcelo Krs Borges

    Mrcia Dieguez LeuzingerMaria Leonor Paes C. Ferreira Codonho

    Marina Demaria VenncioMario Jose Gisi

    Melissa Ely MeloNatlia Jodas

    Ney de Barros Bello FilhoNicolao Dino

    Oscar Graa CoutoPatricia Antunes Laydner

    Patrcia Faga Iglecias LemosPatrcia Nunes Lima Bianchi

    Patryck de Araujo AyalaPaula Galbiatti Silveira

    Paulo Aff onso Brum VazPery Saraiva Neto

    Rafael Martins Costa MoreiraRaimundo Moraes

    Raquel Thais HunscheRaul Silva Telles do Valle

    Rodolfo de Camargo MancusoRodrigo Antonio de Agostinho Mendona

    Sandra Veronica CureauSlvia Cappelli

    Solange Teles da SilvaTalden FariasThas Dalla CorteThas Emlia de Sousa ViegasTiago FensterseiferUbiratan CazettaVansca Buzelato PrestesVictor Manoel PelaezVladimir Passos de FreitasXimena Cardozo FerreiraZenildo Bodnar

  • Resoluo n. 19/1995-STJ, art. 3.RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, 1, e 23.

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIAPlenrio

    Ministro Francisco Cndido de Melo Falco Neto (Presidente)Ministra Laurita Hilrio Vaz (Vice-Presidente)Ministro Felix FischerMinistra Ftima Nancy Andrighi (Corregedora Nacional de Justia)Ministro Joo Otvio de Noronha (Diretor-Geral da ENFAM)Ministro Humberto Eustquio Soares MartinsMinistra Maria Th ereza Rocha de Assis MouraMinistro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin (Diretor da Revista)Ministro Napoleo Nunes Maia Filho Ministro Jorge MussiMinistro Geraldo Og Nicas Marques Fernandes (Corregedor-Geral da Justia Federal)Ministro Luis Felipe SalomoMinistro Mauro Luiz Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesMinistro Raul Arajo FilhoMinistro Paulo de Tarso Vieira SanseverinoMinistra Maria Isabel Diniz Gallotti RodriguesMinistro Antonio Carlos Ferreira (Ouvidor)Ministro Ricardo Villas Bas CuevaMinistro Sebastio Alves dos Reis JniorMinistro Marco Aurlio Gastaldi BuzziMinistro Marco Aurlio Bellizze OliveiraMinistra Assusete Dumont Reis MagalhesMinistro Srgio Luz KukinaMinistro Paulo Dias de Moura RibeiroMinistra Regina Helena CostaMinistro Rogerio Schietti Machado CruzMinistro Nefi CordeiroMinistro Luiz Alberto Gurgel de FariaMinistro Reynaldo Soares da FonsecaMinistro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

  • * Desembargador convocado (TRF1)

    CORTE ESPECIAL (Sesses s 1 e 3 quartas-feiras do ms)

    Ministro Francisco Falco (Presidente)Ministra Laurita Vaz (Vice-Presidente)Ministro Felix FischerMinistra Nancy AndrighiMinistro Joo Otvio de NoronhaMinistro Humberto MartinsMinistra Maria Th ereza de Assis MouraMinistro Herman BenjaminMinistro Napoleo Nunes Maia FilhoMinistro Jorge MussiMinistro Og FernandesMinistro Luis Felipe SalomoMinistro Mauro Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesMinistro Raul Arajo

    PRIMEIRA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms)

    Ministro Herman Benjamin (Presidente)

    PRIMEIRA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministro Srgio Kukina (Presidente)Ministro Napoleo Nunes Maia FilhoMinistro Benedito Gonalves Ministra Regina Helena CostaMinistro Olindo Herculano de Menezes *

  • ** Desembargadora convocada (TRF3)

    SEGUNDA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministra Assusete Magalhes (Presidente)Ministro Humberto MartinsMinistro Herman BenjaminMinistro Mauro Campbell MarquesMinistra Diva Prestes Marcondes Malerbi **

    SEGUNDA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms)

    Ministro Raul Arajo (Presidente)

    TERCEIRA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministro Villas Bas Cueva (Presidente)Ministro Joo Otvio de NoronhaMinistro Paulo de Tarso SanseverinoMinistro Marco Aurlio BellizzeMinistro Moura Ribeiro

    QUARTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministra Isabel Gallotti (Presidente)Ministro Luis Felipe SalomoMinistro Raul ArajoMinistro Antonio Carlos Ferreira Ministro Marco Buzzi

  • *** Desembargador convocado (TJ-SP)

    TERCEIRA SEO (Sesses s 2 e 4 quartas-feiras do ms) Ministro Sebastio Reis Jnior (Presidente)

    QUINTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministro Felix Fischer (Presidente)Ministro Jorge MussiMinistro Gurgel de Faria Ministro Reynaldo Soares da FonsecaMinistro Ribeiro Dantas

    SEXTA TURMA (Sesses s teras-feiras e 1 e 3 quintas-feiras do ms)

    Ministro Rogerio Schietti Cruz (Presidente)Ministra Maria Th ereza de Assis Moura Ministro Sebastio Reis JniorMinistro Nefi CordeiroMinistro Ericson Maranho ***

  • COMISSES PERMANENTES

    COMISSO DE COORDENAO

    Ministro Marco Buzzi (Presidente)Ministra Regina Helena Costa Ministro Gurgel de Faria Ministro Nefi Cordeiro (Suplente)

    COMISSO DE DOCUMENTAO

    Ministro Jorge Mussi (Presidente)Ministro Raul ArajoMinistro Villas Bas CuevaMinistro Moura Ribeiro (Suplente)

    COMISSO DE REGIMENTO INTERNO

    Ministro Luis Felipe Salomo (Presidente)Ministro Benedito GonalvesMinistro Marco Aurlio BellizzeMinistro Jorge Mussi (Suplente)

    COMISSO DE JURISPRUDNCIA

    Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Presidente)Ministro Mauro Campbell MarquesMinistra Isabel GallottiMinistro Antonio Carlos FerreiraMinistro Sebastio Reis JniorMinistro Srgio Kukina

  • MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

    Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Corregedora-Geral)Ministro Herman Benjamin (Efetivo)Ministro Napoleo Nunes Maia Filho (1 Substituto)Ministro Jorge Mussi (2 Substituto)

    CONSELHO DA JUSTIA FEDERAL (Sesso 1 sexta-feira do ms)

    Ministro Francisco Falco (Presidente)Ministra Laurita Vaz (Vice-Presidente)Ministro Og Fernandes (Corregedor-Geral da Justia Federal)

    Membros EfetivosMinistro Mauro Campbell MarquesMinistro Benedito GonalvesDesembargador Federal Cndido Artur M. Ribeiro Filho (TRF 1 Regio)Desembargador Federal Poul Erik Dyrlund (TRF 2 Regio)Desembargador Federal Fbio Prieto de Souza (TRF 3 Regio)Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado (TRF 4 Regio)Desembargador Federal Rogrio de Meneses Fialho Moreira (TRF 5 Regio)

    Membros SuplentesMinistro Raul ArajoMinistro Paulo de Tarso SanseverinoMinistra Isabel GallottiDesembargadora Federal Neuza Maria A. da Silva (TRF 1 Regio)Desembargador Federal Reis Friede (TRF 2 Regio)Desembargadora Federal Ceclia Maria Piedra Marcondes (TRF 3 Regio)Desembargador Federal Carlos Eduardo Th ompson Flores Lenz (TRF 4 Regio)Desembargador Federal Francisco Roberto Machado (TRF 5 Regio)

  • SUMRIO

    RSTJ N. 238

    APRESENTAO ..................................................................................................................................................19

    JURISPRUDNCIA E COMENTRIOS

    1. gua ........................................................................................................................21REsp 403.190-SP (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha).......................23Comentrio de Germana Parente Neiva Belchior e Joo LuisNogueira Matias ....................................................................................30

    2. Fauna .......................................................................................................................392.1. Crueldade contra os Animais ....................................................................41

    REsp 1.115.916-MG (Rel. Min. Humberto Martins) .........................41Comentrio de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros e Letcia Albuquerque ................................................................................52

    2.2. Valorao do Dano Ambiental por Morte de Pssaros .............................59REsp 1.164.630-MG (Rel. Min. Castro Meira) ...................................59Comentrio de Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira Codonho e Braulio Cavalcanti Ferreira .....................................................................69

    2.3. Pesca ..........................................................................................................84MS 11.059-DF (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ..........................84Comentrio de Lucas Lixinski ...............................................................87REsp 1.223.132-PR (Rel. Min. Mauro Campbell Marques)................93Comentrio de Mrcia Dieguez Leuzinger ............................................115RMS 33.562-RJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques) ....................121Comentrio de Gilberto Passos de Freitas .............................................126

    3. Flora ......................................................................................................................131

  • 3.1. Obrigao Ambiental Ex Lege e Propter Rem ...........................................133REsp 1.179.316-SP (Rel. Min. Teori Albino Zavascki) .....................133Comentrio de Nicolao Dino e Ubiratan Cazetta ..................................150REsp 1.247.140-PR (Rel. Min. Mauro Campbell Marques)..............166Comentrio de Elton M. C. Leme .......................................................172

    3.2. reas de Preservao Permanente ...........................................................183REsp 650.728-SC (Rel. Min. Herman Benjamin) .............................183Comentrio de Gabriela Cristina Braga Navarro .................................197REsp 1.087.370-PR (Rel. Min. Denise Arruda) ................................203Comentrio de Luiza Landerdahl Christmann .....................................214REsp 1.245.149-MS (Rel. Min. Herman Benjamin) .........................220Comentrio de Patrcia Nunes Lima Bianchi ........................................245REsp 1.362.456-MS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques) .............254Comentrio de Luciano Furtado Loubet ..............................................274REsp 1.374.109-RS (Rel. Min. Humberto Martins) ..........................279Comentrio de Vansca Buzelato Prestes ...............................................288REsp 1.394.025-MS (Rel. Min. Eliana Calmon) ...............................295Comentrio de Gabriel Wedy ................................................................310

