revelação 264

12

Upload: universidade-de-uberaba-uniube

Post on 24-Mar-2016

242 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Jornal laboratório do curso de Comunicação Social da Universidade de Uberaba. 14 à 20 de outubro de 2003

TRANSCRIPT

Page 1: Revelação 264
Page 2: Revelação 264

2 14 a 20 de outubro de 2003

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba ([email protected])

Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva ([email protected]) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Projeto gráfico: André Azevedo ([email protected]) Diretor doCurso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima ([email protected]) • • • Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas ([email protected]) • • •Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Karla Borges ([email protected]) • • • Professoras Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela ([email protected]), Neirimar deCastilho Ferreira ([email protected]) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Analista de Sistemas: Cláudio Maia Leopoldo ([email protected]) • • •Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • • Impressão: Gráfica ImprimaFale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Jornal Revelação - Sala L 18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • • • Tel: (34)3319-8953http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: [email protected] - As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

Da assessoria de imprensa

A Terapia Ocupacional é um campo deconhecimento e intervenção em saúde eeducação que reúne tecnologias orientadaspara a emancipação e autonomia de pessoasque apresentam, por razões ligadas aproblemáticas específicas (físicas, sensoriais,mentais ou sociais), temporária ou defi-nitivamente, difi-culdades na inser-ção social. O prin-cipal instrumentode intervenção doterapeuta ocupa-cional é a ativi-dade humana, emsuas diferentesmodalidades. A Terapia Ocupacional busca amelhoria na qualidade de vida de pessoasvítimas de condições biológicas, psicológicas,sociais e históricas que ameaçam seu bem-estar e equilíbrio

O Terapeuta Ocupacional atua empromoção, prevenção e reabilitação, comenfoque nas seguintes áreas: Física(neurologia, ortopedia/traumatologia ereumatologia); Mental (deficiência mental esaúde mental/psiquiatria); Social (abuso

Uma profissãoem expansão

Terapia Ocupacional

infantil, violência doméstica, presidiários,marginalizados em geral) e Educação(educação popular, educação para cidadania,educação inclusiva, questões gerais ligadas àaprendizagem).

O profissional pode atuar em atividadesclínicas, educativas e de pesquisa em serviçoscomo postos de saúde, ambulatórios, clínicasespecializadas, hospitais gerais, centros de

reabilitação físicae/ou mental, cre-ches, asilos, pre-sídios, centros co-munitários, em-presas, domicílios,universidades.

Apesar de seruma profissão jovem

no Brasil, especialmente em Uberaba, a TerapiaOcupacional é uma profissão que se encontra emfranca expansão, contando com expressivocampo de atuação e um número restrito deprofissionais da área, fatores que favorecem aabsorção dos mesmos no mercado de trabalho.

No dia 13 de outubro se comemora o diado Terapeuta Ocupacional. Parabéns a todosos profissionais, alunos e docentes domunicípio e região. (Direção do Curso deTerapia Ocupacional - UNIUBE)

A Terapia Ocupacional busca amelhoria na qualidade de vida depessoas vítimas de condições queameaçam seu bem-estar e equilíbrio

O Brasil tem conquistado mercadosinternacionais e abastecido inúmeros paísescom produtos que saem das nossas lavouras.Estamos entre os cinco maiores produtoresmundiais de alimento e atualmente detemosa posição de principal exportador de café,carne bovina e outros inúmeros produtos.

As nossas condições de produção sãoexecelentes, nosso clima e nosso solo sãofavoráveis à produção de comida e, só nãosomos a maior potência produtiva porque aindaesbarramos nos subsí-dios pagos aos pro-dutores de países co-mo os Estados Unidose Austrália.

O governo, nessemometo, tem come-morado as contas doagronegócio brasileiro, que mês após mês temfechado com superávit. Hoje, o campo é asalvação da lavoura para a economia nacional.

Mas enquanto abastecemos o mundo,milhares de brasileiros convivem diaria-mente com o maior de todos os problemassociais - a fome.

Nosso mapa famélico é tão extenso queas pesquisas são contraditórias na contagemdo contigente dos excluídos de comida.

É estapafúrdio um país como o Brasilconhecer o número de animais do rebanhobovino, que hoje é de 170 milhões de cabeçase não ter uma uma base númérica para secriar programas que efetivamente combatama fome nacional.

A fome verdadeiramente invade oestômago de milhares de brasileiros e pior,todos os dias, uma quantidade enorme decomida, em condições de reaproveitamento,alimenta uma outra boca- a do lixo! Todo esseprocesso coloca o Brasil entre os países que

mais desperdiçam alimento em todo o mundo.Na contramão, o atual governo sustenta a

bandeira do Fome Zero, principal mote dascampanhas de Luiz Inácio Lula da Silva paraalcançar a presidência. O projeto foi lançadono iníco do ano e criou uma comoção nacional.A proposta do presidente é que até o final domandato ele consiga alimentar com trêsrefeições diárias quem convive com a falta decomida.

Hoje o Fome Zero já apresenta algunscasos de má distri-buição do que éarrecadado, falsifi-cação dos cartões dealimentação e o maluso dos recursos emespécie. Há quem nãoacredite na con-

cretização dos ideiais pró-comida. Enfim,alimentar nosssos fa-mintos tem sido umaluta árdua.

Porém, se o governo peca em algunscritérios de gerenciamento do Fome Zero, asociedade civil organizada cria ações parafazer a comida chegar até quem necessite.

Nesta edição, o Revelação aborda comoalgumas dessas ações têm ajudado milharesde famílias. A exemplo, o Vitasopa, umprojeto de reaproveitamento alimentar quetem matado a fome na região metropolitanada capital mineira.

Todos os programas podem minimizar afalta de alimento mas ainda não sãosuficientes. É necessário que o governo revejaas leis de doações, invista na capacitação dostrabalhadores e que princiapalmente, combataa fome de maneira correta. A fome não égerada pela falta de alimento mas sim pelocírculo vicioso da má distribuição de rendano Brasil.

Fome e desperdício

Enquanto abastecemos o mundo,milhares de brasileiros convivemdiariamente com o maior de todosos problemas sociais - a fome

Da assessoria de imprensa

Pelo segundo ano consecutivo, o estudantede Jornalismo da Uniube, André Azevedo daFonseca, foi premiado em duas categorias noSET-Universitário, um dos principais congressosde Comunicação do país, realizado anualmentena Faculdade de Comunicação Social (Famecos)da Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul (PUC-RS). A mostra competitivarecebe trabalhos de alunos de Jornalismo,Publicidade & Propaganda e Turismo dedezenas de faculdades de todo o Brasil.

O texto “Taxímetro do Prazer” foi o

vencedor na categoria Crônica; e “A últimavalsa de Roberto Furacão” venceu nacategoria Artigo. Ambos os textos haviamsido já publicados no Revelação. No anopassado, neste mesmo congresso, oestudante também foi o vencedor dessasduas categorias.

A lista de todos os vencedores estádisponível no CyberFam, a revista virtual daFamecos: (http://cyberfam.pucrs.br). Quemquiser conferir os textos, basta acessar oportfolio on line do estudante, no site doRevelação (www.revelacaoonline.uniube.br/portfolio)

Estudante de Jornalismo épremiado em Porto Alegre

Editorial

Fome e desperdício

Editorial

Page 3: Revelação 264

3314 a 20 de outubro de 2003

André Azevedo da FonsecaAndré Azevedo da Fonseca4º período de Jornalismo

Alcíone é uma ave fabulosa, que voa muito alto,normalmente sobre vastos oceanos. Segundo aantiga mitologia grega, o mar permanece serenoenquanto esses pássaros tecem seus ninhos nosrochedos. Já o escritor Alcione Araújo, autor domonumental romance Nem mesmo todo o oceano(Record, 1998), tem o dom oposto de provocarturbulências literárias e filosóficas em outros mares.Nessa entrevista concedida ao Revelação, o autorde 12 peças teatrais (como Há vagas para moças defino trato; Caravana da Ilusão) e 13 roteiros decinema (como Pátria Amada; Policarpo Quaresma)flutua na Poética e na Antropologia, submerge emSócrates e Homero, engolfa-se na arte e na culturade massa, mergulha na História da Educação enavega pelas ondas da literatura e do jornalismo. Oautor esteve em Uberaba na noite de 9 de outubropara participar do projeto Tim Estado de MinasGrandes Escritores, em parceria com os programasPró-ler e ArtEducação. A entrevista a seguir foigravada no saguão do Hotel Tamareiras, às 11h15da manhã, na presença de Olga Frange,coordenadora do ArtEducação em Uberaba.

