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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

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Rede So Paulo de

Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

So Paulo

2011

UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

Governo do Estado de So Paulo Secretaria de Estado da EducaoCoordenadoria de Estudos e Normas PedaggicasGabinete da CoordenadoraPraa da Repblica, 53CEP 01045-903 Centro So Paulo SP

CondutaMoral

sumrio tema ficha

SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 3

4. Sobre a Conduta Moral Parte II .............................................3

4.1. Utilidade, retribuio e atitudes morais ................................................3

Bibliografia ............................................................................ 12

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Vdeo da Semana

4. Sobre a Conduta Moral Parte II4.1. Utilidade, retribuio e atitudes morais

Esta seo trata de questes centrais da teoria da justificao da punio e indica rumos que parece promissor seguir no enfrentamento delas. Vamos fazer um esforo de compreenso da dimenso moral da vida social, em particular da teia de sentimentos e atitudes morais referida mais atrs. Um tema central desta parte ser o da utilidade da manifestao das atitudes mo-rais. Como se sabe, o conceito de utilidade muito empregado em filosofia moral, e tambm na discusso dos fundamentos da punio legal. Quero aqui, em vez disso, relacion-lo com as atitudes morais nelas mesmas, isto , independentemente de penalidades legais que possam estar associadas a elas.

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De um ponto de vista amplo, podemos dizer que h uma dupla desejabilidade na manifes-tao dos sentimentos morais, em quaisquer das atitudes que nos so familiares.

Em primeiro lugar, essas atitudes tm freqentemente a conseqncia de afetar e influen-ciar o comportamento futuro das outras pessoas de modos que so desejveis tanto para o sujeito que adota a atitude quanto para as outras pessoas envolvidas na relao. No estou aqui dizendo que ns de fato manifestamos essas atitudes porque elas conduzem a resultados desejveis. Quaisquer que sejam, exatamente os motivos que nos levam a essa manifestao, o fato que ela produz resultados desejveis. Pois bem. De que modo se d a influncia referida acima? Entre outras coisas, plausvel supor que o grau maior ou menor com que se conde-nam moralmente pessoas infratoras, que faz com que elas venham a enxergar a magnitude de sua violao das normas morais, e s vezes, o prprio ato de as terem transgredido. Em outras palavras, dar vazo revolta, indignao, ao descontentamento, raiva etc., pode ter o efeito benfico de funcionar como um fator auxiliar para que o ofensor se d conta da gravidade da ofensa cometida, e s vezes da prpria ocorrncia dela. E, nos casos em que esse efeito bem sucedido, o ofensor tender a entender e aceitar a condenao moral recebida. Isso significa que a gravidade do erro moral (parcialmente) dada pela atitude das outras pessoas para com o comitente do erro, atitude essa de castig-lo de uma forma ou de outra.Desse modo, pode-se dizer que a condenao e a punio morais so uma fonte importante de um tipo de autoco-nhecimento, que o conhecimento de nosso prprio comportamento tico ou dos padres de nosso comportamento. E, com isso, tambm um instrumento importante por meio do qual o comportamento pode ser melhor compreendido e mudado para melhor. Portanto, o culpar na forma de uma expresso efetiva e eficaz de sentimentos de indignao, reprovao etc uma ferramenta importante, e mesmo necessria, do conhecimento e da educao morais. E isso verdadeiro, independentemente da interpretao mais moralstica ou mais teraputica que se queira dar a esse culpar. V-se, desse modo, que no que diz respeito utilidade referida acima no parece haver conflito entre a viso teraputica e a viso moralstica ou principial da adoo de atitudes morais.

