quantificação antocianinas fenólicos em açai

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO AVALIAÇÃO DO EFEITO DA EXTRAÇÃO E DA MICROFILTRAÇÃO DO AÇAÍ SOBRE SUA COMPOSIÇÃO E ATIVIDADE ANTIOXIDANTE Ana Paula Gil Cruz 2008

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    AVALIAO DO EFEITO DA EXTRAO E DA MICROFILTRAO DO AA SOBRE SUA COMPOSIO E ATIVIDADE

    ANTIOXIDANTE

    Ana Paula Gil Cruz

    2008

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    UFRJ

    AVALIAO DO EFEITO DA EXTRAO E DA MICROFILTRAO DO AA SOBRE SUA COMPOSIO E ATIVIDADE

    ANTIOXIDANTE

    Ana Paula Gil Cruz

    Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Bioqumica, Instituto de Qumica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

    Orientadoras: Carmen Marino Donangelo Virgnia Martins da Matta

    Rio de Janeiro, Agosto, 2008

  • iii

    AVALIAO DO EFEITO DA EXTRAO E DA MICROFILTRAO DO AA SOBRE SUA COMPOSIO E ATIVIDADE

    ANTIOXIDANTE

    Ana Paula Gil Cruz

    Aprovada por:

    ________________________________________

    Prof Dr Carmen Marino Donangelo Presidente Instituto de Qumica UFRJ

    ________________________________________

    Dr Virgnia Martins da Matta Embrapa Agroindstria de Alimentos

    ________________________________________

    Dr. Sonia Couri Embrapa Agroindstria de Alimentos

    ________________________________________

    Prof. Dr. Joab Trajano Silva Instituto de Qumica UFRJ

    ________________________________________

    Prof Dr Adriana Farah Instituto de Qumica UFRJ

    Rio de Janeiro Agosto, 2008

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    Cruz, Ana Paula Gil. Avaliao da influncia da extrao e microfiltrao do

    aa sobre sua composio e atividade antioxidante/ Ana Paula Gil Cruz. Rio de Janeiro: UFRJ/ IQ, 2008.

    xvii; 88 f.: il, 31cm. Orientadores: Carmen Marino Donangelo e Virgnia

    Martins da Matta Dissertao (Mestrado) UFRJ/ IQ/ Programa de Ps-

    graduao em Bioqumica, 2008. Referncias bibliogrficas: 81- 92. 1. Aa. 2. Extrao. 3. Microfiltrao. 4.Compostos

    Bioativos. 5. Atividade Antioxidante. 6. Estgios de maturao. I. Donangelo, Carmen Marino; Matta, Virgnia Martins da. II. Unisversidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de Qumica/ Programa de Ps-graduo em Bioqumica. III. Avaliao da influncia da extrao e microfiltrao do aa sobre sua composio e atividade antioxidante.

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    DEDICATRIA

    Dedico esta importante conquista aos meus pais, Jos Luiz e Ins, pelo amor, carinho, dedicao e sabedoria com que me educaram sem os quais nada seria possvel. Dedico igualmente ao meu esposo, Esteban, por seu imenso amor, apoio, companheirismo, conselhos e desprendimento, que me permitiram a realizao de mais um sonho e s minhas filhas, Pmela e Manuela, por todo amor e cumplicidade que por muitas vezes no me deixaram fraquejar e sem os quais as renncias de alguns momentos no seriam possveis.

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por todas as bnos que tenho recebido e que permitiram todo meu crescimento at ento e continuaro a iluminar os caminhos a serem trilhados por mim na busca do aperfeioamento constante tanto profissional como espiritual.

    Embrapa Agroindstria de Alimentos, pela oportunidade e cesso de suas instalaes que permitiram a realizao deste trabalho.

    s minhas orientadoras, Carmen e Virgnia, pelo carinho, confiana no meu potencial, ensinamentos e conselhos que me permitiram um crescimento mpar e a conquista de mais uma etapa.

    Aos professores e funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Bioqumica do Instituto de Qumica, pelo apoio.

    Aos meus amigos da Embrapa, Choro, Flvia, William, Fil, Selma, Claudo, David, Henriqueta, Andressa, Manuela, Ana Cristina, Luciana Sampaio, Sidina e Marco pela amizade, conversas e o carinho que sempre esteve presente em nossos relacionamentos, alm da imensa ajuda em diferentes etapas da parte experimental deste trabalho.

    pesquisadora Rafaella Mattietto, da Embrapa Amaznia Oriental e profa. Cristina Dib Txi e sua equipe, da Universidade Federal Rural da Amaznia, pela ajuda nos experimentos de extrao do aa.

    Lourdes e Angela Furtado, pelo carinho, amizade e valiosos ensinamentos e conselhos.

    Ao Edmar, Snia, Mnica Damaso, Flix e Viktor, por contriburem de alguma forma com meu crescimento e pelo convvio sempre to rico.

    Aos colegas de mestrado, em especial Mnica, Ellen, Morgana, Ilana, Vanessa, Juliane, Gisele, Srgio, Lindomar, Cristiano e Ieda por compartilhar tanto os momentos de desespero, como os de alegrias e sucessos ao longo do curso.

    Aos colegas do Laboratrio de Bioqumica Nutricional e de Alimentos pela troca de conhecimento e pelo convvio.

    Aos meus pais, que me ensinaram a prosseguir sempre e que os obstculos existem para serem superados sem, contudo, trair nossos valores e ideais.

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    minha famlia, Esteban, Pmela e Manuela que sempre me incentivaram e com todo amor, pacincia, sensibilidade e sabedoria me acompanharam, principalmente durante este perodo.

    Aos meus amados irmos, Tico e Tuti, que mesmo longe fisicamente sempre se fazem presentes em minha vida e dos quais sempre tenho o apoio e conselhos que necessito.

    Aos meus tios e tias, Bibiana, Newton, Madalena (in memorian), Clayton, Jos Augusto, Tereza, Bralio, Ireny, Maria Francisca, Jaime, Marilda e Mrcio pelos inmeros ensinamentos de vida.

    Aos meus avs, Bralio (in memorian), Aparecida, Joanna e Mrcio (in memorian) que me mostraram que a humildade e a dedicao so ferramentas fundamentais para o conhecimento e crescimento.

    Aos meus sogros, Humberto e Marina, meus primos, primas, cunhadas, sobrinho e sobrinha pelo incentivo.

    Mnica Pagani pela amizade, conselhos, fora e companheirismo durante este perodo to intenso da minha vida.

    Aos amigos Daniel, Aline Bravo, Poliana, Sandra Mrcia e Simone pelo apoio, incentivo e pelo convvio to rico, feliz e intenso.

    Aos amigos conquistados ao longo deste tempo Flvia Pingo, Cristina, Isabelle, ngela, Alcilcia, Bia, Andr, Andr (Pimenta), Adriana, Lauro, Ana Carolina, Rafael, Pietro, Fernandinha, Aline e Denise, pela ajuda, por todos os momentos compartilhados e pelos laos que no se desfazem com o tempo e distncia.

    A todos com quem tive o prazer de conviver e que certamente contriburam para este momento.

    CAPES pela concesso de bolsa e ao Projeto PAVUC Inco-Dev 15279, pela bolsa inicial e pelo financiamento do projeto.

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    RESUMO

    O aa (Euterpe oleracea Mart.) uma palmeira da regio amaznica, de cujo fruto globuloso violceo se extrai uma polpa cremosa que vem conquistando tanto novos mercados consumidores em funo do seu valor nutricional e sabor extico, quanto o interesse da comunidade cientfica, por sua composio em compostos bioativos. O aa um fruto de grande importncia para o desenvolvimento da regio amaznica, no s por fazer parte do hbito alimentar da populao local como tambm por responder pela sustentao econmica das populaes envolvidas no seu cultivo. Dados de composio qumica do aa so ainda escassos e o potencial de desenvolvimento de novos produtos no foi completamente explorado. Deste modo, os objetivos deste trabalho foram avaliar as alteraes na composio do aa durante a maturao assim como avaliar a influncia da extrao e da microfiltrao sobre os compostos bioativos e sua atividade antioxidante in vitro. Os resultados obtidos mostraram que as antocianinas do aa somente so produzidas ao final da maturao. Os teores de compostos fenlicos totais apresentaram ligeira queda no incio da maturao e um aumento considervel ao final da mesma, tendo a atividade antioxidante in vitro apresentado o mesmo comportamento. O tratamento enzimtico a 40C, durante a etapa de macerao dos frutos, incrementou em 50% a extrao de compostos fenlicos e em mais de 75% a extrao dos pigmentos antocinicos em relao a extrao a 40C sem a adio da preparao enzimtica. A polpa obtida nesta condio de macerao apresentou teor de fenlicos totais de 346 mg/100g, antocianinas totais de 58 mg/100g e uma atividade antioxidante de 26 mol equivalentes de Trolox/g. A temperatura de processo e o tipo de membrana utilizada na microfiltrao da polpa de aa centrifugada, de uma forma geral, no influenciaram significativamente os compostos bioativos e a atividade antioxidante das duas fraes obtidas, entretanto, o fluxo de permeado foi fortemente afetado pelos dois fatores, atingindo o maior valor mdio (117 L/hm2) com a membrana cermica a 35C. A microfiltrao do aa permitiu a obteno de duas fraes com caractersticas distintas, porm igualmente ricas, tanto em relao composio qumica das mesmas como em relao

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    ao potencial de aplicao industrial. O suco clarificado, que pode ser utilizado como base para gelias finas, repositores de sais e, refrigerantes, apresentou teores de antocianinas de 16 mg/100g, fenlicos totais de 138 mg/100g e atividade antioxidante de 9 mol equivalentes de Trolox/g. A frao retida, por sua vez, com caractersticas similares s do aa original, apresentou teores de 75 mg/100g de antocianinas, 433 mg/100g de fenlicos totais e 31 mol equivalentes de Trolox/g de atividade antioxidante, podendo servir de matria-prima para diferentes produtos tais como nctares prontos para o consumo, iogurtes, recheios e sorvetes.

    Palavras-chave: aa, estgios de maturao, processamento de polpa, microfiltrao, compostos bioativos, atividade antioxidante.