Revelação: Com tanta coisa realacontecendo, por que ainda precisamosde inventar histórias para refletir sobrea condição humana?

Alcione Araújo: Pergunta interessante,não sei se você vai ter espaço para isso. Sabe-se hoje que o homem não se satisfaz na moldurade sua existência pessoal, de sua existênciaindividual. Então ele precisa de histórias. Ashistórias foram e são contadas em muitoslugares e de diversas maneiras, inicialmentepela história oral. Homero, por exemplo, foium poeta que criou no século 8 A.C., mas suaobra só foi escrita no século 6 A.C. Portanto,era literatura oral, até então. Inclusive aautoralidade do Homero, na verdade, é umacontribuição, porquena literatura oral vocêcontava a Ilíada, porexemplo, e aí as pessoasque ouviam e davamsua contribuição pessoalna hora que contavampra alguém. E esseprocesso é cumulativo, cada pessoa tem seusfiltros. Duzentos anos depois da morte deHomero, quando a Ilíada foi publicada, ela tinhaa contribuição de todos os cantadores que arelataram. A obra publicada é atribuída a Homeropor generosidade, por um reconhecimento tardio.Mas é uma obra de criação coletiva, efetivamente.

Hoje a Psicanálise me dá essa informaçãode que através das narrativas – de qualquerforma que sejam feitas – eu consigo agregar, à

minha vida, vivências que eu não vivi. E aí écomo se eu me transformasse em múltiplos,vivendo uma possibilidade que nunca meocorreria na vida. Vou te exemplificar. Imaginea situação em que um homem mate uma pessoa.Digamos, um crime passional, o sujeito mata aesposa. Se você fizer um filme, uma peça deteatro ou um romance com essa situação, vocêvai ver: a pessoa faz o gesto; no momentoseguinte percebe que se trata de uma pessoa queele amava; no momento seguinte ele se deparacom a irreversibilidade do que ele fez, e oprimeiro gesto é tentar reanimar a pessoa! E elese surpreende de que não tem volta! Aí ele caiem um desespero profundo! E começa inclusivea agredir a pessoa morta, para que ela volte!

Pois bem. Uma experiência dessa, se vocêfizer um filme – na suposição de que você nãová matar ninguém... (risos) – você vai ter avivência do desespero de quem acabou dematar! E você vai viver duas emoções: primeiroa morte da pessoa, depois o arrependimentosubsequente. Essa experiência, de matar umapessoa, você nunca viverá. Pelos menos nóscontamos com isso. No entanto você vai trazerpara a sua existência pessoal aquela experiênciade terceiros que você leu. Portanto, você agreganão apenas a cena e a emoção e o impacto quevocê viu naquilo, como agrega também osvalores éticos que estão presentes em atitudestão arbitrárias como é eliminar a vida alheia.

Portanto, é verdade que a arte te possibilitaadquirir vivências que você não viveu. Vocêpassa a ter o sentimento daquele momento, querseja de quem morreu, quer seja de quem matou.E isso é indispensável ao homem. Sempre seachou que o homem gostava de ouvir históriaspela mera aventura, pelo encantamento da históriaem si, das mil e uma noites de Sherazade, quetinha de contar histórias para não ser morta. Se oSultão não acreditasse na história dela, ele amataria! Então ela tinha que contar uma históriahabilidosa, inventiva, cheia de peripécias.

Portanto, à exceçãode Sherazade, que foicolocada nessa situação-limítrofe, todas as pes-soas procuram as histó-rias para enriquecer suaexperiência de vida e paraver como vive o outro.

A história também revela a alteridade – que é comoeu encontro o outro em mim, como eu acolho ooutro em mim. E com isso eu me enriqueço, naminha vida, com a experiência do outro. Não doacontecimento, da ação; mas da personagem. Épor isso que o homem precisa de histórias – eprecisa de histórias de sua época, não bastam ashistórias do passado. É claro que sempre seráimportante contar a história de Édipo Rei, mas éimportante contar as histórias de hoje também.

Revelação: Sócrates dizia que a escritaé prejudicial porque, ao registrar ashistórias em livro, deixaríamos deincentivar os jovens a treinar a memória.Tanto é que ele nunca deixou nada escrito.

Alcione: Teria sido uma pena se Platão nãoresolvesse fazer o registro, porque nós nãochegaríamos a ele. Nós teríamos perdido muito,como aconteceu com outros filósofos, ou ospensadores das culturas ágrafas, que não tendoregistro – como esses pensadores orientais, porexemplo – desapareceram completamente. Enós perdemos essa contribuição. Por exemplo,no nosso caso, no Brasil, nós desdenhamos acontribuição indígena e negra. Eram duasculturas ágrafas. A contribuição delas se diluiu.

Revelação: A que você atribui essadesvalorização dacultura oral?

Alcione: Deu-se noBrasil um fracasso doprojeto jesuíta com osíndios. Quando os negroschegaram, os jesuítasnem olharam para eles.Não há registro de qualquer tentativa depedagogizar a cultura negra – nem mesmo decatequizar , porque com os índios elestentaram. Então nós desdenhamos essas duasculturas. Os europeus jesuítas e os europeusseculares que vieram ao Brasil criaram umaeducação européia. E os que estavam aqui –hoje a gente sabe que a milênios esses índiosestavam aqui – e mais os negros que vieramficaram à margem do processo educacional –

o por decorrência, do processo cultural.A visão protestante era diferente. O Martin

Lutero, nas 99 proclamações, disse que o fieltem que ter contato direto com a palavra deDeus. E esse contato direto é ler a Bíblia. Então,precisa ser alfabetizado! Assim, ao contráriodaqui, um país de influência católica, acivilização norte-americana nasce alfabetizada.Nós não! A cultura católica tem o intermédio deum sacerdote. Basta que você ouça o sermão,que é a interpretação que ele faz da Bíblia. Entãoisso fez com que a religião – que é na verdade aestrada por onde a cultura caminha – ao nãoimpor a exigência de saber ler, gerasse um estadode preguiça e falta de curiosidade em relação aleitura. Foi o que aconteceu conosco.

Revelação: Programas de reality showpretendem fazerdramaturgia ao edi-tar situações criadase encenadas por não-atores. Isso pode serconsiderado um ca-minho da nova dra-maturgia?

Alcione: Não. Isso é um caminho da tele-visão. Só não é uma nova dramaturgia. Porquenão há construção. A dramaturgia é umaconstrução. É uma coisa artificial tanto quantoa arte. A arte é um artifício. Nada mais artificialdo que a ópera: você canta uma ária pedindopara alguém fechar uma janela! Mas ela é arte.Então não é reprodução da realidade, é umaampliação sonora, de encantamento através dosom, e de uma narrativa dramática, mas que a

O homem não se satisfaz namoldura de sua existência pessoal,de sua existência individual.Então ele precisa de histórias

Através das narrativas, eume transformo em múltiplose vivo possibilidades quenunca me ocorreriam na vida

Grandes escritores

“A literatura nos faz múltiplos”Em uma defesa apaixonada da palavra, Alcione Araújo navega de Homero a Norman Mailer para saudar o poder das narrativas

Alcione Araújo esteve em Uberaba para participar do projeto Tim Estado de Minas Grandes Escritores

Page 4: Revelação 264

4 14 a 20 de outubro de 2003

ênfase é sonora. Não é reprodução realista davida. A arte é portanto uma criação que temforma, tem rigor, tem preparação. O realityshow é na verdade um comportamentoespontâneo. Não tem criação nenhuma.

Revelação: Mas o reality show temregras de seleção, edição, são desen-volvidos enredos...

Alcione: Mas aí é manipulação docomportamento espontâneo.

Revelação: Essa manipulação nãopode ser criativa e artística?

Alcione: Não creio, porque na dramaturgia,no ocidente, deu-se oseguinte: (pausa prapensar...) Quando Aristó-teles escreveu a Poética,todos os dramaturgos gre-gos já tinham morrido. Osdramaturgos viveram todosaté o século 5 A.C., eAristóteles é do século 4A.C. – eles já haviam morrido há cem anos. Ea Poética, na verdade, é uma súmula dastragédias, onde Aristóteles percebeu inci-dências e construções que eram comuns, e apartir dali tirou as regras. Ele não eradramaturgo, a Poética foi a leitura dele, o filtrodele que fez isso. Agora, a referência deAristóteles que serviu para a construçãodramática é uma referência equivocada.

Revelação: Aristóteles estava equi-vocado?

