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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Daniel Laufer O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal Doutorado em Direito São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática

e Político-criminal

Doutorado em Direito

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:

Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em

Direito sob a orientação do Prof.

Dr. Guilherme de Souza Nucci.

São Paulo 2016

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iii

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática

e Político-criminal

Banca Examinadora

____________________________________

____________________________________

____________________________________

____________________________________

____________________________________

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iv

Ao sr. Irineu Laufer, homem de

caráter, exemplo de ser humano e

pai maravilhoso.

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v

Agradecimentos

Este trabalho não seria viável sem a intervenção de tantas e tantas

pessoas que gentilmente me auxiliaram, me apoiaram, me suportaram e me

acolheram. Estou ciente de que ao nominá-las corro o risco de esquecer

alguns nomes, mas deixarei aqui anotado, desde já, o meu pedido de

desculpas por eventuais falhas.

Agradeço às seguintes pessoas a gentileza, o apoio e a amizade:

Daniel Montoya, José Planelles Gil, João Cláudio Mussi de Albuquerque,

Gustavo Cestari Ravedutti, Enrico Batista da Luz, Luiz Henrique Costa

Bonamin, Bruno Costa Bonamin, Fernando Pessôa Weiss, Guy Ubirajara

Meyer, Cassio Luiz Wollman Meyer, Cheiene Meyer, Paulo André Lopes,

Luciana Metzer Lopes, Miguel Angelo Fabro, Cristiano Solak, Fernanda

Metzer Solak, Mauricio Cararo, Lidiane Cararo, Samuel Berger, Viviane

Berger, Luiz Renato Brand, Hassan Annan, Cassiano Prado, Liguaru Espirito

Santo Neto, Flavia Trevizan, Maria Francisca Accioly Fumagalli, Adriano

Bretas, Juliana Colle Bretas, Guilherme Brenner Lucchesi, Tracy Reinaldet,

Marlus H. Arns de Oliveira, Francisco Assis Monteiro Rocha Junior, Luiz

Antonio Câmara, Décio Franco David, Bibiana Fontella, Camila Forigo,

Gustavo Bitencourt, João Rafael de Oliveira, Augusto Assis, Alaor Leite,

Heloisa Estellita, Edward Rocha de Carvalho, Paulo Busato, Alexandre

Ramalho de Farias, Jacson Zilio, Marina Egydio de Carvalho, Sylvia Chaves

Lima, aos amigos e colegas professores da PUCPR, bem como à Direção da

Escola de Direito e ao Decanato da Escola de Direito.

Aos colegas do curso de doutorado da PUC-SP fica aqui meu

registro de agradecimento e sincera admiração.

Agradeço igualmente:

Às minhas amigas Carla Domenico e Ana Lúcia Penón Gonçalves,

por estarem ao meu lado, pela confiança e pela amizade.

Ao amigo Eversong Paulo Zuba, um verdadeiro guerreiro, homem

sábio, bom e competente, fica aqui o meu muito obrigado, ainda que seja

pouco por tudo o que já fez por mim.

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Aos amigos Benjamin Lins de Barros Lemos, Tiffany Lins de Barros

Lemos, Érico Hack, Carolina Hack, Otávio Hack e Augusto Hack, pela

irrestrita amizade, apoio e carinho.

Ao amigo Bernardo Strobel Guimarães, pelo companheirismo e

irrestrito apoio.

Aos amigos Luis Felipe Echeverria Nasser, Lucas Dalmolin e

Guilherme Luiz Meotti, por todo o incondicional apoio prestado a mim e aos

clientes do escritório e por acreditarem em mim.

Aos professores Dirceu de Mello, Alessandra Greco e Waléria

Garcelan Loma Garcia. Muito obrigado por compartilharem a experiência e o

conhecimento.

Ao professor Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior, responsável por me

fazer gostar ainda mais do Direito.

Às amigas e professoras, que muito admiro, Priscilla Placha Sá e

Renata Ceschin Melfi de Macedo, e seus respectivos esposos, Jonathan Sá e

Márcio Macedo, o meu muito obrigado, por tudo, sempre.

Ao amigo e professor Kleber Bez Birolo Candiotto, um mágico das

ideias e um filósofo de mão-cheia, pelas palavras, críticas e sugestões num

momento em que me encontrava num beco sem saída.

Aos professores Drs. Paulo Amador da Cunha Bueno e Gustavo

Diniz Junqueira. As ponderações feitas na banca de qualificação foram de

enorme valia para a conclusão e apresentação desta tese.

Ao Departamento de Direito Penal da Universidade de Salamanca,

agradecimento este que faço na pessoa do Prof. Dr. Eduardo A. Fabian

Caparrós, pela gentil e imediata acolhida e, em especial, por todo o acervo

bibliográfico compartilhado.

Ao IBCCRIM por todo o apoio bibliográfico, agradecimento este que

faço nas pessoas de suas talentosas e prestativas bibliotecárias.

Ao meu querido e atencioso orientador, Professor Dr. Guilherme de

Souza Nucci, pelo apoio incondicional, pelos valiosos e inestimáveis

ensinamentos, pela oportunidade, por ter acolhido um forasteiro, pela

sinceridade; se já o admirava como profissional e notável estudioso, passei

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também a admirá-lo como um ser humano gentil e que só faz o bem a quem o

cerca.

Para todos os familiares que tanto torceram por mim e me

apoiaram, o que faço na pessoa do tio Jorge Brunetta.

Aos meus pais, sr. Irineu e sra. Geni, toda e qualquer palavra ou

agradecimento sempre ficará por demais distante do justo e do adequado.

Desde o meu nascimento até hoje nunca me deixaram faltar nada, de comida

a carinho, de educação a amor, de atenção a caráter, muito embora isso

tenha sido feito mediante inúmeros sacrifícios pessoais. Sorte, destino ou

merecimento meu, pouco me importa. A verdade é que meu amor e minha

gratidão por eles são irrestritos e incondicionais. Ao meu pai, um

agradecimento adicional pela gentileza de revisar este trabalho.

Para a minha família querida, meu núcleo, meu ponto de apoio,

minha base, minha fortaleza, Felipe, Flavia, Liz, Martina, Christian, Lorraine,

Ivan, Maria, Eduardo, Vanessa, Luana e Marina. Perdoem-me a ausência, a

falta de tato, de carinho e de tempo. Fica aqui o meu agradecimento por todo

o apoio recebido durante o longo tempo dedicado à conclusão deste estudo.

E, em última instância e em caráter absoluto, o meu agradecimento

para a Handressa Karine Dallolmo Laufer, a apaixonante, linda e incrível

mulher que me tornou o homem mais feliz do mundo. Não existem palavras

para agradecer o seu amor, a sua compreensão, o seu incondicional apoio e

a sua cumplicidade.

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Resumo Daniel Laufer O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e Político-criminal

O presente trabalho pretende realizar a releitura de aspectos típico-dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da imparcialidade do servidor público a ser tutelado nos delitos de corrupção ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa sobre o tema. A qualidade e a quantidade dos crimes praticados contra a administração pública em território brasileiro, notadamente a corrupção, acompanhados de legislação desatualizada, justificam sobremaneira esta investigação teórica. O estudo foi permeado pela análise das doutrinas brasileira e estrangeira, extraindo-se as consequências úteis à pesquisa que foi desenvolvida a partir da fixação de algumas premissas conceituais e da análise do momento atual da corrupção dentro e fora do Brasil. Em seguida foi estipulado o <<princípio da imparcialidade do servidor público>> como o bem jurídico a ser tutelado pelas figuras de suborno ativo e passivo. A partir daí foi possível não só criticar a legislação brasileira como também realizar uma releitura dos delitos previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal, inclusive apontando nova redação aos tipos penais, a partir de algumas constatações sobre a lei brasileira, tais como a indevida criminalização da corrupção passiva, a necessidade de manutenção do ato de ofício como elemento dos tipos de suborno e a desproporcionalidade das penas cominadas. Considerando, por fim, a atrofia da política criminal brasileira direcionada à corrupção, também foram analisadas as estruturas das medidas cautelares pessoais, das medidas cautelares reais, da colaboração premiada, da organização criminosa, dos crimes hediondos e do criminal compliance, que, se devidamente aplicadas e interpretadas, podem reverter em benefícios para a correta aplicação da norma penal sobre a corrupção. Palavras-chave Direito penal Corrupção Suborno Crimes praticados contra a administração pública Criminal compliance

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Abstract Daniel Laufer The Offense of Bribery: Criticisms and Proposals of Dogmatic Order and Criminal Policy

This present work intends to perform a new reading of typical-dogmatic aspects and criminal policy starting from the identification of public administrators impartiality to be protected in active and passive corruption offenses, including proposals for legislative alterations on the subject. The quality and quantity of crimes against the public administration in Brazil, notably corruption, accompanied by outdated legislation, greatly justify this theoretical investigation. The study was permeated by the analysis of Brazilian and foreign doctrines, extracting the consequences from it, useful to the research that has been developed from the establishment of some conceptual assumptions and analysis of the present situation of corruption within and outside Brazil. Following this, the <<imparciality principle concerning public administrators>> was stipulated as the legal right to be protected by active and passive bribery figures. From this point it was possible not only to criticize the Brazilian law but to reinterpret the offenses set forth in Articles 317 and 333 of the Penal Code, as well as pointing out a new vocabulary to criminal types, taking them from some observations on the Brazilian law, such as the improper criminalization of passive corruption, the need to maintain the official act as an element of bribery types and the disproportion of the stipulated penalties. As a final consideration, the atrophy of the Brazilian criminal politics aimed at the corruption, the structures of the personal precautionary measures were also analyzed, as well as those of real precautionary measures, of award-winning collaborations, of criminal organizations of heinous crimes and criminal compliance, which, if properly applied and interpreted, could benefit to the correct application of the criminal law on corruption. Keywords Criminal law Corruption Bribery Crimes against public administration Criminal compliance

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Sumário

Agradecimentos .............................................................................................. v

Resumo ........................................................................................................ viii

Abstract .......................................................................................................... ix

INTRODUÇÃO. ............................................................................................... 1

1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS

E CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO. ....................................................... 5

1.1. O conceito de corrupção. ............................................................................. 5

1.1.1. O conceito léxico-semântico. ................................................................. 6

1.1.2. O conceito doutrinário. ........................................................................... 7

1.1.3. Tomada de posição. ............................................................................ 10

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil. ................................. 11

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual. .................................................... 18

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância

para a corrupção. ........................................................................................... 19

1.3.2. Alguns aspectos de crise do Estado atual. .......................................... 27

1.3.3. O enfrentamento global da corrupção. Por que agora? ....................... 31

1.3.4. Tratados internacionais. ....................................................................... 38

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção. .... 49

1.4.1. Causas. ................................................................................................ 49

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro. ...................................... 56

1.4.2. Consequências. ................................................................................... 61

1.5. A corrupção e o delito de corrupção. O recorte necessário à analise do

tema. ................................................................................................................. 66

2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL.

..................................................................................................................... 72

2.1. Breve histórico. .......................................................................................... 72

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2.2. Legitimidade da tutela penal. O bem jurídico tutelado nos delitos de

corrupção em sentido estrito. ............................................................................ 76

2.2.1. Premissas. ........................................................................................... 76

2.2.2. O bem jurídico tutelado por meio do delito de suborno. ....................... 79

2.3. Posicionamento. ......................................................................................... 91

3. A ESTRUTURAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E

PASSIVA NO DIREITO BRASILEIRO. .......................................................... 96

3.1. A estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva........................ 96

3.1.1. O aspecto real e o aspecto jurídico dos delitos de corrupção ativa e

passiva. .......................................................................................................... 97

3.1.2. A ausência de obrigatória bilateralidade entre os delitos de corrupção

ativa e passiva. .............................................................................................. 99

3.1.3. A possível bilateralidade de algumas condutas. .................................102

3.2. Tomada de posição. As consequências do modelo unilateral adotado pelo

direito brasileiro. ...............................................................................................104

3.2.1. Tipos penais independentes. ..............................................................104

3.2.2. Atipicidade da conduta de dar ou entregar a vantagem indevida

solicitada pelo funcionário público. ...............................................................105

3.2.3. Ato de ofício como elemento típico apenas está presente na corrupção

ativa. .............................................................................................................109

3.2.4. A exigência normativa do ato de ofício para a conformação do tipo

penal de corrupção passiva. .........................................................................113

3.2.4.1. Posicionamentos favoráveis à exigência. .....................................113

3.2.4.2. Posicionamentos contrários à exigência.......................................119

3.2.5. Conclusões críticas ao inadequado modelo brasileiro e considerações

sobre eventual inovação normativa. .............................................................123

3.2.5.1. Conclusões críticas.......................................................................123

3.2.5.2. Considerações sobre a criação de tipos privilegiados de corrupção

ativa e passiva. ..........................................................................................133

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3.3. O ato de ofício como elemento dos tipos penais de corrupção. ................142

3.3.1. Conceito. .............................................................................................142

3.3.2. O grau de determinação do ato de ofício. ...........................................152

3.4. As modalidades de corrupção ativa e passiva no direito penal brasileiro.

Condutas típicas e possíveis lacunas de punibilidade. ....................................154

3.5. O sujeito ativo nos delitos de corrupção ativa e passiva. Especial atenção

ao conceito de funcionário público. ..................................................................158

3.6. A vantagem indevida como elemento dos tipos penais de corrupção ativa e

passiva. ............................................................................................................171

3.6.1. Conceito e tomada de posição............................................................171

3.7. As penas cominadas aos delitos de corrupção ativa e passiva. Natureza e

quantidades......................................................................................................181

4. MEDIDAS DE POLÍTICA CRIMINAL PARA O ENFRENTAMENTO DA

CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ............................................................. 195

4.1. As medidas cautelares pessoais. ..............................................................195

4.2. As medidas cautelares reais. ....................................................................212

4.3. Delação premiada e o desvelamento do lado oculto da corrupção.

Possibilidades. Experiências do direito comparado. ........................................226

4.4. Organização criminosa e corrupção. .........................................................241

4.5. Propostas de alteração legislativa: corrupção ativa e passiva como crime

hediondo. .........................................................................................................255

4.6. Os programas de cumprimento de normas ou compliance. O rendimento

desta categoria para os delitos de corrupção em sentido estrito. ....................262

CONCLUSÕES E PROPOSTAS. ................................................................ 276

BIBLIOGRAFIA. .......................................................................................... 284

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INTRODUÇÃO.

O presente trabalho visa a releitura de aspectos típico-

dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da imparcialidade

do servidor público como o bem jurídico a ser tutelado nos delitos de

corrupção ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa.

Para que o objetivo do trabalho pudesse ser atingido, foram

abordados alguns aspectos conceituais no primeiro capítulo, justamente para

tornar viável o desiderato proposto. Assim, foram apresentadas algumas

definições e conceituações de corrupção, basicamente a partir da

identificação dos conceitos léxico-semântico e dogmático para, ao final, ser

apresentado um posicionamento a respeito que possibilitasse uma separação

entre conceitos de corrupção em sentido amplo e em sentido estrito e, sobre

este, se construiu o presente trabalho.

Também no capítulo primeiro foi realizado um breve histórico da

corrupção, com ênfase na história brasileira para, num segundo momento, ser

percorrida a discussão do assunto no atual contexto mundial. A apresentação

da envergadura que a corrupção assumiu na agenda mundial, o que também

redunda em analisar o motivo deste protagonismo, forçou investigar a

concepção de Estado, os aspectos da atual crise do Estado e, também, os

tratados internacionais incidentes sobre o tema. O caminho trilhado, no

capítulo inicial, igualmente analisou as principais causas e consequências do

atuar corruptivo para, ao final, realizar um recorte de modo a separar a

corrupção como fenômeno (não obrigatoriamente penal) do delito de

corrupção (este sim, penal).

O segundo capítulo cuidou, além de elencar um breve histórico

da legislação brasileira a respeito dos tipos penais de corrupção, de fixar a

premissa maior para a construção da tese, ou seja, a identificação do bem

jurídico tutelado por meio dos delitos de suborno ativo e passivo. Sem querer

adentrar no mérito da teoria do bem jurídico, o que fatalmente faria o estudo

desbordar dos limites técnicos e científicos propostos, tratou-se de ressaltar a

importância do bem jurídico como dado fundamental para a realização

pessoal do cidadão e da coletividade e, no mesmo sentido, essencial para a

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formatação das dimensões formal e material da norma penal. Por último, uma

vez analisados os principais posicionamentos a respeito do bem jurídico

protegido pela norma penal em casos de corrupção ativa e passiva, foi

possível estabelecer uma tomada de posição que figurasse como vetor

principal na reanálise da legislação penal e processual penal brasileiras

direcionada à corrupção em sentido estrito.

O terceiro capítulo se dedica à promoção das análises dogmática

e normativa dos tipos penais presentes nos artigos 317 e 333 do Código

Penal brasileiro. Para tanto, se iniciou pela descrição da estrutura típica dos

delitos de corrupção ativa e passiva, pelos aspectos real e jurídico dessas

estruturas, que tornou obrigatória a perquirição de eventual bilateralidade

obrigatória sobre as estruturas típicas.

A partir disso passou-se a confeccionar a leitura dos delitos que

se pretende correta, a partir da identificação de uma estrutura equivocada,

mas presente na legislação brasileira, denominada <<unilateralidade absoluta

independente>> bem como as decorrências desta estrutura que, entre outras,

incide frontalmente sobre o ato de ofício como elemento integrante (ou não)

dos crimes em análise.

No mesmo capítulo foi ainda conceituado o ato de ofício e a real

e concreta determinação deste para uma adequada interpretação das figuras

penais. Ainda a partir do prisma do bem jurídico identificado no capítulo

segundo, o capítulo terceiro tratou de demonstrar as condutas típicas e

eventuais lacunas de punibilidade no direito brasileiro, permear uma acepção

segura do sujeito ativo do delito de corrupção passiva (funcionário público)

bem como lançar olhos tanto no veículo financeiro motivador dos crimes de

corrupção (vantagem indevida) como nas respostas penais oferecidas pela

legislação brasileira.

Por fim, o quarto capítulo buscou coordenar esforços a serem

direcionados para a identificação e reanálise das medidas de política criminal

confiáveis ao enfrentamento do atuar corruptivo incrustado na administração

pública brasileira, com o cuidado para alertar que medidas eficazes ou

eficientes não podem sobrepujar as garantias indiv iduais asseguradas

constitucionalmente.

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Como leitura integral do sistema penal repressivo que recebe do

bem jurídico <<imparcialidade do servidor público>> ao mesmo tempo seu

objetivo e limite nas categorias processuais e político-criminais, foram

analisadas as medidas cautelares pessoais, as medidas cautelares reais, a

delação premiada, a organização criminosa (conceito e crime associativo), as

propostas de tornar a corrupção ativa e passiva crimes hediondos e, por fim,

os programas de compliance e sua capacidade de rendimento ao fenômeno

da corrupção.

No primeiro subitem (4.1.) foi perpassada a categoria das

medidas cautelares pessoais, com notória ênfase na prisão preventiva. Há a

necessidade de retirar a atrofia inerente à parte das decisões jurisprudenciais

que insistem em ver na segregação da liberdade do acusado uma arma de

verdadeiro “combate” à corrupção. Pretendeu-se fixar limites para essa

prática, sempre em busca de, analisado o bem jurídico a ser tutelado,

reservar a limitação da liberdade a critérios mais seguros e concretos.

Não há como traçar a política criminal em desfavor da corrupção

sem a utilização de medidas assecuratórias de natureza processual-real, ou

seja, medidas cautelares que busquem a garantia de o responsável pelos

atos de corrupção responder efetivamente, uma vez apenado, com medidas

que o limitem e o atinjam patrimonialmente, seja em seu caráter reparador-

indenizatório ao Estado e a demais intervenientes lesados, seja em seu

caráter material-sancionador, tendo sido tais medidas reais tratadas no

subitem 4.2.

A colaboração premiada, descrita no subitem 4.3., surge

atualmente como importante ferramenta utilizada pelas agências repressoras,

em especial pela capacidade de desvelar as ocorrências de corrupção,

geralmente sigilosas. Buscou-se apontar a realidade das normas vigentes no

ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema bem como traçar alguns

filtros para a sua correta aplicação, almejando com isso que a eficiência não

dê lugar ao arbítrio, este já certamente verificado pelos operadores do Direito,

obviamente em situações pontuais.

O subitem 4.4. cuidou da integração entre os temas corrupção e

organização criminosa. A sinergia entre estes dois assuntos é tão evidente

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que as Convenções da ONU de Palermo e de Mérida cuidaram, cada uma a

sua maneira, de ambos os assuntos, inclusive conjuntamente. O

enfretamento político criminal nesta matéria, como também em outras que

tangenciam a corrupção, é precipuamente preventivo e faz o Estado antecipar

suas barreiras de criminalização. Os delitos associativos, dentre os quais o

delito de pertencer a uma organização criminosa, bem apontam para esta

política criminal. O objetivo foi, porém, demonstrar que existem limites a

serem ponderados neste emprego de métodos preventivos, limites estes que

podem ser encontrados no objeto de tutela dos delitos associativos e na

quantidade e qualidade da repressão penal empregada.

Como há tentativa legislativa em curso para tornar hediondos os

delitos de corrupção ativa e passiva, o subitem 4.5. tratou de demonstrar a

incoerência de tal proposta, haja vista se tratar de claro intento simbólico e de

emergência penal, que nada trará de concreto ao tema a não ser a falsa

noção de tutela adequada. Procurou-se evidenciar que a crise de legalidade

incidente no Estado brasileiro não pode e nem deve proporcionar reformas

legislativas que, além da repressão desmedida e inconsequente, não fazem

mais do que confirmar a incapacidade de o Estado administrar a coisa pública

e diminuir as ocorrências de corrupção a níveis satisfatórios sem que, para

isso, tenha que recorrer obrigatoriamente ao recrudescimento das sanções de

natureza criminal.

Por fim, o subitem 4.6. apresentou os programas de

cumprimento, popularmente difundidos como compliance ou criminal

compliance, em especial o cunho preventivo destes e o consequente

chamamento de agentes privados para o enfrentamento dos atos de

corrupção. Tratando-se de tendência mundial, exposta em diversos

ordenamentos estrangeiros como também em organismos internacionais (soft

law), o criminal compliance assume papel preponderante no Direito penal da

corrupção, a partir do momento em que aborda aspectos de imputação penal

e de produção de provas a serem utilizadas em processos de natureza

criminal.

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1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS E

CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO. 1.1. O conceito de corrupção.

Afirmar que o conceito de corrupção é polissêmico, poliédrico1 ou

multifacetado2 é, para além de um lugar comum, um fato irretorquível.

Contudo, não há como se desobrigar de seu enfrentamento, quanto mais se

considerado o objetivo deste trabalho. Como era de se esperar, diante destas

características, um conceito unívoco e consensual daquilo que se

compreende por corrupção é tido por diversos estudiosos como inexistente.3

Aplica-se à corrupção à analogia do elefante: difícil de definir e, ao mesmo

tempo, fácil de identificar quando se depara com um.4

Para os cidadãos brasileiros, talvez, a definição seja ainda mais

difícil, uma vez que o Código Penal traz o tema corrupção encampado

1 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 81. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov/dez 2009. p. 9. 2 Aduz Fernando FILGUEIRAS que “múltiplas práticas sociais e políticas podem ser nomeadas como corrupção, de modo que o conceito se apresenta de forma árida aos instrumentais da ciência política e da sociologia.” FILGUEIRAS, Fernando. Comunicação política e Corrupção. In: Revista de Estudos Comunitários, Curitiba, v. 9, n. 19, maio/agosto de 2008. p. 78, ao que se pode incluir que o campo árido também se espraia para a ciência jurídica. Tal como FILGUEIRAS, vide ELLIOTT, Kimberly Ann. A corrupção como um problema de legislação internacional: recapitulação e recomendações. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002; VELASCO, Roberto. Las cloacas de la economía. Madrid: Catarata, 2012. p. 27; LASCANO, Carlos J. Funcionarios públicos corruptos, empresarios corruptores y derecho penal. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Coyoacán, 2007. p. 95. 3 SCHILLING, Flávia. Corrupção: ilegalidade intolerável?: comissões parlamentares de inquérito e a luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). São Paulo: IBCCrim, 1999. p. 44; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia democrática. Madrid: Clamores, 2000. p. 93; CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción en la contratación pública en Europa. Salamanca: Ratio Legis, 2009. p. 27, sendo que para este último o problema da definição da corrupção não se assenta em teorias incorretas, mas sim em razão de que cada teoria que se propõe a debater tal conceito parte de um pressuposto básico distinto (ora o mercado, ora o abuso de poder, ora a obtenção de um benefício extraposicional). CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción ..., p. 30; MILESKI, Helio Saul. O Estado contemporâneo e a corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 344 e 345, 359. 4 Cf. ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas y consecuencias de la corrupción: una revisión de la literatura. In: Corrupción, cohesión social y desarrollo: el caso de Iberoamérica. Madrid: FEC, 2011. p. 21.

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sobre as vertentes de suborno e perversão.5 Inclusive, o fenômeno corrupção

pode ser confundido e até resumido ao tipo penal de corrupção, seja ela ativa

ou passiva (artigos 333 e 317 do Código Penal, respectivamente), providência

esta que não está amparada por correção técnica, semântica ou dogmática.

1.1.1. O conceito léxico-semântico.

Nada obstante, pode-se partir inicialmente de um ponto de vista

meramente semântico.

Deste modo, é fato que a palavra corrupção advém do termo

latino rumpere6, que significa quebrar, romper, o rompimento de um estado de

coisas que se encontrava, até então, correto.

Na mesma toada afirma José María SIMONETTI: “Para nosotros, el término “corrupción” procedería, en cambio, de corrumpere. Esta es una composición lingüística que, aunque suena parecido, se ha desarrollado a partir de la partícula cum y otra forma verbal latina: el verbo rumpo, rumpis, rumpere, rupsi, ruptum, que literalmente significa romper. (...) Por esa doble estructura, la expresión corromper siempre reconoce la presencia de dos partícipes en el acto, que se corresponden con dos espacios o esferas; el corruptor y el corrupto; la fuerza que corrompe y aquella cosa, persona o proceso sobre el que recae y que, en definitiva, es lo que se echa a perder, se pudre, se corrompe.”7

Esta noção semântica da palavra pressupõe, segundo

SCHILING, a existência de determinada natureza que seria retirada, roubada

ou desviada de sua própria finalidade.

Assim, segundo a autora: “Esta ideia supõe a existência de uma natureza que é arrebatada, retirada, roubada, desviada, transferida de seu próprio fim. Corromper é, desta forma,

5 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 38. Tanto é assim que o termo corrupção é trazido no Código Penal para a definição de crimes contra a administração pública (v.g., corrupção passiva, art. 317 do Código Penal), de crimes contra a dignidade sexual (v.g. corrupção de menores, art. 218 do Código Penal) e de crimes contra a saúde pública (v.g., corrupção de água potável e de produtos alimentícios, arts. 271 e 272 do Código Penal). 6 Neste sentido MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción. Aspectos éticos, económicos, políticos y jurídicos. Barcelona: Gedisa, 2002. p. 22; CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano J. Aproximaciones a una teoría de la corrupción. In: Problemas actuales de derecho penal. Gustavo Balmaceda Hoyos (coordenador). Santiago: Ediciones Jurídicas de Santiago, 2007. p. 506. 7 SIMONETTI, José María. Notas sobre la corrupción. In: Pena y Estado. Corrupción. Año 1. Número 1. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1995. p. 175-176.

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desnaturalizar, desviar uma coisa do fim para o qual naturalmente tende. No aspecto individual, supõe-se uma natureza humana sendo desviada de seu curso. No aspecto social, supõe-se uma sociedade com normas claras, gerais e operantes, com as leis homogeneamente compreendidas e aceitas e com o ato corruptor vindo a degradar o estado das coisas. Esta definição imprime sua força nas mais diversas orientações analíticas da corrupção, sendo dominante em estudos que seguem uma vertente “tradicional” ou “legalista”.”8

A definição semântica de corrupção, muito embora dê um

contexto para a discussão, não resolve por completo a questão em torno do

conceito do termo corrupção.

1.1.2. O conceito doutrinário.

Dessarte, dentro de um grande universo de definições

conceituais, há três que muito se aproximam sobre o que pode ser entendido

por corrupção em sentido amplo. Trata-se das definições trazidas por Ernesto

GARZÓN VALDÉS, por Jorge F. MALEM SEÑA e por Joaquín GONZÁLEZ.

Ernesto GARZÓN VALDÉS apresenta a corrupção como “la

violación limitada de un obligación por parte de uno o más decisores con el

objeto de obtener un beneficio personal extraposicional del agente que lo(s)

soborna o a quien extorsiona(n) a cambio del otorgamiento de beneficios para

el sobornante o el extorsionado que superan los costes del soborno o del

pago o servicio extorsionado.”9

Por sua vez, Jorge F. MALEM SEÑA concebe a corrupção como

sendo os atos “que constituyen la violación, activa o pasiva, de un deber

posicional o del incumplimiento de alguna función específica realizados en un

marco de discreción con el objeto de obtener un beneficio extraposicional,

cualquiera sea su naturaleza.”10

Já Joaquín GONZÁLEZ define prática corrupta como “toda

acción u omisión tendente a obtener una ventaja ilícita de cualquier

naturaliza, ya sea para sí o para otro, llevada a cabo con violación de un 8 SCHILLING, Flávia. Corrupção ..., p. 45. 9 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto de corrupción. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 23. 10 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción …, p. 35.

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deber jurídico por quien se halla en una posición singular, y de la cual se

deriva un perjuicio efectivo para tercero o el riesgo de su producción.”11

A mera leitura dos conceitos acima não evidencia os

pressupostos básicos da corrupção. Urgem, pois, algumas explicações

posteriores, em especial sobre os fatores determinantes desta conceituação

assim expostos: violação de um dever posicional, sistema normativo de

referência, inexistência de correlação imediata com o Direito Penal, obtenção

de benefício adicional ao já obtido pelo agente em sua posição e a existência

de sigilo e discrição nas práticas corruptas.

Assim é que um ato de corrupção redunda na violação de um

dever posicional, dever este retirado de uma especial posição ostentada por

determinada pessoa. Tal violação pode ocorrer de forma ativa ou passiva e

também entre agentes públicos e privados.12

Segundo GARZÓN VALDÉS os deveres posicionais se

distinguem dos deveres tomados por naturais: “4. Los deberes posicionales deben ser distinguidos de los llamados deberes naturales. Estos valen para todos y con respecto a todos los individuos, sin que importe el papel social que ellos desempeñen. De estos deberes se ocupa la “moral natural”. En cambio, aquéllos se adquieren a través de algún acto voluntario en virtud del cual alguien acepta asumir un papel dentro de un sistema normativo; su ámbito de validez está delimitado por las reglas que definen la posición respectiva. La moral que se ocupa de los deberes posicionales suele ser llamada “moral adquirida”.13 Em seguida é passível de se apontar que a corrupção demanda

um sistema normativo que lhe sirva de referência.14 Textualmente MALEM

SEÑA pontifica que “la noción de corrupción es parasitaria de un sistema

normativo.”15 E tal sistema – aqui considerado como “todo conjunto de regras

que – em cada caso concreto – regulam uma prática social”16, pode ser de

ordem ética, jurídica, econômica, desportiva ou política e, inclusive, tocar

mais de uma destas ordens.

11 GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p. 104. 12 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 32; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p. 103 e 104. 13 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 15. 14 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 14. 15 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33. 16 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 14.

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A relação entre violação de um dever imposto por determinado

sistema normativo referencial outorga a obrigatoriedade de vigência e

observância de tal sistema normativo. A conclusão a que se chega sobre um

determinado comportamento corrupto demanda, sem dúvida, a existência de

um sistema normativo vigente e cujas regras sejam observadas pelas

pessoas por ele atingidas. Do contrário, se as práticas corruptas se tornam a

regra e não mais a exceção não se teria um sistema normativo apto a

desnudar as práticas corruptas daquelas que não o sejam.17

De outro canto, a corrupção e os atos derivados dela nem

sempre se associam a algum ilícito jurídico-penal.18 A escolha de quais atos

de corrupção serão tomados como delitos em sentido estrito, como infrações

administrativas ou até como atos lícitos do ponto de vista jurídico é, como se

sabe, privativa do legislador.19

O acima denominado benefício extraposicional, ou seja, um

benefício adicional à posição ostentada por determinado agente público ou

privado, se apresenta como a quarta característica ínsita ao conceito de

corrupção. Grosso modo pode-se afirmar que os atos de corrupção estão

vinculados à obtenção de tal benefício, o qual, se por um lado em regra de

natureza econômica, também poderá ser de índole política, sexual,

profissional, moral, entre outras.20

Neste pormenor reside um aspecto relevante. Se o objetivo da

prática corrupta envolve a obtenção de um benefício não programado e,

17 GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia ..., p. 95. Da mesma forma GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 22 e 23. 18 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33. Em idêntico sentido, mas ressaltando o caráter residual do direito penal, vide DÍAZ Y GARCIA CONLLEDO, Miguel. El derecho penal ante la corrupción política y administrativa. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 118. 19 A exemplo do que ocorre nas distinções entre a lei de improbidade administrativa (Lei n. 8429/92) e as figuras típico-penais de corrupção presentes no Código Penal. Sobre a diferença entre a sanção administrativa e a sanção penal vide, em sentido obrigatório, OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 192 a 197. Sob a racionalidade das leis penais vide DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005 bem como AROCENA, Gustavo. La racionalidad de la actividad legislativa penal como mecanismo de contención del poder punitivo estatal. In: Política criminal, Talca, n. 6, A 1-6, pp. 1-15, 2008, disponível em www.politicacriminal.cl/n_06/a_1_6.pdf, acesso em 27 de outubro de 2014, às 23h05min. 20 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 16 e 17.

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assim, adicional, o corrupto se encontra em um conflito de motivações e

interesses, eis que “el corrupto suele desear conservar su posición en el

sistema, ya que es ella la que permite obtener tanto la remuneración regular

como la ganancia adicional.”21

Por fim, a corrupção tende a desenvolver num marco de segredo,

sigilo e discrição.22 Tal característica é um tanto óbvia ante a corrupção

revelar o descumprimento de um dever – trazendo consigo o signo de

deslealdade – isto é, a quebra de uma obrigação que poderá trazer

consequências àquele que assim proceder.

1.1.3. Tomada de posição.

Ora, do ponto de vista de ocorrência fática ou fenômeno, a

corrupção realmente se enquadra nas definições acima retratadas, mais

especificamente com as seguintes características:

(i) o exercício do poder público em benefício próprio, desviando-

o de suas finalidades, é tão antigo quanto a própria existência da

sociedade23, de modo que são inúmeras as abordagens conceituais para a

definição da corrupção;

(ii) o fenômeno da corrupção não resulta em plena identificação

com figuras típicas do ponto de vista penal24; pelo contrário, não existe um

delito de corrupção (muito embora exista problema25 de definição linguística

na legislação brasileira a ser explicada mais a frente), mas sim no conceito

amplo de corrupção se inserem condutas que, podendo ou não vulnerar

21 GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 19. Adiciona o citado autor: “Dicho con otras palabras: el problema práctico con el que se ve enfrentado el corrupto es el de cómo conciliar la existencia simultánea del sistema normativo relevante y del subsistema de corrupción que tan provechoso le resulta.” El concepto ..., p. 20. 22 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 34. 23 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho penal: …, p. 11. 24 Cf. CARTOLANO SCHIAFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 538. 25 Bem apontado também por SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>. Teoria e riforma dei delitti di corruzione pubblica. Milano: Giuffrè, 2003. p. 03, oportunidade em que alerta para tal ocorrência igualmente na legislação e realidade italianas.

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interesses penalmente protegidos26, acabam por desfigurar finalidades

institucionais para que se privilegiem interesses particulares27;

(iii) isso posto, torna-se possível estipular a diferença entre

corrupção como fenômeno social e normativo (corrupção lato sensu) e

corrupção como delito; e, dentro do âmbito penal, os diversos delitos de

corrupção, dentre eles os delitos de corrupção ativa e passiva (corrupção

strictu sensu);

(iv) a essência do conceito da corrupção lato sensu reside na

conduta de determinada pessoa que, vinculada normativamente com

interesses alheios, públicos ou privados, os descumpre em detrimento de

interesses particulares, próprios ou de terceiros28.

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil. “A corrupção é um traço distintivo das sociedades humanas ao

largo do tempo e do espaço, sendo muito numerosos os casos que

corroboram esta afirmação.”29 Esta afirmação de Roberto VELASCO resume

a certeza de que a corrupção acompanha o homem30 a tal ponto de poder se

afirmar que a corrupção sempre infligiu a vida em sociedade, de modo que a

análise historiográfica da corrupção daria azo a uma sede própria de

investigação e discussão.

26 KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible el en Estado, la economía y la sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, Talca, n. 3, A1, disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf, p. 2, acesso em 25 de novembro de 2015, às 00h33min. 27 QUERALT, Joan J. Reflexiones marginales sobre la corrupción. In: Revista Crítica Penal y Poder, Observatorio del sistema penal y los derechos humanos, Barcelona, n. 02, 2012. p. 22. 28 Cf. CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 537. 29 VELASCO, Roberto. Las cloacas …, p. 27. Tradução livre. No mesmo sentido COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção. Coimbra: Coimbra Editora, 1987. p. 05; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 3. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 469. 30 ACOSTA, Alberto. Prólogo a la obra Corrupción, corregida y aumentada de José María Tortosa. Barcelona: Icaria Editorial, 2013. p. 5 e 7. Categoricamente Edmundo OLIVEIRA: “A verdade é que, desde que o mundo é mundo, os homens de bem lutam consigo mesmos para extirpar de si o micróbio da corrupção moral, e as sociedades organizadas lançam mão de todos os meios possíveis para erradicá-lo.” Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 02. De igual forma ACOSTA, Alberto. Prólogo …, p. 07-08.

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Neste trabalho é despiciendo ir tão longe. Basta referenciar

fatos, acontecimentos e momentos históricos primordiais (com destaque ao

Brasil) – associados às normas penais então em vigor – para lançar-se uma

das premissas deste trabalho, qual seja o motivo do porquê e do agora (item

2.3. infra) da corrupção bem como apoiar-se na história das “organizações

institucionais, legislativas, judiciais, dentre outras, que se revelaram como

fomentadoras de práticas corruptas no passado e, assim, vislumbrar linhas

orientativas para alterações da realidade presente.”31

Deste modo, a corrupção não ocupava espaço normativo no

Código de Hamurabi, no Egito, nem tampouco para os hititas e para os

hebreus.32 Já para os gregos, em que pese tenha ocorrido um tratamento

jurídico mais acurado, tampouco a corrupção ocupava lugar de maior

destaque. Menciona Edmundo OLIVEIRA: “A partir da fase clássica, houve três tipos de delitos de funcionários contra a administração pública: a) o peculato (Klopês); b) a corrupção (Dóron); c) o abuso de autoridade (Ádikía). Klopês é nome genérico dos crimes contra o patrimônio; Dóron significa dádiva e corresponde à corrupção de funcionário público, ativa ou passiva; Ádikía, em sentido genérico, é injustiça; no caso específico é o abuso de autoridade. Esses nomes provinham da denominação conferida às ações populares (Graphè) concedidas aos cidadãos em cada caso. Graphè klopês, Graphè dóron, ádikía. Essas ações eram facultadas não propriamente como um direito subjetivo público, mas como arma de defesa da pólis (cidade, no sentido de Estado). Mais tarde aparece um delito específico de corrupção dos juízes e a respectiva ação (graphè dekasmou). Dekasmós significa suborno.”33

Foi em Roma, mais precisamente na fase do Império34, que a

corrupção obteve, nas palavras de Edmundo OLIVEIRA, “tratamento

31 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção na história do Brasil: reflexões sobre suas origens no período colonial. In: Temas de Corrupção & Compliance. Alessandra Del Debbio, Bruno Carneiro Maeda e Carlos Henrique da Silva Ayres (coordenadores). São Paulo: Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 02. 32 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 05 a 15; LIVIANU, Roberto. Corrupção e direito penal. Um diagnóstico da corrupção no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 34-36. Obrigatória é a menção à obra Subornos de NOONAN JR. John T. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p. 3 a 37, oportunidade em que faz a análise histórica do tema entre os anos de 3000 a.c. e 1000.d.c. 33 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 17 e 18. 34 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 07.

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exaustivo”.35 Ao combate do declínio dos costumes foram paulatinamente

surgindo as leis contra a corrupção. O ponto de partida tinha a natureza de

ação civil e não penal. Seriam os repetundae, e que tinham por objetivo

oportunizar a repetição dos valores e bens apropriados pelos corruptos.36

Seguiram-se a Lei Calpurnia (L. Calpurnio Pisão), a Lex Acilia

(C. Gracchus) e a Lex Servilia (C. Servilius Glaucia). Contudo, “só na época

imperial o crimen repetundarum ganhou verdadeira natureza pública,

ocasionando a aplicação de autênticas sanções penais, como o banimento, a

confiscação do património ou a pena de morte.”37

Como características38 do sistema romano imperial de combate à

corrupção pode-se destacar:

a) um espectro de punibilidade maior do que ao que hoje se

entende por suborno, ou seja, abrangendo as figuras atualmente conhecidas

por corrupção, concussão e até peculato;

b) o caráter preventivo daquele sistema, muitas vezes “recuando

a punição para hipóteses onde se verificava o simples <<perigo>> de

violação do bem jurídico em causa, ou estabelecendo presunções iure et de

iure no tocante à respectiva prova”;

c) uma autonomização do delito de concussão (concussio),

“abrangendo casos de dádivas ou promessas de dádivas conseguidas

mediante intimidação ou abuso dos poderes conferidos pelo cargo”;

d) a ausência de uma definição clara – ao contrário do que

ocorreu com a concussão – das condutas de corrupção, a qual “não surgia

diferenciada no direito romano, antes se confundindo com a aceitação de

donativos globalmente considerada”;

e) a proibição de atividades lucrativas por parte dos funcionários

diante da matriz preventiva adotada pelo aludido sistema.

A influência romana para os futuros regimes europeus foi

notória39 e, a exemplo do preconizado por Antonio Manuel de Almeida

35 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 18. 36 Vide, neste sentido, OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 21 e 22; COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 07. 37 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 08 e 09. 38 Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 09 a 12. 39 Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção ..., p. 13.

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COSTA, pode-se, ainda mais se considerado o breve escorço histórico aqui

pretendido, analisar as ordenações portuguesas que diretamente incidiram

nos fatos ocorridos no Brasil a partir do ano de 1500.

Não há dúvida de que o estudo jurídico-penal mais profundo

sobre a história da corrupção no Brasil seja o desenvolvido por Sérgio HABIB

em sua obra intitulada “Brasil: quinhentos anos de corrupção”.40 Muito embora

realize, como o próprio subtítulo de sua obra indica (enfoque sócio-histórico-

jurídico-penal), análises de outra ordem, o aspecto histórico é deveras bem

apontado e desenvolvido, abarcando os estágios da história brasileira:

Colônia, Império e República.

No Brasil-colônia a corrupção se associa, isto é, deriva das

dificuldades que a Metrópole possuía em coordenar e administrar a colônia,

seja pela forma de controle empregada, seja pelos motivos e objetivos da

colonização, seja pela ausência de vinculação política, social e moral dos

portugueses que vieram ao Brasil para desenvolver as atividades de

colonização.41

As normas penais atinentes à corrupção durante o período

colonial estavam contidas nas ordenações Filipinas42. Assim, regras existiam.

Em que pese a existência de tais regras, de acordo com HABIB, tamanha era

a avidez e o intuito de lucro fácil com que chegavam os portugueses a ocupar

a colônia que as situações envolvendo a corrupção cresciam

vertiginosamente.43

Alguns fatores sugestionavam a ocorrência da corrupção na

etapa colonial. Veja-se.

Em primeiro lugar, a administração colonial realizada pelos

portugueses, quanto mais se considerada o quão novo era o Estado

40 Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. 41 Neste sentido vide COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 07. 42 Regras que, no entender de COSTA, eram vagas: “Não se ignora o carácter vago que as Ordenações, no presente contexto, as mais das vezes apresentavam, limitando-se a proibir, de forma genérica, a aceitação de vantagens. Afigura-se, contudo, possível detectar, para além dos casos em que surgia indiferenciadamente <<misturada>> com hipóteses de corrupção, disposições onde, fora de dúvida, se contemplava a concussão a título principal.” COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 18. 43 HABIB, Sérgio. Brasil: quinhentos anos de corrupção: enfoque sócio-histórico-jurídico-penal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1994., p. 03.

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centralizado português44, tinha como característica a confusão e a

complexidade.45

Em segundo lugar, na colônia prevalecia a ausência de regras

claras para a definição de funções e competências dos administradores.

Associe-se a isso, de igual forma, a vigência de uma legislação confusa e

tumultuada tal como “as Ordenações Filipinas, de 1643, as cartas de leis,

alvarás, cartas de provisões régias, acórdãos, assentos, além de parte da

legislação anterior às ordenações, que não foi revogada.”46

Como terceira característica do período colonial pode-se apontar

a transmissão de funções estatais a determinados particulares, sendo estes

obrigados a administrar e desenvolver as capitanias a partir de recursos

próprios (privados), sem que, ao final, obtivessem direito de propriedade

sobre aquelas.47

A quarta característica fica por conta da ausência de fiscalização

e controle da metrópole sobre os atos promovidos pelos funcionários

localizados na colônia. Tal fiscalização, quando exercida, estava

sedimentada, nas palavras de Helena Regina Lobo da COSTA, sob

“fundamentos paradoxais”: “por um lado, buscava-se estender o poder dos

governadores, em razão das dificuldades práticas do controle absoluto de

todas as decisões da Metrópole; por outro, limitava-se tal poder, para prevenir

abusos e excessos, até porque a repressão a tais abusos era difícil de ser

realizada pela Metrópole.”48

Em quinto lugar, tem-se a inexistência de limites entre o público

e o privado, em especial nas relações atinentes ao comércio, podendo-se

afirmar resumidamente que “o comerciante resolvia suas questões mercantis

com base em sua rede de relações pessoais, seja por meio de influências

44 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03. 45 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03. 46 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 04. 47 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05. 48 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05. A autora realiza tal afirmação com escólio em João Francisco Lisboa, mais precisamente na obra Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão. Petrópolis; Brasília: Vozes; INL, 1976. p. 375 e ss.

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com os burocratas, seja por meio de contatos na Corte, seja subornando

agentes públicos.”49

Em sexto lugar, tem-se que não existia um relevante

compromisso entre o agente público com a Colônia, sendo o seu objetivo

permanecer pouquíssimo tempo no Brasil e logo retornar a Portugal.50 Como

sétima característica há de ser apontado o baixo nível dos salários pagos aos

funcionários, sendo este um claro fator de propensão à corrupção, tornando

inclusive “tácita a possibilidade de complementação com ganhos relacionados

à sua atividade”51. E, por fim, a baixa escolaridade da população residente na

colônia fazia com que os súditos muito pouco compreendessem a

administração aqui realizada, com o que raramente conseguiam identificar e

compreender os atos de corrupção.52

À guisa de conclusão sobre o período colonial acidamente

assevera HABIB que: “ao contrário do que ocorreu em outras colonizações, no caso específico do Brasil, os colonizadores não se preocuparam em construir o estofo moral do povo, muito menos não se preocuparam com o seu destino, enquanto nação.” (...) “Certo é que, Portugal não permitia o aprimoramento moral da raça brasileira, na medida em que temia perder o domínio sobre a Colônia e, por via de consequência, ser enormemente prejudicada em seus lucros ultramarinos. Prova disso é que nenhum esforço dispendia no sentido de melhorar a qualidade de vida do aqui residente, nem lhe oferecia condições de ensino satisfatórias, além das primeiras letras, o que fazia por intermédio dos jesuítas.”53

49 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09. 50 Vide, neste sentido, COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09. Complementa a autora no sentido de que a maior parte dos cargos a serem preenchidos no Brasil demandava formação universitária, o que exigia que viessem portugueses (pois apenas estes tinham formação universitária) ao Brasil. Estes, por sua vez, apenas enxergavam o trabalho na metrópole como uma maneira de ascensão social. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09. 51 FIGUEIREDO, Luciano Raposo. A corrupção no Brasil Colônia. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 176. Esclarecedoras e diretas as palavras de Evaldo Cabral de MELLO: “Como compreensão pelos modestos ordenados pagos às autoridades ultramarinas, o recrutamento em Portugal de governadores, magistrados e outros funcionários já pressupunha que a coroa fecharia os olhos às irregularidades cometidas por seus agentes, desde que atendidas duas condições implícitas: a primeira, a de não atentar contra as receitas régias; a segunda, a de agiram com um mínimo de discrição.” MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 183. 52 COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 14. 53 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 12. O autor relembra um dos casos célebres de corrupção na fase colonial como sendo o que envolveu o governador da capitania de Goiás, D. Álvaro Xavier Botelho de Távora, isso na metade do século XVIII. Em apertada síntese teria, levada a efeito a investigação sobre os fatos, dado é que a maior parte dos funcionários da

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No Brasil-império não se percebeu uma diminuição da corrupção,

mas sim a sua mutação. Deixar-se-iam as formas de corrupção até então

praticadas na etapa colonial para, no Império, a partir das características de

investimento público em áreas como economia, moradia e condições de

saúde, passar-se a se falar em uma corrupção agora praticada por servidores

tais como ministros, demais integrantes do governo e a classe aristocrata.54

Não há dúvidas sobre as mudanças operadas no país. O centro

do poder antes concentrado em Portugal passaria a estar sediado no Brasil.

Como dito, fatos concretos alusivos à corrupção não faltaram, tais como as

acusações de corrupção envolvendo a firma dos Loyos, cujo envolvido

diretamente seria o ministro João Alfredo55; a acusação contra o ministro

Cotegipe56, este acusado de manter relações de amizade e assim quiçá

acobertar um funcionário da alfândega que teria praticado contrabando; o

caso envolvendo o senador João Lins Cansanção de Sinimbu57, tendo este

sido presidente do Banco Nacional e sido o responsável pela falência

fraudulenta da instituição.

Mais importante, talvez, do que apontar os casos de corrupção

que remontam à época do Império seja demonstrar que a corrupção, aliada a

outros fatores de descontentamento da população em geral, tenham sido os

responsáveis pela proclamação da República. Eis o referendado por

SCHWARCZ: “A partir da década de 1880, porém, o Império seria assolado por questões que inaugurariam uma nova agenda de acusações, estando na linha de frente a própria idoneidade do sistema. Se o conceito de corrupção está vinculado ao ato de “corromper”, e à ação de “subornar”, o fato é que pela primeira vez o regime seria caracterizado por esse tipo de prática. Num momento em que o monarca e seu governo mostravam fragilidades, uma série de casos começava a aparecer na imprensa e causava escândalo. Não se quer dizer com isso que antes não existissem exemplos de descontentamento; mas o mais importante é que nesse contexto eles saíam do espaço privado e ganhavam o espaço público. Ao mesmo tempo,

capitania se encontravam envolvidos com atos de corrupção e improbidade, chegando, ao final de 02 anos de investigação, à pronúncia do então governador da capitania de Goiás juntamente a outros funcionários e particulares. HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 05 a 07. Episódio também relatado por COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 06. Outros casos de corrupção envolvendo daí o governo de Pernambuco são citados por MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial, p. 183 a 190. 54 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 15. 55 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 18. 56 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 19. 57 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 19.

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passavam a se constituir como demarcadores poderosos a sinalizar os limites deste sistema, crescentemente associado a expedientes que implicavam subornar funcionários e cidadãos, ou evitar que a lei vingasse. Pela primeira vez, também se questionava o poder do monarca, e a imprensa passava a se imiscuir em sua vida privada.”58

Da proclamação da república até os dias atuais não se pode,

infelizmente, apontar a corrupção como assunto alheio ao Estado Brasileiro.

Aliás, bem pelo contrário. Aponta estudioso sobre o tema de que “nenhuma

outra fase do Brasil-República, decerto, terá suplantado a que se instalou a

partir dos anos sessenta, chegando até aos dias atuais, tal o nível de

corrupção a que se atingiu e tamanha a indignação popular, face à postura

cínica dos que nela se envolveram.”59

Já nos dias atuais, qualquer digressão específica a respeito do

julgamento da Ação Penal 470 perante o Supremo Tribunal Federal ou, ainda,

sobre a denominada operação Lava-Jato (em curso em Curitiba, em Brasília e

em outros estados da federação) tornar-se-ia repetitiva. Digno de nota o

resultado do julgamento da Ação Penal 470, principalmente pela envergadura

e dimensão dos fatos levados a julgamento e também em razão de a decisão

ter transitado em julgado com consequente cumprimento de pena pelos

implicados.

Não se pode dimensionar que estes casos concretos agora

mencionados signifiquem maior grau de corruptibilidade dos governantes ou

ainda dos particulares que aderem e participam da corrupção. O que há é sim

certeza de maior transparência e independência das instituições responsáveis

pela investigação, ajuizamento e julgamento.

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual.

58 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Corrupção no Brasil Império. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p.192 e 193. 59 HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 26.

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1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância

para a corrupção.

Falar a respeito de atos de corrupção significa ter em mente a

noção de Estado. Em outras palavras, tratar de corrupção redunda falar

imediatamente de Estado, de seu conceito e concepção atual, falhas, crises e

também da noção de administração pública perante determinado governo.

Veja-se que isso independe, até, da noção de corrupção que se esteja a

tratar, quer-se dizer, pública ou privada, porquanto invariavelmente a

concepção de Estado se fará presente e importante para a análise.

Nada obstante, de maneira a respeitar o intuito e objeto deste

trabalho, não se fará um discurso reducionista sobre ser o Estado o ente

necessário a combater (e criminalizar60) os atos de corrupção, como também

não se adentrará ao mérito acerca da concepção de Estado e suas

implicações à corrupção de natureza privada, sem desconhecer que neste

caso se estaria mais a falar da intervenção estatal na economia61 do que

qualquer outro aspecto da “teoria do Estado”.

60 De acordo com Miguel REALE, o “Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas e os processos de execução coercitiva do Direito”, podendo-se afirmar que “em nossos dias, o Estado continua sendo a entidade detentora por excelência da sanção organizada e garantida, ...”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. 11ª tiragem. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 76. De maneira completar aduz Marçal JUSTEN FILHO: “Portanto, a monopolização da violência por um Estado é uma decorrência de seu poder e de sua autoridade, não a causa de sua existência.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 96. 61 Isso caso queira se respeitar o único (e ainda discutível) móvel de se criminalizar a corrupção na atividade privada. A respeito vide NIETO MARTÍN, Adán. A corrupção no setor privado. Reflexões a partir do ordenamento espanhol à luz do direito comparado. In: Revista Bonijuris. Ano XV, n. 481, Dezembro de 2003, p. 23 a 25; BIDINO, Claudio. O problema específico da corrupção no setor privado (no Brasil e em Portugal). In: A corrupção. Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico-Penal em Expansão no Brasil e em Portugal. SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Coimbra: Coimbra Editora, 2009; DE LA CUESTA ARZAMENDI, Jose Luis; BLANCO CORDERO, Isidoro. La criminalización de la corrupción en el sector privado: Asignatura pendiente del Derecho penal español. In: La ciencia del derecho penal ante el nuevo siglo. Libro homenaje al Profesor Don José Cerezo Mir. José Luis Díez Ripólles, Carlos María Romeo Casabona, Luis Gracia Martin e Juan Felipe Higuera Guimerá (coord.) Madrid: Editorial Tecnos, 2002; FOFFANI, Luigi. La <<corrupción privada>>. Iniciativas internacionales y perspectivas de armonización. In: Fraude y corrupción en el derecho penal económico europeo. Eurodelitos de corrupción y fraude. Luis Arroyo Zapatero y Adán Nieto Martin (coord). Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 2006; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignácio; CERINA, Giorgio D.M. Algunas observaciones sobre la corrupción entre particulares en el código penal español. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 97, julho de 2012; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio

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De outro canto, a corrupção pública é, sem dúvida, refém e

dependente da noção de Estado. A corrupção pública envolve lesão (ou

perigo de) à estrutura organizacional do Estado, seja tal conduta advinda de

um servidor público, seja de um particular, seja de ambos. Já, de imediato, as

noções de Estado e de corrupção estão vinculadas direta e de maneira não

dissociável, sem a necessidade de se adentrar à historicidade da teoria do

Estado, em especial de sua criação e desenvolvimento.

Deste modo, ainda que de maneira perfunctória e limitada no

tempo (a partir do século XIX), tem-se o Estado de Direito como aquele que

atribui à ordem jurídica a função de proteger direitos subjetivos individuais, de

maneira a impedir a normal tendência de o poder político se agigantar e ser

aplicado de modo arbitrário, sendo realizada tal função a partir dos princípios

fundamentais de difusão do poder e de diferenciação do poder.62

A noção de Estado de Direito, a qual está submetida a um

regime jurídico63 que limita a atividade estatal a desenvolver-se com escólio

em um instrumental regulado juridicamente, previsto em lei, bem como Berdugo; CERINA, Giorgio M.D., Sobre la corrupción entre particulares. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011; MENDOZA BUERGO, Blanca. El nuevo delito de corrupción entre particulares (art. 286 bis del CP). In: Estudios sobre las reformas del código penal. Julio Díaz-Maroto y Villarejo (director). Madrid: Civitas, 2011, p. 425-452; FARALDO CABANA, Patricia. Hacia un delito de corrupción en el sector privado. In: Estudios penales y criminológicos, Santiago de Compostela, n. XXIII, 2001-2002; Corrupção entre particulares: Só agora? E por que agora? In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 238, setembro de 2012; REALE JR., Miguel. Corrupção privada. Jornal O Estado de São Paulo, dia 01 de setembro de 2012. Página A2; FORTI, Gabrio. La corruzione tra privati nell´orbita di disciplina dela corruzione pubblica: un contributo di temmatizzazione. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, fascículo 04, ano XLVI, dezembro de 2003; DAVID, Décio Franco. Compliance e corrupção privada. In: Compliance e direito penal. Fábio André Guaragni e Paulo César Busato (coordenadores). Décio Franco David (organizador). São Paulo: Atlas, 2015. p. 203 a 234. 62 De acordo com ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: O Estado de Direito: história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 31. Assinala ainda o autor: “O “princípio de difusão” tende a limitar, com vínculos explícitos, os poderes do Estado para dilatar o âmbito das liberdades individuais. Ele implica, por isso, uma definição jurídica dos poderes públicos e da sua relação com os poderes dos sujeitos individuais, também eles juridicamente definidos.” Teoria ..., p. 31. Já o princípio da diferenciação “se expressa seja como diferenciação do sistema político-jurídico com relação aos outros subsistemas, em particular o ético-religioso e o econômico, seja como critério de delimitação, coordenação e regulamentação jurídica de distintas funções estatais, sumariamente correspondentes à posição de normas (lex latio) e à aplicação de normas (legis executio).” Teoria ..., p. 32. 63 Nomeadamente de direito público que “tem a complexa missão de regular, de modo equilibrado, as relações entre o Estado – que exerce a autoridade pública e o consequente poder de mando – e os indivíduos – que devem se sujeitar a ele, sem perder sua condição de donos do poder e titulares de direitos próprios.” SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 110.

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oferecer ao cidadão mecanismos jurídico-normativos para se proteger de

determinada ação indevida do Estado64, noção na qual o pessimismo

potestativo e o otimismo normativo desempenham particular função65, teria

como postulados fundamentais a separação dos poderes em Legislativo,

Executivo e Judiciário, a generalização do princípio da legalidade66 e a

universalidade da jurisdição.67

Sobre o Estado de Direito se seguiram modelos adjetivados de

liberais, sociais e, agora, democrático-constitucionais de direito. No Estado

de Direito liberal se enxergavam as características de separação entre o

Estado e a sociedade civil intermediada pelo Direito; a garantia das

liberdades individuais e uma função estatal mínima, ou seja, um Estado

mínimo que assegurasse apenas e tão-somente a liberdade para seus

cidadãos.68

Ao Estado de Direito liberal seguiu-se o modelo social. O Estado,

assim considerado uma “forma histórica de organização jurídica do poder

dotada de qualidades que a distinguem de outros ´poderes´ e ´organizações

de poder´”69, nas palavras de STRECK e MORAIS, sem negar as importantes

características e conquistas originadas pelo liberalismo burguês, assume a

postura de corrigir o individualismo liberal por meio de garantias coletivas70,

devendo ser observado que as regulações estatais devem traçar “limites ao

egoísmo e ao ímpeto desenvolvimento dos indivíduos para que a liberdade de

uns não interfira em medida insuportável com a liberdade dos outros .”71

A inexistência de intervenção Estatal, o que redundava no

liberalismo puro e radical de Estado mínimo, teve de ser alterada para uma

intervenção estatal sob a égide de que, ao lado da limitação do poder estatal 64 Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 92. 65 Danilo ZOLO afirma que a ideia da periculosidade do poder político (pessimismo potestativo) e a convicção de que o direito seria suficiente e adequado para conter tal perigo (otimismo normativo) figuram como princípios fundamentais para a afirmação do sujeito individual, de sua liberdade e autonomia. Teoria ..., p. 34. 66 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 92. 67 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 98. 68 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 95. 69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 89. 70 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 97. 71 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 380 e 381.

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também se faz interessante e incidente que o Estado atue como um

“instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e social”.72 A

consequência disso foi, sem dúvida, a alteração da conformação interna do

Estado, pois este se viu obrigado a aumentar-se no tocante a funções

desenvolvidas, objetivos, metas e políticas públicas. Não por outro motivo

que o quadro de funcionários/servidores públicos viu-se aumentado,

conforme já visto.

Assim, ao menos a partir da análise do tamanho do Estado73,

com o aumento do número de servidores públicos se vê uma maior

possibilidade de ocorrência de atos de corrupção. Daí a interrelação, ainda

que preparatória para os temas a serem desenvolvidos no capítulo 02, que se

pretende aqui construir. Linhas acima foi dito que o conceito de corrupção é

dependente e parasitário de um sistema normativo, independente de qual

este seja.

Ora, o conceito típico-penal de corrupção pública e suas

implicâncias normativas, objeto deste trabalho, são absolutamente

dependentes do tamanho do Estado e da importância atribuída a este.

Portanto, uma breve conclusão é viável: sem querer atribuir ao próprio Estado

a pecha de causador da corrupção, o tamanho deste Estado, quanto maior for

a sua intervenção na vida social por meio de servidores públicos, maior a

chance de vir a se verificar o ato de corrupção, isso sem se atrelar à

criminalização ou não de tal atividade.74

Não sem razão afirma Fabrício MOTTA75 que no Direito

administrativo76 se revelou um claro crescimento das atividades

72 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 99. 73 Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. Corrupción y delitos contra la administración pública. Especial referencia a los delitos cometidos en la contratación. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2009. p. 57-65. 74 Por outro lado não há como dar razão ao entendimento de ZIPPELIUS, muito embora não analise diretamente os fatos entendidos como corrupção, mas sim o problema da teoria do Estado: “No movimento pendular da evolução histórica entre o Estado-providência e o liberalismo torna-se notório – com uma nitidez quase de tipo ideal – o risco perante o qual se coloca permanentemente o Estado. Conceder liberdade a menos, sufocando, desta forma, uma necessidade elementar, ou deixar liberdade a mais, abrindo assim demasiado a porta às possibilidades de abuso a que se está sempre disposto a recorrer.” ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria ..., p. 381. 75 MOTTA, Fabricio. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007. p. 49 a 51.

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administrativas estatais, o que passou a amparar novos institutos e

alterações no papel do Estado, por meio de uma própria dinâmica de seus

agentes e atuações em setores antes não atingidos pelo Estado e, quando

atingidos, eram em menor escala.

Neste pormenor aponta ainda Luigi FERRAJOLI: “O Estado social desenvolveu-se na Europa muito mais do que nas formas da sujeição à lei, típicas do Estado de Direito, através da progressiva expansão dos aparelhos públicos, dos aumentos dos seus espaços de discricionariedade política e da acumulação desorgânica de leis especiais, medidas setoriais, práticas administrativas e intervenções clientelistas que se inseriram e deformaram as antigas estruturas do Estado liberal. Disso derivou uma pesada e complexa intermediação burocrática nos serviços públicos que é responsável pela sua ineficiência e, como a experiência não apenas italiana ensina, por suas degenerações ilegais.”77

Como posterior e atual conformação assume-se a noção de

Estado democrático de Direito bem sintetizada nas palavras de STRECK e

MORAIS: “O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, na qual a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do problema das condições materiais de existência.”78

Este denominado Estado democrático de Direito, considerado

por CANOTILHO como uma “ordem de domínio legitimada pelo povo”79 que

possibilita que o poder se organize e se exerça em termos democráticos80,

ostenta as características de vinculação do Estado Democrático de Direito a

uma Constituição, de organização democrática da sociedade, pela existência

e reconhecimento de um sistema de direitos fundamentais e coletivos, pela 76 Aqui considerado como o “conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 90. 77 FERRAJOLI, Luigi. O Estado de direito entre o passado e o futuro. In: O Estado de Direito: história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 451. No mesmo sentido FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos de casos e lições para o futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 56. 78 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 98. 79 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 98. 80 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 98.

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justiça social, pela vigência e observância do princípio da igualdade, pela

divisão dos poderes e das funções públicas bem como pela vigência do

princípio da legalidade e de segurança jurídica.81

Sem relevar os avanços do Estado Social – este nunca82

verificado verdadeiramente no Brasil – a característica da democracia

associada ao Estado teria a função de trazer algo de utópico, de

transformação da realidade83, a partir da objetivação da igualdade e da

concepção das normas como instrumentos de <<transformação da

sociedade>>84, ultimando-se, a bem da verdade, a alteração e criação de

novas estruturas para as relações sociais.85 O Estado democrático de Direito

se conforma, ademais, em um Estado constitucional86 democrático de Direito,

porquanto a supremacia da constituição e da soberania popular são suas

ínsitas características87, associando três fatores em um só, sendo esta a

associação buscada e defendida: Estado constitucional, Estado de Direito e

Estado democrático.

O modelo de Estado atual a ser defendido deve, portanto, para

além da participação integral e democrática dos cidadãos, primar por extrair

seus fundamentos de uma Constituição e que esta propugne, garanta e

elenque direitos fundamentais do cidadão, revelando-se, nos dizeres de

STRECK e MORAIS, em um núcleo forte e acolhedor das conquistas

associadas à democracia e aos direitos humanos e sociais fundamentais.88 Aí

81 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 99 e 100. 82 “O intervencionismo estatal confunde-se historicamente com a prática autoritária/ditatorial, construindo-se o avesso da ideia de Estado Providência, aumentando as distâncias sociais e o processo de empobrecimento das populações. Assim, a tese de que em países periféricos, de desenvolvimento tardio, o papel do Estado deveria ser o de intervenção para a correção das desigualdades não encontrou terreno fértil em terras latino-americanas." STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 81. 83 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 100. 84 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101. 85 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101. 86 “No Estado constitucional de Direito, as leis são submetidas não só a normas formais sobre a produção, mas também a normas substanciais sobre o seu significado. De fato, não são admitidas normas legais, cujo significado esteja em contraste com normas constitucionais.” FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 425. 87 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 101. 88 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 109. A respeito da conceituação e evolução dos direitos fundamentais vide DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 377 e ss.

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reside a legitimidade do atuar do Estado e das funções tripartidas

endereçadas a ele.

Não se trata de elucidar minuciosamente a teoria da repartição

dos poderes, mas apenas de reforçar, dentro da noção de separação dos

poderes e não de divisão de poderes89, a concepção de função pública que,

nas palavras de Celso Antonio Bandeira de MELLO ganha o significado de

“atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público,

mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela

ordem jurídica”.90

Esta função pública é desempenhada sob o argumento e

objetivo, como já visto, de atingir positivamente os direitos fundamentais 91,

sejam eles de pretensão de resistência à intervenção estatal, de pretensão de

prestações por parte do Estado ou ainda políticos ou de participação.92 Já o

exercício desta função pública, dividida classicamente93 entre as funções

legislativa, judiciária e executiva, se estrutura e se desenvolve internamente

sob a égide de direitos e regras de direito, em sua grande maioria de Direito

administrativo, direcionadas ao agente ou servidor público.

Portanto, a ilação anteriormente lançada a respeito da

proximidade entre Estado e corrupção se verifica como verdadeira, uma vez

que, sendo o Estado (constitucional democrático) de Direito um modelo de

garantia da mínima ordem política capaz de garantir uma ordem política

estável e ao mesmo tempo os direitos fundamentais e sem o qual os Estados 89 Assevera CANOTILHO: “O princípio da divisão como forma e meio de limite do poder (divisas de poderes e balanço de poderes) assegura uma medida jurídica ao poder do estado, e consequentemente, serve para garantir e proteger a esfera jurídico-subjectiva dos indivíduos e evitar a concentração de poder. O princípio da separação na qualidade de princípio positivo assegura uma justa e adequada ordenação das funções do estado e, consequentemente, intervém como esquema relacional de competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania.” Direito constitucional ..., p. 250. 90 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 29. 91 Os quais no esquema de Marçal JUSTEN FILHO se dividiriam em gerais (liberdade, igualdade, democracia republicana, federação, procedimentalização e eficiência administrativa), sociais (solidariedade e direitos sociais em sentido estrito), políticos e econômicos (propriedade privada, livre iniciativa e livre concorrência). JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 162. 92 Sobre a diferenciação destas categorias vide detalhadamente DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria ..., p. 57 a 61. 93 Sobre a inexistência de uma separação estanque e cartesiana entre as funções estatais e os poderes Executivo, Judiciário e Executivo vide, por exemplo, JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 115.

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ocidentais transparecem obrigatoriamente depender94, deixa-se aberta a

possibilidade da ocorrência de atos de corrupção, ilícitos ou não, bem como

se retroalimenta e fundamenta a necessidade de punição, administrativa e/ou

criminal, daqueles atos de corrupção mais lesivos aos interesses individuais.

Dizem-se individuais porque o Estado existe unicamente para a satisfação e

salvaguarda de interesses e direitos dos cidadãos e não propriamente

estatais. Independentemente da função pública exercida, muito embora isso

fique mais claro nas funções públicas atreladas ao exercício do Direito penal

e processual penal, é fato, nas palavras de Paulo BUSATO, que “tudo o que o

Estado exige de cada um não é de seu próprio interesse, mas de interesse

dos demais indivíduos. Assim, o Estado não é detentor de direitos, é mero

gestor de direitos alheios (dos indivíduos).”95

Daí que a corrupção possua característica particular no quesito

“tipificação penal”. Se a vida humana é garantida por diversos princípios e

normas jurídicas de larga aceitação e, por conseguinte, de improvável

refutação, imanentes ao sujeito e apenas verificáveis e chancelados pelo

Estado, a criminalização e enfrentamento da corrupção dependem

obrigatoriamente da concepção de que o Estado não existe por si só, mas

que é um instrumento garantidor para a verificação e realização de políticas

públicas (aqui em sentido lato) e que os prejuízos (verificáveis por lesão ou

perigo de lesão) ao Estado conformam a fundamentação da punição por este

mesmo Estado.

Outra questão incipiente à corrupção é a tutela do Estado por

parte dele próprio.96 São as instituições e parcelas do poder as legitimadas a

tutelar os valores preconizados na Constituição da República como aqueles a

nortear a administração pública, quais sejam a legalidade, a impessoalidade,

a moralidade, a publicidade e a eficiência. Portanto, os poderes da República 94 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 85. 95 BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte geral. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 19. 96 O que em muitos casos transparece ser tarefa árdua, quando não impossível, o que faz a seguinte afirmação de Manuel CASTELLS tornar-se óbvia: “1. Em muitos casos, toda a estrutura do Estado, não raro incluindo as mais altas esferas de poder, está entremeada de vínculos criminosos, pela corrupção, ameaças ou financiamento ilegal da política, causando enormes estragos na conduta das questões públicas.” CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. A era informação: economia, sociedade e cultura. Volume II. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 304. Qualquer semelhança da afirmação deste autor com a realidade brasileira é mera coincidência...

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possuem responsabilidade compartimentada e diga-se, concorrente (desde

que adequada à função desempenhada por eles), para prevenir, identificar e

reprimir os atos de corrupção, assim considerados os atos lesivos à

adequada administração pública ou ainda aqueles em que o mero perigo já

justifique a intervenção estatal. Este pormenor está alinhavado e relacionado

com a legitimidade do Estado em punir a corrupção em sentido estrito, o que

está mais bem exposto no item 2 infra.

1.3.2. Alguns aspectos de crise do Estado atual.

Contudo, o mesmo Estado constitucional democrático de Direito

que gera e também busca prevenir e reprimir a corrupção pública possui em

sua estruturação vícios que prejudicam sobremaneira tais objetivos. Diga-se,

pouco e resumidamente, que não apenas em relação à corrupção, mas

também em relação a ela, se destacam alguns pontos críticos à teoria do

Estado, que decorrem tanto da complexidade da sociedade industrial atual

como dos processos de integração regional e global.97

Um ponto crítico de reflexão é o que sobressai a respeito daquilo

que Danilo ZOLO chamou de “crise da capacidade reguladora da lei e a

inflação do direito”.98

Tem-se atualmente um grave problema quanto à capacidade

reguladora do Estado por meio de suas disposições normativas, o que reduz

a efetividade normativa dos dispositivos oriundos das instâncias legislativas.99

A causa restaria identificada na incapacidade de o sistema jurídico perseguir

a evolução dos subsistemas sociais, porquanto aquele é verdadeiramente

muito mais rígido e lento se comparado à dinamicidade e flexibilidade de

subsistemas como o econômico e o científico.100 Tudo isso contribuiria para a

97 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 71. 98 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72. 99 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72. 100 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72 e 73.

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demasiada inflação legislativa, desvalorização, redundância e instabilidade

das normas jurídicas, ou seja, uma grande impotência reguladora.101

Sob o entendimento de FERRAJOLI a crise investe mesmo sobre

o princípio que ele denomina de mera legalidade102, gerando com isso a

inflação legislativa desenfreada e também a disfunção da linguagem legal.

Verifica-se que tal crise, ou sintoma da crise do Estado de Direito, vem

confirmada particularmente no Direito brasileiro, sob o “declínio das

codificações e uma crescente incerteza e ingovernabilidade de todo o sistema

jurídico”103 e também gerando “o desequilíbrio da linguagem das leis expresso

pela sua crescente imprecisão, obscuridade e ambiguidade.”104

Sob esta vertente da crise do Estado de Direito se demonstra

que o instrumento normativo não pode ser nada mais do que um instrumento

de política pública, v.g., criminal, financeira, administrativa, mas não único

instrumento no qual se afiançou até os dias atuais.

Mas não é só. Algo derivado da globalização, mas não apenas

dela, foi também a perda de soberania por parte dos Estados ou, melhor

dizendo, a diminuição da relevância de tal soberania. Crise do poder

soberano estatal? Sim, a ponto de Danilo ZOLO falar em “erosão da

soberania do Estado nacional”105. A partir da intervenção de outros agentes

internacionais, em caráter principal a Organização das Nações Unidas (ONU)

e a União Europeia (UE), entre outros, revela-se um caráter cada vez mais de

interdependência106 entre os Estados nacionais, porquanto estes não detêm

condição de desenvolverem-se economicamente sozinhos nem tampouco

meios para enfrentar desafios globais tal como a criminalidade

internacional107, incluindo-se aqui a corrupção.

Aduz Manuel CASTELLS ser este novo sistema mundial

caracterizado essencialmente por meio de uma pluralidade “das fontes de

autoridade (...), sendo o Estado-Nação apenas uma dessas fontes”108 e pela

101 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 73. 102 Cf. FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 439. 103 FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 440. 104 FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 440. 105 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 79. 106 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144. 107 ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 80. 108 CASTELLS, Manuel. O poder ..., p. 353.

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“descentralização do Estado-Nação numa esfera de soberania compartilhada

que caracteriza o cenário político no mundo de hoje.”109

Com esta diminuição da “importância” da soberania ocasionou-se

também o fim do monopólio estatal da produção jurídica. FERRAJOLI bem

informa: “À antiga estrutura piramidal das fontes, cujo ápice era a constituição, e imediatamente abaixo das leis ordinárias, depois os regulamentos e as outras fontes administrativas e negociais, substitui-se um amontoado de fontes pertencentes a ordenamentos diversos, da União Europeia a Nações Unidas, e todavia, direta ou indiretamente vigentes.”110

Assim é que a noção de soberania como poder <<juridicamente

inconstrastável>> e permeada por uma indivisibilidade, inalienabilidade e

imprescritibilidade, cede frente à dispersão de centros de poder e

consequente geração centrífuga de locais de atuação política.111 Para além

do Estado-nação existem outros atores na arena internacional112 que exercem

seus papéis no cenário mundial no tocante à produção legislativa e de

imposição de regras a serem seguidas. O poder de traçar políticas

econômicas, públicas, criminais, tributárias, etc., como visto, se dissipou para

diversos outros intervenientes, tais como as comunidades supranacionais113,

organizações mundiais114, empresas transnacionais115 e organizações não

governamentais116, no plano externo, e sindicatos e organizações

empresariais117, no plano interno.

Recuperando o exposto linhas atrás, a intervenção destes novos

atores faz com que regras jurídicas de “produção extra-estatal – tratados,

109 CASTELLS, Manuel. O poder ..., p. 353. 110 FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 442. Da mesma forma MOTTA, Fabrício. Função ..., p. 54. 111 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 143. 112 Cf. ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 80. 113 Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144. 114 Nas quais a Organização das Nações Unidas (ONU) exerce papel preponderante, mais ainda em tema de corrupção. Vide, para tanto, o capítulo 1.3.2. infra. 115 Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144, as quais, segundo estes autores “... por disporem de um poder de decisão, em especial financeiro, que pode afetar profundamente a situação de muitos países, especialmente daqueles débeis economicamente, adquirem um papel fundamental na ordem internacional e, em especial, impõem atitudes que não podem ser contrastadas sob o argumento da soberania estatal .” Ciência ..., p. 144. 116 Das quais a Transparência Internacional exerce papel preponderante no tocante à corrupção, nomeadamente em fornecer índices de corruptibilidade, entre outros. 117 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 145.

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regulamentos, diretrizes e decisões – entrem, de fato, em vigor nos

ordenamentos dos Estados, prevalecendo sobre as leis dos seus

Parlamentos e pretendendo prevalecer até mesmo sobre as suas

constituições.”118

Inegável foi a alteração do Código Penal brasileiro para a

inserção do tipo penal de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro e

de tráfico de influência em transação comercial internacional com a edição da

Lei 10.467/2002, originadas a partir do “argumento” de dar efetividade ao

Decreto no 3.678/2000, instrumento normativo que ratificou perante o direito

interno brasileiro a Convenção sobre o Combate da Corrupção de

Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em

Paris, em 17 de dezembro de 1997.119

Daqui não se deve passar, sob o risco de incidir em assunto

reservado para capítulo direcionado aos tratados internacionais. Mas por

último deve se deixar fincada esta realidade de pluralismo internacional que

vigora não apenas no plano das ideias, mas sim efetivamente no plano

jurídico-legal.

Por fim, a conjuntura funcional por demais alargada do Estado a

partir de sua estrutura Social fez com que a ingerência econômica passasse a

conviver com a já esperada e congênita ingerência política. Política e

economia associaram-se intimamente gerando o que é retratado por

SÁNCHEZ MORON: “Lo que ocurre es, a un juicio, que durante los últimos años esos sistemas constitucionales han coexistido con la mezcla explosiva que componen un sector público crecido, descentralizado y diversificado en sus formas de actuación, esencialmente interventor y gestor de ingentes recursos económicos, junto con la difusión de una ideología individualista y economicista, para la que el enriquecimiento personal constituye el norte y la competitividad con las menores reglas posibles el medio. Dicho en términos de síntesis, si bien en modelo del Estado Social resiste (aun a duras penas) en el plano de la economía y de la política (pues pocos quieren enfrentarse al problema de reducirlo mediante medidas impopulares), ha sido derrotado en el plano de las ideas y de los valores por las tendencias neoliberales, que se

118 FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 443. 119 O que parece dar razão a CASTELLS quando afirma que “... nos anos 90, os Estados-Nação têm se transformado de sujeitos soberanos em atores estratégicos, defendendo seus interesses e os interesses que se espera que representem em um sistema global de interação, dentro de uma soberania sistematicamente compartilhada.” CASTELLS, Manuel. O poder ..., p. 357.

