questÕes sobre kant e stuart mill

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1. Segundo Kant, o cumprimento do dever não depende das consequências. Explicite. Segundo a ética deontológica de Kant, a acção em si mesma é correcta ou incorrecta independentemente dos resultados. O que importa é que o motivo da acção seja correcto. Um exemplo real de como na vida quotidiana seguimos algumas vezes o que Kant pensa: Na Irlanda do Norte, um ladrão de automóveis entrou num parque de estacionamento com a intenção que facilmente se adivinha. Para sua surpresa, encontrou na carrinha que roubou uma grande quantidade de armas e bombas pertencentes ao IRA. Ficou tão preocupado que foi à polícia, entregou o carro roubado e as armas e bombas. Apesar disso, o juiz condenou – o por roubo da carrinha. A acção em si mesma e o motivo original forma considerados incorrectos, apesar das consequências – o armamento foi apreendido e evitaram – se alguns eventuais atentados – jogarem a favor do ladrão. A sentença foi, contudo, suave. Um outro bom exemplo é verificável no filme «O Falcão Maltês»: o protagonista, Sam Spade, denuncia e entrega à polícia a mulher que ama, independentemente e apesar das consequências porque julga que esse é o seu dever e nada mais. 2.A obrigação de salvar uma pessoa do afogamento é, segundo Kant, hipotética? R: Não, se estiver ao nosso alcance fazê-lo. Esta obrigação é absoluta porque não depende dos nossos desejos e interesses nem de certos sentimentos pessoais. Posso

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Page 1: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

1. Segundo Kant, o cumprimento do dever não depende das

consequências. Explicite.

Segundo a ética deontológica de Kant, a acção em si mesma é correcta

ou incorrecta independentemente dos resultados. O que importa é que o

motivo da acção seja correcto. Um exemplo real de como na vida quotidiana

seguimos algumas vezes o que Kant pensa: Na Irlanda do Norte, um ladrão de

automóveis entrou num parque de estacionamento com a intenção que

facilmente se adivinha. Para sua surpresa, encontrou na carrinha que roubou

uma grande quantidade de armas e bombas pertencentes ao IRA. Ficou tão

preocupado que foi à polícia, entregou o carro roubado e as armas e bombas.

Apesar disso, o juiz condenou – o por roubo da carrinha. A acção em si mesma

e o motivo original forma considerados incorrectos, apesar das consequências

– o armamento foi apreendido e evitaram – se alguns eventuais atentados –

jogarem a favor do ladrão. A sentença foi, contudo, suave. Um outro bom

exemplo é verificável no filme «O Falcão Maltês»: o protagonista, Sam Spade,

denuncia e entrega à polícia a mulher que ama, independentemente e apesar

das consequências porque julga que esse é o seu dever e nada mais.

2.A obrigação de salvar uma pessoa do afogamento é, segundo Kant,

hipotética?

R: Não, se estiver ao nosso alcance fazê-lo. Esta obrigação é absoluta porque

não depende dos nossos desejos e interesses nem de certos sentimentos

pessoais. Posso detestar a pessoa que está a afogar – se mas o verdadeiro

teste do dever é cumprir este mesmo que não me sinta inclinado a fazê – lo.

Estamos aqui perante um imperativo categórico ou absoluto. As nossas

obrigações morais propriamente ditas são, portanto, categóricas, e não

hipotéticas. Os nossos interesses e sentimentos têm se ser superados e

ultrapassados para que cumpramos devidamente o nosso dever.

3. As nossas obrigações morais propriamente ditas são, portanto,

categóricas, e não hipotéticas. Por que razão tem de ser assim?

Page 2: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

R: Se o cumprimento do dever, se fazer o que é correcto, consistisse em seguir

regras hipotéticas, teríamos a obrigação de cumprir uma regra moral como não

roubar ou não mentir apenas em certas condições, mas não sempre. O

cumprimento do dever dependeria de factores externos – não do respeito pelo

dever ou do nosso sentido de obrigação moral -, como por exemplo, do desejo

de ficarmos bem vistos aos olhos dos outros ou mesmo de Deus, do desejo de

agradar a alguém, de ficarmos de consciência tranquila, etc. Mas se não

dermos valor a nada disso? A obrigação moral – de cumprir o dever pelo dever

- desapareceria e faríamos o que nos apetecesse ou fosse útil. Se a

preocupação em agradar aos outros ou a Deus, se o receio de punição por não

fazer o que é correcto desaparecesse, a obrigação moral desvanecer – se – ia.