    3.3. Reserva Legal ..........................................................................................317EREsp 218.781-PR (Rel. Min. Herman Benjamin) ..........................317Comentrio de Pery Saraiva Neto ........................................................353EREsp 1.027.051-SC (Rel. Min. Benedito Gonalves) .....................359Comentrio de Jos Heder Benatti e Girolamo Domenico Treccani .........393REsp 263.383-PR (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ....................401Comentrio de Paulo Aff onso Brum Vaz ...............................................407RMS 18.301-MG (Rel. Min. Joo Otvio de Noronha) ....................413Comentrio de Gilberto Passos de Freitas .............................................419

    3.4. Queimadas...............................................................................................426EREsp 418.565-SP (Rel. Min. Teori Albino Zavascki) .....................426Comentrio de Luiz Fernando Rocha ...................................................433

  • REsp 1.285.463-SP (Rel. Min. Humberto Martins) ..........................444Comentrio de Ana Paula Rengel Gonalves .........................................454

    4. Licenciamento Ambiental e Estudo Prvio de Impacto Ambiental ......................4594.1. Competncia Licenciadora ......................................................................461

    REsp 588.022-SC (Rel. Min. Jos Delgado) ......................................461Comentrio de Talden Farias e Arcia Fernandes Correia .....................491REsp 910.647-RJ (Rel. Min. Denise Arruda) ....................................512Comentrio de Jos Rubens Morato Leite e Paula Galbiatti Silveira ......520REsp 1.307.317-SC (Rel. Min. Eliana Calmon) ................................528Comentrio de Ana Paula Rengel Gonalves e Marina Demaria Venncio ....................................................................552RMS 41.551-MA (Rel. Min. Benedito Gonalves) ...........................559Comentrio de Leonardo Castro Maia .................................................566

    4.2. Inafastabilidade do Controle Jurisdicional ...............................................574REsp 1.279.607-PR (Rel. Min. Mauro Campbell Marques)..............574Comentrio de Annelise Monteiro Steigleder .........................................579

    4.3. Invalidao de Licenas Ambientais ........................................................591REsp 1.122.909-SC (Rel. Min. Humberto Martins) .........................591Comentrio de Annelise Monteiro Steigleder .........................................602

    4.4. Requisitos Licenciatrios.........................................................................609RMS 25.399-MS (Rel. Min. Denise Arruda).....................................609Comentrio de Paulo Aff onso Brum Vaz ...............................................615RMS 34.494-MT (Rel. Min. Benedito Gonalves) ............................620Comentrio de Luciano Furtado Loubet ...............................................629

    NDICE ANALTICO ........................................................................................................................................... 633

    NDICE SISTEMTICO ..................................................................................................................................... 643

    SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................................................................................................. 647

    REPOSITRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA ............................................................................................................ 653

  • APRESENTAO

    Pela primeira vez, a Revista do Superior Tribunal de Justia publica coletneas temticas e comentadas de sua jurisprudncia. So vrios volumes e tomos dedicados ao Direito Ambiental, representando o labor da Primeira Seo (Direito Pblico) da Corte, e ao Direito do Consumidor, matria prpria da Segunda Seo (Direito Privado).

    Tal inovao busca atender demanda crescente de especializao, de sistematizao e de aprofundada anlise doutrinria dos julgados do STJ em ramos do Direito que, embora jovens, tm presena marcante na prtica judicial cotidiana da litigiosidade brasileira.

    Os Volumes 237, 238 e 239, Tomos 1 e 2, trazem as principais decises ambientais da Primeira Seo, desde 2000, cada uma comentada por renomado jurista da rea. No foi fcil selecion-las, sobretudo diante do nmero impressionante de julgados do STJ nos diversos domnios da proteo do meio ambiente, urbanismo, patrimnio histrico-cultural e sade das pessoas. Flora, fauna, gua, poluio industrial e sonora, reas protegidas, minerao, desapropriao direta e indireta, licenciamento, responsabilidade civil, direito adquirido, sanes administrativas, confl ito intertemporal de normas, entre tantos outros temas, praticamente nada fi ca de fora do crivo do STJ. Alm, claro, dos aspectos principiolgicos (mnimo existencial, princpios da preveno, da precauo, da funo ecolgica da propriedade, da reparao in integrum, poluidor-pagador, in dubio pro Natura, obrigao propter rem etc.) e processuais da matria, notadamente naquilo que diz respeito ao civil pblica e popular.

    No foi toa que os volumes iniciais desta srie histrica especializada comearam pelo Direito Ambiental, uma das disciplinas jurdicas que, entre ns, mais se desenvolveram nas ltimas dcadas, seja pelo surgimento de entidades acadmicas, como o Instituto O Direito por um Planeta Verde e a Aprodab Associao dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, seja por formar centenas de especialistas, mestres e doutores, seja ainda pela produo doutrinria de altssimo quilate, espelhada em manuais e tratados, bem como em consagrados peridicos, como a Revista de Direito Ambiental (a primeira da Amrica Latina).

    Doutrina e docncia, entretanto, pouco signifi cam sem prtica judicial robusta e constante. Essa talvez a grande diferena entre o Direito Ambiental brasileiro e o de tantos outros pases, onde no passa de aspirao terica, com pouca ou nenhuma repercusso no dia a dia dos tribunais e das pessoas.

    Nisso reside a expressividade e a riqueza da jurisprudncia do STJ, nessa coletnea retratada pela obra dos Ministros que compem sua Primeira Seo, embora a Segunda e Terceira Sees tambm possuam magnfi cos precedentes ambientais no mbito de sua competncia (Direito Privado e Direito Penal, respectivamente). Quem compulsar qualquer dos tomos da obra se deparar com julgados dotados de articulao terica original e sofi sticada, o que pe o STJ na linha de frente da jurisprudncia ambiental mais progressista, tcnica e numerosa do mundo. No apenas mera constatao numrica, contudo, tal resultado refl ete a grande sensibilidade social e o amplo saber jurdico dos Ministros de hoje e de ontem. Por conta dessa elaborao jurisprudencial massiva e de qualidade, podem ser eles considerados os mais infl uentes obreiros do Direito Ambiental brasileiro.

  • Por isso mesmo, alm da fi nalidade informativa e de divulgao, a coletnea, nem poderia ser diferente, denota merecida homenagem que a Revista presta aos Ministros de ontem e de hoje da Primeira Seo do STJ, reconhecimento do seu compromisso coletivo com o admirvel projeto poltico-jurdico, mas igualmente tico-ecolgico, de Nao, estampado na Constituio de 1988.

    No se deve esquecer, no entanto, que os julgados do STJ espelham a prpria maturidade, preparo e excelncia dos juzes de primeiro grau, assim como dos Desembargadores dos Tribunais de Justia e dos Tribunais Regionais Federais. Muito do mrito dos acrdos que ora se publicam deve-se a esses artfi ces devotados do Direito Ambiental, os quais, com sucesso, souberam tirar a disciplina dos livros de leis e doutrina, ou mesmo do mundo das hipteses (law in the books), e dar-lhe visibilidade e efetividade, no mundo dos fatos (law in action).

    Muito alm disso, ou seja, julgar bem, observa-se, nas Justias federal e estadual, processo de especializao judicial, com criao de Varas Ambientais e at mesmo com o estabelecimento, no Tribunal de Justia de So Paulo, de duas Cmaras com competncia exclusiva para essa modalidade de litgio, fato esse notvel em si mesmo. especializao do Ministrio Pblico brasileiro, a quem se imputa muito dos avanos e sucesso do nosso Direito Ambiental, segue-se, pois, a especializao da prpria jurisdio, o que certamente ter impactos em outras instituies, como a Advocacia-Geral da Unio, as Procuradorias federais, estaduais e municipais e a Defensoria Pblica, na linha do que prega o IBAP Instituto Brasileiro de Advocacia Pblica.

    O cuidado aqui louvar o progresso inequvoco, como refl etido na jurisprudncia que agora se leva a lume, sem olvidar que muito ainda h por fazer. Evidente que no basta contar com juzes independentes e atentos dimenso pica da crise ambiental que assola o mundo e, de maneira particular, o Brasil. No iremos muito longe no enfrentamento da acelerada degradao da biota, convulso no sistema climtico da Terra, contaminao das pessoas e eroso da biodiversidade sem rgos ambientais fortes, ntegros e competentes, sem sociedade civil organizada apta a se manifestar, protestar e exigir, sem empresrios conscientes de suas responsabilidades para com as geraes futuras e o Planeta.

    Em sntese, ao reconhecer que a presente coletnea realmente eloquente exemplo de que nossos juzes esto atentos crise planetria, inserida de maneira central em todos os debates jurdicos da atualidade, devemos, por igual, referir existncia de incontveis boas prticas ambientais por este Pas afora. A esperana maior reside a, na transformao tica e cultural, por meio da educao, de um povo que avana na direo de uma genuna ecocivilizao.

    Finalmente, agradeo, em nome da Revista, aos Professores Jos Rubens Morato Leite e Slvia Cappelli, aclamados juristas da matria e co-organizadores da obra, assim como aos 97 especialistas-colaboradores que emprestaram seu vasto conhecimento ao comentrio dos acrdos selecionados. Destaco, ainda, o trabalho incansvel e esmerado zelo da pequenssima equipe do Gabinete da Revista, to bem chefi ado pela Dr Andrea Costa.

    Ministro Diretor da Revista Antonio Herman Benjamin

  • 1. gua

  • RECURSO ESPECIAL N. 403.190-SP (2001/0125125-0)

    Relator: Ministro Joo Otvio de NoronhaRecorrente: Alberto SrurAdvogado: Flvio Augusto Cicivizzo e outrosRecorrente: Municpio de So Bernardo do CampoProcurador: Renata Cristina Iuspa e outrosRecorrido: Ministrio Pblico do Estado de So Paulo

    EMENTA

    Ao civil pblica. Proteo do meio ambiente. Obrigao de fazer. Mata Atlntica. Reservatrio Billings. Loteamento clandestino. Assoreamento da represa. Reparao ambiental.