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han infiltrado en los aparatos públicos desnaturalizando las reglas de gestión que les son propias.”120

Portanto, e parafraseando MARTINS121, a partir do acoplamento

sistêmico realizado pelo capitalismo sobre o Estado de Direito de modo a

torná-los inseparáveis, é fato que os efeitos das práticas corruptas são

também originados e potencializados desde a noção de mercado, eficiência

econômica e maximização dos lucros privados.122

1.3.3. O enfrentamento global da corrupção. Por que agora?

De acordo com António Manuel de Almeida COSTA, foi a partir

do século XIX que a tutela do indivíduo frente aos atos lesivos praticados pela

administração pública ganhou corpo, chegando inclusive a tratamento

legislativo mais detalhado. Inclua-se aí, por óbvio, a criminalização da

corrupção.123

Muito embora tenha sido assim, não deixa de causar espécie a

circunstância de que a corrupção, haja vista não ser um fenômeno social

novo (pelo contrário, muito antigo), tenha recebido maior atenção da

comunidade internacional nas últimas décadas124, a ponto de LOPES utilizar

a expressão <<o transvase da corrupção>> para definir que a concepção

meramente criminal da corrupção teria sido ultrapassada “pela emergência de

um discurso jurídico-político do fenômeno corrupção.”125 A explicação disso é,

pois, necessária.

Como exposto, é a partir da década de 1970 que se pode falar

em um movimento internacional contra a corrupção126, dando azo à

construção de diversos documentos normativos da mais variada ordem, tais 120 SÁNCHEZ MORÓN, Miguel. La corrupción y los problemas del control de las administraciones públicas. In: La corrupción política. Madrid: Alianza Editorial, 1997. p. 195. 121 Cf. MARTINS, Rui Cunha. A hora dos cadáveres adiados. Corrupção, expectativa e processo penal. São Paulo: Atlas, 2013. p. 21. 122 Cf. VIRGOLINI, Julio. Las determinaciones políticas de la corrupción y de la exclusión social y sus consecuencias sobre la legitimidad del derecho. In: Delincuencia económica y corrupción. David Baigun e Nicolas Garcia Rivas (diretores). Buenos Aires: Ediar, 2006. p. 89. 123 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 19. 124 ACOSTA, Alberto. Prólogo ..., p. 16. 125 LOPES, José Mouraz. O espectro da corrupção. Coimbra: Almedina, 2011. p. 27. 126 GONZÁLEZ, Joaquín. La corrupción ..., p. 48

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como legislações, acordos, tratados internacionais e outros. Pode-se afirmar

que a sociedade mundial teria chegado a um consenso sobre a necessidade

de efetivo combate à corrupção, ou seja, de uma insurreição pública

simultânea no combate a corrupção.127 Evidentemente que existem outras

questões sociais patológicas que também recebem especial discussão e

tratamento normativo, a exemplo do tráfico de entorpecentes, da segurança

pública, da lavagem de dinheiro e do terrorismo. Tudo isso não retira a

certeza de que a corrupção ocupa especial destaque como um dos grandes

temas de compreensão para um satisfatório enfrentamento político

(normativo) e social.128

Sem adentrar nas consequências propriamente ditas da

corrupção, objeto de item específico infra, assevere-se apenas um fato

notório e pontual que salienta a relevância da corrupção no cenário mundial

bem como contribui para a insurreição pública há pouco mencionada. Trata-

se da contratação pública (e da corrupção sobre ela incidente), haja vista ser

a “actuación administrativa de mayor relevancia económica en el mundo”.129

Se a importância financeira da contratação pública é flagrante, de outro canto

a corrupção incidente sobre ela (deixando de lado a corrupção que incide em

tantos outros atos da administração pública e na iniciativa privada) representa

aquilo que CASTRO CUENCA denominou de <<delito perfecto>>, eis que “la

corrupción en la contratación pública permite enmascarar una disposición

patrimonial bajo la fachada de una obra pública que realmente existe, aunque

no se haya realizado con todas las pautas contempladas en el contrato

público, lo cual dificulta la tipificación de esta conducta.”130

À partida, pode-se definir como fator preponderante ao desvelar

da corrupção aquilo que se pode chamar de crise de legitimação da política

global. Isso porque “a proporção de poder entre os líderes e a população tem

127 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização da corrupção. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 27. 128 RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás. La necesaria flexibilización del concepto de soberanía en pro del control judicial de la corrupción. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Nicolás Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián Caparrós (coordenadores). Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 241. 129 CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 21. 130 CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 22.

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mudado, e continua a mudar, em favor de uma governança transparente e

democrática.”131 A sociedade da informação possui atualmente meios para

forçar os governantes a vir a público e fornecer informações que muitas

vezes, não fossem os meios de comunicação remodelados a partir do avanço

tecnológico, poderiam passar desapercebidas, muito embora sejam de

interesse público da população. Há, evidentemente, maior possibilidade e

maior interesse na cobrança das atitudes tomadas pelo corpo político, por

empresários e pelos funcionários públicos.132

Outro fator capaz de descortinar a corrupção e ainda amealhar

argumentos ao seu combate foi o final da Guerra Fria e, por conseguinte, o

encerramento da divisão do mundo em dois blocos de pensamento político e

econômico bem distintos. A considerar que os Estados Unidos da América e

seus aliados viam como perigosa a possibilidade que outros países

passassem a comungar dos ideais soviéticos, passaram aqueles a apoiar

movimentos políticos de direita ao mesmo tempo em que pouca importância

deram à corrupção trazida com estes, a exemplo do que ocorreu em países

como Peru, Haiti, Indonésia e inclusive no Brasil.133

Ante a alteração de dois grandes blocos econômicos para uma

economia global, “há uma crescente conscientização de que segurança e

estabilidade dependem não apenas de forças aéreas, de exércitos e de

aparatos bélicos nacionais, mas também de uma série de fatores econômicos

e políticos que interagem.”134 A globalização incidente nos séculos XX e XI é

fator básico para pôr à vista a corrupção, além de funcionar como uma das

causas que a fomentam.

131 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 29. 132 Cf. GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 29; COCKCROFT, Lawrence. Global corruption. Money, power, ethics in the modern world. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2012. p. 104. 133 COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 103. No mesmo sentido GLYNN, KOBRIN, NAÍM ao mencionarem ser “inegável que o fim da Guerra Fria catalisou esse processo. Um exemplo flagrante disso é a Itália (o berço da insurreição anticorrupção da década de 1990), onde o medo do comunismo por muito tempo afiançou a tolerância pública de níveis sabidamente altos de corrupção.” GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 30. 134 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 31.

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Sim, ainda que pareça contraditório, a globalização suporta esta

dupla finalidade135, ou seja, atua como matriz explicativa do motivo pelo qual

se discute de maneira muito mais frequente o tema da corrupção bem como

atua como causa preponderante à sua expansão prática.136 Na primeira

vertente (sobre a conscientização e percepção da corrupção), a globalização

– precipuamente econômica137 – revela que a estabilidade e segurança de

determinado país podem sofrer consequências a partir de fatos relacionados

à corrupção originados em outro país138. No mesmo sentido, a existência de

um sistema financeiro interligado associado ao número de alianças de

cooperação econômica que pode ser atingido de maneira nefasta a partir de

práticas corruptas, o que realça a importância da corrupção no cenário

internacional.139

Tomada a corrupção como tema de importância global, alterou-

se o paradigma. De questão relegada a segundo plano, a corrupção passou a

ser entendida como empecilho ao crescimento140 e assim considerada pelos

135 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 31. A respeito destaca GRACIA MARTÍN que a corrupção política bem como de funcionários públicos emerge como um típico exemplo de criminalidade globalizada. GRACIA MARTÍN, Luis. El derecho penal ante la globalización económica. In: El derecho penal económico y empresarial ante los desafíos de la sociedad mundial del riesgo. José Ramon Serrano-Piedecasas e Eduardo Demetrio Crespo. Madrid: Colex, 2010. p. 75. 136 Neste sentido vide BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito de corrupción en las transacciones comerciales internacionales. Salamanca: Iustel, 2012. p. 32 a 34; GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização …, p. 35. Costumeiro exemplo citado pela doutrina a respeito da interrelação entre corrupção e globalização é o caso que envolveu a empresa de aviação americana denominada Lockheed Corporation e o pagamento de suborno a funcionários públicos de países como Japão. A respeito vide LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas normativas a escala internacional. In: Corrupción, Cohesión Social y Desarrollo. El caso de Iberoamérica. José Antonio Alonso y Carlos Mulas-Granados (diretores). Madrid: FCE, 2011, p. 76; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito …, p. 23. 137 Cf. MERCADO PACHECO, Pedro. Estado y globalización: ¿crisis o redefinición del espacio político estatal? In: Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, Madrid, número 09, 2005. p. 128. 138 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 31. O exemplo dados pelos autores é o índice de corrupção em países da América Latina e o crime de narcotráfico nos Estados Unidos da América. Op. cit. p. 31. 139 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasíl ia: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 35. Assim também RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás. La necesaria …, p. 242. 140 COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 109.

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organismos internacionais141 como a Organização das Nações Unidas (ONU),

a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o

Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização dos

Estados Americanos (OEA), a Polícia Internacional (INTERPOL), a agência

Transparência Internacional (TI - criada por ex-executivos do Banco Mundial)

e o Fórum Econômico Mundial, entre outros. Este novo paradigma fez com

que diversas somas de dinheiro, na forma de subvenções, fossem aplicadas

em políticas de governança, reforma de sistemas judiciais e policiais, além de

auditorias para órgãos legislativos.142 Evidentemente que desta forma de

compreender e enfrentar a corrupção advieram inúmeros tratados e

regulamentações internacionais, os quais serão expostos devidamente abaixo

(item 1.3.4.), demonstrativos que são de uma remodelação do quadro

institucional até então em vigor em 1990 e nas décadas antecedentes.143

Como exemplo deste novo “momento” mundial, tem-se as Ilhas

Seychelles e o ocorrido no ano de 1995. Uma vez promulgada a Lei do

Desenvolvimento Econômico, norma que teria o condão de oferecer

imunidade de natureza criminal aos estrangeiros que alocassem

investimentos acima de US$ 10 milhões, a reação da comunidade

internacional foi imediata, de modo que “a Comissão Européia, a OCDE, a

Secretaria da “Commonwealth” (Comunidade Britânica), o Departamento de

Estado dos Estados Unidos, os ministros das relações exteriores da França e

da Grã-Bretanha, a INTERPOL e a Força-Tarefa de Ação Financeira

denunciaram essa lei, exigiram a revisão dela e ameaçam impor-lhe

sanções.”144

Podem ser apontadas circunstâncias adicionais à atualidade

como o debate e o enfrentamento da corrupção. Perfeitamente admissível 141 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 28. 142 COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 110. 143 COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 114. 144 GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 53 e 54. E concluem os autores: “Em primeiro lugar: a globalização alterou drasticamente as feições da corrupção. Segundo: mesmo que mudanças recentes tenham aberto novos caminhos para a corrupção, em contrapartida elas criaram também condições que propiciam oportunidades nunca antes vistas para a contenção e até para a redução dela. Terceiro: já que a corrupção se tornou um problema inerentemente global, os governos que agirem isoladamente só poderão obter pequenas conquistas.” A globalização ..., p. 54.

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mencionar que o tratamento da corrupção em sede internacional trazia uma

função absolutamente delicada do ponto de vista político, eis que o contexto

mundial favorecia o entendimento de que as intromissões de organismos

estatais em assuntos domésticos poderiam transparecer como ingerências

indevidas ou ainda em atitudes neocolonistas.145 Alterado o contexto mundial,

como visto acima, a tarefa se tornou menos árdua e, assim, mais factível.

Ademais, em países de pequeno desenvolvimento econômico e

social, a corrupção soava como necessária e benéfica frente ao elevado

caráter burocrático-administrativo de tais países. Em outras palavras: há

quem entendia (o que posteriormente ficou demonstrado ser um equívoco)

ser a corrupção (em especial o pagamento de subornos) um expediente

aceitável em prol do crescimento econômico daqueles países.146

Alguns imputam a atualidade das discussões em torno da

corrupção à independência judicial ou ainda à mídia. Defensor da

independência judicial como fator revelador da corrupção então encoberta,

Perfecto ANDRÉS IBÁÑEZ utiliza o exemplo italiano, mais precisamente a

extração do Poder judicial do jugo do Poder executivo, incluindo-se aí

também a independência do Ministério Público.147 Já José Maria SIMONETTI

associa – ao menos em terras argentinas – o debate atual sobre a corrupção

ao papel desempenhado pela mídia148, eis que ela teria passado a ocupar um

vazio deixado por demais atores sociais e, assim, passado a expressar as

demandas da sociedade.

145 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 43. 146 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 43. 147 ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Corrupción: necesidad, posibilidades y límites de la respuesta judicial. In: Poder, Derecho y Corrupción. México, 2003. p. 196. Ainda digno de nota: “(...) una de las circunstancias que hacen posible la articulación de una respuesta de cierto calado a aquellas formas degradadas de la actividad pública radica en la existencia de una instancia de fiscalización desde la legalidad dotada de cierto grado de independencia, como es la judicial.” Op. cit., p. 197. Já HASSEMER inclui a independência do Ministério Público como um dos fatores que denomina de prevenção técnica, que significa uma maneira de diminuir a corrupção sem o apelo ao direito penal, mas sim a efetivos instrumentos técnico-organizativos. HASSEMER, Winfried. Posibilidades jurídicas, policiales y administrativas de una lucha más eficaz contra la corrupción. In: Pena y Estado, Corrupción, Buenos Aires, número 1, año 1, 1995. p. 152. 148 SIMONETTI, José María. Notas …, p. 167-169. De acordo com a afirmação de SIMONETTI, mas sem conferir à mídia o papel de principal protagonista, vide COCKCROFT, Lawrence. Global ..., 104.

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Como asseverado acima, certamente este não é o fator

preponderante, mas sem dúvida auxilia a resposta sobre a indagação sobre a

atualidade da corrupção como um tema social de tamanha relevância como

se apresenta nos dias de hoje, ou melhor, nas duas últimas décadas.

No que toca propriamente ao Brasil, a (re)democratização ocupa

especial destaque a partir do seguinte silogismo. Se um dos pressupostos da

democratização é a transparência dos atos realizados pelo poder público,

conferindo ao cidadão o direito de eleger seus governantes, fiscalizá-los e

também participar da gestão da res publica, evidenciado está que o regime

em vigor no Brasil a partir de 1988 favoreça o descortinar da corrupção,

podendo trazer inclusive a percepção de que há mais atos de corrupção do

que outrora. Vêm a propósito as palavras de Juarez GUIMARÃES: “Em primeiro lugar, há a noção de que a corrupção dos políticos e no Estado é cada vez maior no Brasil. Esta noção baseia-se, de fato, em uma meia verdade: a percepção da corrupção é maior quando ela é mais combatida e exposta, não significando necessariamente que seja maior ou crescente. Uma situação de corrupção generalizada que não vem a público, por exemplo, em uma ditadura militar, pode ser percebida pela população como pouco corrupta. De modo inverso, um governo que estabeleça um trabalho sistemático de combate à corrupção enraizada historicamente nas várias estruturas do Estado pode ser percebido automaticamente como mais corrupto.”149

Do ponto de vista estritamente jurídico-penal a corrupção gravita,

com contornos específicos, em torno daquilo que se entende por Direito penal

econômico150 e divide o seu referencial teórico principal: <<a tutela de bens

jurídicos coletivos>>.151 Isso se deduz tanto nas figuras clássicas de

corrupção (cohecho, bribery), como nas mais novas tipologias acerca da

matéria, tais como a corrupção privada e a corrupção de funcionários públicos

estrangeiros, tanto na legislação brasileira quanto na internacional. Pode-se

149 GUIMARÃES, Juarez. Sociedade civil e corrupção: crítica à razão liberal. In: Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (orgs.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 90. 150 A respeito da definição de direito penal econômico vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006; BALDAN, Édson Luís. Fundamentos do direito penal econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2012; SCHMIDT, Andrei Zenkner. A delimitação do direito penal econômico a partir do objeto do ilícito. In: Direito penal econômico: Crimes financeiros e correlatos. Celso Sanchez Vilardi, Flávia Rahal Bresser Pereira, Theodomiro Dias Neto (coordenadores). São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19 a 77. 151 Vide, por todos, MARTINÉZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico. Parte general. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998. p. 89 a 118.

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dizer, portanto, que a corrupção lato sensu integra, parafraseando Luis

GRACIA MARTIN, o “novo” direito penal moderno, quanto mais se este autor

considera o Direito penal econômico (e ambiental) como a manifestação mais

destacada desta nova e atual vertente do jus puniendi estatal.152 Dessarte, a

resposta ao “por que agora a corrupção” encontra-se, em termos de Direito

penal, na atualidade dos desafios dogmáticos, político-criminais e

criminológicos congregados em aspectos da mais variada ordem.

1.3.4. Tratados internacionais.

A resposta à corrupção, portanto, passa obrigatoriamente pela

solução conjuntural internacional, a ponto de exigir a globalização dos

esforços institucionais a nível mundial.153 Nos últimos 30 anos é passível

denotar um empenho internacional direcionado a agasalhar diversos fatores

relacionados ao tema, tais como a criminalização da corrupção privada e de

funcionários públicos estrangeiros, a harmonização das sanções penais a

serem impostas pelos países, a facilitação da cooperação internacional e

também a inserção de medidas preventivas à ocorrência corrupta (programas

de cumprimento, compliance e governança corporativa).154 Já o objetivo

destes instrumentos internacionais é duplo: de um lado diz respeito à

implementação de efetividade nas medidas anticorrupção e de outro encerra

152 GRACIA MARTÍN, Luis. Prolegómenos para la lucha por la modernización y expansión del Derecho penal y para la crítica del discurso de resistencia. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 53 a 54 e 65. 153 CASTRESANA FERNÁNDEZ, Carlos. Corrupción, globalización y delincuencia organizada. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 220. Em idêntico sentido RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 252. É o caso de citar as palavras de ALONSO e LÓPEZ: “No obstante, en un mundo crecientemente globalizado este tipo de respuestas, limitadas ao espacio jurídico nacional, resulta claramente insuficiente. Dos razones avalan este juicio. En primer lugar, porque una parte importante de las prácticas corruptas en el mundo actual se realizan en el marco de las transacciones internacionales. En segundo lugar por la capacidad de contagio internacional que tiene el fenómeno.” LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 73. Utilizando-se da expressão “cooperação global” vide RAMINA, Larissa L. O. Ação internacional contra a corrupção. Curitiba: Juruá, 2002. p. 43. 154 Cf. PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política criminal internacional contra la corrupción. In: El derecho penal y la política criminal frente a la corrupción. Eduardo A. Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso e Nicolás Rodríguez García (coordenadores). Cidade do México: Ubijus, 2012. P. 207.

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a finalidade de impor uma unidade normativa para evitar tratamentos

distantes acerca dos atos de corrupção.155

Trata-se, de acordo com CERINA, de duas claras vertentes

fundamentais: “a) Por una parte, derogando cada vez con más frecuencia el principio de territorialidad; previendo normas que sancionan delitos que se desarrollan en parte o completamente en el extranjero y que afectan a bienes jurídicos no ya estrictamente domésticos. b) Por otra, alentando a la Comunidad internacional para que promueva la adopción de estándares comunes que permitan que las relaciones entre Estados se desarrollen según reglas compartidas. Evidentemente, ello precisa de un compromiso orientado a la sanción de ciertas conductas.”156

Advirta-se que nesta sede serão mencionados apenas alguns

dos tratados internacionais e regionais de maior importância, haja vista ser

assunto extenso e, de outro canto, não se apresentar como o objetivo

principal deste estudo. A ideia é justamente passar um panorama geral a

respeito do papel que jogam os organismos internacionais no combate à

corrupção.

A intervenção de caráter internacional incidente sobre a

prevenção157 e repressão de práticas corruptas remonta à década de 70 do

século passado, sendo o caso de mencionar o Projeto de Código Penal

Internacional elaborado entre os anos de 1976 e 1979 pela Associação

Internacional de Direito Penal (AIDP), pois no artigo XVIII de tal proposta se

encontrava prevista a tipificação da corrupção de funcionários públicos

estrangeiros.158 Também é da década de 1970 o Foreign Corrupt Practices

Act (FCPA)159, ato normativo norteamericano tendente a combater a

corrupção internacional de funcionários públicos estrangeiros.

155 LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 74 e 75. 156 CERINA, Giorgio D. M. Corrupción y cohecho. El derecho penal de iure condito y de iure condendo. In: Estudios sobre corrupción. Eduardo A. Fábián Caparrós e Ana Isabel Pérez Cepeda (coordenadores). Salamanca: Ratio Legis, 2010. p. 78 e 79. 157 Assevera José Artur RIOS: “O vulto dos interesses em jogo, no entanto, levou os cientistas políticos e os juristas a encarar tudo isso em contexto mais amplo. O problema não é mais de repressão, mas de prevenção.” RIOS, José Artur. A fraude social da corrupção. In: Sociologia da corrupção. Celso Barroso Leite (organizador). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987. p. 104. 158 De acordo com GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción ..., p. 48. 159 A adoção de tal ato normativo pelos Estados Unidos da América remonta a três fatos concretos transcorridos naquele país. O primeiro, do ano de 1976, foi o pagamento pela empresa Lockheed Corporation de 25 milhões de dólares americanos para funcionários japoneses de maneira a assegurar a venda de aviões modelo Tristar L-1011. Inclusive a

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Basicamente o FCPA congregava duas diretrizes fundamentais.

Inicialmente tem-se a criminalização da conduta de se oferecer ou entregar

vantagens indevidas a funcionários de governos estrangeiros no intuito de

proporcionar transações de natureza econômica. E, num segundo momento,

a Lei de práticas corruptas no exterior impôs a necessidade de confecção de

contabilidade detalhada das transações financeiras realizadas pelas

empresas norte-americanas com o estrangeiro, além de exigir sistemas

eficientes de controles internos e auditorias.160 Por óbvio que a citada Lei

norteamericana não passou imune a críticas das próprias empresas daquele

país como também de países estrangeiros.

Alegou-se que a responsabilidade por evitar e responsabilizar

funcionários corruptos seria dos países aos quais os funcionários fossem

subordinados, que os Estados Unidos buscavam impor sua norma à força em

escala internacional e que as empresas norte-americanas, a partir da citada

Lei, se encontrariam em situação de desvantagem diante de empresas

japonesas, europeias e outras, ante não se exigir destas a tomada de

medidas anticorrupção no trato com outras economias mundiais.161

Contudo, assiste razão a BENITO SÁNCHEZ ao declarar que,

embora não fosse norma vinculante a outros países, o FCPA foi pioneiro no

combate à corrupção de caráter internacional e, em especial, por sua

doutrina noticia que o primeiro ministro japonês à época, Kakuei Tanaka, teria recebido parte deste valor. O segundo seria uma investigação por parte da Securities and Exchange Comission (agência federal norteamericana responsável pela regulação do setor de valores mobiliários), a qual dava conta de que empresas norte-americanas teriam realizado pagamentos no exterior que se qualificavam como corrupção. Por fim, tem-se o fato conhecido como Watergate. Neste sentido vide BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 54 e 55. De igual forma LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 76. 160 Cf. LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 76. A respeito da importância do FCPA para o desenvolvimento de uma política internacional anticorrupção vide NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: El derecho penal económico en la era compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (directores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 191 e ss. 161 A assimetria existente entre as empresas americanas, sujeitas à legislação punitiva, e outras empresas internacionais constituiu “un motivo continuado de denuncia por parte de la Administración norteamericana, que exigía al resto de los países desarrollados un comportamiento más responsable y solidario en esta materia y, por otra, de queja de los círculos empresariales norteamericanos que sentían que la normativa los colocaba en una posición de desventaja relativa en la competencia internacional .” LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 76.

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flagrante influência nas posteriores medidas tomadas pelos demais Estados a

partir da década de 1990.162

Como fruto das pressões163 das empresas norte-americanas

sobre a diplomacia de seu país para que fossem impostas as mesmas regras

às demais empresas mundiais (se não a todas, mas à maioria), elaborou-se,

no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), o Convênio para a luta contra a corrupção de agentes públicos

estrangeiros em transações comerciais internacionais, no ano de 1997. O

notório objetivo foi prevenir a corrupção nas transações comerciais

internacionais de modo que empresas multinacionais participassem de

negociações globais a partir da premissa de respeito à lealdade da

concorrência.164

Em que pese não ser um acordo de natureza mundial, vinculante

a todos os países do globo165 e também tratar de uma modalidade assaz

particular166 de corrupção (corrupção ativa de funcionário público

internacional), o Convênio para a luta contra a corrupção de agentes públicos

estrangeiros possui certa relevância ao se considerar que os países

signatários do Convênio representavam dois terços de todas as exportações

de produtos e serviços no mundo todo.167 Acrescente-se ainda o fato de o

Convênio ter implicado, para além de razões éticas preexistentes de não se

realizar práticas corruptas no comércio internacional, em um marco normativo

de parâmetros para a alteração da legislação dos países envolvidos no

acordo. Exigiu-se, é verdade, dos Estados a criação de um tipo penal de

162 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 63. 163 CERINA, Giorgio D. M. Corrupción y …, p. 79. 164 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 75. 165 PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p. 209. 166 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 76. 167 LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas …, p. 80. Ainda de acordo com estes autores: “La convención de la OCDE entró em vigor el 15 de febrero de 1999, contando con 37 países firmantes. De ellos 30 son países miembros de la OCDE (Alemania, Australia, Austria, Bélgica, Canadá, Corea, Dinamarca, España, Estados Unidos, Finlandia, Francia, Grecia, Hungría, Irlanda, Islandia, Italia, Japón, Luxemburgo, México, Noruega, Nueva Zelanda, Países Bajos, Polonia, Portugal, Reino Unido, República Checa, República Eslovaca, Suecia, Suiza y Turquía); y 7 son países que no pertenecen a la OCDE: Argentina, Brasil, Chile, Estonia, Eslovenia, Bulgaria y Sudáfrica.” Respuestas ..., p. 79.

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corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros, inclusive sem a chance

de se alegar cláusulas de reserva para esta tipificação.168

Outro aspecto positivo a ser destacado a respeito do Convênio

da OCDE é o mecanismo de seguimento, instrumento responsável para a

verificação das obrigações impostas pelo instrumento normativo firmado,

ainda que a verificação de como as medidas foram e estão sendo

implementadas evidencie que ainda há muito o que fazer, isto é, o

cumprimento dos Estados signatários deixaria a desejar. Anota BENITO

SÁNCHEZ que “en el último informe presentado por Transparencia

Internacional, organización a que la propia OCDE le encarga hacer un

seguimiento paralelo del cumplimiento del Convenio, únicamente siete de

todos los Estados parte realizan una aplicación activa del mismo frente a los

nueve que han realizado una aplicación moderada y los veinte que o no lo

han aplicado o lo han hecho escasamente.”169

Paralelamente ao Convênio firmado pelos países integrantes da

OCDE (e mais alguns outros) a Organização dos Estados Americanos (OEA)

foi a responsável pela aprovação do primeiro170 Convênio Internacional sobre

a corrupção de maneira a impor que os países signatários adotassem

medidas administrativas e legislativas multilaterais para combater as práticas

de corrupção. Identifica RAMINA diversos aspectos ínsitos à denominada

Convenção Interamericana contra a Corrupção: i) ser o “exemplo pioneiro de

ação regional em desenvolvimento”171 no combate à corrupção; ii) a criação

de diversas obrigações e princípios para a luta contra a corrupção; iii) a

criação e inserção de mecanismos anticorrupção, além de assistência

recíproca em matérias de legislação; iv) a adoção de medidas de extradição,

arresto de bens e cooperação jurídica internacional; v) a prospecção da

criminalização, desde que isso não confronte com seu ordenamento interno,

168 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 83. 169 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 83 e 84. 170 Cf. GONZÁLEZ, Joaquín. La corrupción ..., p. 51; LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas …, p. 82; RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La corrupción ..., p. 254; RAMINA, Larissa L. O. Ação …, p. 73 171 RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 73.

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da corrupção de funcionários públicos estrangeiros; vi) a adoção de medidas

de prevenção à corrupção baseados na publicidade, eficiência e ética.172

Os propósitos deste importante instrumento internacional,

aprovado em 1996 e ratificado pelo Estado brasileiro em 07 de outubro de

2002 por meio do Decreto 4.410/2002, não apenas porquanto o pioneiro, mas

também por sua relevância de conteúdo, seriam: “El primero, promover y fortalecer el desarrollo, por cada uno de los Estados Parte, de los mecanismos necesarios para prevenir, detectar, sancionar y erradicar la corrupción. El segundo, promover, facilitar y regular la cooperación entre los Estados Parte a fin de asegurar la eficacia de las medidas y acciones para prevenir, detectar, sancionar y erradicar los actos de corrupción en el ejercicio de las funciones públicas y los actos de corrupción específicamente vinculados con tal ejercicio.”173

Não há dúvidas de que o enfrentamento da corrupção por

intermédio da Convenção Interamericana partiu de um conceito amplo de

corrupção e, assim, bem maior do que os atos de corrupção ativa e passiva

criminalizados no Direito brasileiro nos artigos 333 e 317 do Código Penal,

respectivamente.

De acordo com o artigo IV da Convenção Interamericana se diz

que os atos de corrupção por ela abrangidos seriam:

a) a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um

funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer

objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores,

promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade

em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas

funções públicas;

b) a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário

público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor

pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou

vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca

da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções

públicas;

172 RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 73. 173 LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 82.

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c) a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa

que exerça funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de

suas funções, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para

um terceiro;

d) o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes

de qualquer dos atos a que se refere este artigo; e,

e) a participação, como autor, co-autor, instigador, cúmplice,

acobertador ou mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa

de perpetração ou na associação ou confabulação para perpetrar qualquer

dos atos a que se refere este artigo.

Além disso, seu artigo IV.2. esclarece ser a Convenção também

aplicável por acordo mútuo entre dois ou mais Estados Partes com referência

a quaisquer outros atos de corrupção que a própria Convenção não defina.

Tanto a Convenção elaborada no âmbito da OCDE quanto a

Convenção Interamericana (OEA)174 conseguiram materializar em acordos

normativos a importância do combate à corrupção em uma escala antes não

existente e, quiçá, sequer imaginável. Nada obstante se fazia necessário

adotar um instrumento <<verdadeiramente universal>>175 e que seguramente

exigiria a intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU).

Dessarte, a Organização das Nações Unidas promoveu já no ano

de 2000 a Convenção contra a delinquência organizada transnacional. No

Brasil esta foi reconhecida e internalizada no direito interno por meio do

Decreto 5.015/2004. De acordo com o título da convenção fica evidente que o

174 Esta convenção também prevê mecanismos de seguimento, ou seja, “un instrumento de carácter intergubernamental establecido en el marco de la OEA para apoyar a los Estados que son parte del mismo en la implementación de las disposiciones de la Convención, mediante un proceso de evaluaciones recíprocas y en condiciones de igualdad, en donde se formulan recomendaciones específicas con relación a las áreas en que existan vacíos o requieran mayores avances”. Já os propósitos deste sistema seriam: “a) promover la implementación de la Convención y contribuir al logro de sus propósitos; b) dar seguimiento a los compromisos asumidos por los Estados Parte y analizar la forma en que están siendo implementados; y, c) facilitar la realización de actividades de cooperación técnica; el intercambio de información, experiencia y prácticas óptimas; y la armonización de las legislaciones de los Estados Parte.” Tais definições e conceitos foram retirados diretamente da página eletrônica da OEA, http://www.oas.org/juridico/spanish/mesicic_intro_sp.htm, acesso em 05 de abril de 2014, às 14h52min. O último relatório sobre o Brasil foi feito em 2012 e está disponível no link http://www.oas.org/juridico/PDFs/mesicic4_bra_sp.pdf, acesso em 05 de abril de 2014, 14h57. 175 PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p. 209.

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objetivo maior era o trato de questões relacionadas ao crime organizado. Não

sem razão a Convenção aqui mencionada e, por conseguinte, o Decreto

5.015/2004, tratam nos artigos 8176 e 9177 de medidas para a criminalização e

prevenção da corrupção. Isso em razão de os atos de corrupção estarem

diretamente relacionados com a criminalidade organizada.178

Contudo, a Assembleia Geral da ONU compreendeu ser

necessário o tratamento específico, mediante uma Convenção própria, da

corrupção e para tanto as resoluções da ONU n. 55/61 e 55/188 tiveram

especial importância.

Elegido um grupo intergovernamental de experts (Comitê

Especial) na matéria, que se reuniram em sete oportunidades no período

entre 21 de janeiro de 2002 a 01 de outubro de 2003, o resultado foi o texto

apresentado como Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção no dia

31 de outubro de 2003 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova

176 Artigo 8. Criminalização da corrupção. 1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando intencionalmente cometidos: a) Prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais; b) Por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais. 2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para conferir o caracter de infração penal aos atos enunciados no parágrafo 1 do presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um funcionário internacional. Do mesmo modo, cada Estado Parte considerará a possibilidade de conferir o caracter de infração penal a outras formas de corrupção. 3. Cada Estado Parte adotará igualmente as medidas necessárias para conferir o caráter de infração penal à cumplicidade na prática de uma infração enunciada no presente Artigo. 4. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo e do Artigo 9, a expressão "agente público" designa, além do funcionário público, qualquer pessoa que preste um serviço público, tal como a expressão é definida no direito interno e aplicada no direito penal do Estado Parte onde a pessoa em questão exerce as suas funções. 177 Artigo 9. Medidas contra a corrupção. 1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos. 2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação. 178 “No cabe duda de que la corrupción en el momento actual, dada la dimensión internacional que ha adquirido, es una de las modalidades más del crimen organizado transnacional.” PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p. 209

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Iorque. O Estado brasileiro ratificou tal convênio normativo pelo Decreto n.

5.687/2006.179

Evidentemente se trata do mais importante instrumento

internacional de prevenção e repressão às práticas corruptas, eis que “han

participado países de todas las regiones del mundo, lo que no acontece en

otras iniciativas de alcance territorial más restringido que sólo reúnen a

países que se enfrentan a problemas similares y comparten, al menos el

cierto grado, prácticas jurídicas similares.”180 Esta vinculação internacional é

deveras o caráter mais relevante da convenção e, ainda, tem se de

considerar o número de países que assinaram o documento e ratificaram o ali

acordado em seu direito interno.

O texto firmado possui 71 artigos, cuja análise só seria viável se

este fosse o objeto direto desta tese. Como não o é, cumpre tecer apenas

algumas breves considerações acerca daquilo que se entende como mais

importante, isto é, suas finalidades e alguns de seus conceitos.

O artigo 1 da Convenção estabelece como suas finalidades:

a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater

mais eficaz e eficientemente a corrupção;

b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a

assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a

recuperação de ativos;

c) Promover a integridade, a obrigação de render contas e a

devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.

Já o artigo 2, letra a, da Convenção da ONU traz a definição de

funcionário público, conceito de que deverá ser entendido como “ i) toda

pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial

de um Estado Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário,

remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo;

ii) toda pessoa que desempenhe uma função pública, inclusive em um

organismo público ou numa empresa pública, ou que preste um serviço

179 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm, acessado em 05 de abril de 2014, às 15h49min. 180 RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254. No mesmo sentido BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 120;

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público, segundo definido na legislação interna do Estado Parte e se aplique

na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte; iii) toda

pessoa definida como "funcionário público" na legislação interna de um

Estado Parte.”

A Convenção da ONU contra a Corrupção não define nem

conceitua corrupção, mas sim estabelece alguns dos tipos penais mais

importantes deste fenômeno delitivo181, ou seja, atos de corrupção que “serão

constitutivos de delito”182, valendo destacar o suborno de funcionários

públicos nacionais (artigo 15), o suborno de funcionários públicos

estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas (artigo

16), a malversação ou peculato, apropriação indébita ou outras formas de

desvio de bens por um funcionário público (artigo 17), o tráfico de influências

(artigo 18), o abuso de funções (artigo 19), o enriquecimento ilícito (artigo

20), o suborno no setor privado (artigo 21), a malversação ou peculato de

bens no setor privado (artigo 22) e a lavagem de produto de delito (artigo 23).

Tratou ainda a Convenção a respeito da responsabilidade penal

das pessoas jurídicas (artigo 26)183. No seu capítulo IV estão contidas

medidas de cooperação jurídica internacional e o capítulo V tratou da

recuperação de ativos. Para rematar, o capítulo VI versa sobre assistência

técnica e intercâmbio de informações, o capítulo VII sobre os mecanismos de

aplicação e o VIII de disposições finais referentes à solução de possíveis

controvérsias na interpretação e aplicação dos dispositivos da Convenção.

É com acerto que BENITO SÁNCHEZ conclui que a Convenção

das Nações Unidas contra a corrupção, que possui um evidente “enfoque

181 LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 88. 182 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 121 e 122. 183 “1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos. 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou não-penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente Artigo.”

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aberto e multidisciplinar”184, “representa el comienzo de una nueva etapa en

la lucha contra la corrupción”185, sendo estes os seus argumentos: “1. La especial atención que presta a la prevención de la corrupción, tanto en el sector público como el en sector privado, fomentando na participación activa de la sociedad civil y de las organizaciones no gubernamentales en la prevención y lucha contra la corrupción. 2. La ampliación de las conductas que los Estados parte deben tipificar como delito, más allá de los clásicos delitos de cohecho. 3. El novedoso capítulo concerniente a la recuperación de activos, más desarrollado que en la CICC y que prevé, por ejemplo, que esos fondos se destinen a la indemnización de víctimas de los delitos tipificados de acuerdo a la Convención (art. 57.3.c.). 4. La singular disposición prevista en el art. 67.2, la cual permite la firma de la Convención por organizaciones regionales de integración económica siempre que al menos uno de sus Estados miembros haya firmado la Convención.”186

Outros aspectos187 tomados como positivos seriam a

demonstração de que a corrupção está vinculada a outros delitos, em

especial à lavagem de dinheiro e outros delitos relacionados à delinquência

econômica e organizada, de que os grandes casos de corrupção ocasionam

danos à estabilidade política e ao desenvolvimento econômico e social dos

países, de que a globalização tornou a corrupção um tema de afetação

mundial e não apenas regional, sendo a cooperação internacional o único

meio de enfrentá-la a contento e, por fim, ser relevante o auxílio a países que

necessitem aprimorar seus sistemas de administração governamental,

prestação de contas e transparência da gestão pública.

O aspecto negativo da Convenção ficaria por conta da

precariedade de seu sistema de seguimento, seja porque muito pouco foi

disciplinado188, seja porque até o presente momento a mencionada revisão

dos resultados da Conferência189, que teria a finalidade de analisar a

184 RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254. 185 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 127. Realmente o passo dado pela ONU foi fundamental e se apresenta como um divisor de águas pois “su alcance mundial permite afrontar problemas y actuaciones que serían difíciles de abordar a partir de las convenciones regionales existentes.” LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 90. 186 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 127 e 128. 187 Vide neste sentido RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254. 188 Vide, neste sentido, o artigo 63 da Convenção. 189 Eis a informação disponível no site do Ministério da Justiça acerca dos mecanismos de seguimento da aludida Convenção: “Grupo de Trabalho sobre Mecanismos de Revisão: Em sua terceira Sessão, realizada no Catar em novembro de 2009, a CoP de Mérida adotou a Resolução 3/1, intitulada “Mecanismo de Revisão”, na qual a Conferência relembrou o Artigo 63 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, especificamente o parágrafo 7°, sobre a criação de mecanismos apropriados de implementação da Convenção.” Disponível

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execução da Convenção, não foram os esperados, eis que não se chegou a

um acordo “sobre cómo evaluar de forma independiente el avance de los

países en la aplicación”190 da Convenção das Nações Unidas sobre a

Corrupção. Some-se a isso o caráter confidencial191 do documento

eventualmente emitido e que avalie o cumprimento das medidas dispostas na

Convenção por parte de um Estado.

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção. 1.4.1. Causas.

Ainda que se corra o risco de utilizar um conceito e imagem

reducionistas, tal como outros aspectos vinculados à corrupção, não é viável

o discurso de se apontar, sem margem para equívocos e esquecimentos,

quais são todas as causas do fenômeno corruptivo.

Em sendo o conceito polissêmico e multidisciplinar, abrem-se

automaticamente diversos aspectos conceituais e, por conseguinte, de

fatores aptos a desencadear a corrupção ora política, ora econômica, ora

funcional, ora judicial, de modo que qualquer afirmação de natureza

categórica e em caráter final acerca das causas torna-se indevida. Por óbvio

que consideradas as conjunturas nas quais se inserem as práticas de

corrupção, tampouco permitem que estas sejam reconduzíveis a um único

em http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BE1AEA228-4A3C-41B5-973D-C4DF03D90402%7D&Team=&params=itemID=%7BE4054809-BF95-4DCB-B458-541E32146AA2%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D, acesso em 05 de abril de 2014, às 17h25min. De acordo com BENITO SÁNCHEZ trata-se de “un instrumento donde queda patente el absoluto respecto que ha de profesarse a la soberanía de los Estados parte, pues los informes de evaluación de cada país tienen que ser adoptados de común acuerdo entre los Estados examinadores y el Estado examinado; informe que además tendrá carácter confidencial, aunque <<se procurará>> que pueda estar a disposición de otros Estados que lo soliciten con el fin de mejorar y fortalecer la cooperación y el aprendizaje entre ellos.” El delito ..., p. 128 e 129. 190 LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 92. 191 A respeito afirma BENITO SÁNCHEZ: “... y será confidencial, aspecto este último, a mi juicio, criticable, pues la publicidad del informe debería constituir una suerte de sanción para el Estado incumplidor, como sucede con los mecanismos de seguimiento de otros instrumentos supranacionales anticorrupción.” El delito ..., p. 129.

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fator192. Se indevida é a elucubração sobre um único fator causador da

corrupção e também um rol taxativo das causas, mais relevante é a

verificação das prováveis causas e fatores para a demonstração da

regularidade, gravidade e impunidade193 da espécie de delito aqui em estudo.

Contudo, sem ares e auspícios de se apresentar um rol taxativo

e cerrado, tem-se que a doutrina especializada enxerga, dentre várias, com

relativo grau de certeza, algumas das causas e fatores que podem

desencadear a corrupção. Ou melhor, tem-se que realmente são fatores que

auxiliam a ocorrência de ambientes propícios ao desenvolvimento da

corrupção. Causas diretas e imediatas da corrupção são, por sua vez, muito

dificilmente demonstráveis, em que pese o desenvolvimento de debates e

questionamentos empíricos a respeito.194 Desta forma é que regimes poucos

democráticos, com parco investimento na educação de seus cidadãos, com

razoável tradição na prática de atos de corrupção, entre tantas outras causas

abaixo desveladas, relevam-se, é verdade, propícios à ocorrência de práticas

corruptas e não causas diretas da corrupção que se quer prevenir e reprimir.

Não sem razão o Banco Mundial menciona que as causas da

corrupção são sempre contextuais e derivadas das políticas dos mais

variados países, das tradições burocráticas, do desenvolvimento político e da

história de determinada sociedade.195

192 IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas preventivas en la lucha contra la corrupción en el ámbito de la Unión Europea. In: Revista Penal, Valencia, n. 14, 2004. p. 53. 193 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 45. 194 Cf. FILGUEIRAS, Fernando. Comunicação ..., p. 79. Ainda de acordo com Rita FARIA: “O meio em que a corrupção se desenvolve é hábil a proteger-se de intrusos e do investigador exigir-se-ia que reunisse em si conhecimentos especializados tão amplos que cobrissem áreas como a contabilidade, a economia, o direito, a sociologia e a etnografia. Reunir tais características numa só pessoa a trabalhar no campo torna-se, por isso, extremamente difícil.” FARIA, Rita. Corrupção: descrições e reflexões. Sobre a possibilidade de realização de uma abordagem criminológica ao fenômeno da corrupção em Portugal. In: Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Lisboa, n. 01, ano 17, janeiro/março de 2007. p. 110 e 111. 195 Textualmente: “The causes of corruption are always contextual, rooted in a country's policies, bureaucratic traditions, political development, and social history. Still, corruption tends to flourish when institutions are weak and government policies generate economic rents. Some characteristics of developing and transition settings make corruption particularly difficult to control. The normal motivation of public sector employees to work productively may be undermined by many factors, including low and declining civil service salaries and promotion unconnected to performance. Dysfunctional government budgets, inadequate supplies and equipment, delays in the release of budget funds (including pay), and a loss of organizational purpose also may demoralize staff. The motivation to remain honest may be further weakened if senior officials and political leaders use public office for private gain or if

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A Organização das Nações Unidas (ONU), de acordo com

RAMINA, analisa as causas da corrupção por meio de algumas raízes

estruturais, sendo elas:

a) situações de monopólio ou oligopólio de empresas, regimes ou

partidos que controlam o poder durante largos períodos de tempo;

b) a ampla discricionariedade de que gozam indivíduos ou

organizações (empresariais ou Estados);

c) ausência de transparência no exercício do poder, e;

d) incidência de assimetrias em ambientes administrativos,

culturais, legais, econômicos ou políticos.196

Isto posto, e salientando que a corrupção nos países ocidentais é

hoje, ainda que isso possa variar conforme o grau de democracia vigente em

cada país, de caráter democrático197, pode-se salientar os seguintes

fatores198 como propensos a desencadear a corrupção:

A debilidade do sistema governamental instalado em

determinado país é seguramente o principal aspecto causador da corrupção,

a ponto de se poder afirmar que a corrupção é um claro sintoma da

imperfeição das instituições de um país.199 Governos instáveis e/ou ilegítimos

acabam por impedir a criação de instrumentos institucionais aptos a combater

those who resist corruption lack protection. Or the public service may have long been dominated by patron-client relationships, in which the sharing of bribes and favors has become entrenched. In some countries pay levels may always have been low, with the informal understanding that staff will find their own ways to supplement inadequate pay. Sometimes these conditions are exacerbated by closed political systems dominated by narrow vested interests and by international sources of corruption associated with major projects or equipment purchases.” Disponível em http://www1.worldbank.org/publicsector/anticorrupt/corruptn/cor02.htm, acesso em 17 de abril de 2014, às 16h49mim. Grifo não existente no original. 196 RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 35. 197 BARBOZA, Márcia Noll. O combate à corrupção no mundo contemporâneo e o papel do Ministério Público no Brasil. In: O papel do Ministério Público no combate à corrupção. Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 90. 198 Os fatores e causas retratados dizem respeito a questões mais imediatas do ponto de vista temporal. Para vislumbrar fatores como forma de colonização, sistema jurídico adotado, aspectos religiosos incidentes sobre a forma de governo e a legislação e fragmentação étnico-cultural vide ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 46 a 49. Um breve resumo da noção exposta por estes autores é passível de visualização em LAUFER, Daniel. Breves apontamentos sobre a corrupção e seu tratamento no Direito Brasileiro: atualidades e perspectivas. In: Questões atuais do sistema penal. Estudos em homenagem ao professor Roncaglio. Paulo Busato (coordenador). Alexandre Ramalho de Farias e Luiz Carlos Hallvass Filho (organizadores). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 247. 199 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 45.

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a corrupção, propiciam lacunas normativas propícias à corrupção, propiciam a

que os agentes públicos busquem benefícios diretos por meio de suas ações

e, por fim, impedem a consolidação de carreiras públicas perenes e

previsíveis, com o que aproveitam para tirar vantagem imediata a partir de

suas posições na burocracia estatal.200

Os países que possuem parca delimitação entre a esfera pública

e a privada também propiciam ambiente adequado ao desenvolvimento de

práticas corruptas. Isso, aponta SCHILLING, pode ocorrer tanto em países

com governos fortes e estáveis como em países com governos fracos e

instáveis, nos quais se verifica, “em comum, um momento de redefinição ou

uma indistinção histórica entre o que há de ser considerado como público e

privado assim como o papel do Estado na gestão da economia.”201

Ademais, o grau de subdesenvolvimento ou, a contrario sensu, o

nível de desenvolvimento de um país também determina os índices de

corrupção. Tem-se que o grau de desenvolvimento econômico de um país

acaba por proporcionar a geração de valores a serem investidos nas

instituições do poder público (executivo, legislativo e judiciário), acarretando

efeitos inclusive nos cidadãos que terão maiores condições de requerer e

exigir mais transparência e eficácia da Administração pública.202

O grau de democracia203 é também um fator a ser analisado

quando se fala de fatores desencadeantes da corrupção. Fatores como

opacidade política ou, ainda, a ausência de controle da sociedade acerca dos

atos praticados pelo Poder Público favorecem o sigilo e a ocultação das

ações ilegais promovidas. Assiste razão a ALONSO e GARCIMARTIN ao

afirmarem: “La representación institucional de intereses diversos en el seno del Estado, el mayor peso otorgado a los procedimientos legales en el resolución de conflicto de intereses, la actuación vigilante de los medios de comunicación o la presión de una sociedad civil con capacidad para organizarse y actuar en la esfera pública constituyen rasgos de la democracia que tienden a limitar el espacio para las prácticas corruptas.”204

200 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 52 e 53. 201 SCHILLING, Flávia. Corrupção ..., p. 56. 202 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 53. 203 Tal compreensão não é imune a críticas. Neste sentido vide NOONAN, John T. Subornos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1984. p. 805 e seguintes. 204 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 49.

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Assim é que a escassa transparência205 da atuação dos

servidores públicos aliado à larga ausência de mecanismos de

responsabilização e controle dos atos praticados por aqueles, tudo próprio de

regimes não democráticos, auxiliam sobremaneira a ocorrência de práticas

corruptas206, de modo que a conhecida frase atribuída a Lord Acton, “o poder

tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”, vem bem a

calhar. A observância dos princípios democráticos para a tomada de decisões

aliada a conceitos como transparência, responsabilidade e integridade e

devida atenção à divisão dos poderes são ferramentas que obstam o

desenvolvimento da corrupção.207

A solidez do sistema judicial também opera sobre a realidade da

corrupção. Sem desconhecer que o sistema judicial adequado é aquele

inserido em regimes democráticos, conforme reafirmado no parágrafo

anterior. A transparência, a independência e a solidez do sistema judicial,

assim reconhecidas tais características no cumprimento de normas para a

investigação, ampla defesa, aplicação do princípio do contraditório e

imposição de sanções aos responsáveis, acabam por referenciar um <<fator

institucional chave>> para a prevenção e repressão dos casos de

corrupção.208 Regras e punições judiciais claras e efetivas tendem a auxiliar o

estabelecimento de padrões de comportamento.209

A existência de uma adequada carreira profissional, associada a

uma justa retribuição salarial também figuram como fatores aptos a

205 “Un Estado, en suma, no es fuerte por su tamaño, sino por su fortaleza, que se expresa por la calidad de sus decisiones.” ACOSTA, Alberto. Prólogo …, p. 10. Igualmente menciona a da (falta de) transparência como fator impeditivo (causador) da corrupção: MEDEIROS, Humberto Jaques de. O papel do Ministério Público no combate à corrupção. In: O papel do Ministério Público no Combate à Corrupção. Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 61. 206 MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito de cohecho de funcionarios nacionales en el Código Penal español: condicionantes internacionales y principales aspectos de su nueva regulación. In: El Derecho Penal y la política criminal frente a la corrupción. Eduardo A. Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso y Nicolás Rodríguez Garcia (coordinadores). Ciudad de México: Inacipe, 2012. p. 253. 207 IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas …, p. 53. 208 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ..., p. 49. 209 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 351. Apresentando a noção de que o Judiciário joga um papel muito importante no combate à corrupção, passando por aspectos como autonomia, integridade e eficácia do Judiciário vide BARBOZA FILHO, Rubem. Judiciário. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer (et. al.) 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 449-453.

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desencadear e, em contrapartida, a refrear as ocorrências corruptas210. Não

há dúvida de que adequados salários e políticas de carreiras bem delineadas

tendem a retirar a sedução do recebimento de subornos e solicitação de

propinas.211 De acordo com Carlos Higino Ribeiro de ALENCAR e Ivo GICO

JR., “o agente público é um agente racional maximizador que realiza – ainda

que intuitivamente e de acordo com suas preferências – uma análise prévia

do custo-benefício de sua conduta ilícita antes de realizá-la.”212

Há quem impute ao excesso de burocracia213 e também, de outro

lado, ao excesso de discricionariedade administrativa214 a qualidade de

fatores que disseminam e contribuem ao aumento da corrupção.

ALBUQUERQUE215 afirma que no direito público brasileiro o que se visualiza

é a inexistência de instrumentos para o controle da discricionariedade216 do

agente público nem tampouco de preocupação com a formação moral de tal

agente. Some-se ainda, segundo o autor, o exercício da função pública

muitas vezes não delimitada por normas jurídicas que possam controlá-la a

contento.

A respeito da burocracia destaca o sociólogo José Artur RIOS: 210 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ......, p. 49. 211 ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 50. 212 ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de; GICO JR., Ivo. A eficácia dos salários públicos como instrumento de combate à corrupção. In: Direito penal e economia. Thiago Bottino e Diogo Malan (coordenadores). Rio de Janeiro: Elsevier: FGV, 2012. p. 82. Tais autores chegam, no mesmo estudo, à conclusão de que no Brasil “as informações disponíveis podem indicar que os salários dos servidores públicos federais não representam um elemento propiciador da corrupção no Brasil.” ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de; GICO JR., Ivo. A eficácia ..., p. 97. 213 Em comentário à realidade italiana, que muito se assemelha à brasileira, aduz Mario CACIAGLI: “Una tercera causa macropolítica y a largo plazo de la corrupción ha sido identificada en los procedimientos burocráticos. Los procedimientos largos y complejos, propios de la administración italiana, junto a la ineficiencia de la misma, permiten la intervención del político para facilitar la resolución de asuntos que, aunque sean normales y debidos, encuentran sin embargo muchos obstáculos. El mismo burócrata, de acuerdo con el político o por su iniciativa, llega a ser protagonista de la práctica corrupta. La maladministración crea las condiciones favorables para la corrupción.” CACIAGLI, Mario. Clientelismo, corrupción y criminalidad organizada. Evidencias empíricas y propuestas teóricas a partir de los casos italianos. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996. p. 73. 214 Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. Corrupción …, p. 65-70. 215 ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. O protagonismo do Ministério Público no Estado de Direito: a cidadania contra a corrupção. In: O papel do Ministério Público no Combate à Corrupção. Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 22. 216 Adverte Amartya SEN que “alguns sistemas de regulamentação encorajam a corrupção conferindo poderes discricionários aos altos funcionários que podem conceder favores a terceiros – em especial homens de negócios - , favores que podem render-lhes muito dinheiro.” SEN, Amartya. Desenvolvimento ..., p. 351.

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“A corrupção, como todos os desvios, é inconcebível sem a norma da qual é o avesso: a lei antieconômica, a regulamentação minuciosa, ao arrepio da realidade, tudo isso que, visando aparentemente um fim corretivo, pode ser causa de distorções e abusos. A burocracia é uma geradora de corrupção, como a tecnocracia. (...) Quando uma empresa se vê tolhida em seu funcionamento pela demora na concessão da patente ou do alvará, quando os dias correm sem que possa usar a licença requerida ou abrir as portas para iniciar sua atividade, que muito é que busque no burocrata ou tecnocrata prestimoso a franquia solicitada.”217

Outro fator reconhecido como causador de práticas corruptas

vem a ser a intervenção estatal na economia. Desta forma, “el progresivo

intervencionismo estatal en la vida económica, asumiendo un gran

protagonismo en la prestación de servicios y en la ejecución de grandes

inversiones públicas”218 surge como um fator econômico geral de

desenvolvimento da corrupção. A expansão dos gastos públicos e maior

regulamentação estatal da vida econômica realmente incidem no surgimento

da corrupção, pois se associam à burocratização dos procedimentos estatais,

à expansão de empresas públicas com elevado poderio econômico e criação

de entes regulatórios, sendo nestes setores larga a possibilidade de

influência política na nomeação dos administradores e dirigentes.219 Não sem

razão se afirma que a intervenção estatal, travestida de rigores de

neutralidade e transparência, acaba por favorecer ambientes para a prática

de subornos e obtenção de benefícios indevidos.220

Atente-se ser muito improvável – ainda que varie o grau de

liberalismo incidente sobre a administração e a economia de determinado

Estado-nação – que sejam relegados a segundo plano os conteúdos

essenciais do Estado de bem-estar e, assim, retraída por completo a

intervenção estatal na economia.221

Héctor A. MAIRAL também destaca o Direito como um fator

preponderante para o desenvolvimento da corrupção. E não está a falar da

217 RIOS, José Artur. A fraude ..., p. 100. 218 IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas …, p. 53. 219 Cf. CACIAGLI, Mario. Clientelismo ..., p. 73. 220 MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito ..., p. 253. No mesmo sentido vide MAIRAL, Héctor A. Las raíces legales de la corrupción: o de cómo el derecho público fomenta la corrupción en lugar de combatirla. Buenos Aires: Rap, 2007. p. 16 e 17. 221 Cf. GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción ..., p. 109.

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ausência de (não) aplicação das normas administrativas ou penais

direcionadas a prevenir e reprimi-la.

Sua noção é outra e atravessa o raciocínio de que “además de

servir de instrumento a un sistema económico que fomente la corrupción,

también puede actuar independientemente como factor de corrupción”222, eis

que certas características ínsitas à estruturação do sistema jurídico acabam

por favorecer a conduta de descumprimento sancionável.223 Segundo MAIRAL

destacam-se, como fatores jurídicos causadores da corrupção, a insegurança

jurídica224 e suas derivações de desconhecimento da norma225, a obscuridade

e a vaguidade226 das regras jurídicas, as normas de validade duvidosa227, a

restrição do acesso à justiça228, as normas irreais ou excessivamente

ambiciosas229, o número excessivo de outorgas discricionárias aos

funcionários públicos230, e, por fim, os defeitos normativos de contratação da

Administração Pública231.

Por fim, o aspecto moral. Não se pode descuidar do aspecto

moral, aqui considerado como a “ inexistência de uma consciência coletiva

que valorize o interesse comum mais além dos interesses individuais.”232

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro.

No tocante ao Estado Brasileiro, é possível apontar algumas

causas específicas das práticas corruptas que o assolam. São diversas, diga-

se de passagem, muito embora algumas destas fontes geradoras ganhem

maior relevo.

222 MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 18. 223 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 21. 224 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23. 225 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23 a 27. 226 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 27 a 31. 227 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 31 a 34. 228 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 34 a 36. 229 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 49 a 55. 230 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 55 a 66. 231 Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 73 e seguintes. 232 MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito ..., p. 253. Tradução livre.

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Desponta, de início, a forma pela qual o Brasil foi colonizado, vez

que aqueles que por aqui aportaram não traziam consigo um projeto de nação

delineado e, muito menos, compromissos ou projetos ideológicos de

coletividade.233 O molde de colonização utilizado pelos portugueses,

justamente em razão de seu cunho eminentemente predatório e

arrecadatório, resvalou na concessão de privilégios econômicos e fiscais

àqueles que viessem explorar esta região.234

Tal realidade é bem retratada por Raimundo FAORO em obra

obrigatória sobre o tema: “Entre o Estado e o particular, na exploração dos tributos e dos monopólios, se fixa, densa e ávida, impiedosa e insaciável, uma camada de exploradores, alimentada pela Coroa. O primeiro representante da inquieta geração será dom Fernão de Loronha, arrendatário das riquezas da terra do Brasil, com direito a explorar o monopólio de pau-Brasil. Os contratadores virão na sua esteira, arrematando ou recebendo em concessão a cobrança de tributos, o negócio dos diamantes e os caminhos de bens e pessoas. Dos rendosos contratos sobrará muito para a corrupção – as luvas aos intermediários e governadores, na denúncia do maldizente autos das Cartas chilenas. Os próprios cargos do Brasil, reservados a premiar serviços e colocar a nobreza ociosa, passaram a ser vendidos, a partir do século XVIII. Burguesia e funcionários, afastados pelas atividades e preconceitos, se unem na mesma concepção de Estado: a exploração da economia em proveito da minoria que orienta, dirige, controla, manda e explora. A mistura das águas seria inevitável, diante da tarefa comum, com iguais proveitos para quem concede os benefícios e para quem os gere. A burguesia, fechado o caminho da revolução industrial no país, se converte em apêndice da nobreza, apêndice que sua rendimentos e se assenhoreia de privilégios.”235

Surge, com isso, a concepção patrimonialista do Estado, ou seja,

aquela caracterizada por uma simbiose entre atividade pública e negócios de

natureza privada, ou seja, “segundo a qual posições e cargos deveriam ser

naturalmente explorados por governantes e funcionários, cujos recursos eram

indistintos em relação aos do Estado ou advinham da exploração daquelas

posições e cargos como prebendas que lhes permitiam extrair benesses

233 Cf. BARBOZA, Márcia Noll. O combate ..., p. 101 e 102. 234 Cf. HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira corrupção: graduação da influência ilícita no Estado Brasileiro. In: Revista Ibero-americana de ciências penais, Porto Alegre, número 15, ano 8, 2007. p. 89. 235 FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012. p. 274.

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pessoais.”236 HERINGER JÚNIOR outorga a esta característica própria da

elite social brasileira o adjetivo de <<fermenteiro da corrupção>>.237

Interessantes as proposições de DOMINGUES: “A tradição absolutista do período colonial implicava clara mistura do tesouro do Estado espanhol e português com o do rei e da nobreza (os principais funcionários do Estado), além de uma grande dificuldade da metrópole em controlar seus prepostos na remota América. Com as independências, Estados de feição formal moderna se estabeleceram, separando-se público e privado. Isso não implicou o desaparecimento absoluto das características desses Estados, transformou-as de forma decisiva.”238

Hoje, contudo, tal patrimonialismo convertido em

neopatrimonialismo se revela de maneira obscura e implícita, tendo no

Estado o seu ambiente de concretização, mais precisamente no desrespeito

entre os limites públicos e privados nas mais diversas situações de

desenvolvimento social e poderes públicos. 239

Assim, se é inegável a existência atual de uma herança

patrimonialista a incidir no trato da coisa pública, também não se pode afirmar

que esta é a única grande causa da corrupção no Estado Brasileiro. Ao

menos, não fundamenta de maneira satisfatória a existência das práticas

corruptas recém-desveladas ou em curso no Brasil. E, em especial, não traz

argumentos a elucidar os motivos que levam à prática de atos ligados à

grande corrupção.240

236 DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo e neopatrimonialismo. In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 158. 237 HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira ..., p. 89. E complementa: “Cuida-se da rapinagem que assume variadas formas: acesso a informações privilegiadas, destinação de verbas a fundo perdido para currais eleitorais, desvios de recursos públicos, socorro financeiro público a empresas privadas deficitárias, empreguismo, lobbies escusos, contratação de serviços ou aquisição de produtos de empresas determinadas, fraudes em licitações e renúncia fiscal abusiva, a que se ligam tantas ações ilícitas que se tornaram famosas como a máfia da previdência, as cestas da LBA, o esquema PC, os anões do orçamento, o escândalo dos precatórios, o caso Marka, o prédio do TRT de São Paulo, e, mais recentemente, o valerioduto e a máfia das ambulâncias.” HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira ..., p. 89 e 90. 238 DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 159. 239 Cf. DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 160. 240 A distinção é trabalhada por COSTA, Sylvia Chaves Lima em dissertação apresentada como requisito parcial para aprovação no Mestrado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2013.

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As outras causas que fomentam a corrupção no Brasil residem

no sistema político e na legislação eleitoral241 e na intervenção estatal na

economia e decorrente burocracia envolvida.

Tal como em outros países, o Estado Brasileiro intervém

claramente na economia e em outros setores por meio de regulamentações e

subsídios, com o que diversos setores da sociedade tornam-se reféns de

decisões administrativas e políticas estatais.242 Obviamente que não se trata

de causa propiciadora da corrupção exclusivamente incidente em solo

brasileiro, mas sim de causa que, aliada à herança patrimonialista, revela-se

bastante esclarecedora.

Portanto, embora cientes de que em outros países a intervenção

do Estado na economia se dá de maneira até mais presente, é fato que a

intervenção do Estado brasileiro na economia é fonte de corrupção. Assim

esclarecem Barbara GUEDES e Artur RIBEIRO NETO: “Mantendo-se as demais condições, é de se esperar que a corrupção aumente na medida em que o setor privado se torne mais dependente do Estado, que haja maior interação entre empresários e funcionários públicos, e que a intervenção se torne mais meticulosa e discricionária. No Brasil, muitas empresas dependem há muito do governo para sustentar sua lucratividade. Nos escândalos recentes, destacaram-se especialmente as grandes empreiteiras de obras públicas, que tiveram papel crucial no financiamento das campanhas.”243

Em termos de sistema político e estruturação eleitoral pode-se

afirmar que as alterações na legislação eleitoral e também em dispositivos

constitucionais acabaram por aumentar a viabilidade de práticas corruptas

vez que tanto reduziram a força do Poder Executivo para tornar suas

coalizões estáveis e afiançar a fidelidade de seus apoiadores nas Casas

Legislativas como, também, resultaram num aumento do poder do Congresso

Nacional que propicia a corrupção e o clientelismo.244

241 Vide, neste sentido, GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes institucionais da corrupção no Brasil. In: Corrupção e reforma política no Brasil: o impacto do impeachment de Collor. Keith S. Rosenn e Richard Downes (organizadores). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 63. 242 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61. 243 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61. 244 Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 56. Especificamente a respeito da corrupção eleitoral e do clientelismo destaca PONTE: “O clientelismo político estimula a troca de votos por favores dos mais variados, que embora situem no campo da legalidade, por vezes, atingem a ética e a própria moral. Em tal prática há uma relação de

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Segundo Leonardo AVRITZER: “O sistema político brasileiro, no que diz respeito à sua organização eleitoral, passou por poucas mudanças durante o processo de elaboração da Constituição de 1988. O governo autoritário instituído em 1964, em vez de suspender o funcionamento das instituições políticas, reformou-as, estabelecendo fortes distorções no sistema político brasileiro, entre as quais vale a pena mencionar: a mudança na proporcionalidade das representações estaduais, o aumento do número de membros do Congresso e a forte implantação de critérios políticos na divisão de recursos do orçamento da União. Todos esses elementos levaram a uma lógica de financiamento do sistema político por meio de recursos públicos, que não foi desfeita durante a elaboração da Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, o sistema proporcional implantado no Brasil criou o chamado “presidencialismo de coalisão”245, um fenômeno que pode ser descrito da seguinte forma: o presidente do Brasil se elege com uma quantidade muito maior de votos que seu partido recebe nas eleições para o Congresso, criando a necessidade de alianças políticas. Por sua vez, as negociações para a conquista da maioria no Congresso têm como moeda de troca os recursos públicos alocados no orçamento da União ou a distribuição de cargos entre os ministérios”246 cujo resultado é “um conjunto de negociações no interior do Congresso que, como é amplamente sabido, favorece casos de corrupção e o popular “caixa dois”.”247

À guisa de conclusão segue parte do voto proferido pelo Exmo.

Min. Luis Roberto Barroso248 em sua primeira manifestação na Ação Penal n.

470 (Mensalão); “2. A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país. A catarse representada pelo julgamento da Ação Penal 470 é um dos muitos sinais visíveis dessa fadiga institucional. Sintonizado com esse sentimento, o julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário. A inquietação social pela

satisfação imediata dos problemas dos eleitores pelo candidato, que atua frente a uma morosa e complexa máquina estatal, cuja burocracia justifica sua presença. Se o Estado for eficiente, independente e objetivo na solução dos problemas sociais, o clientelismo perde sua força, comprometendo sua própria existência.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 168. 245 Complementam Barbara GEDDES e Artur RIBEIRO NETO: “O principal problema com que se defronta o Executivo num sistema presidencial é garantir apoio suficiente dos parlamentares para aprovar leis importantes. Esse problema ganha vulto sobretudo quando o partido do presidente não controla o Legislativo ou quando o partido do presidente é pequeno. Agrava-se também quando são muitos os partidos com cadeiras no Legislativo, o que obriga a negociar muitos pactos diferentes, e quando a falta de disciplina partidária exige que se negociem acordos com muitos parlamentares individualmente, e não com um número pequeno de lideranças partidárias.” GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 63. 246 AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, sistema político e corrupção no Brasil. In: Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (orgs.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 45. 247 AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, ..., p. 45. 248 Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Introdu%C3%A7%C3%A3o-ao-voto-na-AP-470_Necessidade-de-reforma-pol%C3%ADtica.pdf, acesso em 22 de agosto de 2015, às 16h30min.

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qual tem passado o Brasil nos últimos meses se deve, em parte relevante, à incapacidade da política institucional de vocalizar os anseios da sociedade. 3. As principais características negativas do modelo político brasileiro são: (i) o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; (ii) a irrelevância programática dos partidos, que funcionam como rótulos vazios para candidaturas, bem como para a obtenção de recursos do fundo partidário e uso do tempo de televisão; e (iii) um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso Nacional. (Nada do que estou dizendo é novidade ou desconhecido. Por ocasião da minha sabatina, tive oportunidade de conversar com as principais lideranças do Congresso, quando pude constatar que esta percepção é geral, transpartidária). 4. Tome-se um exemplo emblemático. Uma campanha para Deputado Federal em alguns Estados custa, em avaliação modesta, 4 milhões de reais. O limite máximo de remuneração no serviço público é um pouco inferior a 20 mil reais líquidos. De modo que em quatro anos de mandato (48 meses), o máximo que um Deputado pode ganhar é inferior a 1 milhão de reais. Basta fazer a conta para descobrir onde está o problema. Com esses números, não há como a política viver, estritamente, sob o signo do interesse público. Ela se transforma em um negócio, uma busca voraz por recursos públicos e privados. Nesse ambiente, proliferam as mazelas do financiamento eleitoral não contabilizado, as emendas orçamentárias para fins privados, a venda de facilidades legislativas. Vale dizer: o modelo político brasileiro produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política. 5. A conclusão a que se chega, inevitavelmente, é que a imensa energia jurisdicional dispendida no julgamento da AP 470 terá sido em vão se não forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Após o início do inquérito que resultou na AP 470 – com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança –, já tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade.”

1.4.2. Consequências.

Diz a Convenção penal sobre a Corrupção da União Europeia: “Sublinhando que a corrupção constitui uma ameaça para o Estado de direito, a democracia e os direitos do homem, mina os princípios de boa administração, de equidade e de justiça social, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar à estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.”249

Nesta linha de argumentação, tal como as causas, as

consequências dos atos de corrupção remontam a diversas formas e

estruturas, tudo a partir do ângulo a ser direcionado pelo aplicador do direito,

pelo intérprete ou pela ciência empregada a descortinar tais consequências.

249 Disponível em http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/ce/rar68_2001.html, acesso em 17 de abril de 2014, às 17h26min.

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Surgem daí aspectos econômicos, culturais, sociais, filosóficos e jurídicos,

muito embora seja praticamente impossível isolar absolutamente um destes

aspectos dos outros.

O trecho transcrito, oriundo da União Europeia, confirma a

assertiva há pouco empregada. Veja-se que as consequências ali apontadas

vão desde nuances políticos (democracia e instituições democráticas),

passam por aspectos jurídicos (Estado de Direito e justiça social) e

econômicos (livre concorrência e desenvolvimento econômico) para encerrar

em questões de natureza filosófica, sociológica e moral (fundamentos morais

da sociedade).

Num passado não muito distante existiram teses defensivas da

corrupção, denominadas revisionistas, que se ancoravam em discursos

sedimentados nos aspectos positivos da corrupção para a modernização da

economia e da sociedade em geral. Neste pormenor é imperiosa a menção à

obra de Samuel P. Huntington, professor da Universidade de Harvard e autor

das seguintes afirmações: “Nesse sentido, a corrupção é um produto direto da ascensão de novos grupos, com novos recursos, e dos esforços desses grupos para se tornarem uma presença efetiva na espera política. A corrupção pode ser o meio de assimilar novos grupos no sistema político, usando-se meios irregulares porque o sistema foi incapaz de adaptar-se suficientemente depressa para proporcionar meios legítimos e aceitáveis.”250 “A corrupção serve para reduzir as pressões grupais para as mudanças de políticas, assim como a reforma serve para atenuar as pressões de classe para as mudanças estruturais.”251 “Assim como a corrupção produzida pela expansão da participação política contribui para a integração de novos grupos no sistema político, a corrupção decorrente da expansão da intervenção governamental pode contribuir para estimular o desenvolvimento econômico. A corrupção pode ser um meio de superar as normas tradicionais ou os regulamentos burocráticos que emperram o desenvolvimento.”252

Na atualidade, ao contrário, existe grande consenso253 em

considerar os efeitos da corrupção amplamente nefastos consoante já visto

250 HUNTINGTON, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1975. p. 74. 251 HUNTINGTON, Samuel P. A ordem ..., p. 77. 252 HUNTINGTON, Samuel P. A ordem ..., p. 82. 253 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación macroeconómica al fenómeno de la corrupción. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Nicolás

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acima. Eduardo A. FABIÁN CAPARRÓS, um dos maiores estudiosos sobre a

corrupção, afirmou categoricamente que: “Sin embargo, los efectos positivos

que puede generar el soborno a muy corto plazo constratan con las graves

consecuencias que, a juicio de los expertos, produce sobre la economía

nacional y, en última instancia, sobre la de los particulares.”254

Assim é que, iniciando com vistas ao caráter econômico, os

efeitos da corrupção atingem o grau e o volume de investimentos em um

determinado país ou região, sendo já manifestamente comprovada a relação

diretamente proporcional entre o grau de corrupção incidente em determinado

país e as possibilidades de crescimento econômico em largo prazo.255

De acordo com MAURO, “conforme uma análise feita a partir dos

índices de corrupção postulados pelo Business International (BI), uma

evolução de um desvio-padrão no índice de corrupção provoca o aumento

dos investimentos em 5% do PIB e a elevação em 0,5% da taxa anual de

crescimento do PIB per capita.”256

De outro lado, quando disseminada, a corrupção tende a gerar

efeitos de maiores proporções e que atingem decisões de natureza política,

bem como a qualidade do investimento público e a produtividade/efetividade

do funcionalismo público e suas prestações.257 Tanto é assim que, a imperar

a corrupção, o gasto público tende a se dirigir não a obras ou serviços com

prioridade social e sim àqueles que possibilitem o ganho ilícito, o suborno e a

propina.258 O uso do dinheiro público passa a ser viciado a partir da vontade

viciada do corrupto259 o que pode ainda afetar a quantia do gasto público,

pois parcela do dinheiro público gasto poderá ser desviado em favor do

Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián Caparrós (coordinadores). Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 32. Da mesma forma BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 43. 254 FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. La corrupción de los servidores públicos extranjeros e internacionales (anotaciones para un derecho penal globalizado). In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Nicolás Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián Caparrós (coordinadores). Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 230. 255 MALEM SEÑA, Jorge F. Globalización ..., p. 45. 256 MAURO, Paolo. Os efeitos da corrupção sobre crescimento, investimentos e gastos do governo: uma análise de países representativos. In: A corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora UnB, 2002. p. 140. 257 Cf. MALEM SEÑA, Jorge F. Globalización ..., p. 46. 258 Cf. MALEM SEÑA, Jorge F. Corrupción, racionalidad y educación moral. In: La corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Ciudad de México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 174. 259 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 45.

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patrimônio de particulares e de funcionários corruptos260, quando não ocorre

de o particular que se viu obrigado a pagar o suborno pretender recuperar

seu custo a partir do preço cobrado – por ajustes no contrato – do poder

público.261

A frase é de efeito, mas há de se dar razão a BENITO SÁNCHEZ

ao afirmar que “los efectos económicos de la corrupción pueden ser

devastadores, ya que ésta tiende a perpetuarse en el tiempo y a expandirse

en el espacio.”262 Atente-se, por exemplo, às consequências da corrupção

sobre a livre concorrência, interesse social inclusive protegido pela carta

constitucional brasileira. Não se duvida que a incidência da corrupção acaba

por sufragar a existência da liberdade da concorrência. Se não a elide por

completo, ao menos diminui as possibilidades de competição justa entre

fornecedores do governo, investidores, prestadores de serviços, industriais,

entre outros. Gera-se, nas palavras de Edmundo OLIVEIRA, enfraquecimento

e instabilidade nos negócios, particulares ou públicos263, favorecendo

inclusive a geração de monopólios.264

As taxas de investimento de capitais, nacionais ou estrangeiros,

também diminuem. Isso porque o investidor raciocina a partir da lógica custo-

benefício e os países ou atividades contaminadas pela corrupção opõem-se

ao correto desenvolvimento do negócio ou investimento a ser desenvolvido. O

resultado é óbvio, fazendo com que o investidor direcione suas atividades a

regiões e países não permeados pela corrupção.265

Afirma-se também que a corrupção prejudica a economia sob a

leitura do consumo, diminuindo-o. Parte da renda das famílias, sob a égide de

práticas corruptas, terá de ser destinada ao pagamento de propinas e

260 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33. 261 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33. 262 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 43. 263 OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 135. 264 “Así, los leales competidores serán expulsados del mercado, suprimiéndose la libre competencia que debe presidir las relaciones económicas, lo que conducirá a una progresiva monopolización del mercado en cuestión.” BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito de corrupción ..., p. 47. 265 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 46.

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subornos, diminuindo a taxa de consumo de tais pessoas, cujos efeitos

afetam a indústria e a economia nacional.266

MURIEL PATINO assim pontua: “El resultado conjunto de los argumentos anteriores es ciertamente perverso para la economía del país en el que la corrupción está presente: una contracción tanto de la demanda como de la oferta agregadas conllevan resultados macroeconómicos de reducción del nivel de producción y de las posibilidades de crecimiento futuras, la consiguiente reducción del nivel de empleo, y un aumento del nivel de precios.”267

O desenvolvimento dos seres humanos e das sociedades aos

quais se inserem também se vê afetado. De acordo com comprovações

empíricas já realizadas, existe direta relação entre taxas de crescimento

econômico e diminuição de taxas de pobreza. Existindo crescimento

econômico (claramente prejudicado pelas práticas corruptas) ocorre, em

maior ou menor percentagem, a diminuição dos níveis de pobreza de

determinada sociedade.268 Associe-se a isso que a corrupção também pode

contribuir à concentração de capital em poder de grupos específicos já melhor

situados economicamente, o que terá impacto direto na manutenção de

eventual desigualdade distributiva e impedirá a ascensão social de

determinada classe ou grupo de pessoas.269

No plano administrativo a corrupção prejudica o próprio

funcionamento da administração pública, a partir da geração de

ressentimento e frustração de funcionários honestos e probos em

comparação a funcionários que atentam contra a moralidade, efetividade e

bom andamento a partir de atos ilícitos administrativos e/ou penais.270 Neste

ponto também não há dúvida de que o Estado perde força administrativa271 a

cada ato de corrupção praticado e ainda mais se a corrupção se torna

sistêmica ou involucrada a tal ponto de coordenar as práticas administrativas,

transformando-se em um mero “instrumento nas mãos de corruptos.”272

266 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33. 267 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33. 268 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 36. 269 MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 36. 270 MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción ..., p. 69. 271 Cf. MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174. 272 MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174.

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Quanto à democracia, a corrupção consegue minar sua

característica principal. Democracia e corrupção se repelem mútua e

diretamente, se considerada a realidade de que o acordo corrupto ofende a

regra de ouro da democracia (a de que a cada uma pessoa tem-se um voto),

com o que a democracia se transmuta em simples ideologia sem utilidade

prática efetiva.273 Com isso não é de se estranhar que a confiança do cidadão

se perca por completo e implique diretamente sobre as bases nas quais se

assenta o Estado Democrático de Direito274, desaguando em desencanto e

desinteresse com a cidadania e seu exercício.275

A incidência da corrupção no Poder Judiciário traz consigo o

consectário lógico de perda da noção de prevenção geral que supostamente

está arraigado à sanção de natureza criminal.276

Por fim, uma pequena nota mais concreta e direcionada ao caso

brasileiro. Em estudo277 datado de março de 2010, produzido pela Federação

das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), estima que o custo médio

anual da corrupção para o Brasil, em números históricos de 2008, época da

conclusão do estudo, seria entre 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto

(PIB), ou seja, algo entre R$ 41,5 e R$ 69,1 bilhões.

1.5. A corrupção e o delito de corrupção. O recorte necessário à analise do tema.

Para além de uma confusão conceitual em torno daquilo que se

deve compreender como corrupção, tal como exposto no item 1.1. supra,

existe também a necessidade de evidenciar uma diferença entre os conceitos

propriamente penais de corrupção.