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    ABSTRACT

    Aa (Euterpe oleracea Mart.) is a palm plant of the Amazon region with round-shaped dark-purple fruits from which a creamy pulp can be extracted. It has increasing consumer markets due to its nutritional value, exotic flavor and composition in bioactive substances. Aa fruit is important for the development of the Amazon region, not only as a major staple local food but also as a major economic resource for the local population. Data on chemical composition are still scarce and the potential for development of new products has not been completely explored. Therefore, the objectives of this work were to evaluate changes in composition of aa during maturation and the influence of extraction and microfiltration processes on bioactive components and in vitro antioxidant activity. The results obtained showed that anthocyanins are produced in aa at the final stage of maturation. Total phenolic compounds, as well as antioxidant activity, were slightly reduced at the early stage of maturation, but increased substantially at the final stage. Enzymatic treatment at 40C during fruit maceration increased extraction of total phenolics (50%) and of total anthocyanins (75%). Using this treatment, the pulp contained 356 mg/100g total phenolics, 58 mg/100g total anthocyanins, and 26 mol Trolox equivalents/g of antioxidant activity. In general, the temperature and type of membrane used during microfiltration of the centrifuged aa pulp did not influence significantly bioactive components and antioxidant activity of the two fractions obtained. However, the permeate flux was strongly dependent on both factors, reaching the highest mean value (117 L/hm2) with the ceramic membrane at 35oC. Microfiltration of aa resulted in two fractions with distinct characteristics although both rich in bioactive components and with potential industrial application. The clarified juice that could be used in the formulation of jellies, sport and soft drinks, had 16 mg/100g of anthocyanins, 138 mg/100g of total phenolics and 9 mol Trolox equivalents/g antioxidant activity. The retained fraction, with similar characteristics to the original aa fruit, had 75 mg/100g anthocyanins, 433 mg/100g total phenolics and 31 mol Trolox equivalents/g

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    of antioxidant activity, and could be used as an ingredient for different products like ready to drink nectars, yoghurts, fillings and ice-creams.

    Key-words: aa, ripeness degrees, pulp processing, microfiltration, bioactive compounds, antioxidant activity

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 2.1: Metabolismo de compostos fenlicos em plantas ........................... 5 Figura 2.2: Principais classes de compsotos no-flavonides .......................... 6 Figura 2.3: Ncleo falvano................................................................................. 6 Figura 2.4: Principais classes de flavonides .................................................... 7 Figura 2.5: Reao de quantificao de fenlicos totais por reagente de Folin-Ciocalteu ............................................................................................................ 8 Figura 2.6: Principais antocianidinas em alimentos ......................................... 10 Figura 2.7: Grupos estruturais que contribuem para a atividade antioxidante das antocianinas .............................................................................................. 12 Figura 2.8: Comporatamento das antocianinas em funo do pH ................... 14 Figura 2.9: Comportamento espectral do ABTS .............................................. 18 Figura 2.10: Processos de separao por membranas em funo do tamanho dos poros.......................................................................................................... 19 Figura 2.11(a): Esquema de filtrao em profundidadel .................................. 20 Figura 2.11(b): Esquema de filtrao tangencial ............................................. 20 Figura 2.12(a): Aaizeiro ................................................................................. 24 Figura 2.12(b): Fruto do aa ........................................................................... 24 Figura 3.1: Diagrama dos procedimentos experimentais realizados ............... 32 Figura 3.2: Fluxograma de obteno da polpa dos frutos do aa em trs estgios de maturao .................................................................................... 33 Figura 3.3: Batedeira ou despolpadeira de aa .............................................. 33 Figura 3.4: Despolpadeira de escovas ............................................................ 36 Figura 3.5: Centrfuga de cestos ..................................................................... 36 Figura 3.6: Sistema de microfiltrao com membranas cermicas ................. 37 Figura 3.7: Sistema de microfiltrao com membranas polimricas ............... 38 Figura 3.8: Fluxograma de processo de limpeza dos sistemas de microfiltrao ......................................................................................................................... 40 Figura 3.9: Procedimento de obteno do extrato para quantificao da atividade antioxidante ...................................................................................... 42 Figura 3.10: Procedimento de quantificao das antocianinas totais por Fuleki & Francis (1968 a) ........................................................................................... 43

  • xiii

    Figura 3.11: Procedimento de quantificao das antocianinas totais e monomricas por pH diferencial ...................................................................... 45 Figura 3.12: Procedimento de obteno do extrato e quantificao do teor de fenlicos totais por Folin-Ciocalteu .................................................................. 48 Figura 4.1: Exemplo de cromatograma obtido coma polpa de aa ............... 54 Figura 4.2: Relao entre a atividade antioxidante e o teor de compostos fenlicos totais do aa em trs estgios de maturao .................................. 56 Figura 4.3: Influncia da temperatura e do tratamento enzimtico durante a macerao do fruto sobre os compostos fenlicos da polpa de aa .............. 60 Figura 4.4: Influncia da temperatura e do tratamento enzimtico durante a macerao do fruto sobre as antocianinas da polpa de aa .......................... 61 Figura 4.5: Influncia do tipo de membrana sobre o fluxo de permeado nos processos a 25C ............................................................................................ 67 Figura 4.5: Influncia do tipo de membrana sobre o fluxo de permeado nos processos a 35C ............................................................................................ 68

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 3.1: Matrias primas utilizadas ............................................................. 31 Tabela 3.2: Gradiente de concentrao da fase mvel .................................... 47 Tabela 4.1: Composio centesimal e parmetros fsico-qumicos da polpa do aa em trs estgios de maturao ................................................................ 51 Tabela 4.2: Compostos fenlicos e atividade antioxidante in vitro da polpa do aa em trs estgios de maturao ................................................................ 53 Tabela 4.3: Rendimento da polpa de aa em diferentes estgios de maturao do fruto ............................................................................................................. 57 Tabela 4.4: Parmetros fsico-qumicos das polpas de aa obtidas em diferentes condies de macerao do fruto .................................................... 58 Tabela 4.5: Compostos fenlicos e atividade antioxidante in vitro das polpas de aa obtidas em diferentes condies de macerao do fruto ......................... 59 Tabela 4.6: Anlise de varincia de dois fatores dos parmetros das polpas de aa obtidas em diferentes condies de macerao do fruto ......................... 63 Tabela 4.7: Parmetros da polpa do aa antes e aps os pr-tratamentos, refino e centrifugao ....................................................................................... 64 Tabela 4.8: Compostos fenlicos e ativiadade antioxidante in vitro da polpa do aa antes e aps os pr-tratamentos, refino e centrifugao .......................... 65 Tabela 4.9: Parmetros fsico-qumicos do suco de aa clarificado por microfiltrao .................................................................................................... 69 Tabela 4.10: Parmetros fsico-qumicos da frao retida do aa durante a sua microfiltrao .................................................................................................... 70 Tabela 4.11: Compostos fenlicos e atividade antioxidante in vitro do suco de aa clarificado por microfiltrao ..................................................................... 71 Tabela 4.12: Compostos fenlicos e atividade antioxidante in vitro da frao retida do aa durante a sua microfiltrao ...................................................... 72 Tabela 4.13: Perdas de compsotos fenlicos e atividade antioxida in vitro em funo dos processos de microfiltrao ........................................................... 74

  • xv

    SUMRIO

    1. INTRODUO ................................................................................................... 1 2. REVISO BIBLIOGRFICA ............................................................................... 4 2.1. Compostos fenlicos .......................................................................................... 4 2.1.1. Caracterizao qumica ...................................................................................... 4 2.1.2. Mtodos de anlise ............................................................................................ 7 2.2. Antocianinas ..................................................................................................... 10 2.3. Atividade antioxidante ...................................................................................... 15 2.4. Processos de separao por membranas ........................................................ 18 2.5. Aa 23 2.5.1. Caracterizao qumica e atividade antioxidante ............................................. 25 2.5.2. Processamento do aa .................................................................................... 28 3. MATERIAL E MTODOS ................................................................................. 31 3.1. Matria-prima ................................................................................................... 31 3.2. Procedimento experimental .............................................................................. 32 3.2.1. Caracterizao da polpa de aa em trs estgios de maturao .................... 33 3.2.2. Extrao da polpa de aa em diferentes condies de macerao ................ 34 3.2.3. Pr-tratamentos para a microfiltrao .............................................................. 35 3.2.4. Microfiltrao .................................................................................................... 36 3.2.5. Limpeza dos sistemas de microfiltrao ........................................................... 39 3.3. Mtodos analticos ........................................................................................... 41 3.3.1. Atividade antioxidante ...................................................................................... 41 3.3.2. Antocianinas totais e monomricas .................................................................. 43 3.3.3. Identificao das antocianinas monomricas por CLAE .................................. 46 3.3.4. Fenlicos totais ................................................................................................ 47 3.3.5. pH ........ ............................................................................................................ 48 3.3.6. Slidos solveis (oBrix) .................................................................................... 48 3.3.7. Acidez titulvel total .......................................................................................... 49 3.3.8. Teor de polpa .................................................................................................... 49 3.3.9. Slidos totais .................................................................................................... 49 3.3.10. Composio centesimal .................................................................................. 49

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    3.3.11. Anlise estatstica dos dados .......................................................................... 50 4. RESULTADOS E DISCUSSO ........................................................................ 51 4.1. Caracterizao da polpa de aa em trs estgios de maturao .................... 51 4.2. Extrao da polpa de aa em diferentes condies de macerao ................ 57 4.3. Pr-tratamentos ................................................................................................ 64 4.4. Microfiltrao .................................................................................................... 66 4.4.1. Desempenho do processo ............................................................................... 66 4.4.2. Avaliao das fraes obtidas .......................................................................... 69 5. CONCLUSES E SUGESTES ...................................................................... 75 6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 78

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    1. INTRODUO O aumento no consumo de frutas pode ser verificado pelo crescimento de

    85,6% na produo mundial de frutas ao longo dos 25 anos analisados pela FAO (2006 apud OLIVEIRA JUNIOR; MANICA, 2006). Em 2004 foram produzidas 675,1 milhes de toneladas de frutas, atingindo 690,8 milhes de toneladas em 2005, um aumento de 4,86% em um ano. Em 2005 a China aparece como o maior produtor mundial com 167,0 milhes de toneladas, seguido pela ndia, com 57,9, e o Brasil ocupa o terceiro lugar com 41,2 milhes de toneladas de frutas (OLIVEIRA JUNIOR; MANICA, 2006).

    O crescente interesse dos consumidores por produtos mais saudveis como frutas e vegetais reflete as evidncias de vrios estudos cientficos que apontam o elevado consumo destes alimentos com efeitos benficos sade como a preveno de doenas crnicas cuja causa primria est relacionada ao estresse oxidativo, dentre as quais se destacam as doenas neurodegenerativas, cncer e doenas cardiovasculares (VALKO et al, 2006; SCANDALIOS, 2005).

    Apesar de o consumo per capita de sucos de frutas industrializados no Brasil ainda ser pequeno, tem-se observado seu crescimento. A produo de sucos naturais e integrais vem crescendo continuamente, passando de 2,8 milhes de litros em 2002 para 8,6 milhes em 2006 e 13,7 milhes em 2007, com um aumento de 58% no ltimo ano (ARRUDA, 2008). Os sucos adoados, por sua vez, atingiram um pico de 6,7 milhes de litros em 2005 e este valor foi reduzido para 4,5 milhes em 2007.

    Esperancini (2005) aponta que os investimentos do setor em embalagens, nichos especficos (sem adio de acar) e na diversificao de sabores (frutas regionais ganhando novos mercados internos), permitiram consolidar o segmento de sucos industrializados para consumidores de renda mais elevada e mais preocupados com a sade.

    O aa um fruto amaznico que vem ganhando novos mercados desde a dcada de 90, devido principalmente ao seu elevado valor nutricional. No entanto, seu consumo no ocorre na forma in natura, mas principalmente como polpa, devendo o fruto ser submetido a um processo de extrao. As

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    principais barreiras para a consolidao e ampliao do mercado do aa decorrem da produo do fruto ser ainda 80% extrativista e pela alta perecibilidade do fruto e da polpa, necessitando ser sumbetida a um processo de conservao imediatamente aps a extrao (NOGUEIRA, et al., 2005).