    1. A destruio ambiental verifi cada nos limites do Reservatrio Billings que serve de gua grande parte da cidade de So Paulo , provocando assoreamentos, somados destruio da Mata Atlntica, impe a condenao dos responsveis, ainda que, para tanto, haja necessidade de se remover famlias instaladas no local de forma clandestina, em decorrncia de loteamento irregular implementado na regio.

    2. No se trata to-somente de restaurao de matas em prejuzo de famlias carentes de recursos financeiros, que, provavelmente deixaram-se enganar pelos idealizadores de loteamentos irregulares na nsia de obterem moradias mais dignas, mas de preservao de reservatrio de abastecimento urbano, que beneficia um nmero muito maior de pessoas do que as residentes na rea de preservao. No confl ito entre o interesse pblico e o particular h de prevalecer aquele em detrimento deste quando impossvel a conciliao de ambos.

    3. No fere as disposies do art. 515 do Cdigo de Processo Civil acrdo que, reformando a sentena, julga procedente a ao nos exatos termos do pedido formulado na pea vestibular, desprezando pedido alternativo constante das razes da apelao.

  • REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

    24

    4. Recursos especiais de Alberto Srur e do Municpio de So Bernardo do Campo parcialmente conhecidos e, nessa parte, improvidos.

    ACRDO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justia, por unanimidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, conhecer parcialmente de ambos os recursos e, nessa parte, negar-lhes provimento. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha.Braslia (DF), 27 de junho de 2006 (data do julgamento).Ministro Joo Otvio de Noronha, Relator

    RELATRIO

    O Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha: Trata-se de ao civil pblica proposta pelo Ministrio Pblico do Estado de So Paulo objetivando a reparao de danos ao meio ambiente, sob a alegao de que foram erguidas construes em loteamento clandestino fi xado no local indicado pelo autor, o que comprometeu a mata atlntica local, apesar das restries legais e os recursos hdricos da Represa Billings.

    A sentena julgou a ao improcedente, considerando que a tutela especfi ca no era mais possvel de ser concedida em face da consolidao da ocupao do local, o que inviabilizaria o retorno ao status quo ante.

    O Ministrio Pblico recorreu da sentena, tendo o Tribunal de Justia do Estado de So Paulo dado provimento ao recurso para julgar a ao procedente. O acrdo restou assim ementado:

    Ao civil pblica: 1) Loteamento clandestino em regio de proteo da Mata Atlntica e de mananciais da Represa Billings. Alienao de imvel a adquirente com objetivo declarado e exclusivo de loteamento. Alienante com

  • gua

    RSTJ, a. 27, (238): 21-37, abril/junho 2015 25

    pleno conhecimento da ilegalidade do loteamento, quando a alienao da rea. Conseqncia ilegal assumida. Responsabilidade por intermdio de ato de terceiro. Nexo de causalidade confi gurado; 2) Responsabilidade tambm da empresa que realizou trabalhos de abertura de ruas sem prvia aprovao de projeto pela Prefeitura e sem os menores cuidados tcnicos; 3) Aplicao do art. 1, I e II, da Lei Municipal n. 1.409/1980 e Lei n. 6.938/1981; 4) Responsabilidade do Poder Pblico Municipal, resultante de irrecusvel inrcia ao no coibir indevida devastao ambiental. Apelao provida e reforma da sentena. Condenao dos rus restaurao da rea, ao estado anterior, com completa recomposio do complexo ecolgico atingido, demolio das edificaes realizadas, recomposio da superfcie do terreno, recobrimento do solo com vegetao, desassoreamento dos crregos e demais providncias a serem indicadas em laudo tcnico de reparao dos danos ambientais; 5) Imposio de pagamento de quantia sufi ciente no caso de descumprimento da obrigao de reparao dos danos no prazo estabelecido. Apurao por liquidao; 6) Condenao solidria ao pagamento de custas e despesas processuais, observadas as isenes de que goza a r Poder Pblico; 7) Apelao do Ministrio Pblico.

    Foram opostos embargos declaratrios pelos rus Municpio de So Bernardo do Campo e Alberto Srur, recursos que foram acolhidos para correo de erro material e prestao de outros esclarecimentos, sem modifi cao do resultado.

    Subseqentemente, os mesmos rus que opuseram embargos aviaram os recursos abaixo indicados.

    a) Alberto Srur interps recursos especial e extraordinrio, os quais foram admitidos.

    No especial, fundado na alnea a do permissivo constitucional, alega vulnerao dos seguintes dispositivos: a) art. 267, VI, do Cdigo de Processo Civil, sob a assertiva de que o recorrente no teve participao nos atos indicados como ilcitos e que perpetraram a condenao reparao ambiental; b) art. 515, caput, do mesmo cdigo, afi rmando que no houve, na inicial, pedido de reparao do meio ambiente, mas somente de indenizao pecuniria; c) art. 160, I, do Cdigo Civil, por ter sido penalizado apenas porque exerceu um regular direito seu, consubstanciado na venda da propriedade que posteriormente veio formar o loteamento clandestino.

    b) Municpio de So Bernardo do Campo aviou recurso especial com fulcro na alnea a do permissivo constitucional, indicando ofensa aos artigos 130, 131 e 515 do Cdigo de Processo Civil, sob o fundamento de que a apelao julgou alm do pedido, e, ainda, contra as provas produzidas nos autos.

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    O recurso foi admitido na origem.Contra-razes ofertadas pelo recorrido.O Ministrio Pblico Federal, em parecer de fl s. 1.021-1.029, opinou pelo

    parcial conhecimento e improvimento dos recursos. o relatrio.

    VOTO

    O Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha (Relator):

    Recurso especial interposto por Alberto Srur:

    a) Alega o recorrente ofensa ao art. 267, VI, do Cdigo de Processo Civil, sob o fundamento de que no teve participao nos atos apontados como ilcitos e que perpetraram a condenao reparao ambiental. Sustenta que a venda que fez do terreno loteado foi legal, atendendo aos requisitos da Lei Paulista n. 1.172/1976. Conclui, ento, que sua responsabilizao pelo dano causado foi inadequada.

    Como se percebe da narrativa engendrada nas razes do recurso especial, o inconformismo do recorrente posta-se na questo relativa responsabilidade civil ambiental, pela qual foi condenado a arcar em regime de solidariedade com os demais requeridos indicados pelo Ministrio Pblico.

    Todavia, o inciso VI do art. 267 refere-se extino do processo sem apreciao do mrito da ao em decorrncia de falta de condies, tais como a possibilidade jurdica do pedido (que so os pedidos que podem ser apreciados pelo judicirio), interesse de agir (que se refere relao de utilidade entre a tutela pedida e a leso sofrida) e legitimidade ad causam (relativo titularidade da ao).

    Houve, ento, um desencontro entre o inconformismo manifestado e a atribuio de violao legal, o que atrai as disposies da Smula n. 284 do STF.

    No fosse por isso, a condenao do recorrente deu-se em razo do entendimento de que houve intermdio de ato ilcito de terceiro, de modo que a questo atinente norma processual em questo sequer foi objeto de abordagem pelos acrdos recorridos.

    Dessa forma, no conheo do recurso quanto a esse ponto.

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    b) A segunda questo levantada no recurso especial diz respeito ao julgamento extra petita, porque teria o Ministrio Pblico requerido apenas a condenao em perdas e danos, e no reparao ambiental. Afi rma o recorrente que foi vulnerado o art. 515 do Cdigo de Processo Civil.

    Com relao a esse ponto, reporto-me ao voto proferido no julgamento dos embargos declaratrios no Tribunal a quo (fl . 946):

    d) No est violado o disposto no art. 515 do Cdigo de Processo Civil pela condenao restaurao da rea. Esse pedido constou, com todas as letras, da inicial, (fl s. 22, item 2) e, com a apelao da sentena de improcedncia, foi devolvido inteiramente ao julgamento da apelao do autor.

    Compulsando os autos, verifica-se fl. 22 que o Ministrio Pblico formulou pedido de restaurao do meio ambiente, nos exatos termos em que determinado pelo Tribunal a quo. Na apelao, o Parquet requereu a reforma da sentena para que fosse provido o pedido formulado na inicial, ou, alternativamente, que se determinassem outras providncias para assegurar o resultado prtico buscado.

    Portanto, o julgamento proferido limitou-se ao requerido pelo Parquet, tanto nas razes da apelao como na pea vestibular.

    Fica, portanto, improvido o recurso nessa parte.c) Por fi m, o recorrente alega ofensa ao art. 160, I, do Cdigo Civil, na

    medida em que foi penalizado por ter exercido um direito seu, consubstanciado na disposio, ou seja, na venda de seu imvel Associao do Bairro do Planalto.

    Novamente, trago o voto-condutor do acrdo do julgamento dos embargos declaratrios, no qual decidiu-se o seguinte (fl . 947):

    No foi invalidado o direito de dispor de patrimnio, mas apenas declarado que responsvel pela infrao ambiental que, sob color de exercer esse direito, o excede, realizando negcio jurdico que, para a fi nalidade ilegal para a qual efetivado, no poderia realizar. No h infringncia ao disposto no art. 160, I, do Cdigo Civil.

    Tal questo restou bem delimitada tambm no voto-condutor do acrdo embargado (fl . 913):

    (...) O que se fi rma que, neste caso especfi co, a exemplo de outros, inclusive do precedente lembrado, o alienante tinha pleno conhecimento do objetivo

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    ilegal e que se alienou para esse objetivo e tambm assumiu a conseqncia ilegal. No se trata de presuno de responsabilidade, mas de responsabilidade por intermdio de ato ilcito de terceiro.

    Em que pese o prequestionamento do artigo 160, I do Cdigo Civil, as razes do recurso especial no se direcionaram questo fulcral, qual seja: a realizao do negcio jurdico para fi ns ilcitos. De forma que, a teor da Smula n. 283 do STF, o recurso inadmissvel, porque sobejou fundamento sufi ciente manuteno do acrdo no atacado por meio do recurso especial.

    Portanto, no conheo do recurso nesse ponto.