Alcione: Não, mas quem o seguiu. PorqueAristóteles era um filósofo. E ele colheu umaexperiência da Grécia num determinadomomento exclusivo do século 5 A.C. Naverdade, todo o pensamento grego foiformulado naquele século – um tempo meiomágico na História do homem, absolutamenteexcepcional! Foi esse período que sedimentoutodo um legado da cultura ocidental.

Mas deixar um filósofo como sendo areferência para as construções dramáticas até hoje– a-té-ho-je! – consagrou-se um erro. Porque naverdade as construções dramáticas deveriamsurgir não da Filosofia, mas da Antropologia.

Revelação: Por que?Alcione: Porque a Antropologia é que

estuda as crenças, os valores e como se dão ospactos de convivência social. Cada cultura temo seu pacto. Em uma determinada cultura háciúmes – que é um sentimento de posse. Fazem-se inúmeras construções dramáticas a partir dociúme. Uma outra cultura não tem ciúmes, mastem uma outra característica no pacto deconvivência, e então você vai usar outrasreferências na construção dramática. Portantoé a Antropologia que nos informa sobre isso.

Então, o que vemos no reality show? Nãohá nenhuma construção que tenha vindo daAntropologia. É uma produção deentretenimento! Tenha sempre em conta quetelevisão não é arte. É parte da indústria deentretenimento. Ela é capaz de gerar culturade massa, mas ela não gera arte. O processo deprodução dela é a negação da arte.

Revelação: Qual é a incompatibilidade?Alcione: A arte vem de um gesto livre,

expontâneo e gratuito do artista. Eu escrevopor absoluta necessidade de escrever. Porquese eu não escrever, eu feneço. Eu passei essasemana viajando e fico escrevendo à mão nohotel, até de madrugada, porque eu não consigodeixar de escrever. Mas é gratuito esse gesto!É uma observação pessoal!

A indústria de entretenimento não é gratuita.É uma receita que persegue uma audiência, quetem regras fixas. Ele quer chegar à classe A, B,C, e D, e E, conhece seus valores, esses dadosestão lastreados em 25 anos de pesquisas ondea emissora sabe perfeitamente o comporta-

mento de cada classe, emcada dia da semana e quetipo de programa vaiatender a ele. A televisãofunciona como um interme-diário entre a agência depropaganda, que quer anun-ciar o seu produto, e aaudiência. Então ela vai

compatibilizar o produto a ser vendido, daquelemercado. Ele vai produzir um programa queatenda ao produto e que atenda ao consumidor.Então é completamente fechado.

Revelação: Esse discurso não estámuito apocalíptico?

Alcione: Não, não...

Revelação: ...você acha mesmo quenão é possível fazer arte nenhuma sobos sistemas de condicionamento dacultura de massa?

Alcione: Sim, acho que pode. Eu estou mereferindo aos reality shows, uma produçãoconcreta, de emissoras concretas, que estãonuma competição brutal por audiência. Mas épossível fazer arte na televisão sim. O canalArté, na França tem coisas geniais. Mas seupropósito não é disputar audiência, mas buscaruma forma de fazer arte na televisão. Então elesfazem coisas extraordinárias.

Por que não se pode fazer uma televisãomelhor e mais criativa? Não é porque a TV sejaalgo ruim, e os caras perversos. É porque nasfranjas da sociedade, a baixa escolarização fazcom que a sua sensibilidade seja muitogrosseira, uma sensibilidade de baixo instinto.Então é uma questãomercadológica, e não denatureza estética. Nem éum preconceito contra oveículo, mas é isso queacontece. E olhe como égrave: um dos pilaresfundamentais do capita-lismo é que a concor-rência melhora a qualidade do produto. Não éassim? O que se passa no Brasil com atelevisão? Tínhamos um canal hegemônico.Quando se começa a esboçar uma competição,tendo uma audiência de baixa escolarização,na verdade a programação do baixo instinto éque chega a essa audiência. Então você acabade destruir um pilar do capitalismo, porque aconcorrência piora a qualidade do produto!

Desde os gregos, desde Shakespeare – desdesempre! – a arte é um aprofundamento daexperiência de estar no mundo. É você descerno ser humano até onde for possível, é ummergulho na vida. O ser humano é um sercomplexo, cheio de sutilezas. É um ser que deveser valorizado em sua singularidade. Cada ser éúnico, essa é sua riqueza, por isso somos todostão preciosos. Essa banalização do amor, daviolência, do sexo, da solidão, essa banalizaçãoda vida que a gente vê na TV é a própria negaçãoda arte. A vida passa a perder importância.

Revelação: Escritores costumamalegar que a ficção é capaz de alcançara verdade de forma mais intensa eprofunda que o jornalismo. Por quê?

Alcione: Porque a ficção tem a emoção, eeu faço na ficção uma reconstituição criativaque é mais precisa que a que o jornalismo faz.Você, aqui, como jornalista, pede meutestemunho retórico. Nós estamos conversandoe o que pode haver é uma emoção de eu estarfalando com um jovem fazendo perguntasinteligentes, e você pode estar sentindo que falacom um cara que escreve, que pensa algumascoisas que você pode estar de acordo. Mas háum afastamento, porque nós não criamos essasituação intencionalmente. Quando eu criointencionalmente, eu faço com que essasturbulências de nosso encontro sejam tambémexternadas. E aí fica muito mais preciso eapreensível o que está se passando entre nós.Porque nós não estamos deixando transbordartudo por causa de nosso pacto de convivência,do cerimonial dessa relação. Não é como eufaria em uma cena de uma obra de arte, ondeeu vou exteriorizar tudo isso que estamos

ocultando – e que o texto de jornal vai ocultar.Aí a obra fica mais verdadeira.

Lá na obra de arte eu construo para obter esseresultado. Eu exteriorizo essas emoções. Vamosfazer um filme que tem lá um jornalista e umescritor: todas as nuanças eu ponho pra fora. Eumexo a câmera, faço um detalhe em você, façodetalhes do que você está escrevendo, aí eu pegoo escritor, aí os olhos deles ficaram úmidos, eufaço um close nos olhos, e mostro todas asemoções que os envolvem. Isso é muito maisverdadeiro do que está acontecendo aqui. Issonão é falsear!

Revelação: Você acha possível que ojornalismo se apropriede recursos literáriospara tornar a narrativamais expressiva?

Alcione: Os ameri-canos fazem um jorna-lismo que não é exata-mente a questão da litera-tura, mas é de apreender

a emoção que circula. Quer dizer, se for relatarpara o jornal um acidente de automóvel, ojornalista tende a dizer a placa, a cor do carro,quantas vítimas, etc. O outro cara, digamos quepratique o new journalism, ele vai chegar edescrever a vítima que está agonizando: elecomeça dizendo que o cara está assim, a bocaestá assim, o sangue escorria, e no entanto noteique havia uma aliança no bolso dele, ele estavasem um sapato, a meia vermelha, a sola furada,e vai fazendo uma descrição humana de umavítima do acidente, e aí tem uma emoção porqueele singulariza uma pessoa, quase como se desseum close, e depois passa para outra, aí ele vaicontando o acidente... quando ele descreve queo carro estava a 90km/h, isso deixa de ser umaquantidade e passa a ser um fato emocional!Porque a quantidade em si não traz emoção.

Revelação: A notícia pode ter, alémde informação, qualidades literárias?

Alcione: Eu entendo o que você quer dizer,que isso pode ser chamado de literatura. Éverdade. Mas fica mais claro, mais objetivo, sevocê dizer que quando o jornalista temsensibilidade pode trazer a emoção doacontecimento para o texto. Ele informa tambémas emoções que estavam envolvidas, e não apenaso fato. Quando você traz a emoção vocêhumaniza, e o leitor adora isso! A questão aí éverificar jornalistas que renunciaram a esse tipode poder descritivo, subjetivo – e portanto autoral– para serem técnicos em comunicação. E aí queestá o suicídio, porque o técnico de comunicaçãofaz um texto pobre, direto, que ele supõe que sejaobjetivo e supõe que seja imparcial – porque nãoexiste nem objetividade nem imparcialidade, vocêsabe disso. É o jornalismo da Folha: um carroazul se chocou com um carro preto. Quatrovítimas. A polícia foi notificada. Cabô!

Eu sou um ser humano, cara! Não sou umcomputador. Eu leio e aquilo não tem nenhumimpacto em mim. Fica completamente frio,impessoal. Eu não sei o nome de ninguém,como foi o acidente. Eu estou falando deacidente só pra ser eloqüente. Mas poderia serum outro episódio.