    Alguns pesquisadores tm estudado as propriedades fsico-qumicas da polpa e apontam para um potencial antioxidante aprecivel em funo de sua rica composio em compostos fenlicos, em especial as antocianinas (POZO-INSFRAN, BRENES & TALCOTT, 2004; PACHECO-PALENCIA, HAWKEN & TALCOTT, 2007).

    Sanabria & Sangronis (2007) avaliaram a influncia da sazonalidade sobre a composio centesimal, perfil de cidos graxos e compostos com capacidade antioxidante da polpa de aa, utilizando, para tanto, frutos coletados nos meses de fevereiro e julho, entretanto no existe estudo sobre as alteraes decorrentes da etapa de maturao sobre a composio centesimal e nem sobre os compostos no nutrientes com capacidade antioxidante.O aa foi sugerido por Bobbio et al (2000) como uma boa fonte para a extrao de pigmentos antocinicos e, seguindo esta linha de pesquisa, Constant (2003) desenvolveu processos de extrao e obteno das antocianinas do aa em p, aplicando, com sucesso, o corante obtido em iogurte, petit suisse e isotnico em p.

    Pacheco-palencia, Hawken & Talcott (2007) verificaram perdas das antocianinas e, consequentemente, da atividade antioxidante do aa em funo da sua clarificao com terra diatomcea. Ao avaliar a estabilidade do suco clarificado de aa foi verificado que a temperatura de armazenamento tambm afetou estes compostos.

    Os estudos sobre a composio nutricional e de compostos bioativos do aa so recentes, escassos e os resultados so divergentes. Contudo, todos apontam o aa como um fruto rico em polifenis, especialmente em antocianinas, com um teor relativamente alto, variando de 50 a 180 mg/100g de polpa. Em comparao com o suco de uva, reconhecido como boa fonte destes compostos e que apresenta um teor de 14 a 27 mg/100g (BOBBIO et al., 2000; POZO-INSFRAN, BRENES & TALCOTT, 2004; WU et al., 2006), verifica-se que os teores no aa so relevantes.

  • 3

    Diante do exposto, o presente trabalho teve por objetivo geral quantificar os compostos fenlicos totais e antocianinas do aa assim como sua atividade antioxidante, por mtodo in vitro, avaliando a influncia do processo de obteno da polpa e do processamento com membrana sobre os parmetros qumicos e fsico-qumicos. Os objetivos especficos foram: Caracterizar quimicamente a polpa de aa obtida com o fruto em trs

    diferentes estgios de maturao, incluindo a quantificao dos compostos fenlicos totais e antocianinas, bem como sua atividade antioxidante.

    Avaliar a influncia da temperatura e do tratamento enzimtico na obteno da polpa de aa sobre o rendimento do processo, o teor de compostos fenlicos totais e antocianinas bem como sobre a atividade antioxidante.

    Avaliar a influncia dos pr-tratamentos, refino e centrifugao, da polpa de aa sobre o teor de polpa, os slidos totais, os compostos fenlicos totais e antocianinas alm da atividade antioxidante.

    Avaliar a influncia da temperatura e do tipo de membrana utilizados durante a microfiltrao do suco de aa, sobre o seu teor de compostos fenlicos totais e antocianinas, sua atividade antioxidante, bem como sobre o fluxo de permeado.

  • 4

    2. REVISO BIBLIOGRFICA

    2.1. Compostos fenlicos Os compostos fenlicos correspondem a um grupo formado por molculas

    muito distintas entre si que esto divididas, em funo da estrutura qumica, em duas classes, flavonides e no-flavonides, e estas duas classes dividem-se em vrias subclasses em funo do padro de substituio e das estruturas qumicas.

    Os compostos fenlicos so metablitos secundrios das plantas sintetizados em resposta a condies de estresse. Podem agir como fitoalexinas, como atrativo para polinizao, por contriburem para a pigmentao do vegetal, como antioxidantes e, similarmente ao sistema imunolgico humano, protegendo a planta de raios ultravioleta e de patgenos, dentre outros. Nos alimentos so os principais compostos responsveis pelas caractersticas sensoriais tais como adstringncia, amargor e aroma, alm da estabilidade oxidativa dos produtos derivados de vegetais. Por muito tempo, esses compostos foram associados negativamente qualidade de alimentos vegetais pela ao antinutricional como, por exemplo, dos taninos, que complexam protenas, diminuindo o valor nutricional e em alguns casos inibem a atividade de enzimas como tripsina e lipases (SHAHIDI & NACZK, 1995). No entanto, vrios estudos recentes tm demonstrado seus efeitos plurifarmacolgicos (bactericida, antiviral, antialrgico, antitrombtico, antiinflamatrio, anticarcinognico, hepatoprotetor, vasodilatador), despertando grande interesse principalmente por sua alta prevalncia nas dietas j que so compostos onipresentes nos vegetais (CHEYNIER, 2005; NAZCK & SHAHIDI, 2004; SOBRATTEE et al., 2005).

    2.1.1. Caracterizao qumica Os compostos fenlicos so derivados metablicos da fenilalanina e tirosina,

    produzidos em clulas vegetais. No entanto, no se apresentam uniformemente

  • 5

    distribudos no vegetal, ocorrendo variaes das classes e subclasses destes compostos, bem como das suas concentraes, em funo da localizao no vegetal. A fenilalanina amnia-liase (PAL) a enzima chave na regulao da via metablica de fenilpropanides, conforme ilustra a Figura 2.1, convertendo a L-fenilalanina em cido trans-cinmico e iniciando a biossntese de fenlicos. Fatores genticos iro determinar quais classes e subclasses desses compostos sero sintetizadas (NACZK & SHAHIDI, 2004).

    Fenilalanina

    PAL

    C3C6

    cido Cinmico

    C3C6

    Fenilpropanide

    C3C6

    C3C6

    C3C6

    Lignanas

    Ligninas

    Suberinas, Cutinas

    2

    n

    n C3C6 C6

    C2C6 C6

    C3C6 C6C3C6 C6

    Estilbenos

    Chalconas

    Flavonides-Flavonas-Flavanis-Flavanonas-Flavonis-Flavononas

    n

    Proantocianidinas

    3-Malonil-CoA

    Estilbeno sintase

    3-Malonil-CoA

    Chalcona sintase

    C3C6

    Figura 2.1 Metabolismo dos compostos fenlicos em plantas

    Os teores e o perfil dos compostos fenlicos em plantas podem ainda variar em funo da espcie, variedade, estresse ambiental a que foi submetida a planta, estgios de crescimento e maturao, alm da metodologia analtica empregada na determinao dos mesmos.

  • 6

    A classe dos no-flavonides no apresenta uma estrutura bsica em comum e, portanto, uma classe muito heterognea, conforme ilustra a Figura 2.2, sendo composta por cidos fenlicos (cido benzico, cido hidrxicinmico e seus derivados), ligninas, lignanas, suberinas, estilbenos e taninos hidrolisveis (CHEYNIER, 2005).

    OH

    OH

    O

    O

    OO

    OO

    COCO

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    OH

    CO

    OH

    CO

    CO OH

    OHOH

    HOOC

    R1

    OH

    R2HOOC

    R1

    OH

    R2

    HO OH

    H

    H

    RO

    Figura 2.2 Principais classes de compostos no-flavonides

    Os flavonides caracterizam-se por apresentar uma estrutura comum composta por dois anis aromticos ligados por trs carbonos e um tomo de oxignio formando um heterociclo oxigenado denominado ncleo flavano (Figura 2.3). O grau de oxidao e o padro de substituio do anel C, heterociclo, definem as classes de flavonides e dentro destas o padro de substituio nos anis A e B determinam os compostos especficos (RHODES, 1996).

    Brav

    o, 19

    98

  • 7

    Figura 2.3 - Ncleo flavano As principais classes de flavonides encontradas em vegetais utilizados

    como alimentos (Figura 2.4) so as flavonas, flavanis e antocianinas (RHODES, 1996; SHAHIDI & NACZK, 2004). No aa, a classe das antocianinas a de maior interesse devido a sua maior prevalncia (POZO-INSFRAN, BRENES & TALCOTT, 2004).

    OHO

    OH

    R1R2

    R3

    OOH

    OHO

    OH

    R1R2

    R3

    O

    OHO

    OH

    R1R2

    R3

    O

    OHO

    R OOH

    OHO

    OH

    R1R2

    R3

    OH

    O

    OH

    OH

    OHHO

    OH

    O

    OH

    OH

    OHHO

    OH

    O

    OH

    OH

    OHHO

    OH

    OHO

    OH

    R1OH

    R2

    OH

    Figura 2.4 Principais classes de compostos flavonides

    2.1.2. Mtodos de anlise Apesar do grande interesse por este grupo de compostos, este recente e,

    portanto, poucos estudos de identificao e quantificao dos polmeros de

  • 8

    polifenis tm sido conduzidos (por exemplo, flavanois e proantocianidinas, dentre outros), embora esses compostos sejam majoritrios na maioria das plantas. Isto devido heterogeneidade dos compostos bem como falta de tcnicas de separao eficientes, que foram desenvolvidas apenas recentemente (NACZK & SHAHIDI, 2004; CHEYNIER, 2005).

    As metodologias utilizadas na quantificao destes compostos podem ser divididas em anlises espectrofotomtricas e anlises cromatogrficas. As anlises espectrofotomtricas baseiam-se em diversos princpios e podem ser empregadas para quantificao de vrios grupos estruturais. De acordo com Naczk & Shahidi (2004), a anlise que emprega o reagente de Folin-Denis foi uma das primeiras a ser utilizada (SINGLETON & ROSSI, 1965) e foi sofrendo modificaes ao longo do tempo, utilizando-se, atualmente, o reagente de Folin-Ciocalteu.

    A quantificao dos compostos fenlicos totais pela metodologia que emprega o reagente de Folin-Ciocalteu baseia-se na reduo dos cidos fosfotungstico (H3PW12O40) e fosfomolbdico (H3PMo12O40), presentes no reagente de Folin-Ciocalteu, pelos fenlicos presentes na amostra a xido de tungstnio (W8O23) e xido de molibdnio (Mo8O23) em meio alcalino (Figura 2.5). Estes xidos formados apresentam colorao azulada, sendo possvel a quantificao da absorvncia da soluo na regio do visvel (760nm). Atravs de uma cruva de calibrao de cido glico possvel correlacionar a intensidade da cor concentrao de fenis presentes na amostra, sendo o resultado expresso em equivalente de cido glico (GAE).

    H PW O + H Mo O + FENOL W O + Mo O3 12 40 3 12 40 3 23 3 23

    Figura 2.5 - Reao de quantificao de fenlicos totais por reagente de Folin-Ciocalteu

    No entanto, o reagente de Folin-Ciocalteu no especfico para grupos fenlicos sofrendo interferncias de outras substncias redutoras presentes na amostra, tais como cido ascrbico e acares redutores, superestimando os valores. Em funo destes interferentes, Georg et al. (2005) propuseram uma

  • 9

    modificao na metodologia de Singleton & Rossi (1965) inserindo uma etapa de extrao em fase slida (SPE) em coluna, capaz de reter os compostos fenlicos. Por esta metodologia possvel quantificar os fenlicos totais assim como o cido ascrbico e eliminar outros interferentes.