273 MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174. 274 BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 42. No mesmo sentido PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política …, p. 204. 275 RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 247. 276 MALEM SEÑA, Jorge F. Corrupción …, p. 174. 277 Disponível em http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/relatorio-corrupcao-custos-economicos-e-propostas-de-combate/, acesso em 09 de maio de 2015, às 22h46min.

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Ora, muito embora a língua portuguesa não favoreça de imediato

a conclusão, até porque iguala fenômeno corruptivo e crimes de corrupção, é

consabido que corrupção não é (ou não deveria ser) um crime em si, mas sim

uma forma por meio da qual as condutas humanas acabam por atingir

interesses protegidos pelo Direito penal. Não há, portanto, um tipo geral de

corrupção a ser aplicado indistintamente, mas sim formas de corrupção

expressas em tipos penais, sendo que estes adquirem relevância apenas

quando são atingidos ou colocados em perigo bens dignos de proteção

jurídico-penal.278

QUERALT alerta que não existem: “... tipos penales de específicos de corrupción. Ello en principio no es ni extraño ni inconveniente; la corrupción se manifiesta mediante comportamientos punibles desde el paradigmático cohecho activo y pasivo hasta otros más ocultos, pero no menos insidiosos, como la colusión o el blanqueo de dinero.”279

Portanto, a fim de sistematizar o horizonte dos próximos

capítulos, há de se ter em mente a separação entre corrupção como

fenômeno, corrupção como forma de delito lato sensu e corrupção como

forma de delito strictu sensu.

Classificações são inócuas quando se desconectam de fins

práticos. Se assim é, veja-se.

Quanto ao fenômeno da corrupção, consoante já disposto, sabe-

se ser impossível a associação automática entre aquele e o Direito penal. O

recorte penal daquilo que faz parte da corrupção como fenômeno está a

cargo do legislador, sendo evidente que só parte das condutas tomadas por

corruptas revelam-se crimes previstos no Código penal e legislação

extravagante.

Já no tocante ao Direito penal propriamente dito, a noção do que

é comumente compreendido por corrupção dá lugar a diversos delitos

acobertados por este signo. Assim é, v.g., em relação ao peculato, à

concussão e à prevaricação, isso se considerados os delitos funcionais contra 278 KINDHAUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible en el Estado, la economía y la sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, n. 03, 2007, p. 2. Disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf, acesso em 22 de agosto de 2015, às 16h40min. 279 QUERALT, Joan J. Reflexiones …, p. 19.

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a administração. De outro vértice, pode-se incluir aí o tráfico de influência

como outro delito a evidenciar esta tendência, porém associado ao particular

como autor do delito.280 Em matéria de legislação especial ganha destaque a

corrupção eleitoral281 insculpida no artigo 299 do Código Eleitoral (Lei

4.737/65).

Vale a advertência há muito proposta por Fernando Henrique

Mendes de ALMEIDA: “Peculato, concussão e corrupção passiva formam o tríptico constitutivo de poderosos índices de dissolução moral de um povo, no que concerne à esfera dos delitos do funcionário público. São, todavia, delitos que não se devem confundir, já porque não há razão para baralhá-los, como também porque não aproveita ao método dispensar o discernimento que os distancia e os delimita. Há, sem embargo do que foi dito, uma nota dominante nos três delitos: é que êles revelam atmosfera de corrupção geral na burocracia em que acontece a repetição dos fatos em que se manifestam. Entrementes, sem dúvida, necessário é esclarecer ab ove que, embora os três delitos contenham a nota de corrupção no sentido geral e não específico, o peculato e a concussão não se confundem, nem se podem confundir, com a infração a que o legislador chamou corrupção passiva, a qual envolve suborno ou peita.”282

A grande questão, ao menos nos dias atuais, é demonstrar não

apenas a diferença entre os tipos penais de corrupção lato sensu e strictu

sensu, mas sim a ampliação das figuras típicas anotadas sob a rubrica mais

ampla. Sim, esta concepção alterou-se.

Bem mencionam GÓMEZ DE LA TORRE e FABIÁN CAPARRÓS

no sentido de que as condutas hoje catalogadas como corrupção apenas se

vinculavam ao funcionário que, utilizando-se das facilidades e qualidades de

servidor, obtinha benefícios materiais que o favoreciam ou favoreciam

terceiros.283 Hoje, contudo, esta noção se vê alterada, a partir de critérios de

280 Não se desconhece, contudo, ter o legislador pátrio associado o termo corrupção a diversos outros delitos, a saber, entre outros: corrupção de menores (art. 218 do Código Penal), corrupção desportiva (arts. 41-C e 41-D da Lei 10671/2003), corrupção concorrencial (art. 195, inciso X, da Lei 9279/96), corrupção eleitoral (art. 299 da Lei 4737/1965). Assim também vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A ideia penal sobre a corrupção no Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011. p. 411. 281 Sobre o tema vide obrigatoriamente PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. 282 ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes contra a administração pública. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 62. 283 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 81, novembro/dezembro de 2009. p. 11.

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natureza econômica e de natureza territorial284, sendo o caso de se alocar

sob a noção de corrupção os delitos de organização criminosa, lavagem de

dinheiro, sonegação fiscal, fraudes licitatórias, entre outros.

Mas, para além de uma diferença conceitual entre a corrupção

lato sensu, sendo caracterizada por uma indeterminação285 inerente a ela e

dependente de um contexto cultural, político e econômico, e a corrupção

strictu sensu, que a bem da verdade no Brasil poderia assumir outra

nomenclatura tal como <<suborno>>, pois facilitaria muito a compreensão

jurídica e principalmente leiga do assunto, é fato que existe uma diferença de

natureza jurídica.

Não há dúvida de que tanto a corrupção lato sensu quanto o

próprio delito de <<suborno>> envolvem a desconsideração do público em

favor do privado, mais precisamente a apropriação do âmbito e do interesse

público por interesses unicamente de índole privada. Tanto o peculato,

expressão quiçá maior da corrupção lato sensu, quanto o suborno passivo ou

ativo, figuras típicas aqui objeto de dissecação, flagrantemente demonstram

atos da esfera pública ou até em detrimento desta que obedecem a

interesses privados mediante a destruição do público, seja como conceito,

seja como patrimônio inerente à cidadania.286

Todavia, para além desta similitude, algumas características

incidem sobre o delito de suborno que o distinguem dos demais e o torna

merecedor de existência típica própria.

Quiçá o principal deles seja o bem jurídico, retratado no próximo

capítulo, sendo que este bem jurídico decorre de características inerentes às

ocorrências corruptivas strictu sensu.

284 “Si se pretende sintetizar las características claves que hoy presenta la corrupción, se ha de tomar como punto de partida el hecho innegable que las conductas que incluimos dentro de este término no afectan sólo al bien jurídico que constituye el normal funcionamiento de la Administración Pública, sino que, en sus manifestaciones más graves, sus efectos sobre las relaciones económicas la llevan al ámbito de la delincuencia socio-económica y que, por otra parte, la dimensión internacional de algunos de estos comportamientos lleva a que el interés de su prevención trascienda a los Estados individualmente considerados y vaya a la comunidad internacional.” GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción …, p. 24 e 25. 285 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 05. 286 Cf. VIRGOLINI, Julio. Las determinaciones …, p. 87.

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Uma interessante definição genérica do delito de suborno

(corrupção strictu sensu) é a de que ele revela uma “patologia das

decisões”.287 In casu, no suborno que atinge a administração pública, trata-se

de uma patologia das decisões dos servidores públicos que assume a forma

de um acordo delitivo288, de uma relação de duas partes no formato de um

contrato289, relação esta que se baseia na ideia de o particular oferecer,

prometer ou dar dinheiro, valor ou qualquer outra vantagem indevida a

determinado servidor público.

REISMAN fornece a seguinte definição precisa da corrupção

strictu sensu: “La condición fundamental previa de carácter social para que exista el soborno es un grado de reglamentación eficaz y normativa por un actor que controla (AC) una transacción cuyo resultado es valorado por un actor externo (AE). AE intenta obtener el resultado que prefiere en violación de la norma apropiada, ofreciéndole una recompensa privada a AC.”290

Esta perspectiva favorece à demonstração de que o delito de

suborno envolve sempre uma dualidade de agentes, um particular e um

funcionário, ainda que apenas um deles possa efetivamente cometer o delito

de suborno ativo ou passivo. Há sempre uma zona de contato com o privado,

seja porque este buscou a corrupção do agente público mediante a oferta de

vantagens indevidas, seja porque o agente público solicitou a vantagem

indevida da vítima, aqui o particular. E a partir desta identificada realidade

dos fatos se pode quebrar a máxima, absolutamente incorreta, representada

de um lado pela população bondosa, correta e cumpridora de seus deveres e

de outro pelos funcionários públicos e representantes eleitos, estes sempre

potencialmente corruptos, o que também torna possível “a argumentação de

que as pessoas corretas e honestas não entram na política porque não

aguentam a podridão do mundo político.”291

287 REISMAN, W. Michael. Remedios contra la corrupción? Cohecho, cruzadas y reformas. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1981. p. 21. 288 Cf. KINDHAUSER, Urs. Presupuestos ..., p. 05. 289 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20. 290 REISMAN, W. Michael, Remedios …, p. 72. 291 PINTO, Celi Regina Jardim. A banalidade da corrupção. Uma forma de governar o Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 50. A mesma autora ainda relata sobre a realidade brasileira: “O problema que deve ser enfrentado na análise da relação público-privado no Brasil é o da privatização do público, tanto pelos agentes privados como pelos próprios agentes públicos.” A banalidade ..., p. 64.

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Mas não é só. Além desta ideia de dação de valores/vantagens

os modelos de incriminação da corrupção strictu sensu podem fundamentar-

se em um aspecto mercantil ou num aspecto de patrocínio. No primeiro, os

valores ou vantagens são transacionados para a prática de determinado ato

de ofício individualizado no âmbito de atuação do servidor público. Já no

segundo o pagamento, oferecimento ou inclusive a solicitação se daria não

em função de um ato particularizado, mas sim em razão da função exercida

pelo servidor público.292

Sem reducionismos, é certo que a escolha entre uma destas

modalidades é privativa do legislador, muito embora diversas críticas possam

ser endereçadas ao modelo de patrocínio ora descrito, o qual é empregado

no tipo penal de corrupção passiva previsto no caput do artigo 317 do Código

Penal.

Com isso, mesmo que fazendo o suborno parte do grande rol dos

delitos assim colacionados sob o signo da corrupção, a ele são reservadas

características muito próprias a seguir analisadas.

292 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20 e 21.

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2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL. 2.1. Breve histórico.

Algumas ocorrências históricas acerca da corrupção já foram

acima delineadas. Contudo, a comprovação normativa de que os fatos ligados

à corrupção não são de todo novos na realidade brasileira está nas

legislações anteriores. Daí que, tanto no Código Criminal do Império como no

Código Penal de 1890, se vislumbrava presente a tipificação da aqui

intitulada corrupção strictu sensu, naquelas ocasiões denominadas de peita e

suborno.

Como bem relembra Paulo José da COSTA JR.293, o Código

Criminal do Império distinguia as duas figuras típicas: a peita, disposta no

artigo 130294 daquele regramento, consistia na corrupção por dinheiro e o

suborno, este previsto no artigo 133295, criminalizava o ato de corrupção que

se dava por meio de influência ou pedido de um terceiro sobre o funcionário

público.

Já o Código de 1890, de reconhecida precariedade técnico-

legislativa296, dispunha conjuntamente a respeito da <<peita ou suborno>>

293 COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Volume 3. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 468. Da mesma forma FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal. Parte especial. Volume II. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 435 e PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 470 e 471. 294 “Art. 130. Receber dinheiro, ou outro algum donativo; ou aceitar promessa directa, e indirectamente para praticar, ou deixar de praticar algum acto de officio contra, ou segundo a lei. Penas - de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer; de multa igual ao tresdobro da peita; e de prisão por tres a nove mezes. A pena de prisão não terá lugar, quando o acto, em vista do qual se recebeu, ou aceitou a peita, se não tiver effectuado.” 295 “Art. 133. Deixar-se corromper por influencia, ou peditorio de alguem, para obrar o que não dever, ou deixar de obrar o que dever. Decidir-se por dadiva, ou promessa, a eleger, ou propôr alguem para algum emprego, ainda que para elle tenha as qualidades requeridas. Penas - as mesmas estabelecidas para os casos da peita.” 296 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 436.

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na Seção III297 do Capítulo único do Título V, este intitulado “Dos crimes

contra a boa ordem e administração publica”.

Como características que nortearam estes dois regramentos

anteriores, está a utilização da denominação <<peita>>, substantivo este

utilizado em Portugal, mais precisamente nas Ordenações Afonsinas,

Manuelinas e Filipinas298 e a inexistência de criminalização apartada e

individualizada sob a forma de “corrupção ativa”, muito embora estivessem

presentes normas que informassem, como era o caso dos arts. 132 e 134 do

Código do Império e do artigo 217 do Código de 1890, que, ao que dessem

ou prometessem a peita, seriam impostas as mesmas penas cominadas aos

peitados ou subornados.

Ademais, para tais figuras típicas, não incidia qualquer espécie

de agravamento da pena quando da hipótese de omissão ou atuação

administrativa em desconformidade com o determinado em lei, o que nos dias

de hoje se classifica como corrupção própria.

Assim, em que pese à época ter se utilizado de outra expressão

na língua portuguesa que não o termo corrupção (devido aos inúmeros

significados que podem atingir tal expressão), as legislações criminais de

297 “Art. 214. Receber para si, ou para outrem, directamente ou por interposta pessoa, em dinheiro ou outra utilidade, retribuição que não seja devida; acceitar, directa, ou indirectamente, promessa, dadiva ou recompensa para praticar ou deixar de praticar um acto do officio, ou cargo, embora de conformidade com a lei. Exigir, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, ou consentir que outrem exija, recompensa ou gratificação por algum pagamento que tiver de fazer em razão do officio ou commissão de que for encarregado: Penas – de prisão cellular por seis mezes a um anno e perda do emprego com inhabilitação para outro, além da multa igual ao triplo da somma, ou utilidade recebida. Art. 215. Deixar-se corromper por influencia, ou suggestão de alguem, para retardar, omittir, praticar, ou deixar de praticar um acto contra os deveres do officio ou cargo; para prover ou propor para emprego publico alguem, ainda que tenha os requisitos legaes: Penas – de prisão cellular por seis mezes a um anno, e perda do emprego com inhabilitação para outro. Art. 216. Nas mesmas penas incorrerá o juiz de direito, de facto, ou arbitro que, por peita ou suborno, der sentença, ainda que justa. § 1º Si a sentença for criminal condemnatoria, mais injusta, soffrerá o peitado ou subordinado a mesma pena que tiver imposto ao que condemnara, além da perda do emprego e multa. Art. 217. O que der ou prometter peita, ou suborno, será punido com as mesmas penas impostas ao peitado e subornado. Art. 218. São nullos os actos em que intervier peita ou suborno.” 298 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brasileiro: (segundo o Código Penal mandado executar pelo Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, e leis que o modificaram ou completaram, elucidados pela doutrina e jurisprudência). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 280.

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1830 e de 1890 acabavam por se imiscuir em terreno não afeto ao Direito

penal ao determinar a anulação dos “actos em que intervier peita ou

suborno”299, desrespeitavam o princípio da proporcionalidade ao igualar a

pena da peita ao suborno, sendo este último o equivalente à corrupção

privilegiada da lei atualmente em vigor no direito brasileiro, e, mantinham a

equiparação hoje existente – e à época já criticada300 – de ser cominada a

mesma pena ao funcionário público e ao particular.

Por fim, especificamente em relação ao Código de 1890, suas

regras se aplicavam unicamente a funcionários públicos, conceito que não

abarcava pessoas que detinham cargos eletivos, não cometendo “o crime de

peita o deputado ou senador que vender o seu parecer, o seu voto, porque

não são orgams da administração publica, tem investidura por outra fonte, a

eleição.”301

A respeito da legislação atualmente em vigor, foi absolutamente

econômico na exposição de motivos do Código Penal de 1940302 o Ministro

Francisco Campos a respeito dos delitos contra a administração pública,

tendo aduzido o seguinte a respeito dos delitos de concussão e corrupção: “Os conceitos da concussão, da corrupção (que a lei atual chama peita ou suborno), da resistência e do desacato são ampliados. A concussão não se limita, como na lei vigente, ao crimen superexactionis (de que o projeto cuida em artigo especial), pois consiste, segundo o projeto, em "exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, mesmo fora das funções, ou antes de assumí-las, mas em razão delas, qualquer retribuição indevida". A corrupção é reconhecível mesmo quando o funcionário não tenha ainda assumido o cargo.”

299 Conforme previa o artigo 218 do Código de 1890 e o artigo 132 do Código de 1830. 300 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 287; SOARES, Oscar de Macedo. Codigo Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, Superior Tribunal de Justiça, 2004. p. 415 e 416. 301 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 281. O mesmo autor já aponta raciocínio crítico a tal situação: “A solução seria outra, acautelando melhor os interesses sociaes, se o código a exemplo do portuguez, art. 327, do hespanhol, definindo o que fosse funccionario publico, abrangesse no definido aquelles representantes da soberania nacional. De jure constituto, porém, pela deficiência do código, pela proibição expressa da aplicação analógica de suas regras, para qualificar crimes ou determinar penas, impune, pelo crime de peita, fica a mercancia que se suas funcções fala o deputado ou senador.” Direito penal ..., p. 281 e 282. 302 O Código Penal de 1940 teve como início um projeto de Alcântara Machado, o qual foi protagonizado por uma comissão revisora composta pelos doutores Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira. Neste sentido vide NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 17.

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Após a promulgação do Decreto-lei 2.848/1940, a única

alteração direta303 incidente sobre os tipos penais de corrupção ativa e

passiva se deu por meio da Lei 10.763/2003, responsável por aumentar a

sanção de penal de 01 a 08 anos para 02 a 12 anos, ao tempo em que não se

desconhece que a Lei 10.467/2002 inseriu na legislação brasileira os tipos

penais dos arts. 337-B304 e 337-C305 bem como o conceito de funcionário

público estrangeiro no artigo 337-D306.

Deste modo, o enfrentamento da corrupção strictu sensu, aqui

considerada como a noção de suborno, conhecida pelos não afetos à área

jurídica, rege-se na Lei brasileira pelos seguintes dispositivos:

Corrupção passiva Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Corrupção ativa Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

303 Indireta pode-se dizer a alteração realizada sobre o artigo 327 do Código Penal, obra da edição das Leis 6.799/1980 e 9.983/2000. 304 Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional: Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. 305 Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro. 306 Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

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Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

2.2. Legitimidade da tutela penal. O bem jurídico tutelado nos delitos de corrupção em sentido estrito.

2.2.1. Premissas.

Para a devida elucidação das questões propostas neste trabalho,

já de certa forma antecipadas na introdução, faz-se mister a imposição de

uma premissa básica, fundamental, para a concepção dos limites jurídico-

penais do delito de corrupção. Trata-se do arcabouço teórico trazido pela

teoria do bem jurídico, não em seu aspecto crítico negativo307, mas sim em

seu cariz técnico e positivo para a fundamentação de toda a aplicação do

Direito penal.

Desta feita, escora-se o trabalho na premissa de que o Direito

penal possui como pedra legitimadora de sua estrutura a tutela de bens

jurídicos. Não sem razão os grandes manuais308 e tratados de Direito penal

307 Uma das principais críticas vai de encontro à finalidade própria do direito penal, que ao contrário de proteger bens jurídicos, o direito penal teria como missão “a de conduzir os destinatários da norma à obediência de seus comandos.” BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 10. Trata-se, como se sabe, da teoria desenvolvida por Günther Jakobs. Para maiores detalhes vide em especial a obra de JAKOBS, Günther. Derecho Penal. Parte general. Madrid: Marcial Pons, 1997. p. 43 a 62. A respeito de outras críticas à “desgastada” teoria do bem jurídico vide BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 364 e ss. 308 Guilherme de Souza NUCCI pontua já de início na mais nova edição de seu Manual de Direito Penal: “Por isso, quando o bem jurídico penal é destacado como tal, surgem tipos penais incriminadores para protegê-los, indicando as condutas proibidas, sob pena de lesão ao referido bem jurídico tutelado.” (…) “A boa lida do bem jurídico, captando-o em todos os tipos penais incriminadores, analisando-o e conferindo-lhe o merecido alcance e abrangência, favorece – e muito – a atividade do operador do Direito, permitindo-lhe construir a justa aplicação do Direito Penal compatível com o Estado Democrático de Direito.” Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 06 e 07. Da mesma forma Paulo BUSATO assinala: “Como referido inicialmente, existe certa prevalência na doutrina em admitir como missão essencial do Direito penal a proteção de bens jurídicos.”(…)”Ainda assim, essa proposta é mais ajustada à proteção das garantias fundamentais, …”. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 15. Por fim, sem desconsiderar existirem outras fontes no mesmo sentido, BITENCOURT menciona que “a função do Direito penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 1. Parte geral. 11a ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 06.

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se iniciam pela temática do bem jurídico, fazendo-se questão de delinear a

significância de tal postulado e a necessidade de compreender o Direito penal

a partir dos interesses e valores a serem tutelados.

Deste modo, as premissas das quais se parte para a análise do

bem jurídico tutelado no delito de corrupção são as seguintes:

a) Conceito: bens jurídicos são “dados fundamentais para a

realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social,

nos limites de uma ordem constitucional”309, o que muito se aproxima de

“circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu livre

desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a

base desta concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio

sistema.”310

b) assiste razão a Bernd SCHÜNEMANN quando afirma que o

fundamento do princípio da proteção de bens jurídicos, o tal <<ponto sub-

arquimédico>> referido pelo autor, se encontra na ideia de limitação do

Direito penal derivada da noção de contrato social já defendida desde a

criação do Direito penal moderno311 e fornece a devida orientação sobre o

que deve o que não deve ser tutelado por intermédio do Direito penal312;

c) ancorar-se na validade da teoria de proteção de bens jurídicos

possibilita exigir não apenas a dimensão formal da pretensão de relevância

de determinada norma penal, mas principalmente a dimensão material, de

modo que a “conduta há de afligir o interesse protegido pela norma de modo

suficiente a justificar a intervenção penal.”313;

309 GRECO, Luis. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 89. 310 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Madrid: Civitas, 1997. p. 56. 311 SCHÜNEMANN, Bernd. O princípio da proteção de bens jurídicos como ponto de fuga dos limites constitucionais e da interpretação dos tipos. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Luís Greco (coordenador). São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 75. p. 45. No mesmo sentido relembrado por BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 349. 312 SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! – sobre os limites invioláveis do direito penal em um estado de direito liberal. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Luís Greco (coordenador). São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 75. 313 BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 348. No mesmo sentido é a opinião de PONTE, Antonio Carlos da. Crimes ..., p. 149.

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d) a partir do conceito aqui adotado, a discussão entre as teses

imanentistas e transcendentalistas carece de amparo, porquanto se torna

óbvio que existem finalidades preexistentes à criação do ordenamento

jurídico que merecem a tutela penal (v.g., a vida humana), como também

existem dados criados pela estrutura social e governamental a serem

tutelados, in casu, a administração pública, o sistema financeiro, o sistema

tributário, dentre outros314;

e) a separação entre teorias monistas e dualistas315 tende a

ofuscar o principal ponto de debate e fundamentação, ponto este

consubstanciado na tutela direta de interesses individuais ou ainda na tutela

de interesses coletivos que só se realizam se mantiverem relação com o

desenvolvimento do sistema social, sendo este existente e ancorado em

propósitos eminentemente direcionados ao ser humano;

f) a mencionada capacidade de rendimento da teoria do bem

jurídico, em síntese, as vantagens da adoção do postulado em que se

fundamenta o Direito penal pela proteção de bens jurídicos, traz em seu bojo

a viabilidade de reduzir o número de tipos penais; a outorga de legitimidade

para a criminalização de determinadas condutas; favorece o exercício de

crítica316 livre, racional e desimpedida da realidade jurídico-penal de

determinado sistema e ordenamento e possibilita otimizar a tutela dos direitos

fundamentais em lugar da tendência de aumentar a intervenção estatal por

meio da “mundialização” do Direito penal317;

314 Cf. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Org. e trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 17-18. 315 Cf. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 382. Em sentido contrário, favorável ao dualismo, vide GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87, para quem “... quanto menos um bem jurídico coletivo se deixar referir a indivíduos, menos problemático ele será. Além do mais, nem sempre será possível referir o bem jurídico coletivo aos interesses de indivíduos concretos.” 316 GRECO, Luis. Modernização ..., p. 46. Não sem razão afirma ROXIN que o conceito de bem jurídico assume particular importância a partir de sua capacidade de crítica, “na medida em que pretende mostrar ao legislador as fronteiras de uma punição legítima.” ROXIN, Claus. A proteção ..., p. 20. 317 A crítica neste sentido é de SCHÜNEMANN, todavia, fazendo menção ao que para ele parece mais evidente, ou seja, a europeização do direito penal; utilizou-se aqui o termo mundialização até porque o tema “corrupção” dá a exata noção do que ocorre no panorama mundial acerca da infinidade de normas internacionais que pretendem seja aplicada a todos os indistintos países signatários dos compromissos. SCHÜNEMANN, Bernd. O princípio da ..., p. 67.

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g) em tema de corrupção é conveniente ser ressaltada a

existência e a legitimidade de bens jurídicos de natureza coletiva, sendo que

os crimes de corrupção bem realçam a tutela de bens jurídicos coletivos

desde épocas anteriores à criação do moderno Direito penal ambiental e

econômico318;

h) também em tema de corrupção é conveniente salientar que

meras imoralidades319 não bastam para a outorga de legitimação à

intervenção pessoal na vida dos cidadãos; o desvio de dinheiro público, a

concussão, a prevaricação e, em caráter especial, o suborno dado ou aceito,

carregam consigo uma larga bagagem de imoralidade, mas nem por isso são

apenáveis simplesmente por serem imorais. Há de ser encontrado um bem

jurídico tutelado e este, seguramente, não se manifesta apenas na

moralidade do serviço público.

i) pode-se concluir, para o fim de firmar as premissas

mencionadas, com os termos lançados por BUSATO: “Na construção aqui defendida, ele [bem jurídico] constitui um elemento fundamental, que dota de conteúdo o tipo de ação, fazendo com que se possa pretender afirmar a ofensividade do fato em face do conjunto normativo, no entanto, não goza de um conceito, mas sim, seguindo a Vives e a Martínez-Buján Pérez, constitui uma razão de ser, ou resume um conjunto de motivos justificadores para a imposição racional de uma privação de liberdade.”320

2.2.2. O bem jurídico tutelado por meio do delito de suborno.

318 Cf. GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87; HEFENDEHL, Roland. El bien jurídico como eje material de la norma penal. In: La teoría del bien jurídico. Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Roland Refendehl (editor). Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 182. 319 Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal, p. 52 e 56; ROXIN, Claus. A proteção ..., p. 17. De acordo com STERNBERG-LIEBEN: “Ningún individuo puede tutelar moralmente al resto, de donde se sigue que el Estado, cuya legitimidad a la hora de punir no es autónoma sino que se deriva exclusivamente de los individuos, carece igualmente de autorización para punir conductas exclusivamente inmorales (contrarias a las buenas costumbres). Sólo la conducta que lesiona un bien jurídico y que es por lo tanto socialmente dañina puede ser objeto de mandatos y prohibiciones penales.” STERNBERG-LIEBEN, Detlev. Bien jurídico, proporcionalidad y libertad del legislador penal. In: La teoría del bien jurídico. Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Roland Refendehl (editor). Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 117. 320 BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 370.

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A identificação do verdadeiro bem jurídico tutelado pelo delito de

corrupção, aqui conceituado como suborno, já foi objeto de larga produção

doutrinária e ocupa nos dias atuais a preocupação dos juristas. A completar

tal panorama, não aponta321 para uma definição conceitual uníssona e sem

questionamentos.

Não faltam motivos para a não existência de acordo doutrinário a

respeito de qual é o bem jurídico atingido pelos delitos de corrupção ativa e

passiva. A começar pela própria dificuldade em conceituar a corrupção lato

sensu, a concepção adotada a respeito de Administração Pública e de Estado

e a própria influência, muito embora indevida, da adoção de um conceito

puramente legalista (e também dogmático) do bem jurídico, como se este

conceito pudesse ser dado, em caráter final, pelo teor das normas

incriminadoras trazidas pelo legislador.

Todavia, analisado o aspecto histórico, verifica-se que a

polêmica, em torno do bem jurídico protegido, remonta à própria separação

ponderada já por BINDING ao diagnosticar dois modelos de tipificação (e

compreensão) da corrupção estritamente considerada, isto é, uma concepção

romanística e outra intitulada germânica.322 Aponta SEMINARA323 que o

mencionado jurista alemão, em seu manual de Direito penal, mencionava

como orientação romanística a oferta ou entrega de utilidades para o

cometimento de qualquer ato de ofício, enquanto a concepção germânica

pressupunha que a oferta ou entrega se destinava ao cometimento

unicamente de atos contrários aos deveres de ofício do funcionário.

321 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes contra a administração pública. 3a ed. São Paulo: Perfil, 2006. p. 99. Em idêntico sentido: COSTA JR., Paulo José da. Comentários ..., p. 472 e 473; COSTA JR., Paulo José da. Curso de Direito Penal. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 898. 322 “La dirección implementada actualmente tiende a substituir la regulación de raíz germanista de delito de cohecho, que castigaba la conducta de la entrega de dádivas o regalos al funcionario a cambio de la <<compra de un acto específico del cargo>>, por la romanista, que optaba por prohibir la mera entrega de dádivas vinculadas, por cualquier razón, <<a la esfera de actuación de las autoridades y funcionarios públicos>>”. PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves del delito de cohecho pasivo impropio (art. 422 CP): el bien jurídico protegido y la cláusula <<en consideración al cargo o función>>. Su aplicación al <<caso trajes de Camps>>. In: La intervención penal en supuestos de fraude y corrupción. Luz María Puente Aba (directora). Barcelona: Bosch, 2015. p. 244. 323 SEMINARA, Sérgio. Gli interessi tutelati nei reati di corruzione. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. n. 3, 1993. p. 951.

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Consoante alertado acima, a identificação de um correto e

individualizado bem jurídico a ser tutelado pelos tipos penais de suborno,

antes de se configurar como mero capricho324 do estudioso do Direito penal,

torna viável a <<completa compreensão da essência do delito>>.325 A partir

disso, viabiliza-se a compreensão de diversas questões decorrentes, em

especial a autoria, a consumação e a tentativa, e, principalmente, a

estruturação adequada do tipo penal, de maneira que proporcionem, a um só

tempo, a tutela do bem jurídico sem atingir esferas individuais de liberdade

desnecessárias.326

E a atividade de indagação e desvelamento do bem jurídico a ser

tutelado dá ainda maiores contribuições, dentre elas a de evitar a busca

(infelizmente recorrente) de ser construída uma sociedade sem corrupção por

meio do Direito penal.327 Ou, ainda, de deixar-se inebriar tão somente pelos

efeitos econômicos ou criminológicos associados à corrupção328. Isso para

não mencionar que a resposta à pergunta “em que medida o abuso e o desvio

do poder outorgado ao funcionário público interessa ao direito penal?” só se

atinge a partir da atividade aqui desenvolvida, justamente a de encontrar e

definir o bem jurídico a ser tutelado pela norma penal.329

Neste sentido cabem as expressões textuais trazidas por

Norberto J. DE LA MATA BARRANCO: “Con todo, por razones más de carácter político-criminal que dogmático, y no dejando de reconocerse la vinculación en varias de las figuras de cohecho con una actuación del funcionario paralela, lo cierto es que en la actualidad no hay ordenamiento que no contemple el delito de cohecho de forma autónoma, aunque su configuración típica se haga dependiente – objetiva o subjetivamente – de una actuación posterior – o anterior – del funcionario, de carácter preferentemente ilícito. Y, sin embargo, dicha autonomía sólo se justificará si podemos definir un concreto objeto de tutelad que difiera del tutelado en otros preceptos. De lo contrario estaríamos simplemente ante

324 PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 248. 325 Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81. 326 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones sobre el bien jurídico protegido en el delito de cohecho. In: Estudios penales y criminológicos, número 18. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1995. p. 318. 327 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien jurídico protegido en el delito de cohecho: la necesidad de definir el interés merecedor y necesitado de tutela en cada una de las conductas típicas encuadradas en lo que se conoce, demasiado genéricamente, como ámbito de la corrupción. In: Revista de Derecho Penal y Criminología, Madrid, n. 17, enero de 2006. p. 86. 328 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 87. 329 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 88.

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tipificaciones falsamente autónomas por representar meros adelantamientos de la intervención penal en relación con otros preceptos del Código.”330

Por fim, não só no Brasil331, mas também aqui, é fato que a

ausência de clareza e definição do bem jurídico tutelado pelos delitos de

corrupção ativa e passiva é um claro motivo que favorece a incerteza que

ronda a citada tipificação.

De saída é importante fixar que este estudo se filia à tese de um

único332 bem jurídico a ambos os delitos, quer dizer, corrupção ativa e

corrupção passiva, bem como à tese de que tais delitos possuem um bem

jurídico distinto e plenamente identificado, se comparado aos outros delitos (e

seus bens jurídicos, por sua vez) também inscritos no título XI “Dos Crimes

contra a Administração Pública”.

Realmente é inconveniente, para não dizer mais, a separação

entre dois bens jurídicos distintos, tudo dependendo do sujeito ativo, se

funcionário ou particular. Para que tal posicionamento fosse convincente seria

necessário ultrapassar a barreira teórica consubstanciada na diversidade de

deveres que servidor público e particular teriam para com a Administração

Pública. Portanto, a alusão a um dever básico (extrapenal) e inerente do

servidor público para com a Administração Pública, uma obrigação de

fidelidade que somente competiria a ele e não ao particular, não se

sustenta.333

Assim é porque um dever extrapenal unicamente considerado

não sustenta a incriminação de determinada conduta típico-penal. Ademais, o

próprio particular também tem um dever extrapenal de respeitar a

Administração Pública e com isso deixar de oferecer ou prometer vantagens

indevidas a funcionários que realizam funções públicas.334

330 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 89. Idênticas palavras são vertidas pelo autor na obra DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. La respuesta a la corrupción pública. Tratamiento penal de la conducta de los particulares que contribuyen a ella”. Granada: Editorial Comares, 2004. p. 41. 331 VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento penal de la corrupción del funcionario: el delito de cohecho. Madrid: Edersa, 1995. p. 26. 332 A respeito vide, de maneira pormenorizada, OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito de cohecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 89 a 93; VALEIJE ALVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 330 a 334. 333 Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 92. 334 Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 92 e 93.

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Adverte VALEIJE ÁLVAREZ: “Esta concepción parte del rechazo al criterio de la infracción del deber de integridad o fidelidad como elemento fundamental del injusto en el delito de cohecho pasivo, ya sea porque su utilización deriva en una visión totalitaria de este delito – como en general de todos los relativos a los funcionarios públicos – y, por lo tanto, de la actividad administrativa, ya sea porque, atendiendo a este criterio, se torna totalmente imposible diferenciar entre ilícitos penales e ilícitos administrativos, generando así una desvirtuación del concepto de bien jurídico y de su función limitadora.”335

É verdade que, com exceção de Paulo José da COSTA JR.336, a

doutrina nacional não se debruçou sobre as questões atinentes ao bem

jurídico tutelado no delito de corrupção. Os manuais, portanto, muito embora

indiquem qual a concepção de bem jurídico adotado, acabam por não elucidar

maiores detalhes acerca, inclusive, de sua evolução.

Pode-se encontrar na doutrina brasileira em torno de três

posicionamentos sobre o bem jurídico tutelado pelas condutas típicas de

corrupção ativa e passiva.

Antigamente já se defendeu a ideia de que o bem jurídico

tutelado nos delitos de suborno seriam os próprios deveres de lealdade,

fidelidade e probidade a serem respeitados pelo servidor público diante da

Administração Pública. Neste sentido teria asseverado Galdino SIQUEIRA,

alegando que no delito de peita ou suborno (previsto no Código Criminal de

1890) não se “viola sómente os deveres do seu cargo, atraiçôa a sociedade

que nelle depoz a sua confiança, e a justiça que não admitte como causa

impulsiva de um acto senão a própria justiça.”337

Note-se, portanto, que o enfoque era dado não a partir da noção

de Administração Pública ou eventual lesão a esta, mas sim da quebra e

inobservância de deveres dos funcionários públicos junto à estrutura

organizacional do Estado.338 Assim é que a corrupção pública seria definida

como sendo um <<delito de funcionários>>, cuja criminalização fundamentar-

335 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 331. 336 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 99 a 101. 337 Cf. SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ...., p. 280. Outros autores também tangenciam tal entendimento como é o caso de Sérgio HABIB ao se referir que na corrupção strictu sensu deve “o Estado incriminar-lhes a conduta, exatamente por ofenderem os princípios morais a que, como funcionários públicos, se obrigavam a observar.” HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 162. 338 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 320.

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se-ia na ideia de incorruptibilidade e, a contrario sensu, integridade do

funcionário público.339 Em termos bem diretos: a aceitação deste

entendimento conduziria a fundamentar no núcleo do injusto típico na lesão

ao princípio da autoridade ou ainda no prestígio da Administração Pública.340

O entendimento acima exposto contraria a unicidade do bem

jurídico aqui postulada (entre corrupção ativa e corrupção passiva). Todavia,

e para além disso, não é preciso muito esforço para concluir pela

improcedência de tal tese, ao argumento da generalidade de tais interesses a

serem tutelados341, da não outorga de critério apto a diferenciar o suborno de

outros delitos praticados em detrimento da Administração Pública e, muito

menos, da diferenciação entre o ilícito penal e o ilícito administrativo342. Como

se não bastasse, trata-se de visão autoritária343 da atividade administrativa,

visão esta já incompatível com o Estado de Direito democrático atual.

Ao tempo em que não se desconhece a necessidade de

observância de tais deveres pelos servidores públicos, inclusive para a

regularidade na prestação dos serviços administrativos, não se pode dizer –

nem tampouco aceitar – que a cada infração do dever de probidade,

legalidade ou lealdade se justifique a intervenção da norma penal.

Ainda de acordo com VALEIJE ÁLVAREZ, se os deveres de

fidelidade ou lealdade do funcionário público forem classificados como

deveres de natureza ética e/ou moral, significa dizer que o Direito penal

estaria legitimado a ser aplicado a partir de meras infrações éticas ou morais,

sem referencial a nenhum bem jurídico propriamente dito. Já se tais deveres

forem classificados como deveres extrapenais, mas de natureza jurídica, o

Direito penal apenas cuidaria de reforçar, ou melhor, de aprimorar a tutela de

normas extrapenais, com o que também não se individualizaria um bem

jurídico digno de tutela e plenamente individualizado.344

Em mais uma oportunidade elucida DE LA MATA BARRANCO:

339 DE LA MATA BARRANCO, Norberto. El bien ..., p. 92. 340 RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito de cohecho: problemática jurídico-penal del soborno de funcionarios. Madrid: Aranzadi, 1999. p. 27. 341 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 94. 342 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 94. No mesmo sentido VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 330. 343 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 96. 344 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 323 a 328.

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“... el contenido material de antijuridicidad que se exige para la intervención del Derecho Penal no se satisface en la mera infracción de un deber del cargo, sino que es necesario que esa infracción comporte una cierta entidad para afectar a un correcto funcionamiento de la Administración, que incluso sin ulterior especificación constituye una referencia demasiado general e insuficiente en sí misma para determinar la necesidad de tutela penal.”345

De outro canto, fundamentando-se não na acepção de delitos de

funcionários, mas sim na de delitos que atentam contra a Administração

Pública, uma segunda justificação para a tutela penal frente ao <<suborno>>

residiria na defesa da autoridade estatal, a boa imagem desta, seu prestígio e

sua dignidade.346

Dá-se, assim, um salto qualitativo na conceituação do interesse a

ser tutelado, rejeitando-se a tutela dos deveres dos funcionários para com a

Administração Pública e que deve ter como cenário obrigatório a função

pública347 em si e acomodada nos parâmetros constitucionais que delimitam

que esta só pode e deve ser exercida em favor da sociedade e dos cidadãos

e não como um valor por si própria considerada.

Se de um lado se pode afirmar que na doutrina brasileira não há

uma definição certa e absolutamente definida a respeito do bem jurídico

tutelado, congregando-se, na verdade, diversas facetas do interesse a ser

tutelado em conceituações genéricas e amplas, pode-se também aceitar a

tese, a exemplo do que ocorreu em Portugal, consoante noticia António

Manuel de Almeida COSTA348, de que a maioria dos autores, para a

conceituação genérica antes informada, mencionam a dignidade e o prestígio

do Estado-administração como o bem jurídico ínsito à corrupção. Explica o

professor português: “Numa palavra, o objeto de protecção reconduz-se ao

345 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 99. Complementa RODRÍGUEZ PUERTA: “En conclusión, el abandono de este tipo de planteamientos va a permitir superar la interpretación excesivamente formalista e imbuida de caracteres éticos o morales que se había hecho de estos delitos, y ubicar el desvalor de este tipo de comportamientos en el menoscabo de un bien jurídico como valor objetivo.” RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 33. 346 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 101. 347 Acrescenta Norberto J. DE LA MATA BARRANCO: “Además, la priorización del elemento de la función pública por encima del elemento del deber tiene la virtud de situar en el centro de la protección penal un criterio de legitimidad material propio de la esencia del bien jurídico, puesto que su identificación con criterios formales desnaturaliza la función del bien jurídico de límite material al jus puniendi.” El bien …, p. 100. 348 Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81. A influência para tanto, ao menos em Portugal, diz o autor, seria da doutrina italiana.

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prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou

operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão

adstritos.”349

Diversos autores brasileiros, tais como Heleno Claudio

FRAGOSO350, Paulo José da COSTA JR.351, Eduardo MAGALHÃES

NORONHA352, Luiz RÉGIS PRADO353 e Cezar Roberto BITENCOURT354,

Nelson HUNGRIA355 e Rui STOCO356 fazem uso das expressões prestígio e

dignidade do Estado, em que pese não de maneira isolada, mas, conforme

aduzido acima, vinculadas a outras facetas e interpretações do bem jurídico.

Dado o seu caráter vago, amplo, inseguro e, tal como uma mera

troca de palavras, admitir a dignidade e o prestígio como o fundamentado de 349 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81. 350 “A venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas. Por um lado compromete a eficiência do serviço público (em torno do qual gravita o interesse de toda a comunidade), e, por outro, põe em perigo o prestígio de toda a administração e a autoridade do poder público, minando a confiança dos cidadãos e gerando a intranquilidade e o temor.” FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 436. 351 “Como se vê, o legislador, ao prever os crimes contra a Administração Pública, visou a tutelar a normalidade funcional, a probidade, o prestígio e o decoro da Administração Pública, entendida em sentido amplo.” PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 21. Na mesma obra é dito também: “Através da proibição da compra e venda particular do ato são tutelados tanto o bom andamento quanto a imparcialidade da Administração Pública.” p. 100 e 101. “Indiretamente, portanto, são tutelados o prestígio da Administração Pública bem como a confiança que os cidadãos depositam na Administração Pública.” Dos crimes ..., p. 101. 352 “Dito isto, vê-se qual o bem jurídico que o legislador, aqui, tem em perspectiva: o desenvolvimento regular da atividade do Estado, dentro de regras da dignidade, probidade e eficiência.” p. 198. “Em suma: o bem jurídico tutelado é ainda aqui o funcionamento normal da administração pública, de acordo com os princípios de probidade e moralidade. É a segurança do prestígio da função que se tem em vista.” NORONHA, Magalhães. Direito Penal. Volume 4. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 246. 353 “A tutela penal no tipo em exame tem por escopo proteger o interesse atinente ao normal funcionamento, transparência e prestígio da Administração Pública, com especial atenção à obediência ao dever de probidade, evitando-se, destarte, os nefastos danos causados pela venalidade no exercício da função pública.” PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 5ª ed. Volume 3. p. 473. 354 “Protege-se, na verdade, a probidade da função pública, sua respeitabilidade, bem como a integridade de seus funcionários, constituindo a corrupção passiva a venalidade de seus atos de ofício, num verdadeiro tráfico da função pública.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 77. 355 “... o motivo da reação penal, na espécie, é, antes de tudo, a pravidade do tráfico, do comércio da função pública, a acarretar o desprestígio e o descrédito da administração, ou a suspeita em tôrno desta.” HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume IX. Arts. 250 a 361. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 368. 356 “Do que se infere que a norma penal que prevê coação e imposição de pena tem por escopo precípuo o regular funcionamento da administração do Estado, sua moralidade e respeitabilidade.” STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral. In: Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coordenadores). 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1466.

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inserção do Direito penal nas condutas de suborno, qualquer que seja a sua

classificação (próprio, impróprio, antecedente, consequente, passivo ou ativo)

configura como escolha, permissa venia, indevida, porque não tem o condão

de individualizar um interesse próprio de tutela. Como mencionado, aparece

na verdade como uma troca de palavras, com o que se mantém a tutela da

Administração Pública pela Administração Pública e se deixa de vincular à

qualidade da função pública exercida ou ainda a prejuízos ou perigos mais

evidentes aos administrados.357

Outrossim, como prova da impossibilidade de individualização do

prestígio da Administração Pública, há de se evidenciar as diferenças entre

os escândalos de corrupção (rotineiros no Brasil) e os delitos propriamente

ditos. Em termos bem diretos, nem todo escândalo ou notícia sobre corrupção

conduz a delitos de corrupção propriamente ditos. A partir disso pode-se

concluir que o que realmente diminui o prestígio da Administração Pública

não são os delitos de corrupção, mas sim a inércia estatal em investigá-los e

julgá-los. Outrossim, veja-se a petição de princípio mencionada por Vizueta

FERNANDEZ: “determinados comportamentos não são incorretos porque

diminuem a confiança dos cidadãos, senão que diminuem a confiança dos

cidadãos porque são incorretos, de modo que a alusão à confiança nada

esclarece em relação ao bem jurídico tutelado.”358

Bem complementa VALEIJE ÁLVAREZ: “Pero su existencia no es lo determinante, lo que definitivamente influye en el desprestigio de la Administración Pública, es la forma de hacerle frente; dotando al sistema de toda serie de mecanismos de control administrativo, policial o judicial para que este tipo de delitos sea castigado. La falta de persecución y por lo tanto de castigo para estas conductas, se puede decir que es la clave del eventual desprestigio de la Administración.”359

Conforme antes referido, a doutrina brasileira não se divide em

correntes díspares acerca do bem jurídico tutelado nos delitos de suborno

funcional. Antes, aliás, fornece conceitos muito próximos e que congregam

mais de um fator a ser tutelado. E um dos motivos justificadores da

intervenção penal mediante a tipificação da conduta de corrupção strictu 357 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 102. 358 VIZUETA FERNÁNDEZ, J. Delitos contra la administración pública: estudio crítico del delito de cohecho: Granada: Comares, 2003. p. 209. 359 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 339.

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sensu, segundo a doutrina majoritária brasileira, seria o correto e bom

funcionamento da Administração Pública.

Tal entendimento pode ser encontrado nos ensinamentos de

COSTA JR./PAGLIARO360, de CAPEZ361, de STOCO362, de WUNDERLICH363,

de GRECO364 e de REGIS PRADO.365

Ainda assim, em que pese determinado avanço na consideração

do bem jurídico a considerar-se tutelado, pode tal corrente de pensamento

receber a crítica já endereçada a outras, quais sejam, a generalidade de sua

compreensão e a precariedade de fundamentação da punição do suborno

consequente, apresentando também dificuldades para a explicação da

corrupção passiva imprópria.366 Em outras palavras, o bom andamento da

Administração Pública assume “uma referência excessivamente ampla e

pouco indicativa do conteúdo substancial do injusto”367 das figuras típicas de

corrupção passiva e ativa.

Mas não é só.

O entendimento a ser declinado sobre o correto funcionamento

da Administração Pública poderia levar a situações no mínimo embaraçosas.

Se este é o bem jurídico a ser tutelado, como explicar a punição em casos de

corrupção (ativa ou passiva, própria ou imprópria), em que a conduta do

agente público tenha resultado em uma melhoria ao serviço público,

independentemente da legalidade ou não do ato corrompido? Como

fundamentar que a compra de melhores equipamentos de informática, ainda 360 COSTA JR., Paulo José; PAGLIARO, Antonio. Dos crimes contra a administração pública, p. 100. 361 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 502 e 503. 362 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes praticados ..., p. 1466. 363 Não por outro motivo alega WUNDERLICH, com apoio nos entendimentos de Luiz Régis Prado e de Cezar Roberto Bitencourt, que “de um modo geral, a doutrina [brasileira] trata o bem jurídico tutelado no art. 317 do Código Penal, indiscutivelmente, como a própria Administração Pública, especialmente em sua probidade.” WUNDERLICH, Alexandre. Dos crimes contra a administração pública. In: Direito Penal. Jurisprudência em debate, crimes contra a Administração Pública e crimes contra a Administração da Justiça, volume 4. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2013. p. 36. 364 GRECO, Rogério. Código penal comentado. 9ª ed. Niterói: Impetus, 2015. p. 1069. 365 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral e especial. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1347. 366 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Noberto J. El bien ..., p. 107, com apoio na doutrina de Sérgio Seminara. 367 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 108.

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que motivada por corrupção, com o que as funções desenvolvidas pelos

agentes públicos ganharam em agilidade, efetividade e segurança, seja

punível como base em raciocínio permeado pelo <<incorreto

funcionamento>> da mesma Administração Pública?368

Por fim, sediar a tutela sobre o correto funcionamento da

Administração Pública significa relegar o principal, qual seja a proteção do

cidadão e o direito e expectativas deste frente ao Estado. Trata-se, portanto,

de encontrar um bem jurídico, um motivo suficiente e adequado para a

punição da corrupção que se fundamente em legítimos interesses dos

cidadãos e não propriamente da Administração Pública.

Em situação de melhor definição do que apenas a alusão ao bom

funcionamento da Administração Pública está a menção dos princípios

constitucionais, em especial a legalidade, a objetividade e a impessoalidade

(imparcialidade), nortes que devem fundamentar a gestão e a prática da

administração pública.369

Partindo-se da compreensão de que o delito de suborno passivo

e ativo, quanto mais a ocorrência conjunta de ambos, contempla a obtenção e

resolução de um acordo ilícito, tem-se que é o valor e o interesse da

imparcialidade o grande prejudicado nas condutas corruptas. Isso porquanto

o servidor público deixará de lado a imparcialidade e passará a adotar uma

posição fática, legal ou ilegal, motivada pela parcialidade em atender ou

cumprir com o acordo firmado com o particular.

O termo imparcialidade é aqui empregado no sentido proposto

por RODRIGUEZ PUERTA, autora que seguiu as determinações iniciais

lançadas por VALEIJE ÁLVAREZ, precursora da definição em terras

espanholas. Ambas fundamentam suas posições a partir dos princípios

constitucionais obtidos da realidade espanhola370 como marco de referência à

definição do bem jurídico.

Contudo, não há inconveniente ou proibição em sustentar esta

definição também para o ordenamento jurídico brasileiro, posto que a

368 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 337. 369 Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 110. Da mesma forma em La respuesta …, p. 73 e 74. 370 RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito ..., p. 67.

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Constituição da República de 1988 traz em seu artigo 37 diversos princípios,

dentre os quais o princípio da impessoalidade, cuja definição pode aqui ser

equiparada à imparcialidade supra citada.

VALEIJE ÁLVAREZ371 bem posiciona que à atividade

administrativa não basta buscar o interesse público com base nas noções de

eficácia e idoneidade, de maneira a assegurar rapidez, economia e

rendimento ótimo na atuação administrativa, mas sim que sejam empregados

os instrumentos de organização e controle de maneira que todo cidadão

perceba e usufrua das melhores prestações públicas em caráter de igualdade

com os outros que estejam em idênticas condições fáticas e/ou jurídicas.

Esta imparcialidade que, no caso brasileiro, pode ser entendida

como impessoalidade, acaba por determinar ao funcionário público que atue

de maneira objetiva e com absoluta indiferença, seja diante de eventuais

grupos ou forças políticas, seja diante de seus próprios interesses pessoais.

Da mesma forma, esta impessoalidade obriga o servidor público a atuar de

forma a evitar situações de privilégios a terceiros, o que equivale a dizer que

haja distribuição equitativa e justa das prestações públicas.372

Tais predicados encontram-se textualmente em VALEIJE

ALVAREZ: “Desde este punto de vista, la tutela de la imparcialidad en el ejercicio de la función pública se nos presenta como un bien jurídico medial para alcanzar la tutela de un derecho fundamental, como es la igualdad de todos los ciudadanos en la obtención de prestaciones públicas o, lo que es lo mismo, la tutela de la correspondiente obligación por parte de la Administración de actuar atendiendo a la satisfacción general de los intereses de todos los ciudadanos.”373

Tal compreensão também pode ser complementada a partir dos

dizeres de RODRIGUEZ PUERTA ao afirmar que “desde esta perspectiva, la

objetividad significa que la actividad administrativa no debería permitir la

influencia de intereses como, por ejemplo, el lucro económico privado que

371 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento penal de la corrupción del funcionario: el delito de cohecho. Madrid: Edersa, 1995, p. 29. 372 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento …, p. 30. 373 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 31.

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pueda operar no sólo en beneficio personal el funcionario, sino también en

beneficio de un grupo o clase.”374

Na doutrina portuguesa há grande aceitação do posicionamento

de Antonio Manuel de Almeida COSTA, tendo este autor adotado como o bem

jurídico tutelado nos delitos de corrupção aquilo que ele denomina como

<<autonomia intencional da Administração Pública>>. Veja-se: “Partindo do exposto, e não obstante o carácter instrumental que reveste, também a própria Administração, atenta a relevância dos objetivos que serve, pode, em si mesmo, assumir a natureza de bem jurídico-criminal. Neste sentido aponta a sua imprescindibilidade para a realização ou satisfação de finalidades fundamentais, indispensáveis em qualquer sociedade organizada. (...) Posto isto, ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se <<sub-roga>> ou <<substitui>> ao Estado, invadindo a respectiva esfera de actividade. A corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, sempre numa manipulação do aparelho do Estado pelo funcionário que, assim, viola a <<autonomia funcional>> da Administração, ou seja, em sentido material, infringe a chamada <<legalidade administrativa>>. Sintetizando, o bem jurídico da corrupção consiste na <<autonomia intencional>> da Administração, i é, na <<legalidade administrativa>> entendida nos termos descritos.”375

Esta menção à autonomia intencional do Estado como bem

jurídico a ser tutelado pelo delito de suborno se aproxima, sem dúvida, da

imparcialidade antes mencionada. Ousa-se afirmar que se trata da mesma

índole de proteção, porém com nomenclatura distinta. Detalha LAMAS que “a

incriminação da corrupção visa garantir que o Estado – através de seus

funcionários – actue de forma objetiva e imparcial e de que a sua “vontade”

ou o sentido das suas decisões não é ditada, controlada ou influenciada por

interesses que não sejam os da colectividade.”376

2.3. Posicionamento.

374 RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 70. 375 COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção, p. 93 e 94. Idêntica exposição está presente no Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial. Tomo III, artigos 308º a 386º. Jorge de Figueiredo Dias (diretor). Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 660 a 661. 376 LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento indevido de vantagem. Análise substantiva e perspectiva processual. In: Revista do Ministério Público, Lisboa, volume 126, ano 32, junho de 2011. p. 71.

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Parte-se do pressuposto que, para que se cumpram as funções

públicas nos termos esperados pelo Estado e pelos cidadãos, há de ser

aplicada a noção de eficácia indiferente, traduzida na obrigação que tem a

Administração em ponderar todos os interesses em jogo e operar sobre

critérios uniformes a fim de evitar discriminações e favoritismos.377

O <<princípio da imparcialidade>> pode ser considerado e

estruturado a partir da verificação de que as decisões dos servidores públicos

não sofram interferência de terceiros de maneira a ser respeitada a

neutralidade e a objetividade para com os interesses privados378, sendo certo

que a atividade administrativa não se desenvolva “pela perseguição de

interesses pessoais, motivações egoístas ou ambições pessoais que se

sobreponham ao interesse público.”379

Tem-se que partir da noção que os delitos de corrupção

envolvem, sem dúvida, a quebra de deveres funcionais pelos servidores.

Deveres que devem ser observados pela simples vigência constitucional dos

princípios e pela condição de servidores. Vale frisar o que menciona Marçal

JUSTEN FILHO380, no sentido de que o regime jurídico administrativo

contempla a possibilidade de o funcionário atuar apenas e em conformidade

com os dispositivos legais em vigor.

Isso, contudo, não explica a punição penal dos atos de suborno,

até porque a infringência das normas administrativas (deveres

administrativos) de probidade, já são punidos em outras áreas do

ordenamento jurídico.

377 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 111; DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. La respuesta …, p. 75. Vide a exata compreensão disso em VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Delito de cohecho. p. 358. Trata-se, nas palavras de SUNDFELD, de direitos dos particulares perante o Estado, dentre os quais se inclui o direito de liberdade num sentido moderno, ou seja, a segurança das fruições privadas, como é o caso da exploração da atividade econômica, frontalmente atingida quando o servidor público privilegia certos cidadãos em detrimento de outros. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos ..., p. 115. 378 DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 112; DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. La respuesta …, p. 775 e 76. 379 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria ..., p. 132. Em idêntico sentido vide FRANÇA, Phillip Gil. Ato administrativo e interesse público: gestão pública, controle judicial e consequencialismo administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 83 e 84; MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 117; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 68 e 69. 380 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 145.

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A verdadeira explicação para a criminalização dos atos de

corrupção strictu sensu se reveste na figura da <<imparcialidade>>, de modo

que ao Direito penal cumpre tutelá-la. O ganho teórico e prático com este

entendimento é visível.

A um, porquanto se retiram os aspectos éticos que gravitam em

torno do tema corrupção. Ora, não se pune o ato de suborno porque o

servidor público é “mau”, “antiético” ou “malfeitor”, mas sim porque a atitude

de se corromper, de entrar em contato com um particular para realizar ou não

realizar um ato funcional de sua alçada, mediante o recebimento de

vantagem ilícita, lesiona ou coloca em perigo a sua imparcialidade ou, como

querem outros, a autonomia intencional do Estado.

A dois, o subjetivismo das noções de dignidade e prestígio da

Administração Pública, ou ainda o seu bom e normal funcionamento,

conceitos, ainda que importantes, mas verdadeiramente indefiníveis do bem

jurídico, são substituídos por categoria objetiva e, mais, com amparo

constitucional.

A três, a <<imparcialidade>> ou <<autonomia intencional>> do

Estado legitima a intervenção penal, pois possibilita à intervenção radicar-se

na tutela de motivação do servidor público ao exercer sua função e, de modo

mais imediato, de modo que o desempenho da atividade dos funcionários

públicos seja exercido a partir de critérios de objetividade e, dessarte, livre da

interferência de terceiros, interferência esta que se daria por meio de ofertas

indevidas de vantagem.381

A quatro, porque isolar a <<imparcialidade>> no exercício da

função pública permite encontrar um bem jurídico que favorece,

mediatamente, a defesa da igualdade de todos os cidadãos na obtenção e

fruição dos serviços públicos, cominando pena para as situações que

impeçam ou coloquem em perigo a satisfação geral de todos os cidadãos.382

381 Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho. In: Tratado de derecho penal español. Parte especial. III. Delitos contra las administraciones públicas y de justicia. F. Javier Álvarez Garcia (director). Araceli Manjón-Cabeza Olmeda y Arturo Ventura Püschel (coordinadores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013, p. 383 e 284. Também VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 359. 382 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 360.

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A cinco, eis que a noção de <<imparcialidade>> fornece aspecto

concreto para individualizar o injusto penal de suborno para além de um mero

recebimento indevido de vantagem ou, ainda, de um exercício inadequado da

atividade reservada ao funcionário público. Menciona VALEIJE ÁLVAREZ que

a conduta necessita ser globalmente entendida, ou seja, em toda a sua

extensão: “En este sentido, dentro de la conducta típica de este delito destaca que ya los mismos comportamientos objetivos, esto es, “solicitar”, “recibir” o “aceptar” – e independientemente que el acto sea perseguido sea conforme o contrario al deber – muestran como característica más destacada ser expresiones que evidencian un compromiso o una clara connivencia entre el órgano interno de la Administración (funcionario) y un interés o un grupo de intereses extraños a ella, y por lo tanto, origen o fuente de indebidas injerencias en la imparcial actuación de los poderes públicos.”383 A seis, porque o bem jurídico <<imparcialidade>> também

oferece a explicação para a punição das condutas de corrupção passiva

imprópria, mesmo porque o recebimento, aceitação ou solicitação de

vantagem indevida a um cidadão para realizar um ato conforme o esperado

pela lei, se não lesiona a citada imparcialidade no desenvolvimento do

conteúdo da função reservada ao funcionário público, certamente o faz com

possível distinção entre o particular “que paga” e o particular “que não paga”.

Isso já seria o suficiente para permitir a punição do servidor, ainda que em

pena menor a ser fixada por decisão judicial.

Assim é que se pode concluir com as palavras de VALEIJE

ÁLVAREZ ao esclarecer que “puede comprenderse también la contrariedad

del delito de cohecho pasivo impropio en todas sus formas respecto al

principio de imparcialidad, ya que el delito en sí mismo implica el

otorgamiento de una posición de privilegio a un interés privado respecto al

interés público.”384

Ainda como fixação de última premissa, ao bem jurídico

<<imparcialidade do servidor público>> se reconhece a característica de

verdadeiro bem jurídico coletivo385 ou institucional386, o que nas palavras de

383 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 363. 384 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 34. 385 Cf. GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87 e 93; MENDOZA BUERGO, Blanca. Límites dogmáticos y político-criminales de los delitos de peligro abstracto. Granada: Editorial Comares, 2001. p. 54. Para a identificação dos verdadeiros bens jurídicos coletivos

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SCHÜNEMANN melhor recebeu a definição de <<bem jurídico

espiritualizado>>. Por meio desta definição SCHÜNEMANN procurou elucidar “bens supraindividuais de caráter imaterial que – ainda que possam ser instrumentais para a tutela de bens finais reconduzíveis ao indivíduo – desempenham uma função de representação e reclamam autonomia e proteção próprias, postos que se dirigem a proteger o funcionamento de instituições ou subsistemas estatais, sociais ou econômicos.”387

No caso a imparcialidade aqui considerada pode perfeitamente

funcionar como uma instituição (ou princípio) jurídica(o), de matriz

supraindividual388, que assegura a satisfação de verdadeira necessidade

básica da vida em sociedade, conquanto o imparcial desenvolvimento da

atividade do servidor público atinge suficiente relevância a ponto de exigir a

incidência da norma penal, isso independentemente de qualquer

comprovação de lesão ou de perigo ex post (pós conduta) ao bem jurídico

identificado.389 Por evidente que, a partir disso, a estrutura típica a ser

desenvolvida para o abrigo do bem jurídico será a de perigo abstrato, desde

que a redação da norma não infrinja direitos e garantias individuais.

HEFENDEHL faz uso dos conceitos de “não exclusão”, “não rivalidade” e “não distributividade”, os quais se encaixam perfeitamente à imparcialidade do servidor público, de modo que a que nenhum cidadão é excluído tal direito, os cidadãos não rivalizam quanto a este bem jurídico nem tampouco se consegue distribuir a todo o cidadão a sua cota parte do objeto de tutela. HEFENDEHL, Roland. El bien …, p. 188 e 189. No mesmo sentido GRECO, Luis. Modernização …, p. 95 e 96. 386 Denominação utilizada por SANTANA VEGA, Dulce María. La protección penal de los bienes jurídicos colectivos. Madrid: Dykinson, 2000. p. 77. 387 SCHÜNEMANN, Bernd. Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits-und Gefährdungsdelikte, JA 1975, p. 798 apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Límites …, p. 52. A respeito elucidou Renato de Mello Jorge SILVEIRA: “Pretendendo superar as dificuldades anteriores, para ele seriam estes bens supra-individuais com caráter imaterial, os quais desempenham verdadeira função de representação de bens finais pertencentes a indivíduos. Acabam eles reclamando uma autonomia e proteção próprias. Assim, considerando-se a difícil visualização, com uma única ação individual, de lesão ou mesmo de uma concreta colocação em perigo, concebe-se uma proteção abstrata.” SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico ..., p. 152. 388 Sobre o tema vide, em sentido obrigatório, SILVEIRA, Renato Mello de Jorge. Direito penal supra-individual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; SANTANA VEGA, Dulce María. La protección penal de los bienes jurídicos colectivos. Madrid: Dykinson, 2000. 389 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. La estructura de los delitos de peligro (los delitos de peligro abstracto y abstracto-concreto como modelo del Derecho penal económico moderno). In: Cuestiones actuales del sistema penal. Crisis y desafíos. Lima: Ara Editores, 2008. p. 15.

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3. A ESTRUTURAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E

PASSIVA NO DIREITO BRASILEIRO. 3.1. A estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva.

Assiste razão a Claudio BRANDÃO quando afirma que a

relevância penal de um fato necessita a subsunção deste fato a um tipo

penal390. E aqui reside o problema jurídico-penal, pois o técnico-legislador e o

técnico-aplicador “não deve ser um aplicador autista da forma, isto é, não

deve ser politicamente alienado”391, justamente porque há de ter em mente,

além de outros critérios e perspectivas, o critério e a perspectiva do bem

jurídico violado. Daí a importância da delimitação acima acerca do bem

jurídico, pois com ela é possível desvelar, com o mínimo grau de segurança,

o cenário a partir do qual se podem estabelecer os limites de intervenção da

norma penal.

Aos tipos penais de suborno passivo e ativo, atualmente vigentes

no Direito penal brasileiro, pode-se dizer que o problema da tipicidade se vê

exposto na senda do preconizado por BRANDÃO, ou seja, nos problemas da

tipicidade derivados da má técnica do legislador392 e, em segundo lugar, na

precariedade do preparo técnico e político do aplicador da norma.393

Muito embora não seja um predicado exclusivamente

brasileiro394, é fato que o legislador de 1940 não detinha, e sequer poderia

ter, a dimensão daquilo que o fenômeno do suborno a funcionários públicos

poderia se tornar, seja em quantidade quanto em qualidade (sob

390 BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2014. p. 19. 391 BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade …, 21. 392 Que no direito brasileiro, tal como em Portugal, é também de natureza semântica, porquanto tratar com o mesmo nome um delito e a família delitiva ao qual o delito está inserido, é escolha indevida. 393 BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade …, 23. 394 Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión y cohecho de funcionarios públicos: cuestiones problemáticas e hipótesis de reforma en Italia. In: Temas de derecho penal económico. III Encuentro Hispano-italiano de Derecho Penal Económico. Juan María Terradillos Basoco e Maria Acale Sánchez (coordinadores). Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 248.

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um prisma negativo).395 Nada obstante, para além da técnica então

empregada em 1940, pode-se jungir outra crítica, que é a da passividade. O

legislador brasileiro, quase que em total descompasso com as normativas

internacionais, excetuando-se a inserção dos tipos penais de corrupção de

funcionário estrangeiro, permaneceu inerte às necessidades de reforma da

legislação, justamente porque sobre a corrupção estritamente considerada foi

realizada apenas a reforma que aumentou a pena (de 1 a 8 para 2 a 12

anos), tendo-o feito com um claro objetivo: evitar a possibilidade de ser

firmado o acordo da suspensão condicional do processo.396

Justamente sobre a redação – desatualizada, reafirme-se – dos

tipos penais de suborno ativo e passivo é que se faz necessário incursionar a

respeito das reais características dos delitos em análise, formular as devidas

críticas e, se possível, propor perspectivas de reforma.

3.1.1. O aspecto real e o aspecto jurídico dos delitos de corrupção ativa e passiva.

A forma pela qual a prática de suborno se desenvolve no

cotidiano, quer dizer, no plano dos fatos, não necessariamente encontra

amparo na tipificação penal. Isso parece notório a partir das noções de

contrato e de acordo delitivo que permeiam o imaginário das práticas de

corrupção strictu sensu.

Tanto é assim que, ao se pensar em um exemplo, ainda que

banal, da prática de suborno, ter-se-á em mente a figura de um agente

corruptor (que oferece a vantagem indevida em troca de algo, in casu, um ato

do servidor público) e de um agente corrupto (aquele que receberá a

vantagem ilícita e perpetrará o ato combinado, seja ele lícito ou não).

395 “Tem-se, assim, que as formas tradicionais de combate à corrupção tornaram-se antiquadas diante dessa nova ordem de fatores.” PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 473. 396 Aprovação da Lei 10.763/2003. Breve leitura do projeto de lei e das discussões ali travadas demonstram o despreparo técnico do legislador com especial ênfase ao desrespeito das finalidades e limites do direito penal: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=141186&filename=Tramitacao-PL+7017/2002, acesso em 19 de julho de 2014, às 09h27min.

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Os exemplos desta ordem podem ser definidos como figuras

clássicas de corrupção, como ocorrências vivenciadas na prática em diversas

oportunidades. Em resumo, o aspecto real da corrupção, consubstanciada em

um verdadeiro acordo entre as partes que concorrem para o crime, via de

regra, proporciona vantagem concreta para ambas. Corruptor e corrupto

atingem seus objetivos. Não há nada de errado com o exemplo acima e muito

menos em reconhecer e outorgar à corrupção este tipo de conhecimento

profano, midiático, incidente no cotidiano do cidadão comum e inclusive no

imaginário do operador do direito.

Este viés prático, diga-se assim, das práticas corruptivas, não

obriga, contudo, que as normas penais que visam impedir e reprimir tais

ocorrências se tornem reféns desta realidade. Em um silogismo muito

simples, não é porque o delito de homicídio ocorre em tantos casos por meio

do emprego de arma de fogo que o legislador irá limitar o tipo penal do artigo

121 apenas quando a vítima for morta com a utilização de uma pistola,

revólver ou congêneres.

Sobre a diversidade das práticas corruptivas reais alertou

Alejandro NIETO: “Cada tipo de corrupción tiende a canalizarse a través de una forma propia de gestión. Los favores públicos sencillos, decididos por una sola persona (o por unos pocos) y de precios no cuantiosos, se despachan en negociaciones directas bilaterales que carecen de formalidad alguna y que se realizan con la simple entrega de un sobre o de un maletín. Cuando la puesta en contacto, entre el sobornador y el sobornado no es tan sencilla, se acude a los servicios de una tercera persona: conseguidor o intermediario, según los casos. Y, en fin, cuando se trata de operaciones repetitivas en las que los favores solicitados deben tramitarse, por imperativo legal, de acuerdo con procedimientos complejos en los que intervienen varios funcionarios y órganos asesores y deciden diferentes instancias políticas, ya no vale la negociación directa y es preciso montar organizaciones estables, tramas orgánicas especializadas en la gestión de tales procedimientos. Para conseguir el favor hay que utilizar entonces de una de estas organizaciones, a las que se paga con el soborno a cambio de la gestión y ellas se encargan de entregar luego el dinero a las autoridades que deciden.”397 Portanto, o estreitamento ou alargamento das condutas

proscritas por intermédio da norma penal nem sempre encontrará seu limite

no imaginário popular ou nas principais ocorrências práticas. Aliás, pelo

contrário. Os limites da norma penal e daquilo que será permitido ou proibido

397 NIETO, Alejandro. El desgobierno de lo público. Barcelona: Ariel, 2008. p. 164.

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criminalmente há de encontrar amparo, única e exclusivamente, no bem

jurídico tutelado. Do cotejo entre o bem jurídico, e aqui se está a falar da

imparcialidade do servidor público, e as condutas que possam lesioná-lo ou

expô-lo a situações de perigo é que surge a fixação dos limites penais de

intervenção.

3.1.2. A ausência de obrigatória bilateralidade entre os delitos de corrupção ativa e passiva.

Como visto acima, o legislador de 1940 adotou um modelo que, a

par de conceituar um delito com o mesmo nome de um fenômeno, o que

largamente contribui para um prejuízo na sua compreensão em sentido estrito

e também na multifacetada ocorrência da corrupção, separou-lhe a tipificação

nas figuras passiva e ativa. Inclusive, o Código Penal brasileiro – ao

contrário, por exemplo, do Código Penal de Portugal e da Espanha –

estabeleceu locus distinto para cada uma das formas delitivas.

Desta forma, o delito de corrupção passiva está inserido no

Capítulo I (Dos Crimes praticados por Funcionário Público contra a

Administração em Geral) e o de corrupção ativa está no Capítulo II (Dos

Crimes praticados por Particular contra a Administração em Geral), ambos

previstos no Título XI (Dos Crimes contra a Administração Pública).

Tal alteração promovida em 1940 e vigente até hoje, para além

de figurar mera alteração do ponto de vista histórico, fez com que se pudesse

conceituar propriamente um delito de corrupção praticado pelo particular e,

ao mesmo tempo, inseriu no Direito penal brasileiro a desnecessidade de que

os delitos de corrupção ativa e passiva tivessem que ocorrer

simultaneamente. Significa, como há muito aponta a doutrina398, a

desnecessidade de existência da bilateralidade nos delitos de corrupção.

Sob este pormenor dois detalhes merecem realce. O primeiro se

relaciona com a quebra da regra insculpida no artigo 29 do Código Penal.

398 HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 367; COSTA JR., Paulo José da. Comentários ..., p. 469 e 470.

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Ora, é consabido que este adotou como regra, no concernente ao concurso

de pessoas, a teoria monista. A respeito elucida Guilherme de Souza NUCCI:

“a) teoria unitária (monista ou monística): havendo pluralidade de agentes,

com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado, há

somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na

infração penal cometem idêntico crime. É a teoria adotada, como regra, pelo

Código Penal (Exposição de Motivos, item 25);”399

Nada obstante a regra advinda do artigo 29 do Código Penal,

tem-se que, para alguns delitos, o Código Penal brasileiro adote “situações

de exceção pluralística ao princípio unitário do concurso de pessoas”400,

sendo certo que os delitos de corrupção passiva e ativa se enquadram entre

as hipóteses excepcionais do Direito penal brasileiro.401

Tanto é assim que, analisados os núcleos dos tipos penais

previstos nos arts. 317 e 333 do Código Penal brasileiro, percebe-se ser

plenamente viável a ocorrência de solicitação por parte do servidor público

sem o necessário adimplemento por parte do particular, tal como é também

viável a prática do oferecimento de vantagem indevida por determinado

particular sem que haja o aceite desta vantagem pelo servidor seduzido pela

proposta que lhe é feita.

A conclusão inarredável a que se chega é não serem as

modalidades de corrupção ativa ou passiva necessariamente bilaterais ou

ainda crimes de concurso necessário. Com isso não se nega o óbvio, ou seja,

a plena viabilidade de que os delitos ocorram conjuntamente, v.g., o

oferecimento de dinheiro por parte de um particular a um agente penitenciário

para que este possibilite a entrada de drogas e de munição para dentro de

um estabelecimento prisional.402

399 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal ..., p. 322. 400 BUSATO, Paulo. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2013. p. 704; 401 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal ..., p. 322; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1291; BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 704; FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 437; PRADO, Luiz Regis. Curso ..., p. 475; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. p. 77 e, em especial, p. 87; STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1467. 402 Exemplo de corrupção própria fornecido por SANTOS, Claudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas sobre a corrupção de agentes públicos em Portugal e no

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Aliada a esta característica de excepcionalidade em relação ao

artigo 29 do Código Penal está, e aqui reside a principal importância, pois se

trata dos limites do Direito penal em face da prevenção e da repressão à

corrupção, a ampliação do espectro de punibilidade, quer-se dizer, de

criminalização dos eventos relacionados à corrupção ativa e passiva.

Isso porque, a depender do modelo de bilateralidade –

praticamente abolido em países de família romano-germânica403 – estar-se-ia

sempre na dependência da confirmação dupla: de um lado do oferecimento

ou promessa de vantagem indevida e do outro do aceite ou do efetivo

recebimento de “propina”.404

Há de se pensar, conforme já referido, que o legislador de 1940

não compreendeu o tipo penal para a evolução tecnológica e social que

seguiu, muito menos pelas dificuldades probatórias que se seguiriam à

criminalidade organizada, onde a corrupção se insere. A única explicação,

para o acerto na confecção dos tipos penais de corrupção ativa e passiva,

desde 1940 independentes entre si, diz respeito à ampliação do espectro de

punibilidade pela simples necessidade de considerar como grave e lesiva aos

interesses da administração pública a atuação unilateral de um dos agentes

envolvidos no delito, seja o agente público, seja o particular.

Não se pode negar que, perante o aspecto político-criminal405, a

medida de autonomizar os delitos de corrupção ativa e passiva assume papel

relevante e inarredável, cujo retrocesso sequer se imagina. Eis aqui um limite

político-criminal ultrapassado em boa medida pelo legislador e que não

merece reparos, ao menos neste aspecto. A título de nota e crítica fica a

Brasil. In: Direito penal econômico: questões atuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 533. 403 É a interpretação a ser retirada, ao menos, da legislação portuguesa (art. 372, 373 e 374 do Código Penal Português), espanhola (artigos 419 a 425 do Código Penal Espanhol) e alemã (§§ 331 a 334 do Código Penal Alemão); quanto ao aspecto doutrinário vide SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 384; MIGUEZ GARCIA, M.; CASTELA RIO, J. M. Código Penal. Parte geral e especial. Coimbra: Almedina, 2014. p. 1228. 404 Com o que, com a devida vênia, tem-se por equivocado o entendimento exposto por WUNDERLICH ao afirmar que entende “a corrupção passiva como delito bilateral que depende da corrupção ativa” e que não vê “como possível a existência do crime de corrupção passiva sem a configuração da corrupção ativa.” WUNDERLICH, Alexandre. Dos crimes ..., p. 43. 405 Cf. QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas considerações sobre os crimes de corrupção ativa e passiva. A propósito do julgamento do “mensalão” (APN 470/MG do STF). In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 106, janeiro de 2014. p. 184.

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incorreção, salvo melhor juízo, das expressões utilizadas por Paulo José da

Costa Jr. e por Magalhães Noronha. O primeiro se refere ao delito de

corrupção como sendo um “crime tentado”406, e acompanhado pelo segundo

por meio da expressão “crime-tentativa”407. Não se trata de crime tentado,

mas sim de clara antecipação da tutela penal para uma situação que, se não

ofende diretamente o bem jurídico, ao menos ancora a sua legitimidade

jurídico-penal por meio da colocação em perigo da administração pública e os

objetivos por ela pretendidos em um Estado democrático de direito.

A propósito, não se trata de utilização desmesurada da lei penal,

simbólica ou ainda apriorística, levando o Direito penal a um embate inicial

despropositado e fora de suas precípuas funções, mas sim de reconhecer

que, em alguns casos, a antecipação da tutela penal nada mais desempenha

do que o óbvio e o esperado. Se a par disso o órgão acusatório se

desincumbe de certa carga probatória é mera consequência que decorre de

configuração típica adequada à finalidade do Direito penal.

3.1.3. A possível bilateralidade de algumas condutas.

Coube a Cezar Roberto BITENCOURT preocupar-se

detidamente com esta matéria para deixar assentada a realidade típica

brasileira quanto à exigibilidade ou inexigibilidade de bilateralidade nos

delitos de suborno, tendo-o feito nos seguintes termos: “Embora o pactum sceleris não seja requisito obrigatório, repetindo, em todas as hipóteses do crime de corrupção, nas modalidades de receber (vantagem indevida) ou aceitar (promessa) a bilateralidade é inerente a referidas condutas, pois somente se recebe ou se aceita se houver em contrapartida quem ofereça ou prometa. Em outros termos, para a configuração da corrupção passiva, segundo esses verbos nucleares, é indispensável a presença da figura ativa, e vice-versa. No plano material, portanto, o reconhecimento da corrupção passiva, nas modalidades de receber ou aceitar, implica, necessariamente, a configuração da correspondente corrupção ativa (bilateralidade), seja na modalidade de oferecer, seja na modalidade de prometer (art. 333); no plano processual, contudo, essa bilateralidade, que é fático-jurídica, depende da produção da prova da autoria correspondente.”408

406 COSTA JR., Paulo José da. Comentários ..., p. 468. 407 NORONHA, Magalhães. Direito Penal, p. 245. 408 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5, p. 90.