    Recurso especial no Municpio de So Bernardo do Campo:

    Aponta o Municpio que houve afronta ao art. 515 do Cdigo de Processo Civil. Alega que o Ministrio Pblico, na apelao, no requereu o provimento da ao, mas apenas que fosse assegurado o resultado prtico equivalente, mediante outras providncias, j que a prova produzida nos autos indicou a impossibilidade de restaurao ambiental.

    Como afi rmado anteriormente, o Parquet, nas razes de seu recurso ao Tribunal a quo, requereu a reforma da sentena para que fosse provido o pedido formulado na inicial, ou, alternativamente, que fossem determinadas outras providncias para assegurar o resultado prtico buscado. Assim, acolhendo o Tribunal um dos pedidos, evidentemente que no haveria de se manifestar sobre o outro, no decorrendo da nenhuma omisso, muito menos julgamento alm do pedido, at porque o provimento jurisdicional foi consentneo ao objeto da ao.

    De outro lado, a alegao de violao dos artigos 130 e 131 do Cdigo de Rito est embasada no fato de que a prova produzida nos autos no autoriza o provimento do recurso para determinar obrigao de fazer, consubstanciada em restaurao ambiental.

    No entanto, de se adotar as razes do acrdo, perfeitamente factveis e razoveis, s quais me reporto (fl . 943):

    Evidentemente, o argumento de que a instalao de loteamento irregular torna irreversvel o descumprimento da lei no pode ser acolhido. Conceda-se que a execuo seja difcil e custosa, sem dvida, o que exigir criatividade ftica e prudncia na execuo do julgado, o que, bom frisar, , em primeira etapa, de obrigao de fazer, a cargo dos quatro rus deste processo, e no de remoo

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    judicial pura e simples de pessoas humildes adquirentes. No h nada irreversvel na questo ftica, embora a reparao seja custosa. Tal difi culdade devia ter sido considerada pelos rus, quando, por ao ou omisso, causaram conseqncia ftica.

    Verifi ca-se que tem sustentado a municipalidade, sem o dizer abertamente, que o acrdo deveria, se no mantida a sentena, ter acolhido o pedido alternativo, que, na verdade, representa menos do que foi postulado pelo Ministrio Pblico.

    H um precedente nesta Turma, julgado na sesso realizada no dia 16 de maro de 2006, o REsp n. 332.772-SP, em que fui relator, tratando da mesma questo aqui sustentada, mesmos fatos, mesmo local, todavia, com partes distintas, sendo a associao responsvel pelo loteamento clandestino a Sociedade Amigos do Parque Ideal. O pedido visava medidas tais como a retirada das pessoas da rea, demolio de eventuais construes e recuperao da mata derrubada. Todavia, a sentena, atendendo ao pedido de proteo ao meio ambiente, concedeu o menos, mantendo no local as pessoas, sem demolio das edifi caes, mas determinando a recuperao do que possvel, e compensando com a aquisio de nova rea aquilo que no pode ser recuperado.

    Todavia, neste caso especfico, trouxe o acrdo uma importante informao, a de que o Reservatrio Billings serve de gua parte da Grande So Paulo (fl . 911). Diante disso, o dano ambiental aqui denunciado avulta de importncia, no s pela destruio da Mata Atlntica, mas principalmente, em razo da represa, que, segundo dados constantes do processo, est sendo assoreada, o que evidentemente, comprometer o abastecimento de gua de So Paulo, que j tem sofrido com racionamentos em determinadas pocas do ano.

    Evidente que h um fator social que muito pesa na deciso de restaurao, a de remoo das famlias instaladas de forma clandestina no local, considerando que, no fosse o loteamento irregular, as edifi caes foram construdas em descumprimento de ordem judicial, pois, quando do incio da presente ao, foi determinada a paralisao das obras de edifi caes, o que no foi sequer acatado pelo Poder Pblico, resultando na quase completa ocupao do local, mesmo antes de se proferir a sentena.

    No caso, no se trata de querer preservar algumas rvores em detrimento de famlias carentes de recursos fi nanceiros, que, provavelmente deixaram-se enganar pelos idealizadores do projeto de loteamente na nsia de obterem moradias mais dignas, mas de preservao de reservatrio de abastecimento

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    urbano, que benefi cia um nmero muito maior de pessoas do que as instaladas na rea de preservao. Assim, deve prevalecer o interesse pblico em detrimento do particular, uma vez que, in casu, no h possibilidade de conciliar ambos a contento. Evidentemente, o cumprimento da prestao jurisdicional causar sofrimento a pessoas por ela atingidas, todavia, evitar-se- sofrimento maior em um grande nmero de pessoas no futuro; e disso no se pode descuidar.

    Ademais, h de se ter em conta a determinao de que a restaurao seja precedida de laudo tcnico, no qual dever ser contemplada a real necessidade de demolies, frente restaurao ambiental pretendida, tambm associada possibilidade de legal loteamento da regio, mensurada nos autos na ordem de 7.500m2, e explorao adequada dentro dessa rea.

    Ante o exposto, conheo parcialmente de ambos os recursos e, nessa parte, nego-lhes provimento.

    como voto.

    COMENTRIO DOUTRINRIO

    Germana Parente Neiva Belchior1Joo Luis Nogueira Matias2

    1. BREVE DESCRIO DOS FATOS E DAS QUESTES JURDICAS ABORDADAS NO ACRDO

    Trata-se de recurso especial em Ao Civil Pblica, interposto pelo primeiro proprietrio de rea que se tornou loteamento irregular s margens da Repressa Billings e pelo Municpio de So Bernardo do Campo/SP, que desafi a Acrdo do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo. O objetivo

    1 Doutoranda em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cear. Professora universitria. Diretora do Instituto O Direito Por um Planeta Verde. Pesquisadora do GPDA/UFSC. E-mail: [email protected] Ps-Doutor em Direito Econmico pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Comercial pela Universidade Estadual de So Paulo. Doutor em Direito Pblico pela Universidade Federal do Estado de Pernambuco. Coordenador do Projeto de Pesquisa CNPq/CAPES Os impactos da proteo ao meio ambiente no direito: Novos paradigmas para o direito privado. Professor dos cursos de graduao e do Programa de ps-graduao da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear. Juiz Federal na Seo Judiciria do Cear. E-mail: [email protected].

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    da ao a reparao de dano ambiental, consistente na ocupao de rea prxima ao Reservatrio Billings, causando o seu assoreamento e destruio da Mata Atlntica. Julgada improcedente em primeiro grau, sob o argumento da consolidao da situao ftica em razo da grande quantidade de moradores do loteamento clandestino, a sentena foi reformada no Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, que determinou a reparao dos danos ambientais, com a desocupao da rea e a sua restituio ao status quo ante.

    O Acrdo teve como relator o Ministro Joo Otvio de Noronha, da 2 Turma do STJ, e aborda como questes jurdicas relevantes a extenso da responsabilidade pelo dano ambiental; a obrigao da reparao em espcie; a consolidao da situao ftica e a prevalncia do interesse pblico sobre o particular.

    2. SOLUO APRESENTADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

    A Corte Superior, por intermdio de sua 2 Turma, manteve a condenao de proprietrio de imvel e do municpio de So Bernardo do Campo (SP) a remover famlias de local prximo ao Reservatrio Billings, que fornece gua a grande parte da cidade de So Paulo. A construo de loteamento irregular provocou assoreamentos, somados destruio da Mata Atlntica.

    Afi rmou-se a legitimidade passiva do proprietrio originrio do terreno que se transformou em loteamento clandestino. A responsabilidade objetiva do Municpio de So Bernardo do Campo foi reconhecida, em razo da omisso em coibir o dano ambiental. A Corte entendeu que o interesse pblico deve prevalecer sobre o interesse privado, afastando a tese da consolidao da situao ftica, para determinar a reparao dos danos ambientais. Determinou-se a reparao ambiental em espcie, com o retorno da rea ao status quo ante.

    Ao manter a condenao, o ministro Joo Otvio de Noronha afi rmou no se tratar apenas de restaurao de matas em prejuzo de famlias carentes de recursos financeiros, que, provavelmente, deixaram-se enganar pelos idealizadores de loteamentos irregulares na nsia de obterem moradias mais dignas, Mas de preservao de reservatrio de abastecimento urbano, que benefi cia um nmero muito maior de pessoas do que as residentes na rea de preservao. No confl ito entre o interesse pblico e o particular, h de prevalecer aquele em detrimento deste quando impossvel a conciliao de ambos, afi rmou o julgador em seu voto.

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    3. ANLISE TERICA E DOGMTICA DOS FUNDAMENTOS DO ACRDO COM BASE NO DIREITO BRASILEIRO E ESTRANGEIRO

    Vrias questes importantes permeiam o acrdo em comento, podendo ser destacadas a sujeio responsabilidade pelo dano ambiental, a preferncia pela reparao em espcie e o afastamento do argumento da consolidao da situao ftica. Os julgadores interpretaram o caso a partir da superao de uma lgica meramente formal, buscando sopesar os interesses e valores envolvidos. O Direito Ambiental, ramo do Direito que aberto e est em constante movimento, no envolve relaes maniquestas e dualistas, postas em situao de oposio, do tudo ou nada, a partir de uma dialtica excludente e cartesiana.3

    Pensar complexo, portanto, abandonar o pensamento linear fundamentado no paradigma moderno, passando a entender o mundo sob uma viso global, no uniforme e lquida; perceber que o pensamento cientfi co deve estar sempre acessvel a novas perspectivas. O Direito Ambiental possui uma racionalidade jurdica complexa, possuindo caractersticas e elementos peculiares, o que demanda uma nova lgica jurdica, justifi cando a importncia da jurisprudncia ambiental. O dilogo de fontes, sistemas e de cincias acaba exigindo um novo perfi l de julgador, cujas respostas no se encontram dentro de uma caixa codifi cada. No signifi ca que magistrados devam ser ativistas, legisladores ou salvadores do mundo, mas atentos e sensveis aos novos desafi os planetrios, ticos e globais, justifi cando e motivando suas decises.

    O art. 225, da Constituio Federal de 1988, reconhece o meio ambiente como um direito e um dever fundamental, apontando ao Poder Pblico e ao indivduo, uma srie de obrigaes positivas e negativas em relao tutela ecolgica. 4 Dentre elas, destaca-se o instituto da responsabilidade civil por dano causado ao meio ambiente, objeto da deciso em anlise.