    De acordo com Goldstein (1963, apud NACZK & SHAHIDI, 2004), o mtodo da vanilina especfico para flavan-3-is, dihidrochalconas e proantocianidinas. Este mtodo baseia-se na formao do radical vanilina em meio cido, que se liga aos compostos acima citados pelos carbonos 6 ou 8 do anel A, formando um cromforo vermelho capaz de absorver luz a 500nm. Apesar de no ser especfico, o mtodo da vanilina em metanol mais sensvel s proantocianidinas do que aos flavan-3-is e, portanto, muito utilizado para deteco e quantificao dos taninos condensados. Segundo Naczk & Shahidi (2004) existem outros mtodos espectrofotomtricos para a quantificao das proantocianidinas, como o mtodo DCMA (4-dimetilamino cinamaldedo) e o da hidrlise cida em butanol, o qual converte os taninos em antocianidinas que absorvem luz no visvel. Existem ainda mtodos especficos para taninos hidrolisveis, antocianinas (FULEKI & FRANCIS 1968a e, 1968b; GIUSTI & WROSLTAD, 2000), de complexao dos fenlicos com Al (III), dentre outros (NACZK & SHAHIDI, 2004).

    As separaes cromatogrficas em gel, papel e camada delgada, tm sido bastante utilizadas (SHAHIDI & NAZCK, 1995), porm, atualmente, a cromatografia lquida de alta eficincia (CLAE) a tcnica mais utilizada para a identificao e quantificao de compostos fenlicos bem como para avaliao das interaes entre os fenlicos com outros componentes da matriz (NAZCK & SHAHIDI, 2004). Estas tcnicas tm sido modificadas quer seja na etapa de preparo da amostra ou extrao dos compostos, quer seja na fase mvel e ou estacionria, para uma melhor separao dos compostos. A identificao propriamente dita dificultada devido grande variabilidade de compostos fenlicos possveis na natureza, sendo realizada com segurana por espectrometria de massas acoplada cromatografia lquida (CLAE-MS) (NACZK & SHAHIDI, 2004).

  • 10

    2.2. Antocianinas As antocianinas so flavonides, ou seja, possuem o ncleo flavano como

    estrutura bsica e caracterizam-se por serem compostos hidrossolveis responsveis pela colorao vermelha, azul, violeta e rosa de frutas, hortalias e flores. Sua biossntese e acmulo dependem de alguns fatores como luz, temperatura, condio nutricional, hormnios, danos mecnicos e ataque de patgenos. A luz o fator externo mais importante na biossntese por fotoativar indiretamendete as enzimas envolvidas atravs do sistema fitocromo. Fatores genticos definem as substituies nos carbonos 3 e 5 do anel B as quais definem as agliconas, ou antocianidinas, sendo seis as de principal interesse em alimentos (Figura 2.6). As substituies no anel B contribuem para a variao de cor, porm o pH, concentrao na soluo e a presena de co-pigmentos so tambm fatores importantes (MAZZA & BROUILLARD, 1990; GRISEBACH, 1995; WROLSTAD et al., 2005)

    OHO

    OH

    R1OH

    R2

    OH

    B

    A C

    Figura 2.6 - Principais antocianidinas em alimentos

    As antocianinas se apresentam no vegetal predominantemente na forma de mono ou di-glicosdeos, e muito pouco na forma de agliconas, com as glicosilaes ocorrendo mais freqentemente nos carbonos 3 e 5, podendo porm tambm ocorrer, ainda que raramente, como triglicosdeos nas posies 7, 3, 4 e/ou 5. Os acares mais encontrados so mono e dissacardeos como glicose, ramnose, galactose, xilose e arabinose. As antocianinas podem ainda sofrer acilaes nas molculas do acar, em muitos casos por cidos tais como p-cumrico, cafeico, ferrlico ou sinpico, e com menor freqncia pelos cidos p-hidroxibenzico, malnico ou actico. Geralmente, os cidos se ligam

    Antocianidinas R1 R2

    Perlagonidina H H

    Cianidina OH H

    Delfinidina OH OH

    Peonidina OMe H

    Petunidina OMe OH

  • 11

    ao carbono 3 da molcula do acar, sendo que, em alguns pigmentos, essa ligao ocorre no grupamento 6-hidroxil e muito raramente no 4-hidroxil (SHAHIDI & NACZK, 1995, FRANCIS, 1982, FRANCIS, 1993).

    De acordo com Francis (1989) e Wrolstad et al. (2005), a estabilidade das antocianinas afetada pela sua estrutura qumica e concentrao, luz, enzimas endgenas ou adicionadas, temperatura, pH, co-pigmentos e relao molar destes com as antocianinas, oxignio, cido ascrbico, ons metlicos, acares e seus produtos de degradao, protenas e dixido de enxofre.

    A ao das enzimas endgenas (polifenoloxidase e peroxidase) um dos principais fatores de degradao dos compostos fenlicos, especialmente as antocianinas. Por serem termorresistentes, a inativao trmica destas enzimas em produtos derivados de vegetais fica dificultada, sendo alternativamente inibidas por adio de compostos que se ligam parte protica da enzima, que complexam o grupo heme ou que neutralizam o cofator. O dixido de enxofre (SO2) e os sulfitos, assim como o cido ascrbico, so largamente utilizados na indstria com esta finalidade. No entanto, esses compostos favorecem a degradao das antocianinas por mecanismos no enzimticos (RODRIGUEZ-SAONA et al., 1999; ROGEZ, 2000; MALIEN- AUBERT et al.,2001)

    Fatores estruturais da molcula so tambm responsveis pela estabilidade das antocianinas, da cor e, por conseqncia, da atividade biolgica, tais como o grau de substituio do anel B, ou seja, R1 e R3, a natureza e nmero de acares ligados molcula e, ainda, a estrutura e nmero de grupamentos acil bem como a posio da ligao destes na molcula de acar. Molculas diaciladas apresentam maior estabilidade, uma vez que os radicais acil podem proteger o ncleo flavano atravs do rearranjo espacial das molculas. A presena de resduo aromtico no grupamento acil promove uma interao hidrofbica com o ncleo flavlio protegendo-o do ataque nucleoflico da gua, diminuindo a hidratao e prevenindo a formao de chalcona (MALIEN- AUBERT et al.,2001; WROLSTAD et al.,2005)

    As acilaes favorecem as co-pigmentaes tornando-as mais eficientes j que propiciam a ligao covalente entre pigmento e co-pigmento. As co-pigmentaes so interaes entre as antocianinas e outros compostos que

  • 12

    podem ser flavonides, alcalides, aminocidos, cidos orgnicos, nucleotdeos, polissacardeos ou metais, sendo nestes casos denominada de co-pigmentao intermolecular. Quando o co-pigmento outra molcula de antocianina, denomina-se de co-pigmentao intramolecular ou auto-associao. A copigmentao um fenmeno de ocorrncia natural ao qual se atribui o principal mecanismo de estabilidade das antocianinas nos vegetais, ocorrendo preferencialmente sob condies cidas. Essas associaes qumicas fracas podem aumentar a estabilidade das antocianinas e ampliar as suas propriedades antioxidantes (MAZZA & BROUILLARD, 1990; RODRIGUEZ-SAONA et al., 1999; REYES & CSNEROS-ZEVALOOS, 2007).

    Os estudos mais recentes apontam para a identificao de possveis interaes que seriam responsveis pela estabilidade das antocianinas (POZO-INSFRAN, BRENES & TALCOTT, 2004; PACHECO-PALENCIA, HAWKEN & TALCOTT, 2007) e, por conseqncia, favoreceriam o poder antioxidante responsvel pela grande maioria das atividades biolgicas (antimutagnica, anticarcinognica, efeito protetor gstrico) desta classe de compostos. (GALVANO et al., 2004).

    OHO

    OH

    R1OH

    R2

    OHO

    OHO

    OH

    R1

    R2

    OHO

    OH

    OHO

    O

    R1

    R2

    OO

    OH

    HH

    Figura 2.7 - Grupos estruturais que contribuem para a atividade antioxidante das antocianinas.

  • 13

    O poder antioxidante das antocianinas se deve deficincia de eltrons do ncleo flavlio e presena de hidroxilas livres assim como de outras estruturas qumicas na molcula (Figura 2.7), podendo ocorrer variaes quanto intensidade da atividade antioxidante em funo da antocianina, acilaes e co-pigmentaes. (SOOBRAATTE et al., 2005; WADA et al., 2007)

    As anlises quantitativas das antocianinas podem ser divididas em anlises espectrofotomtricas e cromatogrficas. As anlises espectrofotomtricas baseiam-se no comportamento espectral desta classe de flavonides em funo do pH, sendo a primeira metodologia proposta por Sondheimer et al. (1948 apud FULEKI & FRANCIS, 1968b), com leituras de absorvncia do extrato em dois valores de pH (2.0 e 3.4) e uso de soluo vermelho de Congo como padro.

    A metodologia proposta por Fuleki & Francis (1968a) para a quantificao das antocianinas totais emprega uma extrao prvia de 12 horas sob refrigerao em etanol acidificado e filtrao em funil de buchner para obteno de um extrato isento de slidos em suspenso. O extrato obtido tem sua absorvncia lida em espectrofotmetro em comprimento de onda de mxima absorvncia (mx) em pH nico, sendo utilizado o coeficiente de extino molar () da antocianina majoritria para o clculo das antocianinas totais. No entanto, esta metodologia promove uma superestimao dos teores de antocianinas totais, por empregar leitura da absorvncia em um nico comprimento de onda, o de mxima absorvncia para as antocianinas, quantificando desta forma compostos de degradao que tambm absorvem luz nesta regio.

    Outra metodologia utilizada na quantificao a de pH diferencial, proposta inicialmente por Fuleki & Francis (1968b) e modificada por Giusti & Wrolstad (2001). Esta metodologia permite a quantificao das antocianinas totais e monomricas em funo do comportamento espectral diferenciado das monomricas em relao s polimricas em condies de pH distintas. Em funo dos comprimentos de onda empregados possvel eliminar a interferncia de compostos de degradao. A amostra submetida a dois tampes aquosos distintos, pH 1,0 e 4,5, e as solues obtidas tm a absorvncia medida em dois comprimentos de onda, 700nm e comprimento de

  • 14

    mxima absoro (mx), que pode variar de 510 a 550nm em funo das antocianinas presentes na amostra (HARBONE, 1958 apud FULEKI & FRANCIS, 1968a). As antocianinas tm sua cor intensificada em pH 1,0 e no so capazes de absorver a 700nm, onde somente os compostos de degradao, interferentes, absorvem. Portanto, a diferena entre a leitura obtida no mx e a 700nm da soluo de pH 1,0 indicam a concentrao das antocianinas totais. No entanto, em pH 4,5, somente as antocianinas monomricas assumem a forma hemiquetal (Figura 2.8), a qual incolor, e a diferena entre as leituras nos dois comprimentos de onda a pH 1,0 subtrada da diferena entre as leituras nos dois comprimentos de onda a pH 4,5, correspondendo s antocianinas monomricas.