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103

Existem julgados oriundos dos Tribunais pátrios409 que endossam

tal entendimento doutrinário, assentes com a independência dos delitos de

corrupção ativa e passiva, nas modalidades solicitar (passiva) e oferecer

(ativa), muito embora reconheçam a plena viabilidade de ocorrência da

bilateralidade nas demais condutas previstas tipicamente (receber e aceitar

promessa, na corrupção passiva, e prometer, na corrupção ativa).

Ainda que a redação dos tipos brasileiros que incriminam a

corrupção strictu sensu seja bem anterior aos mais relevantes tratados

internacionais atualmente em vigor e dos quais o Brasil é signatário, fato é

que a redação de alguns dos tipos penais, mais especificamente o tipo penal

de suborno ativo, está em consonância com aqueles. Ao menos é o que

consta do artigo 8 do Decreto 5.015/2004 (Convenção de Palermo) ao dispor

que “cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando intencionalmente cometidos: a) prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais; e b) por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais.”

Contudo, se em relação à figura típica do suborno ativo é

possível alguma adequação entre a realidade normativa brasileira e a

normativa internacional, já em relação ao suborno passivo é o caso de se

discordar e apontar problemas mais graves de tipificação no direito brasileiro.

409 V.g. o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no RHC 52465/PE (Rel. Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi – 5ª Turma – DJe 31.10.2014) do qual se extrai da ementa: “(...) 1. Conquanto exista divergência doutrinária acerca do assunto, prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro. Doutrina. Jurisprudência do STJ e do STF. 2. No caso dos autos, conquanto o suposto corruptor ativo não conste mais do polo passivo da ação penal em tela, tal circunstância não é suficiente, por si só, para que o feito seja trancado no que se refere ao recorrente, primeiro porque o princípio da indivisibilidade não se aplica às ações penais públicas, de modo que o Ministério Público pode oferecer denúncia contra os possíveis agentes do crime previsto no artigo 317 do Código Penal sem que o faça quanto aos que teriam cometido o ilícito previsto no artigo 333 do mesmo diploma legal, e segundo porque a extinção do feito quanto ao acusado de corrupção ativa se deveu ao reconhecimento da inépcia da denúncia, decisão que, como se sabe, não faz coisa julgada material, permitindo que o órgão acusatório apresente outra peça vestibular quanto aos mesmos fatos sem os vícios outrora reconhecidos. (...)”

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104

Isso porque, conforme estará demonstrado mais adiante, o modelo de

tipificação normatizado no Brasil, se de um lado é criterioso na adoção da

unilateralidade, a ausência de algumas exigências típicas no crime de

corrupção passiva torna a figura delitiva bastante deficiente.

3.2. Tomada de posição. As consequências do modelo unilateral adotado pelo direito brasileiro.

3.2.1. Tipos penais independentes.

A primeira consequência a ser apontada é a total independência

entre os tipos penais. É fácil perceber na doutrina brasileira, tal como

disposto na lição de Cezar Roberto BITENCOURT acima, uma tentativa de

salvar, a todo custo, uma parcela de bilateralidade obrigatória entre os tipos

penais de corrupção ativa e passiva.

Discorda-se, contudo, deste entendimento, pois a interpretação

dos tipos penais não pode chegar a suplantar o texto da lei. A norma a ser

extraída da legislação brasileira é, concorde-se ou não, precária. Esta forma

de encarar a realidade normativa talvez seja importante passo para a

realização, ao que tudo indica, de futura e necessária reforma global e

estrutural dos crimes hoje previstos no Código Penal.

Assim é que a bilateralidade poderá ocorrer nas condutas do

corruptor ativo que, ao oferecer ou prometer vantagem indevida, encontre o

aceite ou recebimento por parte do corruptor passivo. Porém, conforme está

demonstrado abaixo, o mero recebimento ou aceite de vantagem por parte do

funcionário público é sim conduta típica perante o direito brasileiro, sendo o

ato de ofício neste caso um mero capricho (bem vindo, diga-se de passagem)

da jurisprudência, ocupando os Tribunais brasileiros um protagonismo não

cabível a eles, que é justamente o de solucionar os problemas derivados da

legislação a partir de interpretações forçadas, contra legem e utilitaristas,

ainda que algumas ocorram em favor do acusado, como é caso da

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interpretação lançada sobre a exigência do ato de ofício para a configuração

do tipo penal de corrupção.

Deste modo, uma primeira conclusão é a de que os tipos penais

são absolutamente independentes, com verbos próprios, penas próprias,

modos de cometimento isolados, suas próprias consumações, etc.

3.2.2. Atipicidade da conduta de dar ou entregar a vantagem indevida solicitada pelo funcionário público.

É conhecido dos afetos à matéria penal que os delitos de

corrupção passiva e ativa no direito brasileiro sofreram reforma, promovida

pela Lei n. 10.763/2003, apenas em relação à quantidade de pena.

Dessarte, é lugar comum que a tipologia de tais delitos assuma

caracteres desde há muito reconhecidos pela doutrina pátria, a começar pela

já demonstrada não exigência de bilateralidade entre ambos. Nada obstante

esta independência, é também evidente a ausência de homogeneidade entre

os verbos incidentes sobre os tipos penais mencionados.

A mera leitura dos tipos, em suas acepções impróprias (arts.

317, caput e 333, caput, do Código Penal) demonstra que na corrupção

passiva estão punidas as condutas de solicitar, receber e aceitar promessa

de vantagem indevida, enquanto na modalidade ativa estão previstas as

condutas típicas de oferecer e prometer vantagem indevida ao agente

público.

Trata-se de uma ampliação dos limites do Direito penal, embora

realizada há muito tempo que, sem dúvida alguma, “facilita sua

punibilidade”.410 Ademais, vem acompanhada de um correto fundamento, pois

realmente há inserção adequada da norma penal na punição autônoma e

independente destes delitos.

Portanto, há uma pergunta muito evidente a ser feita, mas que

raramente recebe o enfrentamento devido: qual a interpretação possível, a

partir da norma penal brasileira em vigor, a ser lançada sobre a conduta do 410 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 77.

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particular que, ao concordar com o pedido anteriormente formulado pelo

agente público, dá/entrega a vantagem indevida pretendida?

Afora qualquer espécie de elucubração sobre a vontade do

legislador de 1940 e que poderia fundamentar a pensada e pretendida não

punição do particular a partir do momento em que a iniciativa tenha partido do

agente público, realmente as disposições penais brasileiras a respeito deixam

a desejar.

Uma característica a ser desvelada inicialmente é o desrespeito

ao princípio da previsibilidade da norma penal. Um bom exemplo é como está

redigido o tipo penal do artigo 333, caput, do Código Penal. Ora, a imprecisão

da norma penal, deixando dúvida se a literalidade do texto incluiria a conduta

de dar ou entregar vantagem indevida como punível, afronta fatalmente o

princípio da taxatividade penal. Neste sentido elucida Iñigo ORTIZ DE

URBINA GIMENO: “(...) la especial exigencia de taxatividad en materia penal es consecuencia de la mayor gravedad de las consecuencias en este ámbito y por completo compatible con la consideración del principio de legalidad penal como una especificación del más general principio de legalidad de la intervención pública en la vida de las personas.”411

Dessarte, melhor conclusão lógica não há do que, a partir da

legislação atualmente em vigor, concluir pela atipicidade da conduta daquele

particular que, após ter sido solicitado pelo agente público, entrega/dá a

vantagem indevida a este, eis que “por mais criticável que seja esta

configuração legislativa, não parece possível, ante os reclames do princípio

da legalidade, incriminar-se um tal proceder, donde a necessidade de

alteração legislativa a consubstanciar explicitamente tal reproche.”412

Cumpre citar a opinião de André ESTEFAM: “Quando o funcionário público exige a vantagem indevida, comete concussão (art. 316), figurando o particular que cedeu à pressão, diante do temor incutido pela função desempenhada (i.e., metus publicae potestatis) como vítima. O mesmo ocorre quando o servidor toma a iniciativa do negócio escuso e solicita o pagamento da vantagem. Inexiste, nesse contexto,

411 ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes taxativas interpretadas libérrimamente? Principio de legalidad e interpretación del derecho penal. In: La crisis del principio de legalidad en el nuevo derecho penal: decadencia o evolución? Edición e introducciones de Juan Pablo Montiel. Marcial Pons: Madrid, 2012. p. 177. 412 SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 549. Vale citar, respeitosamente, entendimento contrário, como é o exposto por NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal ..., p. 1052.

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corrupção ativa, porquanto tal ilícito exige do extraneus que “ofereça” ou “prometa” a vantagem ilícita – isto é, deve ser sua a iniciativa e não do servidor. O art. 333 não inclui os verbos “dar” ou “entregar” no seu preceito primário. Comparando os tipos penais da corrupção ativa e da passiva nota-se uma correspondência em quase todas as condutas. Quando o particular oferece ou promete a vantagem ilícita e o funcionário a aceita, ambos estarão incursos no CP, imputando-se a eles, respectivamente, corrupção ativa e passiva. Sublinhe-se que, nas hipóteses retratadas, a iniciativa foi do extraneus (ou seja, o particular é que corrompeu o servidor). Dando-se o inverso (ou seja, se a proposta partir do funcionário), repise-se, só ele comete crime.”413 Assim é que merece especial destaque a corajosa decisão

jurisprudencial de se reconhecer que “o delito de corrupção ativa caracteriza-

se com o oferecimento ou promessa de vantagem a funcionário público,

sendo atípica a conduta de "dar" a benesse após solicitação deste.”414

Por outro lado, se assim é a legislação pátria, fica a pergunta se

outra solução, não interpretativa, mas sim legislativa, seria viável de ser

adotada. Há lugar para uma reforma legislativa que contemple a punição do

particular hoje “impune”?

A resposta é afirmativa, mas com detalhes a serem observados.

A um, em razão do caráter velado, sigiloso e secreto do atuar

corruptivo, seja ele ativo ou passivo, desvelar a limitação precisa se a oferta

inicial partiu do agente público ou do privado torna-se quase que inviável na

prática.

A dois, porque a conduta do particular, que livremente se põe a

negociar com o agente público, merece reprovação penal, simplesmente

porque lesiona o bem jurídico tutelado no delito de corrupção em sentido

estrito, qual seja a imparcialidade do servidor público.

Convém ressaltar também uma necessária recolocação das

condutas típicas de corrupção ativa. Nada obstante a leitura crítica aqui

vertida, é conhecida a tendência jurisprudencial de se concluir pela

ocorrência da corrupção ativa na atitude de entregar ou dar a vantagem

indevida requerida pelo funcionário público sob o entendimento de que se

413 ESTEFAM, André. Direito penal. Parte Especial. Volume 4. Arts. 286 a 259-H. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 310 e 311. 414 TRF4 – Apelação Criminal 2004.72.00.015990-6 – 8ª Turma – Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado – D.E. 28/05/2009.

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trata de uma troca entre iguais415, com o que existiria nesta troca a plena

chance de o particular não aquiescer com a entrega.

Esta abstrata “troca entre iguais” é realmente abstrata e não se

atém ao cotidiano. Como assim uma troca entre iguais? O milionário

empresário está em condições de igualdade ao negociar com o contínuo do

órgão de trânsito municipal? O auditor da Receita Federal está em condições

de igualdade ao tratar de vantagem indevida com um microempresário? A

artificialidade desta construção é flagrante e merece o rechaço da doutrina.

A título de tomada de posição a reforma legislativa brasileira

deveria passar por:

i) criminalizar a conduta do particular que entregue ou dê a

vantagem indevida solicitada pelo servidor público com o objetivo de obter um

tratamento parcial deste;

ii) deixar assentado na norma penal que é isenta de pena a

conduta do particular que entrega ou dá a vantagem indevida a servidor

público quando o ato de ofício pretendido pelo particular lhe é justo, esperado

e devido.

Neste último sentido observa MILITELLO416: “El particular debe responder además en cuanto haya remunerado al funcionario público para obtener de él un tratamiento más favorable que aquel que un ejercicio imparcial de sus poderes le habría dispensado. Hay que excluir, sin embargo, la responsabilidad del particular que haya remunerado al funcionario público a fin de que éste realizase una conducta que debería realizar, porque en verdad tiene poco sentido castigar a quien paga para obtener aquello que le es debido gratuitamente, en la misma forma y en el mismo tiempo en los que le es debido: en términos reales, nadie se gravaría con este costo adicional si no hubiese sido <<obligado>> de alguna forma. La razón por la que hay que diferenciar los casos de acto discrecional de los de acto debido, haciendo depender de ello – en las hipótesis de cohecho impropio – el an de la responsabilidad del extraneus, parece ser la siguiente: en el caso en el que el particular remunere al funcionario público para que este último se comporte como es su deber hacer, la <<corrupción>> pretende que el <<corruptor>> obtenga exactamente aquello a lo que tendría derecho

415 V.g., “(...) 2. Na exigência do corruptor tem-se a coação, a ordem, a imposição sob pena de mal sério e grave (ainda que não especificado), daí a dificuldade ou impossibilidade de resistência do particular, que por isso não será processado por corrupção ativa. Na solicitação do corrupto, tem-se uma troca, um acordo entre iguais, donde a possibilidade plena do particular não aceitar a entrega da vantagem e sua responsabilização pelo crime de corrupção ativa. (...)” TRF4 – Apelação Criminal n. 2000.71.11.000494-6, Rel. Exmo. Des. Tadaaqui Hirose, 7ª Turma, DJ 17.05.2006. 416 MILITELLO, Vincenzo. Concusión …, p. 255 e 256. Da mesma forma RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito ..., p. 86.

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gratuitamente. Hipótesis en la cual, se ha dicho ya, sería injusto castigar a quien en el fondo soporto un costo por obtener un derecho.”

3.2.3. Ato de ofício como elemento típico apenas está presente na corrupção ativa.

Parece, ao contrário, que o legislador deixou de maneira bem

evidente a situação diversa dos tipos direcionados ao servidor público e ao

particular. Ao servidor são proibidas as condutas de solicitar, de receber e de

aceitar promessa de vantagem indevida, seja para si ou para terceiro, em

razão de sua função. Já ao particular estão proibidas as condutas de oferecer

ou prometer vantagem indevida para determinar o servidor a praticar, retardar

ou não praticar determinado ato de ofício.

Assim, muito embora se compreenda interpretação diversa, fato

é que o Estado Brasileiro possui, em matéria de corrupção, tipos de

criminalização absolutamente diversos, exigindo muito menos elementos para

que se dê a corrupção passiva e muito mais para que ocorra a corrupção

ativa. Dessarte, o modelo de criminalização adotado desde 1940, sem dúvida

equivocado, é permeado por aquilo que se pode chamar de <<unilateralidade

absoluta independente>>. Explica-se, desde que estejam presentes alguns

exemplos fáticos.

O servidor público A que solicita vantagem indevida ao particular

B comete o crime de corrupção passiva, figura prevista no caput do artigo 317

do Código Penal. E assim será independentemente de vincular à sua

solicitação eventual prática ou não prática de algum ato de ofício. Da mesma

forma, o servidor público A, que receba vantagem indevida ou aceite

promessa de tal vantagem de um particular, cometerá o delito de corrupção

passiva, anote-se, independentemente da prática ou não prática de um ato de

ofício. E mais. Independentemente de tal ato de ofício ter sido mencionado

pelo agente faticamente, mas não criminalmente, corruptor.

Ora, a bilateralidade até pode existir. Ela não decorre dos

esforços doutrinários, interpretativos ou jurisprudenciais, mas sim de

aspectos normativos. Portanto, faz-se necessário separar a legislação

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brasileira sobre os tipos penais de corrupção em sentido estrito entre aquilo

que efetivamente são e entre aquilo que se gostaria que fossem.

Reconhecer os equívocos desde há muito tempo incidentes em

nossa legislação é a melhor forma para propugnar uma reforma adequada e

consentânea com a realidade. Outro ganho obtido com esta interpretação é o

de poder identificar as falhas de toda a sorte incidentes, inclusive quanto à

(des)proporcionalidade da pena, muito embora idêntica, a incidir sobre

criações de distintos perigos ao bem jurídico tutelado.

Olhos postos no já afirmado, a bilateralidade do ponto de vista

jurídico-penal irá incidir apenas e tão-somente nos casos em que o

oferecimento ou promessa de vantagem se inicie pelo particular e que haja

vinculação para este oferecimento ou promessa de vantagem com o intuito de

retardar, omitir ou praticar um determinado ato de ofício. Eis aqui a

possibilidade de bilateralidade típica entre as duas figuras de corrupção. De

outro canto, caso ocorra o oferecimento ou promessa de vantagem a

determinado funcionário público e este acabe concordando com o agente

corruptor, na hipótese de não restar identificado o ato de ofício, ter-se-ia

apenas a corrupção passiva, pois ao funcionário, como dito acima, é proibida

a prática do recebimento ou do aceite de vantagem indevida em qualquer

circunstância.

Alerte-se: se isto é ou não desejável político-criminalmente, se

com tais figuras típicas se tutela o bem jurídico <<imparcialidade>> de

maneira adequada aos princípios penais de garantia, é tudo uma questão de

crítica ou, ainda, de reconstrução da legislação brasileira.

Eis o retratado por Rui STOCO417 ao afirmar que a “bilateralidade

só se apresenta nas modalidades de recebimento da vantagem indevida ou

da aceitação da promessa de tal vantagem por parte do intraneus, ou de

adesão do agente público à solicitação do particular ou administrado, ou nas

formas qualificadas previstas no §1º e parágrafo único, respectivamente, dos

arts. 317 e 333, do CP.”

Contudo, ainda que a bilateralidade, passível de existir em

algumas das modalidades de suborno, classifique o delito como um delito de 417 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1476.

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concurso necessário, resta indagar se tal bilateralidade importa, no campo

processual, mais precisamente nos momentos de aviar a denúncia e de ser

prolatada eventual decisão condenatória, a necessidade de serem

identificados os dois polos, in casu, ativo e passivo. Evidentemente que para

falar de bilateralidade se faz imperiosa a menção a servidor público de um

lado e de um particular de outro, mas a dúvida persiste efetivamente quanto à

plena identificação do sujeito ativo da corrupção ativa ou ainda da corrupção

passiva.

Um exemplo tende a auxiliar a interpretação da questão. Por

meio de interceptação telefônica licitamente concedida, descobre-se que o

particular A, industrial do ramo farmacêutico, oferece valor ao servidor público

B, integrante da agência nacional de vigilância sanitária. O objetivo era

acelerar a aprovação de autorização para o comércio de um novo

medicamento produzido pela indústria capitaneada por A; B, de acordo com a

prova telefônica, aceita a promessa de tal vantagem.

Dado o caráter cartesiano do exemplo, evidente que uma vez

identificados A e B, ambos poderiam ser denunciados pelas condutas

perpetradas. A dúvida remanesce, contudo, se no caso concreto apenas A é

de fato identificado, mas B não. Nesta última hipótese poderia A ser

denunciado por oferecer vantagem a pessoa que, muito embora não

identificada corretamente, seguramente ostenta a qualidade de “funcionário

público” em conformidade com o artigo 327 do Código Penal? Quais os

limites processuais-penais a incidir neste caso concreto?

A complexidade e a dinâmica dos delitos de suborno vão,

contudo, além desta mencionada duplicidade de autores ou, como se quer na

doutrina e jurisprudência pátrias, bilateralidade. Tem-se, em tantos casos,

assevere-se, uma multiplicidade e pluralidade de agentes, isso tudo muito

relacionado à ideia sub-reptícia e sigilosa da corrupção e do suborno, a

considerar a partir das redações típicas em vigor no direito brasileiro, pois

estampado está no tipo penal da corrupção passiva, artigo 317, caput, do

Código Penal, o termo “para si ou para outrem”.

Assim, num primeiro momento, encontram-se nas pessoas do

particular decidido a oferecer ou prometer o suborno e o servidor público

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suscetível de aceitar a promessa de vantagem e recebê-la. Contudo, pode-se

agregar que (i) eventual beneficiário da vantagem indevida possa não ser o

funcionário público, (ii) que eventual solicitante ou receptador não seja

apenas o funcionário público, incluindo-se aqui mais um autor ao delito, bem

como as situações de (iii) que aquele que oferta ou entrega a vantagem

indevida seja pessoa diversa do particular que se beneficia do ato ou omissão

do funcionário público.418

O termo ato de ofício foi incluído tanto na figura do caput do

artigo 333, do Código Penal, como na figura do § único do mesmo artigo.

Conforme já afirmado, tal termo é de fato precário, de difícil definição e

poderia inclusive ser reformulado em futura reforma legislativa.

Contudo, precário ou não, trata-se de elemento normativo do

tipo419 e que não pode ser simplesmente relegado pelo intérprete ou aplicador

da norma. Necessita sim ser interpretado, à luz do que foi proposto acima,

isto é, de maneira mais consentânea à realidade da corrupção que permeia a

administração pública brasileira. Assim é que se manifestam SANTOS,

BIDINO e MELO ao lucidamente afirmarem que “não se pode negar que o tipo de corrupção ativa (art. 333 do CP), ao dispor que os comportamentos sejam empreendidos “para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”, acaba por dar azo às exigências alargadamente feitas pela doutrina e jurisprudência brasileiras para fins de censurabilidade, para afastamento de quaisquer dúvidas e maior proteção ao bem tutelado, de uma alteração legislativa a deixar patente o reproche conquanto não provado um liame entre a benesse ofertada e um determinado ato.”420

Desnecessária a citação de todos os autores que referendam a

exigência da incidência do ato de ofício para a tipificação da corrupção ativa,

posto que lugar comum. Por se tratar de exigência normativa clara e direta,

não há como negá-la. Definido o ato de ofício, talvez o primeiro entrave,

deságua-se na (des)necessidade de incidência do ato de ofício para o delito

de corrupção passiva (item 3.3. infra) e também no quão definido há de ser o

ato de ofício para que se tipifiquem o suborno ativo e passivo na legislação

brasileira (item 3.4. infra). 418 SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 385. 419 A respeito da distinção entre elementos normativos e descritivos do tipo vide ROXIN, Claus. Derecho Penal, p. 305 a 307. 420 SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 552.

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Como conclusão preliminar absolutamente óbvia para este tópico

tem-se que o ato de ofício é elemento descritivo do tipo penal de corrupção

ativa e há de ser obrigatoriamente compreendido e aplicado.

3.2.4. A exigência normativa do ato de ofício para a conformação do tipo penal de corrupção passiva. 3.2.4.1. Posicionamentos favoráveis à exigência.

Sempre muito bem lembrada pela doutrina e pela jurisprudência,

inclusive no recente julgamento da Ação Penal n. 470 perante o Supremo

Tribunal Federal, a Ação Penal n. 307, envolvendo o ex-presidente Fernando

Collor de Mello421, é um marco no tocante ao estudo dos elementos

componentes do tipo penal de corrupção no direito brasileiro e, de maneira

especial, do aludido <<ato de ofício>>.

Sem fazer pouco caso das decisões jurisprudenciais

provenientes de outros órgãos e instâncias julgadoras, o ganho teórico-

técnico advindo destes grandes julgamentos é notório, pois se vislumbra o

apreço dos responsáveis pelas decisões judiciais ao se debruçarem sobre

temas que, permissa venia, em casos normais, não teriam a mesma

conveniência, atenção e cuidado.

De acordo com o que bem relembra Renato de Mello Jorge

SILVEIRA422, a votação realizada na sede da Ação Penal n. 307 (STF) não foi

unânime. Se a composição do julgamento contou com os Exmos. Srs.

Ministros Octavio Galloti (presidente da Suprema Corte), Ilmar Galvão

(relator), Moreira Alves (revisor), Sepúlveda Pertence, Sidney Sánchez, Néri

da Silveira, Celso de Mello e Carlos Velloso, é pontual asseverar que os

Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso votaram

421 A respeito do caso, com detalhes importantes, vide FURTADO, Lucas Rocha. As raízes ..., p. 276 a 290. 422 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. O Supremo, do caso Collor ao mensalão. In: Jornal Valor Econômico, dia 09 de outubro de 2012. Disponível em http://www.valor.com.br/mensalao/2860364/o-supremo-do-caso-collor-ao-mensalao, acesso em 05 de julho de 2015, às 12h40min.

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contra a tese majoritária, qual seja a exigência do ato de ofício para a

configuração do delito de corrupção passiva.

Extraem-se do voto condutor do Exmo. Ministro Ilmar Galvão os

seguintes argumentos a justificar a afirmação lançada em seu voto: “... a

doutrina e a jurisprudência pátrias nunca discreparam, e não discrepam, do

entendimento de que a consumação do delito de corrupção passiva, se, de

uma parte, prescinde da efetiva realização do ato funcional correspondente,

de outra, exige que a prática ou omissão deste tenha sido a causa da

solicitação, do recebimento ou da aceitação da vantagem ou da promessa de

vantagem indevida.”423

O primeiro argumento reside, assim, na noção de que os delitos

de corrupção passiva e ativa, com exceção das modalidades unissubjetivas

de solicitar (passiva) e oferecer (ativa), importam a noção de bilateralidade,

ou seja, são interdependentes entre si, de maneira que para um ocorrer o

outro também é necessário.

A mesma opinião é defendida por Cezar Roberto Bitencourt: “É necessário que haja uma promessa formulada por um extraneus, que é aderida pelo funcionário público, aceitando recebê-la futuramente. Pressuposto dessa figura é a existência de promessa de vantagem indevida formulada pelo agente corruptor, configuradora do crime de corrupção ativa. Em outros termos, como demonstraremos no tópico seguinte, nas duas modalidades – receber e aceitar - , estamos diante de crime de concurso necessário, no qual a bilateralidade está caracterizada.”424

Assim também conclui Heleno Claudio FRAGOSO declinando: “Na forma de solicitação, independe o crime de seu acolhimento (a ação parte aqui do próprio corrompido), sendo bastante que o pedido chegue a conhecimento do interessado. Nos casos de recebimento e de promessa, há um entendimento e um acordo entre o agente e o corruptor (que será, por sua vez, agente da corrupção ativa).”425

O segundo argumento exposto no voto se baseia na doutrina de

Nélson HUNGRIA. Sob a sombra de ter integrado a comissão elaboradora do

Código Penal de 1940, Nelson HUNGRIA aludia que “a corrupção (...) no seu

tipo central, é a venalidade em torno da função pública, denominando-se 423 Trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão a respeito do crime de corrupção passiva, p. 2194 do acordão da Ação Penal n. 307 (STF). Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=324295, acesso em 30 de junho de 2015, às 18h10min. 424 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 79. 425 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 440.

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passiva quando se tem em vista a conduta do funcionário corrompido, e ativa

quando se considera a atuação do corruptor.”426

O Ministro Relator da Ação Penal 307 aliou a tal entendimento a

opinião de que no direito brasileiro a corrupção assenta-se, “de modo real ou

virtual, na existência de duas prestações recíprocas, a comporem um pseudo-

sinalagma”427, não tendo o direito brasileiro punido a mera aceitação ou

solicitação de dádivas.

Heleno Cláudio FRAGOSO chancelaria tal opinião, adicionando

que o delito de corrupção passiva estaria “na perspectiva de um ato de ofício,

que à acusação cabe apontar na denúncia e demonstrar no curso do

processo”428 e que “é próprio da corrupção que a vantagem seja solicitada,

recebida ou aceita em troca de um ato de ofício.”429

Já como terceiro argumento, o Ministro Relator utilizou em suas

razões de decidir o parecer exarado por Julio Fabbrini Mirabete e

devidamente juntado aos autos.

Dada a pontualidade com que o tema é debatido, é o caso de se

trazer alguns trechos do mencionado parecer elaborado por Julio Fabbrini

Mirabete: “A falta de menção expressa ao ´ato de ofício´ no caput do artigo 317, do Código Penal, que a ele só se refere nos parágrafos 1º e 2º, não exclui a imprescindibilidade da relação entre a conduta do agente e o ato funcional. (...) O objetivo do legislador, ao elaborar tipos diversos no art. 317, foi o de diferenciar condutas diversas mais ou menos graves, com sanções penais proporcionais à relevância penal de cada fato. Assim estabeleceu, no parágrafo 1º, um tipo em que a sanção penal é a mais severa porque o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. (...) O dano causado pelo agente é mais relevante penalmente pois ou o fato que deveria ser praticado não o foi, ou foi retardado, ou foi praticado em desacordo com as determinações legais. Também previu a lei uma figura menos grave, no parágrafo 2º, em que o agente retarda ou deixa de praticar ato de ofício, com infração do dever funcional, não motivado por vantagem indevida, mas simplesmente por atender a pedido de extraneus. Trata-se, nesse caso, como é pacífico, de corrupção passiva privilegiada (...).

426 HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 365. 427 Trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão a respeito do crime de corrupção passiva. p. 2195 do acordão da Ação Penal n. 307 (STF). Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=324295, acesso em 30 de junho de 2015, às 18h10min. 428 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438. 429 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438.

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No caput do dispositivo a lei estabelece a figura básica, fundamental, da corrupção passiva, menos relevante que a forma qualificada e mais grave do que a forma privilegiada. Ora, afronta a lógica que a lei preveja no fato mais grave e no fato menos grave a necessidade de relação da conduta com um ato de ofício e dispense o mesmo quando trata da espécie intermediária, ou seja, da corrupção passiva simples, ou, em outros termos, que seja ele indispensável no crime qualif icado e no ilícito privilegiado e não no tipo básico. É sabido que as formas qualif icadas e privilegiadas de um delito devem ser interpretadas em função da forma simples do ilícito.”430

Há outro trecho do citado parecerista que merece igual destaque.

Veja-se: “Explica-se a divergência do tipo penal. Inovando no assunto, a lei pátria faz referência, como sujeito ativo do crime, àquele que está fora de suas funções ou ainda não as assumiu. O legislador nacional, ao incluir tal agente, fez menção expressa à conduta praticada em ´razão´ da função pública, entendendo desnecessário que se fizesse referência, com redundância, ao ´ato de ofício´. Na lei italiana a referência ao ato de ofício era de rigor já que a figura penal da corrupção passiva naquela legislação penal não contempla como sujeito ativo o intraneus que está fora da função ou ainda não a está exercendo. Já na lei brasileira, a expressão ´ato de ofício´ era desnecessária diante da redação do dispositivo no que se refere ao servidor que não se encontrava no exercício de suas funções.”431

Deste parecer, utilizado em larga escala para fundamentar o voto

vencedor, tem-se: a) em sendo a corrupção passiva prevista no artigo 317,

caput, a figura básica do tipo, não existiria razão lógica para que a figura

privilegiada (artigo 317, §2º, do Código Penal) ou ainda a figura qualificada

(artigo 317, §1º, do Código Penal) fizessem menção ao termo ato de ofício e

a figura básica ser órfã de tal elemento descritivo tácito; b) o fato de a

descrição típica do artigo 317, caput, do Código Penal, não conter a

expressão ato de ofício se deve ao fato de que seria mesmo desnecessária,

porquanto o tipo menciona a possibilidade de o fato poder transcorrer no

exercício da função ou em razão dela, evitando-se assim a menção <<ato de

ofício>> para não incorrer em redundância.

Note-se que se está a identificar o argumento jurisprudencial e

doutrinário capaz de fundamentar a transposição do termo ato de ofício do

tipo penal de corrupção ativa para a corrupção passiva, quando não de uma

leitura implícita do termo <<ato de ofício>> em um tipo penal que não o prevê

de maneira literal. 430 Ação Penal 307 (STF) – p. 2196 a 2198. 431 Ação Penal n. 307 (STF) – p. 2200 a 2201.

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Parte da doutrina nacional navega nas idênticas águas do

entendimento do Supremo Tribunal Federal, muitas vezes até por argumentos

diversos.

Paulo José da COSTA JUNIOR e Antonio PAGLIARO comentam

ser “indispensável, porém, que a vantagem venha a ser solicitada, recebida

ou aceita em troca de um ato funcional. Nesse sentido, o agente mercadeja

com a função de que dispõe.”432 O argumento aqui transparece ser a própria

natureza do tipo de corrupção, ou melhor, o fundamento de punição da

conduta da corruptiva seria o mercadejar com a função pública, desde que

viesse consubstanciada em um ato definido como ato de ofício.

Da mesma forma Rui STOCO e Tatiana STOCO também

assinalam que “a ação deve necessariamente relacionar-se com o exercício

da função pública que o agente exerce ou virá a exercer – se ainda não a

tiver assumido –, pois é próprio da corrupção que a vantagem seja solicitada,

recebida ou aceita em troca de um ato de ofício.”433 Extrai-se aqui idêntica

conclusão à de COSTA JUNIOR e PAGLIARO, pois a corrupção teria como

razão de ser, do ponto de vista típico-penal, a troca de vantagem indevida por

um ato de ofício.

O próprio Julio Fabbrini MIRABETE434, acima citado, se refere à

exigência do ato de ofício (ratione oficii), ou seja, um ato que deva estar

dentro das competências do funcionário e de suas específicas atribuições

funcionais, porque somente assim é que seria possível se deparar com dano

efetivo ou potencial ao regular funcionamento da administração pública.

Justifica, portanto, a exigência a partir do prisma do bem jurídico tutelado, o

que não deixa de ser um argumento bastante convincente, mas que depende

da concordância acerca de qual é o bem jurídico tutelado pelo Direito penal

nos tipos penais de corrupção ativa e passiva.

Vale transcrever ainda opinião adicional de MIRABETE a

respeito do tema:

432 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 103. Idêntica afirmação se encontra no livro de COSTA JR., Paulo José da. Curso de Direito Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 814. 433 STOCO, Rui; STOCO, Tatiane de O. Dos crimes ..., p. 1468. 434 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Volume III. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 303.

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“Visa-se preservar a Administração Pública não num sentido genérico, por estar o agente apto a exercer uma função pública, mas porque trafica, mercadeja, vende, especula, um determinado ato de ofício. Só nessa hipótese é que se pode dizer há uma lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, ou seja, a regularidade da Administração Pública no que tange aos atos funcionais de seus agentes. Não há ofensa ao bem jurídico tutelado no art. 317 do CP quando o comportamento do agente deriva apenas de exercer uma função pública, não se relacionando com qualquer ato de ofício.”435

O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Penal 470 acabou

por referendar o entendimento já aplicado. Isso pode se extrair do voto do

Ministro Celso de Mello ao declarar que “para a integral realização da

estrutura típica constante do art. 317, caput, do Código Penal, é de rigor, ante

a indispensabilidade que assume esse pressuposto essencial do preceito

primário incriminador consubstanciado na norma penal referida, a existência

de uma relação da conduta do agente – que solicita, ou que recebe, ou que

aceita a promessa de vantagem indevida – com a prática, que até pode não

ocorrer, de um ato determinado de seu ofício .”436

QUANDT bem relata em escrito aqui já citado que a votação foi

conturbada em seus conceitos e definições, mas conclui “que todos os

ministros mantiveram-se na mesma posição intermediária de exigir a relação

entre a propina e um ato de ofício, mas dispensar a efetiva realização desse

ato.”437

Este mesmo autor acredita na necessidade, por meio de critérios

lógicos, de ser mantida alguma relação de vinculação da vantagem indevida a

algum ato de ofício. Isso porque parte da noção de que o pagamento, pelo

particular, da vantagem indevida solicitada pelo funcionário público, torna

aquele partícipe do delito de corrupção passiva, apenas não sendo punido a 435 MIRABETE, Julio Fabbrini. Dos sujeitos ativos nos delitos de corrupção. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 04, 1993. p. 97. 436 Ação Penal n. 470/MG (STF) – fl. 3681. 437 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 203. Conclusão diversa, com a qual não se concorda, é a que chega SMANIO ao afirmar que o STF teria reafirmado alguns posicionamentos, dentre os quais o de que o “o crime de corrupção passiva não exige para sua caracterização que o ato de ofício a ser praticado pelo funcionário público seja desde logo apontado e determinado, bastando que a vantagem indevida seja solicitada, recebida ou havendo aceitação da promessa, em razão da função exercida pelo agente.” SMANIO, Gianpaolo Poggio. Análise da decisão da Apn 470/MG pelo STF referente aos crimes contra a administração pública – corrupção ativa e passiva – elementos do tipo penal. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 933, julho de 2013, p. 205. Na mesma linha de SMANIO está BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O ato de ofício como elemento para caracterizar o crime de corrupção. In: Jornal Valor Econômico, 30.04.2013, acesso em 10 de agosto de 2013, às 15h42min.

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este título em razão de existir um tipo penal próprio (artigo 333 do Código

Penal).438 Eis a conclusão: “Mas se isso for correto, então a referência a ato de ofício no art. 333 do CP se torna inócua nos casos de corrupção bilateral, pois ela não aparece expressa no art. 317 do CP. Em outras palavras: por mais que o Código Penal exija, na corrupção ativa (art. 333 do CP), a relação entre a vantagem indevida e algum ato de ofício, o particular que sucumbisse à solicitação feita pelo funcionário público em razão de sua função, mas sem qualquer referência, implícita ou explícita, a algum ato de ofício, acabaria incorrendo em participação no crime de corrupção passiva, sofrendo as mesmas penas. Assim, julgamos que a tendência do STF de identificar os requisitos típicos dos arts. 317 e 333 do CP é correta, e a única forma de fazê-lo é acrescentar ao art. 317 do CP as exigências adicionais do art. 333 do CP, pois o caminho contrário – supressão das exigências abundantes do art. 333 do CP – obviamente violaria o princípio da legalidade.”439

3.2.4.2. Posicionamentos contrários à exigência.

Sobressai também da Ação Penal 307 julgada pelo Supremo

Tribunal Federal – “Caso Collor” – o entendimento contrário acerca da efetiva

necessidade da identificação de um ato de ofício para o fim de se dar como

consumado o delito de corrupção passiva. Naquela oportunidade, conforme já

adiantado, três ministros da Suprema Corte brasileira votaram pela

desnecessidade quanto à singularização de um ato de ofício, quais sejam os

Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso.

O voto mais eloquente quanto a esta questão se deve ao

Ministro Sepúlveda Pertence, em especial pela erudição e pesquisa deveras

retratadas em sua manifestação.

Iniciou o Ministro Sepúlveda por meio da alegação de que os

juristas pátrios muita vezes se imiscuem em um “insistente complexo

colonial”440, o que os “leva a começarem a resposta a uma problema de

direito positivo brasileiro, não pela análise da lei positiva brasileira, mas da

doutrina estrangeira.”441 Isto porque, segundo o Ministro Sepúlveda Pertence,

os defensores da plena exigência de um ato de ofício a consubstanciar a 438 Discorda-se de tal entendimento, haja vista os argumentos delineados no item 3.2.2.. Em síntese: o particular que entrega ou dá a vantagem indevida, após solicitação do funcionário público, incorre em conduta atípica para o direito brasileiro. 439 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 209 e 210. 440 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2707. 441 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2707.

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corrupção de natureza passiva, aquela praticada pelo funcionário público,

buscam explicações na doutrina e na legislação estrangeira, ao invés de

fundamentar e analisar precisamente a legislação eminentemente brasileira,

quer ela esteja redigida de maneira correta ou não.

Aduziu ainda o Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, que o

texto atual da legislação brasileira, o artigo 317 do Código Penal, em sentido

diametralmente oposto a tantos outros dispositivos penais internacionais de

mesma índole, a exemplo do italiano, entre outros, exige, apenas e tão-

somente, que a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa de

vantagem indevida se dê não pela realização (ou pretensa realização) de um

ato de ofício, mas apenas no exercício da função ou em razão da função

pública exercida.442

Assim teria concluído: “14. É inegável que, entre essas duas correntes, o Código brasileiro optou pela segunda, a minoritária, que não exige que a contraprestação do funcionário à vantagem cogitada seja um ato de ofício predeterminado, mas, somente, que haja uma relação genética, uma relação de causa e efeito entre a função do agente e o ato de corrupção visado, auferido ou prometido: ainda que não haja originariamente, no momento da oferta, do recebimento ou da solicitação, conexão com um ato específico, com um ato determinado a praticar.”443

Seguindo a argumentação, teria afirmado ainda que a atual

legislação – o artigo 317 do Código Penal – teria quebrado com tradição

anteriormente existente nos Códigos penais do Império e de 1890, textos

legais que exigiam, textualmente, a incidência de um ato de ofício para a

perfazimento do tipo corruptivo passivo. Realmente, a mera leitura dos

dispositivos que antecederam o artigo 317 do texto punitivo atualmente em

vigor, realmente realçam a exigência de um ato de ofício, fato que – à luz do

princípio da estrita legalidade – traz um contorno interessante à interpretação

da legislação.

Mas não é só. Na oportunidade o Ministro Sepúlveda Pertence

se posicionou absolutamente contrário ao parecer exarado por Julio Fabbrini

MIRABETE e contestou abertamente a afirmação de que os tipos penais do

442 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2708 a 2711. 443 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2711.

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caput, do §1º e do §2º, do artigo 317, do Código Penal, sejam

respectivamente, uma figura básica, uma figura qualificada e uma figura

privilegiada. Ex verbis: “Com efeito, o que é o elemento característico básico, nuclear, da corrupção passiva? É a vantagem indevida; e “a venda da função pública”, como aqui já se disse, repetidas vezes. Ora, que se tem na dita corrupção privilegiada, Srs. Ministros? O que se tem no chamado tipo privilegiado de corrupção, art. 317, §2º, é uma corrupção sem corrupção, porque nele sequer se cogita de vantagem indevida. Esse elemento nuclear do tipo simples, é trocado ali por coisa inteiramente diversa: agir ou omitir-se contra o dever funcional, para atender pedido ou cedendo a influência de outrem. O que se tem aí, na verdade, é algo muito mais próximo da prevaricação do que da corrupção. Apenas se distingue da prevaricação pela intervenção de um terceiro, que pede ou exerce influência sobre o funcionário para determiná-lo a praticar determinada ação ou omitir-se dela contra o seu dever funcional. Cai por terra, assim, o axioma enunciado como verdade universal, da qual resultaria a consequência de ir buscar nos parágrafos um elemento que não está no caput e fazê-lo penetrar no tipo simples, à base da premissa de que, se está no tipo qualificado ou no privilegiado, não pode deixar de estar no tipo simples. O paralogismo, com todas as vênias, é evidente.”444

Cumpre ainda mencionar o fato de a legislação estrangeira e

também a legislação anteriormente em vigor no Brasil não obrigarem, de

imediato, a concluir pela exigência do ato de ofício para a consumação da

corrupção passiva. De acordo com o Ministro Sepúlveda Pertence, teria o

legislador de 1940, extremamente cônscio do que fazia – haja vista as

legislações anteriores e as estrangeiras – entendido por “ampliar a moldura

da figura típica do caput do artigo 317 de nosso Código.”445

Ainda de acordo com o entendimento exarado pelo Ministro em

questão, tal opção legislativa teria o condão de possibilitar a punição de altos

dignatários públicos, pois estes, em sua maior medida, muito embora possam

atuar em áreas e setores altamente sensíveis aos anseios da Administração

Pública (contratos públicos, autorizações, etc.), raramente podem,

formalmente, realizar os de atos ofício objeto do acordo corruptivo.446

Associaram-se ao voto do Ministro Sepúlveda Pertence, como

dito, os Ministros Néri da Silveira e Carlos Velloso, ambos fazendo uso de

argumentos em síntese muito similares. Pontualmente afirmou o Ministro Néri

da Silveira que “em face da lei em vigor, não da doutrina elaborada à vista da

444 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2717 e 2718. 445 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2718 e 2719. 446 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2721.

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legislação precedente, é que a solicitação ou recebimento da vantagem

indevida ou aceitação de promessa de tal vantagem ocorra” apenas e tão

somente ““em razão da função pública” e “ainda que fora da função ou antes

de assumi-la.”447

Já o Ministro Carlos Velloso alertaria, na oportunidade, que a lei

penal brasileira pune a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem

indevida que poderá, ou não, levar à prática de um ato de ofício, sem que

esta prática se torne a ratio essendi ou o motus do delito.448 Para tanto fez

uso de um exemplo, interessante, por sinal, para demonstrar seu raciocínio: “Dou um exemplo: o diretor do Departamento de Turismo de um certo Ministério, insinua, por intermédio de interposta pessoa, que o hotel onde está hospedado poderá ser beneficiado ou prejudicado com a adoção de certas medidas que podem ser adotadas pelo Departamento de Turismo, ao tempo em que informa que os hotéis costumam fornecer cortesias ao diretor, não lhe cobrando diárias. Tem-se, em tal caso, um ato de corrupção passiva. A vantagem foi solicitada com abuso da função pública. É o quanto basta para se ter consumada a corrupção passiva tipificada no caput do art. 317 do Cód. Penal. Noutras palavras, no tipo simples do caput do art. 317 não se exige ato predeterminado do servidor público. Ou se raciocina assim, ou não será possível, senão em casos de servidores subalternos, a punição dos corruptos, dos corruptos de “colarinho branco” ou de “black tie”.”449

Em suma, os argumentos daqueles que se posicionam

contrariamente à exigência da menção ao ato de ofício para a configuração

do tipo penal de corrupção passiva se filiam a dois pontos fundamentais.

O primeiro deles diz respeito ao princípio da legalidade, eis que

na leitura realizada do tipo penal, segundo este posicionamento, não estaria

descrita a exigência típica do mencionado citado ato de ofício para a

configuração do delito. Ainda que possa parecer uma leitura fria da lei,

absolutamente inflexível e legalista, realmente não há a menção ao ato de

ofício no tipo penal do artigo 317, caput, do Código Penal.

O segundo argumento, em sua essência muito mais perigoso, é

a da “luta pela impunidade”, ao se alegar que a exigência do ato de ofício

conduziria ou favoreceria certa dificuldade na punição de grandes corruptos,

corruptos do alto escalão do governo, bem ao estilo de uma “cruzada” contra

a corrupção. Tal posicionamento, conforme alertado, tende a ser perigoso e

447 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2749 e 2750. 448 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2814. 449 Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2817.

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nocivo, em especial quando não acompanhado de uma fundamentação

idônea a sujeitar a punição de atos de corrupção. Em termos mais claros, se

de um lado se concorda com a existência de um déficit de aplicação da lei

penal para a punição de atos ligados aos tipos de corrupção, de outro não se

pode concordar com uma interpretação típica que, independentemente de ser

correta ou errada, sob um completo utilitarismo, se preocupe por saldar as

deficiências numéricas de punição.

3.2.5. Conclusões críticas ao inadequado modelo brasileiro e considerações sobre eventual inovação normativa. 3.2.5.1. Conclusões críticas.

Verifica-se que as posições acima expostas são, de certa forma,

bastante radicais. Há quem afirme e impute à exigência do ato de ofício a

responsabilidade pela impunidade da corrupção no direito brasileiro.450

Contudo, se a análise for feita de maneira menos apaixonada e mais racional,

os resultados certamente serão mais seguros e corretos.

Trata-se, na verdade, de bem pontuar a realidade típica a partir

de critérios dogmáticos confiáveis e seguros na esteira da lição de

GIMBERNAT ORDEIG451, pois se não se conhece os limites de determinado

tipo penal, a ponto de seu alcance ser dúbio ou inaplicável, a punição ou a

impunidade derivam não de uma análise criteriosa, mas sim de uma caótica,

quando não anárquica, aplicação do Direito penal.

As críticas devem ser postas a partir de duas constatações

construídas sob as bases do relatado no item 3.2.4. supra.

A primeira é a de que, em que pese o esforço doutrinário e

jurisprudencial, o direito brasileiro não exige a menção (e muito menos a

prática) do ato de ofício para a incriminação da conduta de corrupção

450 Cf., entre outros, SANTOS, Claudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 551. 451 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Tiene futuro la dogmática penal? In: Estudios de derecho penal. 3ª ed. Madrid: Tecnos, 1990. p. 158.

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passiva. E a segunda é a de que a legislação brasileira há de ser reformada

para que a exigência do ato de ofício seja inserida no tipo penal de corrupção

passiva.

A tentativa doutrinária e jurisprudencial de acobertar a

deficiência típica incidente sobre o delito de corrupção passiva, muito embora

possua ares de quase-unanimidade, não logra atingir o sucesso pretendido,

conquanto seus argumentos realmente improcedem.

O fato é que as normas incriminadoras das condutas de

corrupção ativa e passiva possuem peculiaridades no mínimo intrigantes. O

termo <<ato de ofício>> é compreendido a partir do delito de corrupção ativa

e não da vertente passiva do delito. Não obstante a classificação entre

corrupção ativa e passiva seja precária nos dias atuais, quiçá indevida, não

há como não apontar o delito do funcionário público como sendo o principal e

mais grave452 e, assim, deveria ser feita a partir deste a retirada dos

elementos típicos principais dos delitos de corrupção, ou, quando muito, o

termo <<ato de ofício>> estar presente nas duas figuras típicas.

Mas o principal é reconhecer serem os tipos penais brasileiros

assentados sobre bases incriminadoras absolutamente diversas. E tal

reconhecimento não redunda em concordância com tal sistemática. Pelo

contrário, é uma crítica.

Pode-se afirmar que os tipos penais, em vigor no direito

brasileiro, estão permeados por bases estruturais diversas. Aponta

Alessandro SPENA que a corrupção, do ponto de vista estritamente jurídico-

penal, pode assumir duas concepções: uma <<mercantilista>> e uma de

<<patrocínio>>.

A concepção <<mercantilista/contratual>> vem definida por meio

da figura de um contrato de compra e venda, ou seja, que a vantagem

indevida seja oferecida ou entregue pelo particular em troca de uma conduta

funcional por parte do agente público.453 Já a concepção de <<patrocínio>>

vem exposta pela suficiência de que a entrega ou oferecimento da vantagem

452 MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 244. 453 SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20.

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não ocorra em troca de uma conduta funcional específica, lícita ou ilícita, mas

sim em razão do status e da função exercida pelo agente público corrupto.454

Sob este prisma vê-se, com facilidade, a legislação brasileira

estruturada sobre construções doutrinárias diferentes. O delito direcionado ao

agente público fundamenta-se sobre a base da ideia do patrocínio

mencionada por SPENA. De outro canto, a punição do particular se vê

estruturada a partir da noção de um contrato (ainda que hipotético), ou

proposta dele, no qual o particular fornece vantagem indevida para que o

funcionário público pratique ou deixe de praticar seu ato funcional.

Decorrência lógica da postura adotada pelo legislador brasileiro

é a de que desaparece a efetiva exigência de convênio ou acordo entre

ambos os sujeitos ativos para que os delitos de corrupção passiva e/ou ativa

se concretizem.455

Assiste razão a BECHARA456: “No ordenamento jurídico brasileiro, o crime de corrupção passiva, tal como o descreve taxativamente o Código Penal, consubstancia-se na solicitação ou recebimento, “para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. A expressão “em razão da função” contida na norma penal deve interpretar-se no sentido de que a razão ou motivo da vantagem indevida seja a condição de funcionário público da pessoa corrompida, isto é, que em razão da especial condição e poder que o cargo público desempenhado lhe outorga tenha sido oferecida ao funcionário a vantagem objeto do delito, de tal forma que, se de algum modo tal função não fosse ou viesse a ser desempenhada pelo sujeito, o particular não lhe entregaria ou prometeria tal vantagem.”

O posicionamento de NUCCI também é procedente: “Ora, se um funcionário público receber, para si, vantagem indevida, em razão de seu cargo, configura-se, com perfeição, o tipo penal do art. 317, caput. A pessoa que fornece a vantagem indevida pode estar preparando o funcionário para que, um dia, dele necessitando, solicite algo, mas nada pretenda no momento da entrega do mimo. Ou, ainda, pode presentear o funcionário, após este ter realizado um ato de ofício. Cuida-se de corrupção passiva do mesmo modo, pois fere a moralidade administrativa, sem que se possa sustentar (por ausência de elementos típicos) a ocorrência da corrupção ativa.”457

454 SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 21. 455 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento … p. 38. 456 BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O ato de ofício como elemento para caracterizar o crime de corrupção. In: Valor econômico, dia 30 de abril de 2013, disponível em http://www.valor.com.br/politica/3105692/o-ato-de-oficio-como-elemento-para-caracterizar-o-crime-de-corrupcao, acesso em 05.07.2015, às 12h42min. 457 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1288.

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O que ocorre no direito brasileiro, permissa venia, é uma

hipertrofia da discussão em torno do ato de ofício, absolutamente perniciosa,

diga-se de passagem, mas nunca para além do ato de ofício, o que daria

ensejo à amplitude da discussão. Em outros termos, doutrina e jurisprudência

debatem a necessidade ou não do ato de ofício, mas muito pouco, ou quase

nada, se menciona acerca de uma reforma legislativa de modo a inserir, a

exemplo do que ocorre na legislação estrangeira, novas figuras típicas de

corrupção e, com isso, tipos corruptivos em que o ato de ofício não seja

exigido e a pena a ser aplicada seja, por óbvio, mais branda.

Nada obstante, ainda que tentadora a tese de eventual

bilateralidade obrigatória entre os delitos de corrupção passiva e ativa,

mormente entre as figuras típicas de oferecer ou prometer, de um lado, e

receber ou aceitar promessa, de outro, nada justifica, para além de um

esforço jurisprudencial e doutrinário que busca salvaguardar a aplicação do

princípio da proporcionalidade. Este esforço, aliás, está apenas implícito nos

argumentos doutrinários e jurisprudenciais acima delineados, pois claramente

os argumentos deitam-se em outros aspectos.

Não quer dizer que a lei brasileira não exige, do ponto de vista

fático, que os verbos receber ou aceitar promessa não demandem a

existência de alguém que ofereça ou prometa, mas sim que o ato de receber

ou de aceitar promessa, privilegiando o aspecto unilateral dos crimes de

corrupção na forma em que criminalizados, não precisa, normativamente,

estar premido pela noção adjacente de ato de ofício.

A pretensa qualidade de delitos de concurso necessário cai por

terra ao se analisar a estruturação jurídica de tais delitos. E a interpretação

doutrinária e jurisprudencial, por sua vez, não pode ir além dos ditames legais

sem ao menos apresentar argumento convincente e apto para tanto.

Aqui se dessume uma questão deveras interessante em matéria

penal e retratada na desconfiança lançada na figura do legislador e a

exacerbada confiança depositada no intérprete da norma incriminadora458,

ainda que se esteja falando de norma que cumpra estritamente o princípio da

legalidade, como é o caso do artigo 317, caput, do Código Penal. Neste 458 Cf. ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes …, p. 173.

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sentido nada demonstra, para além de uma extrema confiança no intuito do

aplicador do direito em inovar e subverter o teor literal da norma prevista no

artigo 317, caput, do Código Penal, que se consiga “criar” ou “introduzir” a

exigência do ato de ofício na figura da corrupção passiva. Sim, porque o

princípio da legalidade também desenvolve notável função para a

interpretação do texto legal, evitando que se aplique a menos ou a mais do

que o teor literal da lei.

De acordo com ORTIZ DE URBINA GIMENO:

“(...) ha de darse una prioridad absoluta a la no muy afortunadamente llamada <<interpretación gramatical>>, que bien entendida incluye la sistemática, admitir la teleológica sólo dentro del ámbito de sentidos posibles delimitado por la interpretación gramatical y prescindir por completo de la interpretación histórica: por lo que respeta al objetivo de la interpretación, en coherencia con lo que se acaba de decir, este no puede ser sino la indagación del sentido del texto efectivamente aprobado, y no la del cualesquiera intenciones detrás del mismo.”459

Alerte-se, contudo, que referendar essa interpretação à lei

brasileira, ou seja, de que a corrupção passiva presente no caput do artigo

317 do Código Penal está desvinculada da incidência de um ato de ofício em

potencial a ser realizado pelo funcionário público, vem obrigatoriamente com

o rechaço da legislação. Em termos bem simples e diretos: alertar que a lei

brasileira não exige o ato de ofício para a incriminação da corrupção passiva

não significa considerar a norma brasileira como correta, justa e proporcional.

A segunda constatação diz respeito à necessidade de reforma da

legislação brasileira, no sentido de ser incluído o ato de ofício como requisito

do tipo penal do artigo 317, caput, do Código Penal.

À partida pode-se afirmar que a normativa brasileira direcionada

à incriminação dos atos de corrupção praticados por funcionários públicos

(sejam corruptores ou corrompidos), em que pese sabidamente antiga e

atualmente fruto da inércia do legislador, está apenas parcialmente em

consonância com as diretrizes internacionais traçadas pela Organização das

Nações Unidas, mais precisamente na Convenção de Mérida, ratificada no

direito interno brasileiro por meio do Decreto 5.687/2006. Consta no artigo 15

deste decreto:

459 ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes …, p. 198 e 199.

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“Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometidos intencionalmente: a) A promessa, o oferecimento ou a concessão a um funcionário público, de forma direta ou indireta, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no de outra pessoa ou entidade com o fim de que tal funcionário atue ou se abstenha de atuar no cumprimento de suas funções oficiais; b) A solicitação ou aceitação por um funcionário público, de forma direta ou indireta, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no de outra pessoa ou entidade com o fim de que tal funcionário atue ou se abstenha de atuar no cumprimento de suas funções oficiais.”

A menção precisa do termo <<ato de ofício>> não foi feita pela

Convenção de Mérida. Contudo, como visto, a importante norma internacional

não deixou de fazer referência à punição dos atos de corrupção desde que

relacionados a uma atuação precisa e delimitada do agente público (e da

intenção do particular), a partir da referência de que a corrupção ativa e

passiva deve ser punida no direito interno de cada país signatário, vinculando

à finalidade de que o funcionário público atue ou se abstenha de atuar no

cumprimento de suas funções oficiais.

Pode-se, evidentemente, criar certa equiparação entre os termos

“ato de ofício” e “atuar no cumprimento de suas funções oficiais”, com o que a

lei penal brasileira atualmente em vigor estaria adequada aos parâmetros

internacionais, ao menos em relação à corrupção ativa (artigo 333 do Código

Penal), à corrupção majorada (artigo 317, §1º, do Código Penal) e à

corrupção tomada por privilegiada (artigo 317, §2º, do Código Penal).

Isso, a bem da verdade, nada revela de concreto, pois as

normativas internacionais, pelo simples fato de advirem de órgãos como a

ONU, não são infalíveis, nem absolutamente corretas ou impassíveis de

críticas. A menção aqui é feita apenas e tão-somente para deixar aos críticos

de plantão, comumente associados e maravilhados com os parâmetros

internacionais, a mensagem de que a própria Organização das Nações

Unidas, em seu texto mais específico sobre a matéria de corrupção, acaba

por referendar a punição a partir de um contexto de venalidade da função

pública, venalidade esta que acaba sendo vinculada à atuação do funcionário

público no cumprimento de suas funções oficiais.

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Contudo, o posicionamento há de ser tomado em critérios mais

seguros, o que se torna viável a partir de critérios dogmáticos e normativos e

não simplesmente na esteira da interpretação histórica da lei penal, ou seja,

de que teria sido este o intento do legislador à época, objetivo este de

separar a realidade normativa do suborno ativo e do suborno passivo.

Se assim é, a solução se encontra na identificação do bem

jurídico tutelado. Sem rodeios, há de se indagar se a conduta de solicitação,

recebimento ou aceitação de promessa, tão-somente em razão da função

exercida pelo servidor público, ofende determinado bem jurídico a ser

tutelado pela norma penal. Isso não implica em desconhecer que a exigência

do ato de ofício opera como um freio na punição da figura ativa da corrupção,

pois retira a possibilidade de punição quando a vantagem indevida está

desvinculada do ato de ofício a ser praticado, em tese, pelo funcionário

público.

Ora, a essência dos delitos de suborno ativo e passivo são

justamente as transações abusivas a partir da função pública desenvolvida

pelo servidor460. Por meio de tais tipos almeja-se evitar a interrelação espúria

entre o público e o privado461. Assevere-se, contudo, que esta transação

precisa estar materializada em algo que não apenas o dinheiro ou a

vantagem indevida prometida e/ou entregue. Note-se: oferecer, prometer,

receber ou qualquer dos outros verbos coligados ao termo vantagem indevida

não se tornam proscritos em razão da imoralidade e dos ganhos ilícitos

obtidos a partir da função pública, mas sim porque tal vantagem atinge (ou

coloca em perigo) a imparcialidade do servidor público.

Trata-se, a bem da verdade, de uma troca qualificada, para que

se atinja ou ao menos se coloque em perigo a imparcialidade do servidor

público, e que envolve a estipulação de condições para ambos os lados:

vantagem indevida e ato de ofício, respectivamente.

Auxilia, neste sentido, SÁNCHEZ TOMÁS: “Una vez analizados en los epígrafes anteriores las modalidades típicas de la prestación del particular y la contraprestación del funcionario o autoridad, debe todavía incidirse en que el delito de cohecho no se fundamenta en la mera constatación de la concurrencia de la prestación y la contraprestación.

460 RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 202. 461 OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 1999.

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Es preciso que entre ambas se dé una relación de condicionalidad mutua. En última instancia, la idea que subyace a la tipicidad de esta conducta es la existencia de un acuerdo o propuesta de acuerdo en que el sujeto activo – sea el funcionario, el particular o ambos – pretende obtener de la contraparte una actuación y para su consecución selecciona como medio comisivo el ofrecimiento de una contraprestación.”462

Tal como afirmou MILITELLO, a solução não passaria pela

abolição do requisito do ato de ofício, eis que tal abolição acabaria por

asimilar “indebidamente hechos y conductas de significado completamente

opuesto: de la verdadera y propia corrupción dirigida a un acto indebido, al

acto absolutamente inofensivo, y, en general, socialmente adecuado, de mero

reconocimiento.”463

Com isso claramente se conclui que a atual redação do suborno

passivo no direito brasileiro comina pena de mesma gravidade que a

cominada ao suborno ativo, muito embora se tratem de condutas, se não

totalmente diferentes, mas que consagram bases de punição distintas. Pode-

se afirmar que a corrupção passiva, ao não dispor sobre um ato determinado

a ser feito (ou omitido) pelo servidor público, pune essencialmente a mera

falta de decoro e honestidade do servidor464, e desconsidera o principal, qual

seja a parcialidade de determinada conduta (concreta ou futura) a ser

manifestada por aquele.

O primeiro argumento é associado a questões de legitimidade de

intervenção penal. Olhos postos no tipo básico descrito no artigo 317, caput,

do Código Penal, tem-se que, para além de não corresponder à figura típica

do artigo 333, caput, do Código Penal, o suborno passivo está destituído de

legitimidade de intervenção penal. As figuras de suborno possuem como

intento evitar a influência do interesse privado sobre o exercício de funções

públicas, de maneira a preservar sua imparcialidade.465 Se assim é, verifica-

se que da redação do mencionado tipo penal não é possível vincular de

nenhuma forma a imparcialidade como bem jurídico.

462 SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 409. 463 MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 251. 464 Cf. RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 203. 465 ORTIZ DE URBINA GIMENO, Íñigo. Delitos contra la administración pública. In: Lecciones de Derecho Penal. Parte Especial. 3ª ed. Jesús-Maria Silva Sánchez (director) e Ramon Ragués i Vallés (coordinador). Barcelona: Atelier, 2011. p. 335.

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Para chegar à conclusão que a conduta de solicitar, receber ou

aceitar promessa de vantagem indevida, tão-somente a partir da função

exercida pelo servidor público, seria necessária a adoção de uma presunção

de perigo geral, pressupondo que todo servidor que receba qualquer espécie

de vantagem indevida de um particular seja um corrupto em potencial e já

predisposto a auxiliar o particular em futuras situações concretas.466

Assim alude RODRIGUEZ PUERTA: “No obstante, esta interpretación se corresponde con una lectura voluntarista del precepto, en la que se toman en consideración circunstancias futuribles, que se presumen a raíz de una <<actitud>> de funcionario (aceptación de dádivas, sin estar condicionadas a la adopción de acto alguno), que no tiene necesariamente por qué corresponder al indicado <<juicio de intenciones de futuro>> del empleado público.”467

Realmente não se verifica como a conduta funcional de receber

vantagens indevidas, ou apenas aceitar a promessa de recebimento, possa

colocar em perigo o bem jurídico imparcialidade sem que o ato de ofício faça

parte do acordo corrupto ou ainda da proposta lançada pelo servidor público.

Note-se que neste tipo de situação não deixa de existir o contato espúrio

entre o poder público e o privado, mas sim deixa de existir a viabilidade fática

e concreta de prejudicar a imparcialidade, objeto este a ser tutelado pela

figura-base da corrupção.

Ainda que a conduta possa ser alvo de criminalização (vide item

3.2.5.2. infra), ela não se dará sob o arcabouço do bem jurídico

<<imparcialidade>>468, sendo necessário encontrar outra razão de punição.

Já do ponto de vista estrutural, igualmente importante, a inserção

do <<ato de ofício>> como elemento da figura básica de suborno passivo,

conta, como visto, com apoio de convênios internacionais. Ademais, num viés

prático-eficiente, o dueto corrupção ativa e passiva ver-se-ia completo, quer

dizer, as condutas-base seriam, enfim, complementares, verdadeiro verso-e-

reverso uma da outra.

466 VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Admisión de regalos y corrupción pública. Consideraciones político-criminales sobre el llamado <<cohecho de facilitación>> (art. 422 CP). In: Revista de Derecho Penal y Criminología, Madrid, 3ª época, n. 6, 2011. p. 169. 467 RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 275. 468 Em sentido diverso vide PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 279.

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Nada mais confuso do que a tipificação atual. O fato de os tipos

penais de suborno ativo e passivo serem absolutamente unilaterais, não retira

a necessidade de que contenham os mesmos elementos típicos. Nada, aliás,

aponta para que seja diferente.

A partir da inserção do “ato de ofício” ao tipo penal básico de

corrupção passiva criar-se-ia maior segurança jurídica à imputação penal,

mais ainda à imputação formal ao dar início ao processo penal propriamente

dito. A permanecer a insegura situação atual certamente se continua a abrir

caminhos recursais morosos469 que, sem desmerecer o largo direito à defesa

e à revisão das decisões judiciais, se apegam a este aspecto normativo de

incerteza sobre a incidência do ato de ofício para a perfeita subsunção fato-

norma à luz do artigo 317, caput, do Código Penal.

O amplo rendimento dogmático também incidiria sobre o

princípio da proporcionalidade, hoje flagrantemente desrespeitado, não sendo

necessário ir longe para demonstrar essa realidade. A lei brasileira pune com

igual rigor tanto o particular que oferece, v.g, cem mil reais a um servidor

público para que este o auxilie a burlar determinado concurso público como o

servidor público que solicita, também à guisa de exemplo, dois mil reais a um

particular sem que faça menção, ainda que indireta, ao ato funcional a ser

praticado ou omitido.

Neste aspecto o Brasil está na contramão das iniciativas

legislativas tomadas em países de mesma tradição jurídica. Ao tempo em que

em outros países se discute a diminuição das barreiras punitivas e

consequente conveniência de serem ampliados os limites punitivos, bem além

do sistema mercantil de corrupção (germânico) para tornar punível o

oferecimento de vantagens desacompanhadas de um ato concreto ligado ao

cargo ou função, por aqui sequer se debate a eventual inconveniência do

modelo adotado pelo legislador de 1940.

Dada a forma pela qual se criminaliza a figura-base de corrupção

passiva no direito brasileiro convêm as palavras de Fábio Roberto D´ÁVILA:

469 Com o que não custa recordar: “Porque lo que de veras importa no es la cantidad de corruptores y corruptos sino la actitud oficial ante los hechos.” NIETO, Alejandro. El desgobierno …, p. 179.

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“Este aumento da complexidade da matéria de incriminação tem, por sua vez, repercussão direta na escolha e no desenvolvimento de determinadas técnicas de tutela. Se, em termos ideais, o tipo penal deve descrever, da forma mais fiel e objetiva possível, o conteúdo material do ilícito, é evidente que, quanto mais complexa for a matéria a ser tipificada, mais difícil será o cumprimento de tal tarefa. As dificuldades enfrentadas na descrição de matérias de maior complexidade levam, por sua vez, à preferência por técnicas de tutela de caráter formal, normalmente estabelecida na violação de um dever de natureza administrativa ou no exclusivo desvalor da ação. Como consequência, percebe-se um forte distanciamento do tipo em relação ao conteúdo material do ilícito, o qual na prática não raramente, se perde por completo, acabando por não exercer qualquer papel em âmbito hermenêutico, nem mesmo para fins de delimitação do âmbito do tipo. É como se o “fragmento de realidade” que se quer proibir, após dar origem ao tipo, não mais importasse: o tipo alcançaria autonomia em relação ao seu fundamento material ao ponto de poder ser aplicado independente da sua efetiva existência, na linha de orientações neopositivistas. O que, evidentemente, não se dá sem a violação ou até mesmo abandono de princípios fundamentais de direito penal.”470

3.2.5.2. Considerações sobre a criação de tipos privilegiados de corrupção ativa e passiva.

A expansão do Direito penal quanto à tipificação dos tipos penais

de suborno é particular. Muito embora se trate de delito há muito conhecido e

com legitimidade punitiva devidamente assentada e reconhecida, a atual

punição e pretendida eficácia creditadas ao Direito penal, calibrando-o

equivocadamente para a erradicação imediata da corrupção, atuam, em

grande medida, a partir de diminuição de garantias penais e de antecipação

desmedida da punibilidade estatal.

Relembre-se, porém, que a legitimação da punição estatal

(criminalização primária) passa por sua racionalidade legislativa e esta há de

se conduzir pelo reconhecimento do caráter drástico da sanção penal e

consequente possibilidade de inserção de tipos penais quando estes

possuam a aptidão suficiente, esta refletida na instrumental função de uma

eficaz proteção de bens jurídico-penais.471

470 D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal. O problema da expansão da intervenção penal. In: Revista Eletrônica de Direito Penal, AIDP-GB, Rio de Janeiro, n. 01, vol. 01, ano 01, junho de 2013. p. 67. Muito embora redigida a crítica para a novel e desenfreada legislação penal, tais críticas se encaixam perfeitamente ao caos normativo demonstrado acima. 471 Cf. AROCENA, Gustavo. La racionalidad …, p. 03 e 04.

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Outra premissa a ser ponderada aqui é a de modernização do

Direito penal, no caso o enfrentamento preventivo das práticas corruptivas

por meio de normas penais. Muito embora a corrupção não recaia por

excelência sobre os ditos poderosos, de fato é mais perniciosa e nociva ao

derivar de determinados nichos de poder político e econômico.

Aqui cabem as ponderações de Eduardo DEMETRIO CRESPO

sobre a modernização necessária do Direito penal: “Personalmente creo que la modernización del Derecho penal es necesaria, y por otra parte, imparable. Se ha producido una modernización de la criminalidad que conlleva, sin duda, un cambio de los planteamientos jurídicos que deben abordarla. En este sentido es claro que el Derecho penal debe poder alcanzar también la <<criminalidad de los poderosos>>, y dejar de ser uno sólo destinado a afectar a los marginados y menos favorecidos en la sociedad. Es claro, también, que el Derecho penal moderno conlleva la tipificación de delitos de peligro y protege bienes jurídicos colectivos, y que no tiene sentido negar ab initio legitimidad a estos últimos (…)”472

Tudo isso considerado, é fato que a expansão do Direito penal

também atinge a corrupção, quanto mais se considerado o panorama já

retratado nos aspectos introdutórios neste trabalho. Todavia, a observação

crítica pode se dar tanto sobre o aspecto de “mais direito penal” quanto

também em termos qualitativos de “qual direito penal”. A regulação jurídico-

penal (sem esquecer de aspectos de natureza eminentemente processual-

penal) sobre a corrupção atualmente pendula entre estes dois pontos:

quantidade e qualidade das inovações normativo-penais.473

Em terras brasileiras a discussão sobre reformas legislativas

direcionadas à corrupção pública até o presente momento atingiu o aspecto

de qualidade do Direito penal, sendo proposto tanto o aumento da pena

cominada quanto à elevação do delito ao caráter de hediondo.474

Já em outros países, precisamente Espanha e Portugal, a

discussão se deu sobre “qual direito penal”, especificamente sobre a inclusão

de novas formas de corrupção, daí não se tratar de “mais direito penal”, ainda

que entre o “mais” e o “qual”, neste pormenor, haja certa confusão. O fato é

472 DEMETRIO CRESPO, Eduardo. Acerca de la contraposición entre libertad y seguridad en el Derecho Penal. In: Universitas Vitae. Homenaje a Ruperto Nuñez Barbero. Miguel Ángel Núñez Paz e Ana Isabel García Alfaraz (coordenadores). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2007. p. 194 e 195. 473 Cf. D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66. 474 A respeito destes temas vide infra 3.7. e 4.5.

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que, sob o argumento e intento de abarcar penalmente todos (ou o maior

número) (d)os comportamentos chancelados sob o signo da corrupção, os

países acima citados promoveram reformas, passando a abrigar também o

aspecto patrimonialista, para tornar típicas as condutas de corrupção ainda

que desvinculadas de um ato de ofício identificado ou identificável.

Nestes países, a partir de um intento político-criminal de

combate e luta475 ainda maiores à corrupção, foram antecipadas as barreiras

de punição para um estágio mais prematuro. As reformas por lá vieram

justificadas em razão de que muitos dos presentes e regalias são entregues a

servidores públicos sem, de imediato, um pedido específico de um ato

funcional determinado. Ademais, há dificuldade probatória476 inerente à

reconstrução processual de qual o ato de ofício pretendido ou realizado, o

que normalmente dá azo a intermináveis questionamentos, inclusive

recursais.

Note-se que não se está a reduzir a discussão e compreensão

do tema já aludido acima, até porque se no Brasil se tratou a corrupção por

meio de sistemas distintos, inclusive equivocados, nesses países o que se

discutiu foi a antecipação das barreiras penais a partir de tipos penais já

delimitados e ancorados na criminalização de atos de suborno vinculados a

um ato de ofício determinado ou ainda determinável. Tanto é assim que

naqueles países persiste na legislação a figura da corrupção atrelada a um

ato de ofício, sendo as reformas legislativas associadas à pretensa

modernização do Direito penal.

Deste modo, no Direito penal lusitano, no ano de 2010, foi

inserido o artigo 372º no Código Penal Português (cujo nomen juris é

<<recebimento indevido de vantagem>>): “1. O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

475 Favoravelmente opinou Alejandro de PABLO SERRANO: “El fenómeno de la corrupción arroja un panorama doloroso. Resulta impostergable luchar con los instrumentos que la ley ofrece para castigar el fenómeno de la corrupción a sus protagonistas. Y la ley suministra tales herramientas.” Dos claves …, p. 280. 476 Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 251.

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2. Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias. 3. Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.”

No Direito espanhol, já em 1995 foi inserido o artigo 426 no

diploma de repressão penal477 e, na reforma de 2010, assim redigido no artigo

422 do Código Penal Espanhol: “Artículo 422. La autoridad o funcionario público que, en provecho propio o de un tercero, admitiera, por sí o por persona interpuesta, dádiva o regalo que le fueren ofrecidos en consideración a su cargo o función, incurrirá en la pena de prisión de seis meses a un año y suspensión de empleo y cargo público de uno a tres años.”

Não há dúvida nenhuma de que tais alterações legislativas foram

motivadas por busca de maior eficiência do Direito penal, evitar incômodas

ausências de prova478 do sinalagma entre corruptor e corrupto e maximizar a

punição de atos então considerados lesivos à administração pública,

redundando em clara “instrumentalização do direito material para solucionar

dificuldades probatórias.”479

Tal como detalhado no capítulo 02, a intervenção penal, antes de

transparecer mero capricho do legislador adornado por meia dúzia de

doutrinadores, há de girar em torno de um fundamento muito claro e preciso:

a identificação de um bem jurídico digno de proteção por meio da norma

penal, ou seja, cuja defesa é impossível de ser atendida a contento por outras

áreas do ordenamento jurídico. Trata-se de encontrar o real fundamento e

argumento para a intervenção de natureza penal, sabidamente grave.

Bem claro está que a oferta/entrega de vantagem indevida a um

servidor público, desde que desvinculada da prática de um ato de ofício ou,

ainda, a solicitação da citada vantagem pelo servidor ao particular, também

desatrelada da prática de um ato de ofício, flertam com alguns fundamentos

punitivos (bens jurídicos).

477 “Art. 426. La autoridad o funcionario público que admitiere dádiva o regalo que le fueren ofrecidos en consideración a su función o para la consecución de un acto no prohibido legalmente, incurrirá en la pena de multa de tres a seis meses.” 478 Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 424. 479 Cf. GRECO, Luis. Modernização …, p. 60.

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O primeiro deles seria a tutela da honradez e da moralidade do

servidor público, de tal modo que as condutas de oferecer vantagem “em

relação à sua função”, “devido à sua função” ou ainda “por causa de sua

função” revelariam a necessidade de intervenção da norma penal.

Já outro argumento residiria em punir a entrega/solicitação de

vantagens indevidas em razão da função pública não porque orienta o

comportamento da administração pública em determinado caso concreto, mas

sim porque visa atingir a imparcialidade do servidor público em um contexto

mais amplo e difuso480, pretendendo o legislador punir um conjunto de condutas

“em que o corruptor tem uma pretensão ou um interesse na actividade do

corrompido, ainda que não exista, de imediato, um interesse num acto ou omissão

específicos”481, existindo, na verdade, “uma intenção de criar um clima de

permeabilidade ou simpatia.”482

A partir daí, a indagação a ser lançada é se esta “fase larvar”483

da corrupção propriamente dita merece obrigatoriamente a reprovação penal.

Por evidente que não se sustenta nem se admite como regular e adequada a

prodigalidade de particulares na satisfação de pessoais interesses dos

servidores públicos.484 Em termos diretos, qual seria o prejuízo (ou o perigo)

para a administração pública, aqui considerada em letras minúsculas, ou seja,

aquela que em sentido funcional nada mais revela do que um instrumento a

serviço dos cidadãos485 (e tão-somente isso), mediante a oferta ou

recebimento de vantagens indevidas entre particulares e servidores, uma

relação espúria entre particulares e servidores, a ponto de demandar a

intervenção do Direito penal?

480 Cf. PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 269. 481 LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento ..., p. 84. 482 LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento ..., p. 85. No mesmo sentido aduzem SANTOS, BIDINO e MELO: “O rechaço às exigências de comprovação do sinalagma enquanto condição para a o reproche penal não implica negação da atual e alargada ideia da corrupção como negociação ilícita entre uma benesse derivada de um particular e alguma vantagem pretendida do funcionário público, em conexão com as funções públicas exercidas. Significa, sim, entender-se que o menoscabo ao bem jurídico dá-se com o mero mercadejar da função pública, e que tal resta configurado não só com a atestação do sinalagma entre a vantagem e um específico ato.” SANTOS, Claudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 551. 483 Cf. MIGUEZ GARCIA, M.; CASTELA RIO, J. M. Código ..., p. 1235. 484 Cf. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria ..., p. 309. 485 Cf. ORTIZ DE URBINA GIMENO, Íñigo. Delitos …, p. 328.

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Soa como óbvia a existência de uma zona turva entre o poder

público e o poder privado. Aliás, é essa a discussão nesta tese, de tal modo

que merece destaque a menção de Fábio Medina OSÓRIO: “Porém, as fronteiras entre esferas pública e privada constituem um complexo tema que pressupõe uma dimensão de cidadania das autoridades públicas, as quais são pessoas que têm experiências, vivências, contatos e perfis próprios, circulando em ambientes onde se torna possível entabular relacionamentos mais ou menos envolventes do ponto de vista do poder econômico e do poder político. Criar barreiras psíquicas, funcionais, sistêmicas, institucionais aos conflitos de interesses é um dos grandes desafios daqueles que se propõem a enfrentar de perto esses problemas, mas há espaços que permanecem ambíguos e complicados, demandando respostas mais sutis, com ponderações cautelosas.”486

Assim, nem todo indevido relacionamento entre o setor público e

o privado merece reprovação jurídico-estatal e um número ainda menor é que

deverá ser observado sob o prisma do Direito penal.

Divergindo dos posicionamentos favoráveis a partir da leitura até

aqui oferecida do bem jurídico, seja a tese de abuso do cargo, seja o perigo à

imparcialidade, salvo melhor juízo, tais posicionamentos não podem

fundamentar a intervenção penal. No tocante ao abuso do cargo verifica-se

um verdadeiro desrespeito às funções públicas, nomeadamente a moralidade

incidente sobre tal função, o que poderia ser perfeitamente sancionado e

reprimido por meio do Direito administrativo sancionador.487 No Brasil há

diploma legal específico e de larga aceitação doutrinária e jurisprudencial, no

caso, a Lei 8.429/1992 que rege a responsabilização por atos de improbidade

administrativa.488 Aos defensores de sanções graves aos atos de corrupção

sequer é oponível a natureza da Lei 8429/1992, porquanto embora não dê a

pena de prisão ao público televisivo e ansioso por ela, contempla sanções tão

ou mais graves do que as previstas pela legislação penal.