    A ordem jurdica ambiental brasileira adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, haja vista que, ao constatar o nexo de causalidade entre o dano e a ao do agente, este ser responsabilizado independentemente de culpa,

    3 MORIN, Edgar. Introduo ao pensamento complexo. 4. ed. Traduo de Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2011; OST, Franois. A natureza margem da lei: a ecologia prova do direito. Lisboa: Piaget, 1997; LEFF, Enrique. Aventuras da Epistemologia Ambiental: da articulao das cincias ao dilogo de saberes. Traduo de Silvana Cobucci Leite. So Paulo: Cortez, 2012.4 BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenutica Jurdica Ambiental. So Paulo: Saraiva, 2011.

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    conforme previsto no 3, art. 225, da Constituio Federal de 1988, em concomitncia com o 1, art. 14, da Lei n 6.938/81.

    Trata-se, sem dvida, de um avano normativo, vez que a dispensa de comprovao de culpa do agente degradador, por conta do risco da atividade exercida, facilita, pelo menos em tese, a responsabilizao. Em tese porque so vrias as diferenas entre o dano tradicional e o ambiental, o que justifi ca a escolha do legislador e, posteriormente, do constituinte pela teoria do risco, mas ela, por si s, no sufi ciente para garantir um sistema efetivo de responsabilidade civil por dano ambiental.5

    A fundamentao est no princpio do poluidor-pagador, que busca no apenas imputar ao empreendedor o custo de sua atividade, mas tambm tem uma dimenso preventiva e reparadora, de forma que internalize as externalidades, conforme lembra Alexandra Arago.6 Deve-se impor ao empreendedor obrigaes de incorporar em seus processos produtivos os custos com preveno, controle e reparao de impactos ambientais, impedindo, assim, a socializao destes riscos.

    A responsabilidade objetiva ambiental baseia-se, ainda, nos princpios da preveno e da precauo, cujo papel do primeiro lidar com o risco certo e em potencial (paradigma moderno / pensamento cartesiano), oriundo da certeza cientfi ca, enquanto o segundo evita o desenvolvimento de atividades cujo risco no possui comprovao cientfi ca, sendo um dano hipottico (paradigma ps-moderno/ pensamento complexo).7

    indiscutvel, portanto, que o agente responsvel pela provocao do dano ambiental tem o dever de reparar o meio ambiente. Contudo, a fi nalidade da reparao no Direito Ambiental restabelecer o meio lesado, ou seja, a reconstituio do bem ambiental degradado, motivo pelo qual Herman Benjamin inclui o princpio da reparabilidade integral do dano ambiental como um dos fundamentos da teoria do risco ambiental, sendo, assim, vedadas

    5 SENDIM, Jos de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecolgicos: da reparao do dano atravs da restaurao natural. Coimbra: Coimbra, 1998.6 ARAGO, Maria Alexandra de Sousa. O princpio do poluidor-pagador: pedra angular da poltica comunitria do ambiente. Coimbra: Coimbra, 1997, p. 30-35.7 LEITE, Jos Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Dano ambiental na sociedade de risco: uma viso introdutria. In LEITE, Jos Rubens Morato (coord.). FERREIRA, Heline Sivini; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcante (org.). Dano ambiental na sociedade de risco. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 14-16.

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    todas as formas de excluso, modifi cao ou limitao da reparao ambiental, que deve ser sempre integral, assegurando proteo efetiva ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.8

    No entanto, tendo em vista o princpio da reparao in integrum do dano ambiental, a obrigao de recuperar o meio ambiente degradado plenamente compatvel com a indenizao pecuniria pelos danos causados, desde que no seja possvel a reparao completa do dano. Assim, no h qualquer impedimento de que o ressarcimento de forma especfi ca (in natura) seja cumulado com o ressarcimento em dinheiro.

    No caso em tela, o Acrdo estende a responsabilidade pelo dano ambiental ao proprietrio originrio da rea que se transformou em loteamento irregular. Como verifi cado no mbito da apelao, o proprietrio originrio do terreno, ao proceder a sua alienao, tinha conhecimento da inteno de promoo do loteamento irregular, podendo ser responsabilizado por ato ilcito de terceiro.9 A motivao para responsabiliz-lo o interesse social na reparao do dano.10 Trata-se da efetivao da responsabilidade solidria pelos danos ambientais, na forma do artigo 14, pargrafo 1, da Lei 6.938/81.11 O Acrdo segue a linha de diversos precedentes do STJ, especialmente o REsp. 650.728/SC,12

    8 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. REsp 1.198.727 / MG. Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ. 09.05.20139 VIANNA, Jos Ricardo Alvarez. Responsabilidade Civil por danos ao meio ambiente. 2. Ed. Curitiba: Juru, 2009.10 TRUJILLO. Eullia Moreno. La proteccin jurdica privada del mdio ambiente y la responsabilidad por su deteriora. Barcelona: JMB editor, 1991.11 LEMOS, Patrcia Fraga Iglecias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteo ao meio ambiente. 3. Ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.12 RESP 650.728/SC, julgado em 23 de outubro de 2007, publicado em 02 de dezembro de 2009: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NATUREZA JURDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS. TERRENOS DE MARINHA. REA DE PRESERVAO PERMANENTE ATERRO ILEGAL DE LIXO. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. OBRIGAO PROPTER REM. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTAO DA LEGISLAO AMBIENTAL. ATIVISMO JUDICIAL. MUDANAS CLIMTICAS. DESAFETAO OU DESCLASSIFICAO JURDICA TCITA. SMULA 282/STF. VIOLAO DO ART. 397 DO CPC NO CONFIGURADA. ART. 14, 1, DA LEI 6.938/1981. (...) 12. As obrigaes ambientais derivadas do depsito ilegal de lixo ou resduos no solo so de natureza propter rem, o que signifi ca dizer que aderem ao ttulo e se transferem ao futuro proprietrio, prescindindo-se de debate sobre a boa ou m-f do adquirente, pois no se est no mbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fi m de apurao do nexo de causalidade no dano

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    no qual, alm do reconhecimento da natureza propter rem do dano ambiental, foi defi nido, para fi ns de apurao do nexo de causalidade do dano ambiental, que equiparam-se quem faz; quem no faz quando deveria fazer; quem deixa fazer; quem no se importa que faam; quem fi nancia para que faam e quem se benefi cia quando outros faam.13 fl agrante que o alienante teve ganho com a venda do imvel, que foi utilizado para a constituio de loteamento clandestino. A situao ainda agravada pelo seu conhecimento da inteno do adquirente da propriedade.

    O Acrdo assegura a reparao especfica do dano ambiental, determinando a recomposio da rea degradada.14 Trata-se de reparao in natura, que no se contenta com a mera reposio dos prejuzos decorrentes do dano ambiental, mas tem por objetivo suprimi-lo,15 restaurando a situao anterior do bem ambiental.

    Muitas vezes, o argumento da consolidao do dano e consequente impossibilidade de tutela especfica para a sua reparao prevalece, sendo propostas medidas alternativas de compensao do dano causado. No caso em anlise, determinou-se a desocupao da rea ocupada por milhares de pessoas, em loteamento clandestino, reconhecendo a prevalncia do interesse pblico sobre o particular. Foi decidido que a restituio da rea situao anterior seria complexa e exigiria muita criatividade e prudncia na execuo, entretanto,

    ambiental, equiparam-se quem faz, quem no faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem no se importa que faam, quem fi nancia para que faam, e quem se benefi cia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ao e a omisso das recorrentes com o dano ambiental em questo, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperao da rea afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, 1, da Lei 6.938/81. 15. Descabe ao STJ rever o entendimento do Tribunal de origem, lastreado na prova dos autos, de que a responsabilidade dos recorrentes fi cou confi gurada, tanto na forma comissiva (aterro), quanto na omissiva (deixar de impedir depsito de lixo na rea). bice da Smula 7/STJ. 16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, no provido.13 MATIAS, Joo Luis Nogueira. A efetivao do direito ao meio ambiente sadio - uma perspectiva jurisprudencial. In Moraes, Germana; Marques Jnior, William e Melo, lisson Jos Maia (Coords.). As guas da UNASUL na RIO + 20 - Direito fundamental gua e ao saneamento bsico, sustentabilidade, integrao da Amrica do Sul, novo constitucionalismo latino-americano e sistema brasileiro. Curitiba: Editora CRV, 2013.14 MIRRA, lvaro Luiz Valery. Ao Civil Pblica e a reparao do dano ao meio ambiente. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.15 SENDIM, Jos de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecolgicos: da reparao do dano atravs de restaurao natural. Coimbra: Coimbra, 1998.

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    deveria ser realizada obrigatoriamente.16 Reconhece-se que no direito brasileiro no h espao para a desafetao ou desclassifi cao jurdica tcita em razo do fato consumado.

    A posio assumida se diferencia da adotada no REsp. 332771/SP, julgado em 16 de maro de 2006, tambm relatado pelo Ministro Joo Otvio Noronha, em que se decidiu pela manuteno dos ocupantes do mesmo loteamento irregular, em rea assemelhada, sendo determinada a adoo de medidas compensatrias para a reparao do dano ambiental. O argumento de comprometimento dos mananciais de gua do Municpio de So Paulo no foi trazido discusso naquela oportunidade. Releva destacar que, preferencialmente, deve-se optar pela reparao in natura, mas as circunstncias do caso devem ser ponderadas para a defi nio do modo de reparao ao meio ambiente.

    Diante de uma coliso do direito ao meio ambiente com outro direito fundamental, em um primeiro momento, o intrprete dever utilizar o princpio do sopesamento e da ponderao para tentar harmonizar os bens, os valores e os interesses envolvidos no caso concreto por meio de mandamentos de otimizao, conforme sugerido por Robert Alexy 17.