As contruções dramáticasdeveriam surgir não daPoética de Aristóteles,mas da Antropologia

A TV é capaz de gerar culturade massa, mas não gera arte.Seu processo de produçãoé a negação da arte

Atriz do projeto ArtEducação, de Uberaba,interpreta personagem da peça “Há vagaspara garotas de fino trato”, de Alcione Araújo

foto

s: A

ndré

Aze

vedo

da

Fons

eca

Page 5: Revelação 264

3514 a 20 de outubro de 2003

Se você vai lá fazer uma cobertura do Lulaque foi fazer um discurso na ONU, é claro queo discurso do Lula é importante, mas se vocêagregar ao discurso do Lula que ele estavatrêmulo antes... que ele ficou olhando o tempotodo para o George Bush... que o George Busho ignorou... e que ele olhou para o Kofi Anan...e o Kofi Anan piscou um olho pra ele... se vocêdescrever esse contexto eu vou lendo essamatéria cada vez com mais interesse. Na horaem que eu ler o momento do Lula subir natribuna, eu já estou tremendo! (risos)

Revelação: É quase uma criação lite-rária, ou é de fato uma criação literária?

Alcione: É uma descrição objetiva de umfato real. Porque não se trata de nenhum fatoimaginário. Aconteceu de fato! Mas o negócioé você ter talento de descrever o fato real. Aíele fica literário. Literário no bom sentido.

Revelação: Você gosta do termojornalismo-literário?

Alcione: Eu acho que ficaria mais objetivo,pra você levar aos editores – porque jornalistastêm pavor de literatura – se você disser que fezuma matéria “emocionante”. Assim elesgostam, porque o leitor gosta. Mas eles odeiamliteratura.

Revelação: Você disse literário “no bomsentido”. Há literário no mau sentido?

Alcione: Para alguns repórteres. Elessupõem que literário é um arranjo depalavras que vêm com frases feitas; e não éisso que nós estamos falando. Estamosfalando do repórter que tem sensibilidadepara capturar as emoções que estão em tornoe os detalhes que estão em volta. É isso quehumaniza os fatos. Olha só como ficouextraordinário o fato de o Gilberto Gilconvencer o Kofi Anan a bater tambor!Remete aos antepassados de Kofi Anan natribo dele na África!

Revelação: Aambos. Seus ta-taravós pode-riam ter sidocolegas!

Alcione: Pois é,sem fronteiras mu-sicais! E hoje ocu-pando cargos derepresentação importante! E de repenteestavam lá, dois negros com sua pujança, comsua cultura de bater tambor, etc. Quanta emoçãohá nisso! E se o repórter diz assim: nacerimônia o secretário Geral da ONU tocoutambor e o Ministro da Cultura tocou violão,ele simplesmente não me disse o que aconteceu.(pausa retórica)

Nesse caso, a sorte é que tinha televisão,e eu sei decodificar a imagem da televisão.Aí aparece outra vez a escolaridade. Aimagem solta, quando não sabemosinterpretá-la, não significa muito. Porqueinterpretar uma imagem exige de você umacorrelação de conhecimentos interpretativos,significativos, que a baixa escolaridade nãodá instrumentos para isso.

Revelação: Essa relação entre ficçãoe jornalismo está em debate, espe-cialmente por causa da farsa Gugu-PCC.Mas independente desse caso, a per-gunta é a seguinte: é legítimo que ojornalismo se utilize de algumas“criações” dentro do texto para tornara verdade mais explícita?

Alcione: Absolutamente legítimo. É não sólegítimo como muito importante! Os grandesjornalistas fazem isso. Uma vez incumbiram oNorman Mailer de cobrir uma luta de boxe.[Nota: o livro A Luta (Cia das Letras, 1999),de Norman Mailer, narra a disputa de boxeentre Muhammad Ali e George Foreman,realizada no Zaire, em 1974]. O Norman Maileria para o hotel onde estava o lutador, contava oque acontecia na véspera, na preparação... eaquilo era literatura? Era. Mas era jornalismo!Ele não estava lá fazendo frases-feitas, adornosverbais. Ele estava descrevendo como o caraestava emocionado, o que havia comido navéspera, a preocupação do técnico, o medo,todas essas coisas. Eu acho isso fundamental!

Revelação: Você diz isso comoescritor ou leitor?

Alcione: Eu, como leitor, eu... pô! Se o carate dá como foi a véspera daquela luta histórica,depois vai me contando o que se passava nacabeça do lutador, do treinador, me faz ver opúblico urrando nas arquibancadas, vai melevando ao ringue... é tudo o que eu quero! Umavez chamaram o Gore Vidal para ir reportaruma eleição no Memphis. Ele vai lá e conta.Só que o olhar dele não está interessado só noque é explosivo da notícia, mas em tudo quecerca o acontecimento.

Nesse momento, ainda no saguão do hotel,Alcione se despede e brinca com uma colegaque saía para o almoço. “Eu vou almoçarsozinho?? Vou ligar para o seu marido! Vocême abandonou! (risos)”. E continua...

Tem muito jornalista que tem potencialidadepara escrever, mas que tem uma visão de

jornalismo aca-nhada, de técnicoem comunicação,que diz que não tocana emoção porquesó pode se ater aofato objetivo. Ora, aemoção não é umfato objetivo?

Revelação: Vou te deixar almoçar. Masfala só mais uma coisa. Você foi convidadoa fazer o roteiro do filme da vida doBetinho. Como está o projeto?

Alcione: Olha, eu nem sei sobre o futurodesse filme. Aconteceu o seguinte: eu pretendiaque o filme enfocasse toda a vida do Betinho.Mas depois o produtor achou que o enfoquedeveria ser em cima da campanha da fome, quefoi um momento importante e tal. Eu disse quenão! A vida do Betinho como um todo é que éimportante. Porque o Betinho venceu inúmerasdoenças, era uma pessoa com uma fragilidadeenorme, e no entanto uma pessoa que teve opoder de mobilizar o país. É isso que meinteressa. O episódio da fome, na verdade, o

que importa não é propriamente a mobilização,mas é colocar o tema na agenda nacional. Ehoje, com o governo assumindo o Fome Zero,tornou-se um programa institucional. O queconfirma que isso não é o mais importante.

Agora, o Betinho teve exílio, teve hemofilia;portanto, sua vida, desde criança, foi cheia derestrições – ele não podia andar de bicicleta,não podia andar a cavalo, não podia fazer quasenada. Depois Betinho teve um problema de umacidente na perna, depois descobriu que erasoropositivo após uma transfusão de sangue;ele experimentou o exílio; antes de entrar naclandestinidade trabalhou de operário em SãoPaulo; isso tudo é uma trajetória de vidaimportantíssima! No Chile ele quase foi morto!Foi expulso do Chile, foi ao México, aoCanadá, a Estocolmo, tudo correndo!

Revelação: Você não pensa em fazeruma biografia do Betinho, em jornalismo-literário, por exemplo?

Alcione: Uma editora uma vez me propôsisso. Mas eu achava que o filme seria maisinteressante. Mas o produtor ficou em torno dafamília... aliás, há uns dias atrás ele me ligou. Eudiscuti isso até com oFrei Beto, discuti como filho do Betinho,com a Maria (última amulher de Betinho)...Já pensou uma vidacomo essa, cheiadessas coisas? Euimagino o Betinho, que adorava futebol, na peladadas crianças. Ele ficava do lado de fora! Imagina,ele era criança ainda e viu o irmão mais velhocair do armário, sofrer uma hemorragia e morrer,porque era também hemofílico. Então aquiloestava dentro dele. A mesma doença que tinha oHenfil e os irmãos. Foi morrendo um, foimorrendo outro, o Betinho ficou por último,sabendo que ia morrer disso. Sabendo que iamorrer ele fez a campanha contra a fome. Sabendoque ia morrer ele fez a lei de circulação de sangue,impedindo a comercialização de sangue.

Assim, centrar na mobilização da fome sóporque ela é “espetaculosa”, eu não achorelevante. Acho que deveria ser parte do filme,mas o roteiro não pode ficar só em torno disso.Mas o produtor tinha idéia de envolver os

artistas, e tal. E na verdade esse foi ummomento em que, como o Betinho era muitoesperto, conseguiu a adesão da mídia e chamouos artistas, pessoas que tinham simpatiapopular. Foi uma estratégia inteligente que eleteve. Mas eu acho que a nossa participação,como artista, era inteiramente secundária, erasó pra fazer o auê mesmo. E fazer um filmesobre isso não é relevante. Agora a vida doBetinho... Eu ainda discuto com o produtor,eu penso que com o tempo ele possa mudar.

Revelação: Você citou a família. Oque eles acham?