Tampouco a justificativa por meio da tutela da imparcialidade,

cuja análise necessitaria ser feita anos-luz antes de qualquer valoração 486 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria..., p. 307. 487 Sobre o tema do direito administrativo sancionador e corrupção obrigatório o texto de LUZ, Yuri Corrêa da. O combate à corrupção entre direito penal e direito administrativo sancionador. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011. p. 429 a 470. 488 A respeito, e de consulta obrigatória: OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. Má gestão pública, corrupção, ineficiência. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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negativa da ação pretensamente corruptiva, análise esta ainda voluntariosa

por esperar que a simples entrega de valores pelo particular ao servidor

público certamente tornaria este um corrupto em potencial. Evidente que a

leitura há de ser feita o mais genericamente possível, até pela amplitude que

uma norma penal neste sentido deveria possuir, i.e., deveria abarcar

indistintamente o caso do poderoso empresário que presenteia o servidor

público com garrafas caríssimas de bebida alcoólica como também a situação

do magistrado que, após adentrar em loja de roupas, recebe do proprietário

um desconto especial (quer dizer, único e especial frente a outros clientes) ao

adquirir novos trajes e gravatas para o trabalho. Ambos os servidores

públicos receberam vantagens indevidas em razão de suas funções. Práticas

corruptas?

A resposta demanda a intervenção de outros fatores, a busca de

mais detalhes que certamente se encontrarão na identificação do ato de

ofício ou ainda em algo mais detalhado do que a mera vantagem auferida,

mais especificamente no motivo por que um servidor foi agraciado com

bebidas caras e o outro com um desconto especial e diferenciado, o que de

fato remeteria à melhor identificação do perigo à imparcialidade. Do contrário,

nada mais do que mera suposição.

Tanto é assim que nos países acima mencionados há estruturas

de interpretação destinadas a excluir a responsabilidade de alguns fatos. Em

Portugal, o próprio artigo 372º.1. cuida de declarar que se excluem da

tipicidade penal as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e

costumes, o que deixa uma infindável, e indevida, margem de aplicação tanto

ao investigador e a quem deve formular a imputação formal ao acusado, isso

para não mencionar o próprio julgador.

Já na Espanha vigora entendimento doutrinário, de certa forma

bem assentado, de que se faz necessária uma relação declarada de

condicionalidade entre a vantagem indevida e potenciais decisões sobre

interesses daquele que faz a oferta ou a entrega ao servidor público. Informa

SÁNCHEZ TOMÁS: “En ese sentido, para la subsunción de una conducta en este tipo penal es preciso, en primer lugar, que la autoridad o funcionario público concernido ostente un cargo con una conexión relevante con la gestión de potenciales

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intereses del particular y, en segundo lugar, que la dádiva o regalo sea de una naturaleza tal que resulte ex ante para un espectador objetivo que el único sentido social es garantizar una buena disposición y esmero en la gestión de esos intereses.”489

Ora, tal estrutura interpretativa é quase que um retorno à busca

do ato de ofício, uma vez que obriga a se tergiversar sobre o motivo da

entrega e oferta, de um lado, e recebimento, de outro, e ainda o que seria

possível ser feito pelo servidor que pudesse beneficiar, sem se saber ao certo

o que e em que medida, o particular.

Cumpre lembrar que ainda vigoram no direito brasileiro os delitos

de advocacia administrativa490 e também o delito de tráfico de influências491,

este último merecedor de reforma tão ou mais urgente que os próprios tipos

de suborno ativo e passivo. Tal alerta visa apenas demonstrar que se o

Direito penal há de intervir sobre a relação espúria de benefícios oferecidos e

entregues por particular a determinado servidor, pode e deve fazê-lo sobre

outros argumentos que não na imaginável existência de prejuízo à

imparcialidade ex ante do servidor público ou ainda na justificativa de que o

abuso do cargo, sem prejuízo ou perigo direto e manifesto à administração

pública e, por conseguinte, aos cidadãos.

Neste sentido assiste razão a Fábio D´ÁVILA ao afirmar: “O que se pretende destacar é que, antes de se questionar acerca da utilidade político-criminal de determinadas medidas de natureza penal, deve-se questionar acerca da sua legitimidade/validade jurídico-penal e jurídico-constitucional. E aqui não importa o peso do interesse político-criminal em questão, seja ela a simples otimização de funções administrativas, seja o combate ao terror.”492

Não só do Poder Executivo, mas especialmente dele, cobra-se

uma maciça presença social que resulta na produção de atos de direta

relevância econômica. E esta ampliação do espaço público, mediante novas 489 SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 424. 490 Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa. 491 Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. 492 D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 69.

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formas de aparição e atuação do poder público, veio sem a devida cobertura

de regulações normativas efetivas, o que fatalmente favoreceu a

corrupção.493 Tal constatação se aplica à realidade brasileira e à de outros

países. Contudo, não outorga a possibilidade, nem tampouco a necessidade,

de intervenção da norma penal em situações cuja solução igualmente

normativa, mas extrapenal, se apresenta como satisfatória e justa.494

À guisa de conclusão afirmou VIZUETA FERNÁNDEZ sobre o

tipo penal cuja extirpação do Direito penal brasileiro se advoga e cuja nova

redação nesta sede não se defende: “No sólo el Derecho Penal protege bienes jurídicos. También otros sectores del ordenamiento jurídico lo hacen. Por ello, el hecho de estimar que la honradez o integridad de la condición de funcionario público es una realidad con entidad suficiente para ser tutelada por el Derecho, no implica necesariamente que haya de ser nuestra disciplina la rama encargada de dispensar esta protección. Hoy en día el verdadero caballo de batalla no está tanto en determinar la materia de lo que ha de ser protegido jurídicamente, sino, más bien, ofrecer criterios validos que limiten la intervención del Derecho penal.”495

Dessarte, se a conduta objeto de incriminação não vai além da

geração de pretenso perigo à imparcialidade, verdadeiro <<tipo de perigo de

perigo>>, mediante a captação do ânimo do servidor público para situações

futuras, e inclusive incertas, tal conduta merece tão somente a aplicação de

sanções no âmbito disciplinar da própria administração pública como também

a responsabilização por atos de improbidade administrativa, mas sem a

intervenção penal.496

493 ANDRÉS IBAÑEZ, Perfecto. Control judicial del poder político. In: Derechos y libertades. Revista del Instituto Bartolomé de las Casas, Madrid, número 07, Ano IV, janeiro de 1999, p. 82. 494 Eis a opinião de FURTADO: “Sempre haverá descompasso entre a criação de novas condutas fraudulentas e a capacidade do Estado de, por meio de legislação específica, criminalizar referidas condutas. Surge então a necessidade de se desenvolverem novas práticas para o combate e para a prevenção da corrupção, que não se esgotem no Direito Penal, que devem ser mais ágeis, no sentido de que o Estado possa, respeitando os princípios básicos de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, dar respostas efetivas e rápidas à corrupção.” FURTADO, Lucas Rocha. As raízes ..., p. 35. 495 VIZUETA FERNÁNDEZ, Jorge. Delitos …, p. 238. 496 Cf. SEMINARA, Sérgio. La corrupción en la administración pública (arts. 2-7). In: Fraude y corrupción en el derecho penal económico europeo. Eurodelitos de corrupción y fraude. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (coordenadores). Cuenca: Ediciones de la Universidad Castilla – La Mancha, 2006. p. 152.

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3.3. O ato de ofício como elemento dos tipos penais de corrupção.

3.3.1. Conceito.

Resta evidente que a lei brasileira utiliza o termo <<ato de

ofício>> para a construção de alguns dos tipos funcionais, dentre eles a

corrupção em sentido estrito. Ora, o termo tanto é mencionado em partes

notáveis dos arts. 317 e 333, do Código Penal, como também é, por exemplo,

no artigo 319 do Código Penal que tipifica o delito de prevaricação. Tal

expressão, de outro canto, é abandonada na construção de tipos penais

como o da concussão (artigo 316, caput, do Código Penal) e o de tráfico de

influências (artigo 332, caput, do Código Penal), muito embora venha neste

descrito com alguma certeza maior, ou seja, lá se faz referência ao termo a

pretexto de influir “em ato praticado por funcionário público no exercício da

função.”

Uma mera comparação, em sede inicial, já é capaz de

demonstrar que a utilização do termo ato de ofício é precária, se comparada a

outras definições mais cautelosas e claras, como a prevista no artigo 332 do

Código Penal e que, no fundo, se refere à mesma situação fática e funcional.

Também numa postura bastante inicial, um bom filtro de interpretação para a

compreensão do ato de ofício passa, sem dúvida, pela compreensão de que

se refere a ato praticado por funcionário público no exercício da função

pública.

Antes mesmo da edição do Código Penal de 1940, a doutrina

pátria se preocupava em definir aquilo que a lei referiu como ato de ofício,

uma vez que tal exigência já se encontrava presente no Código Criminal de

1890.497

497 Art. 214. Receber para si, ou para outrem, directamente ou por interposta pessoa, em dinheiro ou outra utilidade, retribuição que não seja devida; acceitar, directa, ou indirectamente, promessa, dadiva ou recompensa para praticar ou deixar de praticar um acto do officio, ou cargo, embora de conformidade com a lei. Exigir, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, ou consentir que outrem exija, recompensa ou gratificação por algum pagamento que tiver de fazer em razão do officio ou commissão de que for encarregado: Penas: de prisão cellular por seis mezes a um anno e perda do emprego com inhabilitação para outro, além da multa igual ao triplo da somma, ou utilidade recebida.

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143

Assim é que Galdino SIQUEIRA teria mencionado ser o ato de

ofício como um ato “de suas attribuições legaes, ou de sua competencia”, de

modo que se “o acto embora de funccionario, não é de sua competencia, ou

de seu officio ou emprego, não póde haver crime de peita, mas conforme as

circumstancias, o de estelionato.”498

Da mesma forma aludiu Oscar de Macedo SOARES ao afirmar

que “é elemento de delicto que o acto seja das attribuições legaes do

funccionario, de sua competência, ex-officio suo, como diziam os romanos”,

chegando ao ponto de citar exemplos a respeito: “Commette crime de peita o

juiz que recebe dinheiro para dar um despacho; mas não constitue peita o

facto do juiz receber dinheiro para obter de um ministro, seu parente, uma

garantia de juros, porque esse acto não é de suas attribuições legaes.”499

Após a edição do Código Penal de 1940, e repetição do

elemento típico “ato de ofício”, a necessidade de conceituá-lo permaneceu

hígida perante a doutrina, pois é caminho inerente à interpretação dos

dispositivos penais, quanto mais se considerada a orientação traçada pelo

Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações penais n. 307/DF e

470/MG.500

Uma primeira aproximação ao conceito de ato de ofício pode ser

retirada das lições de Paulo José da COSTA JUNIOR e de Antonio

PAGLIARO. Trata-se da conceituação, ainda que negativa, de que o ato de

ofício não se confunde com o sentido técnico atribuído pelo Direito

administrativo.501 Em palavras mais diretas, ato de ofício não é sinônimo de

ato administrativo, devendo ser empregado o termo, segundo os citados

autores, como “qualquer conduta realizada pelo funcionário público no

desempenho de suas funções.”502

Art. 215. Deixar-se corromper por influencia, ou suggestão de alguem, para retardar, omittir, praticar, ou deixar de praticar um acto contra os deveres do officio ou cargo; para prover ou propor para emprego publico alguem, ainda que tenha os requisitos legaes: Penas: de prisão cellular por seis mezes a um anno, e perda do emprego com inhabilitação para outro. 498 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 283, isso em relação ao código de 1890. 499 SOARES, Oscar de Macedo. Código penal ..., p. 412, também em relação ao código antigo de 1890. 500 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 203 e 204. 501 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105. 502 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105.

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144

De fato é correto tal entendimento, muito embora se reconheça

que o próprio conceito de ato administrativo é discutível503 e, a depender da

amplitude que se lhe dá, até poderia ser o caso de equipará-lo (ou quase

equipará-lo) ao conceito de ato de ofício. Contudo, fica-se com a corrente

majoritária, que não identifica o ato de ofício com o ato administrativo, seja

porque a noção de ato administrativo não encamparia os atos de governo504,

muito embora estes se enquadrem como atos de ofício realizáveis por

funcionários públicos (assim considerada a redação do artigo 327, do Código

Penal), seja porque, de acordo com o visto acima, a noção de ato de ofício

remonta ao conceito jurídico-penal de funcionário público, que é, por sua vez,

distinto daquilo que se compreende como agente público sob a ótica do

Direito administrativo.

E mais. Se tomada a definição de ato administrativo como “a

manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida

no exercício de função administrativa”505 tem-se que os tipos penais de

503 Anote-se, muito brevemente, a discordância com os chamados atos materiais da administração. De uma lado, afirma Maria Sylvia Zanella DI PIETRO que “(...) dentre os atos de administração distinguem-se os que produzem e os que não produzem efeitos jurídicos. Estes últimos não são atos administrativos propriamente ditos, já que não se enquadram não respectivo conceito. Nesta última categoria, entram: “1. os atos materiais, de simples execução, como a reforma de um prédio, um trabalho de datilografia, a limpeza das ruas, etc.; 2. os despachos de encaminhamento de papéis e processos; 3. os atos enunciativos ou de conhecimento, que apenas atestam ou declaram a existência de um direito ou situação, como os atestados, certidões, declarações, informações; 4. os atos de opinião, como pareceres e laudos.” Direito ..., p. 205 e 206. Já de outro pondera, quiçá com maior razão, Marçal JUSTEN FILHO: “Costuma-se afirmar que os atos da Administração Pública não são atos administrativos. Assim se passa porque se adota o conceito de que ato administrativo seria apenas aquele dotado de efeitos sobre a esfera jurídica da Administração ou de terceiros. A expressão atos materiais indica aqueles atos de pura execução de um comando normativo. Ou seja, são atos que não correspondem à hipótese de incidência, mas que se destinam simplesmente a dar cumprimento ao mandamento de uma norma. (...) A conduta concreta de um servidor produzir o ato de limpeza do chão configuraria o cumprimento de uma determinação normativa. Segundo a concepção tradicional do direito administrativo, essa conduta seria simplesmente um ato material, refletindo a execução de uma norma. Por isso, esse ato não produziria “efeitos jurídicos”. Discorda-se desse entendimento, reputando-se que todos os atos que correspondem ao modelo normativo e envolvam o desenvolvimento de função administrativa são administrativos. Por isso, mesmo os atos de pura execução estão abrangidos na categoria. Mais precisamente, reputa-se que os atos materiais, de pura execução, produzem um efeito jurídico de cunho extintivo ou modificativo. Assim, por exemplo, a varredura das ruas é um ato administrativo, porque reflete a satisfação de um dever jurídico e traduz o exercício da função administrativa.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 392 e 393. 504 Estes derivam da função de governo, aqui considerada como “aquelas atinentes à existência do Estado e à formulação de escolhas políticas internas.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 125. 505 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 383.

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corrupção, ao se referirem ao termo ato de ofício buscam, ou deveriam

buscar, requisitos basilares e fundamentais para que se imponha ao corruptor

e ao corrupto sanções de natureza penal frente a atos contrários aos deveres

de suas funções, independentemente, muitas vezes, se tais atos produziram

ou não efeitos jurídicos a partir da leitura do Direito administrativo.506

Outrossim, adotar o termo <<ato de ofício>> como sinônimo de

ato administrativo faria com que se deixassem impunes eventuais condutas

que, muito embora lesionassem o bem jurídico tutelado pela corrupção

pública, simplesmente não se encaixariam na definição de ato administrativo.

Como resultado preliminar conclui-se que não há plena

identidade entre ato administrativo e o elemento típico “ato de ofício”

mencionado na tipificação penal da corrupção ativa e passiva no direito

brasileiro.

A bem da verdade, na doutrina brasileira há uma única cisão a

respeito do que deve ser compreendido no termo “ato de ofício”. Isso porque,

se a grande e esmagadora maioria dos autores alude à ideia de que o ato de

ofício é um ato de competência e atribuição propriamente ditas do funcionário

público, alguns poucos acabam por suavizar tais exigências e passam a

endossar o cabimento, no conceito, de simplesmente o ato, ainda que não

seja de competência do aludido funcionário, estar relacionado com a função

deste.

A respeito da denominada competência do funcionário público se

filiam, por exemplo, Cezar Roberto BITENCOURT, ao mencionar que “ato de

ofício é o ato de competência do funcionário”507, Julio Fabbrini MIRABETE,

para quem “o ato ou abstenção a que se refere a corrupção deve ser da

competência do funcionário, isto é, deve estar compreendido nas suas

especificadas atribuições funcionais”508, Fernando CAPEZ a quem “deve o ato

necessariamente ser de específica atribuição do funcionário público”509,

Damásio de JESUS, pois, refere ser “necessário que o ato esteja dentro da

506 Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 193. 507 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 208. 508 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual ..., p. 303. 509 CAPEZ, Fernando. Curso ..., p. 585.

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146

esfera de atribuições do servidor público”510 e Luiz Regis PRADO, ao

defender que “o ato em torno do qual é praticada a conduta incriminada seja

da competência ou atribuição inerente à função exercida pelo funcionário

público”.511

Também a doutrina de Nelson HUNGRIA ainda é sólida base

para a tomada de posição a respeito da definição aqui envolvida de modo que

“o ato ou abstenção a que a corrupção se refere deve ser da competência do

intraneus, isto é, deve estar compreendido nas suas específicas atribuições

funcionais, pois só neste caso pode deparar-se com um dano efetivo ou

potencial ao regular funcionamento da administração”.512 Por fim, Magalhães

NORONHA também assevera que “deve o ato ser da competência do

funcionário, pois a contraprestação ao pagamento é veiculada pela função e,

pois, o ato deve caber no âmbito desta.”513

De outro canto, e de maneira residual, está a compreensão

trazida por Heleno Claudio FRAGOSO, por Rui STOCO, por COSTA JUNIOR;

PAGLIARO e por Guilherme de Souza NUCCI. Isso porque tais autores

mencionam a possibilidade de ser compreendido o ato de ofício não apenas

como os atos vinculados à competência514 dos funcionários públicos, mas

também como atos relacionados ao exercício da função de tais funcionários,

o que amplia, certamente, o espectro de imputação.

Textualmente alerta FRAGOSO que o ato de ofício deve “ser da

competência do agente ou estar relacionado com o exercício da função, pois,

caso contrário, o crime a identificar-se será outro (exploração de prestígio,

estelionato, etc.).”515, muito embora o mesmo autor, ao cuidar da corrupção

ativa, mencione que “é indispensável que se trate de ato de ofício, que se

enquadre nas atribuições do funcionário.”516 Rui STOCO517 caminha no

510 JESUS, Damásio de. Código penal anotado. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1030. 511 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 5ª ed. Volume 3, p. 477. 512 HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 371. 513 NORONHA, Magalhães E. Direito penal, p. 248. 514 Sobre este termo noticia SUNDFELD: “A competência – e este é seu mais importante condicionamento – é sempre outorgada pela norma, para que de seu exercício resulte atendida certa finalidade, estranha ou exterior ao sujeito. A competência é um meio para atingir fins determinados. Portanto, a competência é um poder vinculado a certa finalidade. ” SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos ..., p. 112. 515 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438. 516 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 491.

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mesmo sentido e Paulo José da COSTA JUNIOR e Antonio PAGLIARO

repetem o já disposto acima, ou seja, o ato de ofício seria conceituado como

“qualquer conduta realizada pelo funcionário público no desempenho de suas

funções.”518 Já NUCCI pondera que “ato de ofício é exatamente a atribuição

inerente à função pública, à esfera de realização do funcionário, algo que

somente ele pode empreender – e não pessoa fora dos quadros

administrativos.”519

Tampouco a explicação literal a partir da conjugação dos termos

“ato” e “de ofício” elucida por completo a dúvida, pois, se assim fosse, apenas

os atos praticados espontaneamente pelo funcionário público, quer dizer, sem

a provocação de terceiro520, seriam os atos passíveis de gerar o injusto penal

no direito brasileiro. Adotado o termo em sua literalidade, bem provavelmente

em sentido muito menor do que aquele pretendido pelo legislador do século

passado, as distorções da punibilidade, já presentes, seriam ainda maiores.

Eis aí o impasse. Há quase 75 anos de vigência do Código Penal

não há um conceito unânime, ou até minimamente seguro, do que deve ser

tomado por ato de ofício no sentido jurídico penal dos arts. 317 e 333 do

Código Penal. O melhor conceito seria um novo, uma nova definição típica

que abolisse a incerteza trazida à expressão ora em destaque. Até lá, ao

menos para vincular a jurisprudência a parâmetros condizentes com o bem

jurídico a ser tutelado, cabe a realização de um esforço, monumental, diga-se

de passagem, para a estipulação dos limites de aplicação da norma penal.

517 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes ..., p. 1469. 518 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105. Como são dos poucos autores que se alongam na explicação acerca do tema, é o caso de se trazer à colação: “Compreende, pois, não só as providências, os atos devidos, propostas, requisições, pareceres, operações, comportamentos materiais, o próprio silêncio, que, de acordo com a doutrina administrativa predominante, está compreendido no conceito de ‘ato administrativo’. Acham-se também abrangidos os atos de governo e os atos de direito privado, os quais, conforme a mesma doutrina, são estranhos ao conceito de ‘ato administrativo’. Acham-se compreendidas, ademais, todas aquelas condutas que somente em conexão com outras condutas (do mesmo sujeito ou de outros) formam um quid que, para o direito administrativo, representa um ato único. Estão igualmente abrangidas as condutas daquelas pessoas, como os notários, que, embora exercitando funções públicas, não agem como órgãos das Administração Pública e, portanto, não praticam atos administrativos.” Dos crimes ..., p. 105. 519 NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Forense: Rio de Janeiro, 2015. p. 19. 520 Menção feita pelo Ministro Carlos Ayres Britto na p. 4445 do acórdão da Ação Penal 470/MG, bem recordada em QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 204.

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Compreender o <<ato de ofício>> dentro do contexto macro que

envolve a corrupção ativa e passiva no direito brasileiro como sendo apenas

o ato a ser desenvolvido pelo funcionário público que esteja dentro de suas

atribuições e/ou competência e que se desenvolva sem a intervenção de

terceiro, ou seja, em sua acepção mais restrita possível, acaba por desvirtuar

o tipo e a proteção penal pretendida.

Com isso se faz necessário o uso de interpretação que amplie o

texto legal, se é que o operador do direito se vê autorizado a tanto, quanto

mais se a interpretação for realizada literalmente sobre norma incriminadora,

como é o caso. Salvar o tipo de sua inocuidade mediante uma interpretação

indevida (porquanto extensiva) ou respeitar o princípio da legalidade, sendo

esta última uma tendência que forçaria invariavelmente a reforma da

legislação?

Deixando de lado o alerta sobre a urgente reforma – muito mais

necessária que a simbólica e maniqueísta reforma para tornar a corrupção

um delito considerado hediondo – sobressaem duas possibilidades.

A primeira possibilidade seria ampliar a compreensão do ato de

ofício para todo e qualquer ato para o qual o funcionário público detenha

atribuição e competência para realizá-lo. Esta, como visto acima, é a

interpretação largamente empregada pela doutrina brasileira e por certa

orientação, ainda que não unânime, jurisprudencial.521

Um grande problema incidente sobre a adoção deste panorama

(ato de ofício = ato de competência e atribuição do funcionário) está na

compreensão matemática do mundo, uma compreensão idílica e irreal, de

que para todo e qualquer cargo, função ou emprego, para cada função

desenvolvida pelos funcionários públicos espalhados Brasil afora exista um

<<feixe de atos>> de competência e de atribuição muito bem delimitados.

Tal compreensão da administração pública direta e indireta é

inexistente e não condiz com os atos realizados pelos agentes públicos. Ora,

se por um lado e, por exemplo, a lavratura de um auto de infração pelo

Agente da Receita Federal tende a estar devidamente regulamentado em

521 V.g, TRF4, Apelação Criminal n. 2003.04.01.008561-1 – 8ª Turma – Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 16.03.2005.

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dispositivos normativos claros, tantos outros atos da administração pública

direta e indireta não possuem as atribuições funcionais tão bem definidas a

ponto de permitir a identificação do ato de ofício a partir da competência de

determinado funcionário.

O exemplo é de QUANDT: “Pense-se no serventuário da justiça lotado no cartório da vara que aceita propina para alterar a ordem de armazenamento dos autos dos processos conclusos para sentença no gabinete do juiz, sabendo que essa ordem corresponde à ordem em que os processos serão julgados. Uma vez que essa ordenação não é atribuição do funcionário corrupto, esse fato haveria de permanecer impune.”522

Pode-se citar outro: o Juiz que solicita vantagem indevida para

que determinado sujeito não seja citado, muito embora o mandado de citação

já esteja em mãos do oficial de justiça, não cometeria corrupção, eis que

realizar a citação da parte não é atribuição do Juiz nem ele possui

competência e poderes para, de fato, ir realizar o ato de citação.

A segunda possibilidade, enquanto a reforma penal sobre os

delitos contra a administração pública não for realizada, quiçá melhor, seja a

interpretação das normas incriminadoras dos arts. 317 e 333 do Código Penal

por meio da compreensão do ato de ofício como todo e qualquer ato realizado

pelo funcionário desde que relacionado com a sua função, na mesma linha do

preconizado por FRAGOSO, STOCO e COSTA JUNIOR; PAGLIARO e

NUCCI, devidamente citados.

Nem se diga que se trata de interpretação hábil a banalizar a

corrupção, direcionando a norma para a punição do maior número possível de

funcionários e particulares e, muito menos, que é uma interpretação extensiva

indevida. Ora, compreender o “ato de ofício” como ato de competência523 e

atribuição de determinado funcionário já é extensivo, uma vez que a

interpretação literal seria bem diversa e não chegaria a tal conclusão.

A escolha de uma das duas posições acima mencionadas retrata

bem a adoção do seguinte: o ato de ofício envolve apenas condutas

correspondentes às competências (muitas vezes sequer definidas) do 522 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 206. 523 Vale lembrar que o termo competência não pode ser aqui tomado como o desenvolvido no direito administrativo, eis que não se está a equiparar o ato de ofício com o ato administrativo.

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funcionário ou tais condutas podem estar relacionadas apenas com os

poderes de fato derivados da posicional de funcionário público exercida pelo

agente?524

A captação do ato de ofício – determinado ou determinável –

como um ato relacionado com as funções do agente e não com a

competência/atribuição deste, tem a vantagem de abranger aquelas condutas

que, muito embora possam ir muito além das tarefas usualmente destinadas

para aquele agente, são na verdade possibilitadas por aquilo que VALEIJE

ALVAREZ denomina de <<relação funcional imediata>>.525 Esta se afere a

partir da verificação de suficiência da relação do ato ao cargo, emprego ou

função. Trazendo para o direito brasileiro, bastaria para caracterização do ato

de ofício ser relativo ao cargo, emprego ou função e não que seja inerente a

estes.526

Interessante anotar que o Supremo Tribunal Federal teve a

oportunidade, todavia perdida, de traçar este importante limite interpretativo.

Sim, porque no julgamento da Ação Penal 470 os conceitos para o “ato de

ofício” foram empregados da mais variada forma e unicamente contribuíram

para o aumento das dúvidas já existentes.527

A respeito do julgamento da Ação Penal referida, concluiu

Allamiro Velludo SALVADOR NETO que o Supremo Tribunal Federal

“direcionou-se para uma perspectiva mais subjetiva da corrupção,

abandonando a dependência absoluta entre corrupção e ato de ofício e, ao

mesmo tempo, trilhando o entendimento que tende a aperfeiçoar a peita

exclusivamente pelo recebimento de vantagem em razão do cargo.”

Aliás, este autor528 diz que, a depender da interpretação e

compreensão do termo ato de ofício se teria uma concepção ora mais

objetiva do delito de corrupção, ora mais subjetiva. Assim é que a

imprescindibilidade ou não do ato de ofício – muito embora pareça ser

524 VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 197. 525 VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 199. 526 Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 201. 527 A respeito vide o obrigatório texto de QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 200 a 210. 528 Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões pontuais sobre a interpretação do crime de corrupção no Brasil à luz da APN 470/MG. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 933, julho de 2013, p. 57-58.

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realmente necessário em razão de clara incidência da taxatividade do tipo

penal – mudaria a “configuração do crime de corrupção”529, pois se exigido o

ato de ofício não existiria acordo sem objeto (o ato de ofício), recebendo,

desta forma, o delito uma forma aparentemente objetiva. Já para a hipótese

de o ato de ofício deixar de ser exigido como elemento do tipo, aumentar-se-

ia a subjetividade do delito, com o que a consumação do delito poderia se dar

“apenas em decorrência de aceitações ou solicitações de vantagem em razão

do cargo.”530

A determinação ou não do ato de ofício é questão a ser

examinada em tópico diverso. Por ora pode-se concluir preliminarmente que

(i) o termo ato de ofício não pode ser desprezado pelo intérprete,

pois não exerce a função de “mero” figurante no tipo nem tampouco o

intérprete pode relegar sua existência;

(ii) o termo ato de ofício não se coaduna, concessa venia, com a

interpretação lançada pela maior parte da doutrina brasileira, eis que o filtro

de definição em sendo a competência ou atribuição não abarca a realidade

dos fatos e do desvalor do injusto penal;

(iii) o termo ato de ofício pode ser interpretado, sem desrespeito

à norma penal e aos princípios básicos que permeiam a aplicação do jus

puniendi estatal, a partir da noção de relação funcional imediata proposta há

quase 20 anos por Inma VALEIJE ALVAREZ; muito embora cunhada para a

explicação da legislação espanhola, inclusive anterior ao Código Penal atual

(de 1995 e que em termos de corrupção já recebeu algumas reformas

importantes, em especial as ocorridas em 2010 e 2015), há possibilidade de

ser empregada à realidade brasileira, com o que por ato de ofício deve-se

entender como o ato possível de ser praticado pelo funcionário, seja o ato de

competência ou atribuição deste, seja o ato que, muito embora não seja de

competência do funcionário, tenha sido realizado em virtude das facilidades

ou oportunidades que se derivam da situação subjetiva da qual o funcionário

é titular.531

529 SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões ..., p. 55. 530 SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões ..., p. 55. 531 Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 201. Guardadas as devidas proporções, curiosamente este foi o entendimento, todavia normatizado, utilizado pelo

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3.3.2. O grau de determinação do ato de ofício.

Uma vez identificado o ato de ofício em si, e devidamente

esclarecida a sua inserção no tipo penal de corrupção ativa, surge a

indagação da determinação ou indeterminação a incidir sobre este ato de

ofício.532 A depender da interpretação lançada, e aqui se está a falar da

interpretação em sentido lato, pode-se desbordar os limites previstos no

artigo 333, vez que a norma brasileira de suborno ativo requer que o

particular ofereça ou prometa vantagem indevida determinada para que o

servidor público pratique, omita ou retarde o ato de ofício. Isso para não

mencionar os limites que a interpretação extensiva possui em se tratando de

normas de caráter incriminador.

Portanto, não a partir da “voluntas legis”, mas sim a partir daquilo

que a norma brasileira efetivamente estipula como proibido e sua relação com

a imparcialidade, no caso o bem jurídico tutelado, a interpretação do ato de

ofício e de sua concretude devem girar a partir de uma determinação, isto é,

de que algo esteja determinado no ato a ser praticado pelo servidor. Merece

destaque, de igual modo, que a lei brasileira em vigor não pune, como

exposto à saciedade linhas acima, a mera oferta ou promessa em razão das

funções do servidor, mas sim que tais atos estejam ligados a um ato de ofício

que se revista de uma relação funcional imediata com o funcionário público.

legislador de 1940 para tipificar o que a doutrina chama de peculato-furto (artigo 312, parágrafo 1º, do Código Penal). Olhos postos neste tipo penal verifica-se que não é necessário que o funcionário esteja no exercício de suas funções, atribuições e competências, mas sim que se valha da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário público. Para tanto, vide NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1273 e 1374. 532 Os Tribunais já se debruçaram, ainda que não em caráter final, sobre o tema. Débora Thais de MELO e Claudio BIDINO mencionam em estudo dois precedentes totalmente antagônicos. Para o STJ, quando do julgamento do RESP 440106, Rel. Min. Paulo Medina, ainda que se referisse ao artigo 317 do Código Penal, teria mencionado que se prescinde “da necessidade de apontar e demonstrar um ato específico da função, dentro do âmbito dos atos possíveis de realização pelo funcionário.” De outro canto, os mesmos autores mencionam julgado do TRF4 (Ap. Crim. 2004.04.01.0075034 – Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro), onde fez-se constar que “para a caracterização do crime de corrupção passiva é indispensável que o agente público receba vantagem indevida pela prática (ou promessa) de um ato de ofício específico.” BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. A corrupção de agentes públicos no Brasil: reflexões a partir da lei, da doutrina e da jurisprudência. In: A corrupção. Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico-Penal em Expansão no Brasil e em Portugal. SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 175.

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Sendo assim, a doutrina dá suporte interpretativo necessário e

satisfatório ao tema, bastando que o ato seja ao menos individualizável, ainda

que genericamente, no momento do pacto ou convite corruptivos.

Alude Luiz Régis PRADO: “Registre-se ainda que o ato de ofício objeto do delito de corrupção passiva não deve restar desde o início determinado, ou seja, não é necessário que no momento em que o funcionário solicita ou recebe a vantagem o ato próprio de suas funções esteja individualizado em todas as suas características. Basta apenas que se possa deduzir com clareza qual a classe de atos em troca dos quais se solicita ou se recebe a vantagem indevida – isto é, a natureza do objeto da corrupção.”533

Já Paulo José da COSTA JUNIOR informa: “Isto significa, em primeiro lugar, que o ato de ofício deve ser individualizado, ou, quando menos, ser individualizável. A individualização, todavia, poderá limitar-se ao genérico dos atos, enquanto a individualização do genérico comporta a individualização de todos os atos concretos de ofício que, como espécies, acham-se compreendidos. A individualização poderá ser indireta, no sentido de que o funcionário público se comprometa a cumprir os atos que serão determinados de um modo preestabelecido, quiçá através de manifestações de vontade sucessivas do particular.”534

Por fim alerta VALEIJE ÁLVAREZ: “Por tanto, debe tratarse de un acto concreto, delimitado en su esencia específica e identificado o susceptible de poder ser identificado con cierto grado de certeza, de acuerdo al conjunto de circunstancias concurrentes en el momento del pacto. Desde esta perspectiva, no hay delito de cohecho pasivo propio cuando las dádivas se dan o prometen por actos imprecisos, ambiguos o indeterminados. (…) La determinación del acto puede limitarse al señalamiento de un género, en cuanto la indicación del género implica también la individualización de todos los actos concretos del cargo que como especie comprende.”535

Este parece ser o tom a ser dado à interpretação adequada ao

tipo penal, pois com isso se acaba por (i) dar observância ao tipo legal do

artigo 333, caput, do Código Penal, (ii) atender à proteção do bem jurídico

imparcialidade, uma vez que ao servidor público será dado um objeto ao qual

poderá se comportar de maneira imparcial e (iii) permitir a aplicação da

533 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 477. 534 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 106. 535 VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 202 e 203.

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norma tal qual como desenhada, evitando uma leitura absolutamente estrita e

que impediria, sobremaneira, a sua incidência prática.536

3.4. As modalidades de corrupção ativa e passiva no direito penal brasileiro.

Condutas típicas e possíveis lacunas de punibilidade.

É comum serem classificados os delitos de corrupção, ativa ou

passiva, em próprios ou impróprios, antecedentes ou subsequentes.

Há certamente um equívoco na própria nomenclatura legal, pois

mencionar que a corrupção do funcionário público é sempre passiva significa

olvidar-se do verbo ali incriminado, qual seja a conduta de solicitar. De outro

canto, a classificação como ativa da conduta praticada pelo particular

encontra amparo nos verbos incriminados oferecer ou prometer, porquanto

como visto acima os verbos dar ou entregar não integram tal tipo penal.

Contudo, a partir do acima delineado, tem-se que a corrupção

passiva imprópria em terras brasileiras em nada se relaciona com o ato de

ofício, eis que tal elemento não se encontra disposto no tipo penal do artigo

317 do Código Penal, mas aparece tão-somente no §1º do mesmo artigo. Nos

países onde costumeiramente o legislador pátrio busca suas inspirações ou

influências, está claramente previsto o ato de ofício, sendo ele lícito e regular,

para a tipificação da corrupção passiva imprópria. Já a legislação brasileira

atualmente em vigor permite, ainda que equivocadamente, obter uma

classificação típica propriamente única, ou seja, desvinculada da prática de

um ato de ofício.

Uma decorrência disso é a inexistência de complementariedade

entre os tipos penais de corrupção ativa e passiva, o que deságua em

ausência de segurança jurídica e mais difícil compreensão pelo intérprete,

quanto mais se considerado o cidadão comum e não afeto à matéria jurídica.

A atual conformação típica do Direito penal brasileiro tampouco

distingue as corrupções passivas e ativas próprias e impróprias, tarefa que 536 Bastando-se pensar, para tanto, que o agente corruptor, para ser punido, tivesse que nominar com todos os detalhes o ato a ser praticado, nominando-o e detalhando formas de cometimento, horários, etc.

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fica a cargo da doutrina e da jurisprudência. Olhos postos nas figuras penais

mencionadas, verifica-se que tanto o caput do artigo 317 quanto o caput do

artigo 333 do Código Penal nada mencionam sobre a ilicitude ou ilegalidade

do ato a ser praticado pelo servidor público. O ato de ofício, pelo visto, sequer

está mencionado no artigo 317, caput, do Código Penal.

Portanto, a considerar que a natureza ou ainda o caráter da

contraprestação realizada pelo funcionário público é importante critério para a

estipulação das sanções penais537 aplicáveis, pode-se afirmar que o Brasil

possui legislação sui generis e incorreta no plano dogmático e político-

criminal, pois não observa o princípio da proporcionalidade em suas

formulações penais.

A legislação brasileira reserva uma causa de aumento de pena,

na importância de 1/3 de acréscimo, para as situações em que os subornos

ativo e passivo atingem o seu objetivo, ou seja, quando o funcionário retarda

ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever

funcional. Trata-se de figuras majoradas e que derivam das estruturas

básicas traçadas nas cabeças dos arts. 317 e 333 do Código Penal.

Por fim, as classificações incidentes, sob os adjetivos de

corrupção antecedente e consequente (ou subsequente), também merecem

destaque. Tomando a legislação tal como posta atualmente constata-se que a

lei penal brasileira pune a corrupção passiva em suas vertentes antecedente

e subsequente e a corrupção ativa apenas em sua vertente antecedente.

O artigo 317 do Código Penal faz alusão à conduta do

funcionário público que solicita, aceita promessa ou recebe vantagem

indevida em razão de sua função. Já houve oportunidade de analisar a não

exigência do ato de ofício linhas acima, com o que agora se torna

evidentemente desnecessário. O que há de ser ressaltado aqui é que, se a lei

brasileira não exige a prática de ato de ofício por parte do servidor público,

torna-se despicienda qualquer indagação sobre a incidência de o ato de ofício

– sequer exigido – ocorrer antes ou depois dos verbos presentes no tipo

penal do artigo 317 do Código Penal.

537 SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 402.

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Desta forma, com apoio em diversos posicionamentos

doutrinários pátrios, desde há muito se argumenta sobre a punição da

corrupção passiva em dupla vertente: antecedente e consequente. É no

mínimo curiosa esta classificação, porquanto incide em um sistema normativo

que, ao menos para a corrupção passiva, subsidia-se não no ato de ofício,

mas sim na solicitação, recebimento e aceitação de vantagem indevida em

razão das funções do servidor público. De qualquer forma, realizado ou não

um ato de ofício por parte do servidor público, é inegável que a legislação

pátria pune, de igual forma e rigor, toda e qualquer forma de solicitação,

recebimento ou aceite de propina, independentemente do momento em que

isso ocorra frente à interlocução com o particular.

Quanto ao suborno ativo, justamente por este se vincular ao

oferecimento ou promessa de vantagem de indevida para que um ato de

ofício seja realizado, retardado ou omitido, a lei brasileira criminaliza apenas

a conduta da corrupção antecedente, ou seja, é atípica a conduta do

particular que, após realizado, retardado ou omitido determinado ato de

ofício, ofereça ou prometa ao servidor certa vantagem indevida. Qualquer

interpretação diferente desta, concessa venia, agrediria o princípio da

legalidade, pois o tipo é evidentemente claro neste pormenor.

A partir disso pode-se chegar a algumas conclusões.

A primeira delas é a impropriedade da legislação brasileira atual

se comparados os tipos penais de corrupção passiva e de prevaricação

(artigo 319 do Código Penal). De lege lata, tem-se que o Estado brasileiro

pune de maneira muito mais severa um servidor público que, após ter

realizado um ato legal ou sequer o tenha realizado, solicite vantagem

indevida de um particular do que aquele servidor que, sem ter solicitado

vantagem indevida ao particular, tenha praticado um ato de ofício

contrariamente ao determinado em lei com o simples intento de satisfazer um

interesse ou sentimento pessoal (v.g., o particular atingido pelo ato de

prevaricação ser inimigo declarado do servidor público).

A crítica reside não na desnecessidade de pena ao funcionário

corrupto, mas essencialmente na desproporcionalidade de tratamento pelas

normas em vigor.

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Já como conclusão de lege ferenda quanto ao suborno ativo a

partir da seguinte indagação: deveria o Estado brasileiro, tal como realizou o

Português, em futura reforma, introduzir a corrupção ativa subsequente,

punindo o particular que oferece e entrega vantagem indevida ao funcionário

que já praticou o ato de ofício previsto pela norma penal?

A resposta soaria afirmativa se abolido o critério do ato de ofício,

com o que qualquer entrega de vantagem pelo particular ao servidor público

se tornaria típica. Quanto a isso não se vê dificuldade interpretativa alguma.

A dúvida ficaria se, ainda mantido o tipo penal de corrupção ativa atrelado ao

ato de ofício, deveria ser punido o ato de entrega, promessa ou oferta de

vantagem indevida após realizado o ato de ofício.

A respeito discorre, corretamente, MILITELLO: “Mientras la ofensividad del cohecho se siga fundamentando en la <<compraventa>> de actos oficiales, castigar el particular por haber dado o prometido beneficio indebido a un funcionario público sólo después de que éste – sin previo acuerdo con el otro – haya realizado un acto propio de su competencia (tanto conforme como contrario a sus deberes), significaría castigar un hecho insuficientemente ofensivo.” Un cohecho activo subsiguiente, en sustancia, es un cohecho que mira al pasado: mero reconocimiento o captatio benevolentiae; al menos – es oportuno resaltarlo – en un sistema que centra la ofensividad del cohecho sobre el acto oficial, incapaz de proyectarse sobre la futura conducta (y por ello sobre la imparcialidad y buen funcionamiento) de la Administración pública.”538

Assiste razão ao autor citado, porquanto mantido o ato de ofício

como conditio sine qua non para a criminalização da corrupção ativa, punir o

fato do oferecimento ou proposta de vantagem indevida ter ocorrido

posteriormente à prática daquele significaria, no final das contas, a

simplesmente desconsiderar o ato de ofício como elemento fundante da

criminalização. Tal desconsideração, ademais, não encontraria reflexo na

ofensividade a ser gerada ao bem jurídico <<imparcialidade>>, o que remete

à necessidade de manter como atípica a conduta, isso se o legislador quiser

manter coerência do ordenamento jurídico aos princípios penais mais caros

ao Direito penal.

538 MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 250.

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3.5. O sujeito ativo nos delitos de corrupção ativa e passiva. Especial

atenção ao conceito de funcionário público.

A todo delito corresponde um agente, sendo função da norma

delimitar o sujeito do delito e, assim, o círculo de pessoas a realizar a

conduta delitiva. Tal círculo de atores ativos pode ser genérico, v.g., delito de

homicídio (artigo 121, caput, do Código Penal), como também pode ser

restrito, dependendo da relevância das condutas a serem proscritas pelo

ordenamento jurídico.539

Para a ocorrência do suborno passivo e ativo, dada a

característica de delicta in officio540, nos termos dos arts. 317 e 333, do

Código Penal, fez-se remissão obrigatória ao conceito541 de funcionário

público normatizado no artigo 327 do mesmo diploma legal nos seguintes

termos: “Funcionário público Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.”

Trata-se, sem dúvida alguma, de pressuposto básico para a

análise dos tipos penais de corrupção strictu sensu, cada um à sua

maneira542, inclusive da limitação da intervenção do Direito penal, muito

embora o conceito de funcionário público trazido pela legislação penal já

539 Cf. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 693 e 694. 540 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1524. 541 Nas palavras de Mariângela Gama de Magalhães GOMES tais conceitos seriam as definições legislativas, sendo sua existência justificada a partir de que “diante dos diferentes significados que as palavras podem conter, o legislador opta por esclarecer o exato alcance de norma penal incriminadora.” GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Teoria geral da parte especial do direito penal. São Paulo: Atlas, 2014. p. 128. 542 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 185.

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ensejaria um estudo monográfico próprio, dadas as diversas impropriedades

e dúvidas incidentes sobre o referido dispositivo.

Sendo o suborno passivo um delito classificado como próprio543

em relação ao sujeito ativo, incide necessariamente todo um arcabouço

doutrinário particular e direcionado a elucidar os temas de autoria e

participação. Além disso, como a noção de suborno ativo e passivo é

dependente da conceituação normativa de “funcionário público”, a

interpretação do artigo 327 do Código apõe limites importantes à incidência

da norma penal. Tanto é assim que no direito brasileiro e também nas

legislações estrangeiras há esta preocupação para definir corretamente o

sujeito ativo544 da corrupção passiva e, ao mesmo tempo e definição, quem

são as pessoas a receber as propostas ilícitas por parte do(s) particular(es).

A norma do artigo 327 do Código Penal se divide em duas

perspectivas de conceituação.

A primeira delas está no artigo 327, caput e no seu §1º, primeira

parte, vinculando-se dentro desta perspectiva a noção de pessoas que atuam

na Administração Pública, com o que fica subentendido que exercem função

pública. Já a segunda parte do § 1º amplia a noção de funcionário público

para incluir pessoas que trabalham em empresas contratadas ou conveniadas

para a execução de atividade típica da Administração Pública, de modo que a

consideração passa pela ideia de parceria entre a iniciativa privada e o Poder

Público para desenvolver as atividades típicas deste último.545

Em relação ao caput do artigo em referência, a crítica doutrinária

inicia fazendo menção à adoção – o que revela, mais uma vez, a

desatualização do Código Penal de 1940 – do termo funcionário público,

conceito este já não mais empregado pelo direito administrativo nem mesmo

pela Constituição da República de 1988, eis que esta já menciona

corretamente o termo “agente público” genericamente, conforme o artigo 37,

543 NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 53; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1289. 544 As legislações espanhola, portuguesa e alemã, por exemplo, também trazem definições normativas de funcionário público. Neste sentido: artigo 24, Código Penal espanhol; artigo 386, Código Penal português e §11.2., Código Penal alemão. 545 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 187.

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160

§ 6º, ou ainda faz uso da acepção servidor público, termo muito mais

adequado.546 547

O argumento exposto à saciedade pela doutrina é o de que, no

intuito de assegurar maior âmbito de proteção e tutela à Administração

Pública, a lei penal brasileira acabou por acolher noção extensiva do termo

funcionário público, a ponto de exigir apenas que este exerça, ainda que

transitoriamente e sem remuneração, determinado cargo, emprego ou função

pública.548

Socorro algum à interpretação do termo funcionário público

prestaram as convenções internacionais que o Brasil ratificou em seu direito

interno. Tanto a Convenção Interamericana contra a Corrupção assinada no

marco da OEA (Decreto 4.410/2002549), como a Convenção sobre o Combate

da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações

Comerciais Internacionais (OCDE, Decreto 3.678/2000550) e também a

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU, Decreto

5.687/2006551), reiteraram o uso do termo funcionário público, aqui criticado,

com o que não se soluciona a celeuma.

546 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1467. Vide também PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3, p. 531. 547 Não por outro motivo que o Anteprojeto de Código Penal em seu artigo 282 altere a nomenclatura para servidor público. Infelizmente, contudo, a redação proposta pelo Anteprojeto dá azo às mesmas críticas versadas ao texto atual. 548 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3, p. 530; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1312. 549 Artigo I. Definições. Para os fins desta Convenção, entende-se por: "Função pública" toda atividade, temporária ou permanente, remunerada ou honorária realizada por uma pessoa física em nome do Estado ou a serviço do Estado ou de suas entidades, em qualquer de seus níveis hierárquicos; "Funcionário público", "funcionário de governo" ou "servidor público" qualquer funcionário ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive os que tenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar atividades ou funções em nome do Estado ou a serviço do Estado em qualquer de seus níveis hierárquicos. 550 Artigo 1. (...) 4. Para o propósito da presente Convenção: a) "funcionário público estrangeiro" significa qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, administrativo ou jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça função pública para um país estrangeiro, inclusive para representação ou empresa pública; e qualquer funcionário ou representante de organização pública internacional; 551 Artigo 2. Definições. Aos efeitos da presente Convenção: a) Por "funcionário público" se entenderá: i) toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário, remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo; ii) toda pessoa que desempenhe uma função pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa pública, ou que preste um serviço público, segundo definido na legislação interna do Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte; iii) toda

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161

Pelo contrário, reitera um termo já não mais empregado pelo

Direito administrativo e assim reforça o indevido argumento sempre repetido

de existir no Direito penal a particularidade de amplitude do conceito

daqueles a serem considerados como os agentes corrompidos.

Justamente é sob o manto deste argumento que reside o

problema de aferir o exato conceito de funcionário público sem a devida

reflexão e cuidado552, eis que a “premissa de que o conceito de funcionário

público é mais extenso do que o se servidor público, por exemplo,

proporciona apenas um núcleo mínimo de abrangência do conceito, mas não

lhe fornece quaisquer limites exteriores.”553

A redação do caput do artigo 327 do Código Penal, talvez revele

o que de maior importância exista para a determinação do servidor corrupto,

que é a função pública.554 Embora estejam contidas na redação do caput do

artigo 327 as expressões cargo e emprego, o conceito amplo adotado pelo

Código Penal faz menção à noção de função pública e considera como

funcionário “aquele que exerce um poder de império, autoridade ou

discricionário, por pequeno que seja”555 pois “o conceito está jungido ao de

função pública, isto é, a atividade exercida pelo Estado, para consecução de

seus fins.”556

Por cargo público há de se entender, de acordo com o artigo 3º

da Lei 8.112/90, como o conjunto de atribuições e responsabilidades

previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor,

o que na visão de Marçal JUSTEN FILHO vem exposto como “uma posição

jurídica, utilizada como instrumento de organização da estrutura

pessoa definida como "funcionário público" na legislação interna de um Estado Parte. Não obstante, aos efeitos de algumas medidas específicas incluídas no Capítulo II da presente Convenção, poderá entender-se por "funcionário público" toda pessoa que desempenhe uma função pública ou preste um serviço público segundo definido na legislação interna do Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte; b) Por "funcionário público estrangeiro" se entenderá toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um país estrangeiro, já designado ou empossado; e toda pessoa que exerça uma função pública para um país estrangeiro, inclusive em um organismo público ou uma empresa pública; 552 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 186. 553 QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 186. 554 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1312; QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 188 e 191. 555 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1525. 556 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1525.

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administrativa, criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito

público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral

do Estado e por certas garantias em prol do titular.”557 O gênero cargo público

contém espécies divididas de acordo com a investidura do ocupante, ou seja,

cargos de provimento efetivo e os cargos em comissão, tudo de acordo com o

preconizado pelo artigo 37, inciso II, da Constituição da República.558

Já o termo emprego público se refere à pessoa considerada

empregado público, sendo este o que mantém um vínculo contratual regido

pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)559, via de regra com empresas

públicas ou ainda em sociedades de economia mista.560

Por sua vez o conceito de função, sob a vertente do Direito

administrativo (portanto menos ampla que a lei penal), ao contrário do cargo

e do emprego que possuiriam uma individualidade própria, poderia ser

conceituada a partir de um locus residual, com o que é entendida como o

“conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo ou emprego.”561

No quadro constitucional atual, sob o entendimento do Direito

administrativo, ao se falar em função se atingem duas possibilidades. A

primeira seria a função atinente a determinados servidores públicos

temporários e contratados com fulcro no artigo 37, IX, da Constituição

Federal562. A segunda, por sua vez, abarcaria funções de natureza

permanente e para as quais o legislador não criou o cargo respectivo. Via de

regra, esta segunda espécie de função atinge o exercício de direção,

assessoramento, que remontam à confiança563 e são de livre provimento e

exoneração.564

557 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 908. 558 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 910. 559 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 604. 560 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 884. 561 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 605. 562 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 606. 563 Salutar o alerta de Celso Antonio Bandeira de MELLO: “Estas funções, às quais são atribuídas gratificações, representam na prática do serviço público uma importante válvula para desmandos. (...) Assim, embora se trate de um instituto necessário, deveria ser legislativamente previsto com grande cautela e parcimônia, ao menos quando relativas a funções de assessoramento. Quanto menor o número destas funções, e, também, diga-se de passagem, de cargos em comissão, menores serão as possibilidades de os grupos políticos manipularem a Administração Pública em prol de interesses alheios à seriedade administrativa.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso ..., p. 260. 564 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 606.

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163

Até aqui se ajusta o termo função para o Direito administrativo

com o termo função para o Direito penal dos funcionários públicos. Contudo,

a acepção e amplitude da locução função pública para o Direito penal565 é,

como visto, ainda maior. Isso porque a função pública no sentido jurídico-

penal há de ser conceituada como aquela projetada ao interesse social ou

coletivo e que é realizada por órgãos estatais e paraestatais566 ou ainda

como, a partir de uma noção mista traçada por OLAIZOLA NOGALES e

formada por três elementos: “a) elemento subjetivo: función pública es la llevada a cabo por un ente público; b) elemento objetivo: función pública es la realizada mediante actos sometidos al Derecho público; y c) elemento teleológico: función pública es aquélla en la que se persiguen fines públicos.”567

Mas não é só isso. O conceito de funcionário público do Direito

administrativo (agente público) não irá coincidir com o conceito jurídico-penal

não só pela carga normativa trazida pelo artigo 327 e parágrafos do Código

Penal, mas também pela própria finalidade do Direito penal, in casu e

genericamente, a tutela do funcionamento da administração pública568,

devendo mesmo a descrição normativa de funcionário coincidir com aquele

que tenha uma especial posição em relação com o funcionamento da coisa

pública, ou seja, exerça uma função pública nos termos acima

preconizados.569

Fala-se, portanto, que o Direito penal assume uma conceituação

unitária-funcional do agente público, sendo realmente “o exercício da função

565 Não se trata de conceituar, de maneira minudente, as acepções que esta função pública pode receber, as quais se dividiriam, segundo JAVATO MARTÍN, em quatro correntes: teleológica, objetiva, subjetiva e mista ou eclética. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El concepto de funcionario y autoridad a efectos penales. In: Revista Jurídica de Castilla y León, Castilla y León, n. 23, janeiro de 2011. p. 157. 566 MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal, p. 899. 567 OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 132. 568 “Aos agentes do poder público incumbe manter a orden, a regularidade, a eficiência e a legalidade dos serviços públicos.” FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 402. 569 ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. El tratamiento penal de los delitos contra la administración pública. Palestra promovida no XVII Congreso Latinoamericano, IX Iberoamericano, I Nacional de Derecho Penal y Criminología, organizado pela Universidad Nacional de Guayaquil. Guayaquil, 25 a 28 de outubro de 2005. Disponível em http://www.academia.edu/13819957/EL_TRATAMIENTO_PENAL_DE_LOS_DELITOS_CONTRA_LA_ADMINISTRACI%C3%93N_P%C3%9ABLICA, acesso em 23 de agosto de 2015, às 10h34min, p. 7.

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pública o que caracteriza o funcionário perante o direito penal.”570 E assim é

porque o Direito administrativo mais se preocupa com a incorporação do

agente público às regras de direito público, via de regra de maneira

voluntária, profissional e permanente.

Do contrário, o Direito penal, e assim ocorre em legislações

estrangeiras já referidas (v.g., Espanha e Portugal), leva em consideração o

efetivo exercício da função pública, acima conceituada, deixando de lado

pormenores quanto à organização administrativa, a permanência e o

profissionalismo do agente público.571 Se o Direito administrativo se ocupa da

regulação do status do funcionário, deveres e direitos deste para com a

Administração Pública, o Direito penal, agregando e ampliando a

conceituação administrativa, busca trabalhar com um conceito que oportunize

a proteção da função pública e o correto funcionamento da administração

pública frente a lesões ou a perigo de lesões provenientes de funcionários e

de particulares.572

Há muito teria se manifestado Fernando Henrique Mendes de

ALMEIDA, ao aclarar que “o conceito legal de funcionário dentro do direito

penal positivo é eminentemente ratione materiae e nisto êle se distingue do

conceito formal administrativo, como é bem de ver”, e, rematando, que no

Direito administrativo “o que predomina é qualidade ex-vi legis” enquanto no

traço penal seria de “qualidade ratione materiae”.573

De acordo com a maior parte da doutrina e também da

jurisprudência, o caput do artigo 327 do Código Penal possibilita incluir na

conceituação ampla e unitária-funcional, fundamentada principalmente no

exercício de funções públicas, o Presidente da República, senadores,

deputados, todos aqueles eleitos por sufrágio popular (presidente, senadores,

deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e

vereadores), oficiais do exército brasileiro, prefeitos municipais, servidores da

guarda municipal574, os funcionários nomeados e investidos em seus cargos e

pagos pelos cofres públicos como também os servidores mensalistas, 570 Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 404 e 405. 571 Cf. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El concepto ..., p. 153 e 154. 572 Cf. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El concepto ..., p. 154 e 155. 573 ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes ..., p. 157. 574 STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1526.

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diaristas, contratados a título precário e também aqueles que exercem

serviços públicos sem remuneração, tais como os jurados, mesários, entre

outros575.

No que respeita à primeira parte do §1º, do artigo 327 do Código

Penal, “equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou

função em entidade paraestatal”. Muito embora se pudesse, apenas com

fulcro no artigo 327, caput, captar e incluir como funcionários públicos

pessoas que exerçam funções em entidades paraestatais, tais como

sociedades de economia mista e empresas públicas, o §1º, primeira parte do

mesmo artigo parece outorgar um melhor fundamento.

Assim, com supedâneo na expressão “entidade paraestatal”576 e

conferindo-lhe a qualidade necessária para incluir a administração pública

indireta577 em seu conceito, passou a considerar como funcionário público

equiparado aquele que exerce cargo, emprego ou função em sociedades de

economia mista578, empresas públicas579, autarquias580 e fundações de direito

575 Cf. PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 24. 576 Note-se que o conceito de entidade paraestatal não é unânime e assume, em alguns casos, contornos bem distintos do que está exposto no texto. Afirma Marçal JUSTEN FILHO: “Entidade paraestatal ou serviço social autônomo é uma pessoa jurídica de direito privado criada por lei para, atuando sem submissão à Administração Pública, promover o atendimento a necessidades assistenciais e educacionais de certos setores empresariais ou categorias profissionais, que arcam com sua manutenção mediante contribuições compulsórias.” Curso de Direito Administrativo, p. 325. Os exemplos, segundo este autor, seriam o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Curso de Direito Administrativo, p. 324. 577 Elucida JUSTEN FILHO: “Utiliza-se a expressão ´Administração Indireta´ para referir-se a essa pessoas meramente administrativas. Elas recebem as suas competências de modo indireto, por uma decisão infraconstitucional das pessoas políticas, a quem tais competências foram originalmente distribuídas.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 274. 578 Cujo conceito normativo é o de uma “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou à entidade da Administração Indireta”, muito embora venha a calhar a crítica de Celso Antonio Bandeira de MELLO no sentido de que algumas sociedades de economia mista não assumem caracteres de atividade econômica, mas sim de mera prestação de serviços públicos. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 196 e 197. 579 Na definição de Marçal JUSTEN FILHO tem-se que “empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, assim qualificada por lei e sujeita a regime jurídico diferenciado, cujo capital é de titularidade de uma ou mais pessoas de direito público”. Curso de direito administrativo, p. 305. 580 A autarquia é definida por DI PIETRO como “a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de autoadministração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 501.

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público581 e fundações públicas582. Anote-se que na Lei 8.666/94 (que regula

os contratos administrativos e as licitações) adveio conceito com contornos

mais precisos, pois no seu artigo 84, o termo “entidade paraestatal” veio

complementado pela menção a fundações, empresas públicas, sociedades de

economia mista e demais entidades sob o controle direto ou indireto do Poder

Público.583

A atuação da administração indireta se deve à clara necessidade

de o Estado descentralizar a atividade administrativa, justamente para que

seja realizada de modo a atingir os fins públicos pretendidos, muito embora

possam se revestir de personalidade de direito privado. Exemplifica Celso

Antonio Bandeira de MELLO que as sociedades de economia mista e as

empresas públicas são fundamentalmente instrumento de ação do Estado na

busca de satisfação de interesses que transcendem aos meramente

privados.584

O traço fundamental, portanto, ainda continua sendo a baliza de

que os servidores da administração pública indireta seriam sujeitos ativos dos

delitos de funcionários públicos, em especial da corrupção, pelo argumento

de que desenvolveriam função pública.

A segunda parte do §1º do artigo 327 do Código Penal

menciona, por sua vez, serem também equiparadas a funcionários públicos

aquelas pessoas que trabalhem para empresa prestadora de serviço

contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da

Administração Pública. Ainda que os termos de empresa contratada ou

conveniada sejam, até certo modo, fáceis de compreender, como será visto, a

equiparação depende da definição de atividade típica da administração

pública, o que exige interpretação atenta e cuidadosa. A pergunta feita por

581 Instituídas pelo poder público, por meio de lei específica para a sua criação (artigo 37, inciso XIX, da Constituição Federal de 1988), mantidas por aquele poder e para a consecução de atividades de interesse público. 582 “pessoa jurídica de direito privado, instituída mediante autorização legislativa sob a forma de fundação, para o desempenho de atividades de interesse coletivo, destituídas de cunho econômico, mantida total ou parcialmente com recursos públicos.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 315. 583 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 610. 584 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 198.

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BITENCOURT, e aqui endossada, é: “o que pode ser interpretado como

´atividade típica da Administração Pública´?”585

Um bom ponto de partida é estabelecido a partir das noções de

relacionamento orgânico com a administração pública e do regime jurídico

incidente sobre determinada atividade. Tem-se o vínculo orgânico com a

administração pública a partir da relação de dependência entre a

Administração Pública e a atividade a ser prestada, sendo aquela

responsável para exercer o controle sobre o executor da atividade.

A atividade típica da administração pública é identificada a partir

do regime jurídico incidente, seja de direito público total ou parcial, não

existindo atividade típica da administração pública que se submeta a um

regime exclusivamente de direito privado. Em sentido muito próximo se

manifesta Marçal JUSTEN FILHO586, mas daí fazendo uso do termo serviço

público que, para ser definido, passaria pela conjugação de três aspectos: i)

ângulo material ou objetivo, ou seja, uma atividade de “satisfação de

necessidades individuais ou transindividuais de cunho essencial”587; ii) ângulo

subjetivo, isto é, uma atividade desenvolvida pelo Estado (diretamente ou por

quem este delegue), e, iii) ângulo formal, pois se caracterizaria pela

“aplicação do regime jurídico de direito público.”588

Esta ampliação do conceito de funcionário público adveio a partir

de reforma legislativa instituída no ano de 2000 e buscou reconhecer que

outros agentes, a partir da necessidade e efetivação da descentralização das

atividades administrativas, podem exercer atividades de natureza pública e,

com isso, lesionar ou colocar em perigo a administração pública.

Veja-se que não se trata apenas de pessoas que exerçam

atividade em determinada empresa, mas sim que esta empresa seja

contratada ou conveniada para o exercício da então classificada atividade

típica da administração pública. Deste modo, exsurgem os conceitos de

contratação e convênio entre a Administração Pública e a iniciativa privada,

fruto da já elencada necessidade de descentralizar a administração pública

585 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 150. 586 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731. 587 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731. 588 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731.

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em face da complexidade da sociedade atual e, ao mesmo tempo,

possibilitam a ampliação da eficácia na utilização dos recursos econômicos e

na prestação dos serviços públicos, objetivando maior qualidade e menor

custo.589

Trata-se, mais precisamente, da delegação de atividades

administrativas realizadas que o Código Penal resolveu nominar como

contratação e convênio. O contrato administrativo para a realização de

atividades específicas da administração típica sói ser classificado como

contrato administrativo em sentido estrito, cujas espécies são os contratos de

delegação e os de colaboração.590

De maneira mais direta, tem-se que a contratação de uma

empresa particular para a prestação de uma atividade típica da administração

pública se dá por meio do contrato de concessão, sendo “um contrato

plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a

prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a

um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos

usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante

remuneração extraída do empreendimento.”591

Já o convênio se reveste da natureza jurídica de um acordo ou

ajuste entre o Poder Público e demais entidades de natureza pública ou

privada e que têm como objetivo a realização dos anseios de mútuo

interesse, pressupondo, igualmente, a recíproca colaboração entre os

convenentes e conveniados.592 Do ponto de vista normativo estrito, o termo

convênio está previsto no artigo 116 da Lei 8.666/93593, mas de acordo com o

589 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 757. 590 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 467. 591 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 759. 592 Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 352. 593 Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. § 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III - etapas ou fases de execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V - cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas; VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a

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correto posicionamento de DI PIETRO, o convênio estritamente considerado

entre entidades públicas e privadas “não é possível como forma de delegação

de serviços públicos, mas como modalidade de fomento”594, pois “o convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular, porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do ajuste; na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos.”595

A função pública é exercida de maneira centralizada e

descentralizada pelo Estado, por isso a conveniência de ser adotada a

definição de funcionário público tanto para as hipóteses em que estes figurem

como sujeitos ativos como quanto para as hipóteses que figurarem como

sujeitos passivos do delito596. Se assim não fosse incidiria indevida lacuna de

punibilidade, pois o particular que oferecesse vantagem indevida a

funcionário, v.g., da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), para

que este deixasse de multar determinada operadora de telefonia, cometeria

aquele conduta atípica, quando na verdade tem-se um claro supedâneo

dogmático e político-criminal para puni-lo por corrupção ativa.

Dessarte, afigura-se não só necessário como absolutamente

relevante que o legislador penal adote um conceito próprio de funcionário

público. Se não com esta nomenclatura, podendo num futuro ser inclusive

alterado (como pretende o Anteprojeto de Código Penal597) para servidor

público, mas desde que seja um conceito particular e próprio do Direito penal,

execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador. 594 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 354 595 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 354. 596 No mesmo sentido RASSI, João Daniel. Administração pública na acepção orgânica e o conceito penal de funcionário público – contributo para o estudo do art. 327 do Código Penal Brasileiro. In: Crimes contra a administração pública: aspectos polêmicos. Marcelo Xavier de Freitas Crespo (coordenação). São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 27 e 31. 597 Servidor público. Art. 282. Considera-se servidor público quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo. § 1º Equipara-se a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em autarquia, empresa pública e sociedade de economia mista e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública ou dos Poderes Legislativo e Judiciário. § 2º Equipara-se também a servidor público o responsável de organização da sociedade civil ou não-governamental, no manejo de recursos públicos. § 3º O conceito de servidor público aplica-se tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo dos crimes.

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170

porquanto há clara distinção entre os objetivos perseguidos pelo Direito penal

e pelo Direito administrativo.

Já a título conclusivo pode-se afirmar:

a) ao Direito penal interessa precipuamente a proteção do

correto exercício da função pública e, no delito de corrupção, a proteção da

imparcialidade de tal exercício, de modo que a definição penal de funcionário

público será sempre mais correta quando se ativer aos fins buscados pelo

Direito penal, o que certamente não ocorreria caso o conceito ficasse atrelado

ao formalismo do Direito administrativo598; desse modo, assiste razão a

OLAIZOLA NOGALES599 ao afirmar que o círculo de autores do delito de

suborno passivo se dá não por ostentarem o status de funcionários, mas sim

porque exercem determinada função pública e neste exercício podem

perturbar a imparcialidade inerente a ela;

b) correto o posicionamento de Luiz Régis PRADO, Érika

Mendes de CARVALHO e Gisele Mende de CARVALHO ao mencionarem que

“esse conceito amplo de funcionário público decorre da própria concepção

mais abrangente de Administração Pública enquanto bem jurídico penal que,

(...), não se restringe apenas à função administrativa realizada pelo estado,

mas abarca a atividade estatal como um todo”600;

c) o conceito normativo brasileiro descrito no artigo 327 do

Código Penal igualmente revela uma adoção ampla da função pública cuja

imparcialidade se quer proteger, sendo, no caso, a função pública em sentido

estrito ampliada para a noção de “gestão da coisa pública” em sentido

amplo601;

d) este conceito realmente funcional de funcionário público acaba

por aumentar o rol de sujeitos ativos, atores centrais da imputação penal602,

598 Cf. VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Los delitos contra la administración pública. Santiago de Compostela, Universidade de Santiago de Compostela, Servicio de Publicación e Intercambio Científico, 2003. p. 341. 599 Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 168. 600 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 1388. 601 Cf. VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Los delitos ..., p. 342. 602 Cf. ALBERTO DONNA, Edgardo. El concepto dogmático de funcionario público en el código penal. In: Sistemas penales iberoamericanos. Libro Homenaje al Profesor Dr. D. Enrique Bacigalupo en su 65 Aniversario. Manuel Jaén Vallejo (diretor). Lima: ARA Editores, 2003. p. 1083.

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171

exatamente por se relacionarem de maneira íntima e indissociável com o bem

jurídico <<imparcialidade da função pública>> e dos atos praticados a partir

dela e, assim, possuem direitos e deveres não impostos aos particulares;

e) sem que isso revele o desconhecimento da razão de ser do

tipo funcional de suborno passivo (e a impossibilidade de dupla punição pelo

mesmo fato) e adotando as noções de SPENA603 e MILITELLO604 quanto às

estruturas estáticas e dinâmicas dos delitos ora em análise, realmente não há

como concordar que o desvalor das ações e dos resultados605 de corromper

ou se deixar corromper realizadas pelo servidor público seja o mesmo

imposto ao particular, pois diverso o trato com o mesmo bem jurídico

<<imparcialidade>>, tornando plenamente possível reforma penal suficiente a

impor mais gravosas sanções ao funcionário do que ao particular.

3.6. A vantagem indevida como elemento dos tipos penais de corrupção ativa e passiva.

3.6.1. Conceito e tomada de posição.

Tanto na figura do suborno ativo quanto do suborno passivo está

presente a expressão vantagem indevida. Parece existir certo consenso em

torno da locução vantagem indevida no sentido de qualificá-la como toda e

qualquer vantagem contrária ao direito606, ou melhor, toda e qualquer

603 Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 192 a 208. Muito embora este autor utilize as duas estruturas a fim de explicar diferenças entre os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais de suborno ativo e suborno passivo, neste momento as estruturas são aplicadas a fim de realçar que a função pública desenvolvida pelo funcionário já está regulada por uma série de normas a que este funcionário deve obedecer, diferentemente do particular que recebe unicamente o controle penal de atos contra a administração pública. Não apenas pelo duplo descumprimento (penal e administrativo), mas especialmente pela inobservância de princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais de índole administrativa a que o servidor, via de regra, está exposto, o descumprimento destas pelo servidor público, salvo outro juízo, exige que a responsabilização criminal seja fixada em parâmetros diversos. 604 Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión ... p. 249 e 250. 605 A respeito, vide, por exemplo, ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 318 a 326 e BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 316 e 317. 606 Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 1349; NUCCI, Guilherme de Souza, Código penal comentado, p. 1289;

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vantagem a que o funcionário público não faz jus para ou por exercer sua

função, ainda que a vantagem indevida possa beneficiar terceiro e não

diretamente o servidor público.

Assim é, pois, na figura de corrupção passiva se tipifica a

conduta de solicitar ou receber, para si ou para outrem vantagem indevida, ou

aceitar promessa de vantagem dessa ordem. Já na corrupção ativa se

criminaliza a conduta de oferecer ou prometer vantagem indevida a

funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de

ofício.

A lei brasileira não estipula a obrigatória patrimonialidade da

vantagem, muito embora seja esta a característica mais comum das

vantagens oferecidas e recebidas. Nesta toada parece ser segura a noção

trazida por COSTA JUNIOR e PAGLIARO: “Vantagem é um quid apto a acrescentar, para um indivíduo, a possibilidade de satisfazer uma necessidade humana qualquer, isto é, fazer cessar uma sensação dolorosa ou causar uma sensação agradável. Posto que a lei não distingue, a vantagem poderá ser patrimonial ou não patrimonial. A vantagem poderá ser representada por uma coisa (dinheiro, títulos, joias), mas pode também consistir num bem imaterial (uma fórmula química ou matemática, uma promoção, uma condecoração). (...) Descendo à exemplificação, configuram “vantagens” não só presentes de coisas, como mútuos, descontos, dilações no pagamento, recuperação de um crédito, remissão de um débito, bilhetes de loteria, uso gratuito ou semigratuito de uma habitação, seguros de vida, pensão, emprego, missões, promoções, licenças, transferências desejadas, ocupações colaterais retribuídas, títulos, condecorações, um bom matrimônio.”607

Conclusiva, pois, pode ser a afirmação de que o Direito penal

brasileiro adotou corretamente posicionamento imaterial-subjetivo608 sobre a

qualidade da vantagem indevida. Do ponto de vista normativo a disposição

legal se torna mais abrangente a ponto de político-criminalmente atingir

situações não precipuamente econômicas, quiçá em menor grau, que também

podem tornar-se o motivo por que o servidor público seja convidado a se

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. p. 114; STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes ..., p. 1469. 607 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 85 e 86. No mesmo sentido vide FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 439; WUNDERLICH, Alexandre. Dos crimes ..., p. 54; NUCCI, Guilherme de Souza, Código penal comentado, p. 1289; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. p. 114. 608 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 134.

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corromper ou ainda se tornem o móvel de conduta corruptiva que parte de si

mesmo.609

Ainda a respeito do aspecto qualitativo da vantagem indevida

oferecida pelo particular ou buscada pelo servidor público, quando não em

circunstâncias bilaterais bem comuns na prática forense, o que deve ser

avaliado perante a legislação brasileira é a aptidão de a vantagem indevida

proporcionar eventual ou concreta atuação parcial e direcionada pelo servidor

ou, nas palavras de RODRÍGUEZ PUERTA, “tenga capacidad para excluir la

obligación del funcionario de actuar de forma imparcial”.610 Um rápido

exemplo: seria atípica a conduta de um funcionário do Instituto Brasileiro de

Meio Ambiente (IBAMA) que deixa de multar determinado empresário

mediante a solicitação de que este empresário, influente política e

economicamente, faça uma série de ligações telefônicas a fim de remover o

filho do aludido funcionário do interior para a capital do Estado, de modo que

o filho não necessite aguardar a natural progressão na carreira de, por

exemplo, fiscal da receita estadual?

Note-se que a vantagem é indevida, não beneficia diretamente o

corrupto e sim seu familiar e não ostenta diretamente natureza econômica,

mas ainda assim é suficiente para demover o fiscal ambiental de realizar a

regular notificação do empresário. Na linha do já afirmado acima, certas

amplitudes da norma penal merecem a credibilidade do intérprete em razão

de, sem prejudicar pressupostos básicos de garantia e legalidade,

proporcionar a real abrangência das condutas típicas, muitas delas pouco

cartesianas ou enquadráveis nos exemplos clássicos e perfeitos da literatura

penal.

Com absoluta propriedade, neste sentido, aponta KINDHÄUSER: “La corrupción, requiere, por tanto, que la ventaja no sea útil para la actuación funcional en cuestión. Por el contrario, la ventaja debe, más bien, ir en contra del interés en el correcto ejercicio de la actuación funcionarial. Esencial para la corrupción es, entonces, una incompatibilidad entre el interés que el encargado tiene que cautelar en virtud de su especial posición de deber, y el interés al que se vincula por la aceptación de la ventaja.”611

609 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 144. 610 RODRÍGUEZ PUERTA, M. José. El delito …, p. 191. 611 KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos ..., p. 06.

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174

Dentro desta noção de incompatibilidade de interesses é que o

termo “para si ou para outrem” visa evitar indesejável lacuna de punibilidade,

vez que, do contrário, ao agente corrupto estaria aberta a justificativa de que

a vantagem não se teria destinado a ele, mas sim a terceiro. Mas não é só. A

tônica do tipo penal – e consequente tutela do bem jurídico – é a de impedir

que o recebimento, solicitação ou aceitação de promessas de vantagens

indevidas, ainda que destinadas a terceiros, sejam o móvel de uma atuação

parcial – e porquanto indevida – do servidor público. Em termos bem diretos:

a vantagem indevida, seja para si, seja para terceiro, colocaria em risco a

imparcialidade do servidor público.

Não só o qualitativo, mas também o aspecto quantitativo da

vantagem indevida exerce papel preponderante para a interpretação da

tipicidade dos delitos de suborno ativo e passivo, em especial a interpretação

dos limites de imputação da norma penal.

Conforme ora exposto, vê-se que à quantidade da vantagem

indevida se outorgam papéis diferenciados se considerado o bem jurídico

imparcialidade, as condutas e os seus sujeitos ativos.

Quanto ao cidadão comum, sujeito ativo do delito de suborno

ativo, a quantidade/valor da “propina” por ele oferecida ao servidor pode e

deve ser analisada já sobre um prisma objetivo de criação (ou não) de um

risco ao bem jurídico imparcialidade, justamente para se afastar a aplicação

de pena para situações de mínima idoneidade da vantagem indevida.612

Não se trata de retirar o caráter de perigo abstrato do delito de

suborno ativo, mas sim de utilizar critérios para situações-limite em que

nenhum risco seja gerado ao bem jurídico imparcialidade, ou porque a

quantia, desde um ponto de vista médio-ideal613, seja insuficiente para

motivar a atuação regular ou irregular do servidor público, ou porque se

vislumbre uma absoluta impropriedade do meio empregado, que também

ocasionará igual insucesso.614

612 Cf. RODRÍGUEZ PUERTA, Ma. José, El delito …, p. 201. 613 Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito ..., p. 364. 614 Eis a decisão jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo inserida no Código Penal Comentado de Guilherme de Souza NUCCI: “Embora delito unissubsistente e formal, a aperfeiçoar-se com o simples oferecimento ou promessa de vantagem indevida, a corrupção ativa reclama seja essa oferta ou promessa, além de certa, factível em relação ao

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Assim é que se podem enquadrar de maneira mais adequada,

por exemplo, os presentes e recordações de final de ano concedidos por

determinado particular a servidores públicos. Pense-se em garrafas de

espumante. Salvo outro juízo, não há como tornar atípica tal oferta desta

vantagem indevida de cunho econômico a partir do critério da insignificância,

eis que para isso seria necessário avaliar o quão insignificante teria sido

lesionada ou colocada em perigo a imparcialidade dos servidores, prova,

como se sabe, impossível, quando não permeada de incerteza e insegurança.

Eis o posicionamento de Pierpaolo Cruz BOTTINI: “Diante disso, o tipo de perigo abstrato somente será completo, sob uma perspectiva objetiva, diante de um juízo de periculosidade que permita afirmar a existência concreta de riscos para os bens jurídicos protegidos, realizado sob uma perspectiva ex ante que agregue elementos ontológicos e nomológicos sobre os cursos causais passíveis de afetar os interesses tutelados. Desta forma, a ausência de periculosidade afetará a tipicidade e retirará do âmbito de incidência da norma penal o comportamento valorado.”615 Ao contrário dos critérios de insignificância ou de adequação

social, tem-se na verdade a não geração de perigo ao bem jurídico, sendo o

caso de averiguar se há idoneidade na vantagem oferecida a partir da

perspectiva do bem jurídico. Claro que o aspecto subjetivo também conta em

diversas situações associadas à irrelevância ou diminuta quantia da

vantagem oferecida. Neste aspecto não se trata de normalidade social, uma

adequação das condutas aos usos e costumes, mas que pequenas

gratificações não possuem o intento de comprar o ato funcional, mas apenas

demonstrar apreço, educação e reconhecimento por serviços inclusive na sua

maior parte já prestados.616

Frente ao exposto, e relembrando que os delitos de suborno não

estão construídos sob a base de impedir ganhos econômicos espúrios, mas

sim sobre a base de resguardo da imparcialidade do servidor público, o valor

e a quantia da propina são apenas relevantes desde que a priori se consiga

agente e idônea de molde a agredir a consciência do funcionário“ (hipótese de foragido de presídio, de aspecto esquálido, que, preso de madrugada, foi colocado na cela, oferecendo ao delegado elevada soma para ser libertado, sem que a autoridade desse a menor atenção ao fato).” (Apelação 314.877-3, São Paulo, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Gonçalves Nogueira, 19.12.2000, v.u., JUBI 57/01). NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1290. 615 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 231. 616 Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 161.