    A ponderao realizada em um momento anterior ao princpio da proporcionalidade ao buscar balancear os interesses, os valores e os bens envolvidos na coliso. Nesta fase, os princpios vo tomando forma, concretizando-se de acordo com as peculiaridades dos fatos. Aps dar um peso especfico aos interesses tidos como relevantes, encerra-se a fase do balanceamento e parte-se para a utilizao do princpio da proporcionalidade, qual seja, para a aplicao proporcional dos meios mais adequados, necessrios e proporcionais em sentido estrito para a soluo.

    4. CONCLUSES

    Duas so as principais decorrncias do Acrdo: (i) a ampliao da responsabilidade pelo dano ambiental para alcanar o alienante de imvel que se tornou, com o seu conhecimento, loteamento clandestino em rea da Reserva

    16 No mesmo sentido o REsp 650.728/SC, julgado em 23 de outubro de 2007, publicado em 02 de dezembro de 2009, cujo relator foi o Ministro Herman Bejamin.17 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduo de Virglio Afonso da Silva. So Paulo: Malheiros, 2008.

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    Bilings e (ii) a preferncia da restaurao ambiental in natura, inadmitindo a desafetao ou desclassifi cao jurdica tcita em razo do fato consumado.

    Ao aplicar a ponderao, a Corte entendeu que o interesse pblico (preservao de reservatrio de abastecimento urbano) prevaleceu em relao aos loteamentos irregulares (direito moradia), na medida em que proteo da rea ambiental benefi cia um nmero muito maior de pessoas do que as residentes na rea de preservao. Desta forma, o Acrdo passa a ser instrumento til para a efetivao da proteo ao meio ambiente.

    Apesar de todas as dificuldades inerentes a questes existenciais e complexas do fenmeno hermenutico, o intrprete deve fundamentar suas decises e suas escolhas com base em argumentos que possam ser racionalmente justifi cados nos ditames da nova ordem constitucional ecolgica.

  • 2. Fauna

  • 2.1. Crueldade contra os Animais

    RECURSO ESPECIAL N. 1.115.916-MG (2009/0005385-2)

    Relator: Ministro Humberto MartinsRecorrente: Municpio de Belo HorizonteProcurador: Alexandre Rossi Figueira e outro(s)Recorrido: Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais

    EMENTA

    Administrativo e Ambiental. Centro de controle de zoonose. Sacrifcio de ces e gatos vadios apreendidos pelos agentes de Administrao. Possibilidade quando indispensvel proteo da sade humana. Vedada a utilizao de meios cruis.

    1. O pedido deve ser interpretado em consonncia com a pretenso deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento do pedido extrado da interpretao lgico-sistemtica da pea inicial no implica em julgamento extra petita.

    2. A deciso nos embargos infringentes no imps um gravame maior ao recorrente, mas apenas esclareceu e exemplifi cou mtodos pelos quais a obrigao poderia ser cumprida, motivo pelo qual, no houve violao do princpio da vedao da reformatio in pejus.

    3. A meta principal e prioritria dos centros de controles de zoonose erradicar as doenas que podem ser transmitidas de animais a seres humanos, tais quais a raiva e a leishmaniose. Por esse motivo, medidas de controle da reproduo dos animais, seja por meio da injeo de hormnios ou de esterilizao, devem ser prioritrias, at porque, nos termos do 8 Informe Tcnico da Organizao Mundial de Sade, so mais efi cazes no domnio de zoonoses.

    4. Em situaes extremas, nas quais a medida se torne imprescindvel para o resguardo da sade humana, o extermnio

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    dos animais deve ser permitido. No entanto, nesses casos, defeso a utilizao de mtodos cruis, sob pena de violao do art. 225 da CF, do art. 3 da Declarao Universal dos Direitos dos Animais, dos arts. 1 e 3, I e VI do Decreto Federal n. 24.645 e do art. 32 da Lei n. 9.605/1998.

    5. No se pode aceitar que com base na discricionariedade o administrador realize prticas ilcitas. possvel at haver liberdade na escolha dos mtodos a serem utilizados, caso existam meios que se equivalham dentre os menos cruis, o que no h a possibilidade do exerccio do dever discricionrio que implique em violao fi nalidade legal.

    6. In casu, a utilizao de gs asfi xiante no centro de controle de zoonose medida de extrema crueldade, que implica em violao do sistema normativo de proteo dos animais, no podendo ser justifi cada como exerccio do dever discricionrio do administrador pblico.

    Recurso especial improvido.

    ACRDO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justia A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Braslia (DF), 1 de setembro de 2009 (data do julgamento).Ministro Humberto Martins, Relator

    RELATRIO

    O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto pelo Municpio de Belo Horizonte, com fundamento no artigo 105, inciso III,

  • Fauna

    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 43

    alnea a, da Constituio Federal, contra acrdo proferido pelo Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais, assim ementado:

    Embargos infringentes. Sacrifcio de ces e gatos vadios apreendidos pelos agentes de Administrao. Possibilidade. Necessidade de controle da populao de animais de rua e preveno de zoonoses. Falta de recursos pblicos para se adotar as medidas pretendidas pela Sociedade Mineira Protetora dos Animais, como a vacinao, vermifugao e esterilizao dos ces e gatos vadios. Eliminao dos animais apreendidos por meio de cmara de gs. Medida cruel. Impossibilidade. 1. A falta de recursos pblicos, tanto fi nanceiros como operacionais e de pessoal, para lastrearem outras medidas de controle de zoonoses e da populao de ces e gatos vadios induz a possibilidade de se sacrifi car tais animais, vez que os mesmos podem ser vetores de doenas graves, como a leishmaniose visceral canina e a raiva. 2. Os animais vadios apreendidos devem ser sacrificados utilizando-se de meios que no sejam cruis ou impliquem sofrimento aos mesmos, hiptese que afasta o abate por gs asfi xiante. (fl s. 645)

    No presente recurso especial, alega o recorrente, preliminarmente, ofensa ao art. 535, inciso II, do CPC, porquanto, apesar da oposio dos embargos de declarao, o Tribunal de origem no se pronunciou sobre pontos necessrios ao deslinde da controvrsia.

    Aduz, no mrito, que o acrdo estadual contrariou as disposies contidas nos artigos 1.263 do CC/2002, e os arts.. 2, 126, 128, 293, 459, 460, 496, 515 e 555 do CPC.

    Apresentadas as contrarrazes s fls. 781-797, sobreveio o juzo de admissibilidade positivo da instncia de origem. (fl s. 817-818)

    , no essencial, o relatrio.

    VOTO

    O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

    DO JUZO DE ADMISSIBILIDADE

    Ante a presena dos pressupostos recursais, conheo do recurso especial.

    DA INEXISTNCIA DE VIOLAO DO ART. 535 DO CPC

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    Inexistente a alegada violao do art. 535 do CPC, pois a prestao jurisdicional foi dada na medida da pretenso deduzida, como se depreende da anlise do acrdo recorrido.

    Na verdade, a questo no foi decidida conforme objetivava o recorrente, uma vez que foi aplicado entendimento diverso. cedio, no STJ, que o juiz no fi ca obrigado a manifestar-se sobre todas as alegaes das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando j encontrou motivo sufi ciente para fundamentar a deciso, o que de fato ocorreu.

    Ressalte-se, ainda, que cabe ao magistrado decidir a questo de acordo com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudncia, aspectos pertinentes ao tema e da legislao que entender aplicvel ao caso concreto.

    Nessa linha de raciocnio, o disposto no art. 131 do Cdigo de Processo Civil:

    Art. 131. O juiz apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstncias constantes dos autos, ainda que no alegados pelas partes; mas dever indicar, na sentena, os motivos que lhe formaram o convencimento.

    Em suma, nos termos de jurisprudncia pacfi ca do STJ, o magistrado no obrigado a responder todas as alegaes das partes se j tiver encontrado motivo sufi ciente para fundamentar a deciso, nem obrigado a ater-se aos fundamentos por elas indicados (REsp n. 684.311-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 18.4.2006), como ocorreu na hiptese ora em apreo.

    Nesse sentido, ainda, os precedentes:

    Processual Civil. Agravo regimental. Violao do art. 535 do CPC. No-ocorrncia. Matria decidida de forma contrria pretenso. Reviso da verba honorria. Smula n. 7-STJ. Condenao da Fazenda Pblica. No-vinculao aos limites previstos no artigo 20 e pargrafos do CPC.

    1. No viola o artigo 535 do CPC quando o julgado decide de forma clara e objetiva acerca do ponto alegado como omisso, contudo de forma contrria pretenso do recorrente.

    (...)

    4. Agravo regimental no-provido.

    (AgRg no Ag n. 928.471-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17.12.2008.)

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    Processual Civil e Administrativo. Violao aos arts. 535, 515, caput e 3, 333, II, e 126 do CPC no caracterizada. Contrato de prestao de servios mdicos e hospitalares. Plano Real: converso. Lei n. 9.069/1995. Tabela do SUS reformulada em novembro de 1999. Precedentes STJ.

    1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando os fundamentos da deciso a quo que so claros e ntidos, sem haver omisses, obscuridades, dvidas ou contradies. O no-acatamento das teses contidas no recurso no implica cerceamento de defesa, pois ao magistrado cabe apreciar a questo de acordo com o que entender atinente lide.

    (...)

    7. Recurso da Unio no provido.

    (REsp n. 851.911-SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 16.12.2008.)

    DA ALEGADA VIOLAO DOS ARTS. 126, 128, 293, 459, 460 E 555 DO CPC

    Alega o recorrente que os pedidos formulados na petio inicial devero ser interpretados restritivamente, cabendo, pois, ao Poder Judicirio, decidir a lide nos limites em que foi inicialmente proposta, sendo-lhe defeso proferir deciso de natureza diversa da pedida, bem como condenar o ru em quantia superior ou em objeto diverso do que foi demandado.

    Sustenta que o Ministrio Pblico, quando da apelao, pleiteou de forma inegavelmente genrica, ampliando os pedidos constantes na petio inicial.

    No assiste razo ao recorrente.H inquestionvel correlao lgica entre a causa de pedir e os pedidos

    formulados, e o acrdo sem dvida deferiu o que a autora, na petio inicial, explcita ou implicitamente postulou, sendo certo que dado ao julgador deferir pretenso que, conquanto no formulada expressamente, represente um minus em relao ao que perseguido, e exatamente por essa razo, esteja compreendida no pedido maior apresentado.