    R

    Gl

    HO

    O

    R1OH

    R2

    O

    CH OOHO

    O

    R1OH

    R2

    O

    R

    Gl

    OHO

    O

    R1OH

    R2

    O

    OH

    R

    Gl

    O

    O

    R1OH

    R2

    O

    O

    R

    GlR

    OHO

    O

    R1

    R2

    O

    O

    Gl

    R

    Gl

    HO

    O

    R1OH

    R2

    O

    CH O

    +

    Figura 2.8 Comportamento das antocianinas em funo do pH.

    As anlises de identificao de antocianinas especficas foram introduzidas na dcada de 50 e desde ento vm sendo modificadas. As primeiras anlises qualitativas foram realizadas em cromatografia em papel e constavam dos seguintes procedimentos: extrao (metanol ou etanol acidificado); concentrao (vcuo, 30C); purificao (em papel W hatman n3); determinao da algicona (hidrlise cida e padro); determinao dos acares (cromatografia em papel e padres); determinao da posio do acar (comportamento espectral A440/Amx); determinao de grupamentos acil

  • 15

    (comportamento espectral de compostos aromticos, pico extra na regio 310 320nm; e identificao por cromatografia em papel e padres). Vrios estudos foram realizados com diferentes solventes e antocianinas, os quais geraram valores de Rf (coeficiente de reteno), principal dado para identificao das mesmas. Atualmente, a cromatografia lquida de alta eficincia juntamente com a espectrometria de massa tm sido utilizadas para a identificao, quantificao e a avaliao das interaes das antocianinas com outros compostos da matriz (FRANCIS, 1982)

    2.3. Atividade antioxidante Seguindo a tendncia de maior preocupao com a sade e foco na

    preveno de doenas, tem-se observado um aumento no consumo de frutas em todo o mundo, pois vrias evidncias cientficas apontam efeitos benficos sade de dietas ricas em frutas, hortalias e vegetais, que apresentam em sua composio vrios compostos com capacidade antioxidante, como vitaminas A e C, carotenides e compostos fenlicos. Muitos autores tm demonstrado correlao entre a concentrao destes compostos e a capacidade antioxidante (MANACH et al., 2004; ALVES, et al., 2007; ZULETA et al., 2007).

    A atividade antioxidante de alguns compostos presentes nos alimentos tem despertado interesse pelo seu potencial efeito na preveno do estresse oxidativo, causa primria de muitas doenas crnicas por provocar danos celulares que, por sua vez, podem promover disfunes fisiolgicas e morte celular. O estresse oxidativo resultado do desequilbrio entre as espcies reativas de oxignio (ROS) e nitrognio (RNS) e o sistema de defesa antioxidante presente no organismo. As espcies reativas de oxignio e nitrognio podem ser geradas durante a irradiao por raios ultravioleta, raios X e raios gama, como produtos de reaes catalisadas por metais que podem estar na atmosfera como poluentes. Podem ser tambm geradas no organismo, por neutrfilos e macrfagos durante processo inflamatrio; por exposio a herbicidas, xenobiticos e toxinas e principalmente durante o metabolismo aerbico, na mitocndria (cadeia transportadora de eltrons).

  • 16

    Antioxidantes enzimticos como superoxido desmutase, catalase e glutation peroxidase, juntamente com antioxidantes no enzimticos, como as vitaminas C e E, carotenides, flavonides e antioxidantes tiis, formam o sistema de defesa antioxidante (VALKO et al., 2006; SCANDALIOS, 2005).

    As definies de antioxidantes diferem em funo da natureza dos compostos a serem protegidos. Para Chipault (1962 apud BECKER, NISSEN & SHIBSTED, 2004), antioxidantes em alimentos so substncias que em pequenas quantidades so capazes de prevenir ou retardar a oxidao de materiais facilmente oxidveis como as gorduras. Porm no mbito bioqumico-mdico citado por Huang, Ou & Prior (2005), antioxidantes so enzimas ou compostos orgnicos, como a vitamina E ou -caroteno, que so capazes de contrariar os efeitos danosos da oxidao em tecidos animais.

    Os compostos fenlicos tm despertado grande interesse devido ao seu alto teor nos vegetais e elevado poder antioxidante, capaz de remover radicais livres, quelar ons metlicos com atividade redox, modular a expresso gnica e interagir com mecanismos de sinalizao celular; sendo atribuda grande parte de sua bioatividade a estas caractersticas. Porm os mecanismos de absoro e metabolismo e teores presentes na dieta podem afetar a eficincia da ao antioxidante e estes aspectos no esto totalmente esclarecidos (RHODES, 1996; SOOBRATTEE et al, 2005).

    Devido ao grande interesse na quantificao da capacidade antioxidante de diversos compostos, vrias metodologias in vitro foram propostas, com diferenas no grau de complexidade, sensibilidade, mecanismos e espcies reativas envolvidas. Alm disso, ainda no h consenso quanto validade e relevncia destes mtodos em sistemas biolgicos (ARNAO, 2000; LICHTENTHLER, MARX & KIND, 2003; HUANG, OU & PRIOR, 2005).

    Os mtodos qumicos para determinao da atividade antioxidante esto divididos quanto natureza da reao envolvida em dois grupos principais, os que envolvem transferncia de eltrons e os que envolvem transferncia de tomos de hidrognio.

    Dentre os mtodos baseados na transferncia de tomos de hidrognio, tem-se o ORAC (oxygen radical absorbance capacity), o TRAP (total radical trapping antioxidant parameter); o IOU (inibited oxygen uptake); e a inibio da

  • 17

    oxidao do cido linolico e da lipoprotena de baixa densidade, LDL. A maioria destas metodologias baseia-se na reao competitiva entre o antioxidante e o substrato para formao do radical por decomposio de compostos azo, permitindo o acompanhamento da reao por ultravioleta ou por fluorescncia (ORAC) (ARNAO, 2000; BECKER, NISSEN & SHIBSTED, 2004; HUANG, OU & PRIOR, 2005).

    A metodologia de quantificao de fenlicos totais pelo reagente de Folin-Ciocalteu, descrita no item 2.1.2, tambm utilizada para quantificar a atividade antioxidante e seu mecanismo de ao envolve a transferncia de eltrons, assim como no caso do ABTS expresso em TEAC (Trolox equivalence antioxidant capacity), FRAP (ferric ion reducing antioxidant parameter); DPPH (diphenil-1-picryhydrazyl) e capacidade de reduo do cobre II. As metodologias que envolvem a transferncia de eltrons baseiam-se na reduo do substrato por ao dos componentes antioxidantes presentes na amostra, que apresentam comportamento espectral distinto no estado oxidado e reduzido (ARNAO, 2000; BECKER, NISSEN & SHIBSTED, 2004; HUANG, OU & PRIOR, 2005).

    A metodologia de ABTS, cujo resultado expresso em TEAC, proposta por RE et al. (1999), utiliza o ABTS [cido 2,2 azinobis-3-(etilbenzotiazolina-6sulfnico)] como substrato e emprega o persulfato de potssio para formar quimicamente o radical ABTS+. Em funo do material a ser analisado, este radical pode ter como meio de extino uma soluo tampo fosfato pH 7,4 ou lcool etlico 95%. Esta metodologia baseia-se no comportamento espectral do ABTS, que absorve luz na regio do visvel (734nm) somente na forma radicalar (ABTS+). Portanto, a presena de substncias com atividade antioxidante na amostra ir regenerar o ABTS+ (Figura 2.8), promovendo uma descolorao da soluo cuja intensidade ser correlacionada mesma intensidade ocasionada pelo padro analtico Trolox (cido 6-hidrxi-2-5-7-8-tetrametilcromo2-carboxlico), um anlogo hidrossolvel da vitamina E (BECKER, NISSEN & SKIBETED, 2004). A atividade antioxidante da amostra dada em M equivalente de Trolox em 1g ou 100g de amostra, originando o nome TEAC, capacidade antioxidante equivalente ao Trolox.

  • 18

    N

    SN

    O3S

    C2H5

    N

    SN

    SO3

    C2H5

    K2SO

    5

    N

    SN

    O3S

    C2H5

    N

    SN

    SO3

    C2H5 antioxidante

    Figura 2.9 Comportamento espectral do ABTS

    A avaliao de atividade antioxidante baseada em metodologias in vitro deve ser feita com cautela uma vez que as mesmas no consideram fatores como biodisponibilidade, estabilidade do composto in vivo, reteno dos antioxidantes pelos tecidos e reatividade in situ (HUNAG, OU & PRIOR, 2005).

    A atividade antioxidante medida in vitro sugere bioatividade, porm no a determina. No entanto, a identificao de fatores que influenciam a atividade antioxidante de grande interesse e vem recebendo muita ateno. Para os compostos fenlicos, alguns estudos apontam para uma relao entre a atividade antioxidante, e sua intensidade, com a estrutura qumica desses compostos. O nmero e a configurao de grupamentos hidroxil doadores de hidrognio, assim como as duplas conjugadas, parecem ser os principais fatores estruturais a influenciar a atividade antioxidante (WADA et al., 2007; SOOBRATTEE et al, 2005; TYRAKOWSKA, et al. 1999).

    2.4. Processos de separao por membranas Os processos de separao por membranas aplicados industrialmente so

    recentes, apesar de o primeiro estudo relatando fenmenos envolvendo membranas ser de 1748 com NOELLET, que emergiu em gua pura um copo contendo destilado de vinho e vedado com uma bexiga de origem animal, que

  • 19

    aps certo tempo estufou e, em alguns casos, rompeu-se, evidenciando, com esta experincia, a permeabilidade e a seletividade da membrana. Porm os fundamentos tericos destes processos s foram elucidados recentemente (CHERYAN, 1998; HABERT, BORGES & NBREGA, 2006).

    Os processos de separao por membrana baseiam-se na permeabilidade seletiva de alguns compostos do material atravs do meio filtrante, por meio de uma fora motriz. A composio da membrana e o tipo de fora motriz utilizado definem os diferentes processos: microfiltrao, ultrafiltrao, nanofiltrao, dilise, osmose inversa, evaporao osmtica, pervaporao, permeao de gases (PORTER, 1990).

    Os processos de micro, ultra e nanofiltrao utilizam membranas porosas cuja seletividade caracterizada pela diferena de tamanho entre as molculas da soluo e os poros da membrana; promovendo, ento, um fluxo convectivo com escoamento do permeado por entre os poros. A osmose inversa utiliza membrana densa, porm assim como nos processos citados acima utiliza a diferena de presso como fora motriz. Estes processos diferem entre si pelo tamanho dos poros, que diminuem da microfiltrao para a nanofiltrao (0,6 m a 100 Da) e quase inexistem nas membranas densas, aumentando a resistncia permeao e, conseqentemente, a diferena de presso aplicada (Figura 2.10).