Alcione: Olha, todo personagem que temdois ou três casamentos, com filhos nessescasamentos... essas ex-mulheres, viúvas, têmvisões diferentes... E eu não queria fazer umfilme com o Betinho “santo”! Eu queria fazerum filme com o Betinho “homem”.

O Betinho fez uma puta sacanagem com amulher dele no Chile. Ele abandonou a mulherem Santiago e casou com outra. Os dois estavamna clandestinidade. E ele largou o filho com amulher. Casou com outra e se mandou para oMéxico. Isso é uma puta sacanagem e eu acho

que isso tinha que estarno filme. Porque eleera homem, como oSanto Agostinho,entendeu? SantoAgostinho tinha fé,mas escorregava. Masera um homem! Nas

confissões ele diz: há momentos em que percoa fé, eu peco, eu sou um homem! A igreja deSanto Agostinho é do século 4, e só no século5 ele vira santo. A igreja ficou 300 anosdiscutindo se ele seria santo ou não, porqueele era um mero professor de teologia. NasConfissões ele diz tudo da vida dele. Por quenão vamos dizer da vida do Betinho?

Betinho era um homem! Eu convivia com ele,nós tomávamos cerveja. Ele era imprudente, emmuitas coisas. Em negócio de correr de carro,ele enfiava o pé no acelerador! E ele próprio nãogostava dessa imagem de santo. Entendeu? Euacho que até humaniza. Ninguém é santo. Entãoeu acho uma bobagem filmes como esse do padreRossi, isso é uma tolice! Misturar padre comXuxa, com Gugu... isso é palhaçada!

A imagem solta, quando não sabemosinterpretá-la, não significa muito.Interpretar uma imagem exige de vocêuma correlação de conhecimentos

Tem muito jornalista que diz quenão toca na emoção porque sópode se ater ao fato objetivo. Ora, aemoção não é um fato objetivo?

Escritor conversou com leitores no auditório da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro

Page 6: Revelação 264

Wagner Fonseca7º período de jornalismo

Somos uma nação com clima, solos, rique-zas naturais e minerais de dar inveja a qual-quer país de primeiro mundo.

Temos matéria-prima para a industrializa-ção de inúmeros produtos no exterior. Somosum país certo no lugar exato, um país realmentebonito por natureza e produtivo por excelência.

O Brasil de 177 milhões de habitantes temreconhecimento internacional, seja na produçãoagrícola ou nas indústrias. Uma nação emergen-te, um gigante que não está mais adormecido.Na verdade, somos um“golias” que tem inco-modado muitos paísesadeptos aos subsídiospara a produção.

Uma boa demons-tração da nossa eficiên-cia produtiva vem daslavouras espalhadas por este “rincão sem fim”.

Um exemplo é a produção de grãos. Naúltima safra, as lavouras brasileiras produzi-ram 115,2 milhões de toneladas de produtoscomo milho, soja e feijão. Uma colheita fartae cheia de bons frutos. Para se ter uma idéia dacapacidade brasileira de produzir no campo,nos últimos 13 anos a área plantada no Brasilcresceu 12% e a produção física, 99%, ou seja,a produtividade no campo aumentou 74%. Issosignifica que produzimos mais em uma áreaque pouco cresceu.

O resultado desse crescimento alimentar éexplicado pelas tecnologias aplicadas nocampo. Desde pesquisas elaboradas nos maisimportantes laboratórios de empresasespecializadas no ramo até o uso deequipamentos modernos de plantio e colheita.São máquinas computadorizadas, guiadas porsatélites e que, no fim do dia, emitem oresultado da colheita dando números precisossobre a quantidade de grãos colhidos. Umatecnologia comparada à mesma utilizada empaíses como Estados Unidos e Austrália.

Na produção de carne o Brasil é também umapotência. Em 2002, o país produziu 17,2 mi-

lhões de toneladas de car-ne (bovina, suína e aves)e a quantidade exportadasuperou a casa dos de trêsbilhões de dólares.

Toda essa atividade,conhecida como agrone-gócio, representou no ano

passado 29% do Produto Interno Bruto, o quegerou mais de R$ 424 bilhões. O agronegóciobrasileiro gera hoje 37% do total dos empregos e41% do total de exportações nacionais.

Mas no Brasil, que tem condições de pro-duzir alimento para o mundo, existe um con-traste grotesco e que em muitas vezes nos dei-xa envergonhados. Ao mesmo em tempo queestamos produzindo no campo, criamos con-dições que levam diariamente para o lixo mi-lhares de produtos que poderiam alimentarquem sofre com a fome no país.

Todo santo dia, 39 mil toneladas de comidaem condições de alimentar um ser humano ali-mentam uma outra boca, a do lixo. O desperdí-cio é gerado em restaurantes, mercados, feiras,fábricas, quitandas, açougues e até mesmo den-tro de nossa própria casa. O que se joga fora, ésuficiente para dar café, almoço e jantar diaria-mente a 19 milhões de pessoas. Os dados fazemparte de uma pesquisa divulgada pela revistaSuperinteressante, na edição de março deste ano.A revista levou em consideração apenas o quepoderia ser aproveitado facilmente, sem gran-des mudanças no processo de produção ou dedistribuição.

Enquanto muitacomida é jogada nolixo, mais de 44 mi-lhões de brasileirosvivem na linha da mi-séria. Do total, quase20% de toda essa gen-te efetivamente passa fome no Brasil.

Mas por qual motivo atingimos essa con-dição desumana e contrária aos direitos huma-nos? Para o ministro extraordinário da Segu-rança Alimentar, José Graziano, entrevistadodurante as programações da Expozebu, emUberaba (MG) , a resposta é o modelo econô-mico brasileiro que ao longo dos anos concen-trou renda e gerou o desemprego. Ou seja, oproblema da fome no Brasil não é a falta decomida mas a má distribuição de renda no país.

O resultado desse círculo vicioso, tem sido

o surgimento de uma classe de brasileiros semcondições de garantir a própria sobrevivência.“Esse mesmo círculo vicioso também leva par-te da população brasileira a consumir menoresquantidades de alimentos e, se não bastasse,faz cair o preço dos produtos agrícolas. Comisso há o empobrecimento de milhares de pro-dutores que se vêem obrigados a partir para osgrandes centros”, analisou o ministro.

O Fome Zero e a “Esperança Nacional”No início de ano, o governo Lula lançou o

Programa Fome Zero. Um projeto que estavaengavetado no Institu-to Cidadania, entidadeindependente e aparti-dária, fundada pelo atu-al presidente há dez anos.

O Fome Zero temcomo proposta arreca-dar fundos para o

combate à fome de mais de 27,3% da popula-ção nacional, gente com renda insuficiente paragarantir uma alimentação satisfatória. O pro-jeto foi anunciado como prioridade de gover-no no primeiro discurso aberto do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, na manhã seguinteà eleição do ano passado.

O programa foi elogiado por várias organi-zações internacionais, entre elas, a FAO (Orga-nização das Nações Unidas para a Alimentaçãoe a Agricultura). Desde que foi implantado até adata de 22 de agosto, o Fome Zero arrecadou

Faces do desperdícioBrasil - um império do desperdício de comida

Todos os dias, milhares de toneladas produtos que poderiam serreaproveitados em vez de serem jogados ao lixo são desperdiçados

A comida que vai para o lixo é transformada em adubo orgânico

Sociedade

Captura de vídeo / imagens: Decio Luiz

Na última safra, as lavourasbrasileiras produziram 115,2milhões de toneladas de produtoscomo milho, soja e feijão

Todo santo dia, 39 mil toneladasde comida em condiçõesde alimentar um ser humanoalimentam uma outra boca, a do lixo

Page 7: Revelação 264

R$ 4.549.493,51, dinheiro que faz parte doFundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

O ministro Graziano, um dos idealizadoresdo projeto, sustenta que o Fome Zero tem ge-rado uma rede de solidariedade em todo o país.“Essa rede de solidariedade se rompeu ao lon-go dos anos de crise e de disputa no Brasil.Hoje, nós podemos ter novamente um Brasilque se una em torno de um projeto nacionalcomo o Fome Zero”, declarou o ministro.

Segundo o ministro o programa tem criadouma consciência igualitária na mente de inú-meros brasileiros. Para se ter uma idéia, a cadadia, de seis a oito mil ligações são atendidasno Ministério Extraordinário da Segurança Ali-mentar (MESA) em Brasília.

As ligações são originárias de várias regi-ões do Brasil. Sãopropostas de proje-tos, pedidos paratrabalhos voluntá-rios e uma série deiniciativas da soci-edade civil, Ong’se empresas priva-das de todo o porte.