    Ademais, no houve ampliao do pedido quando do oferecimento da apelao pelo Ministrio Pblico. O pedido deve ser interpretado em consonncia com a pretenso deduzida na exordial como um todo, sendo certo que o acolhimento do pedido extrado da interpretao lgico-sistemtica da pea inicial no implica em julgamento extra petita.

    Neste sentido:

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    Agravo regimental. Seguro. Furto de veculo. Ao de cobrana de indenizao c.c. pedido de lucros cessantes. Julgamento extra petita. No ocorrncia. Pedido existente no corpo da petio, embora no constasse da parte especfica dos requerimentos. Interpretao lgico-sistemtica do pedido. Precedente. Comprovao dos lucros cessantes. Reexame de prova. Smula n. 7-STJ.

    I - O pedido aquilo que se pretende com a instaurao da demanda e se extrai a partir de uma interpretao lgico-sistemtica do afirmado na petio inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e no s aqueles constantes em captulo especial ou sob a rubrica dos pedidos. (REsp n. 120.299-ES, Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, DJ 21.9.1998).

    II - O pedido de lucros cessantes respalda-se na extrapolao verifi cada quanto ao fi el cumprimento da aplice, resultando a responsabilizao da seguradora pelo atraso no cumprimento da obrigao, a justifi car sua condenao.

    III - Analisando os elementos fticos da causa, concluiu o Tribunal de origem terem sido comprovados os lucros cessantes, vez que a autora deixou de exercer sua atividade profi ssional aps a ocorrncia do sinistro e, via de conseqncia, de auferir a renda correspondente. A pretenso de rever esse entendimento esbarra no bice da Smula n. 7 deste Tribunal. Agravo improvido. (Grifei)

    (AgRg no REsp n. 714.159-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 19.6.2008, DJe 1.7.2008.)

    DA ALEGADA VIOLAO DOS ARTS. 2, 496 E 515 DO CPC

    Alega o recorrente que o acrdo, ao decretar que deve ser utilizado outro expediente para sacrifi car ces e gatos vadios, como a injeo letal dentre outros que no causem dor ou sofrimento aos animais no instante da morte, acabou por violar de forma frontal e direta o princpio da proibio da reformatio in pejus, corolrio do princpio dispositivo inserto nos artigos 2, 496 e 515, todos do Cdigo de Processo Civil.

    Afi rma que o provimento parcial da apelao foi no sentido de apenas assegurar que na hiptese em que a eliminao dos animais seja necessria, seja ento adotada a medida com prvia e regular sedao, sem a indicao de injeo letal como meio para a prtica do sacrifcio.

    Aqui tambm no assiste razo ao recorrente.Basta uma simples leitura dos acrdos para se verifi car que a deciso

    nos embargos infringentes no imps um gravame maior ao recorrente, mas apenas esclareceu e exemplifi cou mtodos pelos quais a obrigao poderia ser cumprida. Vejamos:

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    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 47

    Acrdo da apelao (fl s. 555-557):

    Alis, aquele mesmo ordenamento que autoriza o extermnio, do mesmo modo estabelece as hipteses permissivas para o abate, especialmente ditando que o sacrifcio de qualquer animal apreendido ser realizado mediante aplicao endovenosa de medicamento que leva morte rpida e sem sofrimento para o animal.

    Portanto, ilegal, descabido, cruel e at inverossmil o ato editado pela Pasta de Sade Municipal Portaria n. 025/03 que determinou que todos os animais que se enquadrem como de origem desconhecida sejam apreendidos e abatidos no Centro de Controle de Zooonoses.

    (...)

    Somente em parte mas relevante merece reforma a deciso, pelo que, curvando-me com redobrada vnia do respeitvel ponto de vista do douto Relator, dou parcial provimento ao recurso, apenas para assegurar que nas hipteses em que a eliminao dos animais seja necessria, de acordo com deciso fundada em laudo veterinrio, seja ento a medida adotada com prvia e regular sedao.

    Acrdo dos embargos infringentes (fl s. 648):

    No que tange forma de se abater os animais apreendidos por utilizao de gs asfi xiante -, entendo que tal hiptese confi gura maus-tratos, como elencado no art. 3, b, da Declarao Universal dos Direitos dos Animais e no art. 38 da Lei n. 9.605/1998. Destarte, deve ser utilizado outro expediente para se sacrifi car os ces e gatos vadios, como a injeo letal, dentre outros que no causarem dor ou sofrimento aos animais nos instante da morte.

    O comando proferido pelo Tribunal de origem, nos dois acrdos, bastante claro: deve o municpio, quando necessrio, promover o sacrifcio dos animais por meios no cruis, o que afasta, desde logo, o mtodo que vinha sendo utilizado no abate por gs asfi xiante.

    Dentre esses meios, o acrdo nos embargos infringentes apenas exemplificou a possibilidade da utilizao da injeo letal, sem contudo, determinar que esta seria a nica maneira que atenderia ao comando da deciso. Ao contrrio, o Tribunal de origem inclusive abriu espao para outros meios, desde que no causassem dor ou sofrimento aos animais.

    Por esse motivo no observo a violao do princpio da vedao da reformatio in pejus.

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    DA ALEGADA VIOLAO DO ART. 1.263 - CDIGO CIVIL

    Aduz o recorrente que, nos termos do art. 1.263 do CC, os animais recolhidos nas ruas - e no reclamados no Centro de Controle de Zoonose pelo dono no prazo de quarenta e oito horas -, alm dos que so voluntariamente entregues na referida repartio pblica, so considerados coisas abandonadas. Assim, a administrao pblica poderia dar-lhes a destinao que achar conveniente.

    No assiste razo ao recorrente, e o equvoco encontra-se em dois pontos essenciais: o primeiro est em considerar os animais como coisas, res, de modo a sofrerem o infl uxo da norma contida no art. 1.263 do CPC. O segundo, que uma consequncia lgica do primeiro, consiste em entender que a administrao pblica possui discricionariedade ilimitada para dar fi m aos animais da forma como lhe convier.

    No h como se entender que seres, como ces e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biolgica e psicolgica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais.

    Essa caracterstica dos animais mais desenvolvidos a principal causa da crescente conscientizao da humanidade contra a prtica de atividades que possam ensejar maus tratos e crueldade contra tais seres.

    A condenao dos atos cruis no possui origem na necessidade do equilbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais so dotados de uma estrutura orgnica que lhes permite sofrer e sentir dor. A rejeio a tais atos, afl ora, na verdade, dos sentimentos de justia, de compaixo, de piedade, que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical, evitvel e sem justifi cativa razovel.

    A conscincia de que os animais devem ser protegidos e respeitados, em funo de suas caractersticas naturais que os dotam de atributos muito semelhantes aos presentes na espcie humana, completamente oposta ideia defendida pelo recorrente, de que animais abandonados podem ser considerados coisas, motivo pelo qual, a administrao pblica poderia dar-lhes destinao que convier, nos termos do art. 1.263 do CPC.

    Ademais, a tese recursal colide agressivamente no apenas contra tratados internacionais dos quais o Brasil signatrio. Afronta, ainda, a Carta

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    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 49

    Fundamental da Repblica Federativa do Brasil e a leis federais que regem a Nao.

    A Declarao Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco, celebrada na Blgica em 1978, dispe em seu art. 3, que:

    Artigo 3 1. Nenhum animal ser submetido nem a maus tratos nem a atos cruis. 2. Se for necessrio matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a no provocar-lhe angstia.

    No mesmo sentido a Constituio Federal:

    Art. 225 - Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico:

    (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. (Grifei)

    No plano infraconstitucional:Decreto Federal n. 24.645, de 10 de julho de 1934:

    Art. 1 - Todos os animais existentes no Pas so tutelados do Estado.

    (...) Art. 3 - Consideram-se maus tratos:

    I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;

    (...) VI - no dar morte rpida, livre de sofrimento prolongados, a todo animal cujo extermnio seja necessrio para consumo ou no

    Lei n. 9.605/1998:

    Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domsticos ou domesticados, nativos ou exticos:

    Pena - deteno, de trs meses a um ano, e multa.

    Ao arrepio de toda essa legislao protetiva, comum nos Centro de Controle de Zoonose, e o presente caso uma prova disso, o uso de procedimentos cruis para o extermnios de animais, tal como morte por asfi xia, transformando esses centros em verdadeiros campos de concentrao, quando

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    deveriam ser um espao para promoo da sade dos animais, com programas de controle de doenas.

    No se pode esquecer que a meta principal e prioritria dos centros de controles de zoonose erradicar as doenas que podem ser transmitidas dos animais aos seres humanos, tais quais a raiva, a leishmaniose etc. Esse o objetivo a ser perseguido.

    Sem adentrar no campo discricionrio do Poder Executivo, at duvidoso que os mtodos empregado pelo recorrido sejam dotados de efi cincia.

    Muitos municpios pretendem controlar as zoonoses e a populao de animais, adotando, para tal, o mtodo da captura, seguido da eliminao de animais encontrados em vias pblicas.

    Tal prtica, era o que recomendava o 6 Informe Tcnico da Organizao Mundial de Sade - OMS, de 1973. Todavia, a OMS, com fulcro na aplicao desse mtodo em vrios pases em desenvolvimento, concluiu por sua inefi ccia, enunciando que no h prova alguma de que a eliminao de ces tenha gerado um impacto signifi cativo na propagao de zoonoses ou na densidade das populaes caninas, por ser rpida a renovao dessa populao, cuja sobrevivncia se sobrepe facilmente sua eliminao (item 9.4, p. 58, 8 Informe Tcnico).

    Por essas razes, desde a edio de seu 8 Informe Tcnico de 1992, a OMS preconiza a educao da comunidade e o controle de natalidade de ces e de gatos, anunciando que todo programa de combate a zoonoses deve contemplar o controle da populao canina, como elemento bsico, ao lado da vigilncia epidemiolgica e da imunizao (captulo 9, p. 55, 8 Informe OMS).