Mas não é isso o que acontece. Kant salienta que as exigências da moralidade

são, em geral, opostas aos nossos desejos e inclinações. Por isso, é que na

consciência humana, o que é moralmente correcto aparece primeiro mas não

exclusivamente como aquilo que é proibido não fazer. O dever de não mentir,

de cumprir o prometido, de não roubar, de não tirar a vida a inocentes, é para

cumprir quer nos agrade ou não, quer nos interesse ou não. Kant não admite

que se cumpra o dever em virtude das desejáveis consequências que daí

possam resultar. Seria deixar o cumprimento do dever ao sabor das

circunstâncias, dos interesses do momento. Isso implicaria que, quando não

tivéssemos vantagem ou interesse em cumprir o dever, não haveria razão

alguma para o fazer.

4.Qual é a função do imperativo categórico segundo Kant?

NOTA: Outras formas de colocar a questão: «Com saber ou determinar

que uma acção particular tem valor moral ou é moralmente correcta?»;

Page 3: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

«Como saber como devo agir?»; «Qual é o teste da moralidade das

acções?».

R: Sabemos que as exigências da moralidade são expressas através de

imperativos categóricos. Mas, propriamente falando, não há vários

imperativos categóricos mas um imperativo categórico – que pode ser

formulado de várias maneiras – a que Kant chama o princípio supremo da

moralidade. A mais conhecida formulação é esta: “Age apenas segundo

uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei

universal”.

Para que serve este imperativo? Qual a sua função?

Sabemos que, para Kant, lei moral ou imperativo categórico exige que a nossa

acção se baseie numa máxima que possa valer como lei universal, ou seja, que

possa ser não só a máxima da minha acção mas também a máxima da acção

de todos os outros seres racionais. O teste da moralidade das máximas

consiste nos seguintes passos:

1 – Constituir uma máxima individual (a máxima da minha acção).

EX: «Devo………»

"Devo cumprir a palavra dada quando prometi devolver o automóvel que

o João me emprestou"

2 - Universalizar a máxima.

EX: «Todos devem …….»

«Todos devem cumprir a palavra dada quando prometem devolver algo

emprestado.»

3 - Universalizada a máxima, perguntar se a máxima pode ser

legitimamente universalizada, se pode sem contradição valer não só para

mim mas também para toda a gente.

Eis a pergunta:

Page 4: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

Será que não há contradição em querer que todos os outros ajam com a

mesma intenção ou motivo do que eu?

É logicamente possível um mundo em que todas as pessoas cumpram a

palavra dada e não há qualquer contradição da vontade em querer um

mundo assim porque se respeita assim a autonomia – ser fim em si -, a

racionalidade e a dignidade das pessoas.

5.Que tipo de deveres são reconhecidos por Kant? Em que consiste a sua

tipologia dos deveres?

Os tipos de deveres que Kant reconhece são, em termos gerais, os deveres

para connosco e os deveres para com os outros. No interior de cada uma

destas categorias há deveres perfeitos – cujo cumprimento não admite

excepções – e os deveres imperfeitos – cujo cumprimento pode admitir

excepções.

1. Deveres perfeitos para connosco – Não devemos suicidar – nos. Por

mais miserável e desgostosa que uma pessoa se sinta ela tem o dever de não

cometer suicídio.

2. Deveres imperfeitos para connosco – Uma pessoa com bastantes

talentos pode desperdiçá – los devido a ser preguiçosa. É errado desperdiçar

esses talentos e deve pelo menos desenvolver alguns (diz - se que este dever

de cultivar os nossos talentos é imperfeito porque podemos optaar por deixar

alguns por desenvolver).

3. Deveres perfeitos para com os outros – Trata – se de deveres como

não mentir, não tirar a vida a inocentes, não roubar. O seu cumprimento não

admite excepções. Assim, pedir dinheiro emprestado implica o dever absoluto

de devolver o que foi emprestado.