    Figura 2.10 Processos de separao por membranas em funo do tamanho dos poros

    Na dilise, as membranas podem ser porosas ou densas, porm a fora motriz aplicada a diferena de concentrao, resultando em um fluxo difusivo. Tanto a osmose inversa quanto a pervaporao utilizam membranas densas,

    Cabr

    al, L.

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    diferindo entre si pela fora motriz, que so, respectivamente, a diferena de presso e a diferena de concentrao (CHERYAN, 1998; HABERT, BORGES & NBREGA; 2006).

    Os processos de separao por membranas geralmente ocorrem temperatura ambiente, trazendo como vantagens o baixo custo energtico, a preservao de compostos termo sensveis, a seletividade do meio filtrante e o fcil escalonamento, por se tratar de sistemas modulares. Contudo, o custo de reposio da membrana, a diminuio do fluxo ao longo do processo e a limpeza dos sistemas so algumas das desvantagens. Mesmo utilizando o fluxo tangencial (Figura 2.11), verifica-se a diminuio do fluxo de permeado ao longo do processo, conseqncia do fenmeno conhecido como fouling, que se caracteriza pelo aumento da resistncia passagem do solvente pela membrana, que pode ser resultante tanto da diminuio da porosidade (entupimento, adsoro) quanto da polarizao de concentrao e formao de camada gel na superfcie da membrana.

    Figura 2.11 - Esquemas de filtrao em profundidade (a) e filtrao tangencial (b)

    A principal desvantagem da aplicao dos processos de separao por membranas em polpas de frutas a diminuio do fluxo de permeado em funo da polarizao de concentrao e formao da camada gel, que ocorrem, principalmente, em processos com membranas porosas (microfiltrao, ultrafiltrao e nanofiltrao). No entanto, estes fatores podem ser minimizados atravs de pr-tratamentos que promovam uma diminuio

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    dos slidos em suspenso presentes na polpa como a centrifugao, tratamento enzimtico ou refino, ou ainda atravs de alteraes das condies de processamento (MATTA, CABRAL & MORETTI, 2000; VAILLANT et al., 2001).

    Ushikubo, Watanabe & Viotto (2006) microfiltraram a polpa de umbu diluda (1:2 em gua) a 35C, em sistema polimrico (tamanho de poro de 0,2 m) e avaliaram a influncia da presso transmembrana, do pr-tratamento com enzima e da velocidade tangencial sobre o fluxo de permeado. A velocidade tangencial foi a principal varivel responsvel pelo aumento do fluxo de permeado, no entanto o tratamento enzimtico tambm indicou um efeito positivo, sendo tambm observado o sinergismo entre as variveis.

    Matta, Moretti & Cabral (2004), atravs da combinao dos processos de microfiltrao e osmose inversa, obtiveram um suco de acerola clarificado e concentrado com 29,2Brix, obtendo o mesmo fator de concentrao de4.2, em slidos solveis e em vitamina C. O suco clarificado obtido foi preparado para consumo por diluio e adio de acar e avaliado sensorialmente atravs do teste de aceitabilidade, sendo aceito por 84% dos consumidores.

    A obteno de suco de abacaxi clarificado e esterilizado a frio foi estudada por Carneiro et al. (2002), utilizando sistema de microfiltrao com membrana polimrica de polietersulfona com poros de 0,3 m, e tratamento enzimtico. As condies avaliadas permitiram atingir a esterilizao comercial aliada a um elevado fluxo de permeado, estabilizado na faixa de 100 L/hm.

    A frao retida nos processos de microfiltrao e ultrafiltrao to rica em macro e microelementos quanto os sucos originais, fazendo com que muitos trabalhos sugiram a reintroduo da frao retida na linha de produo ou o seu uso para a obteno de novos produtos, que poderiam contribuir para a viabilidade econmica da microfiltrao na produo de sucos clarificados, por maximizar o aproveitamento do fruto (SILVA, JARDINE & MATTA, 1998; VAILLANT et al., 2001; CASSANO et al., 2003). Seguindo esta tendncia, Penha et al. (2001) utilizaram o retido da ultrafiltrao de suco de acerola para obteno de licor.

    Fontes & Caminoto (2007) realizaram a microfiltrao de aa em dois sistemas de membrana cermica de -alumina, com poros de 0,6 e 0,2 m e

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    utilizaram a diluio da polpa e o refino como pr-tratamentos, obtendo fluxos de permeado de aproximadamente 9 L/hm. Palacio et al. (2007), por sua vez, utilizando a centrifugao como pr-tratamento, atingiu fluxos mdios de permeado de 100 L/hm com fator de concentrao volumtrico igual a 2, na microfiltrao de aa em membrana cermica com 0,1 m de tamanho de poros.

    O crescente interesse por compostos bioativos e produtos funcionais tambm tem sido observado nas pesquisas com membranas. Patil et al. (2007) avaliaram os processos de ultrafiltrao, osmose inversa e destilao osmtica e suas combinaes, para a obteno de um concentrado de antocianinas da casca de rabanete, sendo a combinao dos trs processos o mais atrativo quando comparado com os processos isolados. O extrato inicial foi concentrado 25 vezes (1 a 26Brix) sendo o mesmo fator de concentrao atingido com as antocianinas cuja concentrao passou de 40 mg/100 mL para 980 mg/100 mL.

    A concentrao de sucos por membranas ocorre, geralmente, temperatura ambiente, mantendo as caractersticas sensoriais do suco fresco, sem o sabor de produto cozido. Koroknai et al. (2008) empregaram a ultrafiltrao e a osmose inversa para obter sucos de frutas vermelhas clarificados e concentrados. Os sucos ultrafiltrados mantiveram 97% da atividade antioxidante dos sucos frescos, no entanto a concentrao em slidos solveis no foi mantida na mesma razo para a atividade antioxidante.

    O uso de tecnologias de processamento mais amenas, como os processos de separao por membranas, pode ser uma alternativa com grande potencial para se atingir uma maior estabilidade dos compostos fenlicos que so facilmente degradados, por oxignio, pH, temperatura, cido ascrbico e principalmente por enzimas endgenas, polifenoloxidase e peroxidase (PACHECO-PALENCIA, HAWKEN & TALCOTT, 2007; NAZCK & SHAHIDI, 2004, SKREEDE, WROSLTAD & DURST, 2000). As enzimas polifenoloxidase e peroxidase so termorresistentes o que dificulta a inativao trmica das mesmas sem perdas sensoriais significativas para o produto processado, no entanto, Magalhes et al. (2004), verificaram a eficcia da microfiltrao e da ultrafiltrao para estabilizao da gua de coco. As tcnicas de separao por

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    membranas empregadas pelos referidos autores reduziram de 61 a 77% a atividade da polifenoloxidase e em 100% a atividade de peroxidase na frao permeada da gua de coco.

    2.5. Aa Aa o nome dado tanto ao fruto do aaizeiro (Euterpe oleracea Mart)

    como bebida oriunda da extrao deste fruto. O aaizeiro (Figura 2.12) uma palmeira nativa da regio Amaznica, sendo o estado do Par seu principal centro de disperso natural. As maiores e mais densas populaes espontneas ocorrem no esturio do rio Amazonas, devido s condies elevadas de temperatura, chuva e umidade relativa do ar. Os frutos so globulosos e apresentam-se em cachos (ROGEZ, 2000), porm seu consumo no ocorre na forma in natura, necessitando ser processado.

    A partir da dcada de 1990 o aumento da mdia internacional para a necessidade de preservao da Floresta Amaznica fez despertar o interesse pelos produtos regionais no-madeireiros. Como conseqncia, observou-se, talvez, a maior transformao da fruticultura da Amaznia que, impulsionada pela criao da fbrica de beneficiamento de polpa de fruta em Tom-Au, em 1991, teve frutas como cupuau, bacuri, pupunha e aa, conhecidas at ento apenas pela populao local, conquistando novos mercados, nacionais e internacionais (ROGEZ, 2000; HOMMA & FRAZO, 2002; NOGUEIRA et al., 2005).

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    Figura 2.12 - Aaizeiro (a) e fruto do aa (b)

    O aa parece ter sido bem aceito pelos novos mercados, e apesar da escassez e divergncias de dados, algumas publicaes apontam um aumento de 130% na coleta dos frutos entre 1994 a 2001. Nogueira et al. (2005) apontam a preservao dos aaizais como um ganho ambiental importante como conseqncia destes novos mercados, pois 20% da produo, em 2004, foi proveniente de reas cultivadas e de aaizais nativos manejados, o que, em anos anteriores, era quase que exclusivamente extrativista. A diminuio do extrativismo e o aumento de reas cultivadas uma tendncia a ser mantida e ampliada em funo da necessidade de regularidade da produo para atender demanda.

    O incio da exportao se deu em 2000, para os Estados Unidos, ampliando depois para Frana, Japo, Itlia e Alemanha, na forma de polpa congelada, p, creme, sorvete e aa pronto para consumo com granola e guaran. No mercado externo, o aa apreciado como uma bebida extica, enquanto que no Brasil, em geral, como bebida energtica, e no Par, como parte da refeio, sendo a base da alimentao, principalmente da populao mais pobre e rural (MONTEIRO, 2006).

    Visando manuteno e ampliao do mercado de aa, algumas indstrias esto investindo no s no cultivo, mas tambm na qualificao da mo-de-obra o que pode significar mais emprego e maior renda para a populao local.

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    Porm, a baixa vida de prateleira associada ao elevado custo de transporte so fatores a serem superados (MONTEIRO, 2006). Ainda h muito a se conhecer e desenvolver visando inovao e promoo do desenvolvimento sustentvel da cadeia do aa, devido importncia econmica deste agronegcio para os estados da regio Norte, especialmente Par e Amap, por responder pela sustentao das populaes ribeirinhas. Estima-se o envolvimento direto de quase 25 mil pessoas e de R$40 milhes no agronegcio da polpa e suco de aa (NOGUEIRA, et al., 2005;).

    O aa tem importncia socioeconmica devido no s sua relevncia na alimentao da populao ribeirinha e de mais baixa renda, mas tambm por seu potencial de aproveitamento (ROGEZ, 2000). Dos frutos se extrai a polpa e subprodutos, o caroo pode ser aproveitado no artesanato, como adubo orgnico e fonte de antioxidantes, o caule para obteno do palmito, as folhas para cobrir as casas dos habitantes do interior da regio e ainda os estipes adultos podem ser aproveitados para pasta e polpa de celulose pela indstria de papel (HOMMA & FRAZO, 2002; NOGUEIRA, et al., 2005).