O ministro Graziano aponta que esses apoi-os não são apenas gestos momentâneos, mascompromissos ao longo do governo Lula. En-tão isso significa que a contribuição nacionalvai resolver a problemática da fome no país ?A resposta, infelizmente, é negativa.

Neste exato momento, enquanto muita gen-te congestiona as linhas do “ministério dafome”, pouco tem sido feito para se combatero desperdício alimentar no Brasil. As pessoasquerem saciar os famintos, mas desconhecemque a cada minuto estão contribuindo com oesbanjamento alimentar.

Adubo orgânicoEm Belo Horizonte, capital mineira, com

uma população de mais de 2 milhões de habi-tantes, diariamente é gerada uma média de 4,5

mil toneladas de lixo. Metade desse lixo é entu-lho de construção civil. O lixo domiciliar e co-mercial representa 1,8 mil toneladas. Deste to-tal, 1,1 mil toneladas é composto por matériaorgânica. Os dados fazem parte de uma pesqui-sa de caracterização do lixo realizada em 1995.

Ao longo dos tempos, o serviço de coletapercebeu que entre o lixo orgânico havia umaquantidade enorme de produtos alimentícios.Produtos que, se fossem tratados antes de che-gar aos latões, poderiam, de alguma forma, serreaproveitados.

Hoje a prefeitura desenvolve um projetoque transforma o material orgânico recolhidona cidade em compostagem, uma forma dereaproveitamento de alimentos. Uma ação quetem dado um outro rumo à comida que foi jo-

gada fora.Os caminhões

da prefeitura reco-lhem o resíduo or-gânico em mais de50 sacolões da ca-pital. A matériaorgânica é

misturada à podas de árvores efetuadas pelaCemig (Companhia Energética de MinasGerais ).

O material é revirado e através de um pro-cesso biológico, em um período de 120 dias, étransformado em adubo que vai ser utilizadonas hortas de escolas, creches comunitárias eem projetos paisagísticos da cidade.

A média de produção do adubo orgânico éde 70 toneladas/mês. O material é produzidono aterro sanitário que fica na BR-040, bairroJardim Filadélfia. É uma espécie de tratamen-to a Lavoisier (Antoine Laurent Lavoisier –Paris, 1743-1794) - tudo se transforma.

Mas segundo a engenheira sanitarista Pa-trícia Dairo, responsável pelo trabalho de pro-dução do composto orgânico, o projeto pode-ria atender toda a capital mineira e não só as 3regiões cadastradas. Para isso, seria necessá-

rio mais investimento financeiro e de pessoal.A engenheira, que está à frente de uma nova

pesquisa de caracterização do lixo na cidade, citaum dado alarmante e que pode fazer com que aPrefeitura de Belo Horizonte amplie o projeto.Caso os dados se mantenham nos níveis atuais,ao final do ano será constatado que 50% do ma-terial orgânico que vai para os latões de lixo éalimento, comida que poderia matar a fome deinúmeras famílias que vivem na capital. Umexemplo vivo da cultura do desperdício no país.

“O Brasil é considerado o rei do desperdí-cio de comida. Infelizmente, perdemos muitosalimentos principalmente por falta de acondi-cionamento adequado”, diz Patrícia Dairo.

Olho maior que a barrigaAuxiliar de cozinha Sebastiana Santos, mãe

de três filhos, de segunda à sexta deixa as cri-anças em casa para trabalhar no restauranteDelle’s, um ponto comercial que atende inú-meros trabalhadores do bairro Ipiranga, na re-gião Noroeste de Belo Horizonte.

De manhã ela prepara a comida que vai serservida no self-service pelo preço de R$ 3,90.Com o valor pode-se comer à vontade, e ospratos são bem apetitosos. Desde um quiabinhocom angu, comida típica da culinária mineira,a um bom churrasquinho de picanha de boipreparado na chapa. Se o cliente preferir podepedir com bastante cebola!

São mais de 30 receitas bem expostas nasbandejas. A clientela chega sedenta por comi-da e enche o prato.

O motorista autônomo Hélder Pereira,freqüentador assíduo do restaurante, em meioa uma montanha de ar-roz, batata frita, macar-ronada, frango grelhadoe tutu, se mostra farta-do. A gula foi tanta queele comeu, comeu eainda deixou no pratoquase duzentos gramasdo que foi servido minutos atrás.

Toda gulodice vai ser um trabalho a maispara a Sebastiana. O que sobrou no prato domotorista autônomo Hélder Pereira é jogado nolixo juntamente com a sobra de inúmeros pra-tos. Comida que segundo a auxiliar de cozinhadaria para alimentar os filhos que ficaram emcasa. “É muita tristeza jogar fora toda essa co-mida. Agora esse desperdício vai alimentar umaoutra boca, a boca desse balde de lixo. Essa co-mida dá para alimentar um ser humano. Talvezhoje, nem na minha casa vai ter uma comida

assim para eu alimentar os meus filhos”, lamentaa funcionária vendo a comida cair no balde.

O comerciante, Heraldo Cota Oliveira, jáno ramo de restaurantes há 30 anos, resolveuno ano passado implantar um sistema para queos clientes não deixem sobrar comida no pra-to. Ele afixou no interior e na fachada do esta-belecimento inúmeros cartazes que dizem: “Repita, mas sem desperdício!”.

A idéia , segundo o comerciante foi bemaceita no início, mas hoje a clientela ainda in-siste em deixar sobras de comida no prato.

“ A gente até que tenta, mas mudar a cultu-ra do cliente é difícil”, comenta.

Além da comida que sobra nos pratos dosclientes, a comida que restou nas bandejas eque não foi utilizada também vai parar na latado lixo. É alimento limpo, como macarrão,saladas e carnes. Mas esse desperdício alimen-tar não é pura maldade. No Brasil que temfome, os comerciantes de bares, lanchonetes erestaurantes preferem jogar o excedente indus-trializado no lixo. É uma medida para evitarproblemas legais, como ter que arcar com aresponsabilidade civil e criminal no caso dacomida intoxicar ou causar a morte de alguém.

Como resultado, a comida que é descartadanesses estabelecimentos representa mais da me-tade do lixo produzido por ano no país. Ou seja,de 15% a 50% do que é preparado para atender aclientela vai ser recolhido pelos caminhões delixo. Dados da Ação de Cidadania do Rio de Ja-neiro, todo esse desperdício daria para alimentardiariamente mais de 10 milhões de pessoas.

Segundo o Ministro José Graziano,desonerar o doador de boa fé da responsabili-dade civil e criminal por dano ou morte de al-guém que se alimenta de comida doada é umproblema para o Ministério da Fome. “Vamostrabalhar para que as pessoas possam doar ali-mentos sem a preocupação de serem proces-sadas no futuro. O Brasil não pode convivercom a fome e com a miséria”, afirma Graziano.

Atualmente o projeto do atual governadordo estado do Ceará, Lúcio Alcântara que tratado assunto, está parado na Comissão de Cons-tituição e Justiça da Câmara em Brasília. O pro-jeto foi elaborado na época em que o governa-

dor era senador peloestado cearense. Alémda ação contra as doa-ções dos excedentes,existem outras medi-das para minimizar osofrimento de inúme-ros brasileiros como,

por exemplo, isentar as indústrias de Impostosobre Produtos Industrializados (IPI) relativoà doação. Hoje as indústrias ou fábricas quedesejam doar qualquer espécie de alimento pre-cisam pagar o imposto desses produtos.

As medidas fazem parte de um pacote de leischamado Estatuto do Bom Samaritano, parado noCongresso Nacional. O estatuto inclui também odesconto do Imposto de Renda para quem doarcomida ou máquinas que industrializem os alimen-tos, esse desconto, já existe para as empresas quecontribuem com doações em dinheiro.Minstro José Graziano: “A esperança é o Fome Zero”

A pequena Celaine espera pela sopa do fim do dia

O serviço de coleta de Belo Horizontepercebeu que entre o lixo orgânico haviauma quantidade enorme de produtosque poderiam ser reaproveitados

De 15% a 50% do que é preparadopara atender a clientela nosrestaurantes vai ser recolhidopelos caminhões de lixo

Page 8: Revelação 264

8 14 a 20 de outubro de 2003

Era o ano de 1991. Na época, a adminis-tração da Ceasa em Contagem, região metro-politana de Belo Horizonte, constatou quehavia um grande desperdício dehortigranjeiros na unidade. Por mês, erammais de 100 toneladas de produtos entrematerial jogado no lixo, os descartados pelosprodutores e os alimentos apreendidos pelaCentral. Alguns desses produtos aindaestavam em condições de consumo, o quegerava uma quantidade enorme de catadoresnos pátios da unidade.