4. Deveres imperfeitos para com os outros – Uma pessoa que tenha

uma vida economicamente confortável não tem a obrigação absoluta de ajudar

o próximo, o seu semelhante. Embora, neste caso, Kant pense que se pode

universalizar a máxima « Não ajudes os outros» também diz que não

quereríamos que isso acontecesse porque não gostaríamos, numa situação de

necessidade, que ninguém nos ajudasse.

Page 5: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

6.Considere a seguinte máxima: "Trabalharei somente quando isso me for

vantajoso financeiramente.” e mostre como ela viola a segunda fórmula

do imperativo categórico.

Explicitando o conteúdo da primeira fórmula do imperativo categórico (a

fórmula da lei universal), Kant resumiu esta ideia noutra fórmula conhecida por

«fórmula da humanidade»:

Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na

pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como

meio.

Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não um simples

meio. Por isso, será moralmente errado instrumentalizar um ser humano, usá-lo

como simples meio para alcançar um objectivo. Os seres humanos têm valor

intrínseco absoluto, isto é, dignidade.

 Nesse tipo de mundo em que uns trabalhariam e outros não, estes

últimos estariam a tomar os outros como meios ao serviço dos seus

interesses, caprichos e bem – estar. Despreza – se o princípio da

personalidade enunciado claramente na segunda formulação do

imperativo categórico.

7. Considere a seguinte regra “Mente sempre que isso for do teu

interesse” e mostre como ela é incompatível com as duas formulações

mais conhecidas do imperativo categórico.

As duas formulações são: 1 - “Age apenas segundo uma máxima tal que

possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal” e 2 - Age de tal

maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de

outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.

Suponhamos que todos seguiam a regra “Mente sempre que isso for do teu

interesse”. A consequência seria que ninguém confiaria em ninguém confiaria

em ninguém. Ora, precisamos de confiar nos outros para que eles nos possam

enganar. Se esta máxima for universalizada ficarei a saber que todos mentem

sempre que for conveniente. Ninguém se dará ao trabalho de mentir porque

Page 6: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

ninguém irá acreditar em nada do que lhe digam. Transformar a mentira em

dever é logicamente impossível porque torna a mentira impossível.

Pense no modo como quem pede dinheiro emprestado sem intenção de o

devolver está a tratar a pessoa que lhe empresta dinheiro. Está a mentir e a

transformar a máxima “Mente sempre que isso for do teu interesse”. É evidente

que está a tratá-la como um meio para resolver um problema e não como

alguém que merece respeito, consideração. Pensa unicamente em utilizá-la

para resolver uma situação financeira grave sem ter qualquer consideração

pelos interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-lo. Viola – se assim a

segunda fórmula.

II

Questões de resposta relativamente extensa

1.O valor moral de uma acção depende das suas consequências. Está de

acordo? Justifique a sua resposta.

Orientações:

- Formule o problema filosófico em causa.

- Apresente a sua posição.

- Argumente a favor da sua posição.

- Relacione a sua resposta com uma teoria estudada.

R: O problema filosófico em causa é o seguinte formulado de diversas

formas:

A)O que é agir moralmente?

B) Como fundamentar a moral? Qual o critério que permite distinguir uma

acção com valor moral de uma acção sem valor moral?

C) De que depende a moralidade de uma acção? Da acção em si mesma

ou do que dela resulta?

Acerca deste problema duas teorias muito estudadas estão em confronto:

a teoria deontológica de Kant e a teoria consequencialista de Mill,

conhecida por utilitarismo.

Page 7: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

Kant defendia que o valor moral das acções depende unicamente da intenção

com que são praticadas. Porquê? Porque sem conhecermos as intenções

dos agentes não podemos determinar o valor moral das acções. Na

verdade, uma acção pode não ter valor moral apesar de ter boas

consequências. Quando é que a intenção tem valor moral ou é

boa? Quando o propósito do agente é cumprir o dever pelo dever, ou seja,

uma acção tem genuíno valor moral quando a a sua razão de ser é o

cumprimento do dever. Para esclarecer o que pensa, Kant distingue dois tipos

de acção: acções feitas por dever e acções em conformidade com o dever.