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visualizar na oferta ou promessa de suborno algo suficiente a manejar um

atuar hipoteticamente parcial do funcionário.617

No que toca às condutas incriminadas pelo tipo penal de suborno

passivo no direito brasileiro alguns detalhes podem ser descritos. A respeito

da qualidade da vantagem indevida valem as mesmas observações postas

acima acerca da desnecessidade de valoração ou conteúdo econômico, nada

mudando a natureza da indevida vantagem exigida para a conformação do

tipo penal de suborno ativo. Da mesma forma para as condutas de receber ou

de aceitar promessa de vantagem servem as ponderações anteriores

mencionadas, contudo com algumas ressalvas.

Já na leitura da norma penal brasileira de suborno passivo, mais

especificamente a sua modalidade “solicitar”, a partir da construção normativa

alicerçada em torno de uma vertente patrimonialista de corrupção, ou seja,

desvinculada de um ato de ofício, resume-se na proibição de qualquer

solicitação formalizada pelo servidor público, desde que indevida a vantagem.

Concorde-se ou não com a regra brasileira nesta modalidade, a norma

informa ser típica a conduta do agente que solicita a vantagem em razão de

sua função, criando, em caráter superlativo (e indevido), oportunidade à

incidência da proibição penal.

A solicitação torna-se típica apenas e tão-somente a partir da

contextualização como indevida e independentemente da quantia/valor,

justamente em razão da ausência de um critério para aferir eventual

atipicidade da conduta, critério este que residiria no ato de ofício.

O posicionamento adotado a respeito da conduta “solicitar” vem

reforçado pela dificuldade de se adotar qualquer filtro interpretativo a partir

das noções de adequação social ou ainda de insignificância, justamente pela

impossível acoplagem de uma realidade à outra: seria adequado socialmente

que o servidor público, em razão de sua vantagem, solicitasse vantagem

indevida, ainda que mínima, a determinado particular? O servidor que solicita

R$ 50,00 de um particular pelo simples fato de ostentar a qualidade de

servidor público restaria impune porquanto insignificante o valor por ele

solicitado? 617 Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 401.

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Certamente que os princípios consagrados no artigo 37 da

Constituição da República denotam que não, tornando diminuta, quando não

inviável, a aplicação de critérios de imputação que limitem a incidência da

norma penal, no caso a adequação social618 e o princípio da insignificância619.

Não parece adequado socialmente que o servidor público solicite vantagens

que a ele não incumbam. A insignificância, por sua vez, não há de ser tomada

com fulcro na quantia ou qualidade da vantagem, mas sim na possibilidade

de as funções do servidor público virem a ser impregnadas de parcialidade

(daí a natureza de delito de perigo abstrato). Ínfima lesão ao bem jurídico, na

esteira dos ensinamentos de ROXIN620, não se coaduna com o bem jurídico

imparcialidade, ao menos na imparcialidade considerada a partir do verbo

“solicitar” previsto no artigo 317 do Código Penal.

A solicitação direta de vantagens indevidas pelo servidor ao

particular em diversas ocasiões poderá soar como quase uma obrigação do

particular em ceder ao pedido, pois, do contrário, poderá ficar “marcado” pelo

funcionário em situações futuras em que precisará da atenção e até da

compreensão do servidor.

De qualquer forma, algum critério há de ser posto para evitar um

malsinado automatismo para a consideração dos delitos de suborno, valendo

ressaltar que ao servidor público a questão é ainda mais delicada, vez que a

ele se pune, ainda que desproporcionalmente, o recebimento de vantagem

em razão de suas funções e não por ter praticado ou não ter praticado

determinado ato de ofício. O advogado que, no corredor do Fórum, convida o

Juiz da causa por mero ato de educação a tomar um café expresso, não

responderia por corrupção ativa, eis que não buscava qualquer prática de ato

de ofício; já o Juiz, sendo o café pago pelo advogado, salvo algum critério

mais adequado para se interpretar a vantagem indevida, responderia por

corrupção passiva, porquanto o recebimento da vantagem (café expresso)

ofertada pelo advogado partiu em razão da função pública exercida.

618 Cf. PRADO, PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 123 a 126; GRECO, Rogério. Código penal ..., p. 04 e 05; 619 Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 127 a 129. 620 ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 292 a 297.

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178

Por mais modesto que seja o exemplo ora utilizado, tem ele o

condão de colaborar para a exigência de critério interpretativo relacionado ao

bem jurídico e, dessarte, em ressaltar que o delito de suborno não ostenta

seu desvalor na natureza ou quantidade da vantagem indevida recebida e/ou

entregue, mas sim no objeto de tutela que é a imparcialidade do servidor

público.

A legislação portuguesa avançou neste ponto e optou por

normatizar o princípio da adequação social na reforma produzida no ano de

2010, fazendo-o incidir, por óbvio, apenas no tipo penal de recebimento

indevido de vantagem (sem vinculação a ato de ofício621 determinado e, muito

menos, que este ato de ofício seja ilícito). Vejamos: “Artigo 372º. Recebimento indevido de vantagem 1. O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. 2. Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias. 3. Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.”

De outro modo se encaixam as condutas de receber e aceitar a

promessa de vantagem indevida, haja vista que o início delitivo, conforme os

próprios verbos demonstram, parte do particular e não do servidor público.

Não se quer adentrar em elementos de natureza subjetiva, na intenção ou

não de os agentes, corruptor e corrupto, mediante a troca de vantagens

indevidas, realizarem subjetivamente a corrupção, uma vez que há meios

para que a fixação dos critérios permaneça na antessala objetiva do

problema.

621 A respeito do sistema português ponderam MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO: “Excluem-se das vantagens indevidas as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes: ex., lembranças de natal que se mandam entregar; um ramo de flores em dia de aniversário. Não podem ter a aparência de venalidade. (...) Vem aliás na nossa tradição a atipicidade de certo tipo de benesses sem qualquer relação direta com atos praticados no exercício das funções desde que de valor simbólico.” MIGUEZ GARCIA, M.; CASTELA RIO; J. M. Código ..., p. 1234 e 1235.

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De maneira objetiva, ao invés de se realizar um exercício mental

de quase futurologia, isso nos casos ainda não levados a efeito, ou ainda de

regressão psíquica naqueles já efetivados, há de se pensar numa

compatibilidade ou incompatibilidade entre os interesses que o servidor

público há de proteger e os interesses a que se vinculará na hipótese de

aceitação ou recebimento da vantagem indevida.622

A partir deste raciocínio se abre a possibilidade de incidência do

princípio da adequação social para a interpretação tal como asseverado

acima, matiz interpretativo que acabou sendo inserido na legislação

portuguesa.

Por fim, cumpre salientar que os códigos de conduta ética dos

servidores municipais, estaduais e federais não deixam de figurar também

como relevantes vetores de interpretação, em especial sobre o que poderia

ser considerado adequado socialmente. Neste caso a ausência de

responsabilização criminal se daria também a partir da subsidiariedade do

Direito penal, pois não cabe ao Direito penal proibir aquilo que outras regras

jurídicas acabam por permitir.

Vejam-se alguns exemplos.

Diz o artigo 9º do Código de Conduta da Alta Administração

Federal aprovado em 21 de agosto de 2000: Art. 9o É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade. Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que: I - não tenham valor comercial; ou II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).”

Já o Decreto 43.385/2004 que dispõe sobre o Código de

Conduta Ética do Servidor Público e da Alta Administração Estadual do

Estado de Minas Gerais, precisamente em seu artigo 6º, inciso VIII, reza que

é vedado ao servidor público “aceitar presentes, benefícios ou vantagens de

terceiros, salvo brindes que não tenham valor comercial ou que, sendo

distribuídos a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por 622 KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos …, p. 6.

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ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o

valor de um salário mínimo”.

Estes critérios se apresentam ainda mais interessantes se

relembrado que a legislação brasileira pune o mero recebimento ou aceitação

de vantagens indevidas por parte do servidor público, independentemente da

prática ou não de ato de ofício. Dessarte, ao tempo em que o valor da

“propina” não foi estipulado para acima do previsto nos códigos de ética que

incidem sobre cada servidor, ao menos tais valores criam valorosas barreiras

à incidência da norma penal que, associadas ao princípio da adequação

social, permitiriam a separação dos fatos a sofrerem a responsabilização de

natureza criminal.

E, realmente por fim, deve ser levada em consideração a

provável relação entre quantidade ou valor da vantagem indevida e o ato

praticado, pois quanto maior a ilicitude do ato623, maior a vantagem requerida,

com o que novamente se vê o ato de ofício como elemento fundante da figura

base de corrupção e que contribui para um tipo penal de interpretação mais

segura e alheia a subjetivismos. Não deixa de ser verdadeira também a

conclusão de que quanto maior o benefício econômico gerado ao particular a

partir do ato, maior também a vantagem passível de solicitação por parte do

funcionário público.

Como conclusões parciais se teriam:

(i) para o direito brasileiro a vantagem indevida não

necessariamente precisa ter cunho econômico;

(ii) nos casos de corrupção ativa o valor/quantia da vantagem

indevida deve ser analisada a respeito de sua idoneidade para corromper, ou

seja, para oferecer um perigo à imparcialidade do servidor, sendo idêntico o

raciocínio a ser empregado nas hipóteses de corrupção passiva bilateral

(receber ou aceitar promessa da vantagem oferecida ou prometida pelo

particular com alusão a um específico ato de ofício);

623 Que nos dizeres de REISMAN se enquadriam nos subornos de variação, estes comumente detentores da característica de se buscar a suspensão ou a não aplicação de uma norma. Conclui o autor: “Hasta donde la ley es vista como una técnica para asegurar una pauta autorizada de producción y distribución de valores en una comunidad, el soborno de variación frustra la técnica para los que están dotados de poder y riqueza, y es llevado a cabo por ellos.” REISMAN, W. Michael. Remedios …, p. 153.

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(iii) nos casos de corrupção passiva unilateral, ante a ausência

de expressão menção ao ato de ofício, a solução do direito português, no

sentido de normatizar a exclusão da tipicidade em casos de adequação

social, transparece suficiente e indicada para o direito brasileiro, porquanto,

embora vaga, fornece possibilidades seguras de não imposição de pena em

alguns casos.

3.7. As penas cominadas aos delitos de corrupção ativa e passiva. Natureza e quantidades.

É fato que a corrupção, independentemente de sua vertente ativa

ou passiva, não se insere na criminalidade responsável por preencher as

vagas do sistema penitenciário e o imaginário da sociedade a respeito dos

delitos merecedores da pena privativa de liberdade. Justamente por isso, e

por outros fatores de índole política e econômica, pode-se passar a ideia de

relativa tolerância estatal nas esferas legislativa e judicial.624

Contudo, a respeito das consequências jurídicas do delito a

serem impostas às práticas de suborno há de se pensar, seja sob a ótica da

legislação vigente ou, ainda, da legislação vindoura, sobre a adequação625

das medidas adotadas justamente para que as penas possam cumprir a sua

função. Tratar nesta sede acerca das funções626 da pena seria tarefa

indevida, à beira do impossível e, inclusive, inadequada. Imprescindível,

contudo, se partir de uma premissa e a premissa aqui adotada é a da

correlação bem jurídico <<imparcialidade>> e consequências jurídicas do 624 Cf. REBOLLO VARGAS, Rafael; CASAS HERVILLA, Jordi. El proceso penal y la investigación de la delincuencia económica. In: La delincuencia económica: prevenir y sancionar. Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 359. 625 Cf. QUERALT, Joan J. Reflexiones ..., p. 20. 626 A respeito vide obrigatoriamente NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 6ª ed. Rio de Janeiro: 2014; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena. São Paulo: Manole, 2004; MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000; PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral e especial. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015; BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015; ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Madrid: Civitas, 1997; HASSEMER, Winfried. Por qué y con qué fin se aplican las penas? In: Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de la imputación el derecho penal. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 1999.

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delito. Acima já teria sido ponderado que a finalidade do Direito penal, o que

no caso reflete inclusive na finalidade e no fundamento da existência dos

tipos penais de suborno, é a proteção de determinados bens jurídicos. Deste

modo, a função da pena deve ser a mesma, ou seja, proporcionar, tanto no

modelo hipotético traçado pela norma quanto em casos práticos, o necessário

auxílio à proteção da imparcialidade do servidor público.

Neste sentido opina BUSATO: “A proteção seletiva de bens jurídicos é a forma de controle social das situações intoleráveis. Este é reconhecido pela doutrina como o fundamento, a justificativa, a razão de existir do direito penal. Ora, se esse é o móvel e o filtro da dogmática jurídico-penal, deve ser também da consequência de sua aplicação. Ou seja, a missão do Direito penal deve obrigatoriamente coincidir com a missão da pena. Se as normas penais se estabelecem, de regra, através de preceitos e sanções, e o conteúdo dos primeiros é que determina o sistema de imputação, até por uma questão de coerência interna da própria norma, deve haver coincidência entre os fundamentos da pena e do Direito penal.”627

Ainda como premissa, há de serem inseridas formas pelas quais

o Estado possa realizar a proteção eficaz do bem jurídico, com a evidência de

que esta eficácia há de estar condicionada aos direitos e garantias628 do

imputado como cidadão. Dessarte, ainda que se concorde que a missão da

pena é mesmo tutelar o bem jurídico <<imparcialidade>>, as formas pelas

quais este abrigo será exercido se dará pela proibição das condutas e

consequente previsão de sanções e demais consequências penais

obrigatoriamente aptas a auxiliar no controle do intolerável.

Com isso, e de maneira a dar melhor fundamento ao controle

social do intolerável, as sanções preconizadas à corrupção só servirão se

forem adequadas a uma correta responsabilização pelo fato cometido, bem

como contenham elementos suficientes a demover futuros atos de corrupção,

627 BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 2ª ed., p. 809. Este autor pondera que qualquer outra finalidade, como “o sentido de castigo da retribuição, a ideia de cura expressa na ressocialização, a ameaça coercitiva e a motivação à norma são impressões provocadas como efeito da atuação no sentido de preservação do controle social.” Direito penal, 2ª ed., p. 809. 628 A noção de eficácia é assumida por ROIG como “atributo da tarefa judicial de aplicação que logra reduzir ao máximo os danos que a habilitação do poder punitivo causa ao sentenciado – e consequentemente à própria coletividade.” (…) “…, eficaz é, pois, não apenas a lei penal ou a pena, mas a própria atividade sancionatória que cumpre seu dever jurídico-constitucional de minimização da afetação do indivíduo.” ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Aplicação da pena: limites, princípios e novos parâmetros. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 100.

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características que somente serão desenvolvidas se compreendidas as

práticas delitivas em sua inteireza: o bem jurídico tutelado, a ofensividade da

corrupção e a estrutura típico-criminosa. Aliás, na senda corruptiva não há

como não dar crédito à finalidade preventiva da consequência penal, quanto

mais se considerados os aspectos criminológicos que circundam o autor

desta natureza de delitos.629

O que há de se buscar no sistema penal, portanto, é o aumento

da capacidade de rendimento das consequências penais impostas aos

autores dos delitos de suborno como parte do sistema direcionado à tutela do

bem jurídico, o que não necessariamente passa pelo recrudescimento630 das

sanções penais atualmente em vigor, mas sim pela estrita observância de

diversos princípios penais de garantia, entre eles o princípio da

proporcionalidade.

Neste panorama é de se recordar que a estrutura de aplicação

de consequências jurídicas do delito no direito brasileiro se ancora

precipuamente na pena privativa de liberdade. A sanção corporal está

disposta na maioria das normas penais mensurada em uma quantidade

máxima e mínima, o regime de cumprimento de pena é formatado a partir da

quantidade de pena privativa de liberdade recebida pelo agente e a

substituição da pena corporal por restritivas de direitos se baseia na

quantidade da pena privativa de liberdade. Ademais, diversos benefícios

penais são concedidos tendo em conta a pena privativa de liberdade

cominada ou ainda aplicada em concreto, o lapso e forma de contagem da

prescrição dependem da quantidade de pena privativa de liberdade prevista

em lei, entre tantas outras questões. Tudo isso para não mencionar a pena 629 A respeito vide BLANCO CORDERO, Isidoro. La corrupción desde una perspectiva criminológica: un estudio de sus causas desde las teorías de las actividades rutinarias y de la elección racional. In: Serta. In Memorian Alessandro Baratta. Fernando Pérez Álvarez (ed.). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2004; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Corrupção: uma análise criminológica. In: Direito penal como crítica da pena. Estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º Aniversário em 2 de setembro de 2012. Luis Greco e Antonio Martins (organizadores). São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 603 a 615. 630 Em que pese a assertiva ter sido direcionada especificamente à corrupção eleitoral, as palavras de PONTE merece destaque: “Combater a corrupção eleitoral significa, pois, não apenas recrudescer a lei penal, mas adotar uma série de medidas que guardem compromisso com o modelo exigido por um Estado Democrático de Direito. A mera exasperação da lei penal traduz medida simplista, aliada, invariavelmente, à ausência de políticas de segurança pública e a práticas clientelistas.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes ..., p. 169.

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privativa de liberdade em si mesma considerada, uma vez que possui papel

relevante na proibição da corrupção strictu sensu em solo brasileiro.

Em relação à pretensa tolerância estatal tem-se que realmente

não passa de ilusão, até porque a quantidade de pena cominada aos delitos

de corrupção ativa e passiva é de 02 a 12 anos de reclusão, podendo ainda

ser majorada em caso de efetiva prática e/ou omissão de ato de ofício que

infrinja o determinado pelas normas aplicáveis à espécie.

Frente ao exposto, o bem jurídico <<imparcialidade do servidor

público>> conta com arsenal suficiente no tocante à quantidade de pena

privativa de liberdade, valendo relembrar que a real intimidação do agente

delitivo se dá não por eventual quantidade de pena cominada ao delito e sim

a partir da menor ou maior probabilidade de ele ver-se realmente processado

e punido.631

Diante da pena privativa de liberdade cominada às práticas

corruptivas diversas, as críticas são vertidas a partir do filtro da

proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, é possível se concluir pela

inexistência de proporcionalidade entre a gravidade da sanção penal e a

gravidade do delito. Num segundo passo, também se dessume a inexistência

de proporcionalidade entre as próprias figuras delitivas, porquanto se comina

a mesma pena para a corrupção de prática lícita de ato de ofício e para a

prática ilícita da mesma natureza de ato.

No atinente à gravidade da sanção penal, é consabido que na

atividade estatal impera o dever de proteção de bens jurídicos, entre eles a

imparcialidade referida inúmeras vezes, como também a proteção de direitos

individuais, in casu, a liberdade. Adotam-se aqui as ponderações de SARLET

para identificar que o Estado, muitas vezes no afã de concretizar seu dever

de proteção de bens jurídicos, acaba afetando desproporcionalmente direitos

fundamentais, inclusive daqueles que possam estar sendo processados

criminalmente. Diz o mencionado autor: “Essa hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais que, nessa perspectiva, atuam

631 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad organizada y sistema de derecho penal. Contribución a la determinación del injusto penal de organización criminal. Granada: Comares, 2009. p. 15.

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como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto, de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio da proporcionalidade atua, neste plano, (o da proibição de excesso), como um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais (...).”632

Numa simples comparação com outros tipos penais funcionais,

por exemplo, o peculato, (artigo 312 do Código Penal) ou a concussão (artigo

316 do Código Penal), verifica-se que a gravidade da sanção cominada aos

delitos de corrupção é muito próxima, senão idêntica, muito embora os tipos

corruptivos se revelem crimes de perigo, o que fatalmente conduziria à

fixação de pena em caráter menor se comparado a delitos de resultado, como

o peculato. Numa leitura mais ampla também se denota que, comparado com

outros delitos de perigo e que tutelam bens jurídicos supraindividuais

igualmente caros à sociedade brasileira, v.g., o delito de poluição, também

assim a quantidade de pena fixada à corrupção é exacerbada. O que dizer,

então, da pena cominada ao tipo de corrupção ativa e passiva se comparado

ao tipo penal de concussão, cujo máximo de pena privativa de liberdade é 04

anos menor do que o máximo cominado à corrupção.

O desproporcional resultado, como não poderia ser diferente, é

catastrófico. Afronta-se o princípio constitucional reitor da República

brasileira, que é a dignidade do ser humano, tal como pondera BOTTINI: “O exagero, a violência excessiva, o exacerbamento de segurança social, acabam por mitigá-lo, vez que se constata plasticamente que o próprio Poder Público afronta expressamente a dignidade daqueles submetidos a seu controle. Do contrário, a aplicação da pena com respeito à autonomia, com escopo de oferecer novas oportunidades de convívio social, acaba por restabelecer a sensação de estabilidade, de respeito aos valores mesmo diante daquele que afetou bens tutelados pelo direito penal.”633

Passando por alto da idoneidade e da necessidade de pena,

inclusive privativa de liberdade, às ocorrências que revelem

comprovadamente os atos de corrupção, é realmente o princípio da

proporcionalidade em sentido estrito o ambiente de tensão, este revelador da

632 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In: Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. 2a ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 209 e 210. 633 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O princípio da proporcionalidade na produção legislativa brasileira e seu controle judicial. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 85, julho/agosto de 2010, p. 273.

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impropriedade da quantidade de pena contida nas normas brasileiras. Assim,

qual seria a proporção adequada de sanção privativa de liberdade a ser

cominada aos fatos corruptivos? A resposta, como visto, passa pelo filtro do

bem jurídico tutelado e da finalidade penal de controlar o socialmente

intolerável, contudo, este empreendimento há de ser feito mediante sensível

diminuição da quantidade de pena hoje cominada.

Salvo entendimentos contrários, a ofensividade da corrupção

ativa e passiva assim como o bem jurídico que se pretende tutelar não só

propiciam a diminuição da resposta penal privativa de liberdade como

também possibilitam o aumento de novas espécies de pena, conforme se

demonstrará abaixo. Por ora fica anotado o benefício de se respeitar a

subsidiariedade do encarceramento, o que certamente significa privilegiar a

dignidade do jurisdicionado, sem que, com isso, se abra espaço para a

impunidade. A pena privativa de liberdade há de ficar restrita a casos graves,

em especial para aqueles em que a atividade particular e pública tenha

atingido âmbitos especiais de ilicitude, hoje presentes nas figuras majoradas

de corrupção ativa e passiva, observados os demais detalhes do caso

concreto.

Assim é que a proporcionalidade abstrata634 precisa figurar como

norte legislativo a fim de que a pena não se torne um peso excessivo em

detrimento de um benefício inferior. Na atual legislação brasileira ocorre

justamente este quadro concreto, isto é, sob os auspícios da tutela da

imparcialidade do servidor público estão fixadas penas mais graves do que o

necessário, revelando, no mais das vezes, descompasso entre delito e

sanção.

Sequer se pode falar que a pena privativa de liberdade abaixo de

08 anos é inócua, porquanto tal raciocínio revelaria a crença de que o

aprisionamento em regime semiaberto se equipara ao aberto ou, mais, que

significaria nada aplicar ao condenado. Em um sentido mais direto: pura

634 A respeito vide AGUADO CORREA, Teresa. El principio de proporcionalidad en derecho penal. Madrid: Edersa, 1999. p. 283 e seguintes e NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 210 e 211.

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manifestação de sanha persecutório-punitiva, com resquícios de

inconstitucionalidade e de Direito penal simbólico.

Concretamente analisada a legislação brasileira, muito embora

não seja uma situação incidente apenas nos delitos de corrupção ativa e

passiva, é fato que o intervalo entre os limites mínimo e máximo da pena

privativa de liberdade existente em tais delitos acaba por prejudicar a real

compreensão e gravidade do desvalor da ação incidente sobre os atos

corruptivos. Trata-se de imagem não concatenada com a realidade, pois

muito embora a pena máxima seja de 12 anos de reclusão, e neste patamar

reservada a atos sensivelmente graves de corrupção ativa e passiva –

quando não necessariamente presente a agravante da reincidência, pois sem

esta dificilmente se atingirá esse patamar – é evidente que a pena será

imposta a partir de 02 anos e apenas em casos mais graves será fixada em

patamar superior a 04 anos.

Como visto acima, é apenas maior a probabilidade de a pena

superar 04 anos de reclusão em casos em que efetivamente a corrupção

ativa e passiva envolvam de fato a prática indevida de ato de ofício ou ainda

a sua omissão ou atraso proposital, redundando naquilo que se compreende

por corrupção ativa e passiva próprias.

Eis aí um grande inconveniente e que deveria ser alterado635 em

futura legislação penal, porquanto prejudica a real compreensão da resposta

penal brasileira. Ora, não é correto que o Estado-juiz tenha os mesmos

parâmetros para o estabelecimento de sanções para atos de corrupção

diametralmente opostos, a saber: oferecer vantagem indevida a funcionário

público para praticar um ato de ofício devido e regular não pode nem deve ter

a mesma pena (ainda que no plano hipotético) do ato de oferecer vantagem

indevida para a prática de atos irregulares e, por si só, contrários à

legislação.

Idêntico comentário pode ser direcionado à corrupção passiva e

por meio do seguinte exemplo: o oficial de justiça “A” que solicita vantagem

indevida para realizar a citação de determinada parte em processo judicial 635 Esta alteração, contudo, não está prevista sequer no Projeto de Código Penal (Projeto de Lei n. 236/2012 do Senado Federal). Neste projeto o artigo 276 mantém o equívoco acima retratado, deixando de graduar as sanções a partir de suas notórias diferenças.

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está sujeito à mesma pena do oficial de justiça “B” que solicita vantagem

indevida para deixar de citar determinada parte em processo judicial.

Evidentemente que há saída prática, qual seja a ponderação dos vetores do

artigo 59 do Código Penal, mais precisamente no vetor “motivos” ou ainda no

vetor “circunstâncias”, devendo o Julgador fixar penas distintas para os

exemplos acima ventilados.636

Contudo, muito embora a tarefa de criminalização secundária

possa preencher e resolver os problemas e deficiências hoje existentes, é o

caso de se reconhecer que a atividade de criminalização primária possui

importância absolutamente relevante para distinguir, do ponto de vista da

sanção penal abstratamente cominada, situações cujo desvalor devem ser (e

são) notoriamente distintos.

Relegar apenas ao momento de fixação da pena a distinção

entre corrupção para ato lícito e corrupção para ato ilícito é menosprezar as

funções do princípio da legalidade em suas acepções de estrita taxatividade.

E mais. É desconhecer que a colocação em perigo do bem jurídico tutelado

(imparcialidade do servidor público) há de merecer um plus de reprovação

nas hipóteses em que o objetivo da corrupção é a prática de atos de ofícios

de maneira irregular (contra legem ou mesmo a abstenção de sua prática).

Assim, a diferença quantitativa de pena entre a corrupção própria

e corrupção imprópria, passivas ou ativas, não se baseia em critérios

adequados de reprovação, pois deixa um severo e indesejado hiato ante a

falta de escalonamento de corrupção imprópria para ato lícito e corrupção

imprópria para ato ilícito (ou sua abstenção).637

636 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 50. 637 No tocante à fixação da pena críticas são lançadas à política da denominada “pena mínima”, ainda que a partir de premissas diversas. A respeito vide o posicionamento de NUCCI: “Há muitos anos temos estudado e constatado o fenômeno generalizado no Judiciário brasileiro no tocante à denominada política da pena mínima. Não há cabimento para se manter a pena dos réus, em geral, no mínimo legal, quando se deve seguir, fielmente, o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5.º, XLVI, da CF/1988). A pena padronizada é avessa à Constituição Federal, devendo ser evitada e combatida. Não se quer, com isso, defender equívoco inverso, consistente numa política da pena máxima. Pretende-se sustentar a política da pena justa, perfeitamente ajustada ao mandamento constitucional da individualização da pena. Para tanto, todos os elementos constantes do Código Penal, para firmar a pena concreta, necessitam ser utilizados pelo julgador. Desde a detalhada avaliação das circunstâncias judiciais, previstas no art. 59, passando por todas as agravantes e atenuantes (arts. 61 a 66), até chegar às causas de aumento e diminuição da pena, todas as etapas merecem acurada análise no momento da condenação. Sem dúvida,

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Para além de um efeito intimidador (prevenção geral negativa)

que a norma penal há de cumprir perante a sociedade, pode-se indagar qual

o efeito efetivamente atingido pela pena privativa de liberdade em delitos

deste jaez. Deixando de lado qualquer finalidade retributiva – muito embora

prevista na lei penal brasileira, de impor um mal em resposta a determinado

malfeito realizado pelo agente corrupto –, transparece que a pena privativa de

liberdade não pode ser a única, sob pena de não desestimular servidores

públicos e os particulares propensos à realização dos crimes de suborno.

É evidente que o cerceamento de liberdade ocupa lugar

relevante como alerta ao agente corrupto (que ainda não realizou o crime),

disso não há dúvida. RODRÍGUEZ PUERTA chancela este entendimento: “La opción preferible, si se quieren respetar los principios esenciales del derecho penal sin bagatelizar estos delitos, es la de mantener la pena de prisión moderada pero cierta, respetuosa con el principio de proporcionalidad y capaz de desplegar efectos preventivos, disuasorios. Se trataría de incorporar, o mantener, penas de prisión de baja intensidad pero alta frecuencia en su imposición.”638

Porém, como o cerceamento de liberdade não pode servir

apenas como ameaça e, uma vez cominado, sim há de ser aplicado nos

casos concretos. A partir daí é que surgem inúmeras dúvidas a respeito do

efeito da privação de liberdade sobre o agente descoberto e efetivamente

aplausos merecem os magistrados que deixaram o comodismo da pena mínima, cuja fundamentação era igualmente esquecida, passando a adotar o raciocínio lógico para fixar a pena concreta, na exata medida do merecimento de cada réu.” NUCCI, Guilherme de Souza. O princípio constitucional da individualização da pena e sua aplicação concreta pelo STF no caso Mensalão. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 933, julho de 2013. p. 246. Em outro vértice surge o ponderado por ROIG: “Trata-se, enfim, de um processo de desconstrução do dogma da “pena mínima”, presente na concreção dos preceitos secundários dos tipos penais e que representa a essência do dever jurídico-constitucional de redução da intensidade da afetação individual. Parte desse processo deve-se à direta associação entre o quantum penal e a satisfação das idealizadas finalidades de prevenção e reprovação. Nesse aspecto, crê-se que a injunção da pena mínima importa em retribuição insuficiente ou em deficitária prevenção de delitos, percepção esta tendente ao progressivo agravamento do tratamento penal. Parcela significativa deste processo também se deve à “apropriação da pena” por parte de alguns aplicadores.” ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Aplicação ..., p. 263. 638 RODRÍGUEZ PUERTA, María José. Modelos de prevención y sanción de la delincuencia económica. Perspectiva comparada. In: La delincuencia económica: prevenir y sancionar. Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 385. Favorável à utilização da pena privativa de liberdade para casos de delinquência econômica, os argumentos utilizados por Joan BAUCELLS LLADÓS podem ser trasladados para a corrupção. Neste sentido vide BAUCELLS LLADÓS, Joan. Sistema de penas para la delincuencia económica en derecho español. In: La delincuencia económica: prevenir y sancionar. Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 400 e 401.

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julgado. Que papel ocupa e desempenha esta privação de liberdade sobre o

agente? A tal ressocialização, para além de sobejamente criticada639, não há

de ser buscada neste caso, porquanto devidamente socializado o agente

está. Via de regra trata-se de pessoa, seja o particular ou o servidor público,

bem relacionada, devidamente inserida no meio em que vive, que não revela

perigo iminente à sociedade, não pratica delitos com violência ou grave

ameaça (do ponto de vista físico-corporal do termo), com o que a pena

privativa de liberdade, se unicamente considerada e aplicada, perde

credibilidade e não supera as expectativas nela depositadas.

Dito isso, e sob o prisma de que à grande soma das práticas

corruptivas dificilmente serão aplicadas penas privativas de liberdade acima

de 04 anos, denota-se que as penas restritivas de direitos assumem papel

importantíssimo. E, dentre as possibilidades que estão à mão do julgador

brasileiro (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de

serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de

direitos e limitação de fim de semana), certamente se destacam as penas de

afetação de cunho pecuniário640 como também aquelas que interditam

temporariamente direitos do condenado.

Em sendo a vantagem indevida o preço da corrupção, o motivo

que possibilita a compra da função do servidor por parte do funcionário

público, notoriamente se verifica ser o delito de suborno vinculado a questões

de índole financeira e econômica. Caso o objetivo da corrupção ativa (e daí a

vantagem indevida nela envolvida aparecer incluída como mero <<custo do

negócio ilícito>>) não seja necessariamente de índole econômica, v.g., a

obtenção indevida de uma autorização do Poder Público para o zoneamento

e comercialização de lotes de terra, que sói ser muito comum, ao menos há

de se vislumbrar na obtenção da vantagem indevida por parte do servidor

639 As críticas podem ser conferidas em MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena, p. 76 a 86; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena, p. 86 a 90; ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 85 a 89; HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005. p. 376 a 385. 640 Cf. SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 185.

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público um motivo claramente econômico e que o motiva à tomada de

decisões parciais, quando não parciais e ilícitas.

As penas substitutivas de interdição temporária de direitos

também assumem especial relevância.

No tocante ao servidor público, condenado pelo delito de

corrupção passiva, é verdade que tais penas substitutivas não assumem

tamanha importância, uma vez que a consequência acessória prevista no

artigo 91 do Código Penal, vai além da mera proibição temporal. Com isso

não se exclui a possibilidade de o magistrado fixar a pena substitutiva de

proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública futura (no lapso

temporal a ser cumprido de condenação) bem como, com fulcro no artigo 91

do Código Penal, igualmente determinar a perda do cargo, função pública ou

mandato eletivo.

Já em relação ao particular, atingido por condenação alusiva ao

delito de corrupção ativa, acredita-se que as penas de interdição de direitos

(em especial a contida no inciso II do artigo 47 do Código Penal, qual seja a

proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de

habilitação especial, de licença ou autorização do poder público) cumprem

papel absolutamente relevante, porquanto sobrelevam diversos aspectos da

pena, a considerar a prevenção geral e a prevenção especial. Quanto a

última determinada proibição de direitos incidiria diretamente sobre o agente

corruptor e em favor da sociedade, sem os percalços da pena privativa de

liberdade, mas cumprindo o seu papel de controle social daquilo que o Estado

de Direito não há de tolerar.641

Neste pormenor (restrição de direitos do cidadão como sanção

de natureza penal) transparece que o Direito penal está relativamente

atrasado se comparado ao Direito administrativo. Isso porque desde 1992,

vigora a lei de improbidade administrativa que prevê, entre outras penas, a

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou

incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazo

variável e que pode chegar, em situações-limite, até dez anos. 641 BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte geral. 1ª ed., p. 810.

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Eis aí um regramento até mais severo do que o previsto nas

penas substitutivas para o Direito penal atual, mas com capacidade de

rendimento muito maior, porquanto atinge direta e individualmente o

sentenciado, quando não se associa de maneira bem clara a relação sanção

versus bem jurídico protegido.

No mesmo sentido, os efeitos de prevenção geral negativa são

atingidos sem o ônus desnecessário da obrigatória privação de liberdade, até

porque um raciocínio bastante comum é o de que o sentenciado à pena

privativa de liberdade, justamente por estar preso, ao menos naquele período

em que encarcerado, não mais poderia cometer o delito pelo qual foi

condenado, o que na verdade, em tantas situações, não passa de uma ilusão.

Possivelmente um defeito de todo o sistema de execução de

pena brasileiro seja a ausência de um rígido acompanhamento daqueles

submetidos às penas restritivas de direito. Particularmente, em relação à

corrupção esta desatenção merece ser revista, até para abrir mão da pena

privativa de liberdade (sempre que isso for viável e justo ao caso concreto)

sem se perder a efetividade da sanção penal.

Associada à pena corporal está a pena de multa, esta

parametrizada pelos moldes presentes no Código Penal, isto é, de 10 a 360

dias-multa, fruto da apreensão do desvalor da ação e do resultado da prática

corrupta e que, assim, deverá amoldar-se de modo paralelo à pena privativa

de liberdade. Já o valor do dia-multa há de ser fixado de acordo com a

capacidade econômica do condenado. Toda esta equação (número de dias

multa x valor do dia multa) poderá ainda ser aumentada em até 03 vezes, se

o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, a pena de

multa ainda que aplicada no patamar máximo, é ineficaz.

Cientes de que o número de dias-multa é medido pelo conteúdo

do injusto e pela culpabilidade da ação cometida642, não há inconveniente

algum em se aumentar o número abstrato de dias-multa cominado aos delitos

de suborno, seja pela característica de busca de vantagens econômicas com

a corrupção, pela natureza dos agentes corruptos e corruptores, seja ainda

pelo especial caráter preventivo geral e especial desta natureza de pena 642 Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 512.

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patrimonial, de certa forma pouco dessocializante643. Muito embora este

aumento tenha ocorrido, v.g., na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), sem que

esta tenha perdido a severidade das normas privativas de liberdade, vê-se

que o legislador já se desatrelou, ao menos em uma oportunidade, das

amarras do Código Penal quanto à fixação da pena de multa.

Este binômio pena privativa de liberdade versus pena de multa

passa, desafortunadamente, a ideia de serem as únicas ferramentas à

repressão e prevenção dos delitos de corrupção ativa e passiva.

A bem da verdade são sim as penas em sentido estrito ou, ainda,

as consequências jurídicas do delito em sentido imediato. Contudo, não há de

se olvidar que o Código Penal possui ferramental adicional, e deveras

importante, para a imposição de sanções adequadas à realidade corruptiva.

Está-se falando mais precisamente das consequências jurídicas acessórias

do delito e que a lei penal brasileira classifica como efeitos genéricos e

específicos da condenação.

No que importa à realidade da corrupção, tem-se como efeitos da

condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime

(artigo 91, I, do Código Penal); a perda em favor da União do produto do

crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo

agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, II, letra b); a perda de

cargo, função pública ou mandato eletivo (artigo 92, I, do Código Penal),

valendo salientar que a perda do cargo, função ou mandato eletivo não é um

efeito automático da sentença, mas que demanda fundamentação própria

para tanto.

A pena de multa, a obrigação de indenizar os danos causados a

partir das práticas de corrupção e a perda dos produtos e proveitos do crime

possuem inerente proximidade com a decretação de medidas assecuratórias

reais, o sequestro e o arresto de bens, a serem expostos em outro momento

deste estudo (subcapítulos 4.1. e 4.2.). Fica apenas o registro de que as

medidas de política criminal de natureza processual acompanham pari passu,

justamente para dar efetividade à sanção penal, as categorias de Direito

penal substantivo acima mencionadas. 643 Cf. BUSATO, Paulo. Direito penal, p. 838.

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Para finalizar, as consequências jurídico-penais, principais e

acessórias, devem primar pela efetividade, justeza e inteligência, atentando

para a realidade da corrupção como fato social a ser prevenido e, no caso,

sancionado. Assim é que as restrições outras que não a prisão, ou seja, as

restrições patrimoniais e funcionais (laborais) transparecem como mais

adequadas para o rendimento pretendido, atingindo em cheio aspectos do

cometimento dos delitos de suborno, desde que devidamente controladas e

aferido o seu cumprimento pelos órgãos de execução.

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4. MEDIDAS DE POLÍTICA CRIMINAL PARA O ENFRENTAMENTO DA

CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA.

4.1. As medidas cautelares pessoais.

Os institutos e normas processuais penais ostentam importante

função no enfrentamento das práticas corruptivas. Ao contrário de uma estrita

separação entre Direito penal e Direito processual penal, a melhor leitura é a

de perfeita associação dos âmbitos normativos, até porque indissociáveis.

Com extrema felicidade resumiu HASSEMER: “A posição do sistema jurídico-penal situa-se no campo do controle social, o sistema jurídico-penal é uma das suas partes. Ele tem os mesmos elementos estruturais que os outros âmbitos do controle social: norma, sanção, processo. A norma define a conduta desviante como criminosa, a sanção é a reação ligada ao desvio, o processo é o prolongamento da norma e da sanção à realidade.”644

A partir desta noção de processo como “prolongamento da

norma e da sanção à realidade”, também o processo penal deve servir como

instrumento, justo e atrelado às garantias fundamentais, para que se

desenvolva a tutela da imparcialidade funcional do servidor público.

Obviamente que o apresentado neste tópico é um <<recorte dentro de um

recorte>>, pois o pretendido é tão-somente averiguar o papel e efetividade

das cautelares pessoais, nomeadamente a prisão preventiva, como parte do

sistema jurídico-penal.

Certamente a restrição provisória da liberdade de determinado

implicado em delitos de suborno é um dos mais sublimes momentos da

intervenção judicial sobre um assunto que não é unicamente jurídico. Quer

dizer, a corrupção como fenômeno resvala – abertamente para o público –

para o campo jurídico e, por conseguinte, para o jurídico-criminal, muito

embora sua gênese seja de natureza política e de interesses parasitários

inseridos no tecido social.645

644 HASSEMER, Winfried. Introdução ..., p. 415. 645 Cf. ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Corrupción…, p. 186.

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Obviamente que a intervenção judicial, por meio das regras

processuais, não se dá unicamente por meio de medidas cautelares reais e

pessoais, sendo o seu espectro de atuação muito mais complexo e dinâmico:

autorização de produção de provas ainda em sede investigatória

(nomeadamente as costumeiras quebras de sigilo bancário, fiscal e

telefônico), recebimento da acusação formalizada pelo Ministério Público,

instrução do feito e toda uma série de atos judiciais bem conhecidos daqueles

que militam na seara criminal.

Contudo, como mencionado acima, a restrição da liberdade do

implicado no processo judicial, e aqui especificamente do implicado por

delitos de corrupção ativa e passiva e de sua restrição de liberdade antes de

transitada em julgado a sentença condenatória, é momento e providência

emblemática, para além de excepcional, cujos efeitos simbólicos e práticos

são absolutamente notórios.

Ora, em sendo o momento atual um tempo de liminaridade, para

citar as palavras de D´ÁVILA, tempo em que as mudanças sociais,

econômicas, jurídicas e políticas assumem um caráter incomum de

transformação, acaso feito um recorte sobre o tema e isolada a questão das

medidas cautelares pessoais incidentes sobre delitos de corrupção, observa-

se a característica de um “esgotamento do paradigma passado”646, mas sem

se conseguir “perceber com clareza o modelo que começa a surgir”647.

Decerto que o processo penal cunhado em 1941 (Decreto-lei n.

3689/1941) não foi pensado para o momento atual, sequer aquela sociedade

detinha a preocupação tal como ocorre agora sobre as ocorrências e os

efeitos da corrupção. Muito embora as regras de encarceramento provisório

tenham sofrido recente reforma (Lei 12.403/2011), estas alterações, ao

menos no que respeita à prisão preventiva para delitos de corrupção, foram

de pouca monta.648

Pouco se pode esperar do Direito penal e do processo penal no

combate à corrupção. Esta afirmação é forte em suas palavras e em seu 646 D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66. 647 D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66. 648 A partir do momento em que os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal permaneceram inalterados, a possibilidade de conversão da prisão preventiva em medidas cautelares diversas surgiu.

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sentido, com o que parece ser de impossível refutação. Normas penais e

processuais penais sempre chegam tarde649, após o fato consumado, sendo

este que vai a julgamento. Não se desconhece que a norma essencialmente

penal possui claro intento preventivo geral, mas na prática o tipo penal atinge

condutas já realizadas, atos dos corruptores e dos corrompidos já levados a

efeito e que deste modo merecem ir a julgamento. Por outro lado, a

possibilidade normativa de ser encarcerado, ainda que as minúcias das

regras processuais possam não ser conhecidas a fundo pelos corruptos e

corruptores, faz com que estes ao menos possam repensar, antes da prática

dos atos, o risco de suas atividades futuras.

Tudo isso considerado e reconhecido, o Direito penal e o

processo penal possuem relevante papel, mas certamente residual, neste

combate e nesta “luta”, agora abertos e declarados contra a corrupção.

Portanto, o ponto de inflexão é justamente reafirmar que as

regras processuais atinentes à prisão preventiva, atualmente em vigor, são

harmônicas e propiciam ao processo penal ser eficaz650, ou seja, que

proporcionem decisões justas em tempo razoável e mediante o respeito aos

direitos fundamentais, ainda que a cautelaridade processual incida sobre

macro processos que, a rigor, contam com influência política e econômica.

Esta harmonia, contudo, só é possível se respeitada a

independência do julgador e, por este, realizada a adequada interpretação e

aplicação das normas vigentes.

Ora, as normas penais e processuais penais ao cuidarem da

atividade de persecução criminal da corrupção, fato delituoso grave e com

efeitos deletérios sobre a sociedade e a economia, cuja intensidade varia

caso a caso. Esta atividade, como se sabe, apenas pode ser exercida pelo

Poder Judiciário, por claro mandamento constitucional.

A atividade jurisdicional, portanto, é de suma importância e não

pode ser substituída por nenhuma outra, até porque outras instâncias e

formas de controle já atuam (atuaram) antes da atividade judicial e possuem

objetivos distintos, como visto, até mais de cunho preventivo do que 649 Cf. QUERALT, Joan J. Reflexiones ..., p. 31. 650 Cf. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição de insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 180.

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repressivo. Para afirmar o óbvio, não há como sujeitar determinado cidadão a

uma pena, pela prática do delito de corrupção, sem que isso se origine por

meio de um processo judicial democrático, com observância de todas as

garantias previstas na Constituição e nos tratados internacionais dos quais o

Brasil é signatário.

Este processo judicial democrático é comandado por um

julgador, cuja independência e imparcialidade precisam ser ferrenhamente

defendidas e garantidas, sob pena de o processo judicial ostentar várias

características, menos a de democrático, com o que não atenderá aos

ditames constitucionais e perderá completamente a sua legitimidade.

Apenas o Poder Judiciário pode sujeitar determinada pessoa a

um processo judicial e apenas o processo judicial pode sujeitar esta mesma

pessoa a uma pena no sentido estrito-penal do termo, seja ela privativa de

liberdade ou não. O silogismo é realmente direto. Os delitos de corrupção

ativa e passiva não apenas estão inseridos no Código Penal como delitos,

mas estão inseridos como delitos em razão da necessidade de tutela da

imparcialidade do servidor público no desenvolvimento de suas atividades

funcionais. Cometido o delito, este precisa ser averiguado por instâncias

investigativas, procedimentais e de julgamento, cujo controle das garantias

processuais, das regras do jogo e a possibilidade de fixação de pena são do

Poder Judiciário e, em última instância, do julgador de determinado caso

penal.

Portanto, apenas se garantida a independência do Poder

Judiciário é que se garantirá um livre e justo julgamento de todo e qualquer

delito. No caso da corrupção, a garantia desta independência merece maior

relevo, uma vez que o poder político e econômico possui meios eficazes –

que certamente foram e serão futuramente utilizados – de retirar a

independência do Poder Judiciário de maneira a favorecer os implicados.

Quanto mais grave o fato de corrupção processado, maior a pressão que

sofrerá o julgador e maior deverá ser a garantia de sua independência

funcional, dos atos judiciais a serem praticados e do respeito a seu livre

convencimento sofre os fatos objeto de julgamento. Esta mesma

independência do Poder Judiciário tende a ser sufragada pelos meios de

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comunicação651 que, por sua vez, inundam o imaginário da sociedade,

transformando muitas vezes os fatos em maiores e mais graves do que

realmente são. Inúmeros são os eventos tendentes a retirar a imparcialidade

e a independência do Poder Judiciário e atuam tanto para favorecer a posição

jurídica do imputado quanto para prejudicá-la.

Assim é que a imparcialidade da administração pública, como

bem jurídico, apenas pode ser adequadamente assegurada pelo processo

penal se ao condutor do processo seja garantida a imparcialidade e a

independência.

O segundo aspecto versa diretamente sobre o arcabouço de

medidas cautelares pessoais que podem atingir a liberdade de determinado

envolvido em corrupção ativa ou passiva, a partir da decretação da prisão em

flagrante delito ou da prisão preventiva. Note-se que a prisão temporária,

prevista na Lei 7.960/89, não prevê o delito de suborno dentre aqueles que

ensejam a sua decretação que, na verdade, se assemelha à odiosa prisão

para averiguação, cujo prazo de cinco dias de prisão se torna automático,

quando não é raro vislumbrar o acusado preso por cinco dias sem que

nenhum ato investigativo adicional tenha sido feito pela Autoridade Policial

além da busca e apreensão e da prisão. Este, todavia, não é o objeto da

questão, nem tampouco o é a discussão, sempre interessante, do flagrante652

preparado e do flagrante esperado, o que ensejaria discussões a respeito da

entrega, oferta e recebimento da vantagem indevida – pactuada ou não –

entre corruptor ativo e passivo.

Na verdade, a discussão das medidas cautelares pessoais, ao

menos nesta sede, resume-se aos fatores dogmáticos, político-criminais e

fáticos sobre a prisão preventiva e uma possível releitura de seus requisitos.

Dessarte, dentro da inarredável necessidade de privilegiar a

independência judicial, está aqui incluída a liberdade e a conveniência de

decretar a prisão preventiva de quem quer que seja. Contudo, tal liberdade é

651 Cf. BACIGALUPO, Enrique. Corrupción política y proceso penal. In: Teoría y práctica del derecho penal. Tomo II. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 1343 e 1344. 652 A respeito vide obrigatoriamente NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 66 a 68.

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uma liberdade mitigada653, porquanto, além de plena atenção aos fatos

trazidos ao conhecimento do magistrado, este está adstrito às regras

processuais que, salvo outro juízo, possuem limites bem claros e evidentes.

Diante do discurso favorável à utilização desmedida das medidas

processuais, capazes de segregar preventivamente todo e qualquer acusado

de corrupção, como se realmente a solução penal imediata e sem processo

fosse a tão sonhada resposta definitiva sobre o tema, corroboram as palavras

de NUCCI: “Embora a corrupção constitua um delito grave, a prisão provisória

do acusado não pode ser decretada automaticamente. Há de se buscar a

existência dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.”654

E a busca da essência dos requisitos do artigo 312 do Código de

Processo Penal passa, de maneira vinculante, pela exata compreensão da

natureza cautelar da prisão preventiva. Ao contrário do que leigos e não-

leigos possam advogar, a prisão preventiva possui natureza unicamente

cautelar655 e cujo fim único é de tutelar o andamento processual retilíneo e

sem interferências de terceiros. Bem alerta OLIVEIRA: “Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro, na proteção do ofendido, e, depois na garantia da qualidade probatória, a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução criminal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade da fase de investigação e do processo.”656

No mesmo sentido aduz BADARÓ: “Muitas vezes no curso do processo o fato tempo – ou melhor, a demora para que se obtenha o provimento final, faz com que seja necessária alguma medida para assegurar a utilidade e eficácia desse futuro provimento, quando vier a ser proferido. Assim, as medidas cautelares surgem como um instrumento que assegura o provimento final. No entanto, como normalmente a instrução ainda não está concluída, não se pode decidir com base em um juízo fundado em cognição profunda e exauriente. Decide-se, então, não com a certeza, isto é, concluindo pela existência ou não do delito, mas de acordo com um juízo de probabilidade, decorrente do fumus commissi delicti, de que ao final será aplicado o direito de punir, por meio de uma sentença penal condenatória. Em suma, a condenação é a hipótese mais provável. Nesse sentido que se fala de uma instrumentalidade hipotética. Ou seja, a medida

653 Cf. GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 382. 654 NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 41 e 42. 655 Cf. DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 198. 656 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 550.

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cautelar será um instrumento para assegurar o resultado de uma hipotética condenação.”657

Dessarte, os requisitos de garantia da ordem pública, da garantia

da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e de assegurar a

aplicação da lei penal precisam (pois do contrário subvertem a natureza da

prisão preventiva, a ponto de transformar o imputado em objeto e não em

detentor de direitos e garantias) respeitar esta natureza cautelar e

provisional658. Não se prende o acusado preventivamente para se antecipar

punição659 ou para qualquer outra finalidade660 que não a tutela da

regularidade processual, justamente para que eventual interessado (o

implicado ou pessoas próximas a ele) torne o processo penal uma fantasia,

um mero joguete de normas, cujo desfecho estará nas mãos do imputado e

não nas mãos do Poder Judiciário.

Daí porque padece de vício insanável a medida de número 09

(#medida9) proposta pelo Ministério Público Federal661 em sua atual

“cruzada” contra a corrupção. Ali se afirma o seguinte:

657 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 938. 658 “Nas prisões cautelares, a provisionalidade é um princípio básico, pois são elas, acima de tudo, situacionais, na medida em que tutelam uma situação fática. Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti e/ou no periculum libertatis, deve cessar a prisão. O desaparecimento de qualquer uma das “fumaças” impõe a imediata soltura do imputado, uma vez que é exigida a presença concomitante da ambas (requisito e fundamento) para manutenção da prisão.” LOPES JR., Aury. Prisões cautelares. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 35 e 36. No mesmo sentido vide NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 559. 659 Cf. DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 198 e 199. 660 No âmbito da operação Lava-jato chamou a atenção, tamanho o absurdo, o posicionamento do Procurador Regional da República, Dr. Manoel Pestana, no parecer exarado nos autos de Habeas Corpus n. 5029016-71.2014.4.04.0000 julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cujo trecho aqui se reproduz: “A conveniência da instrução criminal mostra-se presente não só na cautela de impedir que investigados destruam provas, o que é bastante provável no caso do paciente, que lida com o pagamento a vários agentes públicos, mas também na possibilidade de a segregação influenciá-lo na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade, o que tem se mostrado bastante fértil nos últimos tempos. Com efeito, à conveniência da instrução processual, requisito previsto artigo 312 do Código de Processo Penal, deve-se acrescer a possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal, como se tem observado ultimamente, diante dos inúmeros casos de atentados contra a administração e as finanças do país. Nesse propósito, por razões óbvias, as medidas cautelares alternativas à prisão são inadequadas e impróprias aos fins previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.” 661 Mais detalhes em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas, acesso em 18 de agosto de 2015, às 19h32min.

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“A #medida9 propõe uma alteração do parágrafo único do art. 312 do Código de Processo Penal, criando uma hipótese de prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro ilícito ganho com crimes. De fato, prevê-se a prisão extraordinária para "permitir a identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas".

Não se trata de meras palavras, mas sim de indevida proposta

legislativa com claro propósito de transformar imputado em mero objeto e

instrumento para o justo interesse do Órgão Acusatório para recuperar e

bloquear ativos maculados. Assim, dentre as propostas da Procuradoria Geral

da República, está a reforma do artigo 312 do Código de Processo Penal

incluindo novos parâmetros para o cerceamento preventivo do acusado: “Art. 312. [...] Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada: I – em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4°); II – para permitir a identificação e a localização do produto e proveito do crime, ou seu equivalente, e assegurar sua devolução, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas.”

Realmente não se compreende como a prisão preventiva de

determinada pessoa, como o cerceamento de sua liberdade poderia favorecer

a identificação, localização e devolução de valores transacionados na

qualidade de vantagem indevida (preço da corrupção) ou ainda obtidos a

partir da corrupção (efeitos decorrentes dos atos praticados pela

administração pública em favor deste ou daquele particular). Trata-se de mais

do mesmo, porquanto o acusado que continua a praticar delitos (em especial

o de lavagem de ativos pela ocultação dos valores), ou ainda busca tumultuar

a investigação, poderá ter sua prisão preventiva já a partir das regras atuais,

sem a necessidade da indevida reforma pretendida.

A respeito dos indícios de materialidade e autoria, representados

pelo termo fumus commissi delicti662, e também a respeito dos indícios de

662 De acordo com RANGEL o fumus commissi delicti seria “representado pelas expressões prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria. Prova de existência do crime refere-se à materialidade do ilícito penal, ou seja, a existência do corpo de delito, que deverá ser atestada pelo laudo pericial, documento ou prova testemunhal idônea. Indícios suficientes de autoria não são provas contundentes, robustas e que geram a certeza

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conveniência da instrução processual e aplicação da lei penal, ao menos do

ponto de vista hipotético, não trazem maiores problemas interpretativos.

O tema, por óbvio, é conturbado. Mais conturbado ainda ao se

verificar um caso concreto, porquanto em sendo dialógico o processo penal,

este será sempre um processo de partes. Contudo, ressalvado o aspecto de

diversidade de interesses entre acusação e defesa, a instrumentalidade

prevista e incidente sobre os requisitos de conveniência da instrução

processual e também de aplicação da lei penal está, salvo melhor juízo,

bastante assentada na doutrina663 e na jurisprudência664 pátria. Há quem diga,

inclusive, que estes seriam os únicos requisitos constitucionais e

“verdadeiramente cautelares, na medida em que se destinam ao processo, a

assegurar o regular e eficaz funcionamento do processo penal.”665

A mesma pacificação doutrinária não incide sobre os requisitos

de garantia da ordem pública e garantia da ordem econômica, e isso

independentemente do delito averiguado em concreto.

A garantia da ordem econômica pode ser invocada para a

decretação da prisão preventiva para casos de corrupção, muito embora seja

sabido que o delito de suborno não ostenta a qualidade de crime econômico

strictu sensu666 nem tampouco está inserido nas leis comumente

mencionadas pela doutrina tal como aduz RANGEL: “A Lei n. 8.884/94 de 11/6/1994, em seu art. 86, incluiu no art. 312 do CPP a expressão ordem econômica, ou seja, quis permitir a prisão do autor do fato-

absoluta de autoria do indiciado ou acusado. Bastam apontamentos de que o indigitado ou acusado é o autor do fato. Elementos que apontem a fumaça no sentido de que o acusado é autor do ilícito penal que ora se apura. São indicações. Não é necessário o fogo da certeza, mas sim a mera fumaça de que ele pode ser o autor do fato.” RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 809. 663 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 30; DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 201; GIACOMOLLI, Nereu José. O devido ..., p. 398 e 399. 664 V.g. decisão relativamente recente oriunda do Supremo Tribunal Federal: “Prisão preventiva. Instrução processual. Surge harmônica com o figurino legal prisão preventiva alicerçada no fato de os envolvidos no processo virem destruindo elementos referentes aos ilícitos cometidos, embaralhando, assim, a instrução.” (STF – HC 114056/ES – Rel. Exmo. Min. Luiz Fux – 1ª Turma – DJe 04.09.2013) 665 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 656. O mesmo entendimento está exposto em LOPES JR., Aury. Prisões ..., p. 118. 666 Em sentido obrigatório conferir BALDAN, Édson Luís. Fundamentos do direito penal econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2012 e SCHMIDT, Andrei Zenkner. A delimitação do direito penal econômico a partir do objeto do ilícito. In: Crimes financeiros e correlatos (Celso Sanchez Vilardi, Flávia Rahal Bresser Pereira e Theodomiro Dias Neto). São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19 a 77.

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crime que perturbasse o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso do poder econômico, visando à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. A prisão para garantir a ordem econômica poderá ser decretada se se tratar de crimes previstos nas Leis ns. 8.137/1990, 8.176/1991, 8.078/1990 e 7.492/86 e demais normas que se referem à ordem econômica, como quer o art. 170 da Constituição Federal e seguintes (c/c art. 20 da Lei 8.884/1994).667

Nada obstante, os efeitos econômicos podem estar presentes em

casos desvelados de corrupção, isso em maior ou menor intensidade. Grosso

modo, compreendida a corrupção como fenômeno, evidentemente que ela

traz consigo consequências negativas de cunho econômico.668 Isso não há

como negar. O que aqui se discute é se a garantia da ordem econômica pode

servir como requisito para o cerceamento de liberdade de determinado

imputado.

Com o devido respeito àqueles que pensam de maneira

diversa669, o problema incide não na interrelação entre delito de corrupção e

requisito de garantia da ordem econômica para a decretação da prisão

preventiva, mas sim no próprio requisito em si. Apoiar-se no movediço

requisito de garantia da ordem econômica apenas favorece a decretação de

uma prisão preventiva sem apoio concreto algum. Primeiro, porquanto

garantir a ordem econômica não parece estar ao alcance do magistrado, mas

sim de outros órgãos de natureza econômica. A dois, porque de tão

inconclusivo tem-se que não se trata de requisito hábil para o cerceamento da

liberdade de um cidadão, quanto mais se este cerceamento se dá sob um

panorama de indícios precários, eis que antecedem a sentença condenatória

que sempre se dá após o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. A

três, porque a garantia da ordem econômica nada mais é do que um recorte

sobre o tema garantia da ordem pública, nada dizendo para além disso. A

quatro, porque, salvo prognósticos imprecisos, no momento da decretação da

prisão preventiva não se tem condição de determinar se a liberdade de

667 RANGEL, Paulo. Direito ..., p. 808. 668 A respeito dos efeitos de natureza econômica vide item 1.4.2. supra. 669 “Não é possível permitir a liberdade de quem retirou e desviou enorme quantia dos cofres públicos, para a satisfação de suas necessidades pessoais, em detrimento de muitos, pois o abalo à credibilidade da Justiça é evidente. Se a sociedade teme o assaltante ou o estuprador, igualmente tem apresentado temor em relação ao criminoso do colarinho branco.” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 555.

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determinado imputado favorecerá a tutela da ordem econômica, aliás, cujo

conceito, como dito acima, é vago, impreciso e, portanto, inconstitucional.

BADARÓ argumenta no seguinte sentido: “A prisão para garantia da ordem econômica não é, tal qual aquela para garantia da ordem pública, uma medida de natureza cautelar. Não se destina a ser um instrumento para assegurar os meios (cautela instrumental) ou resultado do processo (cautela final). Ao contrário sua finalidade é permitir uma execução penal antecipada, visando aos fins de prevenção geral e especial, próprios da sanção penal, mas não das medidas cautelares.”670

Já OLIVEIRA salienta: “Em primeiro lugar, acreditamos que a referência expressa à garantia da ordem econômica seja absolutamente inadequada, não resistindo a qualquer análise mais aprofundada que se faça sobre ela. Aliás, semelhante modalidade de prisão foi incluída no art. 312 do CPP, pela Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, a chamada Lei Antitruste, que cuida de ilícitos administrativos e civis, contrários à ordem econômica, revogada já pela Lei n. 12.529/11. (...) Parece-nos, contudo, que a magnitude da lesão não seria amenizada e nem diminuídos os seus efeitos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco é contra a ordem econômica, a medida cautelar mais adequada seria o sequestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. Parece-nos que é dessa maneira que se poderia melhor tutelar a ordem financeira, em que há sempre o risco de perdas econômicas generalizadas.”671

E, por fim, ponderam PACELLI e FISCHER: “Ora, ao menos em linha de princípio, não vemos como a segregação cautelar de alguém possa garantir a estabilização da economia, no que toca à proteção do mercado consumidor, sempre sujeito às flutuações e manipulações de preços resultantes de operações estratégicas entre grupos e forças produtivas (econômicas). A não ser que a prisão seja absolutamente indispensável para evitar que a pessoa, em liberdade, possa continuar a realizar as mesmas manobras danosas à economia. No entanto, diante da complexidade administrativa e da organização hierarquizada de tais empreendimentos, duvidamos da eficácia da medida prisional para tais finalidades. Uma curiosidade: a inclusão da motivação associada à garantia da ordem econômica decorreu da Lei n. 8.884/94, que trata de ilícitos administrativos e civis, no âmbito da legislação econômica antitruste. Melhor que a prisão seria a pronta intervenção no mercado por parte das autoridades econômicas do país.”672

Inclusive, ao se aceitar a ordem econômica como requisito

suficiente e adequado para a decretação da prisão preventiva, ter-se-ia que

670 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 981. 671 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso ..., p. 555 e 556. 672 PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 674.

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concordar com a decretação de uma medida cautelar que nenhuma função

instrumental teria para a tutela do processo, mas sim numa medida cautelar

que, transformando o acusado de sujeito de direitos a um objeto nas mãos do

Estado, sob o panorama de que a liberdade daquele serve ao objetivo

pretendido pelo Estado de se tutelar a ordem econômica e não o bem jurídico

em si mesmo considerado. Portanto, a instrumentalidade cautelar sai de cena

e pode ser encarada como uma caricata673 medida de política de segurança,

ao custo de se retirar a liberdade (seja no plano hipotético, seja no plano

prático) de pessoas que, se devidamente analisada a finalidade da prisão

processual, não mereceriam o cárcere, ao menos de maneira provisória.

Já o critério de maior abertura para a decretação da prisão

preventiva é sem dúvida o da garantia da ordem pública. Bem por isso é o

mais discutido e, inclusive, criticado. Mesmo aqueles que concordam com a

constitucionalidade de tal requisito assinalam que o legislador ao editar a Lei

12.403/2011 perdeu grande oportunidade de aniquilar a vagueza e imprecisão

deste requisito, substituindo-o por outro mais adequado.

Tamanha é a crítica incidente sobre a “garantia da ordem

pública” como sendo argumento suficiente a encarcerar preventivamente

determinado acusado que a doutrina pátria se divide praticamente em três

vertentes: a) aqueles674 que assinalam que o argumento é substancialmente

673 Sempre atual a crítica de HASSEMER: “O resultado dessa forma de discussão é uma caricatura da real situação e de suas exigências: Política criminal reduz-se a política de segurança, o aspecto da segurança da liberdade é argumentativamente negligenciado, não existe uma proposta progressista de segurança pública, os problemas que nós temos com essa segurança são apresentados unilateralmente e veem-se reduzidos aos desejos policiais de exacerbação e aplicação dos meios de combate ao crime.” HASSEMER, Winfried. Direito penal: fundamentos, estrutura, política. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. p. 264. 674 Ferrenho defensor da inconstitucionalidade é Aury LOPES JR.: “É importante fixar esse conceito de instrumentalidade qualificada, pois só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional. (...) Nesse momento, evidencia-se que as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares, e, portanto, são substancialmente inconstitucionais. Trata-se de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia, utilizando-as indevidamente como medida de segurança pública. A prisão preventiva para garantia da ordem públ ica ou econômica nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que marcam e legitimam seus provimentos.” LOPES JR., Aury. Direito ..., p. 648. No mesmo sentido se apresentam obras inclusive citadas por LOPES JR. tais como DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 83 e SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez, n. 10. p. 114;

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inconstitucional, sem chances para interpretação apta a resgatar o aludido

requisito; b) aqueles675 que assinalam que o argumento é constitucional, mas

o restringem à ideia de reiteração criminosa a partir de uma interpretação

conforme a Constituição e, por fim, c) aqueles676 que acordam com sua

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolagem de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 26. 675 Aqui cabem as palavras de Douglas FISCHER e Eugenio PACELLI: “O que estamos a dizer é: a interpretação conforme a Constituição se revela poderoso e necessário instrumento de revalidação de regulações normativas de grande importância no cotidiano nacional, e cujo desaparecimento (pela invalidade, por inconstitucionalidade) causaria males de idêntica dimensão àqueles produzidos sob seu signo (das citadas normas reputadas inconstitucionais). (...) Por isso acreditamos que uma interpretação conforme a Constituição pode e deve ser feita em relação à prisão para garantia da ordem pública, de tal maneira que: I – somente se admita a prisão quando se tratar de crimes de natureza grave, sem prejuízo dos limites impostos no art. 313, I, CPP. A gravidade, em princípio, seria deduzida da pena cominada; II – a natureza do crime deve apontar ou indicar a possibilidade concreta de reiteração criminosa, segundo seja a experiência do conhecimento humano de cada época. Crimes sexuais, homicídios e lesões corporais graves, como parte de estratégias econômicas, organizações criminosas voltadas para atividades de grande risco de danos às pessoas, a tortura, o tráfico de drogas, enfim, toda essa gama de crimes para os quais o constituinte demonstrou claramente o alto índice de sua reprovação, ostentam esse perfil. Em tese, é claro. (...) Negar o risco de reiteração criminosa, ou, e mais, negar a possibilidade de certos prognósticos quanto a essas conclusões, é o mesmo que retroceder sempre e permanentemente, a uma ideia originária e fundamentadora da dignidade humana, sem os condicionantes da civilização moderna.” PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ..., p. 672 e 673. Na mesma linha está BADARÓ ao declarar: “Portanto, a única interpretação que, de maneira menos imperfeita, poderia compatibilizar o art. 282, caput, I, com o caput do art. 312 é considerar que a prisão preventiva para “garantia da ordem pública” representa um dos casos expressamente previstos em que a medida, por exemplo, a prisão, é decretada para evitar a prática de infrações penais. Ou seja, mesmo para aqueles que admitem a constitucionalidade da prisão para garantia da ordem pública, sua aplicação tem que ficar restrita aos casos em que se busca evitar a reiteração criminosa. Em outras palavras, o inciso I do caput do art. 282 impede que se identifiquem, como hipóteses de garantia da ordem pública, situações como exemplaridade, pronta reação ao delito, aplacar o clamor público de proteção da própria integridade física do acusado, entre outras que a vagueza da expressão “ordem pública” possibilitava.” BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 979 a 981. 676 Aqui o referencial é NUCCI, o qual conta com amplo assento na jurisprudência pátria: “A garantia da ordem pública é a hipótese de interpretação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento de sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente. A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores, dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente. Um simples estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um latrocínio repercute negativamente no seio social, demonstrando que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo, pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu patrimônio, elementos geradores, por certo de intranquilidade. Note-se, ainda, que a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios.” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 553. No mesmo sentido vide RANGEL, Paulo. ..., p. 807; DEMERCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 200 e 201.

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constitucionalidade e com a adequação inclusive de sua nomenclatura, pois

alegam ser plenamente possível alcançar o seu real significado a partir do

próprio termo “garantia da ordem pública.”

Evidente que a filiação a algum dos posicionamentos acima parte

também da concordância (ou não) sobre a possibilidade de a prisão

processual, em seu gênero preventiva, possa se dar fora dos moldes de um

processo cautelar, quer dizer, toma-se por inconstitucional justamente em

razão de que a garantia da ordem pública não funciona como um instrumento

a tutelar o andamento regular do processo, mas sim a finalidades diversas e

alheias à regularidade processual. De outro lado, há aqueles que concordam

que a prisão preventiva pode dar-se sem esta instrumentalidade processual,

servindo a outros interesses e objetivos.

Some-se a isso a carga política e semântica dos delitos de

corrupção strictu sensu, quanto mais associados aos efeitos imputáveis a

esta realidade delitiva, vê-se que a solução pode assumir diversos contornos,

todos, contudo, defensáveis a partir dos pressupostos e interpretações

lançadas sobre a ínsita realidade e objetivos do processo penal e, por que

não, do Direito penal em si. Não se trata de decisão isolada, mas sim atrelada

à concepção de qual é a real função exercida pelas normas penais e

processuais penais em um Estado de Direito, especificamente o brasileiro.

Há, no entanto, saída para tão intrincada questão, e que se dá

por meio de análise dos princípios que norteiam a Constituição e as demais

normas incidentes sobre esta questão que, num primeiro momento, pode até

parecer não solucionável.

À partida, o princípio da não presunção de culpabilidade não se

opõe à decretação da prisão preventiva, desde que esta cumpra o seu papel.

Em sentido inverso, a prisão preventiva assume seu papel de proteção ao

processo e, indiretamente, à sociedade, sempre e quando não sirva de

punição antecipada. Se assim é, a gravidade – pura e simplesmente

considerada – seja em hipótese ou em concreto, respeitadas as opiniões

divergentes, nunca poderá fundamentar a prisão processual em sua

modalidade preventiva. Uma coisa é a prisão preventiva ser resguardada

para os delitos assim considerados graves na legislação brasileira (cuja pena

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máxima supere 04 anos)677; outra, totalmente diversa, é se agarrar na

gravidade abstrata, ou ainda concreta, de determinado crime para aferir, a

partir deste critério “gravidade” se o imputado será ou não privado de sua

liberdade.

Um silogismo muito claro pode ser realizado: se a execução de

pena privativa de liberdade pressupõe uma sentença condenatória transitada

em julgado, após um processo de partes e que somente será constitucional e

legítimo se for permeado pelo princípio do contraditório e da ampla defesa

(valendo lembrar a incidência do entendimento do Pretório Excelso, mais

precisamente o leading case Habeas Corpus n. 84.078, Relator Ministro Eros

Grau)678, como alegar a gravidade de um delito, cuja sentença ainda não foi

proferida, para sujeitar o acusado a uma sanção de igual teor e gravidade

(haja vista que os efeitos sobre a liberdade são idênticos)?

Tal conclusão não nega o direito justo nem tampouco o direito de

a sociedade ver julgado adequadamente o imputado. Pelo contrário. O

adequado e o justo passam aqui pelo mesmo filtro constitucional, filtro este

que somente possibilita o exercício jurisdicional discricionário, porém

fundamentado e amparado em outra justificativa de encarceramento

provisório que não a gravidade abstrata ou concreta, in casu, da corrupção.

Tampouco a prisão processual para restabelecimento das

instituições pode fundamentar a prisão preventiva. Impossível negar a

notoriedade da necessária intervenção do Poder Judiciário para a solução

dos casos de corrupção; aliás, abolida está a vingança privada em terras

brasileiras. Esta intervenção judicial diz respeito ao julgamento do caso em si

e na retirada da inércia tão vezes incidente nos órgãos de persecução penal

e na própria magistratura. Contudo, exercer o papel jurisdicional não pode

confundir-se com a decretação de prisão preventiva sob os auspícios de

preservar instituições e a democracia.679 677 E a lei que conceituou a “organização criminosa”, Lei 12.850/2013, inclusive tipificando como crime a participação nela, trouxe um reforço a esta definição de crimes graves, ou seja, cujas penas superem os 04 anos de prisão. 678 Inteiro teor disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531, acesso em 18 de agosto de 2015, às 19h53min. Em sentido abertamente oposto ao decidido no aludido writ veja-se BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 183 a 186. 679 Cf. ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Control …, p. 396.

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Sendo a aplicação de pena decorrente de sentença penal

condenatória incerta e futura, note-se bem, a aplicação prematura da prisão

preventiva não pode funcionar de nenhuma forma como uma antecipação das

consequências pretendidas pela acusação, e muito menos pelo juiz, e, da

mesma forma, não pode ser travestida de um intento de controle judicial do

poder político, como se fosse um contrapeso exercido pela função

jurisdicional sobre a função política.

Mais uma vez destaca ANDRÉZ IBAÑEZ: “La jurisdicción como tal no es una función <<contrapeso>> en el sentido señalado político y fuerte de expresión. Porque no se proyecta de forma sistemática sobre la política como ámbito, no separado de la legalidad, pero dotado de indudable autonomía; ni se superpone a ella en paralelo, de manera envolvente. Incide, sólo, sobre actos ya producidos en el marco de la misma, incluidos, desde luego, los que caigan en el campo de acción de la justicia criminal.”680

Ora, nos dias atuais a corrupção – quiçá ainda mais a

macrocorrupção – salta aos olhos de todos os brasileiros, inclusive aqueles

integrantes do Poder Judiciário, como uma chaga, um mal do qual o país não

consegue se libertar e verdadeiramente nocivo a interesses cívicos, morais e

econômicos da sociedade brasileira. Era de se esperar, portanto, decisões

jurisprudenciais descompassadas com a realidade, permissa venia, tal como

a empregada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos de

Habeas Corpus 5029050-46.2014.404.0000/PR julgado no âmbito da

atualíssima operação denominada “Lava-jato”681: “3. A complexidade e as dimensões das investigações relacionadas com a denominada Operação Lava-Jato, os reflexos extremamente nocivos decorrentes da infiltração de grande grupo criminoso em sociedade de economia mista federal, bem como o desvio de quantias nunca antes percebidas, revela a necessidade de releitura da jurisprudência até então intocada, de modo a estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão preventiva, adequados às circunstâncias do caso e ao meio social contemporâneo aos fatos.”

Como mencionado acima, as instituições cumprem o seu papel

ao não desbordar seus limites. E o limite da prisão preventiva em seu

requisito de garantir a ordem pública é evitar a reiteração de crimes e não 680 ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Control …, p. 87. 681 Inteiro teor disponível em http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=7246540, acesso em 18 de agosto de 2015, às 19h59min.

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antecipar qualquer espécie de reprimenda ou sanção penal a depender da

gravidade dos fatos levados a julgamento. Não se desconhece que muitas

vezes a gravidade concreta do delito indica com grande grau de

verossimilhança a tese de reiteração criminosa, o que há de chancelar a

decretação da prisão preventiva. Do contrário, ou seja, fundamentar a prisão

preventiva na gravidade concreta do delito (o que se dizer da abstrata,

portanto) enseja incontornável menosprezo ao princípio de presunção de não

culpabilidade.

Dada a atualidade da questão, note-se que não muito tempo

depois o Supremo Tribunal Federal cuidou de restabelecer a normalidade ao

julgar o Habeas Corpus n. 127.186/PR, de relatoria do Exmo. Min. Teori

Zavascki, cujo objeto era o mesmo do julgado imediatamente citado acima: “(...) 5. A jurisprudência desta Corte, em reiterados pronunciamentos, tem afirmado que, por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar. De igual modo, o Supremo Tribunal Federal tem orientação segura de que, em princípio, não se pode legitimar a decretação da prisão preventiva unicamente com o argumento da credibilidade das instituições públicas, “nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade” (HC 101537, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 14-11-2011). 6. Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos casos autorizados pelo legislador.(...).”682

Portanto, – inclusive mediante orientação da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal – há de se privilegiar estrita observação da

necessidade e proporcionalidade da prisão preventiva. Em se apresentando

desnecessária ou desproporcional poderão ter incidência as inserções

trazidas com a Lei 12.403/2011, tais como a proibição de frequentar

determinados lugares, de manter contato com determinadas pessoas,

682 Inteiro teor disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9015980, acesso em 18 de agosto de 2015, às 22h03min.

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recolhimento domiciliar, fiança, monitoramento eletrônico e acautelamento de

passaporte, as quais em alguns momentos ou processos particulares

parecem ter sido revogadas do ordenamento jurídico pátrio.

O Estado precisa respeitar os limites de seu próprio poder,

inclusive para tornar legítimo o exercício do jus puniendi por meio de

interpretações restritivas e proporcionais683 das medidas que acautelam o

processo penal como meio legítimo de imposição da punição estatal.

A respeito do possível endurecimento da lei penal no combate à

corrupção disse Cláudia Cruz SANTOS: “O endurecimento do poder punitivo face à corrupção não só não parece desigualitário em um contexto de ponderação relativa das criminalizações, como, pelo contrário, se justifica pela necessidade de protecção de um tratamento igualitário dos cidadãos no seu relacionamento com o Estado e na sua actividade económica baseada na liberdade de concorrência. Pretende-se, neste direito penal de ultima ratio que advogamos, que o Estado puna menos – mas até para que ele puna como deve e quando deve se impõe a repressão da corrupção. Tendo em conta a relevância dos valores atingidos pela corrupção e o quantum de dano que a mesma para ele importa, julga-se que a criminalização – nos moldes defendidos – é legítima. Será, para além disso, necessária sempre que os meios preventivos – aos quais se deve outorgar a prioridade – não tenham funcionado. Caberá de seguida aos aplicadores do direito procurar garantir-lhe a eficácia possível.”684

4.2. As medidas cautelares reais.

O processo penal não pode se dar ao luxo de ser obsoleto e

ineficaz frente à criminalidade astuta, moderna e eficaz. Tal conclusão indica

à <<atualização dos instrumentos repressores>> citada por ACCIOLY685.

Nada obstante, nenhuma atualização expressiva foi feita na legislação

683 Eis a lição de Maurício Zanoides de MORAES: “Tratando-se do âmbito da persecução penal, no qual os conflitos surgem do entrechoque entre os direitos fundamentais (individuais) e o interesse persecutório (estatal), a proporcionalidade interfere para determinar quanto aqueles direitos podem ceder, sem que essa compressão signifique sua supressão.” MORAES, Maurício Zanoide de. Publicidade e proporcionalidade na persecução penal brasileira. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 32. 684 SANTOS, Claudia Cruz. Considerações introdutórias (ou algumas reflexões suscitadas pela “expansão” das normas penais sobre corrupção). In: A corrupção. Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão no Brasil e em Portugal. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 39 e 40. 685 ACCIOLY, Maria Francisca dos Santos. As medidas cautelares patrimoniais na lei de lavagem de dinheiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 33.