Em 93 a Ceasa comprou um projeto de-senvolvido pelo (IMT), Instituto Mauá deTecnologia em SãoPaulo. O projeto tratavada transformação dealimentos queapresentavam algum pro-blema estético em umcomposto alimentar.

No ano seguinte, a diretoria da Ceasa ins-talou na própria unidade uma fábrica para oaproveitamento dos excedentes agrícolas decomercialização. Assim foi possível transfor-mar produtos que iriam para o lixo, em umcomposto alimentar com um ano de validade.Surgiu então o Vitasopa. Uma lata que, depoisda industrialização dos alimentos, recebe 4quilos de produtos como tubérculos, legumes,folhosas, cereais, proteína animal e vegetal,óleo de soja e condimentos.

Hoje o Vitasopa é viabilizado através da

parceria da Ceasa com o governo estadual. Oprojeto, pioneiro no Brasil, passou por algu-mas dificuldades durante a implantação. Oprincipal problema foi a ausência de técnicosespecializados que pudessem dar suporte àparte operacional. Porém, a dificuldade foiresolvida com a presença do

técnico Cláudio José Machado, que im-pulsionou o projeto e montou uma equipe parapreparar a sopa.

“Nós estamos transformando produtoshortigranjeiros com vida útil na prateleira detrês dias, em um produto com um ano devalidade, e melhor, sem conservante”,

destacou o diretor deprodução da Vitasopa.

O preparo da sopa ésimples: basta colocar oconteúdo da lata em umapanela, acrescentar água

fervida e mexer um pouco. Com cada lata doVitasopa, é possível preparar 35 pratos.Atualmente, o custo de cada prato gira emtorno de R$ 0,13. Desde que o Vitasopa foicriado foram produzidas na fábrica mais de175 mil latas, que atendem várias regiões dacapital mineira a que têm saciado a fome decrianças e adultos.

Antes de chegar à mesa do beneficiado, asopa passa pelas análises de substância emicroorganismos. Só assim é liberada para oconsumo. Além disso, o projeto é fiscalizadopela vigilância sanitária e por outros órgãos

do governo estadual como o IMA (InstitutoMineiro de Agropecuária).

O Vitasopa foi adotado pelas Ceasas dePernambuco, Bahia, Ceará e Paraíba. Para odiretor da unidade de Contagem, Altivo San-tos, o projeto pode atender também cidadesde menor porte. “ O Vitasopa pode ser ex-pandido para várias regiões produtoras. Que-remos que esta ação setorne referência. Quere-mos ser uma espécie defranqueadora, a nossamissão é nacional”,destaca.

Driblando a leiMesmo sem o respaldo da lei, e sabendo

das complicações que por ventura podemacontecer, o proprietário de um restaurantedo centro de Belo Horizonte decidiu trans-formar a comida industrializada que sobra nasbandejas em sopa. Todos os dias, ao fim doexpediente do almoço, o cozinheiro do res-taurante volta para a cozinha e prepara a sopacom o que não foi utilizado. O caldo vaiatender mais de trezentas pessoas que vivemno Morro do Papagaio, um aglomerado defavelas na região sul da capital mineira e queenfrenta um problema sério com a fome.

CEASA de Belo Horizonte transforma comidadescartada em sopa para centenas de famílias

Vigília pela sobrevivência: garoto protege comida que foi recolhida do chão da Ceasa

A distribuição é feita pela viatura dapolícia militar comandada pelo cabo Tristão,lotado na 124ª Companhia do 22º Batalhãoda PM. Sempre no fim da tarde surge a viatu-ra na boca do morro trazendo um panelão in-dustrial cheio de sopa e recém-tirado do fogo.Comida que já é cardápio garantido para apequena Celaine, uma garotinha de oito anosde idade, que tem na ponta da língua os in-gredientes da sopa solidária: arroz, feijão,macarrão, verdura e lingüiça.

Ela e um irmão menor sobem o morro comuma panela para recolher a sopa que vaialimentar mais gente na humilde casa ondevive com a família. Perguntada sobre o queacha da sopa, ela resume ao estilo mineiromesclado à inocente opinião de uma criançaque tem a fome como companhia. “ Todomundo aqui gosta, uai!”, diz, segurando a pa-nela.

Infelizmente, a sopa não atende todo opessoal, e há quem voltepara a casa com a panelavazia e o desejo deesperar mais um dia, maisum dia para ter o quecomer.

O proprietário dorestaurante que doa a

comida, teve o nome resguardado aqui paraevitar problemas judiciais. Para ele é preciso queas leis de doações sejam revistas. “Assim comoeu, muitos outros donos de restaurantes que-rem ajudar, mas não podem. É vergonhoso euter que omitir o meu nome e o do meuestabelecimento. Mas mesmo estando incorreto,eu vou continuar doando o excedente. Possoesconder o rosto, mas não vou fugir do meudever de cidadão”, desabafa. (W.F.)

Fontes: Ministério da Agriculturawww.fomezero.com.br

Ações de combate

A auxiliar de cozinha e a comida que sobra nos pratos: lixo

A Ceasa de BH dá um outro destinoà comida que seria descartada

Captura de vídeo / imagens: Decio Luiz

Fome e desperdício

Hoje o Vitasopa é viabilizadoatravés da parceria da Ceasacom o governo estadual

“Assim como eu, muitosoutros donos de restaurantesquerem ajudar, mas nãopodem, por problemas legais”

Page 9: Revelação 264

914 a 20 de outubro de 2003

Erika Machado6 período de Jornalismo

Professores pelo mundo afora tomam parasi a missão de ensinar. Ensinar não só letras enúmeros, mas ensinar paz, esperança,solidariedade, coragem. Neste dia 15 deoutubro, todos eles, anônimos ou não,merecem uma homenagem.

Lidar com pessoas. Eis a maior riquezada profissão de professor. Doar-se aoexercício da profissão de forma competente,comprometida, séria, rigorosa, responsável,bom, isso é o quese espera de qual-quer profissão,mas para quemescolhe a carreirade educador sabeque tem pelafrente grandesdesafios.

O gosto pela leitura e a facilidade deinterpretar e produzir textos transformou aentão sonhadora aluna das aulas de português,na admirada professora de literatura. Há 23anos Leila Afonso assumia aresponsabilidade de uma sala de aula e apaixão pela sua profissão.

Dedicada, enfrenta as dificuldades dacarreira, como os baixos salários e falta devalorização da profissão. Funcionária de umaescola pública, lamenta a falta deinvestimento dos governos em relação àeducação que acarreta na sobrecarga de aulascomprometendo a qualidade do ensino.

Como professora sabe que a escola é umaextensão da casa, onde estudantes passampelo menos meio período do dia. Por isso a

importância de um professor, vai além deensinar teorias e fórmulas , a educação dascrianças e jovens abrange também asocialização dos alunos.

Mas do que professores, essesprofissionais são educadores e precisam estarcomprometidos em preparar os estudantes damelhor forma. Leila acredita que o desejo detodo professor é contribuir para que os alunosse realizem na vida.

Nas salas de aulas, conhece-se alunos quevibram, que choram, que se admiram, que seirritam, que se desafiam, que dormem, que se

apaixonam, quefogem, que fin-gem, que se en-ganam colando,que buscam defato, algo quefaça diferençaem suas vidas.

Os professores, claro, participam dessasexperiência e são, em parte, responsáveispelas vitórias, ganhando o reconhecimentopelo trabalho bem feito, Leila sente-seorgulhosa quando reencontra os ex-alunos quedemonstram carinho e saudades dos temposde colégio. Hoje já profissionais, sabemreconhecer a importância de uma boa baseescolar, e o papel de um bom professor.

E tem ainda os alunos especiais queganham uma relação além professor-aluno, quesão amigos e dividem planos e desejos. Essesdevolvem a expectativa de tudo aquilo queinvestiu na sala de aula, Para a professora deliteratura, a maior frustração ainda é a falta decompromisso de muitos alunos, mas, a maioralegria continua sendo participar do sucessodos que conquistam um futuro brilhante.

Meu mestre, meu amigo!Professores dedicados ganham reconhecimento pelo trabalho e fazem verdadeiros amigos dentro de sala de aula.

Educação

Desisitir nem pensar! Nem baixossalários, nem desvalorização fazem Leila,mudar de carreira: “ Não consigo me ver emoutra profissão”. Aposentar, sim mas nãodeixar de ensinar : o seu grande sonho écontinuar o trabalho, só que de uma formadiferente, se tudo der certo ela pretende morar

em uma tribo indígena, fazendo um trabalhovoluntário que pode ser alfabetização deadultos, difundindo a literatura e os grandesautores a alguém que não teve oportunidades.Para ela será uma experiência que lhe darámuito prazer. Sonho digno de quem se dedicaa ensinar VIDA!