No fundo, o que Kant quer mostrar é que duas acções podem ter

consequências igualmente boas e uma delas não ter valor moral. Eis um

exemplo do próprio Kant: dois comerciantes praticam preços justos e não

enganam os clientes. Estão a agir bem? Estão a cumprir o seu dever?

Aparentemente sim. Contudo, suponhamos que um deles não aumenta os

preços apenas porque tem receio de perder clientes. O seu motivo é egoísta: é

o receio de perder clientes que o impede de praticar preços injustos.

Suponhamos agora que o outro comerciante não aumenta os preços por julgar

que a sua obrigação moral consiste em agir de forma justa. As duas acções –

exteriormente semelhantes – têm a mesma consequência – nenhum deles

perde clientes – mas não têm o mesmo valor moral.

O segundo comerciante agiu por dever. As acções feitas por dever são

acções em que o cumprimento do dever é um fim em si mesmo (cumprir o

dever pelo dever). A vontade que decide agir por dever é a vontade para a

qual agir correctamente é o único motivo na base da sua decisão.

Dispensa razões suplementares, não age, como diz o homem comum «com

segundas intenções». Por outras palavras, perante uma regra ou norma moral

como «Sê honesto», a vontade respeita-a sem qualquer outra intenção.

O segundo comerciante agiu em conformidade com o dever – não agiu

contrariamente ao dever porque fez o que era justo – mas mais importante

do que o cumprimento do dever foi o seu interesse pessoal. A sua intenção foi

egoísta. Logo a sua acção não tem valor moral, não é uma acção moralmente

válida.

Stuart – Mill diria que as acções dos dois comerciantes tiveram o mesmo valor

moral porque o que, na perspectiva utilitarista, conta é o que a acção produz.

Page 8: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

Ora o que resultou dela? Não só a satisfação dos comerciantes como dos

restantes envolvidos – os clientes, por exemplo. A felicidade geral foi

maximizada porque mais pessoas experimentaram uma sensação de bem –

estar por não pagarem excessivamente e por poderem confiar em quem

comercializa certos produtos.

Estou de acordo com Kant, ao insistir no valor da intenção apesar do ditado

popular que descreve o inferno como povoado por boas intenções. Creio que,

no caso de certas acções, não dar importância à intenção e fixarmo – nos

apenas nas consequências impede uma genuína e correcta responsabilização

do agente. Numa obra de Stefan Zweig narra – se o seguinte episódio: O

capitão Tomi Hoffmiller foi convidado de honra para uma festa numa bela

casa. Noite dentro apercebe – se de que não dançou com a filha do seu

ilustre hóspede. Tentando remediar a falta de atenção dirige – se à moça e

convida – a para dançar. É nesse momento que a moça começa a chorar

descontroladamente e sofre um colapso. Tomi fica a saber, para sua

enorme surpresa, que a moça não podia andar.

Podemos responsabilizá – lo pelo que aconteceu, censurando – o? Parece que

não. Ele não quis o que aconteceu. O facto de só podermos ser

responsabilizados, em certos casos, pelas acções que praticamos com

intenção é um argumento a favor de o valor moral das nossas acções depender

das nossas intenções.

2.A moralidade baseia – se na felicidade. O nosso dever é que as nossas

acções tornem felizes o maior número possível de pessoas. Está de

acordo? Justifique.

Orientações:

- Formule o problema filosófico em causa.

- Apresente a sua posição.

- Argumente a favor da sua posição.

- Relacione a sua resposta com uma teoria estudada.

O problema filosófico em causa é o da fundamentação da moral, o de saber se

o que torna moralmente boa uma acção é a acção em si mesma – o motivo que

a inspira – ou as consequências da acção. O utilitarista afirma que o nosso

dever é que as nossas acções tornem felizes o maior número possível de

Page 9: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

pessoas. O teste decisivo da moralidade de um acto é as suas consequências:

se agirmos de uma forma que conduza à maior felicidade para o maior número

possível de pessoas afectadas pela acção, então fizemos o que era

moralmente correcto. Se agirmos de uma forma que causa sofrimento

desnecessário e não produz a maior felicidade possível, então fizemos algo

moralmente errado.