    Na mesma linha, recente publicao da Organizcion Panamericana De La Salud - OPAS recomenda o mtodo de esterilizao e devoluo dos animais comunidade de origem, declarando que a eliminao no s foi inefi caz para diminuir os casos de raiva, mas aumentou a incidncia da doena.

    Um estudo mais completo pode ser encontrado na obra Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales, de Pedro Acha, (pg. 370, Publicacin Cientfica y Tcnica n. 580, ORGANIZCION PANAMERICANA DE LA SALUD, Oficina Sanitria Panamericana, Ofi cina Regional de la ORGANIZACIN MUNDIAL DE LA SALUD, 3 edio, 2003).

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    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 51

    Segundo essa publicao, uma s cadela pode originar, direta ou indiretamente, 67.000 ces num perodo de seis anos, e que um co, antes de ser eliminado, j inseminou vrias fmeas, motivos pelos quais, no difcil deduzir que o extermnio no soluciona o problema.

    Todavia, no desconheo que em situaes extremas o extermnio dos animais seja imprescindvel, como forma de se proteger a sade humana.

    No entanto, conforme bem entendeu a instncia ordinria, nessas hipteses deve-se utilizar mtodos que amenizem ou inibam o sofrimento dos animais, fi cando cargo da administrao a escolha da forma pela qual o sacrifcio dever ser efetivado.

    Brilhante foi o acrdo recorrido quando lembrou que no se pode aceitar que com base na discricionariedade o administrador pblico realize prticas ilcitas.

    A bem da verdade, h, realmente, um espao pelo qual o administrador pblico possa transitar com certa liberdade. Todavia, discricionariedade no se confunde com arbitrariedade.

    A lei, ao conceder discricionariedade ao administrador, o faz com o objetivo de que este encontre a melhor soluo possvel para o atendimento do interesse pblico. Desta forma, jamais se pode utilizar a discricionariedade administrativa para justifi car a prtica de atos, cuja lei, inclusive a Carta Magna, estabelece como ilcitos.

    A concluso que se chega ao analisar os diplomas legais transcritos acima, que, em vez de discricionariedade, o que h a vinculao do administrador para, em casos de necessidade extrema, sacrifi car os animais por meio menos cruel.

    Pode at haver liberdade na escolha dos mtodos a serem utilizados caso exista meios que se equivalham em termos de menor crueldade, o que no h a possibilidade do exerccio do dever discricionrio que implique em violao fi nalidade legal, ou seja, que se efetive atravs da prtica de atos cruis e de maus tratos contra os animais.

    Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. como penso. como voto.

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    COMENTRIO DOUTRINRIO

    Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros1Letcia Albuquerque2

    1. BREVES APONTAMENTOS ACERCA DOS FATOS E DAS QUESTES JURDICAS ABORDADAS NO A CRDO

    Trata-se de julgamento de Recurso Especial interposto pelo Municpio de Belo Horizonte contra acrdo proferido pelo Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais. A questo de fato concernente s atividades do Centro de Controle de Zoonoses, no que se refere ao sacrifcio de ces e gatos vadios que so apreendidos pelos agentes da administrao.

    O acrdo recorrido, proferido pelo Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais traz em sua ementa o seguinte texto:

    Sacrifcio de ces e gatos vadios apreendidos pelos agentes de Administrao. Necessidade de controle da populao de animais de rua e preveno de zoonoses. Falta de recursos pblicos para se adotar as medidas pretendidas pela Sociedade Mineira Protetora dos Animais, como a vacinao, vermifugao e esterilizao dos ces e gatos vadios. Eliminao dos animais apreendidos por meio de cmara de gs. Medida cruel. Impossibilidade. 1. A falta de recursos pblicos, tanto financeiros como operacionais e de pessoal, para lastrearem outras medidas de controle de zoonoses e da populao de ces e gatis vadios induz a possibilidade de se sacrifi car tais animais, vez que os mesmos podem ser vetores de doenas graves, (...). 2. Os animais vadios apreendidos devem

    1 Pesquisadora do CNPq. Coordenadora da Pesquisa agraciada com fomento pelo Edital Universal MCTI/CNPq n. 14 2013 intitulada Proteo dos animais no-humanos: anlise da jurisprudncia brasileira. Doutora em Direito pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoramento sanduiche pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Mestre em Direito pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora Permanente do Mestrado em Direito e Sociedade da Faculdade de Direito do UNILASALLE. Professora Adjunta da Faculdade de Direito da PUCRS.2 Doutora em Direito pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoramento sanduiche pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Mestre em Direito pelo Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Adjunta III dos cursos de Graduao e Ps-graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenadora do Observatrio de Justia Ecolgica, grupo de pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected]

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    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 53

    ser sacrificados utilizando-se de meios que no sejam cruis ou impliquem sofrimento aos mesmos, hiptese que afasta o abate por gs asfi xiante.3

    Alega o recorrente que o acrdo violou de forma direta o princpio da proibio de reformatio in pejus, um corolrio do princpio do dispositivo contido nos artigos 2, 496 e 515, todos do Cdigo de Processo Civil em vigor. Segundo a anlise do Superior Tribunal de Justia, contudo, no assiste razo ao recorrente haja vista que uma simples leitura dos acrdos para se verifi car que a deciso nos embargos infringentes no imps um gravame maior ao recorrente.4

    A questo central est alicerada no entendimento do Municpio de Belo Horizonte, por meio de ato editado pela Pasta de Sade Municipal Portaria n. 025/03 que determinou que todos os animais que se enquadrem como de origem desconhecida sejam apreendidos e abatidos no Centro de Controle de Zoonoses, sendo tal atividade desenvolvida, no rgo municipal, por meio de gs asfi xiante.

    O recorrente defende que, nos termos do artigo 1.263 do Cdigo Civil,

    (...) os animais recolhidos nas ruas e no reclamados no Centro de Controle de Zoonoses pelo dono no prazo de quarenta e oito horas -, alm dos que so voluntariamente entregues na referida repartio pblica, so considerados coisas abandonadas. Assim, a administrao pblica poderia dar-lhes a destinao que achar conveniente.5

    Argumento esse rechaado, com maestria, pelo julgamento do Superior Tribunal de justia pelos fundamentos a seguir analisados.

    2. ANLISE TERICA E DOGMTICA DOS FUNDAMENTOS DO ACRDO

    A questo de fundo do acrdo est relacionada proteo jurdico-constitucional estendida aos animais no-humanos no Brasil. A Constituio

    3 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1.115.916/RJ. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 01/09/2009, p. 3.4 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1.115.916/RJ. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 01/09/2009, p. 9.5 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1.115.916/RJ. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 01/09/2009, p. 10.

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    Federal, no inciso VII, do pargrafo 1, do artigo 225 disciplina a relao da Carta com os animais:

    proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade (grifo nosso).

    A partir do preceito constitucional, o relator aduz que se for necessrio, numa perspectiva de bem-estar, o sacrifcio dos animais, que o seja por meios no cruis, o que afastaria, desde logo, o mtodo que vinha sendo utilizado no abate por gs asfi xiante. Em outra oportunidade j defendemos que:

    Os Centros de Controle de Zoonoses (CCZs) que hoje cumprem o papel de controlar a superpopulao de animais errantes nos grandes centros urbanos agem com mtodos de campos de concentrao, mtodos desumanos. (...) so mtodos de confi namento e extermnio.6

    Na mesma linha, Brgger salienta que um animal que foi abandonado na rua, um dia teve me, e sua me um dia teve, ou tem, um dono. A solido, a falta de carinho e de boas condies de higiene e alimentao levam ao estresse e consequentemente s doenas, exatamente como acontece conosco7. A questo subliminar : que culpa eles tm? E, principalmente, que alternativa eles tm? Observamos no contedo da fala um certo grau de preconceito, pois fala-se em ces e gatos vadios quando na realidade estamos diante de animais em situao de risco, em situao de abandono. So animais domsticos que foram, em algum momento, abandonados pelo homem e, agora, sacrifi cados cruelmente por esse mesmo homem.

    No voto do Ministro Humberto Martins destacamos, dentre vrias brilhantes refl exes, a seguinte passagem:

    No h como se entender que seres, como ces e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biolgica e psicolgica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais8.

    6 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 214-215.7 BRGGER, Paula. Amigo Animal reflexes interdisciplinares sobre educao e meio ambiente. Florianpolis: Letras Contemporneas, 2004, p. 15.8 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n. 1.115.916/RJ. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 01/09/2009, p. 11.

  • Fauna

    RSTJ, a. 27, (238): 39-130, abril/junho 2015 55

    Dessa forma, no h possibilidade da Administrao Pblica considerar que pode dar aos animais no-humanos a destinao que achar conveniente. Francione9 alerta que nossa esquizofrenia moral est relacionada ao status do animal no-humano como propriedade, signifi cando que os mesmos no so mais que coisas, apesar das muitas leis que supostamente o protegem. Conforme Medeiros e Albuquerque10 o grande desafi o do Direito contemporneo conseguir abraar os anseios de uma sociedade que est vivenciando mutaes do seu modo de agir e de pensar em uma velocidade impressionante. Hodiernamente, (re)pensar a questo dos animais no-humanos e sua posio no ordenamento jurdico no mais situao estabelecida em um pequeno nicho e, nessa seara, as provocaes por enxergar o Direito de forma diferente quase um imperativo. A Frana11, recentemente, deu um grande passo nessa direo. Em 28 de janeiro de 2015, a Assembleia Nacional votou e aprovou a verso fi nal do projeto de lei sobre a modernizao do Direito francs no que diz respeito ao status jurdico dos animais no-humanos. O animal (no-humano) agora reconhecido como um ser vivo dotado de sensibilidade no Cdigo Civil (novo artigo 515-14), e no considerado propriedade pessoal (artigo 528). Assim, ele no mais defi nido por seu valor de mercado e de patrimnio, mas pelo seu valor intrnseco. Esta mudana histrica pondo fi m a mais de 200 anos de uma viso arcaica do animal no Cdigo Civil, fi nalmente, leva em considerao o estado da cincia e tica da sociedade no sculo 21. Medeiros e Grau12 defendem que

    momento do Direito se colocar a servio da soluo de confl ito de d