A esse respeito bom observar o seguinte. As pessoas freqentemente enveredam pelo ca-minho de montar, para si mesmas e/ou para os outros, justificaes supostamente ticas para dios ou outras formas de hostilidade que, de fato, tm origens no-morais; isto , que so geradas no pela violao de normas por parte do indivduo objeto da hostilidade, mas por fa-

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tores meramente psicolgicos integrantes do temperamento, dos interesses, da personalidade delas. Trata-se a de casos em que um certo tipo de hostilidade mascarado em outro, como acontece quando uma hostilidade gerada por alguma perturbao interior, e no por um fato exterior, apresentada como uma reao justa provocada por um comportamento alheio inde-vido. Ora, o que foi dito acima a respeito da utilidade das atitudes hostis depende, claro, de a hostilidade ser genuinamente moral, e no mascarada de moralidade.

Em segundo lugar, a expresso das atitudes, e talvez especialmente do culpar e das demais reaes hostis, tem em muitos casos, ou talvez sempre, uma outra utilidade, que independen-te da primeira, a saber, a de restaurar sentimentos de auto-respeito e de auto-estima que foram abalados por fora da violao de normas. E isto est associado ao fato de as vrias formas de manifestar desaprovao ou hostilidade moral e podemos aqui pens-las como estando associadas com aquilo que se chama de desabafo moral fazerem com que o sujeito que as adota se sinta em geral melhor em sua relao consigo mesmo e com o mundo. Pode-se dizer que a expresso de atitudes hostis, nesses casos, garante a sobrevivncia moral do agente, isto , sua condio de um ser possuidor de personalidade moral.

Portanto, dar vazo a sentimentos de ressentimento ou indignao e praticar atos de conde-nao e punio morais, so modos de restaurar certas condies, umas mentais outras com-portamentais, na ausncia das quais as relaes de cooperao, e boas relaes em geral, seriam muito difceis ou mesmo impossveis de se estabelecerem, ou de se restabelecerem uma vez rompidas. Talvez a universalidade que se reconhece existir, na sociedade dos homens, da con-duta moral e de suas atitudes, possa ser explicada, em parte ao menos, por esta dupla deseja-bilidade.

O problema da justia da punio e da recompensa, o qual tem sido desde o incio da filoso-fia uma de suas grandes dificuldades, muito freqentemente levantado no quadro do debate sobre liberdade e determinismo. Nesse quadro ele pode ser apresentado do seguinte modo. Para que a punio seja justa parece pelo menos, pareceu e parece a muitos que neces-sitamos de uma liberdade anti-determinista. Com efeito, se nossa liberdade fosse totalmente compatvel com a determinao causal de nossa ao, ento a ao m (e a boa) j estaria pr-determinada desde sempre, e no seria fruto de nossa livre escolha. Logo, no seria justo puni-la. Mas ocorre que ningum, desde a Grcia antiga at hoje, conseguiu enunciar inteli-

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givelmente o que essa liberdade, e esse fato, por si s, faz com que tenhamos fortes suspeitas a respeito dessa noo. No entanto, o discurso da justia da punio e da recompensa parece fortemente fazer sentido; ele mesmo parte integrante da teia de sentimentos e atitudes mo-rais. Em nosso trabalho, no vamos enfrentar este problema espinhoso.

Pode-se enunciar do seguinte modo o requisito da justia da punio e, em geral, das atitu-des morais hostis (i.e. aquelas que tendem a resultar no infligimento de condies desagrad-veis, como sofrimento, dor etc., pessoa objeto da atitude): a punio, o infligimento a algum de condies desagradveis, aceitvel e justificado somente se eles so justos. Poderamos acrescentar: e eles so justos somente se o agente objeto deles os merece; mas isso no ajuda muito, uma vez que o merecimento em geral entendido, ou definido, a partir da prpria no-o de justia, como, por exemplo, nesta formulao: Merecer uma coisa (...) ter agido de tal maneira que a obteno da coisa merecida seja considerada como justa (LALANDE, 1999, p. 665).

A justia um dos grandes e controversos temas da filosofia. Mas precisamos, a esta altura, ter cuidado em no assumir, sem mais, que necessitamos primeiro de uma teoria, detalhada e abrangente, que nos fornea uma clarificao filosfica do conceito de justia, para depois exa-minarmos em que condies uma punio justa. Pode ser que seja o caso, mas pode ser que no. Seja como for, no h como evitar a tarefa de investigar o modo como a idia de justia estaria inserida no quadro conceitual que constitui o objeto de nosso estudo.