O defensor da ética deontológica kantiana, acredita que devemos cumprir

certas normas ou deveres por si mesmos, pelo seu valor próprio. É caso de

regras como «Não mentir», «Não roubar», «Não matar inocentes». Assim

sendo, há regras morais que devem ser respeitadas em qualquer circunstância

e independentemente do que daí advenha. Fazer o que é correcto não é o

mesmo que causar felicidade seja apenas para o agente, seja para a maioria

das pessoas envolvidas.

Immanuel Kant argumentou que a moralidade se baseava não na simpatia pelos outros

ou em sentimentos e desejos mas unicamente na razão. Agir moralmente era o mesmo

que agir racionalmente e de forma consistente, ou seja, segundo máximas

universalizáveis sem contradição. Temos a obrigação moral de, por exemplo, não

roubar não simplesmente porque é isso que queremos mas mesmo que não o

queiramos. O que devemos fazer é – nos ditado pela razão e não pelas inclinações por

melhores que estas sejam. Kant acreditava que a moral não é uma questão de bons

sentimentos. Porquê? Porque podemos ter sentimentos de simpatia em relação a

umas pessoas, mas não em relação a todas. Se as nossas obrigações morais

dependessem de termos ou não bons sentimentos, teríamos tendência para tratar as

pessoas de maneira muito diferente, consoante o que sentíssemos por elas. Se é por

sermos seres racionais que temos consciência de que há obrigações morais, a razão

deve ser suficiente para nos motivar a agir como deve ser. O imperativo categórico nas

suas diversas formulações diz – nos que moralmente obrigatórios são as normas

objectivas e universais que derivam da nossa razão, eliminando qualquer papel das

inclinações no que deve ser a motivação do nosso agir.

Ora, a felicidade é uma inclinação natural e moralmente correcta é uma acção

que pode sem contradição ser realizada por mim e por todos os outros. A

felicidade não pode pois ser a base da moralidade – embora saibamos que o

interesse próprio e a felicidade lutam com a razão para influenciar as nossas

Page 10: QUESTÕES SOBRE KANT E STUART MILL

escolhas. A felicidade não pode ser a base da moralidade porque moralemte

válido é o que é universalmente válido. Ora, o que torna as pessoas felizes

varia imenso. Se a felicidade fosse o critério da moralidade então a correcção

moral de um acto seriaa tão variável como as circunstâncias e os

interesses. Para Kant, a felicidade só é uma coisa boa se for merecida e por

isso depende do modo como a obtemos. Assim não é a moralidade que

depende da felicidade que pode resultar da nossa acção mas sim a felicidade

que depende da moralidade.Podemos imaginar que um assassino em série

viva uma vida feliz depois de ter cometido uma série de crimes, mas não

podemos dizer que essa felicidade é uma coisa boa porque não é merecida.

Por outro lado, a felicidade é algo que depende de diversos factores que

escapam ao nosso controlo. Sermos felizes é em boa parte uma questão de

sorte.

A ética utilitarista de Mill, sendo hedonista e consequencialista não é

compatível com a perspectiva kantiana. É muito diferente decidir manter uma

promessa porque isso é justo do que manter uma promessa porque isso vai

causar mais felicidade ou bem – estar e prazer do que o contrário.  Segundo

Kant, a ética utilitarista basear – se – ia num imperativo hipotético: «Se queres

agir de modo correcto não penses apenas no teu bem – estar ou felicidade mas

dá tanta ou mais importância à felicidade geral». Se a moral consistisse apenas

em seguir regras hipotéticas, teríamos a obrigação, por exemplo, de não matar

apenas em certas condições, mas não sempre. Por isso, a ética utilitarista pode

permitir em certas situações problemáticas que obrigações importantes sejaam

violadas conduzindo como alguns críticos apontam a práticas imorais. Apesar

das limitações apontadas justamente à ética kantiana e de ambas as teorias

combaterem o egoísmo e defenderem a imparcialidade em questões morais,

creio que ao defender o respeito absoluto pela dignidade das pessoas e a

existência de normas morais que em circunstância alguma devem ser violadas,

a ética kantiana parece – me ser a que melhor explica por que razão devemos

agir moralmente. Se não agirmos moralmente estamos a ser inconsistentes.