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brasileira desde a edição do Código de Processo Penal em 1941, ao menos

no tocante às medidas cautelares reais incidentes sobre os delitos de

corrupção.686

Em especial sobre os delitos de corrupção ativa e passiva é

possível verificar que os objetivos dos atores ilícitos se complementam na

ideia de um acordo sinalagmático. Ao cidadão comum cumpre oferecer a

vantagem indevida em troca de um ato do servidor público que lhe favoreça

(no mais das vezes economicamente). Ao servidor, por sua vez, por

mercadejar com sua função, busca a obtenção de uma vantagem indevida

que, via de regra, será de cunho econômico.

Portanto, transparece correto afirmar, com elevada segurança,

que a corrupção envolve objetivos econômicos a serem alcançados pelo

particular e pelo servidor público. À quebra da imparcialidade do servidor

público está correlata, com muita frequência, a obtenção de ganhos

econômicos ilícitos para ambas as partes intervenientes no delito.687 O fato de

os tipos penais de corrupção no Brasil e em diversos outros países se

contentarem com a mera proposta ilícita para a consumação do delito não

retira em nada esta capacidade de se antever a conjugação econômico-

financeira do delito de suborno.

Esta realidade, por sua vez, merece ser compreendida pelo

sistema de medidas assecuratórias previsto no Código de Processo Penal e,

inclusive, pela prática processual diária. Assiste razão a BLANCO CORDERO

em manifestação destinada à realidade espanhola, mas que bem serve ao

caso brasileiro: “La práctica de los Tribunales a la hora de acordar el comiso en supuestos de corrupción consiste en hacerlo recaer sobre las comisiones (dádivas, regalos) ilícitamente pagadas al empleado público corrupto. Evidentemente el riesgo que corre el corruptor cuando paga dichas comisiones es la pérdida de las mismas. Sin embargo, no es habitual que se decrete el comiso de las

686 É bem verdade que existiram duas reformas pontuais. A primeira, feita em 1998, com a criação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), mas que não incide diretamente na matéria de corrupção e, por outro lado, traz a inversão do ônus da prova, o que é absolutamente contrário às garantias constitucionais. A segunda alteração foi a promovida em 2012 (Lei 12.694/2012) e diz respeito à possibilidade de o Juízo decidir pela alienação antecipada dos bens (artigo 144-A do CPP). Note-se que esta não alterou a forma e requisitos para o sequestro e arresto, mas tão-somente a destinação dos bens apreendidos. 687 Cf. BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación del comiso en caso de adjudicación de contratos públicos obtenida mediante soborno de funcionarios públicos. In: Estudios penales y criminológicos, Santiago de Compostela, vol. XXVII, 2007. p. 40.

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ganancias que obtiene el corruptor. Esto es frecuente en los casos de comisiones ilegales pagadas por empresas de la construcción, que obtienen la adjudicación de contratos de obras públicas, en los que se priva al empleado público de la comisión ilegal pero no se acuerda ninguna medida para neutralizar las ganancias generadas para la empresa por la ejecución del contrato.”688

Dessarte, as medidas cautelares reais, mais especificamente as

medidas assecuratórias, para que surtam o duplo efeito pretendido a partir

delas, isto é, evitar a ineficácia e obsolescência do processo penal (aspecto

processual-probatório)689 e proporcionar meios hábeis à aplicação das

consequências jurídico-penais do delito (aspecto de ressarcimento

patrimonial da vítima)690, devem ser aplicadas e interpretadas

adequadamente à realidade dos fatos, aos princípios691 e garantias

fundamentais e reestruturadas para o atual momento histórico e social.

Isso se torna viável a partir de uma interpretação a partir das

normas penais e processuais penais desde há muito vigentes no país

(proposições de lege lata) e também pela possível inserção de alterações

legislativas (proposições de lege ferenda), sobretudo aquelas propostas pelos

tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Num breve passar de olhos nas medidas cautelares reais

dispostas no Código de Processo Penal se vislumbra o seguinte sistema.

Sobre os objetos diretos do crime a ferramenta processual a ser utilizada é a

apreensão (prevista no artigo 240 do Código de Processo Penal). A incidir

sobre os bens móveis ou imóveis que tenham sido adquiridos por meio dos

proventos do crime, o Código de Processo Penal dispõe do denominado

sequestro (regulado pelos arts. 125 a 133). A hipoteca legal (arts. 134 e

seguintes do Código de Processo Penal) é a medida a ser deflagrada sobre

os bens imóveis que provenham de origem lícita, portanto não delitiva,

medida esta destinada a garantir a efetividade da sanção penal no que toca a

seus efeitos patrimoniais (ressarcimento da vítima). Como providência

preparatória para a hipoteca legal está previsto o arresto prévio de bens 688 BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación …, p. 74. 689 Cf. LOPES JR., Aury. Direito ..., p. 708. 690 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 314; DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 301. 691 A respeito vide NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

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imóveis, regulado pelo artigo 136 do Código de Processo Penal, e que deverá

recair obrigatoriamente sobre bens de origem lícita. E, por fim, também

disciplina o Código de Processo Penal a figura do arresto prévio de bens

móveis, cuja incidência está atrelada à inexistência de bens imóveis a serem

hipotecados ou, quando existam, sejam insuficientes.692

Afora críticas contundentes sobre a ausência de um rito

apropriado para a imposição e processamento da medida de sequestro (artigo

125 e seguintes do Código de Processo Penal)693 e também da já conhecida

discussão sobre qual seria o recurso cabível694 após a decretação do arresto

prévio para futura especialização de hipoteca legal de bens imóveis ou ainda

do arresto prévio de bens móveis, as normas reguladoras da matéria são até

de fácil compreensão. Não se pode dizer que o sistema não seja

razoavelmente inteligível.

A questão é bem outra. Não se trata de ausência de normas,

mas da sua estruturação prática, Nos casos concretos é que surgem as

grandes incongruências e falhas, inclusive com prejuízos para as partes

processuais.

Sem perder o ponto de vista principal deste estudo, notório que

em paralelo a investigações e julgamentos de casos de corrupção torna-se,

salvo em casos singularmente pequenos, quase que obrigatória a utilização

das medidas assecuratórias aqui em comento por parte do órgão

acusatório.695 Portanto, há de existir uma atuação temporalmente adequada

por parte do Ministério Público, verdadeiramente urgente, para que a medida

692 Salvo algum posicionamento pontual diversa esta é a realidade defendida pela maior parte da doutrina, valendo destacar: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 314 a 324; LOPES JR., Aury. ..., p. 707 a 722; LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2011; PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ..., p. 294 a 319; BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 1047 a 1079; ACCIOLY, Maria Francisca dos Santos. As medidas cautelares ..., p. 29 a 97. 693 Cf. LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 319. 694 Há dúvida acerca do recurso cabível, sendo que o entendimento jurisprudencial majoritário é o de que tal decisão não ensejaria o recurso de apelação, justamente por não se tratar de decisão com força de definitiva. A respeito, por exemplo, o resultado do Recurso Crime em Sentido Estrito n. 5000478-66.2013.404.7000, 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rela. Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 31.05.2013. 695 Filia-se aqui ao entendimento de que tais medidas não podem, sob o risco de desrespeito ao sistema acusatório, ser deferidas de ofício pelo magistrado. Neste sentido, entre outros, BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 1051.

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pretendida surta os efeitos almejados. Pedidos extemporâneos tendem

inclusive a ser indeferidos, porquanto faltará a demonstração acusatória a

respeito do “periculum in mora” e, do mesmo modo, se deferido, o objeto a

ser sequestrado ou arrestado pode não mais ser encontrado no estado, no

local ou ainda com o valor pretendido.

Trata-se aqui de reiterar o ônus ministerial e a importância de,

exercendo seu dever de ofício, analisar os casos concretos com vistas à

viabilidade de requerimentos neste sentido, inclusive para satisfazer uma

expectativa natural e lídima da sociedade em vista da efetividade696 da tutela

jurisdicional.697

Também é ônus ministerial, a ser demonstrado no caso concreto,

a natureza lícita ou ilícita do bem cujo bloqueio se requer. Não se deve partir

de premissas absolutamente equivocadas, muito menos promover confusão

acerca dos institutos cautelares brasileiros. O primeiro equívoco comumente

cometido se dá entre os institutos do sequestro (origem ilícita dos bens) e do

arresto prévio à especialização de hipoteca legal (origem lícita dos bens).698

Como dito acima, o sequestro de bens móveis e imóveis é

possível quando (i) existam indícios veementes da proveniência ilícita dos

bens e (ii) também existam indícios veementes da autoria e materialidade do

delito. Assim, não se pode perder a noção de que o chamado sequestro de

bens apenas pode recair sobre bens adquiridos com os proventos da infração

e, dessarte, visa “impedir que o agente usufrua as vantagens ilicitamente

obtidas.”699

É justamente o sequestro a medida a ser deflagrada sobre o

valor (em espécie ou não) ou bem obtido pelo agente público corrupto, desde

que sobre este valor ou bem incidam provas indiciárias veementes. 696 Cf. FERNANDES, Antonio Scarance. Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 18. 697 Cf. LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 99. 698 “A hipoteca legal de bens móveis está prevista no art. 134 do CPP e difere, radicalmente, do seqüestro de imóveis que acabamos de analisar. Isso porque o seqüestro (arts. 125 a 133) somente poderá recair sobre os bens adquiridos com os proventos do crime, logo, de origem ilícita. Já a hipoteca legal situa-se noutra dimensão, pois conduz à constrição legal dos bens de origem lícita, diversa do crime.” LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume II. Rio de Janeiro, 2009. p. 195. 699 LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 294.

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A respeito da interpretação a ser lançada sobre a expressão

<<provas indiciárias veementes>> aduz NUCCI: “Não são quaisquer indícios que servem para sustentar o sequestro, privação incidente sobre o direito de propriedade, constitucionalmente assegurado, mas somente aqueles que forem vigorosos. Em outros cenários, a lei exige indícios suficientes de autoria, algo, por contraposição, mais leve (arts. 312 e 413, CPP). No caso presente, os indícios veementes devem apontar para a origem ilícita dos bens e não para a responsabilidade do autor da infração penal. A norma fala em indícios veementes buscando uma quase certeza da proveniência ilícita do bem sequestrável, não se referindo à certeza, pois esta, por óbvio que seja, propicia, ainda mais, a decretação da medida assecuratória.”700

Consoante o contido na menção feita por BLANCO CORDERO

linhas acima701, o foco das medidas cautelares patrimoniais – in casu o

sequestro de bens ilícitos – pode e deve ser também o valor auferido pelo

agente corruptor, ou seja, pelo agente privado que oferece ou promete a

vantagem indevida ao servidor público. A dúvida reside primordialmente na

quantia a ser sequestrada a partir das considerações do caso concreto. Eis

um pequeno exemplo702: o sujeito A, empresário do setor imobiliário, oferece

– com posterior entrega efetiva – ao servidor público B (este alocado no setor

de urbanismo da Prefeitura do Município X) a quantia de R$ 1 milhão de

reais; o ato de ofício pretendido (e ao final auferido) por A é o de que B

autorize com urgência e sem a exigência dos documentos ambientais e

outros correlatos, o loteamento e comercialização de determinada área da

qual A é o proprietário.

O valor de um milhão de reais auferido pelo servidor B é

passível, respeitada a necessidade de comprovação fática de sua ilicitude, de

ser sequestrado, estando amparado o Ministério Público a requerer a medida

700 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 315 e 316. Sobre o mesmo tema apontam DEMERCIAN e MALULY: “O art. 126 do CPP exige para o sequestro, como requisito de sua viabilidade, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, ou seja, bastando forte suspeita, ainda que não haja uma prova direta da origem lega, é possível a realização da medida.” DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 303. 701 BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación …, p. 337 e seguintes. 702 O caso concreto do qual parte BLANCO CORDERO é o ocorrido na cidade de Colônia (Alemanha) e no qual a empresa LCS pagou 24 milhões de marcos alemães (isso em 1990) de modo a vencer indevidamente a concorrência para a construção de uma planta para incineração de resíduos. O valor de 24 milhões de marcos alemães correspondia a 3% do total do valor do custo da obra (cerca de 792 milhões de marcos alemães). BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación ..., p. 43 a 46.

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com base no artigo 125 do Código de Processo Penal. A dúvida fica por conta

da vantagem negocial naturalmente auferida pelo empresário A em razão do

delito cometido. O exemplo, seja por seu lado cartesiano, seja ainda pela

máxima advinda dos leigos (que diriam que numa circunstância como esta é

“claro” que A auferiu certa vantagem econômica), torna absolutamente viável

imaginar que a aplicação de um milhão de reais a título de propina traz ínsita

a noção de que o lucro de A com o loteamento “comprado” do servidor B foi

sensivelmente superior ao valor ilícito investido por ele. Suponha-se, para dar

continuidade ao exemplo, que o faturamento de A na negociação dos lotes

tenha sido de 100 milhões de reais e o lucro líquido da operação tenha sido

de R$ 30 milhões.

A vantagem obtida pelo particular neste caso se encaixa, salvo

melhor juízo, na qualidade do produto auferido pelo crime. E, também

ressalvadas opiniões contrárias, o que está ao alcance de bloqueio pelo

Poder Judiciário é tão-somente a vantagem proporcionada pelo delito (R$ 30

milhões) e não todo o faturamento (R$ 100 milhões) e, muito menos, eventual

bloqueio dos lotes em questão ao argumento de que teriam relação com o

delito de corrupção cometido, até porque a posse e propriedade do terreno

são lícitas, apenas lateralmente se relacionando com os delitos de corrupção

ativa e passiva exemplificados.

Compreensão desta sorte está adequada às previsões legais

brasileiras e também ao preconizado no artigo 31 do Decreto 5.687/2006

(Convenção de Mérida), pois se respeita a ideia de embargo preventivo

previsto no Decreto (deferimento liminar da medida de sequestro) bem como

a ideia de produto do delito que, de acordo com o artigo 2, letra “e”, se

entende como “os bens de qualquer índole derivados ou obtidos direta ou

indiretamente da ocorrência de um delito”.

Por fim, também de modo a atender o disposto no ponto 10 do

artigo 31 do Decreto 5.687/2006 (de que nada do disposto no Decreto afetará

o princípio de que as medidas nele previstas se definirão e aplicar-se-ão em

conformidade com a legislação interna dos Estados Partes e com sujeição a

este), reitera-se que a medida adequada para o bloqueio da vantagem

indevida recebida pelo servidor público é o sequestro do provento da

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infração, ou seja, produto indireto do delito de corrupção cometido. O produto

direto da vantagem entregue pelo particular ao servidor público é sem dúvida

o ato de ofício realizado, atrasado ou omitido, o qual em si não possui valor

algum, mas que proporciona, indiretamente, a obtenção de valores indevidos

aos intervenientes no ilícito penal.

De outro vértice, a carga acusatória, ainda que após o juízo de

prelibação, não pode desbordar os limites deste, que nada dizem além disso,

ou seja, que existem indícios de autoria e materialidade, ou, ainda, que

estariam presentes as condições da ação penal.

Dessarte, o espaço judicial de decisão permite – e exige – a

diferenciação entre os indícios sobre o cometimento de determinado delito e

os indícios de ilicitude sobre determinado bem, direito ou valor, de modo que

o sequestro a ser empreendido pelo Poder Judiciário há de ficar adstrito à

realidade indiciária daquilo comprovado pela acusação e não por meio de

qualquer ilação.

Note-se que a medida assecuratória de sequestro visa, em último

termo, a otimização da viabilidade de ser decretada a perda em favor da

União do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua

proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, II,

letra b, do Código Penal), valendo, contudo, a ressalva de LEITE: “Não é demais recordar que, reconhecidamente, o seqüestro de bens descrito no Código de Processo Penal possui natureza cautelar – o que novamente induz à necessidade de demonstração efetiva e a partir de elementos materiais acerca da existência do periculum in mora que, aliás, transparece a ideia de necessidade da medida. Assim, embora alguns autores silenciem sobre o assunto ou dispensem esse pressuposto de modo sumário (evocando a gravidade dos fatos penais ou a referencia eficientista do Processo Penal), não há dúvida de que uma análise conforme as referências do Estado de Direito (que se vinculam à Legalidade, Razoabilidade, Proporcionalidade e Presunção de Inocência) impõem que a constrição antecipada de direitos decorra de situações excepcionais, em que se possa demonstrar com efetividade a necessidade da providência processual constritiva.”703

Já o arresto prévio de bens móveis e imóveis para posterior

inscrição em hipoteca legal traz, também para os casos de corrupção,

discussões processuais de contornos muitas vezes mais fáticos do que

703 LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 308.

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jurídicos. Sendo uma medida cautelar é clarividente que o seu deferimento

passa pelo crivo dos requisitos do fumus comissi delicti (fumus bonis iuris) e

do periculum in mora. Inicie-se pelo fumus comissi delicti, ou seja, indícios

suficientes de autoria e materialidade.

Não pode prevalecer o argumento ministerial de que o simples

recebimento da exordial acusatória obrigue o Poder Judiciário a decretar as

medidas cautelares patrimoniais pretendidas. Vê-se que tal interpretação é

maléfica ao Estado Democrático de Direito e a todas as garantias processuais

e penais vigentes no Brasil atualmente.

A decretação das medidas cautelares passa sempre e

obviamente pelo crivo do Magistrado e não ao bel prazer das partes

interessadas (do Ministério Público ou ainda dos assistentes de acusação). O

conhecimento, processamento e deferimento das medidas como o arresto

prévio, o sequestro e ainda a especialização da hipoteca legal se baseiam,

para além das regras estabelecidas no processo penal brasileiro, também nos

princípios constitucionais de garantia. Tais regras e princípios visam evitar

abusos ou outorgar a alguma das partes processuais mais “armas”704 e

instrumentos judiciais do que às outras partes envolvidas no processo, mais

precisamente o(s) acusado(s).

Assim, o deferimento da medida cautelar de arresto prévio à

especialização de hipoteca legal ou mesmo a própria especialização em si

não é automático e nem, tampouco, o recebimento da denúncia criminal

contra determinado acusado do crime de corrupção ativa ou passiva dá

direito à parte acusatória em ver deferida imediatamente a medida cautelar

pretendida, seja o sequestro, seja o arresto prévio.

Assim, se o dispositivo do artigo 126 do Código de Processo

Penal informa que para o sequestro bastará a comprovação de indícios

veementes de autoria e materialidade, a hipoteca legal e o arresto prévio são

704 Cabível a observação de GIACOMOLLI: “Manter as partes no mesmo nível de oportunidades no processo penal, garantindo-se idênticas oportunidades processuais, com utilização dos mecanismos processuais no mesmo grau de intensidade (simetria e equilíbrio). É a principal funcionalidade da par conditio. Por isso, a defesa há de ser dotada da mesma capacidade e dos mesmos poderes que a acusação, admitindo-se o contraditório em todo momento e em todas as etapas do processo, em face de qualquer ato probatório.” GIACOMOLLI, Nereu José. O devido ..., p. 407 e 408.

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regidos por outros parâmetros. Isto porque no artigo 134 do Código de

Processo Penal nada está dito sobre a obrigatoriedade de o Magistrado, ao

receber a denúncia, também decrete o arresto prévio e a consequente

especialização de hipoteca.

Aliás, não há dúvida alguma na redação legal do artigo 134 do

Código processual. A hipoteca legal pode ser requerida uma vez certa a

infração e existentes indícios suficientes de autoria sobre ela. Ora, a hipoteca

legal poderá ser requerida e o seu deferimento sempre ficará a cargo do

Magistrado. Este, vislumbrando o fumus comissi delicti como também o

periculum in mora, decidirá em favor da acusação. Caso contrário, em favor

do acusado. Não se pode perder de vista que o deferimento ou não da

medida cautelar passa pelo crivo do livre convencimento motivado do

Magistrado.

Quanto ao periculum in mora, tem-se que este requisito é aqui

compreendido como o filtro interpretativo posterior à análise dos indícios de

autoria e materialidade. Ora, o deferimento das medidas cautelares não se

baseia pura e simplesmente no fumus boni iuris, mas sim precisa ser

confirmado pelo perigo na demora, na plausibilidade do pedido ministerial

sobre a verossimilhança da tese sobre a qual, caso não incidente a medida

de bloqueio, há chance razoável de o acusado dilapidar seu patrimônio,

restando o direito de reparação do dano e da vítima fatalmente atingidos.

Ao que parece é o caso de se dar maior atenção às questões

envolvendo a pretensão ministerial naquilo que respeita o arresto prévio para

posterior especialização de hipoteca legal. Eis o comentário de Aury LOPES

JR.705: “Nos casos de sequestro, em que a medida recai sobre os bens (móveis ou imóveis) adquiridos com os proventos da infração, o foco da atenção do julgador acaba sendo a prova da origem ilícita. Uma vez demonstrado o crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens, o periculum in mora passa a ser secundário, impondo-se a indisponibilidade do patrimônio. O ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus comissi delicti. Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto, onde os bens são de origem diversa, lícita e completamente desvinculados do crime. É uma medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu, que será disponibilizado para assegurar o pagamento das custas, multa e a indenização (resultado da ação civil ex delicti). Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico

705 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua ..., p. 195.

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é a demonstração do periculum libertatis. É claro que deve haver a fumaça da prática do crime, mas o ponto mais importante da decisão é a análise do perigo da dilapidação do patrimônio, o risco de frustração da pretensão indenizatória. Esse ponto, pensamos, não tem merecido a devida atenção por parte dos juízes e tribunais. Incumbe ao acusador demonstrar, efetivamente, o risco de dilapidação do patrimônio do imputado, com a intenção de fraudar o pagamento da indenização decorrente de eventual sentença condenatória. Essa prova, em geral, não é feita, e os juízes e tribunais, desprezando o imenso custo que representa tal medida, a decretam sem o necessário rigor na análise do fumus comissi delicti e do periculum in mora.”

O bloqueio de bens lícitos do acusado por corrupção ativa ou

passiva também há de ocorrer no ambiente de instrução processual

permeado pelo contraditório e pela ampla defesa, abrindo grande

possibilidade de debate acerca de quais foram os danos gerados pelos atos

corruptivos que merecem reparação ou indenização. O caráter de

excepcionalidade das medidas cautelares patrimoniais informa que a

presunção em favor deste ou daquele prejuízo não pode existir. Não se trata

de discurso vazio e informado por tendências retóricas de simples

favorecimento do acusado. Pelo contrário, são afirmações amparadas pelo

sistema constitucional e pelas sempre reverberadas matizes trazidas pelo

Decreto 5.687/2006, mais precisamente o contido em seu artigo 35: “Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em conformidade com os princípios de sua legislação interna, para garantir que as entidades ou pessoas prejudicadas como consequência de um ato de corrupção tenham direito a iniciar uma ação legal contra os responsáveis desses danos e prejuízos a fim de obter indenização.”

Daí a necessária discussão, em lugar da presunção, a respeito

dos efeitos trazidos pelos atos de corrupção e que darão lugar às medidas

assecuratórias que visam o bloqueio de valores lícitos pertencentes aos

acusados. O fato de a corrupção, como fenômeno, ser responsável por

efeitos maléficos ao Estado de Direito, não permite ser presumido o efeito

concreto gerado por determinado(s) fato(s) de corrupção levados a

julgamento. Se assim fosse as medidas cautelares assumiriam verdadeira

característica de confisco, algo impensável no Estado Democrático de Direito.

De igual forma, também se faz necessário um correto

dimensionamento da pena de multa passível de aplicação ao imputado, seja

em relação ao valor do dia-multa, seja em relação ao número de dias-multa

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(que reconhecidamente são fixados em paralelo à gravidade da sanção

privativa de liberdade aplicada). Isso porque o bloqueio de valor, acima do

que a razoabilidade demonstra como possível, deturpa a própria essência do

instituto, pois há de se bloquear apenas aquilo que se faz necessário para

atingir o objetivo pretendido. Trata-se, pois, de observar a proporcionalidade

da medida, vetor incidente de maneira específica e individualizada sobre

cada caso concreto.

Já as reformas, para além daquilo já previsto no Código de

Processo Penal, pode-se afirmar que estão subdimensionadas, ou melhor,

dissonantes de uma das previsões mais interessantes – e discutíveis –

trazidas pela Convenção de Palermo. Trata-se do contido no artigo 54, 1,

letra “c”, do Decreto 5.687/2006, de seguinte redação: “1. Cada Estado Parte, a fim de prestar assistência judicial recíproca conforme o disposto no Artigo 55 da presente Convenção relativa a bens adquiridos mediante a prática de um dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção ou relacionados a esse delito, em conformidade com sua legislação interna: (...) c) Considerará a possibilidade de adotar as medidas que sejam necessárias para permitir o confisco desses bens sem que envolva uma pena, nos casos nos quais o criminoso não possa ser indiciado por motivo de falecimento, fuga ou ausência, ou em outros casos apropriados.”

Antes de concluir como sendo recomendação utilitarista e

contrária aos preceitos processuais penais, não se trata de aplicar pena

criminal sem o devido processo, mas sim que tais medidas sejam de outra

natureza que não criminal, mas sim de cunho administrativo ou civil.

A intenção trazida pela Convenção de Palermo, e já em vigor em

alguns países706, busca enfrentar questões práticas de largo conhecimento no

direito penal brasileiro: mesmo tendo a certeza da origem delitiva (por

exemplo, por meio de sentença condenatória transitada em julgado), na

hipótese de morte do agente ou ainda de prescrição, o artigo 107, em seus

incisos I e IV (primeira parte), do Código Penal, disciplina a extinção de

punibilidade sem que remanesça nenhum efeito da condenação.

706 Colômbia, por exemplo. A respeito vide TOBAR TORRES, Jenner Alonso. Aproximación general a la acción de extinción de dominio en Colombia. Civilizar, Bogotá, vol. 14, n. 26, enero/junio de 2014. Disponível em: http://www.usergioarboleda.edu.co/civilizar/civilizar-26/aproximacion-general-accion-extincion-dominio.pdf, acesso em 18 de agosto de 2015, às 00h22min.

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Há de se dar razão a BLANCO CORDERO quando afirma: “El comiso constituye una herramienta fundamental para la recuperación de los bienes derivados de la corrupción. Ésta, de naturaleza claramente penal, requiere la intervención de un juez que imponga en una sentencia definitiva la privación de los bienes de origen delictivo a favor del Estado. Sin embargo, en ocasiones, el comiso penal se revela como un instrumento poco satisfactorio para recuperar los activos de la corrupción. La necesidad de que exista un proceso penal motiva que, en caso de que no pueda iniciarse o se paralice, el decomiso no se llegue a imponer de manera definitiva. Ello puede suponer un incentivo enorme para aquellos presuntos delincuentes que, con el fin de consolidar sus ganancias ilícitas, van a evitar a toda costa que se lleve a cabo un proceso penal.”707

Trata-se, portanto, de retirar o protagonismo penal na seara de

efetivação da regra de que ninguém pode se beneficiar de suas ações

ilícitas.708

O intento político-criminal internacional poderia partir de

inarredável falha dogmática, ao menos aos olhos do penalista brasileiro, no

sentido de buscar subverter a natureza jurídica das causas extintivas de

punibilidade ou, quando menos, alterar por força de lei seus efeitos mais

naturais e aguardados. Felizmente se pensou diferente. Novamente BLANCO

CORDERO elucida a respeito das vantagens advindas de tal proposta

legislativa: “En cualquier caso, lo importante de esta modalidad de decomiso es que tiene carácter real, es decir, se dirige contra los bienes y no es de naturaleza penal, esto es, no va contra las personas. El decomiso sin condena, al tratarse de una institución real (in rem), puede ser imposto con criterios probatorios menos estrictos que el decomiso penal, no va a ser necesario que lo decrete el juez penal e, desde luego, puede dirigirse contra las personas jurídicas y también contra los herederos de los presuntos responsables penales.”709

Esta proposta internacional elogiada pela doutrina acima citada

resultou no projeto de Lei n. 5.681/2013, apresentado pelo Deputado Vieira

da Cunha, mas que atualmente se encontra arquivado. De qualquer forma

vale mencionar o contido nos arts. 1º e 2º da citada proposta legislativa: 707 BLANCO CORDERO, Isidoro. Recuperación de activos de la corrupción mediante el decomiso sin condena (comiso civil o extinción de dominio). In: El derecho penal y la política criminal frente a la corrupción. Eduardo A. Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso e Nicolás Rodríguez Garcia (coordenadores). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012. p. 337. 708 Cf. JORGE, Guillermo. Recuperación de activos de la corrupción. Buenos Aires: Del Puerto, 2008. p. 67. 709 BLANCO CORDERO, Isidoro. Recuperación …, p. 339. De igual forma JORGE, Guillermo. Recuperación …, p. 72.

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“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a Ação Civil Pública de Extinção de Domínio, caracterizada como a perda civil de bens, que consiste na extinção do direito de posse e de propriedade, e de todos os demais direitos reais ou pessoais, sobre bens de qualquer natureza, ou valores que sejam produto ou proveito, direto ou indireto, de atividade ilícita ou com as quais estejam relacionadas, na forma desta lei, e na sua transferência em favor da União, dos Estados, do Distrito Federal ou Municípios, sem direito a indenização. Parágrafo único. A perda civil de bens abrange a propriedade ou a posse de coisas corpóreas e incorpóreas e outros direitos, reais ou pessoais, e seus frutos. Art. 2º. Será declarada a perda de bens, direitos, valores, patrimônios e incrementos nas hipóteses em que: I - procedam, direta ou indiretamente, de atividade ilícita; II - sejam utilizados como meio ou instrumento para realização de atividade ilícita; III - estejam relacionados ou destinados à prática de atividade ilícita; IV - sejam utilizados para ocultar, encobrir ou dificultar a identificação ou a localização de bens de procedência ilícita; V - provenham de alienação, permuta ou outra espécie de negócio jurídico com bens abrangidos por qualquer das hipóteses previstas nos incisos anteriores; VI - não tenham comprovação de origem lícita. § 1º. A transmissão de bens por meio de herança, legado ou doação não obsta a declaração de perda civil de bens, nos termos desta lei. § 2º O disposto neste artigo não se aplica ao lesado e ao terceiro interessado que, agindo de boa fé, pelas circunstâncias ou pela natureza do negócio, por si só ou por seu representante, não tinha condições de conhecer a procedência, utilização ou destinação ilícita do bem. § 3º A extinção de domínio do bem, direito, valor, patrimônio ou incrementos frutos de ilicitudes discriminadas no caput e seus incisos acarretará em transferência deles em favor da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, sem direito à indenização, respeitado o direito do lesado e do terceiro de boa-fé.”

Esta proposta, é verdade, apenas reforça outras medidas há

tempos em vigor no Brasil, quais sejam a ação civil pública ou ainda a ação

de improbidade administrativa, providências judiciais a serem tomadas pelo

Ministério Público e que podem igualmente atingir o bloqueio de bens. Nada

obstante, desde que assegurados direitos e garantias aos atingidos710, da

ação civil pública ou da ação de improbidade administrativa poderiam surtir

efeitos práticos independentes do processo penal, ainda que perseguissem

objetivos idênticos e igualmente importantes.

710 “... el decomiso sin condena (decomiso civil o extinción de dominio) parece ser un mecanismo idóneo para privar a los corruptos de sus ganancias, siempre y cuando se aplique con respeto absoluto de los derechos humanos.” BLANCO CORDERO, Isidoro. Recuperación …, p. 371.

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4.3. Delação premiada e o desvelamento do lado oculto da corrupção.

Possibilidades. Experiências do direito comparado.

Uma das principais características dos atos de corrupção é o

sigilo e consequente ocultação de sua realidade. Não por outro motivo se fala

na cifra negra da corrupção, justamente em razão dos fatos que sequer

chegam ao conhecimento das autoridades competentes. Tal como o tráfico de

entorpecentes, respeitadas as diferenças entre as famílias delitivas e os

aspectos criminológicos entre a Lei de drogas e o fenômeno da corrupção,

fato é que o sigilo e a discrição foram inclusive catalogados no capítulo 01

entre as características marcantes da corrupção e, por conseguinte, também

são caracteres bem definidos junto aos tipos penais dos arts. 317 e 333 do

Código Penal.

O real motivo deste lado oculto pouco importa. Seja em razão da

ilicitude da conduta, seja por ocasião das engrenagens próprias entre

particulares e o poder presente nas mãos dos servidores públicos, a

confirmação é que as tramas dos delitos de suborno agem sub-repticiamente

e tentam ao máximo não chamar a atenção. Nada obstante, é notória a

complexidade – e a tendência de aumento desta complexidade711 – das

relações travadas entre o poder público e os particulares. E, descoberto o

caso concreto, vale ainda mais a regra do silêncio entre corruptor e corrupto,

também de maneira a não quebrar o elo, muitas vezes permanente, entre

ambos. Não sendo quebrado o silêncio e, passadas as agruras iniciais do

processo penal, da eventual prisão preventiva e dos costumeiros bloqueios

patrimoniais, tudo poderá ser retomado, ainda que com outra roupagem

pública e privada.

Como medida de política criminal, ainda que não diretamente

pensada para o caso da corrupção, várias alterações legislativas surgiram

nos ordenamentos jurídicos, inclusive no brasileiro, no sentido de quebrar a

regra do silêncio mediante políticas preventivo-premiais. Trata-se de normas

711 Cf. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Ramon. Heroes o traidores? La protección de los informantes internos (whistleblowers) como estrategia político-criminal. In: Indret, Revista para el análisis del derecho, Barcelona, 3/2006, julio de 2006. Disponível em http://www.indret.com/pdf/364.pdf, acesso em 27 de outubro de 2015, às 20h19min. p. 04.

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favorecedoras ao acusado colaborador com as instituições responsáveis pela

investigação, buscando estas tanto prevenir delitos, como atingir a prova para

reprimir aqueles dos quais já se suspeita e se investiga, tudo isso por meio da

outorga de vantagens nomeadamente processuais e penais ao imputado que

revelar a verdade e colaborar à elucidação dos fatos típicos. No plano dos

fatos trata-se da constatação da inarredável utilização das normas jurídicas712

para o controle de práticas intoleráveis ao Estado e à sociedade.

Das leis713, penais e extrapenais, em que este tema foi retratado

normativamente, vale ressaltar o artigo 8º, § único, da Lei 8.072/90 (crimes

hediondos), o artigo 6º da Lei nº 9.034/1995 (organizações criminosas), o

artigo 25, §2º, da Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro

nacional, por meio da alteração promovida pela Lei nº 9.080/1995), os arts. 1º

ao 7º da Lei nº 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária, econômica e

relações de consumo, por meio da alteração promovida pela Lei n.

9.080/1995), o artigo 159, §4º, do Código Penal (crime de extorsão mediante

sequestro, por meio da alteração promovida pela Lei n. 9.269/1996), os arts.

1º e 5º da Lei nº 9.613/ 1998 ( lavagem de dinheiro); os arts. 13 e 14 da Lei nº

9.807/1999 (lei de proteção a testemunhas), o artigo 35-B da Lei nº

8.884/1994 (ilícito contra a ordem econômica por meio da alteração

promovida pela Lei n. 10.149/2000), o artigo 32, § 2º, da Lei nº 11.343/2006

(lei de drogas) e, mais recentemente, o artigo 4º da Lei 12.850/2013, que

passou a regular com mais detalhes a denominada colaboração714 premiada.

Nenhuma destas medidas legislativas visou atingir unicamente

os delitos de corrupção, muito embora sobre tais delitos ocorram reflexos

712 Cf. VILLAR BORDA, Luis. La corrupción oficial en los Estados contemporáneos. In: Derecho Penal y Criminología. Universidad Externado de Colombia, Bogotá, vol. 21, número 68, 2000. Disponível em http://revistas.uexternado.edu.co/index.php/derpen/article/view/1127/1069, acesso em 25 de outubro, às 17h57min. p. 126. 713 Histórico retratado em NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 677 e 678; BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários à lei de organização criminosa: lei 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 119 a 124. No plano internacional as Convenções realizadas no âmbito da Organização das Nações Unidas (Palermo, artigo 26 e Mérida, artigos 8 e 37) também cuidaram de tratar do tema. 714 Sobre a distinção entre os termos delação premiada e colaboração premiada vide FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade organizada. Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. Curitiba: Juruá, 2014. p. 76 a 79.

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diretos, principalmente porque a corrupção pode estar envolta com a

organização criminosa ou ainda com a lavagem de dinheiro, com o que as

Leis 9.613/98 e 12.850/2013 teriam incidente aplicação. E, como se não

bastasse, a Lei 9.807/1999 tratou indistintamente da delação premiada, sem

remetê-la a este ou aquele delito específico, fazendo seus benefícios

recaírem sobremaneira sobre os delitos de suborno.

Especificamente em torno da corrupção são dignas de nota as

inserções trazidas pela Lei 12.846/2013, a “Lei Anticorrupção”. Neste diploma

legal passou a ser regulado, no artigo 16, o instituto denominado de acordo

de leniência715. Este, muito embora sem caráter penal definido, possui

relação próxima, em sua gênese e efeitos, com a colaboração premiada,

inclusive na produção e uso de provas passíveis de geração a partir da

delação premiada e do acordo de leniência.716

Outro ponto de relacionamento entre o sistema penal e as

normas administrativas da Lei Anticorrupção são os programas de

cumprimento ou compliance, melhor retratados no subitem 4.6. deste estudo,

com implicação direta com as medidas premiais aqui retratadas.

O instituto da colaboração premiada no direito brasileiro, dentre

os modelos717 à disposição do legislador, nasce da premissa e do objetivo de

maximizar a eficiência do processo penal por meio de prêmios718 a serem

715 De acordo com NUCCI, “não se trata propriamente de leniência, mas de outros institutos, também camuflados por uma terminologia mais aprazível. Quer-se a confissão da pessoa jurídica ou a delação premiada. Esses são os autênticos objetivos.” NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 178. 716 A respeito do relacionamento entre a delação premiada e o acordo de leniência previsto na Lei 12.846/2013 vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. O acordo de leniência na lei anticorrupção. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 947, setembro de 2014; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 345 e 348; LAMY, Anna Carolina Pereira Cesarino Faraco. Reflexos do acordo de leniência no processo penal: a implementação do instituto ao direito penal econômico brasileiro e a necessária adaptação ao regramento constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. 717 De acordo com RAGUÉS I VALLÈS as estratégias poderiam ser (i) aumento dos deveres de denunciar e sanções em caso de descumprimento, (ii) recompensas e (iii) proteção. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing. Una aproximación desde el derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 40 e seguintes. Claro que para a realidade própria da colaboração de alguém que tenha cometido delitos e resolva colaborar, a saída mais comum será por meio de oferecimento de benefícios criminais, nomeadamente de redução de pena e similares. 718 “A lei do silêncio, no universo criminoso, ainda é mais forte, pois o Estado não cumpriu sua parte, consistente em diminuir a impunidade, atuando, ainda, para impedir que réus colaboradores pereçam em mãos dos delatados. Ademais, como exposto nos fatores

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concedidos ao acusado-colaborador, partindo da diminuição da pena até o

perdão judicial, tudo dependendo do regramento aplicável e da situação

concreta.

Portanto, quanto aos objetivos719 pretendidos pelos institutos de

colaboração premiada não há porque deixar de observar o óbvio: busca-se a

maximização dos resultados, do desvelamento dos fatos criminosos

cometidos e da recuperação das vantagens atingidas pelos responsáveis.

Tudo isso se encaixa no objetivo último de tutelar o bem jurídico agredido em

cada caso concreto, naquilo já mencionado neste estudo como o controle

social do intolerável. Contudo, como no Direito penal e processual não há de

imperar a máxima de que <<os fins não justificam os meios>>, há de ser feita

uma ponderação a ponto de averiguar a adequação de tais iniciativas com

outros institutos de natureza penal, em especial com as garantias penais que

impedem o Estado de ultrapassar certos limites, mesmo que direcionados à

tutela de bens jurídicos e proteção da sociedade.

Ao contrário do que se possa imaginar, a utilização de prêmios

ao acusado, que passa a colaborar de alguma forma com o Poder Judiciário

ou ainda com os órgãos de investigação, não é nova no direito brasileiro.

Pelo contrário. Numa rápida passada de olhos pelo Código Penal e pela

legislação extravagante verificam-se exemplos de notória aplicação, ainda

que ostentem naturezas jurídicas diversas. Como regra geral estampada no

artigo 65, inciso III, letra “d”, do Código Penal, está o instituto da confissão.

Também no Código Penal estão reguladas algumas causas extintivas da

punibilidade, como o caso da retratação (artigo 107, inciso VI, do Código

positivos da delação, o arrependimento pode surgir, dando margem à confissão espontânea e, consequentemente, à delação. O prêmio deve surgir em lugar da pena, afinal, a regeneração do ser humano torna-se elemento fundamental, antes mesmo de se pensar no castigo merecido pela prática da infração penal. (...)” NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 691. 719 Apontam Walter Barbosa BITTAR e Alexandre Hagiwara PEREIRA: “Entretanto, no caso da delação premiada, há um consenso no sentido de que o instituto segue uma moderna orientação político-criminal. E não poderia ser diferente, pois de uma forma geral, o que se busca com a delação premiada é uma ajuda nas investigações criminais, seja recuperando o produto do crime, seja identificando os demais participantes do delito, sempre se fundamentando predominantemente em interesses criminais.” BITTAR, Walter Barbosa; PEREIRA, Alexandre Hagiwara. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 69.

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Penal) nos crimes de ação penal privada ou ainda o perdão judicial (artigo

107, inciso IX, do Código Penal).

Na parte especial do Código Penal a figura típica do artigo 342

do diploma penal (delito de falso testemunho) exara instrumento de política

criminal muito interessante a ser aplicado a partir de conduta voluntária da

testemunha que, antes da sentença penal condenatória a ser proferida no

processo, que tenha faltado com a verdade tem a condição de “voltar atrás”,

fazer notar a sua inverdade, revelar o que tem conhecimento, sendo

premiada com o perdão judicial. Na legislação especial, cumpre mencionar a

Lei 8.137/90 e os diversos dispositivos (v.g., artigo 15, Lei 9.964/2000; artigo

9º, Lei 10.684/2003; artigo 69, Lei 11.941/2009, etc.) – alguns por demais

criticáveis – que possibilitaram e possibilitam a extinção da punibilidade pelo

pagamento do imposto devido nos delitos contra a ordem tributária.

O que se quer dizer com isso é que a colaboração do agente

como condição para que seja diminuída sua pena ou ainda se lhe extinga a

punibilidade já é circunstância há muito conhecida no Direito penal e vem

fundamentada, de acordo com o caso, a partir de critérios de justiça e

conveniência político-criminal.

A delação premiada, ou colaboração premiada como gizado nas

Leis 9.807/1999 e 12.850/2013, atua na mesma linha de conveniência

político-criminal ao oportunizar diminuição de pena ou até o perdão judicial

para o agente corrupto, por exemplo, que revele toda a verdade sobre os

fatos de que tenha conhecimento. Todas as disposições penais acima

mencionadas a respeito da colaboração premiada rezam que o prêmio judicial

terá como parâmetro a extensão da colaboração do acusado.

Contudo, a delação premiada se distingue, obviamente, de uma

mera confissão e desta característica própria do instituto da colaboração se

atinge um importante aspecto sobre a bilateralidade do delito de corrupção.

Os institutos mencionados acima (previstos no Código penal e na legislação

extravagante) incidem sobre a figura do acusado e sobre um aspecto de sua

conduta unicamente considerada, ou seja, diminui-se a pena daquele que

confessar a própria conduta, extingue-se a punibilidade daquele que pagar o

próprio tributo e assim por diante.

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Já a colaboração premiada só tem sentido se este acusado ou

imputado revelar o que sabe sobre sua conduta e também sobre a conduta de

terceiros. Daí o termo vir retratado na lei das organizações criminosas e em

outras figuras típicas em que pode ocorrer a interação, via de regra, de mais

de um agente criminoso. Não delata apenas sua conduta, mas sim a de toda

a associação ou organização criminosa, de toda uma estrutura que tenha

participado de maneira conjunta a respeito de determinados fatos criminosos.

Sendo a corrupção um delito essencialmente bilateral (cuja

tipificação permite a punição autônoma e única do corruptor ativo ou passivo),

a colaboração premiada incide frontalmente, pois há o que delatar a respeito

do outro, ou seja, a respeito do corruptor ativo ou do corruptor passivo, tudo

conforme o caso. Associe-se aí o manifesto lado oculto da corrupção e sobre

o qual já se fez menção anteriormente com a realidade de que a grande

corrupção brasileira caminha lado a lado com os delitos de organização

criminosa e lavagem de dinheiro para se chegar à direta correlação entre os

temas corrupção e colaboração premiada.

Outra diferença notória para uma simples confissão ou qualquer

outra medida tomada reveladora da verdade ou de sua culpabilidade pelo

próprio acusado é a de que na colaboração premiada impõe-se a

necessidade de comprovação de fatos contra terceiros. Ao indiciado ou,

conforme for, ao já acusado formalmente pelo Estado, incumbe produzir

provas em favor do órgão acusatório, passando a ser uma fonte produtora de

provas em favor, em último termo, do órgão acusatório. Não se trata

necessariamente de sair a campo para criar e gerar tais provas, mas sim de

comparecer formalmente no processo criminal por meio de depoimentos e

documentos, na linha do estipulado, por exemplo, no artigo 4º da Lei

12.850/2013: “Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

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IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”

A questão posta diretamente em torno da corrupção é se a

colaboração premiada é um meio, para além de uma pretensa eficácia certa e

irrestrita720 que se deposita no instituto, também constitucional, devendo-se

“pensar, de fato, em instrumentos que possam levar à eficácia da

investigação dos crimes, mas dentro de padrões que se colocam, ou seja,

dos padrões constitucionais, os quais não devem ser manipulados

retoricamente, como se tem feito.”721 Toda e qualquer obtenção de provas,

incluindo aqui aquelas advindas da delação premiada a que de outro modo

muito dificilmente o órgão acusatório teria acesso, possui limites

constitucionais a serem obrigatoriamente observados.

Críticas contundentes se dirigem ao instituto da colaboração

premiada, porquanto o formato previsto em lei dá cobertura a alguns

disparates de ordem prática. Trata-se dos desvios (que não deveriam existir)

a partir da realidade normativa estipulada nas leis regentes do instituto.

Assim, o descompasso concreto entre a natureza do instituto e a

sua incidência de fato está bem colocado nas palavras de Édson Luís

BALDAN: “Hoje, com a anomia reinante na fase de investigação preliminar, onde múltiplos agentes e órgãos do Estado invocam legitimidade para fazê-la, mantendo-se o defensor (este inexplicavelmente sem poderes investigatórios) o mais distante possível da devassa oficial, constata-se metodologia de apuração calcada sobre um tripé previsível: interceptação telefônica inicial, por prazo indefinido, objetivando a coleta de indícios que motivarão o decreto de uma prisão cautelar que, a sua vez, será empregada como instrumento de coação sobre o imputado, instado sem recatos pelos investigantes e acusadores a confessar e delatar, tendo a própria liberdade como objeto de vergonhosa e desigual barganha. Ao estabelecer a delação como condição para cessação da privação da liberdade do preso, pratica o Estado inédita modalidade de extorsão da prova mediante sequestro do investigado, sob a complacência do Poder Judiciário. Preço do “resgate”

720 Vide, por exemplo, a opinião de Vladimir Aras em entrevista concedida ao Jornal O Estado de São Paulo em 04 de fevereiro de 2015, disponível em http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/corrupcao-no-brasil-e-endemica-diz-procurador/, acesso em 21 de agosto de 2015, às 17h36min. 721 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Fundamentos à inconstitucionalidade da delação premiada. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 159, fevereiro de 2006. p. 07. Asseverando se tratar de instituto manifestamente inconstitucional tem-se a opinião de ESTELLITA, Heloisa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 202, setembro de 2009.

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pode ser, além da confissão, também a apresentação de outras provas materiais ou documentais, negociáveis entre um indigitado de garantias acanhadas e um Estado de poderes dilatados e sem freios éticos.”722

A triste realidade está fatalmente confirmada pela leitura dos

jornais, quando não na atualização televisiva diária da operação policial sem

fim em curso no País desde março de 2014. Antes da delação persiste o

decreto prisional. Ao assinar o acordo de delação, o decreto prisional se

esvai, como se o risco ao processo e à alargada interpretação da ordem

pública persistisse antes da delação pelo simples fato de a própria

colaboração ainda não ter sido assinada entre as partes.

Não se desconhece que a atitude de se tornar um réu

colaborador também passa pelo direito de defesa do acusado e por uma linha

tanto de abdicação (pois não fará uso do direito ao silêncio e o de não

produzir prova contra si) como de exercício (sua colaboração irá refletir em

benefícios processuais e penais para sua melhor defesa) do direito de defesa

garantido constitucionalmente.

Aqui incidem as críticas formuladas por SCHÜNEMANN723 a

respeito do sistema processual penal norte americano que o aludido

professor, em caráter profético, anunciou que se alastraria pelos sistemas

jurídicos europeus, estes fortes modelos para a América Latina. Muito embora

as críticas do professor alemão se dirijam ao instituto do guilty plea norte-

americano, suas conclusões podem ser aplicadas diretamente sobre o

instituto da colaboração premiada, a saber: (i) em vários casos pune-se mais

severamente o acusado que tenha feito uso de seu lídimo direito de defesa e,

portanto, tenha enfrentado o processo penal ao invés de ter se submetido ao

acordo de delação724; (ii) é exercida grave pressão ao acusado, pois na

hipótese de fazer valer o seu direito de responder ao processo penal e

discutir sua inocência, acaso condenado poderá (e receberá) pena bem

722 BALDAN, Édson Luís. O jogo matemático da delação e a extorsão da prova mediante sequestro do investigado. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 159, fevereiro de 2006. p. 05. 723 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual-penal norte-americano. In: Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 240. 724 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 252.

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superior à proposta em caso de delação725; e, (iii) subverte-se a lógica de

aplicação da pena, pois a pena reduzida em caso de acordo de colaboração

não mais se rege pela proporcionalidade de ataque a determinado bem

jurídico, mas sim sob a égide da extensão da delação e seus efeitos726.

Na verdade há de se averiguar se as regras de colaboração

premiada, em especial as trazidas pela Lei 12.850/2013, trazem em si o

adjetivo de constitucionais. Isso sem se olvidar que a delação premiada não

pode ser utilizada como instrumento de barganha para a revogação da prisão

processual nem essa, como o outro lado da moeda, ser decretada ou mantida

com fins de fragilizar o acusado de modo a crer na delação premiada como a

única possibilidade de se defender adequadamente, ter sua pena

obrigatoriamente diminuída e, em curto prazo, ter sua liberdade recobrada.

A isso se deve associar o mais amplo direito de defesa ao

acusado durante o processo em que já tiver sido assinado o acordo de

delação premiada. Não há como impedir o acusado colaborador de buscar

meios legítimos (recursos, ações constitucionais, etc.) para infirmar a

qualidade e quantidade da prova de que o Ministério Público faz uso.

Outro ponto de não menos importância é a figura da

homologação judicial do acordo firmado entre as partes prevista nos §§ 7º e

8º do artigo 4º da Lei 12.850/2013 de seguinte teor: “§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. § 8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.”

Evidentemente que a homologação judicial visa garantir o

estipulado em lei, isto é, a necessidade, regularidade e legalidade do acordo

firmado entre acusação e defesa. Nada mais natural e também adequado que

isso seja feito por interveniente imparcial. Ademais, esta homologação não

poderia nunca ser feita pelo mesmo Juiz responsável727 pelo julgamento ou

725 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 253. 726 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 253. 727 Cf. FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade ..., p. 136 a 138.

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ao qual está registrado o Inquérito Policial, justamente para não oferecer

perigo à imparcialidade deste, eis que ainda será o responsável por decretar

a sorte do acusado, condenando-o ou absolvendo-o.

As observações neste sentido são de Heloisa ESTELLITA: “Assim, afora a ínsita ilegalidade da celebração de acordo entre indiciado/acusado e Ministério Público e sua homologação pelo juiz, a natureza jurídica da delação premiada impede que se possa falar em acordo antecipando sua aplicação. De um lado porque não incumbindo ao Ministério Público proferir sentença, não pode (ou não deve) prometer algo que não pode cumprir; de outro porque, acaso o acordo seja “homologado” pelo magistrado, tal proceder implica duplo julgamento antecipado do mérito da ação penal: a) o juízo de condenação; b) o juízo acerca da presença dos requisitos legais para a aplicação da causa de diminuição da pena. Caso o objeto da delação seja a “identificação dos demais co-autores ou partícipes, esse julgamento antecipado do mérito da ação penal efetuado na celebração do “acordo” priva delator e delatado de garantias básicas decorrentes do devido processo legal: de um lado, priva o acusado delator de qualquer possibilidade de um julgamento justo, porque o seu julgador já se “comprometeu” a condená-lo; e, de outro, tira dos delatados a mesma possibilidade, pois já se proferiu um juízo antecipado de certeza sobre a “identificação dos demais co-autores ou partícipes.”728

Portanto, se de um lado não se pode subtrair a figura do Juiz729

para a homologação do acordo, esta homologação deveria ser subtraída do

Juiz responsável pelo julgamento da causa, devendo este ter acesso apenas

quando os autos estivessem conclusos para sentença.

Outro aspecto constitucional a ser debatido sobre a delação

premiada nos termos em vigor na legislação brasileira se refere ao sigilo dos

depoimentos prestados pelo acusado colaborador. Diz o artigo 7º da Lei

12.850/2013 que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente

distribuído, sendo o acesso restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao

delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações,

assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso

aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,

devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às

728 ESTELLITA, Heloisa. A delação ..., p. 02 e 03. 729 Pondera Frederico Valdez PEREIRA: “A colaboração premiada, enquanto atividade preliminar de coleta de elementos apuratórios no âmbito investigativo, deve ser dirigida por membro do MP, mantendo-se o juiz afastado das tomadas de depoimento do arrependido e dos prêmios conexos aos ajustes esboçados. Ao juiz compete aferir a observância preliminar dos pressupostos do instituto em concreto e se foram observadas as garantias do colaborador, sem se comprometer antecipadamente com a concessão de prêmio ao agente, tampouco se envolvendo em atos de cunho investigatório.” PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 145.

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236

diligências em andamento. O acordo de colaboração deixará de ser sigiloso,

por sua vez, assim que recebida a denúncia.

Salvo melhor juízo, a providência de se proibir o acesso dos

delatados aos autos de delação premiada é medida que atinge diretamente o

direito de defesa730 garantido constitucionalmente. O argumento de que isso

seria necessário para garantir o direito das providências e diligências em

andamento é falacioso, porquanto existem diligências que já podem estar

concluídas e, portanto, seu teor não deveria ser sonegado ao conhecimento

do acusado (delatado) e seu defensor. Outrossim, não parece claro qual seria

a posição sobre o acesso aos autos em caso de processo já em andamento,

ou seja, em que o réu colaborador passa a prestar informações e dados no

curso da ação penal e contra corréus. Evidentemente que estes devem ter

acesso quase que imediato ao conteúdo fornecido pelo réu delator, pois

sobre o teor de suas informações poderão requerer a produção de provas e

isso deve ocorrer, naturalmente, antes de proferida a sentença.

Não há motivo, ademais, para que o termo, a partir do qual se

poderá dar acesso à delação, seja o recebimento da denúncia e não o seu

oferecimento. Qual o risco ou prejuízo a qualquer das partes em ter acesso a

documentos que deem supedâneo à denúncia já formalizada pelo Ministério

Público, contudo ainda não recebida pelo Magistrado? A princípio, nenhum.

Trata-se de medidas pontuais a serem alteradas na legislação

brasileira, sempre com a devida observação dos Magistrados e órgãos

recursais, para que o instrumento da delação não seja exercido com abuso

pela acusação ou ainda que meras formalidades legais impeçam

indevidamente o exercício de defesa.

Certamente há muito que caminhar de modo que a delação

possa atingir <<constitucionalmente>> os efeitos pretendidos e bem

assinalados por David Teixeira de AZEVEDO: “A delação promove a tutela de bens jurídicos pela descoberta precoce de infrações criminais, identificação da autoria ou participação de agentes, redução das consequências jurídicas do crime, resgate do bem jurídico objeto de proteção, a cumprir exitosamente a finalidade política de conservação das condições essenciais da vida em comunidade. De outro lado, a delação antecipa o juízo ético-retributivo-preventivo próprio do direito punitivo. Ela implica a declaração antecipada – pelo Estado-Juiz –

730 Cf. a respeito NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios ..., p. 263 e seguintes.

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237

do cumprimento satisfatório da finalidade do magistério punitivo: prevenção especial de delitos pela reformulação do agente de sua hierarquia axiológica, com a penetração de sua personalidade pelos valores ético-jurídicos imperantes, cujo respeito e adesão são exigidos apenas no plano objetivo na vida em sociedade: demandar uma tal adesão e incondicional acatamento no plano subjetivo seria a recepção de uma intervenção autoritária do Estado no exercício do magistério punitivo. A retomada – repita-se: na perspectiva objetiva – do respeito aos valores fundamentais de convivência, o reconhecimento da prática da infração criminal, a busca de uma proveitosa e útil persecução penal, a diminuição do dano causado pelo crime e o resgate do bem jurídico, por outro lado, constituem índice da desnecessidade da pena criminal – ou necessidade em grau diferenciado – sob a ótica da prevenção geral e da prevenção especial de crimes.”731

Alguns fatores fáticos e normativos conduzem a discussão para

além dos limites da colaboração premiada e da capacidade de rendimento

daquele instituto ao desvelamento da corrupção em sentido estrito. Assim,

considerando (i) as críticas à delação premiada, (ii) a interpretação de que a

Lei 12.850/2013 deve ser aplicada tão-somente para os casos em que se

esteja a falar de organizações criminosas e (iii) a necessidade de

devolução/recuperação732 dos valores transcorridos como propina para que

se possa aplicar os dispositivos da Lei 9.807/1999, torna-se possível pensar

em modernizar a legislação brasileira direcionada à corrupção, sempre e

quando isso seja feito de maneira responsável e criteriosa.

A edição de novas normas de caráter penal sempre comporta

algum risco, mas que o legislador não pode deixar de correr. E, ao que indica

a realidade brasileira, pouco caso se faz deste risco, a ponto de realmente se

legislar de maneira simbólica e pouco efetiva. No caso não se advoga a

criação de um tipo incriminador, mas sim um dispositivo que possa premiar o

agente que revele, dentro de determinado lapso temporal e mediante o

cumprimento de certos requisitos, a prática da corrupção ativa.

731 AZEVEDO, David Teixeira de. Delação premiada e direito de defesa. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 265, dezembro de 2015. p. 04. O instituto da delação premiada está longe da unanimidade no direito brasileiro. Assim, criticamente, alegam BITENCOURT e BUSATO: “Está-se tornando intolerável a inoperância do Estado no combate à criminalidade, seja ela massificada, organizada ou desorganizada, conforme nos têm demonstrado as alarmantes estatísticas diariamente. E, agora, com esta medida, o Estado confessa abertamente sua incapacidade de exercício do controle social do intolerável e convoca em seu auxílio o próprio criminoso. (...) Com essa figura o legislador brasileiro possibilita premiar o “traidor”, oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros punitivos, alheio aos fundamentos do direito-dever de punir que o Estado assumiu com a coletividade.” BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 116 e 117. 732 Artigos 13 e 14 da Lei 9.807/1999.

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238

Quanto ao requisito subjetivo, advoga-se a tese de cabimento de

tal benefício a partir de um comportamento pós-delitivo733 realizado apenas

pelo particular e, portanto, autor do suborno ativo. Tal cabimento se baseia na

diferença de deveres extrapenais existentes entre o particular e o servidor

público para com a administração pública e, consequentemente, na distinta

valoração jurídico-estatal a ser feita sobre o fato delitivo cometido.

O requisito objetivo diria respeito à modalidade e forma da

corrupção cometida pelo particular, sendo cabível a escusa absolutória tão-

somente nos casos em que a entrega da vantagem indevida tenha sido

realizada pelo particular por solicitação do servidor público e, igualmente, que

tal entrega tenha sido solicitada para a prática de um ato de ofício lícito pelo

servidor.

Se, sob a égide da legislação brasileira atual, a conduta de

entregar é atípica como defendido acima, o que se faz com especial rigor e

apelo ao princípio da legalidade, neste estudo já foi delineada a viabilidade

de, em futura reforma legislativa, ser criminalizada a conduta de entregar

vantagem indevida a servidor público. Deste modo, a escusa absolutória aqui

pretendida exerce função particular dentro do sistema tipológico a ser

reformulado para a correta proteção jurídico-penal do bem jurídico.

Portanto, cabível a escusa absolutória direcionada ao desvelar o

pacto corruptivo unicamente para os casos em que o início delitivo tenha sido

iniciado pelo servidor público e que o particular tenha entregue a vantagem

indevida a pedido daquele, desde que para a prática de ato lícito.

Por fim, o requisito de ordem temporal. Acaso não fixado um

requisito temporal, poderia ser o sujeito ativo da corrupção ativa beneficiado

a qualquer tempo e sobre a sua conduta ser exigida unicamente a

voluntariedade (a exemplo do que ocorre com a colaboração premiada)734.

Parece incabível apenas a voluntariedade, mas sim exigida do agente uma

conduta totalmente espontânea e, para tanto, ser tomada pelo particular,

antes da instauração de qualquer procedimento administrativo investigatório 733 Nos dizeres de Luiz Regis PRADO tal instituto ganharia a natureza jurídica de escusa absolutória posterior ou superveniente. Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 583. 734 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais ..., p. 692; BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 119.

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239

pela autoridade competente, no caso a polícia judiciária e, atualmente, o

próprio Ministério Público, haja vista a pretensa permissividade constitucional

das atividades investigativas desenvolvidas pelo órgão acusatório.

Dispositivo de semelhante função e estrutura está há certo

tempo inserido no ordenamento jurídico espanhol, ao menos desde o Código

Penal de 1995, tendo sofrido pequena reforma em 2010, está atualmente com

a seguinte redação: “Art. 426. Quedará exento de pena por el delito de cohecho el particular que, habiendo accedido ocasionalmente a la solicitud de dádiva u otra retribución realizada por la autoridad o funcionario público, denunciare el hecho a la autoridad que tenga el deber de proceder a su averiguación antes de la apertura del procedimiento, siempre que no haya transcurrido más de dos meses desde la fecha de los hechos.”

Esta disposição normativa possui intenção muito similar ao da

delação premiada. Na verdade é idêntica no objetivo, mas exige do

denunciante-colaborador muito menos do que o extenso rol de exigências

inserido na Lei 12.850/2013 e não conta com os efeitos adversos antes

demonstrados. Ademais, tal inovação cumpriria com a função de proporcionar

o desvelamento de casos menores de corrupção e contaria com suficiente

apelo político-criminal adequado às normas constitucionais. Outrossim, trata-

se de instituto propriamente direcionado à corrupção e apto a gerar um

prêmio de natureza penal diretamente interligado à característica das mais

dificultosas à investigação criminal da corrupção: o seu caráter de ocultação,

de acordo sub-reptício.

Portanto, reitere-se que o primeiro aspecto positivo a ser

destacado sobre tal intento político criminal é o de destinar-se a questões

menores de corrupção. Aos casos de maior envergadura e,

consequentemente, de elevado desvalor da conduta, possivelmente

permeados pela existência de organizações criminosas, a delação premiada

(com seus rigores) ainda seria o caminho a ser exigido pelos membros do

órgão acusatório. Contudo, para as pequenas e principalmente pontuais

ocorrências delitivas, esse comportamento pós-delitivo poderia funcionar

como relevante instrumento ao desvelamento da corrupção.

Não obstante, de nada valeria a criação da norma se esta não

vier a ser difundida entre a sociedade e, inclusive, encorajada pelas

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240

instituições. Do contrário, em especial ao particular, este certamente não se

sentirá em situação confortável para realizar a denúncia premiada. Pelo

contrário, funcionará como corruptor e, diante do receio maior do servidor

corrupto superar a segurança da garantia de proteção estatal, por óbvio

manterá o silêncio. A norma de nada adiantará.

Outro fator interessante é o de fixar um lapso temporal para que

aquele que participar de acordo corrupto comunique a autoridade. O prazo

fixado na lei espanhola é de no máximo 02 meses a contar da data do fato

criminoso. Tal prazo não só parece bastante razoável, como a exigência de

que o termo fatal seja o início do procedimento também soa adequado. Em

termos brasileiros se poderiam associar o início do procedimento como a data

em que a autoridade policial ou o Ministério Público instauram o procedimento

investigatório. Caso se fixe como possível a comunicação posteriormente ao

início da formalização da investigação, parece que o caráter espontâneo da

colaboração se perderia por completo, fazendo o acusado jus apenas à futura

atenuante da confissão.

A adoção de dispositivo deste teor teria também a vantagem de

solucionar o atual enquadramento legal do particular que se vê obrigado a

entregar a vantagem indevida e que parte da jurisprudência735 costuma

vislumbrar como uma ocorrência de corrupção ativa e não de concussão.

Tal como na delação premiada, para que norma desta ordem

cumpra o seu papel político-criminal, é necessária plena confiança na solução

estatal, na investigação do fato comunicado e, principalmente, na segurança

que o Estado dará ao delator.

Em caráter de remate fica salientado o posicionamento lançado

por OLAIZOLA NOGALES ao instituto: “... se ha visto que tiene un doble fundamento: por un lado facilitar al particular que accede <<presionado>> por el funcionario, la posibilidad de librarse de la sanción penal, aun habiendo cometido un delito. Por otro lado, el precepto favorece el descubrimiento de los elementos corruptos que actúan dentro de la Administración, perturbando el correcto servicio que los poderes públicos deben prestar a los ciudadanos.”736

735 V.g., TRF4, Apelação Criminal n. 2000.71.11.000494-6, Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, 7ª Turma, DJ 17/05/2006. 736 OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito ..., p. 444.

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241

4.4. Organização criminosa e corrupção.

Já faz muito tempo que há notória preocupação dos organismos

internacionais e dos países que os compõem com o que se pode denominar

de criminalidade organizada737 e, a partir daí, com as organizações

criminosas.738

Fruto de intenso debate, inclusive com vozes crítico-discordantes

a respeito do tema739, não há como negar a gravidade da intersecção entre os

dias atuais e a criminalidade organizada. Segundo MOCCIA: “No que concerne à luta contra a criminalidade organizada, a ampliação da intervenção penal foi a consequência da assunção pelas organizações de uma especial consistência, de uma capacidade sem precedentes de penetração no território e nas mesmas instituições. Se a isso se soma a relevantíssima força econômica do crime organizado como empreendimento, a sua capacidade de operar e desafiar o livre mercado – como imissões nos circuitos econômico-financeiros de ingentíssimas quantidades de capitais -, o quadro de uma ilegalidade disseminada faz-se completo.”740

No tocante ao direito brasileiro os Decretos 5.015/2004 e

5.687/2006, responsáveis por internalizar no ordenamento jurídico brasileiro

as Convenções levadas a efeito pela ONU, Palermo e Mérida,

737 Definida, a partir dos critérios da Organização das Nações Unidas (ONU) na Convenção de Palermo, como: organização estruturada destinada para a comissão de delitos graves e dirigida à busca de benefícios econômicos. Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 50. 738 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 05. 739 De acordo com Juarez Cirino dos SANTOS: “A experiência mostra que a resposta penal contra o crime organizado se situa no plano simbólico, como espécie de satisfação retórica à opinião pública mediante estigmatização oficial do crime organizado – na verdade, um discurso político de evidente utilidade: exclui ou reduz discussões sobre o modelo econômico neoliberal dominante nas sociedades contemporâneas e oculta as responsabilidades do capital financeiro internacional e das elites conservadoras dos países do Terceiro Mundo na criação de condições adequadas à expansão da criminalidade em geral e, eventualmente, de organizações locais do tipo mafioso.” SANTOS, Juarez Cirino dos. Crime organizado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 42, janeiro de 2003. p. 222 e 223. De igual forma vide TAVARES, Juarez. A globalização e os problemas de segurança pública. In: Revista da Associação de Professores de Ciências Penais, São Paulo, vol. 0, ano 01, 2004. p. 127-142 e HEFENDEHL, Roland. La criminalidad organizada como fundamento de un derecho penal de enemigo o de autor? In: Derecho penal y criminología, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, volume 25, número 75, 2004. p. 57. 740 MOCCIA, Sergio. O controle da criminalidade organizada no Estado Social de Direito: aspectos dogmáticos e de política criminal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 92, setembro de 2011. p. 33.

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242

respectivamente, assumem particular relevância para o enfrentamento da

criminalidade organizada.

Ora, em ambos os Decretos estão previstas medidas

direcionadas a desvelar, reprimir e prevenir o crime organizado. Obviamente

existem diferenças, em especial de conteúdo, pois o Decreto 5.015/2004

claramente assume como tema principal o crime organizado e o Decreto

5.687/2006, por sua vez, possui como temática principal a corrupção. Mas, ao

deixar de lado aspectos herméticos, por óbvio que os diplomas legais se

completam e buscam oferecer adequadas respostas normativas à realidade

social, considerando a verdadeira simbiose entre crime organizado741 e

corrupção.

Muito embora a discussão em torno das organizações criminosas

não seja nova742, a atualidade das suas ações dá-se em razão dos avanços

tecnológicos e da globalização, contribuindo para a alteração de panorama

como informam CALLEGARI e WERMUTH: “Inseridas em nossa sociedade

globalizada, as organizações criminais transformaram um mercado de

ingressos ilegais organizados de forma artesanal em um mercado ilícito

empresarial gerenciado internacionalmente.”743

Isso se atrela ao tema da corrupção, pois a “cruzada” atual

contra a corrupção transcorre pari passu com a “cruzada” contra a

criminalidade organizada, a ponto de ser uma só. Os tratados internacionais e

os decretos 5.015/2004 e 5.687/2006 bem evidenciam essa afirmação.

741 Aqui compreendido como sinônimo de criminalidade organizada, muito embora não se desconheça a crítica de PRADO: “O crime organizado, por sua vez, não se confunde com a criminalidade organizada ou com organização criminosa, enquanto entidade jurídico-penal; só tem viabilidade ou relevância se efetivamente existe uma norma penal que sobre ele disponha, seja na forma de um tipo penal correspondente, seja na forma de uma causa de aumento de pena – o que será objeto de posterior reflexão. Do contrário, verifica-se a existência de uma criminalidade organizada, de organizações criminosas – inclusive com relevância jurídico-penal -, mas não seria possível constatar a existência, no mundo jurídico, do crime organizado.” PRADO, Luiz Régis. Associação criminosa. Crime organizado (Lei 12.850/2013). In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 938, dezembro de 2013. p. 260. 742 Muito embora seja própria de sociedades capitalistas com características empresariais ligadas à obtenção de ganhos ilícitos. Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 36. 743 CALLEGARI, André Luis; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Crime organizado: conceito e possibilidade de tipificação diante do contexto de expansão do direito penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 79, julho de 2009. p. 21.

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243

Dentro daquilo que PEREIRA definiu como sendo uma “relação

espúria entre o crime organizado e a corrupção” é fácil depreender que o

abuso do poder público, deturpando e desviando a coisa pública em proveito

de particulares, satisfaz tanto os crimes-meio quanto os crimes-fim buscados

pelas organizações criminosas.744

Para compreender a relação entre organização criminosa e os

delitos de corrupção, basta analisar as características ínsitas a cada um

destes polos delitivos. Voltemos, ainda que em sentido mais aberto, às

características da corrupção mencionadas no capítulo 01 deste trabalho. Os

delitos de suborno ativo e passivo (corrupção pública em sentido estrito)

estão, como visto, associados diretamente ao poder público, desenvolvem-se

dentro do Estado, pelo Estado e diante do Estado. Não se pode deixar de

sobrelevar que o poder público é atualmente o grande contratante do

mercado745, com o que altas somas de dinheiro se veem envolvidas, bem

como é o ente regulador por excelência, circunstância que contribui

sobremaneira também para que na decisão do servidor público, em seu ato

de ofício, estejam envolvidos valores em regra consideráveis.

Os crimes de corrupção do poder público trazem em seu bojo as

manifestações do poder em todas as suas escalas e poderes, cujo desiderato

é a obtenção de vantagens por todos os intervenientes e, via de regra, de

cunho mais econômico do que moral. Paga-se a propina ao servidor,

promete-se lhe a vantagem indevida sempre com vistas à obtenção futura de

vantagens econômicas diretas e indiretas. E, ao final, toda esta trama delitiva

opera-se dentro do maior sigilo. A um, porque criminosa. A dois porque, se

descobertas as negociatas, acabarão e uma tripla inconveniência surgirá:

processamento administrativo do servidor, responsabilização administrativa

(improbidade administrativa) e criminal e, de arremedo, secará a fonte de

renda ilícita dos intervenientes dos atos de corrupção.

Já a criminalidade organizada ostenta nas suas características746

essenciais (organização, finalidade lucrativa e cometimento de delitos graves)

744 Cf. PEREIRA, Flávio Cardoso. Crime organizado e sua infiltração nas instituições governamentais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 44 e 45. 745 Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 21. 746 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 126-149.

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e nas colaterais (busca de impunidade, sigilo, vinculações com o mundo

empresarial, busca do domínio do mercado e atividade internacional) diversos

laços de interrelação com o agir corruptivo. Destaquem-se os mais

importantes: a corrupção praticada em larga escala se desenvolve sob a

égide de rígida organização; a finalidade de lucro, como visto, integra

igualmente a corrupção; o sigilo também é fator que une as duas realidades

criminosas e, ao final, as vinculações com o mundo empresarial e o domínio

de determinado mercado ou área de atuação de domínio privado muitas

vezes se atingem apenas por intermédio da corrupção.

Informa, com razão, José Paulo BALTAZAR JUNIOR: “Muitas vezes a atividade criminosa organizada é protegida mediante o pagamento regular de propina aos encarregados de sua repressão, (...). Os agentes públicos figuram aqui como verdadeiros associados da criminalidade. (...) As práticas de corrupção não se limitam, porém, aos servidores em contato direto com a criminalidade de submundo, nem às organizações criminosas de modelo tradicional, sendo prática recorrente também nas organizações empresariais e junto a funcionários públicos de altas esferas.”747

Deste modo, quase que numa relação de causa e efeito, de

perfeita simbiose, a criminalidade organizada e os delitos de corrupção se

aproximam e se complementam de tal forma que a política criminal há de ser

congregada e desenvolvida de maneira única, próxima e concatenada.

Nesta senda foi promulgada a Lei 12.850/2013, dispositivo

normativo que deu fôlego à política criminal brasileira anticrime organizado e

anticorrupção. Esta legislação não surgiu num passe de mágica, mas sim

como fruto das convenções internacionais ratificadas internamente pelo

Brasil. Em que pese a morosidade para a edição da Lei e as prejudiciais

lacunas pela ausência de definição legal748, a Lei 12.850/2013 cuidou de

747 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 132 e 133. Complementa CASTRESANA FERNÁNDEZ: “La corrupción, tal como ha sido entendida tradicionalmente, ha variado también sus características esenciales. En una medida especialmente importante, tal como ha quedado descrito, como consecuencia del incremento y agravamiento de la actividad de los grupos delictivos organizados, facilitada por la liberalización de los mercados sin la correlativa modernización de los instrumentos legales y de los medios materiales y personales disponibles por los Estados y en particular por los órganos de la Administración de justicia de aquéllos.” CASTRESANA FERNÁNDEZ, Carlos. Corrupción …, p. 217. 748 Uma vez que diversos diplomas normativos dependiam desta definição para serem devidamente interpretados, v.g., Lei 9.613/98 e Lei 11.343/2006.

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245

definir normativamente a organização criminosa749, dispôs sobre diversos

meios de prova e infrações penais correlatas e também alterou

particularidades do procedimento criminal como, por exemplo, fixar o prazo

para o término da instrução processual.

Convém, a partir disso, extrair as principais implicações

dogmáticas e político-criminais trazidas pela realidade normativa, bem como

alguns parâmetros para a sua correta interpretação.

Avaliada como necessária a criação de um subsistema de

repressão e prevenção da criminalidade organizada750, e dentre as opções

político-criminais viáveis ao Estado Brasileiro, optou-se não apenas por

reforçar as penas do delito de bando ou quadrilha, mas sim por uma política

criminal integrada751, com derivações penais e processuais penais, inclusive

com a criação de um tipo penal individualizado para a organização criminosa.

A partir do envolvimento cíclico entre corrupção e criminalidade

organizada, eis que os crimes de suborno acabam por gerar o crime

organizado como também a criminalidade organizada se vale em diversas

situações de atos de corrupção, o viés adotado pelas normas de soft law752

no plano internacional e de hard law no plano interno é de ordem

preventivo753. Com o objetivo de “garantir a tranquilidade social e evitar que a

criminalidade alcance patamares superiores a um nível de suportabilidade

749 Art. 1º (...). “§1º. § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.” 750 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 249. 751 “A grande alteração que se deu nesta matéria foi, entretanto, a regulamentação dispensada pela lei aos procedimentos que já existiam, como a ação controlada, a infiltração de agentes e o acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações, os quais, assim como a colaboração premiada, receberam tratamento em seções individualizadas. Trata-se de tendência político-criminal adaptativa, na medida em que pretende melhorar as condições para a persecução dos crimes que envolvem a criminalidade organizada.” MASIERO, Clara Moura. A política criminal brasileira voltada à criminalidade organizada: análise das leis penais aprovadas no Brasil entre 1940 e 2014. In: Crime organizado: tipicidade, política criminal, investigação e processo. André Luis Callegari (organizador). 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 71. 752 Hoje atuante com o hard law num sentido muito mais funcional e prático, de modo a alcançar os objetivos comuns entre ambos. Neste sentido vide RODOTÁ, Stefano. Códigos de conducta: entre hard law y soft law. In: Códigos de conducta y actividad económica: una perspectiva jurídica. Alicia Real Pérez (coord.). Madrid: Marcial Pons, 2010. p. 22. 753 Cf. PEREIRA, Flávio Cardoso. Crime ..., p. 44.

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246

possível, sob pena de enfraquecimento das próprias estruturas estatais”754,

as barreiras de incriminação são antecipadas755 de modo a incriminar a

organização criminosa em si mesma considerada, por sua própria existência

e, no direito brasileiro, com rigor ainda maior se comparado àquele

direcionado ao que agora se adjetiva por associação criminosa, anteriormente

denominada pelo nomen juris de quadrilha ou bando.

Dessarte, o esforço conjunto e internacional é de criminalizar

antecipadamente a associação delitiva nos parâmetros do assim considerado

grupo criminoso organizado, definido no artigo 2º do Decreto 5.015/2004,

como sendo um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há

algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou

mais infrações com pena superior a 04 anos ou ainda enunciadas na

Convenção de Palermo, e com a intenção de obter, direta ou indiretamente,

um benefício econômico ou outro benefício material.

Evidentemente não se pune a organização criminosa em si, mas

o fato de promover, constituir, financiar ou integrar756 a aludida organização, o

direito brasileiro fixou no artigo 2º da Lei 12.850/2013 a pena de 03 a 08 anos

de reclusão, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais

infrações penais praticadas. Portanto, há uma clara escolha preventiva,

fulcrada na prevenção dos perigos757 gerados pelo <<delito de associação>>.

Tal escolha de caráter político-criminal preventivo, de

criminalização ex ante, destoa completamente da forma de tratamento

jurídico-penal ex post, quer dizer, por meio de um aumento de pena a partir

754 FERNANDES, Antonio Scarance. O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 70, janeiro de 2008. p. 240. 755 Anota Antonio Carlos da PONTE: “Em relação à criminalidade organizada e à criminalidade voltada ao ataque a bens difusos, o Estado deve anteceder a ação do criminoso, visto que, conforme já sustentado, após a violação ao bem jurídico-penal, a atuação estatal pode afigurar-se como meramente retributiva.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes ..., p. 175. 756 Alerta NUCCI no sentido de que “... bastaria o verbo integrar, que abrangeria todos os demais. Quem promove ou constitui uma organização criminosa, naturalmente a integra; quem financia, igualmente, a integra, mesmo como partícipe.” NUCCI, Guilherme de Souza. Leis …, p. 678. 757 Cf. PUSCHKE, Jens. Origen, esencia y límites de los tipos penales que elevan actos preparatorios a categoría de delito. In: InDret, Revista para el análisis del derecho, Barcelona, 4/2010, outubro de 2010, disponível em http://www.raco.cat/index.php/InDret/article/viewFile/226684/308306, acesso em 08 de dezembro de 2015, às 22h30min, p. 04.