Presumivelmente, a punio justa aquela que infligida nos casos em que uma exigncia moral descumprida. Logo, precisamos compreender por que o descumprimento daquela exigncia uma ao injusta, pela qual o agente est sujeito a ser justamente punido. Como foi observado mais acima, seria aqui importante refletir sobre a questo de quais so as carac-tersticas de uma exigncia que a tornam uma exigncia moral vlida, isto , uma exigncia que correto as pessoas fazerem uma s outras. Uma dessas caractersticas , naturalmente, ser ela alicerada numa prvia norma moral cuja validade aceita: uma exigncia seria vlida se ela decorre de uma norma moral justa; portanto, de uma norma tal que a inobservncia dela constitusse uma ao injusta.

Com isso, a questo da justia se desloca do item punio para o item norma moral. Mas no plausvel que cada uma das normas morais, separadamente das outras, seja caracterizvel

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como justa (em si mesma). Podemos dizer, ao contrrio, que a justia das atitudes morais hostis em geral, e da punio em particular, parece residir, grosso modo, na justia de algum sistema de normas cuja eficcia so garantidos pela ameaa de punio, decorrente da possvel violao desse sistema. A estrutura ou teia de sentimentos e atitudes morais, de que a punio faz parte, teria a funo de garantir a observncia das normas morais de um modo semelhante ao que as penalidades legais objetivam garantir a observncia de um contrato jurdico. Com isso, somos aqui, mais uma vez, remetidos idia de contrato. Nessa linha de reflexo, a justia residiria, em ltima anlise, num contrato moral, isto , no sistema das diversas clusulas que compo-riam esse contrato. O contrato moral justo e universalmente aceito como tal, assumindo-se que ele possa ser redigido, justificaria o infligimento punitivo de sofrimento. Como assinala-mos atrs, um tal programa de fundamentao das atitudes morais poderia, portanto, buscar elementos na filosofia de contratualistas como Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, Kant, Rawls e outros.

Mas, num esforo em busca do fundamental, ou do mais fundamental, pode-se perguntar: por que optar pela idia de contrato, e de contrato justo? No tentarei responder estas per-guntas, a no ser para sugerir o que segue. Consideremos, mas uma vez, a noo de utilidade, s que agora pensada como idia fundamentadora (e no, como elemento fatual associado com as atitudes morais). A utilidade de contratos, jurdicos ou no, manifesta demais para que se precise dar-se ao trabalho de estabelec-la; e o contrato justo (admitindo-se que ele exista), ou aquele dotado de maior grau de justia, tem uma utilidade maior que o contrato no-justo, nisso pelo menos que o primeiro tem mais condies, do que o segundo, de garantir a harmo-nia e concrdia entre as partes no desempenho das atividades objeto do contrato. Portanto, a utilidade uma razo de ser do contrato.

Mais atrs falamos do papel das atitudes morais hostis em provocar alteraes desejveis em condies comportamentais e/ou mentais. Pensemos nestas ltimas. O ressentimento e a dor provocados por injustia podem dissolver-se com a reparao desta ltima, e a reparao mui-tas vezes no pode assumir outra forma seno a do infligimento de condies desagradveis ao agente da injustia. A punio do infrator tem essa utilidade para a vtima da injustia, seja ela um indivduo, um grupo de pessoas ou a sociedade em geral.

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Os direitos institudos no contrato jurdico tm sua contrapartida nos direitos morais dos indivduos, os quais podem ser respeitados ou violados. Ora, as atitudes hostis podem funcio-nar, evidentemente, como um modo de proteger direitos morais que estejam sendo violados, e garantir, para o indivduo, o pleno exerccio deles.