    2.5.1. Caracterizao qumica e atividade antioxidante O aa tido como uma das frutas mais nutritivas da Bacia Amaznica e sua

    bebida um alimento altamente energtico e de elevado valor nutricional apesar de existirem divergncias com relao sua composio centesimal em macro e micro elementos. Alguns fatores como a sazonalidade, estgios de maturao e procedncia dos frutos, fatores ambientais, cultivares, alm das metodologias analticas empregadas na determinao dos parmetros (SANABRIA & SANGRONIS, 2007), ou, ainda, devido a divergncias na nomenclatura dos produtos obtidos de aa, polpa e bebida, influenciam os dados disponveis de composio qumica (ROGEZ, 2000)

    O perfil em cidos graxos da polpa de aa muito prximo ao perfil ideal de um leo vegetal (CNNB, 1996). A frao lipdica da polpa composta por aproximadamente 24% de saturados, 59% de monoinsaturados e 17% de poliinsaturados (ROGEZ, 2000; SANABRIA & SANGRONIS, 2007). Seu leo pode tambm ser utilizado como ingrediente para a indstria alimentcia,

  • 26

    cosmtica, dentre outras, agregando valor (PACHECO-PALENCIA, MERTENS-TALCOTT & TALCOTT, 2008).

    Palacio (2008) utilizou a torta obtida com a centrifugao da polpa de aa para a extrao de leo por prensagem, obtendo um rendimento elevado de 78-80% e um leo de boa qualidade (ndice de perxido baixo), com os ndices de iodo e de saponificao tpicos de leos vegetais ricos em cidos graxos insaturados e de cadeia longa.

    A polpa de aa foi utilizada como matria-prima para a extrao de leo por solvente e por via enzimtica, no tendo sido verificadas diferenas significativas na composio em cidos graxos, apresentando predominncia de monoinsaturados (at 61%), porm com teor aprecivel em poliinstaurados de at 10,6% (NASCIMENTO et al., 2008)

    Os valores observados para micronutrientes em aa divergem bastante de acordo com a fonte bibliogrfica, em mais de dez vezes para o ferro, por exemplo, podendo ser atribudo s metodologias empregadas ou at mesmo em decorrncia da divergncia quanto nomenclatura dos produtos (ROGEZ, 2000). As variaes quanto aos macro e micronutrientes tambm ocorrem em funo do local de obteno e da safra, apesar de serem de menor magnitude (SANABRIA & SANGRONIS, 2007). O nico autor a quantificar a vitamina E no aa foi Rogez et al (1996), tendo encontrado um teor aprecivel (45 mg/100g), que poderia justificar a contribuio de 8% da frao lipoflica do aa para a atividade antioxidante global, determinada por Pozo-Insfran, Brenes & Talcott (2004).

    Os estudos sobre identificao e quantificao das antocianinas em aa so poucos e apresentam divergncias quanto s antocianinas identificadas. Em amostras distintas de polpa de aa foram identificadas em diferentes trabalhos as antocianinas cianidina-3 (glucosdeo, rutinosdeo e sambiosdeo), perlagonidina-3-glucosdeo e peonidina-3 (glucosdeo e rutinosdeo) na polpa de aa. Apesar de no ter sido observado um perfil padro de composio de antocianinas no aa, somente a cianidina-3-glucosdeo foi identificada por todos. Pozo-Insfran, Brenes & Talcott (2004) foram os nicos a identificar a perlagonidina-3-glucosdeo, enquanto a cianidina-3-rutinosdeo foi identificada por Lichtenhler et al. (2004); De Rosso et al. (2005), Galori et al. (2005), Brito

  • 27

    et al. (2007) e Pacheco-palencia, Hawken & Talcott (2007). Outros compostos fenlicos como cidos fenlicos, flavanis e flavonis

    foram identificados e quantificados na polpa de aa por Pozo-Insfran, Brenes & Talcott (2004), Galori et al. (2005), Brito et al.(2007) e Pacheco-palencia, Hawken & Talcott (2007). A grande variabilidade de compostos fenlicos apontada como um possvel fator positivo para a estabilizao do pigmento, uma vez que a classe do copigmento e a razo molar copigmento/pigmento influenciam fortemente na estabilidade da cor.

    O uso do aa como corante tem sido avaliado no s para aplicao em alimentos, mas tambm para outros usos relacionados sade. Pesquisadores da Embrapa Amaznia Oriental em parceria com a Universidade Federal do Par desenvolveram um identificador de placa bacteriana com corante de aa, sendo depositada a patente nos Estados Unidos em 2007 (NAZAR et al., 2007), e Crdova-Fraga et al. (2004) o testaram como fluido para contraste intestinal.

    Na rea alimentcia, Constant (2003) extraiu as antocianinas do aa e aplicou o corante em p obtido por spray drying em iogurte, queijo tipo petit suisse, e isotnico em p e lquido, avaliando a estabilidade do corante nesses produtos, sendo o isotnico lquido o nico que no apresentou boa estabilidade, devido sua atividade de gua e pH relativamente altos. Wada et al. (2007) apontam um interesse crescente no uso de corantes naturais alimentcios como aditivos alimentcios multifuncionais, por seus efeitos teraputicos alm dos nutricionais. Bobbio et al. (2000) sugerem o uso do aa como fonte para extrao de antocianinas, devido ao elevado teor deste pigmento e ausncia de toxicidade da matria-prima. Seguindo esta linha, Cosson et al. (2007) avaliaram o uso de suco de aa como corante funcional em iogurte, comparando a atividade antioxidante do mesmo em relao ao produto comercial adicionado de suco de arando (bilberry), usado como padro. Apesar de o produto enriquecido com aa apresentar uma menor atividade antioxidante, o valor ainda foi relevante, sugerindo o uso de suco de aa, rico em antocianinas, como corante e flavorizante para obteno de um alimento lcteo que aumentaria a ingesto de cianidina -3-glicosdeo.

    Poucos estudos disponveis na literatura avaliaram a atividade antioxidante

  • 28

    da polpa de aa. Pozo-Insfran, Brenes & Talcott (2004) utilizaram polpa de aa da Colmbia e encontraram uma atividade antioxidante de 48,6 mol Trolox equivalente/mL, que foi atribuda, principalmente, s antocianinas. Pacheco-palencia, Hawken & Talcott (2007), utilizando outra metodologia (ORAC), porm expressando tambm em Trolox, encontraram valores similares para a polpa integral, da ordem de 54,4 mol Trolox equivalente/mL e uma perda de quase 20% promovida pela clarificao clssica com terra diatomcea, como conseqncia da perda de compostos fenlicos antocinicos e no-antocinicos.

    2.5.2. Processamento do aa O principal produto obtido do fruto do aa a polpa, tambm chamado

    simplesmente de aa, que pode ser utilizada como matria-prima para diversos produtos como gelia, sorvete, cremes, recheios de bombom, dentre outros. Com um mercado local muito forte, estima-se um consumo de aa de 120 mil litros/dia na cidade de Belm. Com o aumento do consumo em outras localidades, boa parte da produo deixou de ser artesanal, apesar de ainda ser realizada de forma bem emprica (NOGUEIRA et al., 2005; ROGEZ, 2000).

    A produo industrial da polpa consiste nas seguintes etapas: recebimento dos frutos; seleo manual; pr-lavagem; lavagem (com cloro); remoo do cloro (asperso com gua potvel); amolecimento ou macerao; despolpamento e refino. A etapa de amolecimento ou macerao consiste em imergir os frutos em gua, por um perodo de tempo determinado. Tanto a temperatura quanto o tempo de macerao variam de um produtor para outro, pois ainda no existe um processo otimizado que facilite o aumento do rendimento na obteno da polpa sem prejudicar a sua qualidade (NOGUEIRA et al., 2005; ROGEZ, 2000).

    Os parmetros tempo de batida e quantidade de gua adicionada na etapa de despolpamento tambm so estipulados empiricamente, pela experincia prtica do manipulador, variando de acordo com o tipo de aa que se deseja obter, com a provenincia dos frutos, dentre outros (NOGUEIRA et al., 2005; ROGEZ, 2000). O Ministrio da Agricultura, Abastecimento e Agropecuria

  • 29

    (MAPA), atravs de Instruo Normativa, estabelece padres de identidade e qualidade para o aa e polpa de aa, classificando como polpa de aa o produto obtido atravs da extrao da polpa do fruto por meios mecnicos, sem adio de gua e sem filtrao, o que na prtica no possvel. Portanto, aa ou bebida de aa o produto obtido pela extrao do fruto com adio de gua e filtrado, sendo classificado em trs diferentes tipos como aa fino, mdio ou grosso, de acordo com o teor de slidos totais. O aa fino apresenta de 8 a 11%, o mdio, de 11 a 14% e o grosso, acima de 14% de slidos totais (BRASIL, 2000).

    Em funo dos novos mercados e da necessidade de transporte, grande parte da polpa de aa obtida atualmente sofre algum processo de conservao mantendo a oferta do produto o ano todo, apesar de ter uma produo de frutos ocorrendo em duas safras, a de vero, no perodo de agosto a dezembro, e a de inverno, entre maro e junho. Como observado por Cohen et al. (2007), a poca da colheita influencia na composio do aa, assim como a procedncia e as boas prticas de produo. Deste modo, de extrema importncia para o agronegcio do aa, o conhecimento sobre produo, colheita, ps-colheita e processamento, para que se mantenha a qualidade do produto ofertado durante todo o ano.

    Processos de conservao como branqueamento, pasteurizao, congelamento e desidratao esto sendo utilizados, uma vez que a polpa de aa muito perecvel, apenas 12 horas sob refrigerao. A baixa estabilidade do produto pode ser decorrncia da elevada carga microbiana presente no fruto, que poderia ser minimizada por adoo de boas prticas agrcolas e de fabricao. As enzimas endgenas, peroxidase e polifenoloxidase, so responsveis por alteraes sensoriais importantes por induzirem indiretamente a oxidao lipdica e promoverem o escurecimento do produto, modificando a cor de roxo para marrom (ROGEZ, 2000; NOGUEIRA et al., 2005).

    Em funo da vida de prateleira muito curta, a tecnologia de obstculos foi avaliada para a conservao da polpa de aa por Alexandre, Cunha & Hubinger (2004), que empregaram a diminuio do pH, tratamento trmico, reduo da atividade de gua por adio de sacarose e adio de conservador sorbato de potssio. Todas as formulaes testadas permaneceram estveis

  • 30

    microbiologicamente ao longo dos cinco meses de armazenamento, entretanto nem todas foram aceitas sensorialmente.

    A tecnologia de alta presso foi testada por Menezes (2005) para a conservao da polpa de aa, mostrando-se uma alternativa eficiente pasteurizao. No entanto, os tratamentos a 500 Mpa e a 25C, por estimularem as enzimas polifenoloxidase e peroxidase, promoveram perda de colorao da polpa.

    Os dados escassos da literatura evidenciam a necessidade de conhecimentos mais especficos e aplicados a fim de aliar segurana alimentar a qualidade sensorial, nutricional e funcional do aa e, assim, contribuir para promover a sustentabilidade econmica da cadeia.

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    3. MATERIAL E MTODOS

    3.1. Matria-prima Na legislao brasileira (Brasil, 2000) polpa de aa o produto obtido sem

    adio de gua. Na prtica, entretanto, a extrao no possvel sem adio de gua, motivo pelo qual, neste trabalho, polpa de aa refere-se ao produto obtido com adio de gua.

    Para a avaliao dos estgios de maturao foi obtido um lote de polpa para cada estgio de maturao, utilizando para tanto os frutos verde, parol (de vez) e maduro, colhidos na Estao Experimental da Universidade Federal Rural da Amaznia (UFRA), localizada em Castanhal/PA, no ms de fevereiro.