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da confirmação de que este ou aquele delito tenha sido praticado por uma

organização criminosa. Alguns estudiosos poderiam afirmar que aí também

se estaria falando de prevenção geral, desta vez inserida no rigor punitivo

previsto no preceito secundário da norma.

Desta prevenção geral não se discorda, mas também é inviável

deixar de apontar que a inserção de um tipo penal de organização criminosa,

no direito brasileiro, para além da associação criminosa já tipificada

anteriormente, revela a inserção de mais uma figura normativa cujo caráter

antecipatório é total e irretorquível, considerando não só o aumento de pena

para situações que envolvam as organizações criminosas, mas sim a sua

tipificação autônoma. Tudo isso, alerte-se, com aplicação da regra de

concurso material entre o crime associativo e os delitos efetivamente

praticados pela organização criminosa.

Para que estas medidas antecipatórias da tutela penal não

revelem caráter simbólico758, quando não autoritário, sua justificativa há de

estar ancorada na existência de um bem jurídico a ser protegido por meio da

figura típica <<organização criminosa>>. Também há de se possibilitar a

responsabilização, do ponto de vista material, da organização criminosa

independentemente dos delitos praticados por ela759 e, por fim, deve

prevalecer justificativa plausível do motivo pelo qual o tipo penal de

associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) não consegue dar vazão à

tutela pretendida.

Iniciando por este último tópico, a própria potencialidade delitiva

ínsita e particular das organizações criminosas derivaria de um tratamento

próprio e diferenciado daquele outorgado às associações criminosas760, sendo

que “o tipo de quadrilha ou bando foi criado para atender a necessidade da

época dos bandos, de baixo grau de sofisticação e número mais limitado de

agentes”.761

Ocorre que o tipo penal de associação criminosa não consegue

dar vazão à tutela pretendida ou, de forma melhor colocada, a tipicidade

758 Cf. MOCCIA, Sergio. O controle …, p. 41. 759 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 251. 760 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 242 e 243. 761 Cf. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 227 e 229.

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incidente no artigo 288 do Código Penal não oferece a resposta para a

macrocriminalidade organizada. Ora, tanto em seu formato original, cunhado

em 1940, quanto na recente reforma realizada pela mesma Lei 12.850/2013,

o tipo penal de associação criminosa atende à associação para delinquir de

menor sofisticação, com menor número de agentes e, por isso, com pena

privativa de liberdade inerente ao desvalor de sua conduta. Já as

características das organizações criminosas seriam diversas, com “potencial

de ameaça e perigo gigantescos, além de poder produzir consequências

imprevisíveis e incontroláveis.”762

Já a legitimidade da criminalização da pertença e integração de

uma organização criminosa deriva, conforme dito acima, da identificação de

um bem jurídico digno de tutela. Assim, de acordo com o posicionamento

majoritário, o bem jurídico dos delitos de organização (associação criminosa

e organização criminosa) revela-se como sendo a paz pública763, ou seja, “o

sentimento coletivo de segurança e de confiança na ordem e proteção

jurídica”764. O fundamento da antecipação da tutela penal residiria, a partir

desta concepção, no especial perigo que determinada organização de

pessoas direcionada à prática de delitos revela diretamente à paz pública e

também indiretamente ao direito de segurança dos cidadãos.765 Trata-se, nas

palavras de FIGUEIREDO DIAS, da intervenção estatal num “estado prévio,

através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança e a

tranquilidade públicas não foram ainda efetivamente violadas, mas se criou já

um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.”766

762 BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 22. 763 NUCCI, Guilherme de Souza. Organização ..., p. 22; NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 679; GRECO FILHO, Vicente. Comentários à lei de organização criminosa: Lei 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 26; PRADO, Luiz Régis. Associação ..., p. 268; FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Criminalidade ..., p. 48. 764 BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 50. 765 “De considerar, ainda, que frequentemente, o cidadão individualmente ou a coletividade não teriam condições de defender-se por si só, em casos como da inferioridade física ou numérica ou mesmo da falta de informações em relação a produtos ou instalações perigosas, tudo a se resumir na colocação do cidadão em uma situação de necessidade da proteção estatal.” BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 191. 766 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. A criminalidade organizada: do fenômeno ao conceito jurídico-penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 71, março de 2008. p. 17. Importante ressaltar que para este autor não é necessário a tipificação de um crime de organização criminosa, mas sim que o tratamento típico-penal da criminalidade organizada se dê por meio do delito de associação criminosa e que esta se destine ao

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Nada obstante e, com a devida vênia à corrente majoritária, tem-

se que a identificação do bem jurídico <<paz pública>> é unicamente

aparente, assim, não é capaz, por si só, de demonstrar a conveniência e

legitimidade de inserção de um tipo penal de organização criminosa, ou

mesmo ainda servir de fundamento para a criminalização da antiga quadrilha

e hoje denominada de associação criminosa. A manutenção do vetor <<paz

pública>> como objeto de tutela dá origem a uma dissolução intrasistemática

do Direito penal, o que mais nada significa do que uma desatenção,

doutrinária – quando não também legislativa, entre a figura típica e o objeto a

ser tutelado.767

Assiste razão a ESTELLITA e GRECO quando afirmam: “Ainda assim, a paz pública – e o mesmo pode-se dizer da ordem pública, da segurança interior, ou de quaisquer noções similares – não pode ser entendida como um bem jurídico coletivo capaz de justificar qualquer incriminação. Isso porque nenhum desses bens pode ser afetado por si só, sem que ao mesmo tempo seja afetado outro bem qualquer, geralmente de natureza individual. Concretamente: a paz pública e qualquer das noções assemelhadas só podem ser atingidas por um comportamento que, ao mesmo tempo, coloque em perigo ao menos abstrato outros bens como a vida, a integridade física, a propriedade, a existência ou o funcionamento do Estado. Isso significa que um comportamento que afete os bens coletivos propostos pela opinião dominante não tem qualquer conteúdo de desvalor adicional em comparação a um comportamento que já afete os bens que acabamos de mencionar. A menção ao bem coletivo é, portanto, redundante do ponto de vista normativo. Ela nada acrescenta para a justificação da norma penal em questão.”768

Na verdade, a extração da fundamentação da intervenção

jurídico-estatal, por meio do Direito penal, intervenção esta em caráter

excepcional, quanto mais se considerado o lícito direito de associação, se dá

a partir da consideração do status de perigo gerado – por meio da

organização criminosa – , aos bens jurídicos cuja lesão ou colocação em cometimento de delitos de particular natureza e gravidade. Neste sentido: “Em consequência, é um fenómeno – neste aspecto, análogo a tanto outros: a criminalidade terrorista, a criminalidade política, a criminalidade económico-financeira... – que clama pela sua relevância jurídico penal a múltiplos e decisivos propósitos. Isto porém é uma coisa, outra completamente diferente a tentativa de elevar a criminalidade organizada à categoria de crime, de a criminalizar, de a criminalizar qua tale, de a tipificar, de a constituir em um tipo-de-ilícito ou em um tipo-de-crime autónomos, de procurar a determinação de um bem jurídico específico que por via dela se vise tutelar e proteger.” FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. A criminalidade ..., p. 14. 767 Cf. HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 65. 768 ESTELLITA, Heloisa; GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa. Uma análise sob a luz do bem jurídico tutelado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 91, julho de 2011. p. 399 e 400.

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perigo aquela organização criminosa intentava atingir com a associação

delitiva. A partir deste raciocínio, que vai além de uma mera troca de

palavras, permite-se retirar a lesividade do injusto de organização não por

meio da pretensa tutela de bens jurídicos inconclusivos e indeterminados,

mas sim da colocação em perigo dos bens jurídicos considerados no

programa criminoso da organização levada a julgamento num caso

concreto.769

Nem se alegue, de outro canto, desrespeito ao brocardo ne bis in

idem, porquanto a organização criminosa teria o condão de ser criminalizada

sob um aspecto geral de criação de perigos a bens jurídicos, na sua maior

parte não identificáveis aos seus detentores. Do contrário, os delitos

realmente praticados pela organização criminosa são inclusive punidos a

título de concurso material, haja vista que a lesão se daria efetivamente sobre

um bem jurídico determinado. A associação delitiva incide sobre um bem

jurídico de natureza coletiva e indeterminada, aqui reconduzido à ideia de

perigo aos bens jurídicos cujo programa criminal a associação busca atingir.

Outra situação é a conjuntura concreta, seja de perigo, seja de efetiva lesão,

a partir dos delitos efetivamente praticados pela organização. Tanto é assim

que “o perigo que gera o delito associativo não se dirige ao bem concreto que

o cometimento de um crime-fim lesiona, e sim a todos os bens da mesma

classe, dos quais em geral é titular um número indeterminado de pessoas.”770

Portanto, o tipo penal de organização criminosa, se corretamente

interpretado, se vê justificado, porém em sentido diverso da proteção da paz

pública, mas sim a partir do próprio perigo gerado pelo atuar associativo771

permanente e numeroso das organizações criminosas que possibilitam num

769 Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 267. 770 Cf. ESTELLITA, Heloisa; GRECO, Luís. Empresa ..., p. 401. 771 Fazendo valer o teste proposto por ESTELLITA e GRECO: “Do até agora exposto se pode derivar um teste, que talvez seja de grande utilidade heurística: o delito associativo só estará realizado se, subtraindo-se mentalmente a prática de quaisquer outros delitos, restar na mera associação de pessoas conteúdo de desvalor suficiente a ponto de justificar uma sanção penal. Se o único ponto de apoio para a imputação do delito associativo for a prática dos outros crimes, está-se punindo essa prática duas vezes, já que associação, em si mesmo, é algo que o ordenamento jurídico não valora negativamente.” Empresa ..., p. 405.

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primeiro momento retirar barreiras impeditivas usuais e, em outro, criar

estruturas que facilitam a prática de delitos graves, tais como a corrupção.772

E, identificada a razão concreta de punição, pode-se asseverar

que o tipo penal, inserido no artigo 2º da Lei 12.850/2013, veio destituído de

parâmetros proporcionais, ao menos se considerada a pena estipulada de 03

a 08 anos de reclusão. Ao lado do aspecto preventivo da norma deu-se lugar

ao punitivismo exacerbado773 e sem razão de ser, ostentando sim

características notoriamente repressivas e, neste pormenor, sem fundamento.

O rigor punitivo estabelecido com a pena privativa de liberdade

de 03 a 08 anos, associado ao concurso material com o(s) crime(s)

eventualmente cometido(s) pela organização criminosa foi bem além da

necessária pena justa.

Não que o concurso material não seja a solução legislativa

correta, pelo contrário. Aliás, uma vez tipificado o delito de organização

criminosa sob a identificação de um bem jurídico autônomo, como visto

acima, não há realmente outra conclusão defensável senão a soma aritmética

das penas. O que diminui a capacidade de rendimento do tipo penal em

debate, em especial por seu viés desproporcional (e inconstitucional), é a

quantidade da pena cominada a delito de cariz absolutamente preventivo e,

também, de perigo, se comparada com as penas dos delitos passíveis de

cometimento pela própria organização.

Transparece, salvo melhor juízo, que a estipulação fixa de pena,

tal como empregada pelo direito brasileiro, afigura-se como desproporcional

se considerado que raramente será o autor julgado apenas e tão-somente

pelo delito de organização. O corriqueiro e usual, tomando, por exemplo, o

ocorrido com o antigo delito de quadrilha ou bando, é que o autor responda,

em concurso material, pelos delitos cometidos pela organização criminosa e,

adicionalmente, pelo próprio crime de integrar a organização delitiva.

A pena, no patamar em que estipulada, revela a ingenuidade que

reveste o legislador brasileiro ao acreditar piamente na finalidade preventivo-

geral da norma penal, quando não na própria repressão penal (mera

772 Cf. HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 66. 773 Cf. MASIERO, Clara Moura. A política ..., p. 69.

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reprovação do crime), esta última característica carregada de um conhecido

populismo e oportunismo eleitoreiro, ocorrência delineada – em termos bem

mais polidos – por HEFENDEHL como um ativismo jurídico-político: “La política reacciona a los escenarios de amenaza, que ella misma cría, o que los medios de comunicación atizan. Habituales son también los reportes según los cuales la criminalidad organizada se habría desbordado en nuestro Estado en una medida amenazante, y que entonces tanto el Derecho Penal como los métodos de investigación del Derecho Procesal Penal deben ser de plano las armas más severas del Estado para defenderse.”774

Identificada a razão de ser do tipo penal de organização

criminosa, uma proposta de lege ferenda seria uma readequação do quantum

de pena cominada, pois, do contrário, está-se a prognosticar decisões

descompassadas com a realidade, em que os delitos de efetiva lesão sejam

apenados com pena inferior ao delito de perigo, in casu, a organização

delitiva.

E mais. As disposições eminentemente repressivas vieram ainda

mais catalogadas para as ocorrências de corrupção, porquanto a Lei

12.850/2013 determina que ocorra um aumento de pena de 1/6 a 2/3 se no

delito de organização criminosa for verificado o concurso de funcionário

público, valendo-se a organização dessa condição para a prática de

determinada infração penal. Diz ainda no §6º do artigo 2º, que a condenação

com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo,

função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função

ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento

da pena.

Ora, considerando que o delito de corrupção passiva

efetivamente cometido é muito mais grave que a mera organização para

delinquir, deveria o legislador ter pensado – ao menos – e novamente – em

homenagem ao princípio da proporcionalidade – na imposição de tais rigores

ao delito de corrupção passiva em lugar da organização criminosa.

Do ponto de vista processual penal, a Lei 12.850/2013 trouxe

como medida autônoma (e aí a novidade, pois não se está falando em caráter

alternativo a eventual prisão preventiva nos termos do artigo 312 do Código

774 HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 64.

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de Processo Penal) o afastamento cautelar do cargo, emprego ou função,

sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à

investigação ou à instrução processual.

Se de um lado ao Direito penal cabe oferecer uma resposta

satisfatória à sociedade, de modo que inclusive se aperfeiçoe a proteção de

bens jurídicos – e parece que a Lei 12.850/2013 justamente foi cunhada

nesse sentido – o mesmo Direito penal precisa de freios para a pretendida

otimização. A obtenção de melhores resultados penais deve e precisa ser

limitada por garantias e princípios que vedem alguns vértices de eficácia

absoluta775. In casu, está-se a falar do princípio da proibição de excesso e do

princípio da proporcionalidade.

Portanto, o rendimento da Lei 12.850/2013 já pode ser valorado

como positivo, ao menos no tocante ao preceito primário da norma

incriminadora. Inicialmente, em razão de o Estado brasileiro não apenas

chancelar perante seu direito interno as duas convenções internacionais nas

quais foi signatário. Pelo contrário, ao menos no tocante à criminalização da

organização criminosa acabou por dar consecução ao artigo 5º do Decreto

5.015/2004. Para a percepção de outros Estados soberanos é absolutamente

relevante que o Brasil seja visto como nação cumpridora de seus

compromissos e como país consciente de sua obrigação de prevenir e

reprimir o crime organizado.

Antes mesmo da edição da Lei 12.850/2013, o Conselho da

Justiça Federal especializou776 varas federais em todo o país, a exemplo do

que ocorreu no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região777, para

que uma das varas criminais federais de cada uma das capitais dos Estados

da Região Sul passasse a ter competência exclusiva para julgar os crimes

praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter

775 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda. Política criminal. Novos desafios. Velhos Rumos. In: Direito Penal Económico e Europeu: textos doutrinários. Volume III. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 160. 776 Sobre os ganhos e prejuízos da especialização judicial vide DOMÉNECH PASCUAL, Gabriel; MORA-SANGUINETTI, Juan S. InDret, Revista para el análisis del derecho, Barcelona, n. 01, 2015, disponível em http://www.indret.com/pdf/1120_es.pdf, acesso em 18 de junho de 2015, às 22h40min 777 Resolução n. 42, de 19 de julho de 2006, da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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transnacional das infrações, e também da competência já existente naquelas

varas para o julgamento de crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei

7.492/86) e de lavagem ou ocultação de bens (Lei 9.613/98).

Já os desafios da legislação presente se encontram no assento

da prática jurídico-penal, ou, em termos mais diretos, na interpretação que os

órgãos de acusação darão à tipicidade e conceituação normativa da

organização criminosa e como o Poder Judiciário combaterá os excessos

que, se não em larga escala, ainda sim vão existir.

A determinação da organização criminosa de pessoas como uma

causa de aumento778 para delitos efetivamente cometidos realmente pode não

cumprir o desiderato a que se propõe, pois obrigaria, ou melhor, vincularia a

repressão da organização criminosa somente quando ocorresse a efetiva

responsabilização judicial do(s) delito(s) almejado(s). Contudo, de nenhuma

forma se pode banalizar os elementos constitutivos da organização criminosa

como figura típica, tais como a estabilidade/permanência779, a estruturação e

divisão de tarefas780, o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza781 e

os delitos782 propostos.

Assim é que, dentro desta crítica concordância com a Lei

12.850/2013 e suas ferramentas indiretamente destinadas à repressão e

prevenção da corrupção ativa e passiva, se pode apontar o parâmetro

interpretativo delineado no voto da Exma. Sra. Dra. Ministra Rosa Weber nos

autos de Embargos Infringentes na Ação Penal 470: “O ponto central de minha divergência diz com a concepção doutrinária que tenho do delito de quadrilha tal como previsto já na redação original do art. 288 do Código Penal. Não basta, para o seu delineamento, que mais de três pessoas, unidas ainda que por tempo expressivo, pratiquem delitos. É necessário mais: é necessário que esta união seja voltada para a específica prática de crimes. Em outras palavras, a lei exige, na minha concepção, que a affectio societatis a informar a reunião dessas pessoas seja qualificada pela intenção específica de cometer crimes. E tanto é que pode se configurar

778 Vide, por exemplo, a contundente crítica e consequente proposta formulada por PITOMBO, Antonio Sérgio Altieri de Moraes. Organização criminosa. Nova perspectiva do tipo legal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 190 a 197. 779 Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 29 e 55. 780 Cf., NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676. 781 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676; NUCCI, Guilherme de Souza. Organização ..., p. 15 e 16. 782 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676; NUCCI, Guilherme de Souza. Organização ..., p. 16; BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 35.

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o delito de quadrilha – crime formal -, antes mesmo da prática de qualquer dos crimes para os quais instituída a associação. Essa especificidade necessária não se faz presente, a meu juízo, data venia, no caso dos autos, o que me levou, e mais uma vez me leva, a votar pela absolvição do embargante forte no art. 386, III, do Código de Processo Penal - atipicidade de conduta.”783

4.5. Propostas de alteração legislativa: corrupção ativa e passiva como crime hediondo.

A Lei 8.072/90, diploma legal regulador dos crimes hediondos784,

possui em torno de si uma aura de relevância e louvor, quase salvadora e

solucionadora dos problemas vividos no direito brasileiro. Todos os

problemas de segurança pública, imaginam alguns, seriam solucionados a

partir do momento em que um delito fosse cravado como hediondo. A obra de

Jesús-Maria SILVA SÁNCHEZ785 consegue explicar de maneira muito

satisfatória os motivos desta expansão e crença no Direito penal que, no caso

da Lei 8.072/90 em território brasileiro, diz respeito não à quantidade do

Direito penal, mas sim à qualidade e recrudescimento da pena imposta aos

delitos assim classificados como hediondos.

Atualmente há 03 propostas bem definidas sobre a tentativa de

alçar os delitos de corrupção (strictu e lato sensu) à categoria de hediondos.

Tais iniciativas ficam por conta do Projeto de Lei 2.489/2011786, do Projeto de

Lei 5.900/2013787 e da iniciativa do Ministério Público Federal nas

783 Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6556057, página 105, acesso em 25 de junho de 2015, às 22h07min. 784 A respeito da Lei 8.072/90 vide, em caráter obrigatório, NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 423 e seguintes; FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FÉLIX, Yuri. Crimes hediondos. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 785 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999. 786 De autoria do Deputado Roberto de Lucena, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=523037, acesso em 15 de agosto de 2015, às 15h46min. Este projeto de Lei se encontra apensado ao Projeto de Lei n. 5900/2013 de autoria do Senador Pedro Taques. 787 De autoria do Senador Pedro Taques, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=583945, aceso em 15 de agosto de 2015, às 15h48min.

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denominadas 10 medidas contra a corrupção, iniciativa que traz em seu bojo

também uma proposta de projeto de lei.788

A essência das propostas em relação aos crimes de corrupção

ativa e passiva, é em si muito parecida e converge para tornar hediondos os

crimes de corrupção passiva e ativa que, de acordo com a Lei 8.072/90: i)

não são passíveis de graça, indulto (artigo 2º, inciso I); ii) não são passíveis

de fiança (artigo 2º, inciso I); iii) a pena imposta em razão de crime hediondo

é cumprida inicialmente em regime fechado (artigo 2º, §1º); iv) a progressão

de regime, no caso dos condenados por crimes hediondos, dar-se-á após o

cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de

3/5 (três quintos), se reincidente (artigo 2º, §2º); v) em caso de sentença

condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em

liberdade (artigo 2º, §3º); vi) o livramento condicional tratado no artigo 83 do

Código Penal será deferido desde que o sentenciado tenha cumprido mais de

dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, isso se o

apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (artigo 5º);

e, por fim, vii) a pena do artigo 288 do Código Penal (delito de associação

criminosa) passa a ser de três a seis anos (artigo 8º).789

Em ambos os projetos (2.489/2011 e 5.900/2013) a pena dos

arts. 317, caput, e 333, caput, são alteradas de 2 a 12 anos de reclusão para

4 a 12 anos de reclusão. A diferença fica por conta da proposta da

Procuradoria Geral da República. Por meio desta seria inserido no Código

Penal o artigo 327-A, de seguinte redação: “Art. 327-A. As penas dos crimes dos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316 e § 2º, 317 e 333 serão de: I – reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 100 (cem) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato; II – reclusão, de 10 (dez) a 18 (dezoito) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 1.000 (mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato; III – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 10.000 (dez mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato. § 1º O disposto no parágrafo anterior não obsta a aplicação de causas de aumento ou de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou Especial deste Código.

788 Disponível em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas, acesso em 15 de agosto de 2015, às 15h59min. 789 A disposição acerca da prisão temporária não atinge os delitos contra a administração pública.

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§ 2º A progressão de regime de cumprimento da pena, a concessão de liberdade condicional e a conversão da pena privativa em restritiva de direitos, quando cabíveis, ficam condicionados à restituição da vantagem indevidamente auferida ou do seu equivalente e ao ressarcimento integral do dano.”

Afora possível ganho de votos ou popularidade sempre

pretendidos por Deputados e Senadores que, na verdade, pouca

preocupação demonstram com a política criminal no Brasil, a questão é que

as propostas acima mencionadas acreditam, por incrível que isso possa

parecer, em seus fundamentos.

Note-se que propostas desta índole se apoiam na credibilidade

do sistema penal – e na pena em si – para diminuir o número de crimes de

corrupção, mesmo tendo conhecimento de que o aumento das penas e

diminuição de benefícios penais não debelou a ocorrência de homicídios

qualificados e do tráfico de entorpecentes no território brasileiro. Indaga-se:

há maior certeza de existência e funcionamento do sistema penal do que o

subsistema direcionado ao tráfico de entorpecentes, aí incluindo a severidade

da pena e das medidas cautelares pessoais e penais?

O caráter de racionalidade (teoria da escolha racional)790 a incidir

nos delitos de corrupção ativa e passiva – valendo mencionar que isso faz

parte do discurso do Ministério Público Federal791 – seria fator decisivo que,

se contraposto à gravidade da pena cominada ao delito de corrupção,

motivaria o corrupto a se abster da prática do delito.

790 Vide a respeito o esclarecedor artigo de BLANCO CORDERO, Isidoro. La corrupción desde una perspectiva criminológica: un estudio de sus causas desde las teorías de las actividades rutinarias y de la elección racional. In: Serta. In Memorian Alessandro Baratta. Fernando Pérez Álvarez (ed.). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2004. 791 “Além disso, segundo estudos consagrados sobre corrupção, como os de Rose-Ackerman e Klitgaard, uma das perspectivas do ato corrupto apresenta-o como fruto de uma decisão racional que toma em conta os benefícios e os custos da corrupção e os do comportamento honesto. A ponderação dos custos da corrupção envolve o montante da punição e a probabilidade de tal punição ocorrer. A inserção de tais delitos como hediondos repercute diretamente no montante da punição, sob prisma prático, pesando como fator negativo na escolha racional do agente. É extremamente raro que autores de crimes de colarinho-branco sejam punidos e, quando punidos, que cumpram pena em regime fechado, mesmo quando os crimes são extremamente graves. A perspectiva de pena mais grave, e de condições mais gravosas de cumprimento de pena, será certamente um fator de desestímulo a tais práticas criminosas. No cenário atual, em que grandes esquemas de corrupção são descobertos, é preciso adotar medidas firmes para mudar a realidade.” Disponível em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medida_3_versao-2015-06-25.pdf, acesso em 19 de agosto de 2015, às 00h09min.

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Acredita-se, e assim o discurso ao menos receberia maior

coesão, pois no fundo a finalidade pretendida é a da repressão, do

pagamento pelo mal causado, e não apenas na ideia de prevenção geral

positiva anunciada por seus idealizadores.

A crítica aqui realizada conta com apoio doutrinário tal como o

realizado por BECHARA ao expor a política criminal brasileira: “En lo que atañe a la eficacia de la intervención estatal brasileña sobre el control de la corrupción, se evidencia aún la prevalencia del sistema penal sobre el prisma de un ideal represivo en expansión. Así, además de los mencionados tipos penales ya existentes, se observan múltiples propuestas legislativas en trámite en el Congreso Nacional, caracterizadas por el casuismo y falta de técnica, como ejemplo del proyecto de ley que pretende volver atroces (“hediondos”) los delitos de corrupción activa, pasiva, concusión y peculado cuando son cometidos por las altas autoridades. A pesar de la aparente opción brasileña por una expansiva política criminal represiva en materia de corrupción, en la práctica sus resultados han sido poco fructíferos, principalmente por la falta de coordinación entre las esferas formales involucradas. Consecuentemente, son frecuentes los casos en que no se llega a la recuperación de los perjuicios causados y tampoco al retiro del funcionario público de sus funciones, lo que pone en evidencia la comunicación deficiente en el proceso de control represivo. De la misma manera, se observa que una parte importante de los casos de práctica de corrupción pública llegan al conocimiento del Estado, por medio de denuncias de parientes, conocidos o adversarios y no como resultado de la fiscalización regular, como sería deseable en el ámbito de una política de control racional. Estos datos empíricos ponen en evidencia el fracaso del sistema penal en el sentido de propiciar por sí mismo el control de la corrupción en el Brasil, funcionando apenas como instrumento político de gobierno con carácter simbólico.”792

Propostas como as descritas acima nada mais revelam do que o

chamado Direito penal de emergência, caracterizado pelo uso desmedido da

lei penal que objetiva tratar (precária e indevidamente) os efeitos e não as

causas de determinado problema econômico ou social, in casu, a corrupção.

O resultado são normas penais de caráter quase ilimitado793,

suficientes e adequadas ao enfrentamento da corrupção brasileira. Em já

existindo o tipo penal, trata-se de aumentar a sua pena e retirar eventuais

benefícios cabíveis ainda previstos em lei. Resta estreme de dúvidas que o

sistema penal anticorrupção, cunhado nas propostas de adjetivá-los de

792 BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. La evolución político-criminal brasileña en el control de la corrupción pública. In: Revista General del Derecho Penal, Madrid, volumen 17, 2012. p. 07 e 08. 793 Cf. MAZZACUVA, Nicola. El futuro del derecho penal. In: Crítica y justificación del derecho penal en el cambio del siglo. Cuenca: Ediciones de la Universidad Castilla-LaMancha, 2003. p. 231.

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hediondos é apenas um meio, ainda que totalmente inadequado, para atingir

um fim inatingível: diminuir a corrupção por meio do Direito penal.

Veja-se que a tentativa de imposição de maiores rigores

consequenciais aos delitos de corrupção se encaixa claramente nos pontos

delineados por ZAFFARONI794 para definir o que seria a utilização

emergencial do Direito penal. As reformas assim se dirigem a um fato novo,

qual seja o desvelar da corrupção, a gravidade da corrupção nos dias atuais.

Ato seguido, a mídia conclama a opinião pública e a dirige como quer,

propugnando por novas e imediatas soluções à criminalidade gerada pela

corrupção. Os mais avisados sabem que a norma penal alterada ou criada

para a ocasião irá proporcionar à opinião pública a falsa sensação de solução

da corrupção e, juntamente a isso, violará regras e garantias construídas ao

longo da criação do Direito penal moderno.

Afora a tese de que a mídia gera a sensação de necessidade de

reformas urgentes e que alterem o status quo das normas em vigor, o grande

fundamento para que prevaleçam alterações legislativas no fundo nada

democráticas é a crise de legalidade claramente instalada no Estado

brasileiro.

Não se trata de uma ilação, mas sim de afirmação notoriamente

confirmada e direcionada aos dias atuais, com enfoque inclusive à realidade

nacional. Trata-se da certeza da crise incidente sobre o Estado a partir da

falta de condições legais, legítimas e práticas para administrar a coisa

pública, entre elas o enfrentamento eficaz das práticas corruptivas, buscando

diminuir a um nível satisfatório a sua ocorrência.

Com razão afirma Sergio MOCCIA: “a crise de legalidade e de

legitimidade atingiu vastos setores do sistema, deixando emergir também a

absoluta ineficiência das estruturas institucionais para garantir aqueles

controles político-administrativos que teriam podido ser úteis para prevenir as

degenerações criminais da gestão da coisa pública.”795.

794 Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La creciente legislación penal y los discursos de emergencia. In: Teorías Actuales en el Derecho Penal (varios autores). Buenos Aires: Editorial Ad-Hoc, 1998. p. 617. 795 MOCCIA, Sergio. Emergência e defesa dos direitos fundamentais. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 25, janeiro/março de 1999. p. 58.

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Instalado, portanto, um sistema de causa e efeito absolutamente

viciado. A corrupção – deixando de lado a mídia – e aferindo-a a partir de

dados concretos, como os fornecidos pela Transparência Internacional ou

ainda pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIEP) – assola

verdadeiramente o país. De outro lado, o Estado, em todas as suas instâncias

e poderes, encontra-se impedido normativa e praticamente de promover

políticas públicas adequadas para debelá-la, ao menos de maneira contínua e

efetiva, o que abre espaço para medidas legislativas tais como as agora

protagonizadas e que visam aumentar penas, retirar garantias, mas que não

conseguem diminuí-la.

Sobre o tema afirma Jesús-Maria SILVA SÁNCHEZ: “Lo anterior, con todo, todavía no explicaría de modo necesario la demanda de punición y la consiguiente expansión precisamente del Derecho penal. En efecto, tales datos podrían conducir ciertamente a una expansión de los mecanismos de protección no jurídicos, o jurídicos, pero no necesariamente jurídico-penales. Ocurre, sin embargo, que tales opciones o son inexistentes, o parecen insuficientes, o se hallan desprestigiadas. En primer lugar, la sociedad no parece funcionar como instancia autónoma de moralización, de creación de una ética social que redunde en la protección de los bienes jurídicos. En segundo lugar, es más que discutible que cierta evolución del Derecho civil del <<modelo de la responsabilidad>> al <<modelo del seguro>> esté en condiciones de garantizar, por un lado, que éste cumpla efectivamente funciones de prevención e, por otro, que garantice a los sujetos pasivos una compensación, si no integral (cuya propia posibi lidad resulta cuestionable), al menos mínimamente próxima a ésta. En tercer lugar, la burocratización y, sobre todo, la corrupción han sumido en un creciente descrédito a los instrumentos de protección administrativa (ya preventivos, ya sancionatorios). Se desconfía – con mayor o menor razón, según las ocasiones – de las Administraciones públicas en las que, más que medios de protección, se tiende a buscar cómplices de delitos socio-económicos de signo diverso.”796

Os resultados passam a ser exigências sociais a outorgar ao

Direito penal e ao processo penal finalidades que não lhes pertencem. A

proteção de bens jurídicos (Direito penal) e o meio seguro e democrático para

a solução judicial de casos penais (processo penal) tornam-se reféns da

imperiosa luta e erradicação de um problema social e econômico que não

lhes diz respeito, ao menos diretamente. A garantia de segurança e boa

796 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión …, p. 44 e 45.

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administração é função do Estado por meio de todas as suas políticas

públicas e não por medidas que visam o encarceramento.797

Sequer o aumento de pena é advogado de maneira deliberada

pelo Decreto 5.687/2006 (Convenção de Mérida), e pode-se afirmar que as

medidas legislativas pretendidas para tornar o delito hediondo e aumentar a

pena cominada estão inclusive em dissonância com a regra mestra

internacional. Isso porque consta no artigo 30 do Decreto 5.687/2006 que “1.

Cada Estado Parte punirá a prática dos delitos qualificados de acordo com a

presente Convenção com sanções que tenham em conta a gravidade desses

delitos.”

Nas entrelinhas desta relação entre as reformas legislativas

pretendidas, o Decreto 5.687/2006 e as penas atualmente cominadas aos

delitos de corrupção bem demonstram a impropriedade daquelas. O

argumento é que o aumento das penas dos delitos de corrupção ativa e

passiva merece ser majorada para que o regime inicial seja no mínimo o

semi-aberto e, por conseguinte, não seja viável a substituição da pena

privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. A utilização simbólica

do Direito penal, como ferramenta de política de segurança, está

demonstrada a partir da inexistência de uma proposta de manutenção das

penas atuais, mas com a impossibilidade de substituição pelas penas

restritivas de direito e ainda por uma alteração pontual para estes delitos, de

modo que seja viável o regime semi-aberto já a partir de 02 anos.

Trata-se de uma provocação, até porque não se concordaria com

um projeto desta índole e, caso existisse, a crítica estaria aqui presente da

mesma forma. O que se quer afirmar é que as propostas se valem das regras

do sistema penal para que a pena aplicada seja justamente a mais grave e

não a mais justa. Pelo contrário. Defendem-se as medidas propostas para

chegar à punição pela mera punição, o encarceramento pelo encarceramento,

este último fantasiado de prevenção geral.

Há muito não se moderniza adequadamente o sistema penal

brasileiro, há muito não aumentam as carreiras policiais, inclusive com

797 Cf. HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de la imputación en Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 86.

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remuneração digna, não se pensa em reformar a estrutura dos Tribunais de

Apelação e muito menos o Superior Tribunal de Justiça, órgão de notória

importância, engessado na mesma estrutura cunhada pela Constituição de

1988 (contudo desenhado para um momento social, político e econômico –

inclusive de não acesso à Justiça – que hoje não mais persiste). Fala-se

apenas em aumentar a severidade da sanção penal.

Não se trata de defender o criminoso, mas de demonstrar a

incoerência do discurso direcionado para tratar as consequências jurídicas do

delito como se estas fossem a causa da corrupção. Os fatores causadores da

corrupção foram tratados, quiçá não em caráter exaustivo, no capítulo 01

deste trabalho, sem qualquer espécie de parcimônia com os imputados e réus

em processos corruptivos.

Há muito a fazer no Brasil para que a corrupção assuma, como

dito, níveis mais aceitáveis. Erradicada nunca será. Mas certamente apostar

na suficiência das medidas normativas cujo intento é o recrudescimento da

sanção penal, seja a sanção direta (pena cominada), seja a indireta

(impossibilidade de benefícios penais e processuais penais) traz em si traços

de larga ingenuidade. A própria Lei 8.072/90 em seus quase 15 anos de

existência, bem como outros discursos emergenciais (v.g., Lei Maria da

Penha, Lei 11.340/2006), já demonstraram que os consectários dessa política

criminal não mais são do que simbólicos. Assiste, portanto, razão a Sérgio

MOCCIA quando afirma que “legitimidade e efetividade devem, portanto,

caminhar juntas, iluminadas pela ideia de subsidiariedade que, no estado

social de direito, impõe o recurso ao sistema penal somente como extrema

ratio e respeitando todas as garantias estabelecidas.”798

4.6. Os programas de cumprimento de normas ou compliance. O rendimento desta categoria para os delitos de corrupção em sentido estrito.

Em paralelo à importância que o tema da corrupção obteve nos

últimos tempos, também o volume de discussão e produção legislativa e 798 MOCCIA, Sergio. Emergência ..., p. 89.

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doutrinária sobre aquilo denominado de programas de cumprimento de

normas ou ainda de programas de compliance799 aumentou

consideravelmente. O recém-editado Decreto 8.420/2015 da Controladoria

Geral da União (CGU) regulamentador da responsabilização objetiva

administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a

administração pública, nacional ou estrangeira, de que trata a Lei

12.846/2013, acabou por fazer uso do termo “programa de integridade” e

inseriu propriamente tal temática no direito brasileiro.

Este programa, nos termos do artigo 41 do Decreto 8.420/2015

da CGU, consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de

mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à

denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de

conduta e em políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,

fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração

pública, nacional ou estrangeira.

O início da discussão a respeito dos programas de compliance

mundo afora se deu a partir de algumas constatações fáticas, que levaram

inclusive a comunidade internacional a cuidar do tema a partir de tratados

internacionais (tome-se, por exemplo, a Convenção de Mérida no âmbito da

ONU)800.

De maneira muito sintética tem-se que foi nos Estados Unidos da

América, a partir dos anos 40 do século passado, que empresas fabricantes

de equipamentos eletrônicos passaram a se preocupar com o cumprimento

de condutas internas para fins de proteger as regras concorrenciais.801 Em

seguida os temas ligados à lavagem de dinheiro802, à corrupção e à proteção

799 “El término cumplimiento normativo (compliance) es uno de los más vagos e inexpresivos que se haya acuñado jamás. Por sí sólo no dice apenas nada, salvo lo evidente: actuar conforme a la legalidad, entendiendo legalidad en un sentido amplio, que abarcaría el cumplimiento de obligaciones procedentes de la ley (civil, penal, administrativa, laboral, del mercado de valores, etc.), pero también las directrices internas de la empresa y en especial su código ético.” NIETO MARTÍN, Adán. El cumplimiento normativo. In: Manual de cumplimiento penal de la empresa. Adán Nieto Martín (director). Valencia: Tirant lo Blanch, 2015. p. 25. 800 Artigos 12 e 13 do Decreto 5.687/2006. 801 NIETO MARTÍN, Adán. El cumplimiento …, p. 27 802 Artigo 9º e seguintes da Lei 9.613/98. Afirma ainda GLOECKNER: “Basicamente, a criminal compliance procura evitar a responsabilização de agentes ou da empresa que opere com o mercado financeiro, determinando procedimentos para que com o seu cumprimento,

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do mercado financeiro803 também foram responsáveis pela instituição e

consolidação do compliance entre os assuntos mais discutidos no cenário

legislativo interno e internacional.

Os fatores que desencadearam a aplicação dos programas de

compliance, assim considerados como a implantação de medidas de

prevenção a incidir sobre a atividade empresarial de modo a assegurar o

cumprimento das normas internas e externas, possibilitar a denúncia aos

setores competentes e inclusive contar com um sistema de sanções às

infrações804, muito se confundem com o próprio desvelamento e consequente

ocupação das instâncias repressivas e preventivas em torno da corrupção no

cenário atual (vide subitem 1.3. supra). Encaixam-se, assim, perfeitamente, a

globalização das empresas e mercados, o emprego de normas de soft law e a

responsabilização de pessoas jurídicas (tanto pelo Direito administrativo

como pelo Direito penal), como fatores que explicam e fundamentam a

adoção dos programas de compliance.

De outro lado, não há como discordar de que os programas de

cumprimento normativo, ou como quer a legislação brasileira, programas de

integridade, revelam um claro propósito de prevenção a partir de normas

seja evitada uma prática delitiva.” GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Criminal compliance, lavagem de dinheiro e o processo de relativização do nemo tenetur se detegere: cultura do controle e política criminal atuarial. In: Direito penal e criminologia [Recurso eletrônico on-line] / organização CONPED/UFF; coordenadores: Rodrigo de Souza Costa, Nestor Eduardo Araruna Santiago, Wagner Ginotti Pires. Florianópolis: FUNJAB, 2012. p. 79. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=15, acesso em 12 de março de 2014. 803 V.g. a Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act nos Estados Unidos, promulgada em 21 de julho de 2010. Aduz Arturo GÓNZALEZ DE LEÓN BERINI: “La Dodd-Frank Wall Street Reform and Protection Act establece como su objetivo principal – según señala ya el propio enunciado de la ley – promover la estabilidad económica y financiera de los Estados Unidos de América mediante la mejora de los mecanismos de rendición de cuentas y la garantía de una mayor transparencia en el funcionamiento de las entidades del sistema financiero; (…)” com o que “… se aumenta la supervisión de las instituciones que se catalogan como potenciales creadoras de un riesgo sistémico para el sistema financiero, modificando las competencias básicas de la Reserva Federal, y se aboga por la promoción de una mayor transparencia general.” GÓNZALEZ DE LEÓN BERINI, Arturo. El criminal compliance en la Reforma Norteamericana de la Dodd-Frank Act. In: Criminalidad de empresa y compliance. Prevenciones y reacciones corporativas. Jesús-Maria Silva Sánchez (director). Barcelona: Atelier, 2013. p. 132 e 133. 804 KUHLEN, Lothar. Compliance y derecho penal en Alemania. In: Responsabilidad de la empresa y compliance. Santiago Mir Puig, Mirentxu Corcoy Bisadolo e Víctor Gómez Martín (directores). Buenos Aires: Editorial B de F, 2014. p. 91.

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privadas e públicas.805 Que os aspectos e políticas de prevenção passaram a

ser a vedete dos tempos atuais, inclusive no campo do Direito penal, não é

novidade. Ao contrário do que se poderia afirmar, tal antecipação penal para

o campo preventivo não é privilégio do Direito penal econômico ou ainda dos

delitos de funcionários. Talvez seja, é verdade, mais perceptível nestas

áreas, mas não uma característica própria. Fala-se, da década de 1970 para

cá, que: “... as fronteiras formais do campo do controle do crime não são mais marcadas pelas instituições do Estado da justiça criminal. O campo, agora, se estende para além do Estado, envolvendo os atores e agências da sociedade civil, permitindo que rotinas de controle do crime sejam organizadas e direcionadas ao largo das agências estatais. (...) Antes de tratar disposições criminosas ou de punir indivíduos culpados, o terceiro setor se concentra em evitar a convergência de fatores que precipitem eventos criminosos. Enquanto a justiça criminal confia no emprego do poder punitivo ou na ameaça que este representa, o novo aparato busca ativar a ação preventiva dos atores e agências que integram a sociedade civil.”806

Nas palavras de SILVA SÁNCHEZ807 ter-se-ia, ao lado de um

modelo de direito sancionador, um modelo de inspeção com progressiva

generalização a partir do adiantamento das barreiras de intervenção estatal a

incidir em diversas das esferas jurídicas dos cidadãos e dos entes coletivos.

No tocante à corrupção, as estratégias preventivas se voltam

inicialmente às pessoas jurídicas, públicas e privadas, reconhecendo nestas

os centros de promoção das práticas corruptas (sob a lógica do mercado

capitalista808) e, num ritual cíclico, merecedoras de tutela ante os efeitos

nocivos da corrupção. Os entes coletivos, portanto, assumem este duplo

805 “Os programas de cumprimento constituem uma estranha hibridação de público e privado, de Estado e mundo corporativo. As normas que se associam nas políticas de empresa (corrupção, concorrência, regulamentos internos no âmbito de mercado de valores) são duplamente normas mistas em seu conteúdo, público-privado, e em sua gênese, estatal-supraestatal.” NIETO MARTÍN, Adán. Introducción. In: El derecho penal económico en la era compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (directores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 13. 806 GARLAND, David. A cultura do controle. Crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 370 e 371. 807 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Hacia el derecho penal del “Estado de la Prevención”. La protección pena de las agencias administrativas de control en la evolución de la política criminal. In: Responsabilidade penal na atividade económico-empresarial. Doutrina e jurisprudência comentada. Antonio Ruiz Filho e Leonardo Sica (coordenadores). São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 287. 808 Críticas muito bem ponderadas ao sistema capitalista incrustrado no Estado de Direito estão em MARTINS, Rui Cunha. A hora ..., p. 12 a 15.

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papel: geradores de corrupção e merecedores de tutela diante dos efeitos

gerados com a corrupção.

Atrele-se a isso o reconhecimento pelo Estado de sua falência no

propósito de, unilateralmente, cuidar das ferramentas, estruturas,

investimentos e promoção de conhecimento técnico e humano para enfrentar

a corrupção, seja reprimindo-a, seja prevenindo-a. Para cumprir o desiderato

da estratégia preventiva a ser imposta por meio das medidas compliance

administrativas e penais, o Estado – que já cumpre muito mais um papel

menos assistencialista e muito mais regulador809 – determina, por meio de

normas (a maioria delas geradas a partir de medidas de soft law810) o

chamamento dos entes privados de maneira a obrigatoriamente colaborar e

auxiliar na estipulação e aplicação de regras de controle.

Trata-se, sem rodeios, da privatização811 da prevenção812 não só

de delito de corrupção, mas também do delito de lavagem de ativos813, dos

delitos ambientais, dos delitos contra o sistema tributário, entre outros.

Atualmente, dada a especialização e complexidade das estruturas 809 NIETO MARTÍN, Adán. Introducción, p. 13. 810 Ainda que se contemple, ao menos ao penalista, a dificuldade de reconhecer o Direito não derivado diretamente do Estado. COCA VILA, Ivó. Programas de cumplimiento como forma de autorregulación regulada? In: Criminalidad de empresa y compliance. Prevenciones y reacciones corporativas. Jesús-Maria Silva Sánchez (director). Barcelona: Atelier, 2013. p. 44. Em caráter especial a Convenção de Mérida (Convenção da ONU contra a corrupção), chancelada no direito interno a partir do Decreto 5687/2006 (artigos 12 e 13). 811 SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa. Una nueva concepción para controlar la criminalidad económica. In: El derecho penal económico en la era compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (directores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 63. 812 Aponta Giovani SAAVEDRA: “Portanto, a primeira característica atribuída ao termo criminal compliance é prevenção. Diferentemente do Direito Penal tradicional, que está habituado a trabalhar na análise ex post de crimes, ou seja, na análise de condutas comissivas ou omissivas que já violaram, de forma direta ou indireta, algum bem jurídico digno de tutela penal, o criminal compliance trata o mesmo fenômeno a partir de uma análise ex ante, ou seja, de uma análise dos controles internos e das medidas que podem prevenir a persecução penal da empresa ou instituição financeira.” SAAVEDRA, Giovani A. Reflexões iniciais sobre criminal compliance. In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 218, janeiro de 2011. p. 11-12. 813 “Neste sentido, as políticas de combate à lavagem de dinheiro são construídas sobre a cooperação entre setor público (...) e o setor privado. Entidades ou pessoas que operam em campos sensíveis à lavagem de dinheiro, que exerçam atividades em setores comumente usados pelos agentes de mascaramento de bens de origem ilícita (bancos, corretoras de valores, de imóveis, contadores, etc.), são caracterizados como gatekeepers, como torres de vigia, pois atuam ou tem acesso aos caminhos e trilhas pelo quais corre o capital oriunda da infração penal.” BOTTINI, Pierpaolo; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 33.

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empresariais, financeiras e sociais, seria impossível que o Estado se

munisse, unicamente a partir de sistema de heterorregulação, ou seja, de

normas meramente unilaterais e vindas apenas dele. Há ainda, para além da

incapacidade fático-normativa, questões de natureza econômica que

impedem os Estados nacionais de assumir unilateralmente tais processos de

regulação, supervisão e sanção.814

No campo da corrupção o direito brasileiro deu um grande salto

normativo – e qualitativo – no trato com a prevenção da corrupção a partir da

edição da Lei 12.846/2013815 e consequente regulamentação dos dispositivos

ali previstos por meio de diversos decretos dos estados federados816 e da

União (o já referido Decreto 8.420/2015).

Dentre os modelos de regulação que o Estado Brasileiro poderia

ter adotado, pontue-se, fez a opção mais correta, pela aplicação daquilo que

se denomina de autorregulação regulada817 ou de corregulação estatal e

privada.818 Trata-se do chamamento das entidades privadas, in casu as

pessoas jurídicas, para que criem parâmetros e medidas internas a partir de

fins e interesses públicos determinados pelo Estado regulador, de modo que

elaborem corpos normativos próprios.819

Em termos mais diretos, a Lei 12.846/2013 determinou em seu

artigo 7º, inciso VIII, que serão levados em consideração na aplicação das

sanções administrativas por atos de corrupção a “existência de mecanismos e

procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de

irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no

âmbito da pessoa jurídica.” Por sua vez, foi apenas por intermédio da edição

do Decreto n. 8.420/2015, da Controladoria Geral da União, que se pode falar

814 Cf. COCA VILA, Ivó. Programas …, p. 46. Da mesma forma KUHLEN, Lothar. Compliance …, p. 105. 815 A respeito vide NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 85 e seguintes; CAMBI, Eduardo. Introdução. In: Lei Anticorrupção. Comentários à Lei 12.846/2013. Eduardo Cambi e Fábio André Guaragni (coordenação). Mateus Bertoncini (organização). São Paulo: Almedina, 2014. p. 13 a 45; SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei Anticorrupção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. 816 Por exemplo: no Estado de São Paulo foi editado o Decreto Estadual n. 60.106/2014 e no Estado do Paraná o Decreto Estadual n. 10.268/2014. 817 KUHLEN, Lothar. Compliance …, p. 103. 818 Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Autorregulação ..., p. 113. 819 Cf. COCA VILA, Ivó. Programas …, p. 51.

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com mais propriedade nos programas de integridade, eis que a partir dali

devidamente conceituado.

Um dos maiores cuidados é não deixar a atual legislação cair no

esquecimento ou, quando muito, tornar-se um mero fantoche sem

implicações práticas. Ao menos as regras foram devidamente disciplinadas

sob o panorama de que “o programa de integridade deve ser estruturado,

aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das

atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o

constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir

a sua efetividade.”820

A partir dos principais elementos presentes nas referências

internacionais a respeito dos programas de cumprimento, entre eles o Foreign

Corrupt Practices Act (FCPA)821 e o UK Bribery Act822, aponta Bruno Carneiro

MAEDA cinco aspectos centrais que podem ser considerados fundamentais

em programas compliance, a saber: a) suporte da administração e liderança;

b) mapeamento e análise de riscos; c) políticas, controles e procedimentos; d)

comunicação e treinamento e, por fim, e) monitoramento, auditoria e

remediação.823

820 Parágrafo único do art. 41 do Decreto 8.420/2015. 821 Primeira lei mundial destinada a castigar a corrupção internacional e que teve como principal inovação a sujeição extraterritorial da responsabilidade criminal. Cf. a respeito, por exemplo, NIETO MARTÍN, Adán. La prevención de la corrupción. In: Manual de cumplimiento penal en la empresa. Adán Nieto Martín (diretor). Valencia: Tirant lo Blanch, 2015. p. 324 a 327. Sobre o FCPA já se fez menção, com mais detalhes, no capítulo 1 supra. 822 Promulgada em 2010 no Reino Unido a UK Bribery Act “resulta de aplicación a cualquier empresa que realice sus negocios o parte de los mismos en el Reino Unido. Por esto puede decirse que de facto la supone la instauración de un sistema de jurisdicción universal en materia de corrupción, en cuanto na mayoría de las grandes empresas del planeta cotizan por ejemplo en la bolsa inglesa o realizan algún tipo de negocio.” NIETO MARTÍN, Adán. La prevención …, p. 328. 823 MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de compliance anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: Temas de Anticorrupção & Compliance. Alessandra Del Debbio, Bruno Carneiro Maeda e Carlos Henrique da Silva Ayres (coordenadores). Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 181. Para Ivó COCA VILA seriam sete os pilares dos programas de compliance, em si muito parecidos com os mencionados acima: cultura do cumprimento do programa; pré-estabelecimento de objetivos empresariais; mensuração dos riscos da atividade empresarial; adoção de medidas para a contenção dos riscos; delimitação dos âmbitos de competência das pessoas e órgãos a funcionar; sistemas internos de comunicação e, ao final, sistemas de supervisão e estipulação de sanções. Cf. COCA VILA, Ivó. Programas …, p. 56 a 60. Em sentido similar é o posicionamento de SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Autorregulação ..., p. 126 e 127.

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De maneira a não esgotar toda a normativa trazida no Decreto

8.420/2015 (artigo 42 e incisos), é viável realizar a associação das

características pretendidas com a legislação brasileira agora em vigor. Assim,

o inciso I do artigo 42 dá satisfação ao tema suporte da administração e

liderança ao estipular que o programa de integridade de determinada

empresa será avaliado a partir do “comprometimento da alta direção da

pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e

inequívoco ao programa”. A análise de risco foi contemplada no inciso V do

artigo 42 ao dispor que melhor avaliado será o programa de compliance que

ponha em prática “análise periódica de riscos para realizar adaptações

necessárias ao programa de integridade”.

Já as políticas, controles e procedimentos aludidos por MAEDA

estão previstos em diversos incisos, dos quais pode-se citar o inciso VII

(“controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de

relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica”) e o inciso VIII

(“procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de

processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em

qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros,

tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de

autorizações, licenças, permissões e certidões”).

Um dos pontos a ser destacado é o que se refere à comunicação

e treinamento. Estes aspectos também estão descritos no artigo 42 do

Decreto que regulamenta a matéria, ao estipular no inciso X que a avaliação

do programa de integridade está vinculada ao quão adequados e melhores

forem os “canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente

divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à

proteção de denunciantes de boa-fé”. Por fim, o monitoramento, a auditoria e

a remediação viram-se atendidos no inciso XV ao mencionar os seguintes

termos: “monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu

aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos

lesivos previstos no art. 5º da Lei no 12.846, de 2013.”

Tudo isso considerado, há de se esquadrinhar quais as

consequências da realidade compliance para o criminal compliance ou ainda

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270

para o que se pode denominar de Direito penal da corrupção.

Verdadeiramente é o caso de verificar o rendimento atual do “criminal

compliance” para a tutela do bem jurídico <<imparcialidade do servidor

público>>, quando não também a prognose de rendimento, haja vista tratar-

se de instrumento e categoria relativamente novos no Direito penal brasileiro.

Embora não cunhados estritamente para a realidade do Direito

penal, a principal característica que os programas de cumprimento adquirem

ao se relacionarem com o Direito penal, seja por meio de normas ou

princípios, o que acaba por revelar o criminal compliance, é a estratégia

preventiva.

Todo o arcabouço de princípios como também as normas recém-

inseridas no ordenamento jurídico revelam, sem dúvida, uma preocupação

precípua de evitar o cometimento do delito por meio de uma política criminal

ex ante. Neste ponto as medidas de criminal compliance, acaso não se

revelem como medidas de regulação criminal em sentido estrito, acabam por

proporcionar inclusive novas formas de interpretação da imputação criminal,

consoante consignado abaixo, assumiriam claramente a noção de prevenção

técnica desenvolvida por HASSEMER, prevenção realmente atuante e

alicerçada em estruturas organizacionais e técnicas que, por serem já

suficientes, impediriam novas ameaças penais, novos métodos de

investigação e, via de consequência, maior limitação dos direitos

individuais.824 Nas próprias palavras de HASSEMER825 a meta principal desta

prevenção técnica: “no es la modificación de normas, sino de relaciones de conexiones organizativas o técnicas, de manera tal de poder quitarle peso prevención normativa. Cuanto más medios idóneos del ámbito de la organización y la técnica estén a disposición, menos se debería recurrir a los medios normativos, los cuales, en parte, afectan profundamente los ámbitos jurídicos de nosotros.”

Dentre as medidas inseridas nesta tal <<prevenção técnica>>,

inclusive direcionada para a corrupção, estariam o incentivo à discussão

ampla sobre o tema com fins de sensibilizar a sociedade, como também a

824 Cf. HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 152. 825 HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 150 e 151.

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instituição de canais de denúncia confiáveis, pois com isso se favoreceria o

desnudar das estruturas corruptivas.826

Nada obstante as ponderações do professor da Universidade de

Frankfurt, as noções de criminal compliance, conquanto contenham um viés

preventivo, trazem com isso maior carga de intervenção jurídico-penal ao

tema da corrupção e, de acordo com o mencionado autor, uma maior carga

de proibições e sanções com características notoriamente penais.

Quanto ao tema eminentemente preventivo, o criminal

compliance de fato se direciona, por meio da fixação de canais de denúncia e

também pelo rigor na observância de normas ético-empresariais, a permitir

maior tutela do bem jurídico <<imparcialidade do servidor público>> num

sentido antecipado, antes mesmo que a prática corruptiva se efetive

concretamente. Isso é notório e nada mais revela do que a efetividade de um

valor como a transparência negocial a ser instituída nas relações entre o

setor público e o setor privado. Apego à transparência e também à

estruturação de medidas que a favoreçam (como os canais de denúncia)

certamente oferecem impedimentos àqueles que se destinem à corrupção

ativa e passiva.

Nesta toada pontua NIETO MARTÍN827: “Los códigos éticos, y no el Derecho penal, deben ser los que delimiten el perímetro de las conductas prohibidas y las normas de comportamiento dentro de la empresa. Los códigos éticos o las políticas de empresa en muchas materias, como la corrupción o la administración desleal (conflictos de intereses), suelen – y deben – ir más allá de la ley, prohibiendo conductas que están en la zona previa de los tipos penales o instaurando normas de flanqueo.”

Contudo, já em uma primeira análise se revelam, a partir do

cumprimento de normas preventivas de cunho ético-negocial (transparência)

e do favorecimento de canais de denúncia, aspectos de natureza

eminentemente penal, ou melhor, aspectos de aumento de incidência da

norma penal sobre o cidadão.

826 Cf. HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 153. 827 NIETO MARTÍN, Adán. Problemas fundamentales del cumplimiento normativo en el derecho penal. In: Compliance y teoría del Derecho penal. Lothar Kuhlen, Juan Pablo Montiel e Íñigo Ortiz de Urbina Gimeno (editores). Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 27 e 28.

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272

No que toca aos canais de denúncia, o Direito penal assume, por

exemplo, o protagonismo de decidir sobre a atipicidade ou (a incidência de

causa de) justificação828 do funcionário particular ou servidor público que

denuncie a atividade corrupta, conquanto seja um tanto óbvia e esperada a

tomada de medidas pela estrutura empresarial ou estatal contra o

denunciante.829

Já no tocante à instituição de um programa de cumprimento de

normas, é possível destacar que a mera inexistência de um programa de

compliance não gera a responsabilidade criminal, pelo simples motivo de

estar, ao menos por enquanto, sob a égide de um Direito penal do fato

praticado. De igual modo também seria controversa a incidência de normas

penais incriminadoras sobre a atividade de, existindo o programa compliance,

o seu mero descumprimento pudesse levar à responsabilização de natureza

criminal.830 Evidentemente que poderia ser tipificado um delito nos moldes de

uma infração de dever, criminalizando a conduta dos dirigentes (ou até da

pessoa jurídica, se chegar a tanto) que se abstivessem de inserir o programa

de cumprimento em suas estruturas organizacionais. Contudo, até que isso

seja tipificado – o que não retira de antemão uma crítica à desnecessidade e

impropriedade de novel legislação desta natureza – note-se, novamente, que

a mera não aplicação do programa de cumprimento não tem o condão de

gerar responsabilização criminal.

Como não existe um tipo penal de descumprimento de medidas

de compliance por si só, não se pode falar da antecipação direta, por meio de

criminalização, da tutela penal. O que ocorre são possíveis alterações no

espectro da imputação de delitos comissivos por omissão, pois aos

responsáveis pelas medidas de compliance poderão ser aplicadas sanções

828 A respeito vide RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Héroes ..., p. 12; RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing ..., p. 200 e seguintes. 829 Cf. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing ..., p. 166. 830 Posiciona-se SILVEIRA: “... mas parece ser correta a colocação de que não deveria se aceitar que o descumprimento de normas no interior de uma empresa, de per se, implicassem uma responsabilidade individual, até mesmo porque essa punição careceria de legitimidade. É de se imaginar que o Direito Penal – Direito Público por definição – não pode ficar atrelado à ideia de um descumprimento de normas internas de uma dada empresa. ” SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Autorregulação, ..., p. 121.

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criminais, tudo dependendo das circunstâncias fáticas. Neste sentido a

opinião de SILVA SÁNCHEZ831: “Ahora bien, por otro lado es certo que la implantación de compliance programs hace surgir nuevas posiciones de deber para las personas físicas. Pues tales programas contienen controles que deben ser asignados a las personas físicas. Así, es cierto que para estas personas surgen nuevos deberes, cuya infracción puede dar lugar a responsabilidad penal. Este es el caso, entre otros, de los compliance officers.”

Porém, em outro vértice, não se pode permitir, em nenhuma

hipótese, a responsabilização objetiva, pelo cargo unicamente, a exemplo do

que ocorreu na Ação Penal 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, eis

que ali, em que pese isso ter ocorrido em imputações que versavam sobre o

delito de lavagem de dinheiro, “houve uma subsunção automática na qual a

violação do dever de informar as operações suspeitas determinava a condenação,

pela qual o descumprimento de deveres (non-compliance) seria incriminado.”832

A maior incidência do Direito penal também se dá em âmbito

processual, nomeadamente na possibilidade de produção de provas em

procedimentos não-criminais e cujo resultado venha a instruir futuras

investigações e ações de natureza, daí sim, penais. Não se trata de novidade

no ordenamento jurídico brasileiro, muito menos no tocante à corrupção, uma

vez que o inquérito civil público (artigo 8º, §1º, da Lei 7.347/85) já servia a

esta finalidade. O cuidado há de ser tomado, porém, com os direitos e

garantias a incidirem nos procedimentos e colheita de provas em âmbitos não

penais e sua consequente utilização, daí sim, em procedimentos de natureza

penal.

No marco da corrupção espera-se, como visto, a prevenção de

delitos de corrupção e, a longo prazo, uma diminuição de sua prática

justamente por tirar a zona de conforto (sigilo inerente à corrupção) dos

agentes que se destinam a esta prática. Quanto maior a transparência e a

existência de mecanismos para que esta transparência seja efetiva, 831 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Deberes de vigilancia y compliance empresarial. In: Compliance y teoría del Derecho penal. Lothar Kuhlen, Juan Pablo Montiel e Íñigo Ortiz de Urbina Gimeno (editores). Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 103. 832 SAAD-DINIZ, Eduardo. O sentido normativo dos programas de compliance na APn 470/MG. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 933, julho de 2013. p. 161. Diversas críticas também foram vertidas por COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da APN 470. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 106, janeiro de 2014. p. 217 a 221.

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possivelmente menor será o índice de práticas de suborno ativo e passivo.

Anote-se, contudo, que no aspecto preventivo, a legislação brasileira deixou a

desejar, ao menos até o momento, pois o Decreto 8.420 e a própria Lei

12.846/2013 cuidam das pessoas jurídicas de direito privado833, com o que

não aplicou à risca, o compliance também ao setor público834 conforme

propugna o Decreto 5.687/2006 (que ratificou a Convenção de Mérida).835

Também como reflexo do intento preventivo está o intento de

torná-lo efetivo, devendo ser evitado e combatido que os programas de

compliance tornem-se meras fachadas836 para o cometimento de crimes,

equivalendo-se praticamente a um non-compliance, ou, em termos mais

diretos, que o compliance se torne um abuso de formas para encobrir práticas

de corrupção e delitos correlatos (v.g., lavagem de dinheiro). 833 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 108; GUARAGNI, Fábio André. Disposições gerais. In: Lei Anticorrupção. Eduardo Cambi e Fábio André Guaragni (coordenação). Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini (organização). São Paulo: Almedina, 2014. p. 56 e 57. 834 A respeito do compliance no setor público vide NIETO MARTÍN, Adán. De la ética pública al public compliance: sobre la prevención de la corrupción en las administraciones públicas. In: Public compliance. Prevención de la corrupción en administraciones públicas y partidos políticos. Adán Nieto Martín e Manuel Maroto Calatayud (diretores). Cuenca: Ediciones de la Universidad Castilla-La Mancha, 2014. p. 17-42. 835 Art. 8. Códigos de conduta para funcionários públicos 1. Com o objetivo de combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, promoverá, entre outras coisas, a integridade, a honestidade e a responsabilidade entre seus funcionários públicos. 2. Em particular, cada Estado Parte procurará aplicar, em seus próprios ordenamentos institucionais e jurídicos, códigos ou normas de conduta para o correto, honroso e devido cumprimento das funções públicas. 3. Com vistas a aplicar as disposições do presente Artigo, cada Estado Parte, quando proceder e em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, tomará nota das iniciativas pertinentes das organizações regionais, interregionais e multilaterais, tais como o Código Internacional de Conduta para os titulares de cargos públicos, que figura no anexo da resolução 51/59 da Assembléia Geral de 12 de dezembro de 1996. 4. Cada Estado Parte também considerará, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a possibilidade de estabelecer medidas e sistemas para facilitar que os funcionários públicos denunciem todo ato de corrupção às autoridades competentes quando tenham conhecimento deles no exercício de suas funções. 5. Cada Estado Parte procurará, quando proceder e em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, estabelecer medidas e sistemas para exigir aos funcionários públicos que tenham declarações às autoridades competentes em relação, entre outras coisas, com suas atividades externas e com empregos, inversões, ativos e presentes ou benefícios importantes que possam dar lugar a um conflito de interesses relativo a suas atribuições como funcionários públicos. 6. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, medidas disciplinares ou de outra índole contra todo funcionário público que transgrida os códigos ou normas estabelecidos em conformidade com o presente Artigo. 836 SIEBER, Ulrich. Programas …, p. 76. Sobre a necessidade de o compliance ser de fato efetivo vide COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance ..., p. 223.

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A conclusão parcial a partir deste capítulo, portanto, é a de que

os controles preventivos, para serem efetivos em torno das práticas de

corrupção, vão além desta eficácia preventiva e, em que pese relevantes e no

atual momento legislativo brasileiro e mundial praticamente irrenunciáveis,

trazem consigo um aumento da quantidade de normas penais e processuais

penais. Em síntese: acoplada a noção de compliance ao Direito penal,

vislumbram-se incrementos tanto preventivos (ex ante) quanto repressivos

(ex post), mas certamente maior incidência de normas penais e processuais

penais sobre o controle da corrupção, o que acaba por confiar ao Direito

penal uma maior preponderância para o enfrentamento da corrupção do que

aquele vislumbrado antes da aludida interação entre compliance e normas

penais.

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CONCLUSÕES E PROPOSTAS.

(i) o fenômeno da corrupção não resulta em plena identificação

com figuras típico-penais; pelo contrário, não existe um delito de corrupção,

mas sim no conceito amplo de corrupção se inserem condutas que, podendo

ou não vulnerar interesses penalmente protegidos, acabam por desfigurar

finalidades institucionais para que se privilegiem interesses particulares;

(ii) é necessário estipular a diferença entre corrupção como

fenômeno social e normativo (corrupção lato sensu) e corrupção como delito;

e, dentro do âmbito penal, os diversos delitos de corrupção, dentre eles os

delitos de corrupção ativa e passiva (corrupção strictu sensu);

(iii) a essência do conceito da corrupção lato sensu reside na

conduta de determinada pessoa que, vinculada normativamente com

interesses alheios, públicos ou privados, os descumpre em detrimento de

interesses particulares, próprios ou de terceiros;

(iv) a corrupção desenvolveu-se de acordo com as

particularidades brasileiras, não como um privilégio do período pós-regime

ditatorial;

(v) tanto a corrupção oculta quanto a corrupção manifesta na

mídia e nos processos judiciais está ladeada pela crise estrutural e normativa

instalada na figura do Estado;

(vi) dentre os fatores que contribuem para desvelar o fenômeno

da corrupção e consequente enfrentamento, estão a importância do Estado

como o maior contratante econômico, a crise de legitimação do Estado como

fonte de poder, o fim da Guerra Fria, a constatação de que a corrupção

impede o crescimento econômico global, a vigência da democracia e a

independência judicial e dos meios de comunicação;

(vii) os Tratados Internacionais no âmbito da ONU, em especial a

Convenção de Palermo e a Convenção de Mérida, deram visibilidade e força

normativa ao enfrentamento da corrupção;

(viii) dentre as causas do fenômeno da corrupção se destacam a

debilidade do sistema governamental, o subdesenvolvimento da sociedade e

do Estado, os regimes não democráticos, a ausência de um sólido sistema

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judicial, a precariedade das carreiras dos servidores públicos e o excesso de

burocracia, de poder discricionário e de intervenção estatal na economia;

(ix) no caso particularmente brasileiro agregam-se como causas

da corrupção o patrimonialismo, o neopatrimonialismo e o sistema político e

eleitoral;

(x) quanto às consequências da corrupção tem-se que atingem

negativamente o grau e o volume de investimentos bem como o produto

interno bruto (PIB), trazem prejuízo à livre concorrência, diminuem a

capacidade de renda e consumo dos cidadãos, trazem prejuízos à

administração pública e ao desenvolvimento e perpetuação da democracia;

(xi) a nomenclatura utilizada pelo legislador penal, ao se referir

aos delitos de corrupção ativa e passiva, acaba por consolidar evidente

confusão com o fenômeno corruptivo; salutar seria a alteração para o nomen

juris “suborno”, com o que se isolaria a natureza típica e normativa desta

forma de corrupção que interessa ao Direito penal;

(xii) o bem jurídico tutelado pelos delitos de corrupção ativa e

passiva (delitos de suborno) é a imparcialidade do servidor público no

exercício de suas atividades funcionais;

(xiii) o ganho de rendimento por meio desta fixação do bem

jurídico é notório e se dá pela retirada de aspectos éticos que gravitam em

torno do tema corrupção; pela retirada do subjetivismo agregado às noções

de dignidade e prestígio da Administração Pública, ou ainda o seu bom e

normal funcionamento; traz legitimidade à intervenção estatal para que o

Estado possa punir o suborno a partir de critérios de objetividade, ou seja, de

que a atividade pública se dê livre da interferência de terceiros; tal bem

jurídico privilegia a ideia de igualdade de todos os cidadãos na obtenção e

fruição dos serviços públicos; a imparcialidade como bem jurídico traz

elementos concretos para individualizar o injusto penal de suborno para além

de um mero recebimento indevido de vantagem ou ainda de um exercício

inadequado da atividade reservada ao funcionário público;

(xiv) os tipos penais de corrupção ativa e passiva no direito

brasileiro são absolutamente independentes e não ostentam a característica

de bilateralidade necessária, mas sim de bilateralidade eventual;

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(xv) a partir desta absoluta independência tem-se que a conduta

do particular que entrega ou dá a vantagem ao servidor após solicitação

deste comete, de acordo com a lei em vigor, conduta atípica;

(xvi) o termo <<ato de ofício>> está presente unicamente na

figura da corrupção ativa e não é requisito para a imputação do tipo penal de

corrupção passiva ao servidor público;

(xvii) a legislação penal brasileira é sui generis no tratamento da

corrupção ativa e passiva, porquanto pune cidadão e servidor público a partir

de sistemas diferenciados; ao cidadão vigora um sistema mercantilista da

corrupção e ao servidor vigora um sistema patrocinador de corrupção;

(xviii) é absolutamente relevante e necessário que o legislador

penal adote um conceito próprio de funcionário público; a alteração para o

termo “servidor público” traria efeitos benéficos, mas ainda assim o conceito

penal há de ser particular e próprio do Direito penal, porquanto há clara

distinção entre os objetivos perseguidos pelo Direito penal e pelo Direito

administrativo; ao Direito penal interessa precipuamente a proteção do

correto exercício da função pública e, no delito de corrupção, a proteção da

imparcialidade de tal exercício;

(xix) o termo <<ato de ofício>> inserido no artigo 333, caput, do

Código Penal, não pode ser desprezado pelo intérprete, pois não exerce a

função de mero figurante no tipo penal nem tampouco o intérprete pode fingir

a sua inexistência;

(xx) o termo <<ato de ofício>> não se coaduna com a

interpretação lançada pela maior parte da doutrina brasileira, eis que o filtro

de definição, sendo a competência ou atribuição, não abarca a realidade dos

fatos e do desvalor do injusto penal;

(xxi) o termo <<ato de ofício>> pode ser interpretado, sem

desrespeito à norma penal e aos princípios básicos que permeiam a

aplicação do jus puniendi estatal, a partir da noção de relação funcional

imediata, com o que por <<ato de ofício>> deve-se entender como o ato

possível de ser praticado pelo funcionário, seja o ato de competência ou

atribuição deste, seja o ato que, muito embora não seja de competência do

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funcionário, tenha sido realizado em virtude das facilidades ou oportunidades

que derivam da situação subjetiva da qual o funcionário é titular;

(xxii) o <<ato de ofício>> deve estar minimamente identificado

para que se possa falar em corrupção ativa (artigo 333, caput, do Código

Penal);

(xxiii) o termo vantagem indevida não está atrelado a valor

econômico, mas sim a qualquer espécie de vantagem a que o servidor

público não tenha direito;

(xxiv) os delitos de suborno não ostentam seu desvalor na

natureza ou quantidade da vantagem indevida recebida e/ou entregue, mas

sim no objeto de tutela que é a imparcialidade do servidor público, de modo

que o termo vantagem indevida há de estar associado à finalidade de

corromper o servidor público, independentemente do valor ou quantia a ser

oferecida ou prometida;

(xxv) há de se pensar numa compatibilidade ou incompatibilidade

entre os interesses que o servidor público há de proteger e os interesses a

que se vinculará na hipótese de aceitação ou recebimento da vantagem

indevida; a partir deste raciocínio se abre a possibilidade de incidência do

princípio da adequação social, matiz interpretativo que acabou sendo inserido

na legislação portuguesa em recente reforma;

(xxvi) as penas estipuladas à corrupção ativa e passiva,

porquanto idênticas, desrespeitam o princípio da proporcionalidade, seja

porque o desvalor da conduta do particular e do servidor público são

diferentes, seja porque não diferencia tipicamente o suborno para ato lícito e

o suborno para ato ilícito;

(xxvii) as penas restritivas de direitos e a pena de multa

cominadas aos delitos de suborno, assim como as consequências

extrapenais do delito artigo 91 do Código Penal, merecem nova abordagem e

protagonismo, pois desempenham papel tão ou mais relevante do que a pena

privativa de liberdade;

(xxviii) a prisão preventiva ocupa lugar imprescindível para a

função a ela reservada, qual seja o estrito acautelamento do processo, não

podendo ir além de servir como ferramenta para que atos concretos (ou com

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grande probabilidade de ocorrer) prejudiquem a aplicação da lei penal, a

devida instrução do processo ou, no máximo, a garantia da ordem pública

(aqui considerada como chance concreta de reiteração criminosa);

(xxix) as medidas cautelares reais resultam em salutar medida

para o correto desenvolvimento das funções reservadas ao Direito penal e ao

processo penal;

(xxx) o sequestro de bens (artigo 125 do Código de Processo

Penal) pode e deve incidir sobre os proveitos ilícitos do produto do crime;

deve-se evidenciar qual o proveito ilícito obtido não apenas pelo servidor

público (vantagem indevida), mas também o ganho ilícito obtido, ainda que

indiretamente, pelo particular responsável pelo oferecimento ou entrega da

indevida vantagem;

(xxxi) a colaboração premiada se revela como importante medida

político-criminal apta a desvelar a característica oculta da corrupção; nada

obstante, não pode servir como moeda de troca para que se recobre a

liberdade em casos de decretação de prisão preventiva; muito embora

recente, a legislação que regula a colaboração premiada merece reformas

urgentes para se adequar aos parâmetros constitucionais, em especial no

que se refere à figura do Juízo que homologa o acordo e ao acesso aos autos

pelo acusado/imputado prejudicado pelo acordo de colaboração;

(xxxii) caberia, como alteração legislativa, a inserção de uma

escusa absolutória que retirasse a punibilidade do particular autor de

corrupção ativa, desde que este informe, dentro de determinado prazo fixado

em lei, ao Ministério Público ou à Autoridade policial a ocorrência do crime de

suborno por ele praticado a partir de solicitação do servidor público; esta

medida político-criminal traria benefícios à corrupção de menor complexidade,

porquanto a colaboração premiada não tem assento em casos suborno de

menor gravidade;

(xxxiii) dada a proximidade manifesta entre os fenômenos da

corrupção e da criminalidade organizada, os instrumentos penais e

processuais penais ao enfrentamento de tais questões se aproximam;

(xxxiv) embora a legitimidade da criminalização do pertencimento

a uma organização criminosa decorra do próprio perigo gerado pelo atuar

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281

associativo permanente e numeroso das organizações criminosas que

possibilitam criar estruturas propensas para a prática de delitos graves, há

descompasso e consequente desproporcionalidade às penas estipuladas aos

tipos penais de organização criminosa (artigo 2º da Lei 12.850/2013) e de

suborno (arts. 317 e 333 do Código Penal);

(xxxv) as propostas de aumentar a pena privativa de liberdade

aos delitos de corrupção ativa e passiva, bem como incluir tais delitos no rol

de tipos penais hediondos (artigo 1º da Lei 8.072/90), são medidas inócuas

para a tutela do bem jurídico pretendido e se apresentam com nefastas

características de Direito penal simbólico e de emergência;

(xxxvi) os intentos preventivos, com efeitos ínsitos de aumento

do espectro de imputação penal, trazidos pelos programas de cumprimento

(criminal compliance) – devidamente associados à Lei 11.846/2013 – revelam

a adequação das normas brasileiras aos padrões internacionais e, em que

pese uma clara cultura de controle das atividades empresariais e pessoais,

têm o benefício de evitar, a princípio, a aplicação da pena preventiva de

liberdade;

(xxxvii) os controles preventivos para serem efetivos em torno

das práticas de corrupção, vão além desta eficácia preventiva e, em que pese

relevantes e no atual momento legislativo brasileiro e mundial praticamente

irrenunciáveis, trazem consigo um aumento da quantidade de normas penais

e processuais penais;

(xxxviii) acoplada à noção de compliance ao Direito penal,

vislumbram-se incrementos tanto preventivos (ex ante) quanto repressivos

(ex post), mas certamente maior incidência de normas penais e processuais

penais sobre o controle da corrupção, o que acaba por confiar ao Direito

penal uma maior preponderância de enfrentamento da corrupção do que

aquele vislumbrado antes da aludida interação entre compliance e normas

penais.

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282

Propostas de alteração legislativa

Suborno praticado pelo servidor público

Art. (...) – Solicitar ou receber, na qualidade de servidor público,

no exercício de suas funções ou em razão de suas funções,

vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, para

que pratique ato funcional contrário às suas funções e deveres:

Pena: reclusão de 02 a 12 anos, e multa de 10 a 1500 dias-

multa.

Art. (...) – Solicitar ou receber, na qualidade de servidor público,

no exercício de suas funções ou em razão de suas funções,

vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, para

que pratique ato funcional conforme as suas funções e deveres:

Pena: reclusão de 02 a 08 anos, e multa de 10 a 750 dias-multa.

Suborno praticado pelo particular

Art. (...) – Oferecer, prometer ou entregar vantagem indevida a

servidor público no exercício de sua função ou em razão dela,

para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato funcional de

forma contrária às suas funções e deveres:

Pena: reclusão de 02 a 10 anos, e multa de 10 a 750 dias-multa.

Art. (...) – Oferecer, prometer ou entregar vantagem indevida a

servidor público no exercício de sua função ou em razão dela,

para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato funcional

regular e conforme as suas funções e deveres:

Pena: reclusão de 01 a 08 anos, e multa de 10 a 360 dias-multa.

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Parágrafo único. É atípica a conduta do particular que entrega a

vantagem indevida após solicitação do servidor público, desde

que motivado pela obtenção de tratamento imparcial deste.

Causa de extinção da punibilidade

Art. (...) Extingue-se a pena do particular que espontaneamente

informar ao Ministério Público ou à Autoridade policial a

ocorrência do crime de suborno por ele praticado a partir de

solicitação do servidor público, desde que tal comunicação

ocorra dentro do prazo de 02 meses a contar do seu

cometimento e desde que antes da instauração do procedimento

investigatório.

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