Por outro lado, o insistir em que o infrator receba o que ele merece, porque assim o exigem os sentimentos feridos da vtima, faz, como j foi apontado mais atrs, com que a gravidade do mal feito possa ser melhor percebida isto , melhor conhecida em toda a sua extenso pelo prprio infrator, e isso til.

Um programa como esse, que combina elementos do contratualismo e do utilitarismo, em parte animado pelo desejo de evitar a outra grande alternativa, que uma metafsica, as-sociada ou no teologia, na qual o Bem, o Mal, a Justia etc., tm um carter mais ou menos transcendental e pouco contato com a histria e com os diversos elementos psicolgicos da sociedade dos homens. de supor-se que o mal, o bem, a responsabilidade, a liberdade, o merecimento, a justia, a virtude, a punio, sejam itens integrados numa certa unidade, e, se assim, no h como desconsiderar algum deles sem enfraquecer o contato com os demais. E parece que a idia de contrato e de utilidade podem permitir um tratamento menos misterioso dessa rede de conceitos. Assim, o mal, por exemplo, pode ser concebido como decorrente de um comportamento de violar um contrato moral positivamente definido, de forma que prati-car o mal consiste em violar clusulas desse contrato.

Um tal programa filosfico pode parecer que desqualifica as idias de justia, de virtude etc., as quais algumas metafsicas gostariam de ver elevadas a uma posio mais privilegiada. Mas a finalidade da vida humana no parece ser a virtude, nem a justia. A vida social humana inerentemente moral, verdade. Mas a razo por que pregamos, e tentamos praticar, a virtude e a justia, parece ser, em ltima anlise, uma razo eminentemente prtica que tem muito a ver com a utilidade. Com efeito, a dimenso da moralidade til na mesma medida em que a existncia da vida social til. Esta dimenso parte da natureza social humana. Os homens concebem certas prticas como corretas, justas, virtuosas, e outras como injustas, viciosas, in-corretas, e no interessa isto , no , em ltima anlise, til para eles renunciar a esta concepo, e nem isso parece possvel ao indivduo social.

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J que, neste ensaio, estamos fazendo uso (explicativo e justificatrio) da idia de utilida-de, convm que indiquemos a relao entre este nosso uso e a conhecida escola filosfica do utilitarismo tico. Esta ltima v a utilidade como sendo o princpio dos valores ticos, ou como o bem tico supremo. Em que consistiria exatamente a utilidade isto , qual seria seu contedo um assunto controverso na escola. Por exemplo, para o ingls John Stuart Mill (1806-73), que um de seus trs proponentes clssicos [os outros dois so Jeremy Bentham (1748-1832) e Henry Sidgwick (1838-1900), tambm ingleses], a utilidade consiste no pra-zer, e o princpio supremo da tica o Princpio da Maior Felicidade, o qual advoga a maior quantidade de felicidade para o maior nmero de pessoas, a felicidade a consistindo no prazer e na ausncia de desprazer. Mas, seja qual for seu contedo, a escolha da utilidade como a idia fundamental dos valores morais e como explicativa do bem e do mal significa uma excluso drstica de tradicionais consideraes de natureza deontolgica, kantianas ou no, isto , da-quelas que enfatizam o dever e postulam algum valor intrnseco das aes boas, consideradas nelas mesmas, e em particular da inteno com que elas so praticadas. O centro do palco tico passa a ser ocupado pela utilidade que as aes e suas conseqncias tenham.