    O estudo da influncia de diferentes condies para a obteno da polpa foi conduzido com frutos adquiridos comercialmente no mercado Ver-o-peso, em Belm-PA.

    Os experimentos de pr-tratamento e microfiltrao foram conduzidos com aa tipo grosso congelado, adquirido de uma indstria processadora de aa localizada em Belm/PA.

    As diferentes matrias-primas utilizadas esto resumidas na Tabela 3.1.

    Tabela 3.1 Matrias primas utilizadas e os diferentes experimentos Matria prima

    Origem e obteno da polpa Experimentos em

    que foram utilizadas Frutos

    verdes, de vez e maduros

    Colhidos na estao experimental de Castanhal e processados na

    UFRA para obteno das polpas.

    Avaliao dos estgios de maturao

    Frutos maduros

    Adquiridos no mercado Ver-o-peso e processados na UFRA.

    Avaliao das condies da

    extrao Polpa de

    aa, tipo grosso

    Adquiridos diretamente de uma agroindstria localizada em Belm.

    Pr-tratamentos e microfiltrao

  • 32

    Todas as polpas foram congeladas e transportadas via area para o Rio de Janeiro, onde foram processadas e ou analisadas em triplicata.

    3.2. Procedimento experimental Os testes para caracterizao do fruto e obteno da polpa de aa foram

    realizados na Planta Piloto do Centro de Tecnologia Agropecuria (CTA) da Universidade Federal Rural da Amaznia, em Belm/PA. Os experimentos de pr-tratamento e de microfiltrao assim como as determinaes analticas foram realizados nas Plantas Piloto II e IV e nos laboratrios da Embrapa Agroindstria de Alimentos, no Rio de Janeiro/RJ (Figura 3.1).

    Figura 3.1 Diagrama dos procedimentos experimentais realizados.

  • 33

    3.2.1. Caracterizao da polpa de aa em trs estgios de maturao

    Os frutos, em trs diferentes estgios de maturao, foram processados para a obteno da polpa de acordo com o fluxograma abaixo. As polpas obtidas foram caracterizadas fsico-quimicamente, a fim de se determinar o efeito do grau de maturao sobre os compostos fenlicos totais, antocianinas totais e monomricas bem como sobre a atividade antioxidante em cada estgio de maturao do fruto.

    Figura 3.2 Fluxograma de obteno das polpas dos frutos em trs estgios de maturao

    Para cada experimento, foram utilizados 9 kg de frutos. A macerao dos frutos foi realizada a 50C por 30 minutos. Para a obteno das polpas, foi adicionada gua na proporo de 0,61:1 (gua: fruto) e a extrao foi realizada em uma batedeira de aa (Figura 3.3).

    Figura 3.3 Batedeira ou despolpadeira de aa

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    As polpas de aa obtidas foram devidamente identificadas, armazenadas em bolsa plsticas e congeladas, sendo parte armazenada na unidade de processamento e parte transportada por via area at o Rio de Janeiro, para as anlises laboratoriais descritas no item 3.3, sendo mantidas congeladas at o momento de realizao das anlises. O rendimento em polpa, para cada estdio de maturao foi calculado de acordo com a Equao 3.1.

    3.2.2. Extrao da polpa de aa em diferentes condies de macerao

    Para avaliao do efeito da temperatura e do uso de enzimas durante a macerao dos frutos sobre a extrao da polpa e sobre as caractersticas da mesma, foram realizados seis experimentos de obteno da polpa com 2kg de frutos maduros cada, seguindo o fluxograma (Figura 3.1) descrito no item anterior, variando-se as condies da etapa de macerao. A macerao foi realizada em trs temperaturas (30oC, 35oC e 40oC), com e sem a adio de enzima Rapidase TF da DSM Food Specialties, na concentrao de 0,1g/kg de fruto. A Rapidase TF, uma preparao enzimtica lquida oriunda de Aspergillus niger e Trichoderma reseei, apresentando atividade de pectinase e hemicelulase, com temperatura tima na faixa de 10 a 50C e pH entre 3,0 e 5,5.

    A enzima foi diluda na gua de macerao antes da adio dos frutos, que permaneceram sob estas condies por 15 minutos. Aps esta etapa os frutos foram pesados e seguiram para a batedeira sendo adicionada gua, para a obteno da polpa, na proporo de 0,5:1 (gua:fruto) durante o processamento.

    As polpas obtidas foram pesadas e congeladas, para posterior realizao das anlises laboratoriais e avaliao do efeito das condies de macerao sobre os compostos bioativos e a atividade antioxidante do aa. O clculo do rendimento de cada processo foi calculado utilizando-se a Equao 3.1.

  • 35

    3.2.3. Pr-tratamentos para a microfiltrao A polpa de aa tipo grosso, obtida comercialmente, foi a matria-prima

    utilizada para os testes de pr-tratamento, refino e centrifugao, assim como para os experimentos de microfiltrao. A polpa foi uniformizada, acondicionada em bombonas plsticas, congelada e mantida sob congelamento at o momento dos testes. Esta polpa foi denominada polpa integral, para fins analticos.

    O pr-tratamento teve por objetivo reduzir os teores de polpa e de slidos totais, e com isso, facilitar a microfiltrao do aa. Em cada teste foram utilizados 19 kg de aa grosso, efetuando-se a pesagem dos produtos obtidos, para a determinao do rendimento dos mesmos (Equao 3.2).

    Os produtos obtidos atravs dos pr-tratamentos de refino e centrifugao, para efeito do presente trabalho, foram denominados de polpa refinada e polpa centrifugada de aa, respectivamente. Foram coletadas amostras das polpas integral, refinada e centrifugada, para realizao das anlises de caracterizao e para avaliao do efeito dos pr-tratamentos sobre os compostos fenlicos totais e antocianinas totais, bem como sobre a atividade antioxidante das mesmas.

    Para o refino, foi utilizada uma despolpadeira de escovas (Figura 3.3) com peneira de ao inox com poros de 0,6mm de dimetro, marca Itametal, modelo Bonina 0,25df.

  • 36

    Figura 3.4 - Despolpadeira de escovas

    Para a centrifugao, foi utilizada uma centrfuga de cestos (Figura 3.4) marca Internacional Equipment Company, modelo SIZE 2, a 406g, tendo como meio filtrante uma tela de nylon de 150 m.

    Figura 3.5 Centrfuga de cestos

    3.2.4. Microfiltrao Testes preliminares de microflitrao foram conduzidos utilizando-se as

    polpas refinada e centrifugada, os quais resultaram na definio da centrifugao como a melhor condio de pr-tratamento para a microfiltrao.

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    .

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    Para os experimentos de microfiltrao, foram centrifugados 68 kg de polpa integral, nas mesmas condies descritas no item 3.2.3, sendo a polpa centrifugada uniformizada e fracionada em bombonas plsticas, previamente sanitizadas, em volumes de dois e quatro litros, para facilitar o descongelamento antes dos experimentos.

    Foi realizado um planejamento experimental com dois fatores, temperatura e tipo de membrana, em dois nveis cada, para avaliar a influncia dos mesmos sobre os compostos bioativos presentes na polpa de aa durante a microfiltrao. Os processos foram realizados em duplicata, sendo testados dois tipos de membrana em sistemas pilotos, um composto por membranas cermicas e outro por membranas polimricas, e duas temperaturas de processamento, 25 e 35C.

    Figura 3.6 - Sistema de microfiltrao com membranas cermicas

    O sistema cermico (Figura 3.6) utilizado composto por quatro membranas tubulares de -alumina com poros de 0,1m e rea filtrante total de 0,022m. As membranas esto dispostas em srie, sendo o permeado coletado de cada membrana por tubos flexveis independentes. O tanque de alimentao, em ao inox, tem capacidade nominal de 4 litros, fechado e encamisado, permitindo o controle da temperatura de processo atravs do acoplamento do

    Foto

    : M

    atta

    , V.

    M

    .

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    sistema de refrigerao. O sistema permite, tambm, acoplar uma entrada de nitrognio gasoso, a fim de diminuir o contato do produto com o oxignio e reduzir as reaes oxidativas.

    Figura 3.7 - Sistema de microfiltrao com membrana polimrica

    O sistema polimrico (Figura 3.7) utilizado composto por uma membrana tubular de polietersulfona com poros de 0,3 m de dimetro e rea filtrante total de 0,05 m.

    A polpa centrifugada, utilizada nos testes de microfiltrao, era descongelada, em processo lento, no dia anterior ao processamento.

    Os processos foram realizados em batelada simples, com recirculao do retido, a uma vazo de recirculao de 900 L/h e diferena de presso aplicada membrana de 3,0 bar. O tempo de processo variou, uma vez que o parmetro utilizado para finalizao do processamento foi o fator de concentrao volumtrica, fixado em 2,0. O fator de concentrao volumtrica (Fc) dado pela equao 3.3.

    Onde; Fc o fator de concentrao volumtrico, Va volume alimentado membrana, em litros e,

    Foto

    : Si

    lva, L.

    F.

    M

    .

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    Vp o volume de permeado, em litros. O acompanhamento dos processos foi realizado pela determinao do fluxo

    de permeado a cada cinco minutos. Nestes mesmos tempos, os valores de volume de permeado acumulado, as presses de entrada e sada e a temperatura eram anotados.

    O fluxo de permeado foi determinado pela medida do tempo necessrio para recolher um determinado volume de permeado e calculado utilizando-se a Equao 3.4.

    Onde; J - fluxo de permeado, expresso em L/hm, V -volume de permeado recolhido, em litros, t - tempo medido no cronmetro, em segundos, a - rea filtrante da membrana, em m.

    Em todos os processos foram retiradas amostras das fraes alimentao, permeado e retido, para serem analisadas posteriormente, a fim de avaliar o efeito dos processos sobre os compostos de interesse.

    3.2.5. Limpeza dos sistemas de microfiltrao Os sistemas de microfiltrao eram lavados e sanitizados de acordo com o

    procedimento descrito no fluxograma abaixo, sempre aps o uso e repetido, quando necessrio.

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    gua filtrada em sistema aberto.

    Recirculao da soluo alcalina (NaOH 1%) a 50C e P=0 bar por

    20 minutos.

    Recircular por mais 10 minutos com P=2 bar.

    gua filtrada em sistema aberto, at o pH do permeado atingir a

    neutralidade.

    Recirculao de soluo cloro-alacalina (NaOH 1% e 200ppm de

    hipoclorito de sdio), a 50c e P=0 bar, por 20 minutos.

    Adicionar 2 gotas de detergente para membranas na soluo cloro-alcalina e recircular por 20 minutos.

    gua filtrada em sistema aberto, at o pH do permeado atingir a

    neutralidade.

    Determinar a permabilidade hidrulica para verificao da

    limpeza.

    Permeabilidade restaurada em 90%?

    SIM

    Sistema limpo.

    NO

    Figura 3.8 - Fluxograma de processo de limpeza dos sistemas de microfiltrao.

    Aps a limpeza era realizada a determinao da permeabilidade hidrulica, a fim de verificar a efi