Professores pelo mundo afora tomampara si a missão de ensinar. Ensinar nãosó letras e números, mas ensinar paz,esperança, solidariedade, coragem

A professora Leila Afonso diante da responsabilidade de ensinar e da sua paixão pela profissão

Melina Afonso

Page 10: Revelação 264

10 14 a 20 de outubro de 2003

Keyla Cristina6º período de Jornalismo

O dia amanhece e mais uma vez a correriaestá para começar. Com a brisa da manhã norosto, Paulo se direciona a empresa ondetrabalha. E o tempo tem que ser seu aliado nahora de fazer as cobranças. Boletas namochila, está na hora de tentar descobrir olocal a ser entregue o que lhe foi direcionadodurante o dia. É o momento mais difícil. Apósencontrar a rua, olha para um lado, para ooutro e o que nãofaltam são números.Até mesmo três emcada imóvel. E o quefazer? Pede informa-ções para o moradordo local e depois delonga procura, aliestá, a casa que tanto procurava.

Em Uberaba todas os imóveis foramrecadastrados há sete anos atrás. Novosnúmeros foram afixados, mas os antigoscontinuam. Para pessoas como Paulo AntônioMarques, entregador, e tantos outros que seutrabalho depende exclusivamente disso, esteé um grande problema.

Ricardo Ducha, gerente do Centro deTratamento de Cargas e Encomendas dosCorreios, explica que na empresa a confusãosó não é maior, porque os carteiros jáacostumaram com seus itinerários. Masquando o funcionário é novato, ele encontragrandes dificuldades. Ricardo alfinetaexplicando o motivo: “ As pessoas deveriam

se sensibilizar e utilizar apenas o novonúmero, fazendo a retirada do antigo.Informar apenas o correto para as pessoas noqual recebem correspondências”. Umagravante maior é com os sedex, quenormalmente são de grande importância tantopara o destinário quanto para o remetente, eo tempo hábil para entrega é menor. Quandonão conseguem encontrar procuram atémesmo no catálogo para informar a pessoaque tem uma entrega para ela. No último caso,o jeito é devolver para a pessoa de origem,

com a informaçãoque o número éinexistente.

No departa-mento de CadastroMobiliário da Pre-feitura da cidadetodo imóvel possui

seu relatório. Vera Lúcia Miranda, diretora dodepartamento, explica que 65% da populaçãojá se adequou e possuem apenas um númerode correspondência, mas que a minoria geraproblemas para os trabalhadores. O que énecessário é uma maior conscientização dapopulação. O departamento possui o cadastrodos imóveis com seu número antigo e novo,caso algum morador necessite se informar.Segundo Vera, estão fazendo uma estatísticapara detectar melhor o problema e estudandoa melhor maneira de estar através decampanhas mobilizando os proprietários dacidade. E ainda revela que a partir de agora,os números não serão mais de adesivos comoanteriormente, será utilizado um material de

Duplos númerosCidade

Em Uberaba todas os imóveis foramrecadastrados há sete anos atrás.Novos números foram afixados,mas os antigos continuam

maior durabilidade.Para as pessoas que querem se informar

sobre o número certo a ser utilizado pode estarentrando em contato com o departamento decadastramento na Prefeitura Municipal de

Uberaba, na avenida Guilherme Ferreira. Otelefone de contato é o 3312-7744.

Enquanto isso, diferentes Paulos passamo dia a olhar de um lado para o outro a procurado número certo.

Revelarte

Duplacidade de números em imóveis da cidade prejudicaàqueles que seu trabalho dependem exclusivamente deles

Page 11: Revelação 264

1114 a 20 de outubro de 2003

Élida Borges RodriguesMariana Costa Marajó de Carvalho4º período Jornalismo

Calor, pessoas apressadas, de todos ostipos, vestidas das formas mais variadaspossíveis, muito barulho, ônibus e carrospassando, fumaça no ar… “Compra umalgodão doce e ganha a máscara, só umreal!!!” É o vendedor de algodão doce GasparFerreira da Silva. Eletrabalha no calçadãoda Praça Rui Bar-bosa há cinco anos, eantes de ser ven-dedor de algodão-doce ele viajava oBrasil vendendo bolas coloridas com umparque de diversões.

Gaspar acorda todos os dias às 5 da manhãpara fazer o algodão doce , chega no calçadãoàs 8h e fica lá até 16h; depois vai até a umcolégio e fica lá até às 18h. Ele garante quedá para tirar uma renda de no mínimo R$20,00por dia. No entanto, esse dinheiro não ésuficiente para sustentar sua família. Ele dizque trabalhar na informalidade foi a soluçãopara enfrentar a dificuldade de arrumar umserviço bem remune-rado, ainda mais compouco estudo. “Se vocêtrabalhar para os outros,você não consegue oque ganha trabalhandopor conta própria.”

Sobre a sua perspectiva de vida, o que eleespera, Gaspar diz: “A única coisa que eu peçoa Deus é que não falte nada para mim, nempara a minha família, nem para ninguém. Noresto, ‘nóis’ dá um jeito.”

Mais abaixo no calçadão, no meio de tantagente que sobe e desce no andar interminávelde todos os dias, ouve-se “olha o isqueiro,Super Bonder, pilha, cortador de unha,cadeado, xuxinha de cabelo, vamo levá…”Ou então: “promoção do ano: moça feia,careca, banguela edesdentada não paganada…”. José GonçalvesOliveira trabalha comovendedor ambulante háquarenta e um anos. Nocomeço da sua “car-reira”, com 7 anos de idade, José Gonçalvesdiz que já fazia de tudo. Nessa época, segundoele, só havia turcos e italianos no centro dacidade. Ele já vendeu de tudo na rua, matavaporcos, carneiros, vendia galinhas, frutas,verduras e legumes. Seu José nunca teve outro

trabalho, sempre foi vendedor.“O estudo que eu tenho é só até o quarto

ano, então tive que correr atrás e acho que ojeito mais fácil foi esse. Acho que nãocompensa trabalhar empregado, porque hojeeu tiro uma média de R$1.200 por mês, se eutrabalhasse como empregado tendo poucoestudo, o máximo que eu podia ganhar seriadois salários mínimos, R$480, o que não dariapara eu sobreviver.”

Apesar dealgumas dificul-dades, José Gon-çalves acha que éum bom trabalho, eapesar de não ga-nhar muito di-

nheiro, consegue sustentar sua família dequatro pessoas. Sua jornada começa às 9h epára às 16h. Segundo ele, não se vende maisnada no calçadão depois desse horário. “Oque o diferencia dos outros vendedores é seujeito de anunciar os produtos comirreverência. “A crise já tá feia, se eu andarpor aqui de cara fechada, não vendo nada,”afirma.

Um pouco mais abaixo, outro vendedorfaz o seu trabalho. Só que esse não anuncia,

não faz graça, apenas ficacalado e espera que umcliente se interesse porseu serviço. É o meninoEliélson de OliveiraCosta, de apenas trezeanos que trabalha como

engraxate. Ele carrega seu material detrabalho nas costas e circula pelas ruas nocentro há 3 anos. Mora no Bairro Costa Tellese vai para o centro todos os dias de bicicleta.Eliélson ganha cerca R$10 por dia, e odinheiro que ganha com seu trabalho é só dele.Cursa a quinta série do ensino fundamental,e acha que seu trabalho atrapalha um pouconos estudos. “O trabalho às vezes atrapalha,porque tem as tarefas de casa e fica difícil.”Eliélson tem esperança de um futuro melhor.

“Queria formar parapolicial civil”

Essas são pessoas quenão tiveram grandesoportunidades na vida.Com pouco estudo, elasnão se enquadram nos

perfis dos profis-sionais do futuro; logo, acabamsendo empurrados ao mercado informal, umaluta diária para escapar do fantasma dodesemprego. Mesmo assim, provam com suaforça de vontade e coragem que é possívelsobreviver trabalhando dignamente.

Vencendo o desempregoSociedade

Desempregados mantém a esperança e procuram vencer o estigma de excluídos da sociedade

Leonardo Boloni

“Se você trabalhar para os outros,você não ganha o que você ganhatrabalhando por conta própria”

“Promoção do ano: moçafeia, careca, banguela edesdentada não paga nada…”

“O trabalho às vezesatrapalha, porque tem astarefas de casa e fica difícil”

Page 12: Revelação 264