Pelo menos duas crticas importantes tm sido feitas ao utilitarismo: (1) Ele pecaria por uma excessiva unilateralidade, que residiria precisamente na excluso de consideraes deon-tolgicas; (2) No se v como poderia ser includa, na idia de utilidade, a noo de justia, a qual, no entanto, uma pea essencial do aparato moral. Estas crticas so srias, e seria inge-nuidade aderir ao utilitarismo como se no o fossem. No entanto, o aproveitamento, no con-texto dos problemas que estamos estudando, de um certo tanto de utilitarismo no significa, por si s, uma adeso filosofia moral advogada por essa escola. No estamos estudando aqui a maldade ou bondade das aes, muito menos dizendo que o carter bom ou mal deva ser medido atravs do grau de utilidade que uma ao e suas conseqncias tm. O que estamos tentando fazer explicar e iluminar a teia formada pelos quatro componentes da conduta mo-ral referidos acima, ou, se se quiser, a dimenso da disposio para experimentar e manifestar os sentimentos morais. Portanto, no parece que aquelas objees contra os fundamentos do utilitarismo tenham peso contra esta particular utilizao que estamos fazendo da noo de utilidade. O importante filsofo britnico David Hume usou a utilidade como um recurso explicativo por exemplo, para explicar por que valorizamos certos traos de carter como virtuosos e desvalorizamos outros como viciosos e no como um princpio normativo, isto

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, como um princpio para nos orientar a respeito de quais aes devem ser praticadas, i.e., so boas. E nem por isso ele visto como utilitarista, embora s vezes seja tido como um precursor dessa tendncia. A utilidade, em provocar condies comportamentais e/ou mentais desej-veis, de fato uma das razes prticas para se adotar esta ou aquela atitude moral; portanto, parace que estamos justificados em conceder um papel explicativo para ela. Quanto ao uso justificatrio que estamos fazendo, ele no est comprometido com o uso dessa idia como fundamento da tica.

Mais acima falamos, e mais que uma vez, sobre a satisfao de uma necessidade emocional da vtima que pode advir do infligimento de punio ao infrator, e estamos tentando reservar um papel justificatrio para esta satisfao. Um tal expediente traz mente, muito natural-mente, a filosofia retributivista da punio. O retributivista sustenta, como princpio geral, que correto que o ofensor sofra punio. Mas, ao contrrio do utilitarista, que dirige seus olhos para as conseqncias da ao, ele afirma que a ofensa traz, como que intrinsecamente, portan-to independentemente de suas conseqncias, a necessidade da punio. Uma ao violadora da norma provocaria na ordem moral um desequilbrio, o qual seria restabelecido atravs do infligimento punitivo de sofrimento ao ofensor. A punio seria necessria, at mesmo para proteger ou salvaguardar a integridade (inteireza) moral do agente ofensor: o criminoso mo-ral necessitaria, por razes que tm a ver com ele prprio como agente moral, sofrer punio. Hegel defendia uma tal punio. Segundo ele, o criminoso tem direito a ser punido, para que, deste modo, seja tratado no como uma coisa, mas como uma pessoa. V-se bem que esta filo-sofia est associada com temas como o da autopunio, e com uma certa viso do senso comum sobre o vingar-se, sobre lavar a alma, ou com a poltica do olho por olho, dente por dente.

A teoria retributiva da punio se alimenta do desejo de infligir adversidades. De fato, e como foi dito atrs, essa teoria particularmente sensvel a coisas como o desejo ou necessi-dade emocional da retaliao, de vingana etc. Ora, essas coisas so vistas por alguns intelec-tuais com suspeio: eles tendem a acreditar que os sentimentos de hostilidade para com os outros, e em especial o desejo de vingana, so intrinsecamente maus ou negativos, ou ento bem inferiores eticamente aos sentimentos que envolvem bondade, benevolncia etc. Pode ser que eles tenham razo em algum grau. Mas parece haver uma incompreenso a respeito da substncia do esprito do retributivismo. Considere-se a crtica a esta teoria feita pelo filsofo ingls contemporneo Anthony Kenny, segundo o qual o elemento essencial na punio, de

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acordo com uma teoria puramente retributiva, o dano do criminoso, seja em sua vida, liber-dade ou propriedade. Este mal procurado diretamente como um fim em si, e no como um meio para impedir ou corrigir. Mas buscar o prejuzo de outro como um fim em si mesmo o caso paradigmtico de uma ao injusta, (KENNY, 1978, p. 73). Ora, a incompreenso dele reside em tomar o prejuzo de outro como um fim em si mesmo, incompreenso esta que real mesmo que se trate de uma teoria puramente retributiva. De fato, o fim ltimo a seria a satisfao da necessidade emocional da vtima, de que ocorra um prejuzo para o ofensor, de que ele pague pelo que fez, e no est nada claro que a satisfao dessa necessidade seja um caso paradigmtico de ao injusta. Seria injusto, isto sim, o ofensor permanecer impune.

Falta, pelo menos em alguns crticos mais ou menos radicais do retributivismo, uma anlise mais aprofundada da noo de justia, merecimento, retaliao. O filsofo ctico Alfred J. Ayer, falando daquilo que ele considera como sendo o modo comum e costumeiro de concebermos a punio e a recompensa, escreve: nossa principal razo para recompensar ou punir algum que ele merece (AYER, 1973, p. 277, traduo alterada pelo autor). Ora, aqui tambm h uma incompreenso: o merecer no a razo primria, mas apenas uma condio necessria. A razo primria poderia ser, digamos, a mesma necessidade emocional, da parte da vtima, de ver o ofensor prejudicado. Numa outra passagem Ayer questiona a idia retributivista de vingana: a prpria noo de castigo vingativo, a idia de que se algum faz mal aos outros, (...) exigido que seja feito mal a ele, uma noo objetvel por razes morais. (AYER, 1973, p. 271). Enunciada assim, a idia mais questionvel do que seria se exigido substitudo, por exemplo, por eles tm o direito de. E o retributivista pode perfeitamente alegar que sua tese a de que a vtima tem direito, mas no obrigada, punio vingativa do ofensor.

Convm assinalar que, se vamos empreender uma anlise de um problema com o apelo a elementos buscados no contratualismo, no utilitarismo e no retributivismo, ento precisamos advertir a ns mesmos sobre os perigos do ecletismo. As linhas que foram propostas aqui, e em especial uma certa desenvoltura com que elas foram propostas, no significam que estamos igno-rando totalmente os perigos de compor uma explicao ecltica. Mas no vou discutir aqui esse assunto, mesmo porque no seria frutfero faz-lo sem um prvio exame adequado dos pontos em que as filosofias mencionadas acima conflitam, ou deixem de conflitar, umas com as outras.

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Vou, no entanto, registrar o seguinte: primeiro, pode ser que algumas teses mais caracters-ticamente retributivistas possam ser reescritas de modo a se harmonizarem com o utilitarismo. Mais atrs, por exemplo, procurei argumentar que o ressentimento e a indignao mal resolvi-dos comprometem de tal modo as relaes de cooperao recproca que , desse ponto de vista, til que esses sentimentos sejam extintos no esprito da pessoa em que eles emergem (aquilo que referi como provocao de alteraes de condies mentais), e o modo mais natural como se d essa extino a reparao do mal pelo ofensor, a includa possivelmente a sub-misso dele punio. Segundo, nem tudo o que est prximo do retributivismo est, por essa razo, fora do alcance da explicao utilitarista. Como exemplo disso, considere-se a seguinte afirmao daquele que o primeiro grande sistematizador do utilitarismo, Jeremy Bentham: toda punio maldade: toda punio em si um mal. Segundo o princpio da utilidade, se ela deve ser admitida, ela deveria somente ser admitida na medida em que ela promete excluir algum mal maior. (BENTHAM, 1979, p. 59, traduo alterada pelo autor). Os retributivistas ou, ao menos, alguns deles poderiam concordar que a punio, considerada nela mesma, um mal, e mais que isso, argumentar que a opo pela excluso do mal maior no est em desacordo com nenhum princpio retributivista, sendo que esta opo poderia ser interpretada como a opo pelo bem, j que a punio de um mal particular seria, nesse caso, um bem, o qual consistiria na excluso do mal maior.

Bibliografia

AYER, A. J. As questes centrais da filosofia. Traduo Alberto Oliva e Lus Alberto Cerqueira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

BENTHAM, J. Uma Introduo aos princpios da moral e da legislao. Traduo Lus Joo Barana. So Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).

KENNY, A. Freewill and responsibility. London : Routledge & Kegan Paul, 1978.

LALANDE, A. Vocabulrio tcnico e crtico da filosofia. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

RAWLS, J. A. Theory of justice. Oxford: Oxford University, 1972.

STRAWSON, P.F. Freedom and resentment and other essays. London : Methuen, 1974.

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Autores:

Reinaldo Sampaio (Unesp-Marlia)

Antonio Trajano Menezes Arruda (Unesp-Marlia)

Ficha da Disciplina:

tica

http://lattes.cnpq.br/5514921218009148http://lattes.cnpq.br/1820236170659059

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Reinaldo Sampaio Pereira, professor de Histria da Filosofia Antiga da UNESP de Mar-lia. Graduado em Filosofia pela Unicamp (1996); mestre em Filosofia pela Unicamp (1999); doutor em Filosofia pela Unicamp (2006); ps-doutor em Filosofia pela USP (2009). De-senvolve pesquisa em Aristteles desde a graduao, mais especificamente nas reas de Metafsica e tica

Antonio Trajano Menezes Arruda, Doutor em Filosofia pela University of Oxford - UK. Professor das disciplinas Filosofia Geral e problemas metafsicos e Introduo leitura dos textos filosficos do Curso de Graduao em Filosofia da UNESP campus de Marlia.

Ementa: Primeiramente o curso aborda problemas e discusses tica na filosofia antiga, sobretudo

nas filosofias de Plato e Aristteles, filsofos que, de alguma forma, estabeleceram muitos dos conceitos ticos com os quais a filosofia trabalhou ao longo dos sculos. Num segundo momento, o curso introduz algumas questes acerca do problema da conduta moral.

Palavras-chave: tica, moral, conduta, arbtrio, bem.

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Estrutura da Disciplina

tica

Tema 1 A tica na literatura grega dos trgicos e na filosofia

socrtico-platnica

1.1. A tica na literatura grega anterior a Scrates

1.2. A tica nos dilogos de Plato

1.3. tica e Teoria das Idias nos dilogos de Plato

Tema 2 A tica em Aristteles

2.1. Uma nova proposta de modelo tico em relao ao modelo socrtico-platnico

2.2. A vida feliz.

2.3. Um certo relativismo no modelo tico aristotlico

Tema 3 Sobre a conduta Moral Parte 1

3.1. A Dimenso Moral

3.2. Contrato e Conduta Moral

3.3A natureza do culpar e desculpar

Tema 4 Sobre a conduta Moral Parte 2

4.1 Utilidade, retribuio e atitudes morais

Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

Equipe CoordenadoraCludio Jos de Frana e Silva

Rogrio Luiz BuccelliAna Maria da Costa Santos

Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

SecretariaMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

Coordenador de Grupo

Andr Lus Rodrigues FerreiraMarcos Roberto Greiner

Pedro Cssio BissettiRodolfo Mac Kay Martinez Parente

Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

Pamela GouveiaRafael Canoletti

Valter Rodrigues da Silva

Marcador 1Vdeo da Semana4. Sobre a Conduta Moral Parte II4.1. Utilidade, retribuio e atitudes morais

Bibliografia

Boto 2: Boto 3: Boto 6: Boto 7: Boto 68: Boto 69: Boto 38: Pgina 4: Off

Boto 39: Pgina 4: Off

Boto 40: Pgina 5: Off

Boto 41: Pgina 5: Off

Boto 44: Pgina 6: OffPgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14:

Boto 45: Pgina 6: OffPgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Pgina 13: Pgina 14:

Boto 34: Pgina 15: Off

Boto 35: Pgina 15: Off

Boto 36: Pgina 16: OffPgina 17:

Boto 37: Pgina 16: OffPgina 17:

Boto 4: