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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo GLÁUCIA APARECIDA DA SILVA FARIA LAMBLÉM Execução coletiva dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos reconhecidos em sentença face à efetividade da tutela jurisdicional Doutorado em Direito São Paulo 2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

GLÁUCIA APARECIDA DA SILVA FARIA LAMBLÉM

Execução coletiva dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos reconhecidos em

sentença face à efetividade da tutela jurisdicional

Doutorado em Direito

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

GLÁUCIA APARECIDA DA SILVA FARIA LAMBLÉM

Execução coletiva dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos reconhecidos em

sentença face à efetividade da tutela jurisdicional

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Doutora em Direitos

Difusos e Coletivos, sob a orientação da Profa. Dra.

Patricia Miranda Pizzol.

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

GLÁUCIA APARECIDA DA SILVA FARIA LAMBLÉM

Execução coletiva dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos reconhecidos em

sentença face à efetividade da tutela jurisdicional

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Doutora em Direitos

Difusos e Coletivos, sob a orientação da Profa. Dra.

Doutora Patricia Miranda Pizzol.

Aprovada em:___/___/___

Banca Examinadora

Profa. Dra. Patricia Miranda Pizzol (Orientadora)

Instituição: PUC-SP Assinatura:_______________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

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Ao meu marido Euto Faria Lamblém, por me amar e me fazer feliz.

Meu amor eterno.

Às filhas, Daniele e Fernanda, grandes incentivadoras dos meus

projetos. Presentes de Deus. Razões de minha vida.

Aos meus pais, Alaor e Guilherma, pelo apoio incondicional. Todo

meu amor e respeito.

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AGRADECIMENTOS

Graças a meu Deus, cuja graça me alcançou ainda criança e por cujo poder e

misericórdia me mantém em pé. Ele é minha fortaleza, minha alegria, meu consolo e minha

fonte inesgotável de paz. E porque Ele é grande e digno de ser louvado em todo o tempo.

Em vias de concluir o Doutorado em Direito, rememoro cada etapa e reviso meu

percurso, revivo as dificuldades e alegrias e me certifico de que não caminhei só; muitos

percorreram este caminho comigo, lado a lado e cada um, generosamente, me deixou um

legado de conhecimento, de companheirismo e de apoio. Então, faço questão de externar

minha sincera gratidão.

À Profa. Dra. Patricia Miranda Pizzol toda minha gratidão e profunda admiração. Não

apenas pela orientação deste trabalho que, por si, só já seria o suficiente para apresentar meus

sinceros agradecimentos. Mas, também e principalmente porque é estrela de primeira

grandeza, aquela que se tornou a minha grande referência, o exemplo de dedicação a um

ofício tão importante e tão sutil, o de formar pessoas. Professora exemplar, grande mestra, que

reforçou em mim o encanto pela Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos.

Externo também minha imensa gratidão ao Prof. Dr. Nelson Nery Jr. pelas aulas

magistrais de Aspectos Constitucionais e Processuais dos Direitos Difusos e Coletivos que

contou com a colaboração inestimável dos Profs. Drs. Gilson Delgado Miranda e Georges

Abboud, a quem estendo a máxima gratidão e apreço.

Ao meu querido colega de curso Júlio César Rossi, que partilhou comigo das

dificuldades e o encantamento pelo Direito. Sempre presente partilhando ciência, amizade e

parceria.

À amiga Iara Teixeira, em cuja casa me acolheu durante os anos de curso, partilhando

o teto, o alimento e o afeto os quais ficarão impressos eternamente em meu coração.

Não menos importante, agradeço à minha família maravilhosa, aos meus parentes

consanguíneos, aos afins e irmãos na fé, pelo apoio, afeto, orações e, principalmente, pela

compreensão, quando em muitas situações, em razão deste curso, deixei de estar presente.

Ainda que tenha dedicado este trabalho aos meus pais, Alaor e Guilherma, ao marido

Euto e às filhas, Daniele e Fernanda não posso deixar de agradecer e engrandecer a cada um

deles, pelo amor incondicional, impresso em cada página deste trabalho, mesmo quando

aceitaram minha longa ausência para concretizar esta pesquisa. Amo-os.

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O direito não é uma pura abstração lógica que os juristas possam

organizar, através de um castelo conceitual, formador do que eles

próprios denominam “mundo jurídico”. Superadas as ilusões criadas

pela idéia de um direito natural eterno e imutável, capaz de ser

aplicado em todos os tempos e latitudes, e os teoremas lógicos de

todas as formas de positivismo normativo, os juristas têm hoje uma

consciência bem viva da historicidade do direito, de seus

insuprimíveis compromissos com a realidade social, com as

aspirações e exigências predominantes de uma dada comunidade

humana, cuja convivência lhes caiba regular. (SILVA, Ovídio A.

Baptista da. Curso de processo civil. 3.ed. v.3. rev. atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2000, p.21)

O processualista necessita capacitar-se de que o instrumento com que

ele labora não poderá jamais oferecer uma solução absolutamente

ideal e imune a qualquer inconveniente. (SILVA, Ovídio A. Baptista

da. Curso de processo civil. 3.ed. v.3. rev. atual. e ampl. São Paulo:

RT, 2000, p.21)

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar os limites da aplicabilidade das normas

procedimentais do Código de Processo Civil pertinentes à execução de sentença às ações

coletivas, a partir de uma releitura dos princípios constitucionais do processo, sob a ótica da

máxima efetividade da tutela jurisdicional coletiva, em razão do próprio direito material

tutelado. Considerando que a efetividade da tutela jurisdicional está intimamente ligada à

concretização das decisões judiciais, o tema é abordado no âmbito das execuções de sentença

coletiva para tutela de direitos difusos, coletivos e direitos individuais homogêneos,

destacando a atuação do juiz na justa adequação dessas regras ao caso concreto. Justifica-se o

estudo da execução de sentença no âmbito da jurisdição coletiva, uma vez que esta leva a

termo a decisão judicial podendo aquilatar a repercussão concreta da tutela jurisdicional.

Neste sentido, a sociedade de massa e os conflitos dela decorrentes, possibilitam a lesão a

uma pluralidade de direitos, envolvendo um grande número de sujeitos, requerendo, portanto,

respostas judiciais condizentes com a complexidade da situação de fato. Leva-se em

consideração que a resposta judicial não deve ficar estagnada a comandos genéricos,

exigindo-se, portanto, a implementação efetiva dos seus comandos, sob pena de inefetividade

da tutela jurisdicional. A temática da execução de sentença, entendida esta de forma ampla,

como toda decisão judicial, mostra-se um terreno fértil para dimensionar o papel do juiz e a

influência dos mecanismos executivos disponibilizados nas normas existentes para a

efetividade da tutela jurisdicional coletiva. O exame das normas integrativas do microssistema

processual coletivo, conjugadas com aquelas do Código de Processo Civil atinentes à

execução de sentença, em consonância com os princípios constitucionais do processo permite

uma verdadeira adequação do procedimento executivo nas ações coletivas de tal forma a

conferir a efetividade da tutela jurisdicional coletiva. Neste contexto, o papel do juiz é

essencial para a efetividade da tutela jurisdicional, não se limitando a aplicar a lei e

pronunciar o juízo de mérito, mas também ao exercício de um poder de execução tendente a

conferir eficácia às suas próprias decisões.

Palavras-chave: Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Tutela jurisdicional

efetiva. Execução de sentença coletiva. Papel do magistrado na efetivação das decisões

judiciais coletivas.

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ABSTRACT

This study has the purpose of examining the limits of applicability of the procedural rules of

the Code of Civil Procedure related to the execution of sentence in class action lawsuits. This

is done through a reinterpretation of the constitutional principles of the process, from the

perspective of maximum effectiveness of collective judicial protection because of the own

protected material right.

Considering that the effectiveness of judicial protection is closely connected to the

implementation of judicial decisions, the topic is addressed in the context of execution of

sentence in class actions for protection of diffuse, collective, and homogeneous individual

rights. It is highlighted the judge's role in the fair adequacy of such rules to the concrete case.

The study of execution of sentence under the collective jurisdiction is justified, since this

leads the judicial decision to an end, being able to assess the practical impact of judicial

protection.

In this sense, the mass society and conflicts arising from it, allows violation to a plurality of

rights, involving large numbers of subjects, thus requiring legal responses in accordance with

the complexity of the factual situation. It is taken into account that the judicial response

should not adhere to generic directions, requiring, therefore, the effective implementation of

its controls, otherwise giving rise to the ineffectiveness of judicial protection. The theme of

execution of sentence, interpreted in a broad sense, as all judicial decisions, shows fertile

ground to scale the role of the judge and the influence of the executive mechanisms available

on existing standards for the effectiveness of collective judicial protection.

The examination of integrative rules of collective procedural microsystem, combined with

those of the Code of Civil Procedure relating to the enforcement of court decisions and being

in line with the constitutional principles of the process enables a true adequacy of the

executive procedure in class actions such as to provide the effectiveness of collective judicial

protection. In this context, the judge’s role is essential to the effectiveness of judicial

protection, not being limited to enforce the law and pronounce judgment on the merits, but to

the exercise of a power of execution aimed to give effect to his/her own decisions.

Keywords: Diffuse, Collective, and Homogeneous Individual Rights . Effective judicial

protection. Implementation of collective judgement. Magistrate's role in the realization of

collective court decisions.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA E OS DIREITOS

MATERIAIS TUTELADOS 18

1.1 Tutela jurisdicional coletiva 18

1.2 Efetividade da tutela jurisdicional coletiva 22

1.2.1 Procedimentos e técnicas processuais adequados 25

1.2.2 O direito fundamental à razoável duração do processo 29

1.2.3 O papel do magistrado na efetivação da tutela jurisdicional coletiva 36

1.3 Espécies de direitos tutelados coletivamente: conceitos e características 42

1.3.1 Direitos ou interesses 46

1.3.2 Direitos transindividuais: difusos e coletivos 52

1.3.3 Direitos individuais homogêneos 57

2 O SISTEMA PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO 63

2.1 Notas introdutórias 63

2.2 A evolução do processo coletivo no Brasil: breve panorama 66

2.3 A tutela jurisdicional coletiva por microssistema no atual estágio 73

2.4 O papel do Código de Processo Civil nas ações coletivas 77

2.5 Fundamentos das ações coletivas 81

2.6 Princípios processuais da tutela coletiva 87

2.7 Regime jurídico das ações coletivas 95

2.7.1 Características das ações coletivas 98

2.7.2 Elementos das ações coletivas 102

2.7.2.1 Legitimidade ativa 102

2.7.2.1.1 Natureza jurídica da legitimidade ativa 109

2.7.2.2 Coisa julgada nas ações coletivas 113

2.7.2.3 A competência para as ações coletivas 119

2.7.3 Relação entre ações coletivas e entre ação coletiva e ação individual 128

3 A TUTELA EXECUTIVA NO PROCESSO COLETIVO 140

3.1 Notas introdutórias sobre a tutela executiva 140

3.2 Princípios e diretrizes interpretativas aplicáveis à execução coletiva 144

3.2.1 Princípio da efetividade e o direito fundamental à tutela executiva 144

3.2.2 Princípio do resultado e princípio da menor onerosidade ao executado:

execução equilibrada 146

3.2.3 Princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência

possível ou do resultado 147

3.2.4 Princípio da tipicidade e atipicidade das medidas executivas 149

3.2.5 Princípio da proporcionalidade e princípio da adequação 151

3.2.6 Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva 153

3.3 A eficácia das decisões judiciais pela via das tutelas jurisdicionais

diferenciadas 154

3.3.1 As técnicas de tutela jurisdicional 157

3.3.1.1 Tutelas de urgência 163

3.3.1.2 Tutela específica 168

3.3.2 As pretensões de natureza não-patrimonial e sua executoriedade 176

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3.3.2.1 Medidas executivas indiretas para efetivação das decisões judiciais 182

3.3.2.1.1 A multa como medida executiva indireta 184

3.3.2.1.2 A prisão como medida executiva indireta 194

3.3.2.2 Medidas executivas diretas (sub-rogatórias) para efetivação das decisões

judiciais 203

3.4 Peculiaridades da tutela executiva no processo coletivo 206

4 EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA 211

4.1 Notas introdutórias 211

4.2 Formação do procedimento executivo 213

4.3 Liquidação da sentença coletiva 216

4.3.1 A legitimidade para liquidação e execução da sentença coletiva 223

4.3.2 Prazo para requerer a liquidação coletiva 229

4.3.3 Competência para liquidação e execução da sentença 243

4.3.4 O procedimento da liquidação 247

4.3.4.1 Liquidação de sentença em ação coletiva para tutela de direitos difusos

ou coletivos em sentido estrito 250

4.3.4.2 Liquidação de sentença em ação coletiva para tutela de direitos

individuais homogêneos 257

4.4 As condenações nas ações coletivas e a atuação executiva na tutela dos

direitos coletivos em sentido lato 262

4.4.1 A tutela executiva nas ações coletivas para tutela dos direitos difusos e

coletivos 265

4.4.1.1 Execução de obrigação de fazer e de obrigação de não fazer 267

4.4.1.2 Execução das obrigações pecuniárias envolvendo direitos difusos e

coletivos em sentido estrito 278

4.4.2 A tutela executiva nas ações coletivas para tutela dos direitos

individuais homogêneos 290

4.5 A possibilidade de execução coletiva provisória 302

5 CONCLUSÕES 309

REFERÊNCIAS 319

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11

INTRODUÇÃO

O homem não vive só e também não é explicável apenas por meio de um

mundo jurídico individualista. Além das relações entre si, os homens devem cuidar de suas

condições de existência, com todas as implicações éticas, morais e jurídicas, sem as quais

inevitavelmente perecerão.

Deve-se considerar, ademais, que o mundo sofre uma constante metamorfose e,

observadas as marcantes inovações fáticas, constata-se que o direito que delas deflui é

notadamente a atualização do direito já existente.

A par disso, denota-se que a estrutura da sociedade atual está imersa nas mais

complexas e diversificadas relações sociais e jurídicas, destacando-se, neste contexto, o

fenômeno da massificação das relações sociais.

Tal fenômeno revela uma nova gama de direitos de natureza coletiva, não mais

fincados no individualismo absoluto, mas na ética do consumo, no meio ambiente sustentável,

na proteção ao trabalho, na função social da propriedade e na tutela dos grupos considerados

vulneráveis.

Nesta tela, os direitos de grande número de pessoas que extrapolam os limites

dos direitos meramente individuais são passíveis de sofrer lesões, evidenciando, por

conseguinte, os conflitos de massa.

Surge, portanto, a necessidade de se tutelar efetivamente os direitos de grupo.

O ordenamento jurídico brasileiro é considerado um dos mais avançados no que diz respeito à

tutela coletiva; conta com um vasto arsenal legislativo desenvolvido para solucionar conflitos

coletivos, característico da sociedade moderna. Nas últimas décadas, atento à metamorfose

social, o legislador brasileiro iniciou um processo legislativo com o intuito de promover a

tutela dos direitos de índole transindividual. O movimento foi coroado com a promulgação da

Constituição Federal de 1988 que ampliou a proteção aos direitos inserindo a proteção

jurídica dos direitos transindividuais no capítulo dos direitos e garantias constitucionais.

Várias outras leis sobrevieram à Constituição Federal, com o intuito de

promover a tutela de diversos direitos de natureza coletiva. As leis referentes ao processo

coletivo brasileiro encontram-se esparsas, como por exemplo, o Código de Defesa do

Consumidor Brasileiro (CDC), a Lei de Ação Civil Pública (LACP) e a Lei de Ação Popular

(LAP), integrando o sistema processual coletivo.

Este quadro revela a existência de um microssistema processual coletivo,

formado por leis que se integram entre si, buscando fomento no Código de Processo Civil

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formatado para as demandas individuais, para o preenchimento das lacunas existentes, a

exemplo da executiva coletiva ainda carente de regramento específico. As regras específicas

acerca do processo executivo são poucas e requerem um exercício interpretativo condizente

com a natureza dos direitos tutelados a fim de conferir efetividade à tutela jurisdicional

coletiva.

Com a consagração constitucional do princípio da efetividade, seguido de

sucessivas e significativas reformas processuais e alterações no Código de Processo Civil nos

últimos anos, foi conferida uma nova feição à tutela jurisdicional.

Disso resultou um novo retrato do processo civil brasileiro, modernamente

sintonizado com a impressão da instrumentalidade, atribuindo maiores poderes ao juiz,

outrora considerado “mera boca da lei” e doravante, ator atuante na missão de oferecer o

máximo de tutela ao direito material por meio do processo, acentuando a característica de

instrumentalidade do processo na busca da “ordem jurídica justa”.

Para alcançar este objetivo, tutelas diferenciadas passaram a ser oferecidas,

valorizando técnicas de sumarização. Foram acrescentadas hipóteses de antecipação do

provimento final, além de previsão legal de mecanismos que possibilitem a tutela específica e

de provimentos executivos lato sensu e de natureza mandamental, e, notadamente, normas

abertas atribuindo maior discricionariedade ao juiz na escolha de medidas executivas.

A modernização caminhou no sentido de reduzir o excesso de formalidade,

imprimir celeridade e proporcionar o máximo de efetividade, oferecendo uma tutela

jurisdicional adequada.

As mudanças no âmbito da tutela dos direitos individuais foram profundas,

pois o legislador alterou radicalmente o regime de execução de sentença, retratando a nova

face da prestação da tutela jurisdicional, comprometida com o direito fundamental à tutela

jurisdicional efetiva, segundo preceitua a Carta Magna.

Entretanto, a mesma evolução não ocorreu com o processo coletivo. O

processo executivo, em especial, antes carente de regras específicas, permaneceu no estado de

insuficiência de normas disciplinadoras da execução nas ações coletivas.

A despeito da existência de alguns projetos de processo coletivo, em estado

vegetativo, o microssistema processual coletivo permanece inalterado. Assim, o regime

procedimental das ações coletivas é disciplinado pelo microssistema processual coletivo,

composto principalmente pelo CDC e pela LACP, de forma integrada, e subsidiariamente

pelo CPC. Não se discute a aplicabilidade das regras do CPC às ações coletivas desde que

subsidiária limitada (art.19 da LACP e art.90 do CDC) dependendo de compatibilidade formal

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(inexistência de disposição contrária no microssistema processual coletivo) e material

compatíveis com o processo coletivo.

Assim, considerando que a efetividade da tutela jurisdicional está intimamente

ligada à concretização das decisões judiciais, pretende-se com o presente estudo demonstrar

os limites da aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil pertinentes à execução

de sentença às ações coletivas, atribuindo ao juiz o papel de adequar essas normas ao caso

concreto sob a ótica dos princípios constitucionais do processo, conjugado com os princípios

da tutela executiva, numa releitura ampliada da máxima efetividade da tutela jurisdicional

coletiva, em razão do próprio direito material tutelado.

O tema é abordado tanto no âmbito das execuções de sentença coletiva para a

tutela de direitos difusos, coletivos em sentido estrito, quanto para a tutela dos direitos

individuais homogêneos. Pretende-se analisar os limites e a forma com que as normas

próprias da execução de sentença nas ações individuais poderão ser aplicadas nas ações

coletivas, destacando a atuação do juiz e a sua obrigatoriedade de adequar o procedimento ao

caso concreto, sem descurar dos princípios constitucionais do processo, de forma a imprimir a

máxima efetividade da tutela jurisdicional coletiva.

Justifica-se o estudo da execução de sentença no âmbito da jurisdição coletiva,

uma vez que esta leva a termo a decisão judicial podendo aquilatar a repercussão concreta da

tutela jurisdicional. Neste sentido, os conflitos decorrentes de uma sociedade de massa

possibilitam a lesão a uma pluralidade de direitos, envolvem muitos sujeitos e requerem

respostas judiciais condizentes com a complexidade da situação de fato. A resposta judicial

não pode ficar estagnada a comandos genéricos, mas exige-se a implementação efetiva dos

seus comandos.

Neste sentido, a execução de sentença, entendida de forma ampla, como toda

decisão judicial, mostra-se um terreno fértil para dimensionar o papel do juiz e a influência

dos mecanismos executivos existentes nas normas para a efetividade da tutela jurisdicional

coletiva.

As normas no processo civil tradicional, traduzidas na rigidez de seu

procedimento, deram lugar à flexibilidade de maneira a possibilitar que as respostas judiciais

se adequem à situação concreta e ao direito material tutelado, permitindo que o exercício do

poder jurisdicional seja mais adaptável às diferentes situações da vida e à velocidade

alucinante das transformações sociais.

Neste contexto, o papel do juiz é essencial para a efetividade de suas próprias

decisões, extrapolando seu poder de aplicar a lei e de pronunciar juízo de mérito para um

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poder de execução que tende a conferir efetividade às suas decisões. Não se trata de criar

normas, mas de adaptá-las adequadamente à situação concreta e complexa que envolve os

direitos transindividuais à luz do direito material e sob a ótica dos princípios e garantias

constitucionais.

O tema é amplo e requer um corte metodológico. O desafio é considerar a

maneira pela qual o juiz poderá conjugar com criatividade o microssistema processual

coletivo carente de regras executivas às regras próprias do Código de Processo Civil para dar

efetividade à tutela jurisdicional. Assim cinge-se o tema à execução de sentença prolatada em

ação coletiva para a tutela de direitos difusos, coletivos em sentido estrito, e individuais

homogêneos, que ao longo da pesquisa serão em diversos contextos denominados,

simplesmente, direitos transindividuais.

Para o desenvolvimento da proposta brevemente sumariada acima, esse

trabalho organiza-se em duas partes.

A primeira delas contém dois capítulos introdutórios; inserem a tutela

jurisdicional coletiva no contexto da efetividade da tutela jurisdicional e estabelecem um

liame entre os direitos materiais tutelados e o sistema processual coletivo.

O primeiro capítulo traz um panorama da tutela jurisdicional coletiva

introduzindo-a no contexto da efetividade, apontando, neste enfoque os principais pilares da

tutela jurisdicional efetiva. Persegue também o objetivo traçando os conceitos e características

do direito material tutelado visando demonstrar quem são os destinatários da tutela

jurisdicional e pelas suas próprias características justificam o empenho de alcançar a máxima

amplitude da tutela jurisdicional efetiva.

O segundo capítulo apresenta o sistema processual coletivo brasileiro

demonstrando, inicialmente, o panorama da evolução do processo coletivo brasileiro para, ao

final, expor o contexto atual da tutela jurisdicional coletiva operada por um microssistema de

leis integradas entre si e subsidiariamente pelo Código de Processo Civil.

Ao longo desse caminho, o estudo exibe como é outorgada a tutela

jurisdicional nas ações coletivas, partindo dos seus fundamentos e princípios processuais

específicos, e perpassando pelo regime jurídico diferenciado elaborado em função das

características dos direitos materiais por ela tutelados.

Analisa-se assim, nesta primeira parte, as particularidades mais marcantes das

ações coletivas, como a legitimidade ativa, a coisa julgada, a competência e a concomitância

no processamento de ações coletivas e individuais. Justifica-se esta parte introdutória pelo

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substrato destas informações para a melhor compreensão da efetividade da tutela jurisdicional

oferecida na execução da sentença.

Para compor a segunda parte do trabalho (terceiro e quarto capítulos), adentra-

se ao tema da tutela executiva no âmbito da tutela jurisdicional coletiva. Ambos foram

elaborados de maneira a inserir a execução de sentença coletiva no contexto da efetividade da

tutela jurisdicional.

Considerando a carência de normas voltadas à tutela executiva no

microssistema processual, o terceiro capítulo apresenta o regime jurídico da execução de

sentença nas lides individuais, conforme estabelecido no Código de Processo Civil. Expõe,

ainda, as principais diretrizes interpretativas aplicáveis ao processo executivo, cuja utilização

embasa as soluções de vicissitudes frequentes decorrentes da carência legislativa e da

aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil, seguida pela apresentação dos

diversos mecanismos do sistema processual passíveis de outorgar efetividade às decisões

judiciais.

Vale consignar que a expressão “execução de sentença” empregada neste

trabalho pretende referir-se a todas as decisões do Poder Judiciário, sejam de cunho

antecipatório, interlocutório ou decisões finais, inclusive prolatadas em grau de recurso.

O capítulo terceiro fecha o ciclo apresentando panoramicamente as

peculiaridades da tutela executiva no processo coletivo, em razão das características

particulares das ações coletivas, estabelecendo uma ponte para a aplicabilidade das normas

específicas da tutela executiva no processo civil para as lides individuais nas demandas

coletivas, tema do último capítulo.

Importa esclarecer que a pesquisa tem como embasamento teórico obras

doutrinárias brasileiras e a jurisprudência pátria. A opção pela literatura brasileira justifica-se

por razões diversas, apresentando-se duas mais relevantes. A primeira, porque a legislação

brasileira em termos de direito coletivo é uma das mais evoluídas na atualidade, e por certo,

suas normas foram criadas a partir de estudos dos próprios doutrinadores brasileiros. Insere-se

neste contexto, os anteprojetos e projetos de Código de Processo Coletivo, trabalhos

doutrinários escritos por notáveis juristas brasileiros, extremamente relevantes para a tutela

coletiva.

Ainda que originariamente a doutrina brasileira tenha contado com a

inestimável doutrina italiana, na atualidade é possível afirmar que houve uma notável

emancipação dada a sua acentuada evolução. Quanto à jurisprudência, privilegia-se a

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proveniente do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de Corte competente para

uniformizar a interpretação e aplicação do direito federal.

A segunda razão relaciona-se à proposta do último capítulo, cujo objeto de

estudo funda-se na legislação pátria para apresentar alternativas no regime jurídico que

imprimam verdadeira efetividade da tutela jurisdicional a ser exercida primordialmente pelo

juiz no exercício da jurisdição. Destarte, ainda que a literatura norte-americana seja uma

alternativa para apoiar o estudo, em razão da excelência da class action, de pouco valeria em

razão do regime jurídico diverso, inaplicável no regime pátrio sem antes haver uma reforma

legislativa. Evita-se, ainda, a apreciação do direito comparado, pois não apresenta

compromisso com a proposta principal desta pesquisa.

Finalmente, o quarto capítulo aborda o regime jurídico da execução aplicável

nas ações coletivas e suas particularidades nas diferentes condenações: obrigações de fazer,

não fazer e de pagar quantia. Expõe, ainda, as principais diretrizes interpretativas aplicáveis

ao processo executivo, cuja utilização embasa as soluções de vicissitudes frequentes

decorrentes da carência legislativa e da aplicação subsidiária das normas do Código de

Processo Civil.

Em relação às obrigações de fazer e não fazer, não se observa a mesma

carência legislativa que impera no microssistema processual coletivo assim como ocorre com

as obrigações pecuniárias para imprimir a almejada efetividade das decisões judiciais.

Consoante demonstra no último capítulo, as normas do art.84 do CDC, cujo dispositivo é

basicamente o mesmo do art.461 do CPC, contribuem para a efetividade da tutela, desde que

eficientemente aplicada à luz dos princípios constitucionais do processo.

Neste momento, o estudo destaca a formação do procedimento executivo das

obrigações pecuniárias a partir da prolação da sentença coletiva, passando pelo procedimento

na liquidação, pelos principais problemas decorrentes da insuficiência legislativa e as

soluções apresentadas por respeitáveis doutrinadores, finalizando o estudo com a proposta

para cada um deles.

No tocante à execução de sentença coletiva, o estudo do procedimento está

separado em razão do direito material. O procedimento da execução de sentença que se tutela

apresenta os direitos difusos e coletivos em sentido estrito separado daquele destinado à

execução de sentença que tutela direitos individuais homogêneos. Justifica-se a escolha em

razão da complexidade advinda da própria tutela jurisdicional coletiva.

Partindo de exemplos práticos, o procedimento é apresentado conforme

previsto no ordenamento vigente; apontam-se as suas deficiências e as propostas pontuais

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para imprimir efetividade à tutela jurisdicional executiva. Ressalta-se que o estudo enfatiza a

importância do papel atribuído ao juiz, não apenas como mero aplicador da lei, mas

personagem principal a interpretar as normas e adequar procedimentos.

Propositalmente relega-se a execução contra a Fazenda Pública, em razão do

corte metodológico escolhido. Isto, porque, as mazelas frequentes apresentadas na execução

em face do particular coincidem com as surgidas naquelas execuções; se abordadas, haveria

matéria suficiente para a elaboração de uma outra tese.

Espera-se que o estudo seja idôneo para provocar críticas e possíveis novas

soluções e instigante para o árduo e relevante tema da efetividade da tutela jurisdicional.

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1 TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA E OS DIREITOS MATERIAIS

TUTELADOS

1.1 Tutela jurisdicional coletiva

Rotineiramente, as expressões “tutela jurídica”, “tutela jurisdicional” e “tutela

dos direitos” são utilizadas como se tivessem o mesmo significado ou, então, sem se expressar

com clareza acerca do sentido de cada uma delas1.

Na linguagem cotidiana, “tutela” significa defesa, proteção, amparo. Já na

linguagem jurídica, a noção de tutela remete às “regras de conduta que compõem um

ordenamento (‘direito objetivo’), visto que ele deve encontrar atuação nos fatos,

proporcionando a passagem do abstrato para o concreto, do dever para o ser”2.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a expressão “tutela jurídica”, em sentido

amplo, pode significar “a proteção que o Estado confere ao homem para a consecução de

situações consideradas eticamente desejáveis segundo valores vigentes na sociedade – seja em

relação aos bens, seja em relação a outros membros do convívio”3. Neste sentido, a tutela

jurídica é mais abrangente ao inserir em seu campo de atuação os demais conceitos, ou seja,

sempre que o Estado atuar na tutela de direitos ou prestar tutela jurisdicional estará conferindo

tutela jurídica.

Destarte, a tutela jurídica se desenvolve em dois planos distintos: o estático,

fixando preceitos abstratos para regular o convívio social, por meio de enunciados de direito

material e outro dinâmico, desenvolvendo atividades destinadas à efetivação de tais

preceitos4. A propósito, a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco expõe:

No plano abstrato, num primeiro momento, quando estabelece a referida posição de

vantagem do sujeito em relação a determinados interesses, outorgando-lhe, portanto,

direitos subjetivos, permitindo-lhe, em determinado momento concreto, invocar a

norma em seu benefício; no plano concreto, num segundo momento, quando o dever

jurídico é violado, com ofensa ao direito subjetivo afirmado, ou simplesmente

ameaçado de violação5.

1 Neste sentido: CARVALHO, Acelino Rodrigues. Substituição processual no processo coletivo – um instrumento de

efetivação do Estado Democrático de Direito. São Paulo: Pillares, 2006, p.93. Alexandre Freitas Câmara, ao anotar que “o

conceito de tutela jurisdicional havia sido banido da obra de diversos processualistas, preocupados com a idéia de que a

natureza abstrata da ação seria incompatível com a afirmação de que só tem direito à tutela jurisdicional aquele que

efetivamente tem razão”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17.ed. v.I. Rio de Janeiro:

Lumens Juris, 2008, p.81). 2 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.29. 3 DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista de Processo nº81, ano 21, São Paulo, 1996, p.61. 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista de Processo nº81, ano 21, São Paulo, 1996, p.61. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista de Processo nº81, ano 21, São Paulo, 1996, p.61.

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19

Nesta acepção, a “tutela de direitos6” refere-se à atividade desenvolvida pelo

Estado no sentido de, em determinado momento, conferir efetividade aos direitos,

previamente delineados pelo ordenamento jurídico. Referidas atividades podem ser

desenvolvidas tanto pela via administrativa, por meio da atuação dos órgãos da

Administração, como pelo exercício desenvolvido pelo Poder Judiciário.

Nesta mesma linha de raciocínio, Flávio Luiz Yarshell explica que “tutela de

direitos” é fenômeno “situado originalmente no plano substancial do ordenamento”, podendo

ocorrer dentro ou fora do processo, isto é, mediante intervenção estatal, pelo exercício ou não

da jurisdição7.

Neste sentido, a tutela de direitos é mais abrangente, representando gênero da

proteção prestada pelo Estado, no âmbito administrativo, pela via das normas de direito

material ou pelo exercício da jurisdição, cada qual uma espécie. Também Luiz Guilherme

Marinoni afirma que a expressão “tutela dos direitos” é gênero da qual o conjunto de normas

de direito material e a tutela jurisdicional são espécies8.

Aceitando-se esta classificação, a tutela jurisdicional é a espécie de amparo

conferido pelo Estado a um direito, bem ou situação da vida, pela atuação do Poder Judiciário,

mediante o exercício da jurisdição9.

José Roberto dos Santos Bedaque simplifica o conceito, afirmando que “tutela

jurisdicional é o conjunto de medidas estabelecidas pelo legislador processual a fim de

conferir efetividade a uma situação da vida amparada pelo direito substancial”10

.

Para Alexandre Freitas Câmara, a “tutela jurisdicional é uma modalidade de

tutela jurídica, uma das formas pelas quais o Estado assegura proteção a quem seja titular de

um direito subjetivo ou outra posição jurídica de vantagem”11

.

Nas acepções acima, observa-se que a tutela jurisdicional tem sido

compreendida como aquela que traz resultado positivo, ou seja, uma proteção ao direito

material ou a uma situação jurídica. Não basta, portanto, a prestação jurisdicional ou o

exercício da jurisdição. O mero exercício de direito de ação, sem que dele se obtenha um

6 Luiz Guilherme Marinoni utiliza a expressão “tutela dos direitos” enquanto Flávio Luiz Yarshell emprega a expressão

“tutela de direitos”, sem diferença substancial entre os conceitos. 7 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.29. 8 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.113. 9 Consoante Fredie Didier Jr., “A tutela dos direitos dá-se ou pelo seu reconhecimento judicial (tutela de conhecimento), ou

pela sua efetivação (tutela executiva) ou pela sua proteção (tutela de segurança, cautelar ou inibitória). A tutela jurisdicional

dos direitos ainda pode ocorrer pela integração da vontade para obtenção de certos efeitos jurídicos, como ocorre na

jurisdição voluntária”. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e

processo de conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.96). 10 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.36. 11 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17.ed. v.I. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.81.

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20

resultado, ou seja, a efetiva proteção ao direito ou situação substancial pelo direito, não

configura tutela jurisdicional.

Também compartilha desta acepção Luiz Guilherme Marinoni asseverando que

a tutela jurisdicional só presta tutela do direito quando por meio de uma sentença ou decisão

interlocutória reconhece o direito material, cujo resultado é de procedência, o que significa

resultado a favor do autor da ação. Para este doutrinador a sentença de improcedência “não

presta a tutela do direito, embora constitua resposta ao dever do Estado de prestar tutela

jurisdicional”. E conclui que “resposta ou tutela jurisdicional há sempre, mas tutela do direito

apenas existe no caso em que o processo reconhece o direito, isto é, quando a sentença é de

procedência”12

.

Flávio Luiz Yarshell, por sua vez, afirma que a tutela jurisdicional se presta em

favor do vencedor, de quem tem razão, ou seja, de quem está amparado pelas normas de

direito material. Neste raciocínio, numa ação cognitiva, a tutela pode beneficiar tanto o autor

quanto o réu, dependendo de quem obtém êxito amparado no conjunto de normas de direito

material.

Nesta linha de compreensão, José Roberto dos Santos Bedaque analisa o

fenômeno “tutela jurisdicional” sob a ótica do escopo do processo, que é exatamente conferir

tutela a uma situação material de quem tem razão, seja o autor ou o réu. Assim conceitua a

tutela jurisdicional como “a proteção de um direito ou de uma situação jurídica, pela via

jurisdicional. Implica prestação jurisdicional em favor do titular de uma situação substancial

amparada pela norma, caracterizando a atuação do Direito em casos concretos trazidos à

apreciação do Poder Judiciário”13

.

Além disso, Luiz Guilherme Marinoni visualiza o fenômeno tutela jurisdicional

sob duas perspectivas, sendo de um lado, como o resultado proporcionado pelo processo no

plano do direito material e de outro, como o conjunto de técnicas processuais concebidas pela

lei para que este resultado seja alcançado14

. Nesta perspectiva, fala-se em efetividade da tutela

jurisdicional, conforme será abordado mais adiante.

Nesta medida, a tutela jurisdicional possui duas faces visualizadas sob a ótica

de processo de resultados e perspectiva de diferentes técnicas processuais. Não seria possível

obter resultados satisfatórios no sentido de conferir efetiva tutela ao direito substancial sem

12 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.113-

114. 13 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.29. 14 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.61.

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técnicas processuais adequadas e diversificadas aptas a trazer soluções idôneas para restaurar

o direito lesado ou ameaçado15

.

Considerando os direitos transindividuais, o reconhecimento de sua existência

no ordenamento jurídico substancial no plano fático ou estático demanda também a existência

de técnicas processuais e procedimentos adequados a conferir efetividade da tutela destes

direitos, seja pela via administrativa, seja pelos órgãos do Poder Judiciário. Havendo ameaça

ou configurando lesão a estes direitos, assim como ocorre na esfera do direito individual, o

ordenamento jurídico deve dispor de normas disciplinadoras para tutelá-los.

No âmbito da tutela jurisdicional coletiva, o conjunto de normas que

disciplinam procedimentos e técnicas processuais visa a um processo de resultados, ou seja,

apto a solucionar conflitos envolvendo direitos transindividuais.

Nelson Nery Jr. afirma que se trata de um equívoco na metodologia utilizada

pela doutrina e jurisprudência para definição do direito transindividual, assegurando, por

exemplo, que o direito ao meio ambiente é difuso, o do consumidor é coletivo e o de

indenização por prejuízos particulares sofridos é individual. O engano, segundo o mestre, está

no método para a definição qualificadora do direito em jogo, pois “o tipo de pretensão

material de tutela que se pretende quando se propõe a ação judicial é que classifica um direito

ou interesse como difuso, coletivo ou individual”. E ilustra a afirmativa com o exemplo do

acidente com o Bateau Mouche IV, sustentando que os lesados podem pedir a reparação de

seu direito individual; a associação das empresas de turismo poderia defender em juízo seu

direito coletivo à boa imagem do setor; e o Ministério Público, em defesa dos interesses

difusos, poderia requerer a interdição da embarcação, com vistas à segurança e integridade

das pessoas16

.

Em sentido contrário, José Roberto dos Santos Bedaque, embora concordando

que direitos ou interesses de naturezas diversas poderão originar do mesmo fato, entende que

“é o tipo de direito que determina a espécie de tutela”. Arrazoa que existem tutelas

preventivas e reparatórias para toda espécie de direito ou interesse, dependendo das

circunstâncias do caso. Do contrário, não existiriam interesses difusos, coletivos ou

individuais homogêneos fora do processo, surgindo apenas com a formulação da tutela

15 José dos Santos Bedaque afirma que “A classificação da tutela jurisdicional está intimamente relacionada com a situação

de direito material e com as circunstâncias em que ela é deduzida em juízo. Não existe apenas uma espécie de processo ou

um único tipo de procedimento para tutelar todas as situações de vantagem asseguradas pelo ordenamento substancial”.

(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.42). 16 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JR., Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor

comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed. Rio de Janeiro: 2011, p.225-226.

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22

jurisdicional. Neste sentido, “o interesse ou direito é difuso, coletivo ou individual

homogêneo, independentemente do processo” 17

.

Essa é a posição adotada neste trabalho. Os direitos materiais preexistem no

mundo dos fatos, passando a ser considerados no mundo jurídico, segundo valores vigentes,

recebem tutela jurídica pela norma substantiva abstrata. Na hipótese de ameaça ou lesão ao

direito material, seu titular poderá socorrer-se da tutela de direitos, no âmbito do processo

judicial ou não, conforme a proteção seja dada no exercício do Poder Judiciário ou outros

órgãos da Administração. De qualquer modo, a proteção prestada pelo Estado é devida sejam

os direitos individuais ou homogêneos coletivos. Da mesma forma, se esta tutela for

proveniente do exercício da jurisdição, deverá apresentar resultados de maneira a conferir

efetiva tutela ao direito material. Com efeito, a diferença apresentada na tutela jurisdicional

ocorre exatamente no ângulo dos mecanismos processuais e procedimentos que deverão ser

utilizados de acordo com o direito material e a situação da vida em que ele se encontra,

reclamando pela proteção jurisdicional18

.

Considera-se, portanto, que tutela jurisdicional é uma espécie de tutela de

direitos prestada pelo Estado-juiz, através do exercício da jurisdição, com a finalidade de

conferir proteção a bens, pessoas ou situações jurídicas amparadas pelas normas de direito

material. Relaciona-se intimamente com o direito material (tutela jurídica estática) na medida

em que as situações ou bens tutelados trazidos à apreciação do Poder Judiciário recebam a

necessária proteção (tutela jurídica dinâmica). Leva-se em conta, portanto, a espécie de bem

tutelado pelo direito substancial e a situação jurídica envolvida para que a tutela jurisdicional

seja efetiva.

1.2 Efetividade da tutela jurisdicional coletiva

O tema “efetividade” do processo ou da prestação jurisdicional é tema

recorrente entre os processualistas modernos19

. A tentativa de alcançar efetividade da tutela

17 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.40. 18 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.30-35. 19 LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria; MANNA, Raquel de Freitas. Direito fundamental à tutela jurisdicional

efetiva: duração razoável do processo e procedimento adequado. In: (Orgs.). BATISTA, Cláudia Karina Ladeia; ARAÚJO,

Doracina Aparecida de Castro. Educação, tecnologia e desenvolvimento sustentável. Birigui: Boeral, 2019; MARINONI.

Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. 3.ed.v.1. São Paulo: RT, 2009; WAMBIER, Teresa

Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação da tutela. São Paulo: RT, 1997; CRUZ e TUCCI, José

Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do

direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006; THEODORO JR., Humberto. Hermenêutica e processo.

In: (Coord.) MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2009; SALLES,

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23

jurisdicional é fruto da ambição de todos. Trata-se de uma tentativa incansável dos

legisladores, doutrinadores e pesquisadores a busca pela almejada efetividade processual. O

“processo de resultados” tem despertado o interesse não apenas dos juristas, mas também dos

legisladores, na busca de alternativas satisfatórias. A propósito, Luiz Rodrigues Wambier e

Teresa Arruda Alvim Wambier argumentam:

Para que o processo seja realmente efetivo, o que evidentemente corresponde aos

anseios de todos – juristas, juízes, membros do Ministério Público, advogados,

jurisdicionados etc. – são necessárias alterações na lei, que todavia, longe estão de,

sozinhas, poderem levar-nos a resultados satisfatórios. É imprescindível uma dose

razoável de boa vontade dos intérpretes, significa coragem do Poder Judiciário no

sentido de desvencilhar do esquema de extrema segurança do processo civil do

passado, tendo, todos nós, a permanente consciência de que abrir-se mão desse

esquema em troca de maior efetividade será um grande negócio em que todos

sairemos ganhado20

.

Destarte, efetividade processual significa proporcionar ao titular de um direito

material, em cada caso concreto, acesso à ordem jurídica, utilizando técnicas adequadas e

aptas a possibilitar que a tutela seja alcançada. Sobre o conceito de efetividade, Carlos

Alberto de Salles expõe:

Em rápida síntese, o conceito de efetividade implica uma consideração de meios e

fins, podendo ter-se por efetivo aquele processo que atinge as finalidades a que se

destina, considerando o conjunto de objetivos implícitos no direito material e a

totalidade da repercussão da atividade jurisdicional sobre dada situação21

.

O jurisdicionado que busca a tutela jurisdicional em prol do seu direito material

irrealizado ou supostamente lesado anseia pela efetividade no sentido de ver seu direito

material realizado ou ressarcido, com a maior brevidade possível, com o dispêndio do menor

esforço, tendo à disposição instrumentos adequados.

O direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva remete à ideia de

concretização dos direitos materiais irrealizados de forma espontânea, por meio do processo

Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999; BARROSO, Luís Roberto. O direito

constitucional e a eficácia de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9.ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009; SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006; AMARAL, Guilherme

Rizzo. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de coletivização”. In: (Coords.). ASSIS, Araken

de e outros. Processo coletivo e outros temas de direito processual – homenagem 50 anos de docência do Professor José

Maria Rosa Tescheiner e 30 anos de docência do Professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012,

p.237-259; YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Execução por título judicial e a duração razoável do processo: as

reformas serão frutuosas? In: (Coords.) SANTOS, Ernani Fidélis e outros. Execução civil: estudos em homenagem ao

Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.57-79. WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa

Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. São Paulo: RT, ano 92, nº814, ago.2003, p.70. 20 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. São Paulo:

RT, ano 92, nº814, ago.2003, p.70; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual

civil e processo de conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011. 21 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.42.

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24

suficientemente dotado de mecanismos aptos a produzir resultado útil, num período razoável

de tempo.

Destarte, a doutrina moderna tem compreendido a “tutela jurisdicional” a partir

dos resultados obtidos pelo processo no plano do direito material, por meio da atuação da

jurisdição e, ainda, considerando os aspectos extrínsecos do processo, com o objetivo de

assegurar aos litigantes o direito ao processo, enquanto instrumento, com a expectativa de um

julgamento justo22

.

Luiz Guilherme Marinoni afirma que “o direito fundamental de ação obriga o

Estado a prestar tutela jurisdicional efetiva a todo e qualquer direito que possa ter sido

violado ou ameaçado”23

. Isto porque o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva é “um

direito que requer que o Estado exerça a função jurisdicional de maneira adequada ou de

forma a permitir a proteção efetiva de todos os direitos levados ao seu conhecimento”24

.

Para reforçar as ideias acima, impende reconhecer que o direito fundamental à

tutela jurisdicional efetiva tem como pressuposto o acesso à ordem jurídica, consagrado no

art.5º, XXXV, da Constituição Federal, significando que a todos é garantido, não apenas o

ajuizamento de ações, mas também a prestação jurisdicional adequada e tempestiva25

.

Observa-se que a expressão “tutela jurisdicional efetiva” não consta de texto

explícito na atual Constituição brasileira, mas está completamente arraigada em todo seu

contexto normativo e principiológico. Não há como falar em “devido processo legal”

desconectado de efetividade, haja vista que o processo apenas é devido, com intenções e

mecanismos de concretização de direitos.

O reconhecimento de que a efetividade deve ser considerada uma garantia

fundamental da prestação jurisdicional encontra esteio nos princípios constitucionais

(inafastabilidade do controle jurisdicional, acesso à ordem jurídica justa e devido processo

legal) fundamentos do sistema processual brasileiro.

A Constituição Federal trata do direito de ação sob diversas vertentes

relacionadas ao direito fundamental à tutela jurisdicional, e embora se reconheça a

importância de cada uma das facetas inerentes ao direito de ação, não se olvida que a matéria

22 O tema efetividade vem sendo incansavelmente repetido com o mesmo sentido da célebre assertiva de Giuseppe

Chiovenda para quem “o processo deve dar, quando possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e

exatamente aquilo que ele tenha a direito de conseguir”. (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil.

v.I. Campinas: Brokseller, 1998, p.67). 23 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. 3.ed. rev. e atual. v.1. São Paulo: RT,

2009, p.207. 24 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. 3.ed. rev. e atual. v.1. São Paulo: RT,

2009, p.207. 25 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.66.

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25

é extensa, eis que se trata de tema extremamente fecundo26

. Por esta razão, impõe a

delimitação dos aspectos a serem tratados, intrinsecamente ligados a esta pesquisa, os

procedimentos e técnicas processuais adequados, a duração razoável do processo e o papel do

juiz na efetivação da tutela jurisdicional coletiva.

Justifica-se a eleição destas três vertentes por serem absolutamente

indispensáveis a conferir efetividade às ações coletivas, principalmente no que se refere à

execução. A tutela jurisdicional efetiva está intimamente relacionada à demanda ou tutela

executiva. É indissociável a efetividade das decisões judiciais da existência de técnicas e de

procedimentos executivos idôneos, suficientemente utilizados de forma corajosa e criativa

num prazo razoável, capaz, portanto, de proporcionar satisfação ao direito tutelado.

Este posicionamento é sobrelevado quando diz respeito aos direitos

transindividuais, em razão da natureza e relevância social destes bens tutelados. Considerados

interesses e direitos, cuja titularidade pertence a um grupo, a uma coletividade, não raro

possuem hierarquia constitucional, como por exemplo, o meio ambiente, a saúde pública, os

direitos do consumidor, o patrimônio público, etc27

. Assim, os direitos humanos de terceira

geração, que transcendem ao indivíduo, não mais restritos às relações meramente individuais,

sobrelevando à promoção social, remetem ao Estado a tutela coletiva dos direitos difusos,

coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.

1.2.1 Procedimentos e técnicas processuais adequados

A prestação jurisdicional, decorrente do direito fundamental à tutela efetiva, é

um serviço público de caráter essencial, cuja prestação incumbe ao Estado promover, por

meio do processo, utilizando técnicas adequadas e procedimentos idôneos com o fim precípuo

de produzir os efeitos a que se propõe, ou seja, a realização dos direitos dos jurisdicionados,

conferindo-lhe, portanto, efetividade.

Sob tal ótica, a tutela prestada pelo Estado deve ser adequada, não meramente

formal, mas capaz de assegurar efetividade ao direito material para o qual se pede proteção. A

este respeito, afirma José Roberto dos Santos Bedaque:

26 Conforme esclarece Guilherme Rizzo Amaral, “insere-se, por exemplo, no complexo valorativo da efetividade, os valores

da economia processual, da simplicidade e aproveitamento do ato processual, da celeridade e da busca pela tutela específica

(proteção do direito in natura)”. (Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de coletivização”. In:

(Coords). ASSIS, Araken de e outros. Processo coletivo e outros temas de direito processual – homenagem 50 anos de

docência do Professor José Maria Rosa Tescheiner e 30 anos de docência do Professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012, p.240). 27 Conforme ARENHART, Sérgio Cruz. Ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Judiciário. In: (Coords).

MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.506.

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26

A eficiência da função jurisdicional do Estado está intimamente relacionada não só

com o desenvolvimento em concreto do instrumento pelo qual ela opera, mas

principalmente pelos resultados obtidos. São necessários, portanto, mecanismos

adequados às exigências das relações materiais28

.

Nesta perspectiva, o conceito de efetividade da tutela jurisdicional deve estar

presente desde a criação da norma processual. No processo de criação da norma, o legislador

deve ter como princípio a realização da tutela prometida pelo direito material, instituindo

procedimentos e técnicas processuais adequadas a conferir a almejada efetividade.

Não basta, porém, a previsão legal para que o acesso à ordem justa se

concretize, ainda que tal previsão seja de ordem constitucional, mas é necessária a

disponibilização de instrumentos processuais idôneos para a efetivação da tutela jurisdicional.

Neste sentido, aduz Luís Roberto Barroso:

As diversas situações jurídicas subjetivas criadas pela Constituição seriam de ínfima

valia se não houvesse meios adequados para garantir a concretização de seus efeitos.

É preciso que existam órgãos, instrumentos e procedimentos capazes de fazer com

as normas jurídicas se transformem, de exigências abstratas dirigidas à vontade

humana, em ações concretas29

.

A espécie de tutela jurisdicional relaciona-se intimamente com as

características do direito material apresentado em juízo e com as circunstâncias em que este se

encontra como a extensão da lesão ou ameaça. Como bem disse José Roberto dos Santos

Bedaque, “não existe apenas uma espécie de processo ou um único tipo de procedimento para

tutelar todas as situações de vantagens asseguradas pelo ordenamento substancial”. Não é por

outra razão que “a técnica processual deve adequar-se às situações abstratamente previstas

pelo legislador material, para cuja efetivação seja necessária a intervenção jurisdicional”30

.

Outrossim, Luiz Guilherme Marinoni defende que o juiz tem o dever de

“conformar o procedimento adequado ao caso concreto como decorrência do direito de

proteção e do direito à tutela jurisdicional efetiva”31

. Destarte, por ser o processo civil um

instrumento de proteção, não pode se furtar a estruturar de maneira idônea à efetiva tutela dos

direitos, fundamentais ou não.

28 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.15. 29 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a eficácia de suas normas: limites e possibilidades da Constituição

brasileira. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.119. 30 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.42. 31 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.171.

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27

Fredie Didier Jr. denomina “tutela jurisdicional qualificada” aquela garantia

que vai além do mero dever do Estado de prestar a Justiça, uma garantia meramente formal,

devendo adjetivar esta prestação estatal, que “há de ser rápida, efetiva e adequada”. E

prossegue em seu posicionamento:

O princípio da inafastabilidade garante uma tutela jurisdicional adequada à realidade

de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a

natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da

situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o

princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também é possível retirá-lo do

direito fundamental a um processo devido: processo devido é processo adequado32

.

A propósito, Teresa Arruda Alvim Wambier explica:

Efetividade dos resultados do processo significa que o direito processual civil deve

construir instrumentos que sejam aptos a proporcionar aquilo que o cumprimento de

uma obrigação ou obediência ao dever proporcionaria se não tivesse havido ilícito

algum33

.

A partir destes posicionamentos, é possível notar que o termo “adequação” é

empregado para adjetivar a tutela jurisdicional, no sentido de amoldar, de conformar-se às

necessidades do direito material.

Willis Santiago Guerra Filho ensina que adequação é “a conformidade com o

objetivo (Zielkonformität) e a ‘prestabilidade’ para atingir o fim (Zwecktauglichkeit) da

medida”34

. Destarte, bastante pertinente a assertiva de Fredie Didier Jr.: “Processo devido é

processo adequado”35

.

Luiz Guilherme Marinoni afirma que “na perspectiva da necessidade de

técnicas processuais, o direito fundamental de ação pode ser concebido como um direito à

fixação das técnicas processuais idôneas à efetiva tutela do direito material”36

.

Assim, a efetividade da tutela jurisdicional depende também da existência de

técnicas e de procedimentos adequados a promover a proteção efetiva ao direito material. As

normas de procedimento também devem ser criadas de forma a obter resultados efetivos e que

atendam suficientemente aos direitos fundamentais.

32 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e processo de

conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.75. 33 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação da tutela. São Paulo: RT, 1997, p.206. 34 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5.ed. São Paulo: RCS, 2007, p.66. 35 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e processo de

conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.75. 36 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.208.

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28

Colocadas tais premissas, é preciso admitir que não basta à ordem jurídica

assegurar direitos, se não disponibilizar meios de efetivá-los, pois a ausência de instrumentos

idôneos37

, bem como de procedimentos adequados, equivale à ausência de direitos.

No que se refere aos direitos materiais transindividuais, a tutela jurisdicional

deve ser igualmente efetiva, dispondo de técnicas processuais e de procedimentos adequados

à natureza e à especificidade destes direitos. A propósito, vale esclarecer que denomina-se

direito processual coletivo o complexo de normas que regram as lides coletivas ou os

conflitos que envolvem direitos transindividuais, mas o que realmente é “coletivo” é o direito

tutelado e não o procedimento ou as técnicas38

. Mesmo a designação tutela coletiva de direitos

diz respeito a uma técnica utilizada para dirimir direitos individuais coletivamente39

.

Os procedimentos, técnicas processuais coletivas e institutos próprios do

“direito processual coletivo” encontram-se em sua grande maioria no Título III da Lei

nº8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) e na Lei nº7.347/1985 (Lei da Ação

Civil Pública – LACP), compondo o que a doutrina denomina de Microssistema Processual

Coletivo40

. Em caso de lacuna no microssistema, aplica-se em caráter subsidiário as

disposições do Código de Processo Civil, de formação individualista, segundo critérios de

compatibilidade formal (inexistência de disposição em sentido contrário no microssistema

processual coletivo) e material (ausência de risco à proteção dos direitos transindividuais).

Vale ressaltar que os institutos e técnicas processuais do Código de Processo

Civil são inaplicáveis, na íntegra, à tutela dos direitos de natureza transindividual, sem antes

passar por uma adequação. Neste empenho, institutos como coisa julgada, legitimação,

competência, litispendência, prazos e procedimentos são exemplos de revisitação e

adequação.

Conforme será visto mais adiante, agrega-se a este microssistema outras leis

processuais extravagantes que também regulam técnicas e procedimentos coletivos, ora

37 “A técnica processual, por sua vez, reclama a observância das formas (procedimentos), mas estas se justificam apenas

enquanto garantias do adequado debate em contraditório e com ampla defesa. Não podem descambar para o formalismo

doentio e abusivo, empregado não para cumprir a função pacificadora do processo, mas para embaraçá-la e protelá-la

injustificadamente. Efetivo, portanto, é o processo justo, ou seja, aquele que, com a celeridade possível, mas com respeito à

segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), ‘proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material’”.

(THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 48.ed. v.I. Rio de Janeiro:, Forense 2008, p.20). 38 Neste sentido: RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. v.1. 3.ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2003, p.77. 39 Sobre o tema, assevera Teori Albino Zavascki: “A ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos representa,

portanto, instrumento processual alternativo ao litisconsórcio ativo facultativo previsto no CPC. Consiste num procedimento

especial estruturado sob a fórmula da repartição da atividade jurisdicional cognitiva em duas fases [...]”. (ZAVASCKI, Teori

Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.151). 40 O microssistema processual coletivo será pormenorizado na sequência. Todavia, vale consultar: MAZZEI, Rodrigo. Ação

popular e o microssistema da tutela coletiva. In: (Coords.) DIDIER JR., Didier; MOUTA, José Henrique. Tutela

jurisdicional coletiva. Salvador: Juspodivm, 2009.

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29

adequando institutos, ora reduzindo custos ou promovendo celeridade ao processo com a

intenção deliberada de conferir efetividade à tutela jurisdicional coletiva.

1.2.2 O direito fundamental à razoável duração do processo

O direito fundamental à razoável duração do processo recebe, também, a

designação de direito fundamental a um processo sem dilações indevidas. Conforme palavras

de José Rogério Cruz e Tucci, “ao lado da efetividade do resultado que deve conotá-la,

imperioso é também que a decisão seja tempestiva”41

.

No ordenamento supranacional, a Convenção Americana de Direitos Humanos,

Pacto da San José da Costa Rica, dispõe:

Art.8º – Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um

prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,

estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal

formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter

civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (OEA, 1969, n.p).

Como é sabido, o Brasil é signatário do mencionado Pacto. Seu texto foi

aprovado no Brasil com a edição do Decreto nº27/1992 e, posteriormente, incorporado no

ordenamento jurídico pátrio com a publicação do Decreto nº678/1992. A recepção deste

tratado internacional aliado ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

(Constituição Federal, art.5º, XXXV) pretenderam garantir que as decisões judiciais, no

Brasil, deveriam ocorrer sem dilações indevidas e, mais, que a duração razoável do processo é

um consectário do direito de ação.

Como se não bastasse este contexto histórico do direito fundamental à

prestação jurisdicional em tempo razoável, a EC nº45/2004, que operou uma considerável

reforma no Poder Judiciário, acrescentou o inciso LXXVIII no art.5º da Carta Magna, fazendo

constar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração

do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

A Constituição brasileira garante, portanto, o acesso à Justiça em seu art.5º,

XXXV, estabelecendo que diante de eventual violação de direito, causada por lesão ou

ameaça, e desde que buscada a prestação jurisdicional, caberá ao Poder Judiciário intervir.

41 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.64.

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30

É incontestável que a tutela jurisdicional efetiva não significa, apenas e tão

somente, a garantia de ingresso em juízo, tampouco que este seja favorável ao autor e sim que

haja resolução da lide de forma justa, adequada, efetiva e com uma duração razoável.

Não se olvida que o significado de “razoabilidade” no concernente à duração

do processo configura o que a doutrina denomina de conceito jurídico indeterminado. Isto

porque se trata de termo subjetivo, impreciso e amplo. Sobre o assunto, Luiz Guilherme

Marinoni esclarece:

O direito à duração razoável exige um esforço dogmático capaz de atribuir

significado ao tempo processual. A demora para a obtenção da tutela jurisdicional

obviamente repercute sobre a efetividade da ação. Isso significa que a ação não pode

se desligar da dimensão temporal do processo ou do problema da demora para a

obtenção daquilo que através dela se almeja42.

José Rogério Cruz e Tucci leciona que consoante posicionamento

jurisprudencial da Corte Europeia dos Direitos do Homem, três critérios devem ser

considerados, de acordo com as circunstâncias de cada caso, para ser apreciado o tempo

razoável de duração de um determinado processo: a) a complexidade do assunto; b) o

comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou a acusação e a defesa no processo

penal; e c) a atuação do órgão jurisdicional43

.

A efetividade da tutela jurisdicional depende de uma compreensão sistemática

das garantias constitucionais do processo. Neste compasso, não depende apenas da previsão

de instrumentos e procedimentos adequados, de disponibilizar o contraditório e a ampla

defesa, mas exige também celeridade e, não raras vezes, urgência na realização do direito

material que se busca proteger.

Como se percebe, embora o princípio da celeridade processual tenha galgado

status de garantia constitucional, não está isolado no sistema. É preciso cumprir seus

objetivos, assegurada a observância das demais normas do sistema. A propósito, afirma José

Rogério Cruz e Tucci:

Não basta, pois, que se assegure o acesso aos tribunais, e, consequentemente, o

direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste

(direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias resguardadas ao

consumidor da justiça, em um breve prazo de tempo, isto é, dentro de um tempo

justo, para a consecução do escopo que lhe é reservado44

.

42 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. v.1. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: RT,

2009, p.224 43 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.67-68. 44 CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.87-88.

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31

Verifica-se que a atividade jurisdicional demanda tempo considerável para

atingir seus objetivos, cuja delonga injustificadamente prolongada poderá causar um dano

irreversível ou tornar impossível o alcance do escopo da atividade processual.

Entretanto, a efetividade da tutela jurisdicional não significa apenas a

existência de técnicas processuais aptas a impedir que eventuais danos interinos ao processo

causem prejuízos ao direito substancial tutelado, como por exemplo, a tutela antecipada e a

cautelar. Conforme palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “o direito de ação exige que o

tempo para a concessão da tutela jurisdicional seja razoável, mesmo que não exista qualquer

perigo de dano”45

.

Corrobora este entendimento José Rogério Cruz e Tucci, argumentando que:

O resultado de um processo não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às

partes, como também, para que essa resposta seja mais plena possível, a decisão

final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do

objeto litigioso, visto que – caso contrário – se tornaria utópica a tutela jurisdicional

de qualquer direito. Como já se afirmou com muita razão, para que a Justiça seja

injusta não faz falta que contenha equívoco, basta que não julgue quando deve

julgar46

.

Sabe-se que entre o ajuizamento da ação cabível e a prestação da tutela

pretendida, transcorre um lapso temporal, o qual, a depender da natureza do procedimento e

da complexidade do caso concreto, pode demandar um tempo mais prolongado. Não se

discute que a dimensão temporal é ínsita à prática dos atos processuais e necessária às

garantias constitucionais das partes. Soma-se a este fato outro valor indissociável da relação

processual: a segurança jurídica47

.

Como se vê, existem dois postulados igualmente importantes para a efetividade

da prestação jurisdicional e que, em princípio, são aparentemente opostos: a duração razoável

do processo e a segurança jurídica. De um lado, o direito indiscutível de que o processo

transcorra num lapso de tempo “razoável”, ou seja, não se procrastine além do estritamente

necessário e, de outro, que às partes seja assegurada a igualdade de tratamento e de

45 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. v.1. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: RT,

2009, p.224. 46 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.65. 47 Consoante Guilherme Rizzo Amaral, “A segurança jurídica é um valor inerente ao Estado de Direito, e é vista na doutrina

não só como a garantia do cidadão contra o arbítrio estatal, mas também como a previsibilidade da atuação do Estado em face

do particular, exigindo para si, portanto, regras fixas. Sua presença, ora como valor, ora como princípio, ou assumindo outras

facetas, é constante, nos países democráticos do mundo inteiro”. (Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um

“incidente de coletivização”. In: (Coords.) ASSIS, Araken de e outros. Processo coletivo e outros temas de direito

processual – homenagem 50 anos de docência do Professor José Maria Rosa Tescheiner e 30 anos de docência do Professor

Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.240).

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32

oportunidade de se manifestar, de produzir provas a fim de conferir suporte suficiente para as

decisões judiciais, culminando no ideal de justiça.

Nesta ordem de ideias, José Rogério Cruz e Tucci observa que “obtendo-se um

equilíbrio destes dois regramentos – segurança/celeridade – emergirão das melhores

condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau

de efetividade da tutela jurisdicional”48

.

Assim, a adoção de procedimentos aptos a conferir certeza e segurança

jurídica, possibilitando o trâmite processual sem atrasos desnecessários, assegurando a

celeridade dos atos processuais, podem conjuntamente contribuir para ampliar a efetividade

da tutela jurisdicional. Ou por outro lado, mitigaria os efeitos das decisões porventura

imperfeitas, consoante palavras de Antônio Edílio Magalhães Teixeira:

O processo com duração razoável potencializa os resultados corretos, conferindo

maior sentimento de respeito e amparo, e de alguma forma diminui os efeitos

negativos das conclusões injustas, ou, pelo menos, não as torna ainda mais dotadas

de injustiça. A decepção que resulta de uma conclusão processual injusta torna-se

muito maior, quando associada à angústia que resulta de uma longa espera por uma

resposta final do Judiciário.49

De todo exposto acerca da tramitação do processo sem dilações indevidas ou

da duração razoável do processo como corolário da tutela jurisdicional efetiva, é válido

afirmar que se trata de um direito fundamental.

Na seara coletiva, a necessidade de tramitação do processo em tempo razoável

é potencializada em razão dos direitos e interesses tutelados. A natureza dos direitos tutelados

demanda, na maior parte das vezes, urgência no procedimento sob pena de seu perecimento

ou de perpetuar os danos morais ou patrimoniais neles causados. Neste contexto, citam-se os

direitos difusos ou coletivos, tais como o meio ambiente, a saúde pública, bens de valor

artístico, estético, histórico, o patrimônio público e social, a ordem econômica e outros

relacionados exemplificativamente no art.1º da Lei nº7.347/1985 (LACP).

Além dos direitos tutelados pelas ações coletivas, agregam-se as pessoas que

demandam tratamento diferenciado, como o idoso (Lei nº10.741/2003), a criança e o

adolescente (Lei nº8.069/1990) e o consumidor (CDC, Lei nº8.078/1990), considerados

vulneráveis.

48 CRUZ E T UCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p.102. 49 TEIXEIRA, Antônio Edílio Magalhães. Processo ambiental – uma proposta de razoabilidade na duração do processo.

Curitiba: Juruá, 2008, p.56.

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33

Atento à vulnerabilidade de determinadas pessoas, tais como a criança, o

adolescente e o idoso, o legislador conferiu prioridade na tramitação processual, conforme

dispõem as leis pertinentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, Lei nº8.069/1990,

art.152, par. único, e o Estatuto do Idoso, Lei nº10.741/2003, art.71). Sedimentando este

procedimento, o legislador alcançou também as pessoas portadoras de doenças graves

editando a Lei nº12.008/2009 com o propósito de alterar os arts.1.211-A, 1.211-B e 1.211-C

do CPC, que passou a vigorar nos seguintes termos:

Art.1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado

pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença

grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias.

Art.1.211-B. A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua

condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito,

que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.

§1º Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o

regime de tramitação prioritária.

A despeito do louvável ato legislativo, todavia, a efetividade da ação coletiva

no aspecto que ora se trata, não pode depender apenas destes expedientes. Citam-se as razões

desta assertiva:

a) depende de requerimento, nos casos de idosos e doentes. A práxis judiciária

tem demonstrado, rotineiramente, que referidos requerimentos são feitos no bojo de uma

petição inicial, o que na maioria das vezes passam desapercebidos pelo magistrado ou pelos

serventuários do cartório. Caso o procurador seja persistente, reitera-se o pedido, o que causa

ainda mais delongas ao processo, dependendo de outros atos processuais como juntada,

conclusão, apreciação, despacho, decisão e cumprimento. Assim, este último ato causa

entrave indesejado ao andamento do processo, o que desmotiva os advogados a persistirem e

reiterarem o pedido;

b) na hipótese de “doença grave”, observa-se que o legislador pretendeu

conferir objetividade ao termo, ao dispor no parágrafo único do art.1.211-A do CPC que

referidas doenças “constarão de listas elaboradas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério

do Trabalho e Emprego [...]”. O parágrafo foi objeto de veto pelo Presidente da República sob

a justificativa de que as doenças graves não podem ser classificadas objetivamente por critério

de gravidade porque apresentam estágios e graus de incapacidade variáveis e “diante disso, a

gravidade da enfermidade deve ser aferida pela autoridade judiciária em cada caso concreto,

com base nas provas que acompanharão o requerimento de prioridade apresentado”50

. Neste

sentido, o Poder Executivo reconheceu que a partir das provas juntadas ao requerimento, o

50 Mensagem nº609, de 29.7.2009, publicada no Diário Oficial da União, em 30.7.2009.

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34

juiz tem mais condições de julgar se o requerente se enquadra na situação de obter o benefício

de prioridade do trâmite processual. As dificuldades são variadas. Nem sempre as provas

acostadas ao requerimento são precisas ou de fácil avaliação por alguém que não seja da área

de saúde. Na maior parte das vezes, juntam-se atestados médicos com o nome científico da

doença e o número do CID51

e/ou exames que pouco ou nada esclarecem se o requerente é

portador de doença grave.

c) Nos processos em que se julgam direitos de crianças ou adolescentes, dispõe

o art.145 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8.069/1990) que “Os estados e o

Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude,

cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes,

dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões”. A realidade

demonstra, entretanto, que somente em um pequeno percentual de comarcas se encontram

instaladas varas especializadas da infância e juventude52

. Assim, a falta de varas

especializadas da infância e juventude faz com que, necessariamente se relegue os processos

envolvendo crianças e adolescentes à competência das varas de família. Neste contexto, vale

lembrar a necessidade de preparação dos juízes para o enfrentamento de situações especiais e

delicadas como as que envolvem crianças e adolescentes. A propósito, José Renato Nalini

observa que o fato de contar com uma equipe auxiliar interprofissional não exclui a

necessidade de preparo interdisciplinar dos juízes, ampliando a visão externa do mundo

jurídico, possibilitando a outorga de uma prestação jurisdicional mais adequada, respeitados

os princípios garantidores do Estatuto da Criança e do Adolescente53

. Além disso, na hipótese

de existir vara especializada na comarca em que se processa a ação, envolvendo crianças e

adolescentes54

, não há como observar a regra de prioridade na tramitação processual haja vista

que todas as ações nelas processadas tutelam direitos de crianças e adolescentes.

51 LISTA CID-10: A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como

Classificação Internacional de Doenças – CID 10) é publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e visa padronizar

a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. A CID 10 fornece códigos relativos à classificação de

doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas

para ferimentos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código CID 10.

Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/cid10.htm. Acesso em 25 nov.2015. 52 Segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos

da Infância e Juventude (ABMP) em comemoração aos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (jul.2008), existiam

apenas 92 Varas em todo país. O relatório apresentado afirma: “Seria de se esperar, portanto, que houvesse 253 comarcas

com varas especializadas se o critério fosse de até 500.000 habitantes. Como visto, há apenas 92 no país, evidenciando que

sequer se atinge o patamar de um terço delas. Outra conclusão digna de relevo é que justamente os Estados mais populosos,

em que há maior complexidade de problemas, apresentam os piores critérios populacionais para a criação de varas

especializadas em infância e juventude”. Disponível em:

http://www.abmp.org.br/UserFiles/File/levantamento_sistema_justica_ij.pdf. Acesso em: 03 nov.2014. 53 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: RT, 1994, p.49. 54 De acordo com o art.148, IV do Estatuo da Criança e do Adolescente, a competência para conhecer e julgar as ações civis

públicas que versem sobre direitos transindividuais relativos a crianças e adolescentes é da Justiça da Infância e da

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35

d) Ainda outras situações devem ser consideradas quanto à prioridade no

trâmite processual, quando as ações envolvem pessoas vulneráveis (crianças, adolescentes,

idosos e portadores de doenças graves). Uma delas diz respeito aos prazos diferenciados para

a Fazenda Pública, quando estas são legitimadas passivas nas ações coletivas. Mesmo que seja

observado o comando da Lei, por parte do Judiciário, conferindo uma maior agilidade no

trâmite processual, os prazos estendidos conferidos à Fazenda Pública certamente anulam a

intenção da lei. Outro fato que certamente deixa de cooperar para a agilidade processual é a

falta de critério para viabilizar a prioridade de tramitação processual entre ações semelhantes,

ou seja, que envolvem pessoas idosas, por exemplo.

Observa-se que são muitos os entraves para se operar e efetivar as normas que

estabelecem prioridade na tramitação processual quando envolvem pessoas vulneráveis.

Assim, tem-se que a efetividade da tutela jurisdicional individual ou coletiva é

um direito fundamental garantido na Constituição Federal, mormente sob o aspecto da

“razoável duração do processo”. Muitas normas infraconstitucionais foram criadas com a

finalidade de conferir maior celeridade aos processos judiciais e administrativos. Técnicas

processuais, tais como a antecipação da tutela, a ação ou incidente cautelar, o procedimento

monitório, o processo sincrético, além de dispositivos legais determinando prioridade

processual a determinadas pessoas consideradas vulneráveis.

Não se olvida que as normas de organização judiciária mais modernas55

, a

criação de varas especializadas, os Juizados Especiais, a instituição de juiz arbitral e os

processos extrajudiciais (como o divórcio e o inventário) são expedientes louváveis que em

certa medida contribuem para o mister. Ocorre que todos estes expedientes, salvo a criação de

normas administrativas, devem ser utilizados numa operação conjunta dos operadores do

direito, juízes, promotores, procuradores, advogados, intérpretes e serventuários da Justiça,

todos imbuídos de elevada dose de boa vontade, criatividade, coragem e comprometimento

com a justiça, mormente na boa aplicação das normas vigentes, observado cada caso concreto,

para o fim de obter o máximo de efetividade da tutela jurisdicional.

Juventude. Quanto à competência territorial, relega-se a regra geral do art.2º da LACP, que determina ser o local do dano,

para ser o local da ação ou da omissão atacado pela via jurisdicional, nos termos do art.209 do ECA. 55 Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni afirma: “Um indicativo de que a ação individual, direcionada à Jurisdição

singular, não mais responde às necessidades atuais, está no crescente gigantismo da máquina judiciária, que nem por isso

consegue acompanhar o aumento da demanda, sendo notório o acúmulo alarmante dos processos em primeiro grau e o

corolário represamento dos recursos que aguardam distribuição e pauta nos Tribunais, tudo confluindo para a excessiva

duração dos processos, para a exasperação das partes e advogados, e, ao cabo, para o desprestígio social da função judicante”.

(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: RT, 2008, p.79).

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1.2.3 O papel do magistrado na efetivação da tutela jurisdicional coletiva

A efetividade da tutela jurisdicional coletiva é uma garantia constitucional,

inserida no contexto dos direitos fundamentais. É o que se extrai do princípio da

inafastabilidade da jurisdição, insculpido no capítulo dos direitos fundamentais na

Constituição Federal, art.5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”56

.

Trata-se da garantia do direito de ação. O conteúdo desta garantia não se

resume a tão somente o acesso ao Poder Judiciário a fim de se obter uma mera prestação

jurisdicional, mas uma tutela efetiva. Sucede que o mero enunciado deste direito pouco ou

nada garante sua concretização, pois resultaria na simples garantia formal da obrigação do

Estado em prestar o exercício da jurisdição.

A garantia de uma tutela jurisdicional efetiva se dá tanto por meio da criação

de regras processuais, quanto na interpretação, aplicação e adequação destas mesmas regras

aos casos concretos. O legislador cria a norma abstrata endereçada para situações concretas,

que são levadas ao conhecimento do juiz destinatário da tutela jurídica quando houver lesão

ou ameaça a direito.

Verifica-se que além do legislador que tem o dever de prestar tutela por meio

da elaboração de leis processuais, cabe ao magistrado interpretá-las, adequá-las aos casos

concretos a ele apresentados, com a finalidade de conferir a máxima tutela aos direitos

materiais. A propósito, Sérgio Cruz Arenhart, ao dissertar sobre a dupla face dos direitos

processuais, pondera que o legislador não é o único sujeito passivo, mas esta vinculação

estende-se também ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário:

Por isso, é dever também imposto ao magistrado conformar o procedimento, na

medida de suas possibilidades, de modo a dar o maior atendimento possível a tais

garantias constitucionais, concretizando-as diante do caso posto à sua apreciação.

Deve o juiz, portanto, naquilo em que tenha a liberdade de adequar o procedimento

às peculiaridades de certo caso, optar sempre pelo caminho que ofereça a mais

ampla, adequada, efetiva e tempestiva proteção aos valores constitucionais

fundamentais. Tal não é mero favor, que o juiz possa ou não atender; ao contrário,

essa máxima potencialidade de proteção é dever imposto ao magistrado pela

Constituição, razão pela qual se impõe como critério maior de atuação da atividade

jurisdicional57

.

56 Este princípio é conjugado à garantida do devido processo legal (art.5º, LIV) e seus consectários: contraditório e ampla

defesa (art.5º, LV), tratamento paritário às partes (art.5º, I, CPC), proibição de provas ilícitas (art.5º, LVI), processo público

(art.5º, LX), garantia do juiz natural (art.5º, XXXVII e LIII), decisões motivadas (art.93, IX), duração razoável do processo

(art.5º, LXXVIII), etc. 57 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.33.

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Assim, o modelo constitucional do processo possui um padrão mínimo a ser

obedecido pelo legislador e pelo juiz. Entretanto, não há empecilho para se criar novas e

melhores garantias de um processo efetivo, o qual traga resultados justos diante das situações

concretas58.

Neste sentido, a obrigatoriedade de prestação de uma efetiva tutela jurisdicional

recai sobre o legislador e o juiz na medida em que àquele compete elaborar a estruturação

legal do processo e este, empreender a conformação desta estrutura por meio da jurisdição59

.

Com efeito, a garantia constitucional de uma tutela jurisdicional significa que o

Estado-juiz assume o dever de entregar uma prestação célere, adequada e efetiva a todos os

direitos materiais. Consoante dito anteriormente, para a realização de uma tutela jurisdicional

efetiva é imprescindível a conjugação de vários critérios, dentre eles, o procedimento

adequado e os mecanismos processuais aptos a conferir proteção ao direito material, em

tempo razoável. Nesse empenho, a garantia constitucional de uma tutela jurisdicional efetiva

impõe ao Estado-juiz o dever de, não apenas entregar uma resposta ao jurisdicionado, mas de

adequar e empregar um procedimento idôneo e as técnicas processuais aptas a conferir

proteção ao direito material sob tutela60

.

Vê-se, portanto, que a efetividade da tutela jurisdicional depende da

existência e da atuação de normas processuais que instituem técnicas e procedimentos

adequados ao direito material e às diversas situações em que ele se imiscui61

. Nesta linha de

raciocínio, vale observar a ressalva de José Roberto dos Santos Bedaque: “a grande

diversidade de situações substanciais exige a adoção de diversas formas de tutela. Não se

pode perder de vista essa necessária relação de instrumentalidade, que só se efetivará na

medida em que apresente resultados concretos”62

.

Ocorre que o legislador não pode prever todas as situações fáticas e a realidade

social que é dinâmica e multiforme; por outro lado, os conceitos e institutos jurídicos nem 58 THEODORO JR., Humberto. Hermenêutica e processo. In: (Coord.) MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e

processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p.238. 59 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – teoria geral do processo. v.1.3.ed. rev. e atual. São Paulo: RT,

2009, p.117. 60 Essa visão instrumental do processo é explicado por José Roberto dos Santos Bedaque: “O processo é instrumento e, como

tal, deve ser moldado de maneira a melhor proporcionar o resultado pretendido pelos que dele necessitam. Isso somente é

possível se for concebido a partir da realidade verificada no plano das relações de direito material. As necessidades

encontradas em sede das relações substanciais devem nortear o processualista na construção de sua ciência. O processo

desenvolve-se sob várias formas, mas deve adequar-se à sua finalidade precípua, a tutela de uma situação concreta”.

(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.65). 61 “Para que a tutela jurisdicional seja eficaz quanto ao resultado que dela se espera, para que possa dizer efetivo o

mecanismo estatal de solução de controvérsias, é imprescindível que o titular da situação substancial carente de proteção

possa utilizar instrumento estruturado para assegurar não apenas tutela forma de seu direito, mas proteção real, ou seja, capaz

de proporcionar praticamente a mesma situação que o cumprimento espontâneo da norma lhe conferiria”. (BEDAQUE, José

Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização. 4.ed.

rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006 p.13). 62 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.43.

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sempre se amoldam de forma coesa às circunstâncias fáticas. Sobre o tema, Teori Albino

Zavascki constata que “As situações jurídicas novas assumem, não raro, configurações

insuscetíveis de ser, desde logo, conciliadas ou apropriadas por modelos legais ou

doutrinários preestabelecidos”63

.

As leis funcionam, portanto, como preceitos abstratos e genéricos, dirigidas

a todos e a ninguém em particular, como regra de conduta e cooperação, de organização social

e prerrogativa de bens. Verifica-se que tais preceitos abstratos e genéricos são elaborados a

partir de hipóteses que, por sua vez, objetivam ser aplicados a casos concretos conforme

delineados por Cândido Rangel Dinamarco:

[...] a realidade da vida que chega ao juiz, no drama de cada processo, é muito mais

complexa e intrincada, solicitando dele uma sensibilidade muito grande para a

identificação dos fatos e enquadramento em categorias jurídicas, para a descoberta

da própria verdade quanto às alegações de fato feitas pelos litigantes e, sobretudo,

para a determinação do preciso e atual significado das palavras contidas na lei.64

É por esta razão que as situações jurídicas não se resolvem com um simples

exercício dedutivo do geral para o particular, do abstrato para o concreto. Consoante lição de

Fredie Didier Jr., “há uma tarefa na produção jurídica que pertence exclusivamente aos

tribunais: a eles cabe interpretar, construir e, ainda distinguir os casos, para que possam

formular as suas decisões, confrontando-as com o direito vigente”65

.

Este fenômeno da complexidade das relações jurídicas atuais e a atuação do

magistrado é identificado por Rogério Marrone de Castro Sampaio, que entende que a solução

dos conflitos de interesses delas decorrentes não se resolvem com “um simples raciocínio

silogístico de subsunção de determinados preceitos normativos aos fatos”66

:

A atividade valorativa e integrativa do arcabouço legislativo passa a ser essencial à

obtenção, via processo, de um resultado justo e efetivo. Em suma, a atuação do

magistrado, no que diz respeito, inclusive aos seus poderes, é reflexo desta nova

concepção de Direito e de suas fontes criadoras, em que se retrata um modelo

legislativo diferenciado, propício a maior poder de criação67

.

Esta tarefa se avulta no processo coletivo. Os conceitos de direitos

transindividuais e individuais homogêneos se entrelaçam e intercambiam entre si nas diversas

63 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT,

2009, p.38. 64 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.239. 65 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento.

13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.92. 66 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo: Atlas, 2008,

p.47. 67 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo: Atlas, 2008,

p.47.

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situações fáticas, mormente quando ocorre uma lesão ou ameaça a eles, reivindicando a tutela

jurisdicional. É o que ocorre, por exemplo, quando determinado ato ilícito é praticado,

configurando uma ameaça a direito difuso ou potencial dano a direitos individuais

homogêneos, podendo, inclusive propiciar a cumulação de ambos. É o caso da instalação de

uma fábrica sem o alvará e demais licenças requeridas pela legislação ambiental,

considerando o potencial risco à saúde pública e ao meio ambiente, o que configura direito

difuso. Entretanto, a saúde individual também está em iminente risco. Estas ameaças poderão

se concretizar parcialmente, na sua totalidade ou ficar apenas em situação de risco em

potencial em razão de ato ilícito.

A existência de situações desta natureza demanda um esforço interpretativo e

criativo por parte dos operadores do direito, e muito especialmente do juiz (que não pode se

quedar inerte à espera da provocação das partes, na condução do processo) eis que fogem aos

padrões rígidos e preestabelecidos, mesmo porque, no decorrer do processo, as partes podem

assumir posturas inesperadas.

Segundo Rogério Marrone de Castro Sampaio, “espera-se do juiz, diante desta

nova realidade, uma atuação mais contundente, tanto na condução formal do processo, quanto

na sua função intelectual de adequar o novo modelo legislativo às situações fáticas postas em

discussão”68

.

O direito à efetiva tutela jurisdicional coletiva é ampliado na medida em que os

interesses e direitos protegidos possuem relevância social, interesse público e de hierarquia

constitucional. Diuturnamente, as ações coletivas colocam em discussão dois ou mais bens de

natureza coletiva em condição oposta, cuja eleição de maior relevância e que merecerá

proteção caberá ao magistrado. A propósito, Sérgio Cruz Arenhart exemplifica:

Com efeito, a proteção do meio ambiente dificilmente se fará a não ser com restrição

ao direito ao desenvolvimento regional supostamente protegido pelo réu; a proteção

da saúde pública, não raro, implicará a lesão ao patrimônio público ou particular,

quando este for réu na demanda; a tutela do consumidor, comumente, esbarrará na

alegação de violação à liberdade de empresa69

.

Estas escolhas de “prioridades de relevância” municiam o juiz de encargos

maiores do que a mera aplicação da lei ao caso concreto, na medida em que necessariamente

seus critérios subjetivos afluirão, impondo uma nova forma de julgamento. Deveras, os

68 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo: Atlas, 2008,

p.13. 69 ARENHART, Sérgio Cruz. Ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Judiciário. In: (Coords.). MAZZEI,

Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, p.506.

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direitos materiais transindividuais possuem uma natureza de coisa comum e interesse da

coletividade, considerados relevantes e constitucionais, cuja tutela jurisdicional confere “ao

magistrado um poder semelhante àquele desempenhado pelos representantes políticos da

sociedade, impondo ao juiz uma nova forma de pensar as questões a ele sujeitas”70

.

A postura proativa do juiz na condução do processo coletivo não significa

menosprezo às regras procedimentais preestabelecidas, tampouco “reduzir a relevância

daquilo que autorizada doutrina denomina de ‘dimensão técnica’ do direito processual”71

.

O poder criativo do juiz, na acepção que se defende é o poder de conformar o

procedimento ao caso concreto, observadas as peculiaridades da situação que lhe é submetida,

utilizando as técnicas processuais existentes na legislação pertinente de forma corajosa,

segura, prestigiando a boa-fé e aplicando os meios coercitivos disponíveis a fim de conferir

efetividade à tutela jurisdicional. O papel do juiz moderno, nas palavras de Cândido Rangel

Dinamarco, compreende que a imparcialidade que lhe é exigida, somente “diz respeito à

oferta de iguais oportunidades às partes e recusa a estabelecer distinções em razão das

próprias pessoas ou reveladoras de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera a

indiferença”72

.

No que diz respeito à efetivação das decisões judiciais, mormente a tutela

executiva coletiva, o papel do juiz na conformação do procedimento e da adaptação dos

institutos é essencial para a tutela jurisdicional coletiva. Conforme será apresentado em

capítulos posteriores, a legislação especial vigente para a tutela de direitos coletivos não

regula expressa e especificamente o procedimento executivo. A LACP dispôs sobre o

legitimado ativo para a execução, relegando os demais trâmites da liquidação e da execução

da sentença para o CPC. Já o CDC caminhou um pouco mais e além de estabelecer os

legitimados ativos, fixou competência e prazos, mas não dispôs sobre as técnicas executivas

específicas, processando-se, portanto, pelo procedimento do CPC, naquilo que não contrariar

as disciplinas específicas ou não for incompatível com o direito material tutelado, podendo

trazer prejuízos.

A previsão do poder geral de efetivação conferida pelo legislador ao juiz

consagra a ele um poder amplo de executar as decisões judiciais, permitindo a escolha das

70 ARENHART, Sérgio Cruz. Ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Judiciário. In: (Coords.) MAZZEI,

Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, p.507. 71 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.51. 72 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.239.

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“medidas necessárias” e adequadas ao caso concreto, para a realização da tutela específica

almejada ou do resultado prático equivalente73

.

Esclarece-se, por oportuno, que embora os textos do art.461, §5º, do CPC, e do

art.84 do CDC confiram ampla discricionariedade ao juiz para tomar as “medidas necessárias”

à efetivação da tutela específica, mormente na condução do processo, permitindo maior

flexibilidade e discricionariedade na atuação, não se pode olvidar das garantias

constitucionais do devido processo legal74

. Sobre este aspecto, Fredie Didier Jr., Leonardo

Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira relacionam três subprincípios que devem ser

observados pelo juiz na escolha das medidas tendentes a conferir efetividade à tutela

específica:

(I) a adequação, segundo a qual o fazer ou não fazer imposto pelo juiz não pode

infringir o ordenamento jurídico, devendo ser adequado a que se atinja o bem da

vida almejado; (II) a necessidade (ou exigibilidade), segundo a qual a ação material

eleita deve ter a capacidade de realizar, no plano dos fatos, a tutela do direito,

causando a menor restrição possível ao devedor; (III) e a proporcionalidade em

sentido estrito, segundo a qual o magistrado, antes de eleger a ação material a ser

imposta, deve sopesar as vantagens e desvantagens da sua aplicação, buscando a

solução que melhor atenda aos valores em conflito75

.

O fator que conferiu maior poder discricionário ao juiz, exigindo dele maior

participação no processo, foi a possibilidade de não-adstrição da decisão judicial ao meio

executivo ou medida coercitiva a ser imposta. O legislador não apenas outorgou ao credor a

possibilidade de sugerir e requerer a medida executiva que entende ser a mais eficiente para a

consecução do objetivo alcançado, como também conferiu ao juiz o poder de alterar o pedido,

determinando medidas diversas do requerido, bem como de alterar aquelas que no curso do

processo se mostraram ineficazes. Trata-se da quebra do princípio da congruência e da

possibilidade de alteração do meio executivo, com a clara finalidade de promover a

efetividade da tutela jurisdicional executiva76

.

73 Nesta linha, O Código-Modelo de Processo Civil para Países de Direito Escrito Antonio Gidi (CM-GIDI) em seu art.10

confere uma ampla gama de poderes ao juiz o “[...] controle direto sobre o processo coletivo e tomará as medidas adequadas

ao seu célere, justo e eficiente andamento” (10.1) além de relacionar nos parágrafos subsequentes uma série de medidas

alternativas para o bom desempenho e efetividade do processo. Os arts.30 e 30.1 do mesmo Código dispõem sobre a

“interpretação aberta e flexível”, conferindo ao juiz o poder de “adaptar as normas processuais às necessidades e

peculiaridades da controvérsia e do grupo, levando em consideração fatores como o valor e o tipo da pretensão”. 74 De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, o controle das decisões judiciais e da “discricionariedade” conferida pela lei

deve ser realizado por uma regra de hermenêutica. Assim, se existir uma cláusula geral legal que deve ser concretizada pelo

juiz em face das circunstâncias do caso concreto, esta deve ser controlada por uma regra de hermenêutica, também tomando

em consideração as peculiaridades do caso concreto. (MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz.

Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.16). 75 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.423. 76 Para Rogério Marrone de Castro Sampaio, “não é difícil identificar essa nova postura do juiz na condução do processo,

notadamente quando constatado que o formalismo procedimental surge como óbice à realização do escopo social do

processo. Tem sido frequente a necessidade de adaptação e integração do pedido na petição inicial, sob pena de ineficácia da

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Desta feita, quando há lacunas legislativas ou os gêneros normativos existentes

não são suficientemente adequados às peculiaridades do fato concreto, cumpre ao magistrado,

como intérprete e aplicador da lei, a incumbência de promover a devida adequação,

especialmente no que se refere aos procedimentos e técnicas processuais, a fim de

proporcionar a tutela jurisdicional efetiva77

. Avulta esta missão do magistrado no que

concerne aos direitos transindividuais, quando o juiz deverá adequar os procedimentos e

técnicas de índole individual às causas coletivas, valendo-se do princípio da

proporcionalidade e dos recursos hermenêuticos disponíveis.

Não se trata de criar novos mecanismos ou procedimentos alienígenas, mas de

buscar, dentro do microssistema processual coletivo, com fincas nos princípios

constitucionais, os mecanismos aplicáveis ao caso concreto. O juiz deve, além de se valer das

ferramentas existentes no ordenamento jurídico e no caso do processo coletivo, buscar

subsídios nas regras do processo civil e promover a adequação necessária a fim de promover a

mais ampla e efetiva tutela jurisdicional coletiva78

.

1.3 Espécies de direitos tutelados coletivamente: conceitos e características

Teori Albino Zavascki afirma que na “atividade de criação ou de reforma de

instrumentos processuais, deve-se ter como principal preocupação amoldar tais instrumentos

ao direito material a que buscam servir” e ainda que “[...] a formação do instrumento supõe

prévia compreensão do direito material em benefício do qual ele será empregado”79

.

Para o jurista brasileiro, a falta de uma distinção adequada entre direitos

transindividuais e os tutelados coletivamente acarreta enormes dificuldades de interpretação e

tutela a ser ao final concedida, atenuando-se, com isso, os princípios da isonomia e da congruência”. (SAMPAIO, Rogério

Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo: Atlas, 2008, p.106-107). 77 Segundo Rogério Marrone de Castro Sampaio, “O acesso a uma ordem jurídica justa, da forma como reproduzida, conduz

a outro postulado, não menos relevante, consistente na efetividade da jurisdição. Isto quer dizer que só se atinge o ideal de

justiça se o processo estiver aparelhado a proporcionar, ao final, uma tutela que seja útil ao jurisdicionado, e que não se

limite, apenas, ao reconhecimento de que tinha razão quando da dedução de sua pretensão. Isto envolve, por razões ‘óbvias, o

dimensionamento do tempo de tramitação e a dotação ao juiz de técnicas que garantem a concretização do direito que está em

discussão”. (SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo:

Atlas, 2008, p.103). 78 Consoante Teori Albino Zavascki, “Nesses momentos, mais que em qualquer outro, é indispensável que o juiz assuma

efetivamente seu papel de condutor e dirigente, o que inclui a tarefa de ordenar as situações novas, valendo-se, para tal fim,

dos recursos hermenêuticos e das linhas de princípios que o sistema oferece”. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo:

tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.39-40). 79 Reforma do processo coletivo: indispensabilidade de disciplina diferenciada para direitos individuais homogêneos e para

direitos transindividuais. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.34.

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grandes confusões na aplicação dos instrumentos processuais para a respectiva tutela

jurisdicional80

.

Sob este enfoque, importa buscar previamente a conceituação e as

características dos direitos que compõem a base do universo de atuação do processo coletivo,

distinguindo-os entre si. A assertiva é mais enfática quando se refere à tutela executiva, sendo

indispensável, portanto, a análise das disposições do Código de Defesa do Consumidor

(CDC). Neste sentido, defende Elton Venturi:

Cumpre ressaltar, de início, que a apreensão correta das noções inerentes aos direitos

difusos, coletivos ou individuais homogêneos, tal como preconizada em nosso

ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do Consumidor, constitui pressuposto

fundamental para o implemento de sua tutela. Deve-se levar em consideração,

sobretudo, que a natureza do objeto a ser tutelado por intermédio do processo

coletivo revela-se peculiar, sendo distinta daquela ínsita aos direitos de cunho

individual81

.

Vale esclarecer que a doutrina utiliza, indistintamente, as expressões

“metaindividuais” ou “supraindividuais”82

para se referir aos direitos e interesses de natureza

coletiva, entretanto, o CDC consagrou o termo “transindividuais”83

(art.81), razão pela qual

será este o termo utilizado no decorrer desta pesquisa.

A doutrina majoritária, assentada na regulamentação do CDC (art.81, parágrafo

único) e dos Anteprojetos de Código Brasileiro de Processos Coletivos84

, estabelece uma

subdivisão tripartite dos direitos transindividuais passíveis de tutela coletiva no Brasil.

Nesta realidade estrutural, compõem objeto de tutela coletiva os direitos

coletivos lato sensu (gênero), dos quais são compreendidos como espécies, os direitos

80 Reforma do processo coletivo: indispensabilidade de disciplina diferenciada para direitos individuais homogêneos e para

direitos transindividuais. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.33. 81 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.73. 82 Hugo Nigro Mazzilli ao analisar a terminologia, esclarece que entre os termos “transindividuais” e “metaindividuais” a

rigor de formação gramatical, seja preferível utilizarmo-nos da primeira expressão, porque é neologismo formado com

prefixo e radical latinos (diversamente da segunda, que, como hibridismo, soma prefixo grego a radical latino), a verdade é

que a doutrina e a jurisprudência têm usado ambos os termos, no mais das vezes indistintamente, para referir-se a interesses

de grupos, ou a interesses coletivos, em sentido lato. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.

25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.52-53). 83 Kazuo Watanabe, em comentário ao art.81 do CDC, justifica a necessidade de fixar com precisão os conceitos e elementos

da ação coletiva: “Tendo-se presentes, de um lado, os conceitos anteriormente estabelecidos de interesses ou direitos

‘difusos’, ‘coletivos’ e ‘individuais homogêneos’, e de outro, a legitimação para agir disciplinada no art.82 e incisos do

Código, é necessário fixar com precisão os elementos objetivos da ação coletiva a ser proposta (pedido e causa de pedir).

Esses dados, como é cediço, têm superlativa importância na correta fixação da abrangência da demanda, e ainda para se saber

com exatidão se, no caso concreto, ocorre mera conexidade entre as diversas ações coletivas ou, ao contrário, se trata de caso

de litispendência ou até mesmo de coisa julgada”. (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.77). 84 Cumpre esclarecer que os Códigos Modelo (art.1º, do CM-IIDP e art.1.1.1 e 1.1.2 do CM-GIDI) não apresentam esta

classificação tripartite, mas operam uma aglutinação dos direitos difusos e coletivos stricto senso em uma única categoria.

Entretanto, optou por também definir expressamente, em seu art.1º, os interesses ou direitos difusos e individuais

homogêneos, considerados objetos de uma ação coletiva.

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difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. É válida

também a divisão em direitos essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito)

e em acidentalmente coletivos (individuais homogêneos)85

.

Saliente-se, por oportuno, que esses conceitos não existem nos Estados Unidos,

nem em outros países do common law, como Canadá e Austrália. Antonio Gidi, docente na

universidade de Houston, afirma que “nenhum trabalho doutrinário, nenhuma decisão norte-

americana sequer menciona expressões como ‘difuso’, ‘coletivo’ e muito menos ‘individuais

homogêneos’”. Para o jurista, trata-se de “categorias absolutamente inúteis para a

operacionalidade dos processos coletivos e da tutela dos direitos de grupo”86

.

Em virtude da ausência de consenso doutrinário sobre os conceitos dos direitos

de grupo, o legislador do CDC adotou uma definição de “interesses ou direitos difusos” e de

“interesses ou direitos coletivos” e criou o conceito de “direitos individuais homogêneos”

para fins de tutela coletiva em juízo87

.

Kazuo Watanabe, um dos autores do anteprojeto do CDC, explica que o

legislador preferiu definir esses direitos para “evitar dúvidas e discussões doutrinárias, que

ainda persistem a respeito dessas categorias jurídicas, possam impedir ou retardar a efetiva

tutela dos interesses ou direitos dos consumidores e das vítimas ou seus sucessores”88

.

Gregório Assagra de Almeida89

defende que é de extrema relevância a

adequada compreensão dos conceitos legais sobre os direitos transindividuais, haja vista que

“eles não só têm aplicabilidade às relações de consumo, mas também se aplicam, por força da

própria lei, a todas as formas de tutela jurisdicional coletiva que demandem a compreensão

desses conceitos”.

Além disso, a correta compreensão conceitual dos institutos e das categorias

dos direitos transindividuais é fundamental para evitar indevidas limitações à efetiva tutela. A 85 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.91-92.

86 GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.202.

87Antonio Gidi entende que a inclusão de definições em leis não é uma boa técnica legislativa, pois podem ser formuladas de

forma incompleta ou inadequada, podendo “obstruir o desenvolvimento jurisprudencial do direito”. Mas apesar da opção

arriscada do legislador, o jurista declarou que “Não há como negar que a estabilização de tais definições legais pelo CDC foi

útil ao desenvolvimento da tutela coletiva no Brasil, pois simplificou sobremaneira a compreensão do tema e o cabimento da

tutela coletiva”. E ainda que “a ausência de uma definição clara dos direitos de grupo em uma lei escrita poderia gerar

perplexidade e inconsistência nos tribunais”. (GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação

das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ, 2008, p.204). No mesmo sentido, Elton Venturi afirma: “tal opção

conceitual sujeita-se a sérias críticas, a começar pela perigosa decisão de se atribuir ao legislador a função de definir

conceitos técnicos, tarefa esta mais afeita à doutrina”. (VENTURI, Elton. Comentários ao código modelo de processos

coletivos – um diálogo ibero-americano. (Coord.). GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Bahia: Podivm, 2009,

p.29). 88 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.70. 89 Conforme comentários ao parágrafo único do art.81 do CDC como norma de superdireito material coletivo e a vinculação

dos casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário aos seus comandos. (Revista MPMG Jurídico, n.2, p.33, 2005).

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45

falta da perfeita compreensão ou inadequada interpretação dos conceitos e distinções entre os

direitos acarreta restrições à sua adequada proteção90

.

Não há como negar que o legislador ao trazer os conceitos dos direitos

materiais coletivos no texto legal, distinguindo-os entre si, também traz certa segurança e

maior facilidade na aplicação das leis processuais coletivas91

. Sob outro enfoque, há que

ressalvar, entretanto, que a ciência jurídica nunca consegue andar lado a lado com a realidade

social de forma harmoniosa, pois esta é dinâmica e variável. De seu turno, há situações

jurídicas que são ligeiras em operar novidades e assumir características insuscetíveis de

adequação instantânea aos institutos já estabelecidos92

.

A esse respeito, vale registrar o entendimento de Nelson Nery Jr., um dos

autores do anteprojeto do CDC: “os conceitos e diferenciações entre interesses difusos e

coletivos encontram-se em pleno processo de desenvolvimento doutrinário, pouco havendo de

caráter definitivo sobre estas duas realidades”93

.

Feitas as considerações preliminares, importa apresentar as definições e

características dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos do ponto de vista

material, distinguindo-os entre si. Justifica-se o tópico para traçar o embasamento teórico do

direito material tutelável pelos atuais instrumentos do direito processual coletivo, operando

um elo entre ambos.

90 Kazuo Watanabe explica o prejuízo que a incorreta compreensão dos conceitos pode causar “[...] todas as demandas

‘coletivas’ propostas nos vários Estados em favor dos aposentados constituem repetição da primeira demanda coletiva

proposta para o mesmo fim, sendo inquestionável a configuração da litispendência. Se a sentença da primeira demanda

coletiva vier a ser favorável ao autor, ou se nela for concedida medida liminar, os inativos de todo país que se encontrarem

em idêntica situação, pertencentes à mesma classe ou categoria de pessoas, devem ser igualmente beneficiados, a teor do que

dispõe o inc.II do art.103 do CDC. Caso seja negativo o resultado do processo, mesmo em relação ao pedido de medida

liminar, não se pode pensar em propositura de segunda demanda coletiva, a não ser que ocorra hipótese de 'improcedência

por insuficiência de provas', prevista no inc.II do art.103 do CDC. A demanda individual de cada aposentado, na

conformidade do disposto no art.103, §1°, do CDC, não ficará em nenhuma hipótese prejudicada”. (WATANABE, Kazuo.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.10.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2011, p.78-79). 91 Em sentido contrário, Elton Venturi argumenta que “A opção tomada pelo legislador brasileiro quanto a conceituar,

categorizar e criar procedimentos próprios para a tutela dos direitos metaindividuais revela, quando menos, uma grave

contradição. Ao elencar as características de cada espécie de direito, a legislação acaba por induzir, naturalmente, uma série

de especulações hermenêuticas voltadas não só ao reconhecimento da tipologia, mas também, por consequência, dos

pressupostos de admissibilidade da sua tutela jurisdicional, de onde provêm indesejáveis standardizações que acabam,

invariavelmente, ou restringindo ou inviabilizando a ação coletiva”. E acrescenta: “Para a efetividade da tutela jurisdicional

coletiva brasileira interessa menos descobrir de que tipo de direito se trata (se difuso, coletivo ou individual homogêneo) do

que analisar, concretamente, a admissibilidade do processamento. Ou seja, o que importa, efetivamente, é a verificação da

conjugação entre a presunção de legitimação (ex lege) da entidade autora e a verificação do interesse em se obter,

concentrada e individualmente, resposta jurisdicional a pretensões processuais transindividuais, para fins de viabilização da

tutela coletiva”. (VENTURI, Elton. O problema conceitual da tutela coletiva: a proteção dos interesses ou direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos segundo o projeto de Lei n.5.130-2009. In: (Coord.) GOZZOLI, Maria Clara e outros.

Em defesa e um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:

Saraiva, 2010, p.201-202; 204-205). 92 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. São Paulo:

RT, 2009, p.38: “O pragmatismo da vida é mais fecundo em novidades do que a capacidade intuitiva do legislador e do

intérprete do direito”. 93 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

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46

Há que se salientar, outrossim, que a depender da espécie de direito a ser

tutelado, haverá reflexos no procedimento da liquidação e futura execução, determinando as

formas de sua realização. Além disso, os entes legitimados para a ação coletiva, na liquidação

e na execução variam segundo a espécie do direito transindividual tutelado.

Antes, porém, propõe-se tecer um breve comentário acerca da postura do

legislador ao acolher a sinonímia entre os termos “direito e interesse”, assim empregados para

fins de tutela jurisdicional. Esta discussão prévia à análise conceitual dos interesses

transindividuais justifica-se em razão da discussão doutrinária acerca da possibilidade de

considerá-los direitos subjetivos.94

1.3.1 Direitos ou interesses

A Constituição Federal de 1988 empregou os termos “direitos e interesses”

indistintamente a exemplo do art.129, III e V, o qual outorga legitimação ao Ministério

Público para a defesa do meio ambiente e para a defesa judicial das populações indígenas. Na

legislação infraconstitucional, o legislador também não se empenhou em distingui-los.

A Lei da Ação Civil Pública refere-se a “interesse” difuso e coletivo ao elencar

os bens por ela protegidos (Lei nº7.347/1985, art.1º, IV), seguido pelo Estatuto da Criança e

do Adolescente (Lei nº8.069/1990, art.210) e pelo Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/2003, arts.

78-92), enquanto o Código de Defesa do Consumidor utiliza a expressão “interesses ou

direitos” ao prescrever a defesa do consumidor em juízo (CDC, Lei nº8.078/90, art.81,

parágrafo único, I a III).

Cotidianamente, o termo “interesse”, é utilizado para se referir a um liame

entre uma pessoa e um bem da vida face ao valor, seja material ou não, a ele atribuído pelo

próprio indivíduo. Ricardo dos Santos Castilho afirma que o “interesse” distingue-se de

indivíduo para indivíduo e entre estes e o Estado, em razão de estar na esfera psicológica de

cada pessoa. Segundo ele, por esta razão, não pode ser exigido95

.

94 De acordo com Elton Venturi, “os diversos ordenamentos jurídicos, ao se depararem com a nova realidade imposta pela

dimensão alcançada pelas substanciais pretensões coletivas, comuns aos integrantes de toda a comunidade mas não

imputáveis a ninguém, individualmente, não ousavam qualificá-las como autênticos direitos subjetivos, eis que refugiam às

velhas fórmulas ou padrões segundo os quais eram estes até então descritos. Assim, na medida em que se revelava com toda a

intensidade a insuficiência do tradicional conceito de direito subjetivo, comum passou a ser a utilização da expressão

‘interesses’, em vez de ‘direitos’, para substantivar as aspirações materiais que transcendem as individuais.” (ARENHART,

Sérgio Cruz. O regime da prescrição em ações coletivas. In: (Coords.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa e um

novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.173). 95 CASTILHO, Ricardo dos Santos. Direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Campinas: LZN,

2004, p.16.

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Aluisio Gonçalves de Castro Mendes leciona que a palavra “interesse” possui

acepção comum ou técnica e acepção jurídica. No primeiro plano, a significação é variada,

pode representar lucro, ganho, juro, vantagem, proveito, benefício, cobiça, simpatia,

curiosidade etc.; no segundo plano, dispõe de conceito bem amplo e "quer, precipuamente,

mostrar intimidade de relações entre a pessoa e as coisas, de modo que aquela tem sobre estas

poderes, direitos, vantagens, faculdades ou prerrogativas96

.

Para Ihering, a definição de “direito” deve partir necessariamente da ideia de

“bem” em sentido amplo, ou seja, tudo aquilo que tem utilidade e valor. Deste postulado,

segue-se a clássica definição de que o direito é o interesse juridicamente tutelado, que vem

sendo adotada e repetida em diversas legislações ao longo dos anos97

.

Entretanto, não basta o “interesse” para que haja o direito98

, é preciso que ele

seja protegido juridicamente por meio de uma ação judicial. E completa: “em todo direito, diz

Ihering, há dois elementos: um substancial, que é o interesse; outro formal, que é a proteção

jurídica, representada pela ação. A relação que há entre os dois é comparável à que existe

entre a casca e a medula de uma planta”.99

Segundo Miguel Reale,

em toda relação jurídica existe uma forma protetora, uma casca de revestimento e

um núcleo protegido. A capa, que reveste o núcleo, é representada pela norma

jurídica, ou melhor, pela proteção à ação, o que quer dizer, por aqueles remédios

jurídicos que o Estado confere a todos para a defesa do que lhes é próprio e o núcleo

é representado por algo que interessa ao indivíduo. O direito subjetivo, segundo

Ihering, é esse interesse enquanto protegido. Daí a definição sucinta de Ihering:

‘direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido’100

.

Maria Helena Diniz101

refuta a teoria de Ihering, arrazoando assim seu

entendimento:

a) nem todos os interesses protegidos pela lei constituem direitos subjetivos, como é

o caso das leis de proteção aduaneira à indústria nacional, em que as empresas tem

interesse em cobrar altos tributos pela importação de produtos estrangeiros, mas não

tem interesse subjetivos tais tributos; b) existem situações de direitos subjetivos em

que não há interesse por parte do titular, como os direitos do pai em relação aos

filhos que são instituídos em benefício dos titulares e não do titular; c) afirmar que o

direito subjetivo é um interesse, quer significar que aquele é um bem material ou

imaterial que interessa, como o direito à vida, à liberdade ou à honra, por exemplo.

96 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.204. 97 MACIEL JR.,Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006, p.19. 98 Esclarece Acelino Rodrigues Carvalho que, “a idéia de interesse, ao mesmo tempo em que se encontra afastada da idéia de

direito, nela está compreendida. Todavia, entre ambas, encontra-se, também, a idéia de interesse jurídico. Ao se falar em

direito, está-se falando, igualmente, de interesse, caso este esteja protegido de tutela jurídica, fala-se em mero interesse,

interesse simples, comum ou de fato, sem qualquer repercussão para o Direito”. (CARVALHO, Acelino Rodrigues.

Substituição processual no processo coletivo – um instrumento de efetivação do Estado Democrático de Direito. São Paulo:

Pillares, 2006, p.33). 99 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 23.ed. São Paulo: RT, 1995, p.445. 100 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.252. 101 DINIZ, Maria Helena de. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1997, p.247.

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Neste caso, o interesse é utilidade, vantagem ou proveito assegurado pelo direito,

objeto razão pela qual o direito existe102

.

Goffredo Telles Junior também descarta a tese de que “interesse juridicamente

protegido” seja a definição de direito subjetivo. Defende que “interesse”, nos termos da

acepção de Ihering, significa “aquilo que interessa”, ou seja, um bem, objeto de direito. Seja o

bem material ou imaterial de que uma pessoa pode ter “permissão” de utilizar, não constitui

um direito subjetivo103

. Nesta ótica, conclui que a “permissão para utilizar um bem é que

constitui o direito subjetivo”104

.

Observadas as críticas à sua teoria, Ihering105

acrescentou um novo critério à

sua definição, afirmando que para se caracterizar um direito subjetivo, é necessária a proteção

do interesse ao titular106

.

Vicente de Paula Maciel Jr. entende que a distinção entre os termos “interesse”

e “direito” encontra-se no momento em que ambos se efetivam e se realizam. O autor parte do

pressuposto de que o interesse é sempre individual e pertence à esfera psíquica que liga um

sujeito a um bem, portanto limita-se à manifestação unilateral de uma necessidade. Defende,

portanto, que o direito pressupõe uma manifestação dos interesses individuais e que estes

sejam reconhecidos e validados em face do ordenamento jurídico107

.

Seguindo esta linha de raciocínio, Vicente de Paula Maciel Jr.108

afirma não

existir “interesse coletivo ou difuso”109

, haja vista que o interesse é sempre individual. Nestes

102 DINIZ, Maria Helena de. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1997, p.247. 103 Ao comentar o primeiro capítulo do Código Modelo de Processos Coletivos, Elton Venturi esclarece que há uma

dificuldade histórica de aceitar os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos como autênticos direitos subjetivos,

razão pela qual, os autores do Código preferiram, estrategicamente, adotar alternativamente as expressões “interesses” ou

“direitos” (Comentário ao art.1°. In: GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer (Coords). Comentários ao código

modelo de processos coletivos – um diálogo ibero-americano. Salvador: Juspodivm, 2009, p.28). Em outra obra, o jurista

esclarece que o preconceito quanto à qualificação de tais aspirações como efetivos direitos subjetivos deriva de justificativas

de ordem subjetiva, objetiva e formal: subjetivamente, nega-se aos interesses metaindividuais a qualificação de direitos em

virtude de ser impossível imputar uma titularidade individual e exclusiva a certas aspirações pertinentes a todo o corpo social

ou a parcelas deste; objetiva e formalmente, a referida negativa se deve em função da natureza marcantemente

extrapatrimonial das pretensões metaindividuais (na medida em que não são economicamente apropriáveis por ninguém,

individualmente), sem expresso reconhecimento quanto à sua existência, até algum tempo atrás, por parte dos ordenamentos

jurídicos. (VENTURI, Elton. O problema conceitual da tutela coletiva: a proteção dos interesses ou direitos difusos, coletivos

e individuais homogêneos segundo o projeto de Lei n.5.130-2009. In: (Coord.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa

de um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010,

p.174). 104 TELLES JR., Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.264. 105 Vicente de Paula Maciel Júnior, em estudo aprofundado sobre a teoria de Ihering, afirma que “a base do estudo de Ihering

pressupõe a perspectiva do individualismo, no qual centrou e explicou o direito subjetivo. Ihering viveu numa época de

afirmação do indivíduo perante o Estado centralizador e forte. Hoje sorvemos os ares do Estado Democrático de Direito e do

reconhecimento formal do direito de participação nos processos decisórios que nos interessam. Vivemos em uma sociedade

complexa, o que significa que não podemos partir dessa mesma perspectiva de Ihering para explicar os novos fenômenos do

direito coletivo”. (MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006). 106 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 23.ed. São Paulo: RT, 1995, p.445. 107 MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006, p.54. 108 Vicente de Paula Maciel Jr. defende a tese de que “os interesses pertencem a uma fase pré-lógica, antecedente, e nunca se

confundirão com os direitos, que exigem um processo de validação, de legitimação dos interesses na sociedade para que

possam ser chamados de direitos”. Assim, “o interesse nasce e se exaure na intenção do sujeito, em sua manifestação perante

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termos, defende a possibilidade de “interessados” difusos ou coletivos, quando “um número

de indivíduos que de modo indeterminado ou agrupado, possuem interesses individuais

manifestados num mesmo sentido e se encontram em face de um mesmo fato, numa mesma

situação”110

.

Pedro Lenza111

explica a dicotomia entre os termos “interesse” e “direito” sob

a ótica da doutrina clássica112

, que prefere utilizar a terminologia “direito” para os casos em

que a titularidade de determinado interesse juridicamente protegido pertencer a um sujeito

perfeitamente identificável, que se traduz num indivíduo. Face a esta doutrina, os interesses

que extrapolam a esfera dos direitos meramente individuais não alcançaria o status de

direitos, haja vista tratar-se de proteção a interesses indeterminados e não individualizados.

Nesta mesma direção, Elton Venturi esclarece que a utilização da expressão

“interesses”, em vez de “direitos” para substantivar as aspirações materiais que transcendem

as individuais tornou lugar comum em razão da insuficiência do tradicional conceito de

direito subjetivo113

.

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.114

lecionam que a distinção entre as

expressões “interesse” e “direito” tem origem na “doutrina italiana que construiu dois

conceitos distintos, um referente aos direitos subjetivos e outro, aos chamados interesses

legítimos”. A distinção se justifica em razão dos diferentes órgãos jurisdicionais nos quais são

processados os julgados, a depender do litígio. Assim, se o litígio ocorre entre particulares,

as outras pessoas, na sua esfera privada. Os interesses manifestados são afirmações da vontade do sujeito em face de um bem.

Não ocorre a sua transformação em direitos”. (MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr,

2006, p.55). 109 Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que “tem prevalecido o uso da expressão interesses, nos textos que tratam de temas

concernentes a contingentes mais ou menos vastos de indivíduos, porque a expressão direitos evoca uma posição adrede

positivada, atributiva de certa situação de vantagem a um titular definido, ao passo que os interesses tuteláveis na jurisdição

coletiva podem porventura não estar previstos expressamente no ordenamento, bastando que se mostrem compatíveis com ele

sejam socialmente relevantes e venham manejados por adequado representante, por aí se explicando a cláusula que abre para

“outros interesses coletivos e difusos”, constante da parte final do art.129, III, da CF e Lei nº7.347/85, art.1º, IV. (2007, p.91-

92)”. 110 MACIEL JR.,Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006, p.54. 111 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.47. 112 Ensina Gregório Assagra de Almeida que em contraposição à doutrina clássica, a doutrina da tese “revisionista” propõe o

reconhecimento da categoria dos direitos subjetivos transindividuais, preferindo, portanto, a utilização das expressões

“direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos” de sorte a atribuir subjetividade jurídica a esses

institutos jurídicos. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007,

p.50) 113 VENTURI, Elton. O problema conceitual da tutela coletiva: a proteção dos interesses ou direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos segundo o projeto de Lei n.5.130-2009. In: (Coord.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa e

um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010,

p.171. 114 Afirmam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. que “o legislador brasileiro foi fortemente influenciado pelo direito

italiano, porque a doutrina brasileira é fortemente influenciada pela doutrina italiana, onde as categorias de direitos coletivos

e direitos difusos encontram-se em território cinzento, a meio caminho entre o público e o privado, sendo constantemente

referidas como interessi diffusi e interessi collettivi”. Ademais, a parte da doutrina que defende a utilização da denominação

“interesses” ao tratar dos direitos coletivos lato sensu, justifica que “esta configuraria uma maior amplitude de tutela também

para situações não reconhecidas como direitos subjetivos”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.91-92).

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50

entende-se que se trata de direitos subjetivos, julgados pela justiça civil; caso o conflito

aconteça entre particulares e a administração pública, ou seja, caso de interesse social

relevante, entende-se que se enquadram os interesses legítimos115

.

Para estes doutrinadores, os conceitos mencionados não têm aplicação prática

no ordenamento brasileiro porque este prevê o princípio da unidade da jurisdição. Assim,

“tanto o direito subjetivo quanto o interesse legítimo são considerados direitos”, postura que

mais coaduna com a “tradição jurídica nacional e ao direito constitucional positivo vigente” a

teor do comando expresso no art.5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.

Rodolfo de Camargo Mancuso, em outro extremo, defende a utilização do

termo “interesse” ao invés de “direito” quando diz respeito à tutela de bens metaindividuais,

justificando que “nem sempre o objeto litigioso está juspositivado ou não o está claramente”.

Esclarece, ainda, que a expressão “direitos” evoca uma posição positivada, conferindo certa

situação de vantagem a um titular definido, enquanto os interesses tuteláveis na jurisdição

coletiva podem eventualmente não estar previstos expressamente no ordenamento, bastando

que com ele sejam compatíveis, socialmente relevantes e estejam adequadamente

representados, o que explica a cláusula “outros interesses coletivos e difusos”, na parte final

do art.129, III, da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº7.347/85, art.1º, IV116

.

Firmando esta mesma linha de entendimento, Hugo Nigro Mazzilli defende

que “interesse é gênero; direito subjetivo é apenas o interesse protegido pelo ordenamento

jurídico. [...] para que interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos sejam tutelados

pelo Poder Judiciário, é preciso que estejam garantidos pelo ordenamento jurídico117

”. E

exemplifica: “é o caso do direito ao meio ambiente sadio, do direito à defesa do consumidor,

do direito à proteção às pessoas com deficiência, do direito à defesa do patrimônio cultural

etc”118

.

Kazuo Watanabe, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do

Consumidor, justifica a utilização dos termos “interesses” e “direitos” como sinonímia,

afirmando que “a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os

115 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.5.ed.Salvador:

Juspodivm, 2010, p.90. 116 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. rev. atual.

e ampl. São Paulo: RT, 2008, p.91-92. 117 Hugo Nigro Mazzilli defende que “uma ação civil pública que busque a tutela de valores transindividuais que, ao final, se

vejam definitivamente reconhecidos como inexistentes, essa ação objetivou a defesa de interesses difusos; já outra ação que

busque a tutela de valores transindividuais definitivamente reconhecidos como existentes, objetivou a defesa de direitos

difusos”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.54-55). 118 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.62.

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51

‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e

mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles”.119

Nesta esteira, os Tribunais pátrios acompanharam o CDC120

, na medida em que

não estabeleceram uma distinção entre as expressões “interesses” e “direitos”. Tal postura

significa que a despeito da evidente distinção ontológica entre os termos, para efeitos de tutela

jurídica, não há que se falar em diferenciação, operando-se uma verdadeira sinonímia entre

ambos.

Antonio Gidi121

adota a expressão “direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos” defendendo um alargamento no conceito clássico de direito subjetivo,

inserindo-os no contexto renovado do processo civil contemporâneo.122

Justifica esta postura,

com maestria e sensatez, ao preferir a efetiva proteção jurisdicional ao tecnicismo. Critica as

teorias daqueles que estabelecem distinções entre o direito subjetivo e o interesse

superindividual por se tratar de um “ranço individualista que marcou a dogmática jurídica do

século XIX”.

Do exposto acima123

, mesmo que a doutrina geral estabeleça uma distinção

entre um termo e outro, na medida em que considera o interesse mais amplo que o direito, que

os sujeitos sejam identificáveis ou não, ou ainda, se houver previsão expressa ou não no

ordenamento jurídico, o Código de Defesa do Consumidor utiliza indistintamente os termos

“interesses” e “direitos” em seus arts.81, 83 e 103, §1º, ao definir os direitos coletivos, difusos

e individuais homogêneos.

119 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.70. 120 AgRf no REsp 1368769/SP, 2013/0039226-0, Rel. Min. Humberto Martins, STJ, 2ªTurma, data do julgamento

06/08/2013; AgRg no AREsp 209779/RJ, 2012/0156690-0, Rel.Min. Og Fernandes, STJ, 2ªTurma, data do julgamento

05/11/2013; AgRg no AREsp 209779 / RJ, n.2012/0156690-0, Rel. Min. OG FERNANDES, STJ, 2ª Turma, data do

julgamento: 05/11/2013; AgRg nos EDcl no REsp 1268922 / SC, 2011/0181955-0, Rel. Min. Castro Meira, STJ, 2ª Turma,

data do julgamento:17/09/2013; REsp 1033274 / MS, RECURSO ESPECIAL 2008/0035831-7, Rel. Min. Luis Felipe

Salomão, STJ 4ª Turma, data do julgamento: 08/08/2013; AgRg no AREsp 207409/RJ AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0153596-1, Rel. Min. Castro Meira, STJ 2ªTurma, data do julgamento:

21/05/2013. 121 Antonio Gidi, profundo estudioso e respeitado doutrinador, salienta que “o que se percebe nas teorias daqueles que

diferenciam o direito subjetivo do interesse superindividual é o ranço individualista que marcou a dogmática jurídica do

século XIX: o preconceito ainda que inconsistente em admitir a operacionalidade técnica do conceito de direito

superindividual. Isto porque os direitos superindividuais, pela indivisibilidade de seu objeto e “imprecisa” determinação da

sua titularidade, não se enquadrariam exatamente na rígida delimitação conceitual do direito subjetivo como fenômeno de

subjetivação do direito objetivo”. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva,

1995, p.17). 122 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.17. 123 Vicente de Paula Maciel Jr. entende que a distinção entre os termos “interesse” e “direito” é de máxima importância

porque muitas situações jurídicas não são explicadas atualmente em função da tese de Ihering, que segundo ele, equiparou as

duas expressões. Considera o exemplo de um empregado que aceite renunciar aos direitos trabalhistas em razão de ameaça de

perda do emprego. De um lado, o interesse do empregado de manter o emprego e de outra ofensa a uma série de direitos

previstos em lei. Assim, o interesse individual no caso exemplificado não poderia ser legitimado pelo processo de validação

social e judicial. (MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006, p.57).

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52

Por derradeiro, a superação do debate encontra-se no emprego da dúplice

terminologia pela Constituição Federal e da legislação infraconstitucional na medida em que

outorga a mais ampla tutela jurisdicional tanto aos “interesses” quanto aos “direitos” que

extrapolam os limites individuais, de forma indiscriminada. Por esta razão, no decorrer da

pesquisa serão empregadas indistintamente as expressões “direitos” ou “interesses” ao nos

referirmos a estas “situações de vantagem”124

de natureza transindividual, a despeito do

dúplice emprego da legislação e do entendimento doutrinário.

1.3.2 Direitos transindividuais: difusos e coletivos

Os direitos transindividuais125

foram definidos pelo legislador do Código de

Defesa do Consumidor126

(Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990, art.81 e incisos). Ao

classificar os direitos transindividuais, optou pela tripartição legislativa127

dos direitos

passíveis de tutela coletiva. Assim, os direitos transindividuais são subclassificados em duas

espécies: os difusos e os coletivos que se somam ao direito individual homogêneo, compondo

os direitos tuteláveis de forma coletiva.

A classificação encartada no Título III do CDC que trata da “Defesa do

Consumidor em Juízo” tem evidente finalidade processual. Mas não podemos ignorar a

natureza material dos direitos transindividuais, resultantes dos fenômenos oriundos da

sociedade de massas, nas quais as relações jurídicas não se projetam mais apenas entre

sujeitos determinados, mas extrapolam para além dos danos aferíveis entre os indivíduos.

Com efeito, verifica-se que o legislador utilizou três critérios para definir e

distinguir o direito material, objeto de tutela pela ação coletiva: a) o critério subjetivo

124 Expressão utilizada por Antonio Gidi ao explicar a razão pela qual parcela da doutrina ainda prefere estabelecer distinção

entre o direito subjetivo e o interesse superindividual. Considerando sob a ótica do aspecto técnico, os direitos

superindividuais apresentam características de indivisibilidade do seu objeto e imprecisa determinação da sua titularidade e

por isso, “à falta de terminologia rigidamente adequada, preferiu-se optar por chamar ‘interesse’ essa situação de vantagem”.

(GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.17). 125 Ensina Gregório Assagra de Almeida que “Transindividualidade, metaindividualidade e supraindividualidade são

expressões sinônimas, ligadas aos interesses e direitos massificados e significam que a dimensão desses interesses e direitos

transcende a esfera da titularidade individual”. (ALMEIDA. Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007, p.51). 126 Antônio Herman V. Benjamin em comentário ao CDC, art.81, esclarece que, “uma vez que não existe acordo doutrinário

sobre a definição dos chamados direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, o legislador do CDC optou por, ele

próprio, fixar um conceito, de modo a permitir um razoável grau de previsibilidade quanto a sua utilização. Inspiram-se nas

class actions do direito norte-americano e vão determinar um significativo diálogo entre as normas do Código e a Lei da

Ação Civil Pública. (BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo:

RT, 2010, p.1.300). 127 A classificação adotada pelo legislador do CDC não é consensual na doutrina abalizada. O Código de Processo Civil

Coletivo: um modelo para países de direito escrito (CM-GIDI), o Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para

Ibero-América (CM-IIDP) unificam sob a denominação "difusos" os direitos transindividuais. De outra sorte, o Anteprojeto

do Instituto Brasileiro de Direito Processual (CBPC-IBDP) e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos

(CBPC-UERJ/UNESA) seguem a classificação tripartite do CDC.

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53

(titularidade), b) o critério objetivo (divisibilidade ou indivisibilidade do objeto) e c) o critério

da origem128

.

Observamos que o CDC considera direitos difusos aqueles “transindividuais,

de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por

circunstâncias de fato” (CDC, art.81, parágrafo único, I).

Já os direitos coletivos são os “transidividuais de natureza indivisível de que

seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base” (CDC, art.81, parágrafo único, II).

Revelam-se nesta definição as características dos direitos difusos: a) os

titulares do direito são indeterminados, ou seja, não é possível identificá-los (aspecto

subjetivo); b) são ligados entre si por uma situação de fato (origem); c) o objeto é indivisível

(aspecto objetivo)129

.

De seu turno, os direitos coletivos stricto sensu, revelam as seguintes

características: a) titulares indeterminados, mas determináveis, b) ligados entre si ou por uma

prévia relação jurídica base mantida entre si com a parte contrária e c) cujo objeto é

indivisível.

Como já evidenciado, a indeterminabilidade dos titulares130

é a essência do

direito difuso, eis que pertence a uma comunidade de pessoas indeterminadas e

indetermináveis. Celso Antonio Pacheco Fiorillo oferece um exemplo prático:

Ao pensarmos no ar atmosférico poluído, não temos como precisar quais são os

indivíduos afetados por ele. Talvez seja possível apenas delimitar um provável

espaço físico que estaria sendo abrangido pela poluição atmosférica, todavia, seria

inviável determinar todos os indivíduos afetados e expostos a seus malefícios. Nesse

contexto, temos que os titulares estão interligados por uma circunstância fática.

Inexiste uma relação jurídica. Experimentam a mesma condição por conta dessa

circunstância fática, que, no nosso exemplo, é a poluição atmosférica131

.

128 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.22. 129Antônio Herman V. Benjamin aponta ainda outras características, além daquelas dispostas no texto da lei: a ausência de

unanimidade social, em razão da conflituosidade coletiva que lhes é inerente, a organização possível, dada a dispersão do

elemento fático que os une e a ressarcibilidade indireta, posto que o montante da indenização é destinado a um fundo.

(BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.302). 130 A respeito da titularidade, Antonio Gidi entende que é inadequado e tecnicamente impreciso dizer que ‘os titulares do

direito difuso são pessoas indeterminadas’, como faz o CDC e grande parte da doutrina. Assim, “só há um titular: a

comunidade, a coletividade ou a comunidade de vítimas individualmente considerada, conforme seja o direito difuso,

coletivo ou individual homogêneo, respectivamente. As pessoas que compõem a comunidade ou a coletividade é que são

várias e determinadas ou indetermináveis; não o titular do direito material em si”. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e

litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.24). 131 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.6-7.

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54

Sobre esta característica, Antonio Herman V. Benjamin132

ensina que não há

gradações conforme maior ou menor grau de difusidade do direito material – como, por

exemplo, pretender-se serem os direitos ao meio ambiente sadio mais difuso que os direitos

do consumidor – que sejam aptas a criar distinções passíveis de reduzir o alcance de proteção.

Neste aspecto, os direitos coletivos distinguem-se dos direitos difusos, haja

vista que seus sujeitos são caracterizados pela determinalidade. São titularizados por sujeitos

organizados e formalmente representados por determinado grupo, categoria ou classe.

A característica da indivisibilidade material afigura-se também no plano

processual. Significa a impossibilidade da sua divisão em parcelas, seja quantitativa ou

qualitativamente, como é o caso do direito à saúde, ao meio ambiente saudável e à segurança.

Neste sentido, no dizer de Elton Venturi133

, “não se pode cogitar de provimentos judiciais que,

de qualquer forma, determinem tratamentos distintos a pretensões ontologicamente

indivisíveis”.

Caracterizam-se tanto os direitos difusos quanto coletivos pela indivisibilidade

do objeto, considerados indistinguíveis entre si, exatamente porque são transindividuais,

essencialmente coletivos, cujos titulares são uma comunidade ou uma coletividade134

.

Desta forma, as ações relativas aos direitos autenticamente coletivos não são

identificáveis apenas com relação a membros do grupo, eis que pertencem a toda classe,

grupo ou categoria. Por esta razão, nenhum membro identificável da coletividade pode ser

excluído da tutela jurisdicional ajuizada pelas entidades legitimadas.

Esta compreensão resulta da aplicação da extensão subjetiva da coisa julgada

ao utilizar o termo ultra partes, conforme o art.103, II, do CDC, implicando na extensão da

tutela a todos os membros do grupo, considerados todos titulares da ação.

Por esta regra, o fato de um trabalhador exercer seu direito constitucional de

não sindicalizar ou um servidor público não aderir a uma associação de classe, não lhes

subtrai a qualidade inerente de titular do direito material, passível de tutela.

Observadas as definições e características dos direitos difusos e coletivos,

verifica-se que há um denominador comum entre os dois conceitos, qual seja “direitos

132 BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.301. 133 GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Comentários ao código modelo de processos coletivos – um diálogo

ibero-americano. Bahia: Juspodivm, 2009, p.33. 134 Conforme anota Elton Venturi: “Os direitos coletivos não são passíveis de cisão. Isto porque a pretensão metaindividual

coletiva não decorre da mera soma dos interesses individuais de cada integrante do grupo, senão da sua síntese”. (VENTURI,

Elton. O problema conceitual da tutela coletiva: a proteção dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos segundo o projeto de Lei n.5.130-2009. In: (Coord.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa de um novo

sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.186).

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55

transindividuais de natureza indivisível”135

. Por transindividualidade pode-se compreender a

característica que transpõe os limites dos direitos meramente individuais, como por exemplo,

a propaganda enganosa, a poluição ao meio ambiente, os produtos defeituosos assim vindos

da própria fábrica.

A distinção entre ambos encontra-se no elo que liga o bem da vida a ser

tutelado (o direito propriamente dito) aos seus titulares (aspecto origem). Se este elo é uma

relação jurídica base preexistente, diz-se que o direito é coletivo, podendo, inclusive,

identificar seus sujeitos e agregá-los. Por outro lado, se o vínculo está numa situação apenas

de fato, sem possibilidade de individualizar seus titulares, tem-se um direito difuso136

.

Com efeito, conforme Rodolfo de Camargo Mancuso, os direitos difusos estão

“soltos, fluídos, desagregados, disseminados entre segmentos sociais mais ou menos extensos;

não têm um vínculo jurídico básico, mas exsurgem de aglutinações contingenciais,

normalmente contrapostos entre si”.137

Constata-se, portanto, que o elo estrutural que vincula os membros do grupo

situa-se em meras circunstâncias de fato, não requerendo a existência de relação jurídica-base

que os una à parte adversa, como ocorre com os direitos coletivos, o que permite a

determinação/individuação/identificação dos interessados.

Importa ressaltar, ainda, que o vínculo que une os interessados em torno do

direito coletivo (relação jurídica-base) deve ser preexistente aos potenciais danos. Se o

vínculo entre os indivíduos decorrer da lesão causada por um fato eventual que os atinja

equitativamente, tais direitos serão identificados como individuais homogêneos.

A doutrina costuma apontar exemplos concretos que permitem destacar as

diferenças entre as duas modalidades de direitos. Trata-se de hipótese de direito difuso, a

tutela ao meio ambiente sadio, no caso de despejo efetuado por uma indústria de substâncias

tóxicas em um rio e a preservação da moralidade administrativa138

.

Antônio Herman V. Benjamin aponta os seguintes exemplos de direitos

coletivos: os titularizados por contribuintes de um mesmo tributo ilegal, os mutuários de um 135 Antonio Gidi critica: “Fazer distinção entre direito difuso e coletivo é tão inútil para o direito quanto fazer a distinção

entre filho legítimo e ilegítimo ou natural e adotivo [...] Tais diferenciações podem até ser ‘conceitualmente corretas’ mas,

juridicamente, não possuem qualquer relevância ou utilidade prática”. (GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil

coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ, 2008, p.219). 136 Para Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “O elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é, portanto,

a determinalidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão, fenômeno que se verifica nos

direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de

direito processual civil: processo coletivo. v.4.5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.75). 137 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: RT, 2004,

p.101. 138 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010; p.74; DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo:

Atlas, 2010, p.46.

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56

mesmo sistema habitacional que utiliza índice ilegítimo de correção do valor das prestações,

os contratantes em consórcio submetidos a cláusulas abusivas e ainda os estudantes de uma

mesma escola que eleva ilegalmente o valor das mensalidades139

.

A despeito da importância dos exemplos mencionados se enquadrarem nas

características dispostas na definição efetuada pelo legislador do CDC, impende esclarecer

que da ocorrência de um mesmo fato poderá exsurgir pretensões de naturezas diversas, seja

para tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Uma propaganda enganosa veiculada através de comunicação de massa, por

exemplo, é passível de causar lesão a vítimas indetermináveis sem qualquer relação jurídica

base entre elas. O simples fato de infortunadamente terem adquirido o produto propagado

com promessas enganosas caracteriza o elo entre as vítimas.

Num primeiro momento, visualizando os direitos difusos de uma coletividade

indeterminada, pode-se ajuizar ação coletiva com a finalidade de retirar a propaganda do ar, a

imposição de contrapropaganda cumulada com a indenização por danos causados à

comunidade (o valor deverá ser revertido para o fundo, conforme art.13 da LACP).

Considera-se, ainda, os consumidores individuais vítimas da propaganda

enganosa e que por isso, sofreram efetivos prejuízos decorrentes do mesmo fato. Com efeito,

é cabível uma ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos. Nos termos do

art.95 do CDC, visará a uma condenação genérica e ilíquida, cabendo aos interessados

promover, posteriormente, a liquidação e execução, conforme será objeto de estudo nos

capítulos seguintes.

Neste contexto, as definições, caracterizações e distinções concebidos no plano

teórico com finalidades didáticas, se adaptam simetricamente aos fatos sociais e jurídicos. A

depender das circunstâncias de fato, os direitos tuteláveis são transindividuais (difusos ou

coletivos) ou individuais homogêneos. Tal se explica porque, nas palavras de Teori Albino

Zavascki, “as situações jurídicas novas assumem, não raro, configurações insuscetíveis de ser,

desde logo, conciliadas ou apropriadas por modelos legais ou doutrinários

preestabelecidos”140

.

Desta realidade estrutural pode-se extrair duas compreensões importantes para

a tutela dos direitos transindividuais: é imprescindível identificar a espécie de direito coletivo

objeto da demanda judicial, em razão da diversidade de procedimento e de institutos

139 BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.302. 140 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.38.

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processuais (como é o caso da execução, objeto principal desse estudo), garantindo a mais

adequada e ampla tutela.

Em segundo lugar, a correta compreensão conceitual dos direitos coletivos

deve ter por condão impedir indevidas restrições à efetiva tutela, nunca servir de empecilho à

mais ampla proteção judicial141

. E, finalmente, não há impedimento em cumular numa mesma

demanda as pretensões atinentes a direitos coletivos distintos, conforme exemplifica-se.

1.3.3 Direitos individuais homogêneos

O CDC (art.81, parágrafo único, III) define142

sucintamente os direitos

individuais homogêneos como aqueles “decorrentes de origem comum”, isto é, os direitos

originados em razão da própria lesão em que ocorreu a relação jurídica entre as partes.

Assim, os direitos individuais homogêneos143

definem-se como uma porção de

direitos individuais caracterizados pela divisibilidade (aspecto objetivo), cujo titular é uma

comunidade de pessoas indeterminadas, mas determináveis (aspecto subjetivo) ligadas por

questões comuns de fato ou de direito (origem).

Verificados os aspectos caracterizadores dos direitos individuais homogêneos,

o primeiro destaque a ser efetuado é que estes não possuem natureza de direitos coletivos,

antes, são essencialmente individuais, razão pela qual designados pela doutrina como

“acidentalmente coletivos”, distinguindo-se dos direitos transindividuais, “essencialmente

coletivos”144

.

141 Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira afirmam que “os conceitos técnicos dos direitos coletivos previstos no

ordenamento brasileiro, embora precisos, não são de fácil assimilação pelos operadores do direito. Há nítida e indevida

vinculação de certos fatos, situações ou matérias com cada espécie de direito coletivo. Para exemplificar, é possível citar o

indevido relacionamento do fato ‘publicidade enganosa’ com o direito difuso de informação adequada, como se desse mesmo

evento não pudessem surgir danos nas esferas individuais, dando origem a um direito individual homogêneo”. (DONIZETTI,

Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.58-59). 142 Conforme Elton Venturi, “inexistindo atributos essenciais em torno dos quais seja lícito reunir uma categoria específica

denominada direitos individuais homogêneos distinta e autônoma em relação aos direitos individuais, na realidade o

problema desloca-se da viabilidade de se conceituá-los (descobrir o que são) para a análise do que representam no contexto

social, e, por consequência, do exame das vantagens ou desvantagens da admissão judicial de demandas coletivas reunindo

pretensões individuais em função da conexão objetiva pela causa de pedir ou pelo pedido”. (VENTURI, Elton. O problema

conceitual da tutela coletiva: a proteção dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos segundo o

projeto de Lei n.5.130-2009. In: (Coord.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa de um novo sistema de processos

coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.190). 143 Na lição de Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira, “os direitos individuais homogêneos correspondem àqueles

direitos que, embora individuais em essência, são tratados coletivamente por ficção jurídica, em razão da sua origem comum.

Assim, em função da eficácia, conveniência e segurança jurídica de se conferir proteção coletiva a uma gama de direitos

individuais decorrentes de mesma origem, tratou a lei de, artificialmente, criar a espécie ‘direito individual homogêneo’, cuja

titularidade é atribuída a um conjunto de pessoas molecularmente consideradas”. (DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA,

Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.49-50). 144 Barbosa Moreira apud GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995,

p.30.

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Com efeito, sob o aspecto do direito material, os direitos individuais

homogêneos são divisíveis, seus titulares podem ser identificáveis e determinados, assim

como é possível quantificar suas eventuais pretensões145

. Além disso, são direitos disponíveis,

haja vista que ao seu titular é permitido deixar de requerê-lo ou ainda, exercê-lo

simultaneamente aos demais legitimados por meio de litisconsórcio ativo.

Outrossim, não se trata de uma nova categoria de direito material, mas, sim,

uma pluralidade de titulares, à semelhança dos direitos transindividuais. O que os distingue é

que nos direitos individuais homogêneos, estes titulares são determinados ou determináveis;

além disso, seu objeto é divisível, podendo ser fracionado em partes independentes146

.

Assim, embora sendo em sua essência individuais, foram propositalmente

introduzidos no contexto das normas que tratam de direitos transindividuais com a finalidade

específica de proporcionar-lhes um tratamento processual coletivo147

, facilitando o acesso à

justiça aos seus titulares148

. Neste sentido, Teori Albino Zavascki argumenta que “quando se

fala, pois, em ‘defesa coletiva’ ou em ‘tutela coletiva’ de direitos individuais homogêneos, o

que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas, sim, o modo de

tutelá-lo, o instrumento de sua defesa”.149

Antonio Gidi ressalta a importância prática desta categoria de direitos criada

pelo direito positivo brasileiro com “a finalidade única de possibilitar a proteção coletiva

(molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa

previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada”.150

Registramos ainda que a realidade social e econômica ou as condições

desvantajosas como a dimensão do prejuízo isoladamente considerado podem dificultar ou 145 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. afirmam: “[...] os direitos individuais homogêneos são indivisíveis e indisponíveis

até o momento de sua liquidação e execução, voltando a ser indivisíveis se não ocorrer a tutela integral do ilícito.” (DIDIER

JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: Juspodivm,

2010, p.78). 146 Teori Albino Zavascki afirma que “os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns

ou afins de que trata o art.46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente

instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo”. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo:

tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.35). Nesta mesma linha de

entendimento, Gregório Assagra de Almeida afirma que “Não se trata, portanto, de uma nova espécie de direito material, mas

simplesmente de uma nova designação para identificar coletivamente certos direitos subjetivos individuais tradicionais,

aqueles mesmos que, nos regimes processuais ordinários, comportam tutela mediante litisconsórcio ativo facultativo”.

(ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações coletivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.279). 147 Expressão adotada por Márcio Flávio Mafra Leal In: LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e

prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p.192). 148 Antonio Herman V. Benjamin argumenta que “a relevância de seu tratamento molecular não decorre de uma

indivisibilidade natural de seu objeto (interesses e direitos públicos e difusos), nem da organização ou existência de uma

relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas da necessidade de facilitação de acesso à justiça aos seus

titulares, como decorrência do mandamento constitucional de promoção da defesa dos consumidores – embora não se

restrinjam ao âmbito das relações de consumo”. (BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do

consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.303). 149 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.35. 150 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.30.

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desestimular a busca da tutela por meio do Poder Judiciário pelos titulares individuais. Não se

olvida, ademais, que “várias ações individuais podem não trazer solução tão satisfatória para o

problema como a que poderia advir de uma ação coletiva, a qual, sem dúvida, causa maior

impacto ao ofensor”.151

Além disso, embora as particularidades intrínsecas152

de cada caso concreto

não apresentem relevância jurídica, denotam semelhanças nas questões de direito, o que

permite, na prática, a mesma decisão quando o direito individual apresentar as características

da homogeneidade e da origem comum.

Destarte, segundo o texto legal mencionado, as características da

homogeneidade e da origem comum são requisitos para o tratamento processual coletivo dos

direitos individuais. Estas qualificações não retiram a essência de individualidade dos direitos

individuais homogêneos153

, mas são indispensáveis para permitir a sua defesa coletiva.

O termo “homogêneo” é adjetivo identificador de determinados feixes de

direitos individuais ligados entre si por situações análogas, parecidas, semelhantes, similares,

afins. Portanto, o traço de homogeneidade permite supor uma relação entre vários direitos

individuais análogos derivados de “origem comum”. Este aspecto relacional entre direitos

individuais em razão de homogeneidade nas situações de origem comum autoriza a tutela

coletiva 154

.

A “origem comum”, segundo Kazuo Watanabe155

, “pode ser de fato ou de

direito, e a expressão não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal”, ou

151 SANTOS, Christianine Chaves. Ações coletivas & coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2006, p.62. 152 Conforme lição de Antonio Gidi, “as peculiaridades de cada caso individual são aferidas apenas na fase de liquidação da

sentença coletiva, que é verdadeira ação individual em que cada titular do direito individual deverá provar não somente o

montante do seu crédito, como que efetivamente faz parte da comunidade de vítimas do evento submetido e julgado na

referida sentença”. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.32). 153 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. rejeitam o entendimento de que os direitos individuais homogêneos sejam

estruturalmente individuais ou “direitos individuais coletivamente tratados”. Afirmam que esta visão restringe e afasta os

direitos individuais homogêneos (DIH) dos princípios gerais da tutela coletiva, relegando-os a uma segunda categoria na

proteção coletiva. Finalmente, concluem que “as categorias de direito antes mencionadas (difusos, coletivos stricto sensu e

individuais homogêneos) foram conceituadas com vistas a possibilitar a efetividade da prestação jurisdicional. São, portanto,

conceitos interativos de direito material e processual, voltados para instrumentalidade, para a adequação da teoria geral do

direito à realidade hodierna e, dessa forma, para a sua proteção pelo Poder Judiciário. Assim, sua conceituação tem caráter

explicitamente ampliativo da tutela dos direitos”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual

civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.82). 154 Neste sentido, Antonio Gidi, esclarece que “um direito individual é homogêneo apenas em relação a um outro direito

individual derivado da mesma origem (origem comum). Não há um direito individual homogêneo, mas direitos individuais

homogeneamente considerados”. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva,

1995, p.30). Nesta esteira, Gregório Assagra de Almeida defende que a “homogeneidade não é uma característica individual

e intrínseca desses direitos subjetivos, mas, sim, uma qualidade que decorre da relação de cada um deles com os demais

direitos oriundos da mesma causa fática ou jurídica”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações coletivas. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007, p.279). 155 O mestre propõe um exemplo esclarecedor: “As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de

imprensa e em repetidos dias de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores num largo espaço de tempo e

em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos de uma homogeneidade tal que os tornam a ‘origem comum’ de todos

eles.” (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.76.)

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60

seja, não é necessário que o fato lesivo seja o mesmo e ocorrido no mesmo momento para

todos os direitos individuais. Neste sentido, caso uma rede de laboratórios farmacêutico

fabrique e distribua para várias drogarias um medicamento placebo, a homogeneidade entre os

direitos individuais lesados está caracterizada.

Em comentários ao Código Modelo Ibero-americano (CM-IIPD), Elton

Venturi156

esclarece que “a origem comum que torna viável a reunião de pretensões

individuais em uma única ação coletiva pode decorrer de danos provenientes de quaisquer

fatos ou atos [...] geradores da responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva, por eventuais

danos provocados”.

Além da diversidade factual e temporal, a homogeneidade dos direitos

individuais decorrentes de origem comum permite uma diversidade quantitativa e qualitativa.

Com efeito, a lesão a cada direito individual pode ser de ordem moral ou patrimonial,

comprometendo lucros cessantes, danos emergentes, de maneira que o valor de cada prejuízo

individualmente sofrido é diverso, não sendo, entretanto passível de descaracterizar a

homogeneidade dos direitos individuais157

.

A quantificação de cada direito individual será efetuada em fase de liquidação

de sentença158

, tratada em capítulo próprio, genuína ação individual, na qual os sujeitos dos

direitos individuais terão o ônus de provar a titularidade e o montante do seu crédito.

O Código Modelo Ibero-americano (CM-IIPD) estabelece os requisitos

autorizadores da demanda coletiva comuns a todos os direitos de grupo, acrescentando para os

direitos individuais homogêneos “a necessária aferição da predominância das questões

comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto” (art.2º, §1º).

A fonte destes dois requisitos (predominance and superiority) encontra-se no

direito norte-americano, conforme disposto na alínea (b) (3), da Rule 23, das Federal Rules of

156 Elton Venturi afirma em seus comentários que “a origem comum pode ser extraída tanto da responsabilidade civil

decorrente das relações típicas de consumo (v.g., por vício do serviço ou do produto colocados no mercado, que geram

acidentes de consumo) como da responsabilidade derivada de relações de natureza diversa, como ambiental (v.g., o

derramamento de substâncias tóxicas em rios ou no mar, que lesiona os pescadores, habitantes ribeirinhos e turistas) a civil

(v.g., decorrente da infrigência do princípio da boa-fé contratual), a previdenciária (v.g., a indevida omissão da correção de

benefícios pagos pelo Estado aos segurados), ou mesmo tributária (v.g., a cobrança de tributos criados ou aumentados

ilegalmente ou inconstitucionalmente)”. In: GIDI, Antonio; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Comentários ao código

modelo de processos coletivos – um diálogo ibero-americano. Bahia: Juspodivm, 2009, p.36. 157 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.32. 158 Conforme explica Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “A compreensão desse instituto como um direito individual e de objeto

divisível somente é possível em decorrência da interpretação do sistema processual de liquidação e execução dos direitos

individuais homogêneos, trazido pelo Capítulo II do Título III da Lei nº8.078/90. Isto porque, em alguns dispositivos

(arts.91,97, 98 e 100), pode-se constatar que os legitimados para a ação civil pública agem como legitimados extraordinários,

pleiteando em nome próprio direito alheio. Além disso, o sistema prevê que a liquidação de sentença poderá ser promovida

pelas vítimas ou seus sucessores, demonstrado o caráter individualizador das ofensas experimentadas e, por consequência, a

divisibilidade do objeto dessa relação. (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro.5.ed.

São Paulo: Saraiva, 2004, p.10).

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61

Civil Procedure de 1966159

, em que trata das class action for damages. Segundo Ada

Pellegrini Grinover160

,

o espírito geral da regra está informado pelo princípio do acesso à justiça, que no

sistema norte-americano se desdobra em duas vertentes: a de facilitar o tratamento

processual de causas pulverizadas, que seriam individualmente muito pequenas, e a

de obter a maior eficácia possível das decisões judiciárias. E, ainda, mantém-se

aderente aos objetivos de resguardar a economia de tempo, esforços e despesas e de

assegurar a uniformidade das decisões.

O requisito da predominância das questões comuns sobre as individuais revela

similitude com a característica da “homogeneidade” no direito brasileiro. De fato, os direitos

individuais seriam heterogêneos, caso as questões especiais predominassem sobre as comuns,

impedindo a tutela coletiva desses direitos, em razão de pedido juridicamente impossível.

Vale, porém, ressaltar que, neste aspecto, o direito brasileiro disponibilizado

para a tutela dos direitos individuais homogêneos apresenta-se abrangente, eis que não exige,

em nome de “questões comuns” que os direitos e interesses individuais homogêneos derivem

apenas de questões fáticas e jurídicas semelhantes ou idênticas. Notabiliza-se, portanto, o

modelo brasileiro no quesito “origem comum”, seja próxima ou remota161

.

De seu turno, o requisito da “superioridade da tutela coletiva sobre a

individual, em termos de justiça e eficácia da sentença”, que pondera a possibilidade de evitar

decisões divergentes, fragmentadas para situações homogêneas, estimula a busca pela

prestação jurisdicional na medida em que permite, pelos seus próprios princípios, uma

prestação jurisdicional mais eficiente e ágil.

Como exemplo, imaginemos um número elevado de consumidores que tiveram

seus direitos individuais lesados, cada um, em valores insignificantes, principalmente

considerando o custo da busca pela tutela jurisdicional – como a venda de um produto em

quantidade inferior ao informado na embalagem.

Nesse exemplo, as vítimas poderiam ajuizar uma ação individual em

litisconsórcio (art.46, IV, CPC) ou, ainda, propor ações isoladas, que proliferadas seriam

159 (3) the court finds that the questions of law or fact common to class members predominate over any questions affecting

only individual members, and that a class action is superior to other available methods for fairly and efficiently adjudicating

the controversy. The matters pertinent to these findings include: (A) the class members’ interests in individually controlling

the prosecution or defense of separate actions; (B) the extent and nature of any litigation concerning the controversy already

begun by or against class members; (C) the desirability or undesirability of concentrating the litigation of the claims in the

particular forum; and (D) the likely difficulties in managing a class action. Disponível em:

http://www.law.cornell.edu/rules/frcp/rule_23. Acesso em: 4 fev.2014. 160 GRINOVER, Ada Pellegrini. Das ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos. In: Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011,

p.134. 161 Neste sentido: VENTURI, Elton. In: (Coords.) GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa de um novo sistema de

processos coletivos. Estudos em homenagem à Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.199.

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passíveis de julgamento liminar de improcedência, fundada em causas repetitivas, sobre as

quais já foi proferida sentença de improcedência (art.285-A, CPC).

De outra sorte, a aglutinação dos direitos individuais homogêneos lesados para

a busca da tutela coletiva repercute diretamente na economia processual, em maior agilidade

no processamento e prolação de decisões uniformes, razões suficientes para reforçar a

importância da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.

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63

2 O SISTEMA PROCESSUAL COLETIVO BRASILEIRO

2.1 Notas introdutórias

Feita a identificação e definidos cada um dos direitos que compõem as

modalidades transindividuais com base na Lei nº8.078/90 e nos diferentes posicionamentos

doutrinários, será esboçada brevemente a evolução histórica do processo coletivo no Brasil, o

panorama da atual tutela jurídica dos direitos transindividuais operada pelo microssistema

processual.

Não se trata de um extenso trabalho de história antiga a respeito da origem do

direito material ou das ações coletivas162

. Este tópico tem o condão de tão somente estabelecer

uma ponte entre a história moderna do sistema processual coletivo no Brasil, passar pelos

avanços relacionados à nova ordem jurídica, e o atual momento da tutela dos direitos

transindividuais, mormente a executiva, objeto principal desta pesquisa.

Com efeito, considerado o Direito uma ciência destinada a regulamentar a vida

em sociedade, o fato de que esta vive em constante evolução, refletindo essa evolução nas

relações jurídicas, compete àquela acompanhar as suas modificações, apresentar soluções,

nortear e regulamentar o mundo dos fatos163

.

Em outras palavras, é fato que as transformações profundas pelas quais

passaram a sociedade e o Estado atingiram inevitavelmente a ciência jurídica, posto que esta

deve adequar-se à metamorfose social164

, conforme sintetiza Pedro Lenza: “o direito busca

acompanhá-la e jurisdicionalizá-la, moldando-se à nova realidade”. 165

O surgimento da sociedade de massa, industrialmente desenvolvida, produz um

ambiente propício para os conflitos de massa, de natureza coletiva. Essa transformação da

162 Pesquisa mais detalhada e interessante: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual civil:

processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.23-52; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e

coisa julgada – teoria geral das ações coletivas, 2. ed. São Paulo: RT, 2008, p.24-60; ALMEIDA, Gregório Assagra de.

Manual das ações coletivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.5-27. 163 Neste sentido Ricardo dos Santos Castilho leciona: “Com a sociedade de massa, em que não há lugar para o homem

enquanto indivíduo isolado, e ele poderá ser absorvido pelos grandes grupos em que se compõe a sociedade, surge a

necessidade de se tutelarem também outros interesses que aparecem nesse processo social, ou seja, os interesses difusos ou

direitos de terceira geração que, sem a tutela ou tutelados de modo precário, merecem muita atenção”. (CASTILHO, Ricardo

dos Santos. Direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Campinas: LZN, 2004, p.7). 164 A propósito, pondera Humberto Dalla Bernadina de Pinho: Assim, se o direito é necessário para regulamentar a vida em

sociedade e se é certo que essa sociedade está em permanente evolução, a ciência jurídica encontra-se, inexoravelmente, no

seguinte dilema: ou acompanha a evolução, fornecendo as soluções adequadas e necessárias a se manter a ordem no Estado

Democrático de Direito, evitando de um lado o autoritarismo e de outro a anarquia, ou torna-se obsoleta e desprovida de

qualquer serventia, o que acarretará sua mais perfeita falta de efetividade. Disponível em:

http://www.humbertodalla.pro.br/artigos.htm. Acesso em: 7 fev.2014. 165 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.30.

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sociedade166

, acarretando profundas modificações das relações sociais, atingiu,

inevitavelmente à ciência jurídica, conforme observa Pedro Lenza:

A profunda transformação estrutural da sociedade e do Estado, inevitavelmente,

atinge a ciência jurídica. O direito, entendido aqui em sua significação mais extensa

possível, adequa-se à metamorfose social e não o contrário. A transformação

antecipa-se. O direito busca acompanhá-la e jurisdicioná-la, moldando-se à nova

realidade167.

Considerando que o processo é um instrumento de concretização dos direitos

materiais irrealizados de forma espontânea, deve, portanto, estar suficientemente dotado de

mecanismos aptos a produzir um resultado útil, ou seja, assegurar o bem da vida garantido

pela ordem jurídica168

.

A prestação jurisdicional estará tão mais próxima da efetividade quanto mais o

direito processual se aproximar do direito material e com ele estabelecer compatibilidade

suficiente para que o processo alcance o máximo de eficácia.

Com relação aos direitos transindividuais – assim considerados aqueles cujos

titulares não são identificáveis, ligados entre si apenas por uma relação jurídica base (direitos

difusos), aos pertencentes a titulares identificáveis de determinado grupo, categoria ou classe

(direitos coletivos), e ainda aos individuais homogêneos decorrentes de origem comum – a

proteção jurisdicional é viabilizada por meio do processo coletivo.

Notabiliza-se o processo coletivo como um instrumento pelo qual se opera a

tutela jurisdicional dos direitos transindividuais169

(difusos, coletivos ou individuais

166 A propósito, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart relatam: “A sociedade moderna caracteriza-se por uma

profunda alteração no quadro dos direitos e na sua forma de atuação. [...] Além da necessidade de um processo civil que

pudesse dar conta de direitos transindividuais, percebeu-se que ele também deveria voltar-se aos direitos que podem ser

lesados em face dos conflitos próprios da sociedade de massa. [...] Ora, se a sociedade atual é caracterizada por ser de

produção e consumo de massa, é natural que passem a surgir conflitos de massa e que os processualistas estejam cada vez

mais preocupados em configurar um adequado ‘processo civil coletivo’ para tutelar os conflitos emergentes [...]. Assim, é

que se concebam mecanismos adequados de proteção das situações de direito substancial inerentes à sociedade

contemporânea, sob pena de eliminar do sistema a própria categoria dos ‘novos direitos’. (MARINONI, Luiz Guilherme;

ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – processo de conhecimento. 7.ed. v.2. São Paulo: RT, 2008, p.737-

738). 167 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2008, p.30. 168 Sobre o tema, assevera Luís Roberto Barroso: “As diversas situações jurídicas subjetivas criadas pela Constituição seriam

de ínfima valia se não houvesse meios adequados para garantir a concretização de seus efeitos. É preciso que existam órgãos,

instrumentos e procedimentos capazes de fazer com que as normas jurídicas se transformem, de exigências abstratas dirigidas

à vontade humana, em ações concretas”. (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a eficácia de suas normas:

limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.119). Corrobora o entendimento de

José Roberto dos Santos Bedaque afirmando que “A eficiência da função jurisdicional do Estado está intimamente

relacionada não só com o desenvolvimento em concreto do instrumento pelo qual ela opera, mas principalmente pelos

resultados obtidos. São necessários, portanto, mecanismos adequados às exigências das relações materiais”. (BEDAQUE,

José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros,

2006, p.15). 169 A propósito, observa Hugo Nigro Mazzili: “Sob o aspecto processual, o que caracteriza os interesses transindividuais, ou

de grupo, não é apenas, porém, o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos pela mesma

relação jurídica ou fática, mas, mais do que isso, é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o

acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por um processo coletivo, que não apenas deve ser apto a evitar

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homogêneos). Ele é a única forma de tutela idônea para a proteção efetiva destes direitos,

razão pela qual as legislações processuais sofreram mudanças e continuam evoluindo com o

intuito de alcançar o ideal de efetividade e de acesso à ordem jurídica justa.

Em virtude dessa evolução, a doutrina identificou três principais objetivos das

ações coletivas: o acesso à justiça, a economia processual e a efetivação do direito material.

Saliente-se, por oportuno, que nem sempre o exercício da ação coletiva assegurará

concomitantemente a realização dos três objetivos, podendo ocorrer, inclusive, conflitos entre

eles em determinado caso concreto. Este tema será objeto de estudo posteriormente.

O direito processual brasileiro está atento a este novo cenário e, portanto, vem

buscando meios e instrumentos adequados para a solução destes conflitos que desbordam os

estreitos limites dos conflitos meramente individuais170

. Entretanto, a tutela dos direitos

transindividuais, entendidos como o conjunto de instrumentos processuais adequados, não

surgiu concomitantemente ao surgimento ou reconhecimento da existência dos direitos.

O direito não é agente transformador da sociedade, seu papel é regulador.

Conforme afirma Alexandre Freitas Câmara, “mesmo as normas jurídicas que parecem mais

avançadas, algumas até mesmo revolucionárias, são na verdade a demonstração tardia de algo

que a sociedade já há muito aceitou. O direito anda sempre atrás das mudanças sociais”.171

Neste sentido, são fundamentais a evolução e o fortalecimento do processo

coletivo guarnecido de instrumentos idôneos a prestar satisfatoriamente a tutela dos direitos

transindividuais. Esse ideal de justiça promovido pela tutela jurisdicional que não se limita à

proteção de direitos em dimensão individual vem se concretizando, ainda que sua evolução se

opere a vagarosos passos, por meio de um sistema processual coletivo, conforme

sinteticamente será visto na sequência desta pesquisa.

decisões contraditórias, como ainda deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é

exercido de uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em

juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.48). 170 Sobre o tema, comenta José Marcelo Menezes Vigliar: “O legislador vem demonstrando grande sensibilidade para os

problemas de hoje e vem disciplinando a defesa dos interesses transindividuais, captando na sociedade a disposição e o

sentimento de necessidade inadiáveis para a defesa dos mesmos, já que determinadas práticas, condenáveis do ponto-de-vista

da convivência social, antecedem o trabalho do legislador que, com seu mister, as disciplina, chegando condená-las em grau

máximo, quando tipifica determinadas condutas ilícitas”. (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva.

3.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.21). 171 CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis e federais: uma abordagem crítica. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2009, p.XIX.

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66

2.2 A evolução do processo coletivo no Brasil: breve panorama

Na história mundial do processo coletivo encontramos raízes distantes no

direito romano e no direito medieval172

. Mais recentemente, as ações coletivas tiveram seu

antecedente mais próximo na Inglaterra, no direito italiano173

e nas atuais class actions174

do

sistema norte-americano.

Não cabem, nesta pesquisa, maiores delongas a respeito da história mais antiga

do processo coletivo175

, mesmo porque, conforme pontua Aluisio Gonçalves de Castro

Mendes, “a consolidação do direito processual coletivo, enquanto ramo específico, dotado de

princípios, legislação, doutrina e disciplina pertinente, é fenômeno contemporâneo”176

.

Nos sistemas do common law destacam-se as class actions do direito norte-

americano, fundadas no equity e com antecedentes no Bill of Peace do século XVII, que

evoluíram e atualmente têm um papel fundamental no ordenamento. As normas prescritivas

das class actions se encontram na regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure, revisadas

em 1966177

.

172 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O anteprojeto de Código brasileiro de

processos coletivos: visão geral e pontos sensíveis. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual

coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.16). Em outra obra, o autor

escreveu pesquisa valiosíssima sobre as ações coletivas no direito comparado. (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro.

Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012). 173 Ada Pellegrini Grinover: “Mais pragmático, o Direito Processual brasileiro partiu dos exercícios teóricos da doutrina

italiana dos anos 70, para construir um sistema de tutela jurisdicional dos interesses difusos que fosse imediatamente

operativo”. (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.

10.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.41). 174 Assim ensinam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “No Brasil, as ações coletivas (re)surgiram por influência direta dos

estudos processualistas italianos na década de setenta. Muito embora as ações coletivas não se tenham desenvolvido nos

países europeus, os congressos, os artigos jurídicos e os livros publicados naquela época forneceram elementos teóricos para

a criação das ações coletivas brasileiras e até mesmo para identificação das ações coletivas já operantes entre nós”. (DIDIER

JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm,

2010, p.24-28). Antonio Gidi faz a seguinte ressalva: “Alguns autores, reescrevendo sutilmente a história dos processos

coletivos no Brasil, dizem que as demandas coletivas brasileiras, criadas com a LACP e com o CDC, foram baseadas nas

class actions norte-americanas. Isto não deixa de ser verdade, mas somente de uma forma indireta. [...] A legislação e a

doutrina brasileira foram baseadas inteiramente na doutrina italiana que (esta sim) estudou as class actions norte-americanas.

Nenhuma fonte original foi consultada pelo legislador brasileiro: foi uma pesquisa inteiramente realizada de segunda-mão”.

(GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro:

GZ, 2008, p.30-31). 175 Para uma interessante síntese histórica da “normação brasileira sobre processo coletivo”, ver: MANCUSO, Rodolfo de

Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p.52-60;

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado

nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012. 176 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O anteprojeto de Código brasileiro de processos coletivos: visão geral e pontos

sensíveis. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código

Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.16. 177 Ada Pellegrini Grinover. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos. (Coord.). Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006,

p.26. Valioso estudo sobre a evolução histórica e as class actions no direito contemporâneo e ainda sobre seus institutos e

mecanismos foi realizado por Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações

coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.52-

92).

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67

A despeito dos rumos tomados pelo direito estrangeiro, no Brasil, ainda que

houvesse legislação precedente, como a Ação Popular178

(Lei nº4.717/1965) e a CLT de

1943179

, permitindo a solução dos dissídios coletivos pelo Poder Judiciário, a tutela dos

direitos transindividuais só iniciou um processo evolutivo com a entrada em vigor da Lei da

Ação Civil Pública (Lei nº7.347/1985), seguida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei

nº8.078/1990).

Cumpre registrar que a Ação Popular não era suficiente para assegurar uma

efetiva tutela dos direitos transindividuais. Inicialmente, porque seu objeto era limitado, eis

que restringia-se às matérias concernentes ao patrimônio público e à moralidade

administrativa e, posteriormente, porque os cidadãos, em geral, ficavam em desvantagem

perante os entes públicos réus que possuíam melhores recursos para a defesa em juízo.

Gregório Assagra de Almeida identifica “três grandes movimentos no Brasil do

movimento mundial pela coletivização do processo”180

. Reputa a Lei da Ação Civil Pública

como o primeiro grande marco na história da tutela coletiva no país; já a Constituição Federal

de 1988 julga ser “o mais importante e significativo momento da história da tutela coletiva no

Brasil”; finalmente, considera a edição do CDC, o surgimento de um momento histórico

especial, em razão da criação de um “microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum”,

decorrente da interação entre a parte processual do CDC e a LACP.

É inegável, portanto que a Lei de Ação Civil Pública operou uma revolução

digna de nota no Brasil: disponibilizou regras processuais diferenciadas e idôneas a tutelar os

direitos transindividuais, não disponíveis no CPC – de caráter individualista –, e

insatisfatórias na LAP, em razão da tutela restrita a determinados objetos, ante a diversidade

de direitos de índole coletiva existentes.

Vale destacar algumas importantes alterações no processo civil para disciplinar

a tutela dos direitos transindividuais, operadas pela Lei da Ação Civil Pública: a alteração da

sistemática da legitimação (estabeleceu uma legitimação coletiva ativa pluralista ou

178 A Ação Popular foi prevista inicialmente na Constituição de 1934, suprimida na Constituição de 1937, restabelecida na de

1946 e, finalmente, disciplinada pela atual Lei nº4.717/65, recepcionada pelas Constituições seguintes, inclusive a de 1988.

Cabe ressaltar que as citadas normas, embora tutelassem de alguma forma os direitos transindividuais, eram esparsas e

pontuais, atuando na defesa de direitos de determinadas categorias ou classes. 179 Conforme ensinam Elpidio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira, “Outro marco importante consiste na promulgação

da CLT em 1943, permitindo a solução pelo judiciário de dissídios coletivos entre categorias de empregados e empregadores,

representadas pelos respectivos sindicatos. De modo semelhante, a Lei nº1.134/50 (revogada) estabeleceu a legitimidade de

associações de funcionários públicos para representá-los coletivamente perante autoridades administrativas e judiciais.

Também é digna de nota a Lei nº4.215/63 (revogada), que dispôs sobre a legitimidade da Ordem dos Advogados do Brasil

para representar, em juízo ou fora dele, os interesses gerais da classe dos advogados relacionados com o exercício da

profissão (art.1º, parágrafo único)”. (DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo.

São Paulo: Atlas, 2010, p.3-4). 180 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações coletivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.18-21.

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concorrente), a ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada, criou o inquérito civil e

ainda fixou outras regras para o processo coletivo.

Coroando o sistema de tutela dos direitos coletivos, promulgou-se a nova

Constituição Federal do Brasil em 1988181

, que conferiu ampla proteção aos direitos de

dimensão coletiva, prescrevendo diversas formas de intervenção na tutela dos mesmos,

indicando um claro sinal de mudança de paradigma quanto a assegurar o amplo acesso à

prestação jurisdicional. Importa destacar, além disso, a inserção da proteção jurídica dos

direitos coletivos no capítulo dos direitos e garantias fundamentais (Título II, Capítulo I, da

Constituição Federal de 1988).

Outrossim, o legislador constituinte de 1988 estabeleceu a possibilidade de

representação judicial e extrajudicial para as entidades associativas (art.5°, XXI), estatuiu

princípios para a defesa do consumidor (art.5º, XXXII), ampliou os poderes do Ministério

Público para promover a ação civil pública (art.129, III e V), previu a criação do mandado de

segurança coletivo (art.5º, LXX), atribuiu a legitimidade a diversas entidades para defesa em

juízo de interesses difusos e coletivos (art.5º, XXI, LXX, “a” e “b”, art.8º, III), e recepcionou

a ação popular (art.5°, LXIII). Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “A Constituição

Brasileira de 1988 potencializou ao máximo o papel do Judiciário e do Direito, fundando um

novo paradigma: o do Estado Democrático de Direito”.182

Várias outras leis entraram em vigor após a promulgação da atual Constituição

Federal, que tiveram por escopo, de diferentes formas, tutelar direitos que não sejam

meramente individuais.

É de se ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078, de

11/09/1990)183

aprimorou a proteção dos direitos transindividuais, além de criar um

microssistema de tutela jurisdicional coletiva, introduziu um procedimento especial para os

direitos individuais homogêneos, após discipliná-lo expressamente pela primeira vez.

Outrossim, conforme destaca José Marcelo Menezes Vigliar, o CDC

181 Gregório Assagra de Almeida considera que a “CF/88, rompendo com o sistema da tutela jurídica individualista,

consagrou no Brasil um novo sistema jurídico, que é aberto (§2º do art.5º), dinâmico (art.1º – princípio democrático) e de

tutela jurídica ampla ou irrestrita (art.5º, XXXV, da CF) [...] ainda rompeu com o sistema da taxatividade do objeto material

da ação civil pública ao fixar o princípio da não-taxatividade do seu objeto material (art.129, III, da CF) [...] ainda inseriu a

proteção jurídica dos direitos coletivos dentro da teoria dos direitos fundamentais (Título II, Capítulo I, da CF/88”.

(ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações coletivas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.18-19). 182 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed.Salvador:

Juspodivm, 2010, p.40. 183 “O CDC é uma lei principiológica e inovadora, tanto que, além de tutelar o consumidor, também veio tutelar outros

direitos massificados ao criar um microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum (CDC, art.90 e LACO, art.21) e, se

não fosse isso, ainda estabeleceu a conceituação dos direitos massificados (parágrafo único do art.81 – difusos, coletivos e

individuais homogêneos)”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey,

2007, p.29).

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ampliou sobremaneira as modalidades de interesses transindividuais passíveis de ser

tutelados em juízo, aprimorou questão que envolvia representatividade adequada,

veiculou vocabulário jurídico mais preciso [...], disciplinou com mais rigor os

limites subjetivos da coisa julgada em matéria de interesses transindividuais [...]184

.

Além do Código de Defesa do Consumidor, revelam-se outras leis que

compõem as normas promotoras da tutela dos direitos transindividuais: a Lei nº7.853/1989,

que institui a tutela jurisdicional de interesses das pessoas portadoras de deficiência; a Lei

nº7.913/89, que dispôs sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos

investidores no mercado de valores imobiliários; a Lei nº8.069/90, que prescreve o Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA); a Lei nº8.429/1992, denominada Lei da Improbidade

Administrativa, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos no caso de

enriquecimento ilícito no exercício do poder a ele atribuído na administração pública; a Lei

nº10.257/2001, Estatuto da Cidade, que inclui no objeto da ACP a defesa da ordem

urbanística; e a Lei nº10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso.

Nota-se que a realidade estrutural acima sintetizada revela o surgimento do

microssistema processual coletivo brasileiro formando um sistema interligado de proteção dos

direitos transindividuais. Trata-se de uma clara resposta do legislador em busca da efetividade

do acesso à justiça para a defesa de direitos coletivos. Conforme registrou Teori Albino

Zavascki, “não há como deixar de reconhecer, em nosso sistema processual, a existência de

um subsistema específico, rico e sofisticado, aparelhado para atender os conflitos coletivos,

característico da sociedade moderna”.185

Entretanto, há muito que se buscar em termos de aperfeiçoamento do sistema

com vistas a conferir maior celeridade na prestação jurisdicional e efetividade dos direitos. A

propósito, Sérgio Cruz Arenhart, embora reconhecendo a “longa experiência” do direito

brasileiro em termos de tutela coletiva, justificando o “vasto instrumental” disponível nesse

campo, entende que o resultado para a tutela de interesses metaindivuais e individuais de

massa é ainda muito frustrante. Há diversas dúvidas na jurisprudência, há flagrantes

contrassensos e há incontáveis obstáculos postos à adequada proteção de direitos coletivos e

coletiva de direitos186

.

184 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.117. 185ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT,

2009, p.31. 186 ARENHART, Sérgio Cruz. In: O anteprojeto de Código brasileiro de processos coletivos: visão geral e pontos sensíveis.

In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.216. Corroborando a assertiva, Ada Pellegrini Grinover ressalva que “a

aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação civil pública, ação popular, mandado de segurança

coletivo) tem apontado para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação; assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto

à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), a litispendência (quando é diverso o legitimado ativo), a conexão

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Não se pode negar, ademais, que existe uma fragmentação normativa neste

arsenal legislativo que dificulta a ordenação e a uniformidade ao processo coletivo. Nesta

esteira, considerando a evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial sobre o ramo do

direito processual coletivo, antes sopesando, o objeto, as normas e a principiologia própria e

distinta do direito processual individual, os estudiosos da matéria buscaram a elaboração de

um Código de Processos Coletivos.

Ante esta ideologia, houve um forte movimento pela codificação do Direito

Processual Civil Coletivo entre 2002 e 2008, resultando em dois Códigos-modelos e duas

propostas de anteprojetos, cuja qualidade técnica é notável e declaradamente comprometida

com os ideais de efetivação dos direitos fundamentais e humanos, apresentando

procedimentos idôneos que objetivam proporcionar a efetiva tutela dos direitos

transindividuais. Neste sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.187

indicam que “a beleza

desses diplomas está para além de sua qualidade técnica notável, no compromisso em todos

presente com a melhoria dos instrumentos do direito positivo para a efetivação da tutela

coletiva”.188

Não é pretensão nesta pesquisa apresentar e comentar cada um deles, em razão

do reduzido espaço, mas vale a pena citá-los como fruto de estudos de relevantes juristas189

.

São eles: o Código-Modelo de Processo Civil para Países de Direito Escrito Antonio Gidi

(CM-GIDI)190

, o Código-Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América (CM-IIDP)191

,

(que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões contraditórias), o controle

difuso da constitucionalidade, a possibilidade de se repetir a demanda em face de prova superveniente e a de se intentar ação

em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo passivo da demanda”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um Código

Brasileiro de Processo Coletivos: exposição de motivos. In: (Coord.). LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela coletiva.

São Paulo: Atlas, 2006, p.2). 187 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.61. 188 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.61. 189 O comentário das principais ideias formuladas nos anteprojetos podem ser consultadas em: MENDES, Aluisio Gonçalves

de Castro. O anteprojeto de Código brasileiro de processos coletivos: visão geral e pontos sensíveis. In: (Coords.)

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.16-32; GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das

ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ, 2008; ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual

coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 190 Elaborado em 2002. (GIDI, Antonio. Código de processo civil coletivo. Um modelo para países de direito escrito. Revista

de Processo, 2003, p.111-192). 191 Código modelo de processos coletivos para a ibero-américa elaborado nas jornadas do Instituto ibero-americano de direito

processual, ocorrida em 2004, na Venezuela. A elaboração e o aperfeiçoamento do projeto contou com a participação ativa de

quatro especialistas brasileiros: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio de Castro Mendes, Antonio Gidi e Kazuo Watanabe

(GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um Código Brasileiro de Processo Coletivo: exposição de motivos. In: (Coord.).

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006, p.3; Também publicados no apêndice de

GRINOVER, MENDES e WATANABE (Coords.) Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.426.

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o anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (CBP-IBDP)192 e o Anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos (CBPC-UERJ/UNESA)193

.

Não obstante o relevante trabalho desses juristas, inúmeras foram as críticas

aos anteprojetos e códigos-modelos. Além da resistência política de determinados setores ou

instituições sociais, houve críticas apontando ora falhas estruturais, ora acusando

desconformidade com os parâmetros idealizados pela Constituição Federal de 1988194

, ou

fazendo ressalvas195

. O fato é que o movimento pela codificação arrefeceu desde 2008.

Entretanto, o Ministério da Justiça constituiu uma comissão de juristas para elaborar um

anteprojeto de lei criando uma nova Ação Civil Pública que tramitou, então, na Câmara dos

Deputados sob o nº5.139/2009 com a proposta de promover um sistema único coletivo. O

texto do projeto modifica amplamente o direito processual coletivo brasileiro196

. Trata-se de

fruto dos esforços de vários juristas brasileiros com notório conhecimento na seara processual,

mormente no que se refere ao tema em debate.

192 A Universidade de São Paulo (USP) por intermédio de seus alunos do curso de pós-graduação, sob a coordenação de Ada

Pellegrini Grinover, no intuito de ampliar o debate acerca do processo coletivo e visando a unificação da legislação que hoje

se encontra esparsa desenvolveu o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo. (GRINOVER, Ada Pellegrini.

Rumo a um Código Brasileiro de Processo Coletivos: exposição de Motivos. In: (Coord.) LUCON, Paulo Henrique dos

Santos. Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006, p.3. Também publicados no apêndice de GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.448. 193 Elaborado em conjunto nos programas de pós-graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ) e da Universidade Estácio de Sá (Unesa) sob a coordenação do juiz federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes,

responsável como docente nas disciplinas referidas (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.62). Também publicados no apêndice de

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos

Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.433. 194 Um dos mais brilhantes trabalhos publicados de análise crítica dos anteprojetos foi escrito por Gregório Assagra de

Almeida (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007). Em outra obra, sintetiza: “É positiva a iniciativa dos juristas brasileiros que se dedicam ao tema da criação de um

Código Brasileiro de Processos Coletivos. Entendemos, entretanto, que ainda há sério risco político quanto ao

encaminhamento dessas propostas ao Congresso Nacional, que passa por uma grande crise. As demandas coletivas têm

incomodado grandes interesses nacionais e internacionais no País, além de serem públicos e notórios os inúmeros choques

frontais com o Governo Federal [...]. por outro lado, ainda existem grandes obstáculos na própria jurisprudência dos

Tribunais Superiores e em determinado setor da doutrina. Muitas idéias ainda não estão sedimentadas para a ordenação e

uniformização integralizadas do sistema do Direito Processual Coletivo, nos termos idealizados pelo legislador constituinte

de 1988.[...]Ademais, a reunião, em um mesmo diploma, do que já está consagrado no sistema jurídico brasileiro, com

pequenos avanços técnicos e pontuais, poderá representar, em essência, uma mera consolidação”. (ALMEIDA, Gregório

Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.27-28). O debate em torno desse tema se

estendeu na medida em que outra obra magnífica foi escrita pelo autor de um dos Códigos-modelo, Antonio Gidi, também

analisando de forma comparativa os quatro projetos e dedicando um capítulo exclusivo para contrarrazoar as críticas de

Gregório Assagra de Almeida, inobstante este não fazer referência ao Código-modelo Gidi, e portanto, não direcionar

nenhuma crítica a ele diretamente. Mas considerando pontos em comum, a ele se aplica, merecendo, portanto, impugnação

especificada. (GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil.

Rio de Janeiro: GZ, 2008, p.377-418). 195 A propósito, Nelson Nery, afirma: “A idéia de se codificar, de forma a deixar tudo junto numa legislação única, tem a

vantagem de fazer com que essa temática do processo coletivo tenha a sua própria principiologia regulada de forma

normativa; entretanto, para essa nova empreitada há a necessidade de um grande esforço de toda a sociedade na construção

do texto normativo que consagre a principiologia do processo coletivo, com especial atenção para diretrizes constitucionais.”

(Entrevista concedida à Revista MG Jurídico nº3, 2005, p.23). 196 Explicação da Ementa: Revoga as Leis nº7.347, de 1985 e 11.448, de 2007; e dispositivos das Leis nº7.853, de 1989;

7.913, de 1989; 8.069, de 1990; 8.078, de 1990; 8.884, de 1994; 9.008, de 1995; 9.494, de 1997; 10.257, de 2001; 10.741, de

2003. Oriundo do Anteprojeto do Código Brasileiro de Processo Coletivo. Projeto do 2º Pacto Republicano. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=432485. Acesso em: 16 fev. 2014.

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Um ponto que merece destaque é a busca de estruturação de um sistema único

coletivo, passando esta norma a disciplinar de forma geral a aplicação ampla e integradora das

regras específicas (Lei de Ação Popular, Lei de Improbidade, Lei do Mandado de Segurança).

Além da ampliação dos bens jurídicos tuteláveis mediante Ação Civil Pública, do aumento

dos legitimados ativos e do aperfeiçoamento da execução coletiva, outras inovações dignas de

nota foram inseridas no projeto. Conforme observam Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros

Cerqueira197

, o projeto da Nova Lei de Ação Civil Pública incorporou alguns aspectos

oriundos do movimento de codificação:

a) adoção da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (arts.11 e 12 do CM-

GIDI; art.12, §1º, do CPCO-IBDP; art.19 do CPCO-UERJ/UNESA; art.20 do PL

5.139/2009);

b) criação de um Cadastro Nacional de Processo Coletivos (art.46 do CPCP-IBDP;

art.28 do CPCP-UERJ/UNESA; art.52 do PL 5.139/2009);

c) vedação expressa à discussão isolada de pretensões individuais pelo membro do

grupo no processo coletivo versando sobre direitos individuais homogêneos (art.21,

§3º, do CMI-A; art.30, §6º, do CPCO-IBDP; art.34 do CPCO-UERJ/UNESA; art.7º,

§2º, do PL/5.139/2009).

Por outro lado, absteve-se de incorporar o controle judicial da representação

adequada, a ação coletiva passiva, institutos expressamente previstos nos códigos-modelos e

anteprojetos (art.3.1 e 28 do CM-GIDI; art.2, §2º e 32 do CPCO-IBDP, art.20, I e 38 do

CPCO-IBDP; art.8º, I e 42 do CPCO-UERJ/UNESA, respectivamente).

De toda sorte, notabiliza-se o projeto da nova ação civil pública pelo louvável

objetivo de uniformização do conjunto de regras e princípios disciplinadores do processo

coletivo. Certamente, a sistematização uniforme e ordenada do direito processual coletivo

resulta em enorme evolução para a efetividade da tutela coletiva.

O Projeto de Lei foi rejeitado198

pela Câmara dos Deputados, não obstante o

reconhecido avanço para a tutela jurisdicional dos direitos coletivos. Vale registrar que a

rejeição foi objeto de recurso que, no momento da redação deste texto ainda permanecia em

trâmite na mesa diretora da Câmara dos Deputados.

Antonio Gidi ressalta que “o caminho rumo à codificação processual coletiva

ainda é incerto, mas sem dúvida, inevitável. O Brasil terá o Código de Processo Civil Coletivo

197 DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.34-35. 198 A saga do projeto da nova Ação Civil pública foi bem contada por Voltaire de Lima Moraes no artigo “A Lei da Ação

Civil Pública 25 anos depois (Lei nº7.347/1985) e a derrocada do Projeto de Lei nº5.139/2009 que pretendia revogá-la” e

ainda por Luiz Manoel Gomes Junior, em “Anotações sobre o projeto da nova Lei da Ação Civil Pública: análise histórica e

as suas principais inovações”. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 25 anos. São Paulo: RT, 2010, p.841-

557.

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que merece. Se ele será um modelo de técnica legislativa para os demais países ou uma

demonstração internacional de mediocridade, essa é uma história em construção”.199

O certo é que, ainda que não exista um código de processo civil coletivo

brasileiro, a tutela jurisdicional coletiva serve-se de um microssistema processual coletivo

com feições próprias, objetivos bem identificados (a tutela de direitos transindividuais e

individuais homogêneos de forma coletiva), que se processa por meio de mecanismos

processuais próprios ou adaptados, fundados em princípios e normas próprias.

2.3 A tutela jurisdicional coletiva por microssistema no atual estágio

Os microssistemas processuais são uma realidade no ordenamento jurídico

brasileiro200

, fruto da complexidade crescente das relações civis e da constitucionalização do

Direito Civil que ocorreu em vários países.

No que se refere ao processo coletivo, a despeito da expressiva produção

legislativa já arrolada anteriormente, a par das edições dos anteprojetos e códigos-modelo de

processo coletivo, no Brasil, não houve êxito até o momento a promulgação de um novo

Código de Processo Civil Coletivo.

Menciona-se que, no Brasil, a Lei da Ação Civil Pública (LACP) foi o primeiro

diploma legal a dispor de modo abrangente sobre as ações coletivas. Editada em 1985, a Lei

nº7.347 permitiu a propositura de várias ações destinadas à tutela dos direitos transindividuais

e serviu de fundamento para a edição de leis subsequentes que ampliaram sua abrangência,

conforme relacionadas anteriormente.201

Inobstante, o sistema implantado originalmente pela LACP era o da

taxatividade do objeto, admitindo a tutela de apenas alguns direitos transindividuais, tais

como o meio ambiente e o consumidor. Ainda assim, é considerada atualmente uma lei de

vanguarda. Notabilizou-se por prescrever uma legitimação ativa pluralista ou concorrente para

199 GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.444. 200A propósito Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. comentam que “Estes microssistemas evidenciam e caracterizam o

policentrismo do direito contemporâneo, vários centros de poder e harmonização sistemática: a Constituição (prevalente), o

Código Civil, as leis especiais. Pensar em recodificar significa imaginar uma função residual aos Códigos que não seja

fechada em si mesma, uma função que contribua para a harmonização dos microssistemas com a Constituição, bem como

para preservação dos valores jurídicos comuns na elaboração de novos microssistemas. Esta nova ordem de idéias pode ser

facilmente transportada para o Código de Defesa do Consumidor como atual elemento harmonizador do microssistema da

tutela coletiva”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed.

Salvador: Juspodivm, 2010, p.45-46). 201 Já tivemos a oportunidade de escrever sobre o microssistema processual coletivo. (LAMBLÉM, Gláucia A. da Silva Faria;

MANNA, Raquel de Freitas. O microssistema processual coletivo e o papel do código de defesa do consumidor. In: (Orgs.)

BATISTA, Cláudia Karina Ladeia; ARAÚJO, Doracina Aparecida de Castro. Educação, tecnologia e desenvolvimento

sustentável. Birigui: Boeral, 2019, p.108-117.

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o ajuizamento da ação coletiva, dispor sobre a coletiva e estabelecer outras regras processuais

para o processo coletivo.

Conforme registrado, a nova ordem constitucional, em 1988, inaugurou o mais

significativo momento histórico do processo coletivo no Brasil, rompendo com o sistema

jurídico individualista. Entre outros avanços já consignados, a Constituição Federal de 1988

rompeu o sistema da taxatividade do objeto material da ação civil pública, conforme extrai-se

do art.129, III, ao relacionar as funções do Ministério Público, dentre elas, “promover o

inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Em 1990 foi editada a Lei nº8.078, implantando o Código de Defesa do

Consumidor (CDC), instaurando um novo momento histórico no campo dos direitos

transindividuais e introduzindo um microssistema processual para as ações coletivas202

.

Saliente-se que o CDC foi criado por imposição expressa da Constituição Federal de 1988,

nos termos do art.5º, XXXII, e do art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

(ADCT).

Estabeleceu-se uma interação entre a LACP e o CDC203

na medida em que,

além de alargar o campo de abrangência dos direitos tuteláveis pela ação civil pública (inciso

IV acrescentado ao art.1º da LACP pelo art.110 do CDC), ampliou o rol de ações cabíveis por

meio da LACP (art.21 da LACP c/c art.83 do CDC)204

. Destarte, com base no art.90 do CDC

são aplicáveis às ações fundadas no sistema de proteção consumerista as disposições

processuais da LACP, e pelo art.21 da LACP aplicam-se às ações nela fundamentadas as

disposições processuais que compõem o Título III do CDC, além de outras regras processuais

dispostas neste último diploma. Opera-se, portanto, uma perfeita harmonia e integração entre

202 Gregório Assagra de Almeida segue a ideia de que o direito processual coletivo brasileiro é bipartido em direito

processual coletivo comum e direito processual coletivo especial. O primeiro tem por objeto material a tutela de direito

coletivo subjetivo, ou seja, “a resolução de lides coletivas decorrentes de conflitos coletivos que ocorrem no plano da

concretude, v.g., pela via da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do mandado de injunção

coletivo” [...]. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007). 203 A propósito, Antonio Gidi afirma: “No sistema jurídico brasileiro é impossível comentar a LACP sem comentar o CDC:

trata-se de um sistema único, dividido em tutela de direitos transindividuais (difusos e coletivos) e individuais [...]. Desde a

implementação da LACP e do CDC, o ordenamento brasileiro se aprimorou de forma acelerada, tornando-se o sistema mais

sofisticado de tutela jurisdicional dos direitos de grupo entre os países de tradição romano-germânica. Não somente a nossa

doutrina como o nosso direito positivo são de qualidade sem par”. (GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil

coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ, 2008, p.24-36). 204 Originalmente, a LACP regulava apenas as ações de responsabilidade civil, de obrigação de fazer e de não fazer e

cautelares (art.1º, 3º e 4º). A teor do art.83 do CDC, para a defesa dos direitos transindividuais, “são aplicáveis todas as

espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”, ou seja, cabem ações de conhecimento, cautelares,

executivas e mandamentais.

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75

as duas normas, no que respeita às disposições processuais, para a tutela dos direitos

transindividuais205

.

Ao comentar as “disposições finais” do CDC, Nelson Nery Junior206

reconhece

“uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP” na medida em que se

completam, podendo ser aplicadas indistintamente às ações que objetivam tutelar os direitos

transindividuais. E arremata, afirmando: “esse interagir recíproco de ambos os sistemas (CDC

e LACP) tornou-se possível em razão da adequada e perfeita compatibilidade que existe entre

eles por força do CDC [...]”.

Esse diálogo207

entre a LACP e o CDC estende o tratamento genérico dado aos

direitos transindividuais permitindo a aplicação do Título III do CDC, no que for compatível,

às demais ações de natureza coletiva, como a ação popular, a ação de improbidade

administrativa e o mandado de segurança coletivo. Neste sentido, Rodrigo Mazzei aborda a

aplicação intercambiante dos diplomas legais:

Note-se, por ser uma característica pouco comum, que o microssistema coletivo tem

sua formação marcada pela reunião intercomunicante de vários diplomas,

diferenciando-se da maioria dos microssistemas que, em regra, tem formação

enraizada em apenas uma norma especial, recebendo, por tal situação, razoável

influência de normas gerais [...] a concepção do microssistema jurídico coletivo

deve ser ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do Código de

Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, mas de todos os corpos

legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual o diploma que compõe o

microssistema é apto a nutrir carência regulativa das demais normas, pois, unidas,

formam sistema especialíssimo208

.

Outrossim, não obstante a relevância das duas leis (LACP e CDC) para o

microssistema processual coletivo, somam-se os demais diplomas que, em maior ou menor

escala, tutelam os direitos transindividuais, implantando os seus dispositivos processuais no

que for útil e compatível. Com efeito, a formação do microssistema processual coletivo é

concebida como um fenômeno aberto à acolhida de outras normas aptas a promover a efetiva

tutela dos direitos transindividuais209

.

205 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.1.703. 206 NERY JR., Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 10.ed. v.II.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.221. 207 Cláudia Lima Marques utiliza a expressão “Diálogo das fontes”, criada pelo alemão Erik Jayme em seu curso de Haia

(Identité culturelle et integration) para explicar as influências recíprocas entre diferentes normas e que, portanto, devem ser

aplicadas conjuntamente, de modo complementar e harmônico. (MARQUES, Cláudia Lima e outros. (Orgs.) Comentários

ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2010). 208 MAZZEI, Rodrigo. Ação popular e o microssistema da tutela coletiva. In: (Coords.) DIDIER JR., Fredie; MOUTA, José

Henrique. Tutela jurisdicional coletiva. Salvador: Juspodivm, 2009, p.382-383. 209 Neste sentido, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, em reiterados votos, como relator: “A lei de

improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo,

do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de

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Não se pode negar, portanto, que o processo civil coletivo é regido por um

subsistema nitidamente identificado no contexto jurídico brasileiro, conforme afirma Teori

Albino Zavascki:

Trata-se de subsistema com objetivos próprios (a tutela de direitos coletivos e a

tutela coletiva de direitos), que são alcançados à base de instrumentos próprios

(ações civis públicas, ações civis coletivas, ações de controle concentrado de

constitucionalidade, em suas várias modalidades), fundados em princípios e regras

próprios, o que confere ao processo coletivo uma identidade bem definida no

cenário processual210

.

Feitos esses delineamentos, cabem algumas ressalvas apontadas pela doutrina.

Sem descurar a evolução experimentada pelo processo civil, de um processo individualista

para um processo coletivo, reconhecendo a existência de instrumentos normativos (definindo

procedimentos especiais, princípios e institutos próprios) aptos a tutelar os direitos

transindividuais, é preciso reconhecer, também, as dificuldades de ordem prática.

De fato, após quase três décadas da edição da LACP – cumulada por sucessivas

alterações por leis esparsas, culminando, afinal, com a entrada em vigor do CDC, que nela

imprimiu alterações significativas – coroado pela nova ordem constitucional, impõe-se o

reconhecimento de seus méritos, na medida em que consolidou o microssistema processual

coletivo, embora com reconhecidas falhas e insuficiências. Como bem anota Ada Pellegrini

Grinover, a aplicação das leis processuais têm gerado dúvidas quanto à natureza da

competência, se absoluta ou relativa, sobre a litispendência, quando é diverso o legitimado,

sobre a conexão, a possibilidade de repetir a demanda em face de prova superveniente, e

ainda, quando a coletividade figura no polo passivo211

.

No mesmo sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso212

afirma que o

microssistema processual coletivo brasileiro é formado por uma “engenhosa interação de

tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se”. (STJ. REsp n.

1085218/RS, 1ªT., j.15/10/2009, DJe de 06/11/2009; no mesmo sentido: REsp 904548/PR. 1ªT, j.04/12/2008, DJe

17/12/2008; REsp n. 474475/SP, 1ªT, j. 09/09/2008, DJe 06/08/2008). 210 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.22. 211 A propósito, Ada Pellegrini Grinover, em comentários ao CDC, após reconhecer o mérito do microssistema processual

coletivo brasileiro, apontou algumas falhas que geram reações do poder legislativo, ora do executivo e ora do judiciário, que

de uma forma ou outra acabam no âmbito de aplicação da LACP, mesmo aperfeiçoada pelo CDC: “No campo do governo e

do Poder Legislativo, vale lembrar, por exemplo, medidas provisórias e leis que excluem o objeto da ACP as demandas

tributárias que tentaram limitar os efeitos da sentença ao âmbito territorial do juiz, que restringiram a utilização de ações civis

públicas por parte das associações [...]. E no campo jurisdicional, podemos lembrar as posições contrárias à legitimação das

defensorias públicas, ao controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, à extração de carta de sentença para

execução provisória por parte do beneficiário que não foi parte do processo coletivo, assim como, de um modo geral, a

interpretação rígida das normas do processo, sem a necessária flexibilização da técnica processual”. (GRINOVER, Ada

Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. v.2.10.ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2011, p.34-35). 212 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. São

Paulo: RT, 2008, p.22. Em sentido contrário, Gregório Assagra de Almeida afirma: “A mera reunião em um mesmo diploma

do que já foi consagrado no sistema jurídico brasileiro, com pequenos avanços técnicos e pontuais, não é suficiente para

justificar qualquer proposta de codificação. Ademais, os microssistemas já existentes (Leis nº7.347/85 e 8.078/90 e Leis

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textos auto-remissivos” que se fragmenta e, em certa medida, perde a coesão interna e, por

consequência, gera dificuldades na praxis judiciária:

[...] muitos não compreendem como um regime processual inserido no bojo de uma

lei voltada às relações de consumo (CDC, arts.81-104) possa aplicar-se no âmbito de

uma ação civil pública ambiental; outros se confundem na perquirição do foro

competente, debatendo-se entre o critério do local do dano (art.2º da Lei nº7.347/85)

e a trifurcação deste em local/regional (art.93 da Lei nº8.078/90); para outros, causa

espécie que os interesses individuais homogêneos, sendo concernentes a

particulares, possam ser judicializados pelo Ministério Público (CF, art.127; Lei

nº8.078/90, art.81, parágrafo único, III, c/c art.82, I); enfim, muitos estranham que a

recomposição do erário venha amiúde considerada como um interesse difuso,

embora o produto pecuniário da condenação obtida ao final da ação prevista na Lei

nº8.429/92 não reflua para o Fundo dos Direitos Difusos (Lei nº7.347/85, art.13; Lei

nº9.008/95), mas deva ser recolhido à Fazenda Pública lesada213

.

Neste passo, ainda que seja exitosa a experiência brasileira na seara processual

coletiva, considerando a vasta produção doutrinária e legislativa no segmento, os estudiosos e

operadores do direito entendem que muito ainda pode ser feito para melhorar o sistema,

visando dar mais efetividade ao processo. Há quem milite em prol da elaboração e/ou

aprovação de um Código de Processo Civil Coletivo214

e quem defenda a reunião e a

consolidação das normas hoje existentes e esparsas em textos distintos215

.

2.4 O papel do Código de Processo Civil nas ações coletivas

O Código de Processo Civil brasileiro em vigor desde 1973 é organizado com

fundamento na clássica divisão da tutela jurisdicional em processo de conhecimento, processo

de execução e processo cautelar. Constitui um livro estruturado para cada espécie de processo,

nº8.868/99 e 8.882/99) ainda não foram devidamente assimilados e explorados por parte da doutrina e, especialmente, pela

jurisprudência”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte:

Del Rey, 2007, p.85). 213 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. São

Paulo: RT, 2008, p.22. 214 GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.22; GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. v.2.10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.35. De outro lado, Gregório Assagra de Almeida

apresenta alguns riscos que entende advirem da codificação: “apesar de ser muito positiva a ideia da codificação, não se pode

negar que existem sérios riscos em relação a essa empreitada, tais como os relativos ao engessamento do sistema; mitigação

de conquista com retrocessos indevidos no plano dos avanços já obtidos no sistema pátrio tanto no plano constitucional

quanto infraconstitucional; à adoção de modelos estrangeiros incompatíveis como o sistema brasileiro; à burocratização do

próprio sistema do direito processual coletivo, com a geração de incidentes indesejáveis que venham retardar a tutela

jurisdicional coletiva com prejuízos aos interesses sociais; à vinculação com a concepção liberal individualista do CPC, o que

poderá ocorrer com a elaboração de um código que não rompa com as amarras do referido diploma processual etc.”

(ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2007,

p.83-84). Antonio Gidi contrarrazoa cada uma dos possíveis riscos apontados por Gregório Assagra de Almeida em: GIDI,

Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ,

2008. 215 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2.ed. São

Paulo: RT, 2008, p.60.

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disciplinando os respectivos procedimentos. Este sistema foi estruturado para promover a

tutela jurisdicional, considerando o processo como um método de composição de conflitos,

nos casos de lesão ou de ameaça a direitos subjetivos individuais, mediante demandas

promovidas pelo próprio lesado ou ameaçado.

Observa-se que no atual CPC não há previsão de instrumentos, tampouco

existem procedimentos adequados para a tutela de direitos transindividuais (coletivos ou

difusos) ou ainda para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, exceto mediante a

fórmula clássica do litisconsórcio ativo216

(art.46 CPC).

Deveras, sucessivas modificações no Código de Processo Civil vêm sendo

implementadas, desde sua entrada em vigor, com o mesmo propósito, qual seja, imprimir o

máximo de efetividade na prestação jurisdicional. Algumas destas alterações introduziram

mecanismos novos e outras objetivaram aperfeiçoar ou ampliar os já existentes no Código de

Processo Civil, de tal modo a adequá-lo às exigências da sociedade atual217

.

Foram profundas as modificações no sistema processual civil produzidas por

um conjunto normativo que alteraram o Código de Processo Civil brasileiro. Entretanto, a

ideologia marcadamente individualista do CPC manteve-se inalterada, mormente no que diz

respeito à proteção dos direitos individuais e à solução de litígio de A contra B. Não houve

qualquer inserção de dispositivo que norteasse o procedimento que trata da tutela de direitos

transindividuais ou de tutela coletiva de direitos individuais, conforme disposto na parte

processual do CDC.

O certo é que o CPC, em razão de possuir um sistema processual voltado para a

resolução de conflitos interindividuais, só se aplica no microssistema de tutela jurisdicional 216 Bem ponderam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “O exercício conjunto da ação por pessoas distintas não configura

uma ação coletiva. O cúmulo de diversos sujeitos em um dos pólos da relação processual apenas daria lugar a um

litisconsórcio, figura já antiga na processualística romano-germânica. O litisconsórcio representa apenas, na disciplina

originalmente prevista pelo CPC (arts.46-49), a possibilidade de união de litigantes, ativa ou passivamente, na defesa de seus

direitos subjetivos individuais. [...] A ação coletiva surge, por outro lado, em razão de uma particular relação entre a matéria

litigiosa e a coletividade que necessita da tutela para solver o litígio. Verifica-se, assim, que não é significativa, para esta

classificação, a ‘estrutura subjetiva’ do processo, e, sim, a ‘matéria litigiosa nele discutida’. Por isso mesmo, pelo menos em

termos de direito brasileiro, a peculiaridade mais marcante nas ações coletivas é a de que existe a permissão para que, embora

interessando a uma série de sujeitos distintos, identificáveis ou não, possa ser ajuizada e conduzida por iniciativa de uma

única pessoa.” (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed.

Salvador: Juspodivm, 2010, p.32-33). 217 Reformas estruturais no sistema processual de 1973 começaram em meados da década de 1990, com o aperfeiçoamento

das tutelas de urgência, objeto de alteração do art.273 do CPC, a partir do seu caput; seguido pelas alterações na área recursal

(com destaque ao regime do Agravo); criou-se ação monitória (art.1102-A e ss.); alterações nas obrigações de fazer e de não

fazer e de entrega de coisa, com adoção da tutela específica (com edição dos arts.461 e 461-A no CPC), culminando com

mudanças no instituto da execução (especialmente com a introdução do art.475-A e ss.), na admissibilidade de recursos

repetitivos pelas instâncias superiores (com a criação dos conceitos de repercussão geral e seleção de recursos representativos

da controvérsia, nos termos do art.543-A e ss.) e aproximação das cautelares com as tutelas de antecipação do mérito (com a

introdução do §7° no art.273 do CPC). Outra onda reformatória sucedeu sob o influxo da EC/2004, voltada para a

racionalidade e celeridade da prestação jurisdicional que se ajusta com a garantia fundamental de um prazo razoável para

solução de litígios em juízo (CF, art.5º, LXXVIII). Assim, houve inovações no campo da competência, dos meios de

comunicação processual, da prescrição, da distribuição dos feitos por dependência, da exceção de incompetência, da revelia,

das cartas precatórias e rogatórias, da ação rescisória.

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coletiva (CDC, parte processual, e LACP) de forma subsidiária limitada (art.19 da LACP e

art.90 do CDC) dependendo de compatibilidade formal (inexistência de disposição em sentido

contrário no microssistema processual coletivo) e material (ausência de risco à proteção dos

direitos transindividuais)218

. Assim argumentam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

Por último, é bom lembrar que todos os diplomas que tratam do processo coletivo

prevêem direta ou implicitamente, a aplicação subsidiária do Código de Processo

Civil, por óbvio, naquilo que não contrastar com as disciplinas específicas e não for

incompatível. Como se ressaltou, esta aplicação é mais residual, para os casos em

que não exista prejuízo da tutela coletiva, do que subsidiária, o que representaria a

validade dos dispositivos sempre que as leis especiais não tratassem do tema, quer

dizer: o CPC jamais pode significar um retrocesso na garantia dos direitos

fundamentais coletivos. Ocorrendo lacuna e dispondo o CPC em contradição com os

princípios fundamentais da tutela coletiva, deverá o julgador densificar os princípios

para a efetividade desses direitos, nunca o contrário.219

Revela-se, portanto, que o Código de Processo Civil não é idôneo, por si só,

para disciplinar as ações que têm por objeto tutelar um direito transindividual220

. Seus

princípios e procedimentos não são adequados para a ideologia dos direitos que extrapolam as

lides intersubjetivas. Mesmo porque, conforme mencionado, o direito processual coletivo

possui um objeto definido e distinto do direito processual individual, qual seja, a tutela

jurisdicional dos direitos transindividuais, que conta com institutos e princípios a ele

amoldados.

Como evidenciado, o processo coletivo brasileiro ganhou força e notoriedade

com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/90), que agregado a

leis anteriores, como a Lei da Ação Popular (Lei nº4.717/65) e a Lei da Ação Civil Pública

(Lei nº7.347/85), rompeu com a estrutura clássica do Código de Processo Civil, voltado à

solução de conflitos individuais221

.

218 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey,

2007, p.80; Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira defendem que a aplicação do CPC nas ações coletivas é

meramente residual e não subsidiária em razão da sua concepção liberal individualista. (DONIZETTI, Elpídio;

CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.29). De seu turno, Nelson Nery Jr.

assim descreve a participação do CPC nas ações coletivas: “Não sendo possível suprir a lacuna nos sistemas do CDC e da

LACP, aplicam-se as disposições do Código de Processo Civil, que atua como norma geral subsidiária reguladora dos

aspectos processuais a fim de que seja suprida a lacuna verificada nos sistemas especiais”. In: (GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. v.2. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011). 219 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.60. 220 O texto do novo CPC aprovado pelo Senado e enviado à sanção em 17/12/2014 dispõe sobre a possibilidade de conversão

da ação individual em ação coletiva, quando atendidos determinados pressupostos de relevância social e de dificuldade de

formação de litisconsórcio Esta decisão cabe ao juiz da causa e a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria

Pública, conforme art.331. Vale ressaltar que esta possibilidade é prevista apenas para direitos difusos ou coletivos. 221 Sobre o tema: “A tradicional visão individualista do processo se tornou insuficiente e deficitária, forçando o

estabelecimento de novas regras para a tutela dos direitos coletivos e das situações em que os direitos seriam mais bem

atendidos se compreendidos como coletivos para fins de tutela, caso específico dos direitos individuais homogêneos”.

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Saliente-se, por oportuno, que as ações coletivas vêm ao encontro da nova

ideologia do direito processual, eis que tratam em um único processo do interesse de grande

número de pessoas, privilegiando o princípio da economia processual. Em virtude dessa

evolução, a gama de institutos (competência, conexão, continência, litispendência, liquidação

e execução de sentença, dentre outros) aplicáveis ao processo coletivo difere substancialmente

daqueles próprios do processo individual222

.

Neste compasso, importa ressaltar que o CPC não é completamente descartado

nas ações coletivas223

. É incontroverso que sua aplicação nas ações coletivas deva ser

reduzida ao máximo, entretanto, na presença de lacunas e, desde que não haja risco à

efetividade da tutela dos direitos transindividuais, recorre-se aos seus dispositivos224

. Leciona

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes que embora a tutela coletiva tenha sido elevada ao

patamar constitucional, enquanto garantia continua sendo um instituto regulado

principalmente pelo direito processual e, por isso, deve ser analisado e estudado à luz da

técnica, dos métodos e das figuras pertinentes a esse ramo processual225

.

Como exemplo, citamos a Ação Civil Pública. Trata-se de um procedimento

especial instituído pela Lei nº7.347/1985 para promover a tutela de direitos transindividuais.

Essa lei é composta de mecanismos destinados a disciplinar ações preventivas, reparatórias e

cautelares para a tutela dos direitos transindividuais nela relacionados exemplificativamente

em seu art.1º. A despeito da larga aptidão instrumental para a promoção da tutela daqueles

direitos, seja preventiva ou reparatória, ainda assim dispõe seu art.19 sobre a aplicação

“subsidiária” do Código de Processo Civil. O regime de antecipação da tutela disposto no

art.273 e o da tutela específica de obrigação de entregar coisa do art.461-A, ambos do Código

de Processo Civil, são hipóteses de aplicação subsidiária de preceitos do CPC à Ação Civil

Pública226

.

(DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.48). 222 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2., 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.35. 223 Neste sentido, Cassio Scarpinella Bueno afirma: “A constatação da diferença da qualidade do direito material e sua

necessária variação no plano processual, contudo, não deve conduzir o intérprete ao abandono das categorias do direito

processual civil “clássico” ou “tradicional”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil

– direito processual público e direito processual coletivo. v.2. t.III. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.183. 224 Sobre o tema, assevera José Marcelo Menezes Vigliar: “Ainda que o processo civil tradicional (o processo civil do Código

de Processo Civil), com sua sistemática de solução de conflitos, não seja suficiente para harmonizar a defesa dos interesses

transindividuais, há a possibilidade de utilização de determinados conceitos próprios do processo civil tradicional, na defesa

dos interesses transindividuais”. (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. 3.ed. São Paulo: Atlas,

2001, p.58). 225 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.210. 226 ZAVASCKY, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.57.

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Seguindo a mesma linha, as demais espécies de instrumentos de tutela dos

direitos transindividuais (mandado de segurança coletivo e ação popular) buscam subsídios no

Código de Processo Civil, notadamente no que se refere à execução (cumprimento) de

sentença, conforme será visto em capítulo próprio.

2.5 Fundamentos das ações coletivas

São três os fundamentos gerais das ações coletivas227

: o acesso à justiça228

(considerado pela doutrina como uma justificativa de ordem sociológica e política), a

economia processual e a efetivação do direito material (justificativa de ordem política

judiciária)229

. Referidos fundamentos dizem respeito a todas as ações coletivas, seja para

veicular tanto a tutela de direitos individuais homogêneos quanto de direitos transindividuais.

É indiscutível que ante uma sociedade de massa na qual emergem

cotidianamente os conflitos de dimensão coletiva, surge a necessidade de se criarem

mecanismos adequados a sua resolução. Justifica-se, portanto, o exercício da ação coletiva

como um instrumento essencial para a proteção dos direitos de natureza coletiva ou cuja

natureza permite a tutela coletiva. Observa-se que estes fundamentos se desdobram em outros

escopos, ora de natureza sociológica, ora de natureza política judiciária e que tanto justificam

as ações coletivas para tutela de direitos transindividuais, como mais especificamente a tutela

de direitos individuais homogêneos.

Segundo Marcio Mafra Leal, a doutrina em geral inclina-se a considerar a ação

coletiva como um instrumento de “acesso à justiça”. Assim, relaciona os argumentos

justificadores da ação coletiva como mecanismo de solução de conflitos coletivos: 1) a

necessidade de prover meios de apreciação judicial a direitos materiais cuja titularidade é

atribuída a uma massa indeterminada de pessoas sem representação formal; 2) falta de

227 Antonio Gidi relaciona outros fundamentos das ações coletivas, que considera secundários em relação aos elencados

anteriormente: “a eliminação do risco de decisões contraditórias, que prejudiquem terceiros ou que, condenem a parte

contrária a realizar obrigações conflitantes”. (GIDI, Antonio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos

direitos: ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p.25). 228 Sobre o tema Gregório Assagra de Almeida discorre sobre os obstáculos jurisdicionais de “acesso à justiça” em:

ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo:

Saraiva, 2003, p.60-104. 229 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. apontam a título de motivações políticas, a redução dos custos materiais e

econômicos na prestação jurisdicional, a uniformização dos julgamentos, a abstenção de decisões contraditórias, e o

consequente fortalecimento da credibilidade dos órgãos jurisdicionais, maior segurança jurídica. Já as motivações

sociológicas apontam a necessidade do controle da litigiosidade de massa instigada em razão da crescente industrialização,

urbanização e globalização da sociedade contemporânea. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.33); Antonio Gidi afirma que além da economia

processual, o acesso à justiça, as class actions visam promover a “aplicação voluntária e autoritativa do direito material”.

(GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: ações coletivas em uma perspectiva

comparada. São Paulo: RT, 2007, p.25).

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proteção a determinados direitos ante a massificação social, cujas causas são a

hipossuficiência cultural, a pouca recompensa ante os custos psicológicos e financeiros do

processo, a hipossuficiência econômica e a hipossuficiência técnica. Além desses argumentos

de natureza sociológica, justifica as ações coletivas, a promoção de economia processual, na

medida em que evitam a proliferação de litígios individuais (fundamento de política

judiciária)230

.

Em valioso estudo sobre as ações coletivas no direito comparado e nacional,

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes discorre sobre “o papel das ações coletivas no contexto

sociojurídico do mundo contemporâneo”. Segundo o autor, as ações coletivas promovem o

acesso à justiça; é uma medida de economia judicial e processual; evitam decisões

contraditórias proferidas em processos individuais e ações coletivas, o que eleva o princípio

da igualdade diante da lei e proporciona segurança jurídica; são instrumentos para o equilíbrio

das partes no processo e, por fim, servem como instrumento para o cumprimento do direito

material231

.

Neste mesmo sentido, Sérgio Cruz Arenhart232

, estudando especificamente

sobre a tutela coletiva de interesses individuais, alinhavou os escopos da tutela coletiva desses

direitos: a facilitação de acesso ao Poder Judiciário, na medida em que viabiliza o ajuizamento

de ações de pequena expressão econômica (se ajuizadas individualmente) ante os custos do

processo; a dificuldade de comprovar lesões quando observadas singularmente e que se torna

mais fácil se olhadas em conjunto; e ainda o tratamento uniforme de situações que podem se

enquadrar na mesma hipótese normativa, permitindo a uniformização do entendimento

judicial sobre determinado litígio o que, por consequência, prestigia o princípio da isonomia.

E por fim, as ações coletivas têm a função de racionalizar a distribuição da prestação

jurisdicional, evitando gastos de recursos judiciários para tratar de questões já resolvidas, o

desperdício do tempo da prestação de serviços públicos e o excesso de demandas no Poder

Judiciário.

A perspectiva de promoção e aperfeiçoamento do acesso à justiça são temas de

discussões doutrinárias, de alterações legislativas e de reformas do Poder Judiciário.

Conforme mencionado no capítulo anterior, o fenômeno da massificação das relações sociais

se expande de forma considerável, fruto do crescimento da produção, do consumo, dos meios

230 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p.17-

19. 231 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.31-46. 232 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.124-126.

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de comunicação, da abertura de capital das pessoas jurídicas, dos trabalhadores, acionistas e

dos consequentes danos ambientais.

Com efeito, as lesões a direitos materiais que atingem coletividades, grupos ou

um indeterminado número de indivíduos, seja na qualidade de consumidores, crianças, idosos,

trabalhadores, moradores associados etc., decorrentes de circunstâncias de fato ou de relações

jurídicas comuns, podem fazer valer seus direitos de modo coletivo e a solução destes

conflitos deve ser efetiva e não apenas formal233

.

A efetivação do direito material por meio do Poder Judiciário depende de

mecanismos processuais adequados. Na medida em que o ordenamento reconhece a existência

de direitos materiais, deve também prever instrumento idôneos para sua tutela234

. Nessa

medida, “o processo e seus institutos devem ser moldados à luz das necessidades sociais, que

fazem surgir novas relações sociais”235

.

A percepção do surgimento da sociedade de massa e dos fenômenos dela

decorrentes (as relações sociais e os interesses coletivos envolvidos) propiciou alterações

substanciais na Constituição brasileira. Digno de nota foi a retirada do termo “individual” do

dispositivo que garante a inafastabilidade da jurisdição (art.5º, XXXV), em decorrência do

reconhecimento dos novos direitos. Também esse reconhecimento pelo legislador constituinte

repercutiu na criação de instrumentos processuais (mandado de injunção, mandado de

segurança coletivo, habeas data). Destarte, o surgimento das ações coletivas possibilitou a

efetivação do direito material, juntamente com todas as técnicas e institutos nelas utilizadas.

Neste contexto, o princípio da inafastabilidade da jurisdição inserido no

capítulo dos direitos fundamentais da Constituição brasileira não se subsume apenas à singela

concepção de acesso à justiça236

, como se esta se reduzisse na tão somente garantia de

sentença de mérito237

. Corrobora este entendimento, Kazuo Watanabe:

233 Consoante explica Márcio Flávio Mafra Leal, “os novos direitos materiais aludidos são os chamados direitos difusos, que

não são, na maior parte das vezes, postuláveis a título individual. Daí a necessidade da estrutura representativa da ação

coletiva que possibilite ao Estado apreciar e julgar os direitos de indivíduos enquanto integrantes de um segmento social,

sistematicamente lesado por estruturas opressoras e flagrantemente injustas, de difícil combate com os instrumentos

tradicionais do processo civil (v.g. práticas racistas, práticas empresariais tradicionais que degradam o ambiente, ou que

violam direitos de consumidores, proliferação de publicidades e estruturas de marketing enganosas)”. (LEAL, Márcio Flávio

Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p.33). 234 Conforme José Roberto dos Santos Bedaque, a “tutela efetiva dos interesses coletivos, próprios de uma sociedade de

massa, exige a renovação do modelo clássico de processo, inadequado e insuficiente para resolver as novas questões que

certamente irão surgir”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o

processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.55). 235 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São

Paulo: Malheiros, 2006, p.54. 236 Consultar: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. 237 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p.140.

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A nós sempre pareceu que o princípio constitucional da inafastabilidade do controle

jurisdicional, hoje inscrito no inc.XXXV do art.5º da Constituição Federal, não

somente possibilita o acesso aos órgãos judiciários como também assegura a

garantia efetiva contra qualquer forma de denegação da justiça. E isso significa, a

toda evidência, a promessa de preordenação dos instrumentos processuais adequados

à concretização dessa garantia. E essa promessa, evidentemente, é abrangente

também dos tipos de provimentos, e não apenas das espécies de procedimentos238

.

Sob esta ótica, não basta assegurar o direito ao exercício de ação sem

disponibilizar meios eficientes aos jurisdicionados para que a prestação jurisdicional seja

efetiva e leve a resultados equivalentes àqueles obtidos se a norma fosse observada

espontaneamente239

.

O Estado, ao proibir a autotutela, avocou para si o monopólio da solução dos

conflitos intersubjetivos, cuja origem encontra-se na transgressão do ordenamento jurídico por

ele mesmo traçado, consubstanciado nos enunciados, ora de direito material, ora de direito

processual (tutela dos direitos).

Surge, portanto, para o particular, o direito de ação, outorgando a este o direito

fundamental a uma tutela jurisdicional (efetiva), considerada como o contraponto da proibição

da justiça privada, o que confere aos cidadãos um direito de proteção (tutela) a todos os seus

direitos, com ênfase aos de índole coletiva, em razão do relevante interesse público que os

envolvem (vg. o meio ambiente, a saúde pública, a moralidade administrativa, o patrimônio

público, o consumidor, etc.).

A ação coletiva permite, ainda, uma efetiva paridade entre as partes,

assegurando o acesso à justiça240

. Na maioria dos litígios que envolvem lesões a direitos

coletivos, não há igualdade substancial entre as partes. É fato comum verificar, na prática, que

as lesões são cometidas por litigantes poderosos e experientes nas mazelas processuais. Neste

cenário, o litigante individual é, na maioria das vezes, eventual, ao passo que a parte adversa,

detentora de poder político ou econômico se compõe de litigantes habituais241

.

238 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed.

v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.109. 239 Sobre o tema da efetividade da tutela jurisdicional escrevi: LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria. A efetividade

da tutela jurisdicional coletiva face aos direitos humanos. In: (Orgs.) PRADO, Alessandro Martins e outros. Direitos

humanos, novos olhares. Curitiba: CRV, 2012, p.93-104; Sincretismo processual sob a ótica da efetividade da prestação

jurisdicional: principais aspectos polêmicos do cumprimento de sentença que impõe obrigação de pagar. Dissertação de

mestrado. Araçatuba (São Paulo): Centro Universitário Toledo, 2010. 240 De acordo com Antonio Gidi, o “equilíbrio da situação se altera, porém, quando centenas ou milhares de pessoas em uma

mesma situação podem se reunir com o objetivo de solucionar toda a controvérsia coletiva através de um único processo e de

uma única sentença, que vincule definitivamente todos os interessados. A ação coletiva coloca, portanto, ambas as partes (o

grupo lesado e o réu) em uma posição de igualdade”. (GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva

dos direitos: ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p.29). 241 Carlos Alberto de Salles ensina que “o movimento para o reconhecimento e superação das limitações de acesso aos

sistemas judiciais aponta para o fato de alguns grupos ou categorias de pessoas na sociedade encontrarem a porta da justiça

fechada ou difícil de se abrir para elas. O surgimento dessa importante corrente do direito processual contemporâneo nasce

exatamente do reconhecimento de que a visão clássica do processo não retrata adequadamente a realidade, onde, a despeito

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São exemplos que ilustram a assertiva, os conflitos que envolvem relações de

consumo, especialmente quando o consumidor demanda com empresas de grande porte a fim

de buscar tutela jurisdicional em razão de um direito violado. Bem observa Aluisio Gonçalves

de Castro Mendes, que “de pouco ou nenhuma valia passam a ser as normas de direito

material, que estabelecem direitos para os lesados, se a referida proteção não encontra,

também, amparo efetivo nos meios processuais disponíveis”242

.

Em que pese o princípio da hipossuficiência previsto no Código de Defesa do

Consumidor, no plano fático brasileiro ocorrem situações que colocam o autor numa evidente

posição de vulnerabilidade face ao réu, detentor do poder econômico.

Ressalte-se, outrossim, o fato de que a ação coletiva dá a oportunidade de

tutela dos direitos de pessoas hipossuficientes que os desconhecem e nem ao menos sabem

que foram violados, como é o caso de crianças, deficientes ou de indivíduos sem nenhuma

formação escolar, iniciativa ou organização necessária para acionar o Poder Judiciário243

.

Nesse aspecto, a ação coletiva é um instrumento que reduz ou atenua a

desigualdade substancial entre as partes, sobretudo quando o litígio envolve os poderes

político e econômico. As demandas promovidas coletivamente representam a função social do

processo, na medida em que permitem uma maior socialização do acesso à ordem jurídica

justa.

Outro fator que conduz ao efetivo acesso à justiça diz respeito às lesões cujo

conteúdo patrimonial é considerado insignificante do ponto de vista individual. Os titulares

desses direitos (de pequeno valor, ou danos de “bagatela”), quando lesados, não se sentem

suficientemente motivados a ajuizar uma ação individual para pleitear o ressarcimento, haja

vista que eventual proveito econômico pode se exaurir face ao custo do processo244

.

Imagine o caso dos consumidores de determinado produto embalado em

recipiente menor do que informado na embalagem. Computada a lesão individual, os

resultados remontarão em cifras irrisórias; contudo, se grande parte dos consumidores

da igualdade formal, deixava de fora do sistema um grande contingente de pessoas e interesses”. (SALLES, Carlos Alberto

de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.45). 242 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.34. 243 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: ações coletivas em uma perspectiva

comparada. São Paulo: RT, 2007, p.31. 244 Neste sentido, afirma Arruda Alvim: “Sem tais ações coletivas, certamente, tais bens não seriam defendidos, à luz do que

reclama a consciência social contemporânea. Muito improvavelmente, alguém – mesmo um cidadão consciente e zeloso –

virá defender o meio ambiente, ou então irá pugnar pela preservação de bens de valor artístico ou estético, sem se

considerarem as imensas complicações, ou, inviabilidade mesma, da legitimidade de um só indivíduo para essa finalidade.

Da mesma forma, o consumidor isolado, normalmente, não arcaria com os incômodos, custos e tempo de um processo, para

se defender de uma compra feita”. (ALVIM, Arruda. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil

contemporâneo – sua evolução ao lado do direito material. In: (Orgs.) JAYME, Fernando Gonzaga e outros. Processo civil –

novas tendências: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p.76).

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prejudicados somarem seus prejuízos, estes alcançarão valores expressivos o que incentiva a

promoção da ação coletiva para buscar o ressarcimento de todos e inibir a prática do ilícito,

além de causar um estimável impacto social.

Assim, os direitos de pequeno reflexo individual poderão não encontrar

motivação na tutela individual, ao passo que poderão fazer das ações coletivas um eficaz

instrumento de proteção e de concretização, caso disponham de um sistema processual

coletivo adequado. Corrobora esta ideia a afirmação de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes,

ao afirmar que “as ações coletivas, se bem estruturadas, podem ser, portanto, um efetivo

instrumento para o aperfeiçoamento do acesso à justiça, eliminando os entraves relacionados

com os custos processuais e o desequilíbrio entre as partes”245

.

A economia processual promovida pela ação coletiva reflete-se na redução do

tempo, na medida em que permite julgar em um único processo um litígio complexo,

envolvendo um grande número de pessoas. Tal fenômeno representa uma verdadeira

economia para o Poder Judiciário evitando o julgamento de processos repetitivos e a

economia de tempo de dinheiro para as partes246

.

Vale acrescentar as mazelas das inúmeras ações individuais que tramitam

perante diferentes e diversos órgãos judiciais, espalhados por todo território nacional, cujas

conclusões e teor das decisões são variados e até antagônicos, ainda que as situações fáticas

sejam absolutamente idênticas sob o ponto de vista material. Sobre este aspecto, as ações

coletivas têm o condão de eliminar as desigualdades perante a lei, de evitar a ameaça ao

princípio da isonomia e de reduzir a possibilidade de soluções contraditórias na medida em

que concentram a resolução dos conflitos no processo coletivo247

.

Assim, as ações coletivas consideradas como mecanismo idôneo para dirimir

conflitos de dimensão coletiva provenientes da sociedade de massa, garantem o acesso à

justiça na medida em que promovem a tutela dos direitos de natureza coletiva, com visível

245 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.35. 246 Como bem disse Antonio Gidi: “O simples fato de substituir milhares ou milhões de ações individuais por apenas uma

grande ação coletiva, por mais complexa que seja, já justificaria a economia processual atingida pela class action. [...] Para

analisar o grau de economia alcançada com o processo coletivo, é preciso comparar, em abstrato, o tempo, a despesa e o

esforço necessários para julgar uma ação coletiva com os necessários para julgar cada um dos correspondentes procedimentos

individuais emergentes da mesma controvérsia”. (GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos

direitos: ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p.27). 247 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes entende que as ações coletivas funcionam, ainda, como instrumento para o equilíbrio

das partes no processo: “Embora haja formalmente a igualdade das partes no processo, no plano material e prático acabam os

litigantes, por vezes, dispondo de gritante diferença se comparados os meios disponíveis para o embate judicial. [...] A

possibilidade de os interesses e direitos lesados serem defendidos concomitantemente faz com que a correlação de forças

entre os litigantes seja redimensionada em benefício da parte individualmente fraca, mas razoavelmente forte quando

agrupada, levando por terra, assim, a política maquiavélica da divisão para reinar”. (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro.

Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012,

p.40).

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redução de tempo, economia de dinheiro e impedem julgamentos repetitivos ou antagônicos.

Verifica-se que as causas alegadas como hipossuficiência financeira, cultural e técnica

permeiam tanto os conflitos envolvendo os direitos transindividuais quanto os direitos

individuais homogêneos. Portanto, o fundamento sociológico de que as ações coletivas

promovem o acesso à justiça diz respeito aos direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos.

Colocados os fundamentos das ações coletivas, vale observar que nem sempre

o acesso à justiça, a economia processual e a efetivação do direito material serão

proporcionadas na mesma intensidade e simultaneamente, como observam Elpídio Donizetti e

Marcelo Malheiros Cerqueira248

.

Ressalte-se, ademais, que a economia processual garantida pelas ações

coletivas é mais fortemente sentida quando elas tutelam os direitos individuais homogêneos.

Apesar de referidos direitos poderem ser tutelados pela ação individual, traria imenso

dispêndio de gastos, energia e sobrecarregaria o Poder Judiciário que deveria conhecer e

julgar inúmeras ações semelhantes.

Ações coletivas podem, entretanto, proporcionar todos esses objetivos, ao

menos potencialmente, “havendo substancial sobreposição entre eles”249

, como é o caso da

flagrante economia processual operada na tutela de direitos individuais homogêneos.

Entretanto, na maioria das vezes, as ações coletivas são instrumento de economia processual,

realizam a efetivação do direito material e, por consequência, promovem o acesso à justiça.

2.6 Princípios processuais da tutela coletiva

Princípios são fontes, fundamentos ou bases para qualquer ramo da ciência,

inclusive do Direito e, portanto, influem na sua formação, interpretação e aplicação. Neste

sentido, Wambier, Almeida e Talamini lecionam que princípios “são normas que fornecem

coerência e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-o. São os princípios que

fazem com que exista um sistema. Os princípios também são normas jurídicas”250

.

Gregório Assagra de Almeida, ao analisar os princípios sob a ótica da teoria

geral do direito e do direito constitucional, constatou:

248 DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.6. 249 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: ações coletivas em uma perspectiva

comparada. São Paulo: RT, 2007, p.37. 250 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo

civil. 9.ed. v.1. São Paulo: RT, 2006, p.68.

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a) modernamente, os princípios jurídicos devem ser analisados e refletidos não mais

somente no plano da abstração, mas também em consonância com a realidade social,

na qual devem estar legitimados; b) o sistema constitucional brasileiro é aberto e

dinâmico por força do princípio democrático, que o inspira e dá fundamento ao

direito processual coletivo como um novo ramo do direito processual; c) existem

princípios expressos e implícitos no ordenamento jurídico, portanto cabe ao

intérprete e ao aplicador do direito, com base principalmente no princípio

democrático, extrair do texto constitucional e dos infraconstitucionais essas

diretrizes principiológicas, que podem ser concebidas como regras de efetivação do

direito ou como normas interpretativas251

.

Os princípios permeiam todo o ordenamento jurídico de forma expressa ou

implícita, cabendo ao intérprete e ao aplicador do direito extrair do texto constitucional e dos

infraconstitucionais as diretrizes para interpretar ou efetivar o direito. No direito processual,

princípio tem a função de orientar a atividade jurisdicional252

.

A Constituição, como regra maior, dispõe de princípios que orientam a

elaboração legislativa, a interpretação e a aplicação do direito, sob o prisma material ou

processual. Seus princípios eminentemente processuais são norteadores da relação jurídica

processual253

, cujo propósito principal é o de garantir o regular desenvolvimento do processo,

na medida em que protege os direitos das partes e proporciona a tutela efetiva.

A propósito dos princípios processuais constitucionais, Ada Pellegrini

Grinover explica que existem princípios comuns a todos os ramos do processo, que

fundamentam a teoria geral do processo. Há, entretanto, princípios que têm aplicação diversa

na seara civil e na penal, levando-os a assumir feições diversas nos dois ramos da ciência

processual. No ramo do direito não penal, existe o processo trabalhista e o processo civil, este,

por sua vez, decompõe-se em processo individual e coletivo. Dentro desta classificação, os

princípios dentro do processo civil “assumem feição diversa no processo individual”254

.

Dentre os princípios processuais explicitados na Constituição, a doutrina

majoritária entende que no devido processo legal está o gênesis dos demais princípios

atinentes ao processo, surgido na Inglaterra e desenvolvido no direito norte-americano,

considerado o princípio mater do ordenamento jurídico. Na Constituição brasileira está

251 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p.570. 252 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p.566. 253 “No direito processual, princípio seria a diretriz que orienta, de uma forma ou de outra, a atividade jurisdicional”.

(ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo:

Saraiva, 2003, p.566). 254GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.26.

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inserido no art.5º, LIV: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”. Sobre o tema, leciona Humberto Theodoro Jr.255

:

Nesse âmbito de comprometimento com o “justo”, com a “correção”, com a

“efetividade” e a “presteza” da prestação jurisdicional, o due process of law realiza,

entre outras, a função de um superprincípio, coordenando e delimitando todos os

demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento. Inspira e

torna realizável a proporcionalidade e razoabilidade que deve prevalecer na vigência

e harmonização de todos os princípios do direito processual de nosso tempo.

Defendendo uma posição mais radical, Nelson Nery Jr.256

entende que a

adoção do princípio do devido processo legal, no texto constitucional, é suficiente para

ensejar a garantia de um processo justo, pois dele decorreriam todos os demais princípios:

Bastaria a Constituição Federal de 1988 ter enunciado o princípio do devido

processo legal, e o caput e a maioria dos incisos do art.5º seria absolutamente

despicienda. De todo modo, a explicação das garantias fundamentais derivadas do

devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art.5º, CF, é uma

forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração

pública, o legislativo e o judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores

indagações.

Outro aspecto fundamental sobre o “devido processo legal” é o de ressaltar que

se trata de uma garantia do cidadão. Na lição de Rui Portanova, este superprincípio é uma

garantia do cidadão “constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de

acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento do processo, conforme previamente

estabelecido em leis”257

.

Ainda nesta concepção de garantia, Cintra, Grinover e Dinamarco afirmam que

o princípio do devido processo legal compreende um “conjunto de garantias constitucionais

que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e,

de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição”258

. Partindo desse pressuposto,

José Rogério Cruz e Tucci entende que:

Não basta, pois, que se tenha direito ao processo, delineando-se inafastável, também,

a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de

todas as garantias asseguradas ao usuário da justiça, num breve prazo de tempo, para

o atingimento do escopo que lhe é destinado259

.

255 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v.I.48.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.30. 256 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1992, p.37. 257 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.145. 258 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do

Processo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.88. 259 TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: RT, 1993,

p.106.

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Destarte, o princípio do devido processo legal não se esgota em si mesmo, pois

exige a efetividade da jurisdição e uma resposta que dê segurança jurídica, o que se traduz em

direito a um processo justo. Portanto, deste superprincípio derivam-se outros, como, por

exemplo, os princípios da inafastabilidade do controle judicial ou direito de ação, do direito

ao contraditório e à ampla defesa, da igualdade das partes ou da isonomia, do juiz natural,

todos de natureza constitucional e com idêntica aplicabilidade no direito processual coletivo

comum260

.

Com efeito, ressalte-se que embora as normas e institutos dispostos no

microssistema processual coletivo sejam substancialmente distintos daqueles próprios do

direito processual individual, os princípios processuais constitucionais são aplicáveis no

processo coletivo, ainda que adaptados às suas particularidades para atender aos interesses

coletivos conferindo-lhes mais efetividade e acesso à justiça261

.

Vale esclarecer, ademais, que não constitui objetivo precípuo da presente

pesquisa abordar, classificar e discorrer sobre todos os princípios extraídos implícita ou

explicitamente do processo coletivo, seja pelos anteprojetos, seja pelos estudos doutrinários já

publicados262

, mas tão somente consignar aqueles considerados os mais basilares do direito

processual coletivo, que possuem pertinência com o presente estudo, portanto, sem a

pretensão de esgotar o tema.

Reputa-se de cunho meritório constar o rol dos princípios elencados no texto do

Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos do IBDP, haja vista ser o único dos

anteprojetos que os inseriu de forma expressa, conforme dispõe seu art.2º:

260 Neste sentido: RODRIGUES, Marcelo Abelha. O devido processo legal e a execução civil. In: SANTOS, Ernani Fidélis e

outros (Coords.). Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007,

p.112. 261Ada Pellegrini Grinover afirma: “A análise dos princípios gerais do direito processual, aplicados aos processos coletivos,

demonstrou a feição própria e diversa que eles assumem, autorizando a afirmação de que o processo coletivo adapta os

princípios gerais às suas particularidades”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor

comentado pelos autores do anteprojeto. v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.33). 262 São dignos de nota alguns estudos realizados na área processual coletiva, em que os juristas enumeram alguns princípios

do processo coletivo. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual coletivo. In: (Coord.). LUCON, Paulo Henrique dos

Santos. Tutela coletiva: 20 anos da Lei de Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. 15 anos do Código

de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2006, p.303-306). Em outro estudo valioso (ALMEIDA, Gregório Assagra de.

Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.570-579), o autor

discorre sobre a noção “princípio”, adentrando no campo da teoria geral do direito, no direito constitucional, afunilando para

o direito processual para enfim, elencar os princípios, segundo seu entendimento, do processo coletivo comum. Vale anotar,

também, as lições em DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo:

Atlas, 2010, p.82-99. Os autores explicam os princípios elencados no anteprojeto Código Brasileiro de Processos Coletivos

do IBDP, segundo disposto no art.2º e no PL nº5.139/2009, considerados aqueles mais “relevantes”, dividindo-os em

princípios processuais gerais aplicados à tutela coletiva e em princípios processuais peculiares da tutela coletiva. Importa,

ainda, citar como referência o estudo efetuado pelos autores DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. v.4.5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.110-132. Os autores consideraram os princípios a

partir do “devido processo legal coletivo”, defendendo a necessidade da construção de um regime diferenciado, adaptado aos

novos litígios e extraindo os princípios de aspectos procedimentais diferenciados, com base nas class actions americanas.

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São os princípios da tutela jurisdicional coletiva a) acesso à justiça e à ordem

jurídica justa; b) universalidade da jurisdição; c) participação pelo processo e no

processo; d) tutela coletiva adequada; e) boa-fé e cooperação das partes e de seus

procuradores; f) cooperação dos órgãos públicos na produção da prova; g) economia

processual; h) instrumentalidade das formas; i) ativismo judicial; j) flexibilização da

técnica processual; k) dinâmica do ônus da prova; l) representatividade adequada;

m) intervenção do Ministério Público em casos de relevante interesse social; n) não

taxatividade da ação coletiva; o) ampla divulgação da demanda e dos atos

processuais; p) indisponibilidade temperada da ação coletiva; q) continuidade da

ação coletiva; r) obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença; s)

extensão subjetiva da coisa julgada, coisa julgada secundum eventum litis e

secundum probationem; t) reparação dos danos materiais e morais; u) aplicação

residual do Código de Processo Civil; v) proporcionalidade e razoabilidade.

Pelos mesmos motivos, passa-se a elencar o rol de princípios constante no

texto do Projeto de Lei nº5.139/2009 (que disciplina a nova ação civil pública para tutela dos

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), conforme a seguir:

Art.3º – O processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios: I – amplo

acesso à justiça e participação social; II – duração razoável do processo, com

prioridade no seu processamento em todas as instâncias; III – isonomia, economia

processual, flexibilidade procedimental e máxima eficácia; IV – tutela coletiva

adequada, com efetiva precaução, prevenção e reparação dos danos materiais e

morais, individuais e coletivos, bem como punição pelo enriquecimento ilícito; V –

motivação específica de todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos

conceitos indeterminados; VI – publicidade e divulgação ampla dos atos processuais

que interessem à comunidade; VII – dever de colaboração de todos, inclusive

pessoas jurídicas públicas e privadas, na produção das provas, no cumprimento das

decisões judiciais e na efetividade da tutela coletiva; VIII – exigência permanente de

boa-fé, lealdade e responsabilidade das partes, dos procuradores e de todos aqueles

que de qualquer forma participem do processo; e IX – preferência da execução

coletiva.

Nesse universo, observa-se que alguns princípios elencados em ambos os

documentos, tais como o amplo acesso à justiça e a economia processual, têm a finalidade de

conferir efetividade ao direito material. São valores inegociáveis e interligados entre si,

verdadeiros fundamentos do processo coletivo, que já foram objeto de discurso nesta

pesquisa.

Valores fundamentais como a boa-fé, a lealdade e a cooperação entre as partes

e de todos que participam no processo, bem assim como o dever de colaboração, em especial

na produção de provas, a proporcionalidade e a razoabilidade constituem deveres também do

processo individual em razão do interesse público na efetivação do direito material. No

processo coletivo, contudo, ganham uma dimensão majorada e especial em razão do maior

relevo social que caracterizam os direitos metaindividuais.

Cabe destacar os princípios da instrumentalidade das formas e a tutela coletiva

adequada. Registra-se que as peculiaridades do processo coletivo exigem que as formas e

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procedimentos sejam adequados, adaptados e flexibilizados às peculiaridades do direito

material e às circunstâncias que envolvem a causa e às exigências do caso concreto. Neste

sentido, Elton Venturi corrobora:

Pelo princípio da absoluta instrumentalidade, mais do que garantir a utilização de

qualquer espécie de ação para a defesa dos direitos metaindividuais, preconiza-se

uma atividade inovadora, seja por parte dos condutores das ações coletivas, seja por

parte dos juízes, aos quais é concedida uma ampliação dos poderes jurisdicionais263

.

Ainda sobre o tema, José Roberto dos Santos Bedaque, em valioso estudo

sobre a técnica processual e escopos do processo, aponta o princípio da adaptabilidade do

procedimento às necessidades da causa, em que defende a “concepção de um modelo

procedimental flexível, adaptável às circunstâncias apresentadas pela relação substancial”264

.

Sobre este aspecto, retoma-se o tema da influência do direito material sobre o procedimento e

da instrumentalidade do processo, considerado este um instrumento de efetivação do direito,

quando não realizado de forma espontânea.

Esta tarefa de adaptação do procedimento, bem como a flexibilização da

técnica processual é conferida ao juiz, com um poder de maior participação nos processos

coletivos265

. É denominado de princípio do ativismo judicial, o qual confere ao juiz ponderar

os valores envolvidos no processo, interpretar a norma e aplicá-la de forma criativa,

adaptando-a ao direito tutelado. Não se trata de criar técnicas ou alterar procedimentos

fixados em lei266

, mas sim, de empreender uma interpretação à luz dos preceitos

constitucionais, considerando a realidade social, o bem jurídico ou o interesse social

envolvidos. Assim, a tarefa do juiz, segundo este princípio, envolve a análise dos meios, fins e

motivos, ponderando-se no caso concreto, o procedimento e as técnicas (meios) são

adequados para atingir o fim, a tutela efetiva do direito material.

263 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.161. 264 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São

Paulo: Malheiros, 2006, p.60. 265 Sobre o novo papel desempenhado pelo juiz, assevera Ada Pellegrini Grinover: “nas demandas coletivas, o próprio papel

do magistrado modifica-se enquanto cabe a ele a decisão a respeito de conflitos de massa, por isso mesmo de índole política.

Não há mais espaço, no processo moderno, para o chamado juiz neutro – expressão com que frequentemente se mascarava a

figura do juiz não comprometido com as instâncias sociais – motivo pelo qual todas as leis processuais têm investido o

julgador de maiores poderes de impulso”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense,

2000, p.57). 266 A própria lei, muitas vezes, autoriza a adequação judicial do procedimento, como, por exemplo, a inversão do ônus da

prova (art. 6º, VIII, CDC); a conversão do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da prova técnica

ou valor da causa (art.277, §§ 4º e 5º, CPC); o julgamento antecipado da lide (art.330, CPC); as variações procedimentais da

Ação Popular (Lei nº4.717/1965, arts.7º e segs.), a concessão de antecipação da tutela com ou sem requerimento da parte

(art.84, §3º, do CDC); concessão de liminar, com ou sem justificação prévia (art.12 da LACP); a concessão de medidas de

apoio para assegurar resultado prático equivalente (art.84, §3º do CDC).

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O Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos do IBDP relaciona

entre os princípios do processo coletivo, a proporcionalidade e a razoabilidade (art.2º), que

têm íntima relação com o princípio do ativismo judicial267

. Com efeito, o sopesamento e a

decisão acerca da adequação dos procedimentos e técnicas processuais não podem ser

realizados sem qualquer critério. O princípio da proporcionalidade representa uma

importante ferramenta de decisão judicial, pois estabelece critérios de realização da justiça no

caso concreto268

. No processo coletivo, a fixação do valor das perdas e danos, quando não for

possível a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, a concessão de medidas de

urgência e o arbitramento do valor da recuperação fluida, são exemplos de situações que

envolvem a aplicação deste princípio.

Em consonância com os princípios mencionados, convém destacar o princípio

da tutela jurisdicional diferenciada, não expressamente consignada nos projetos, mas

totalmente pertinente à tutela coletiva na medida em que intimamente ligada à efetividade do

processo. Evidencia-se que existem particularidades no processo coletivo em função da

própria natureza do direito material que demandam adaptação dos mecanismos processuais

existentes e a flexibilização dos mecanismos aptos à sua efetiva realização269

.

Vale argumentar que este raciocínio permite abraçar o princípio da não-

taxatividade da ação coletiva. Com efeito, se de um lado, a Constituição Federal vigente

assegura o acesso à justiça a quaisquer “outros interesses difusos e coletivos”, conforme

art.129, III, seguida pela LACP, art.1º, V, de outra sorte, deve-se assegurar a admissão de

qualquer forma de tutela jurisdicional para sua efetivação. Neste compasso, assegura o CDC,

em seu art.83, que “para tutela dos direitos e interesses protegidos por este Código são

admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.

Gregório Assagra de Almeida extrai desse dispositivo o princípio da máxima amplitude da

tutela jurisdicional coletiva:

Com base no princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum

são admitidos todos os tipos de ações, procedimentos, provimentos e medidas

necessárias e eficazes para a tutela dos direitos coletivos. Tem esse princípio

267 Segundo Gregório Assagra de Almeida, do princípio da proporcionalidade decorrem subprincípios, dentre eles, o princípio

da adequação, que se pode aferir se o meio empregado é apto para o resultado; o princípio da exigibilidade, que afere a

necessidade da medida e da lei ou se existiria outro meio menos prejudicial e o princípio da proporcionalidade em sentido

estrito que impõe o sopesamento entre os bens ou os direitos em situação de colisão. (ALMEIDA, Gregório Assagra de.

Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.71). 268 Sérgio Cruz Arenhart afirma que o princípio da proporcionalidade terá constante aplicação na atuação judicial em

processos coletivos. Assim, o juiz deve considerar a finalidade dos dispositivos legais em conflito, optando sempre pelo meio

mais adequado, se estes fins puderem ser alcançados por meios distintos. Avalia-se, também, a exigibilidade, aferindo se tal

meio representa o menor sacrifício possível ao interesse subjugado e se haverá resultado mais vantajoso para o interesse

tutelado. (Ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Judiciário. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias

(Coords.). Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.508). 269 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São

Paulo: Malheiros, 2006, p.62.

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previsão expressa em lei: art.83 do CDC, em sua combinação com o art.21 da

LACP, que lhe confere hiper-eficácia na sua condição de norma de superdireito

processual coletivo comum. Essa mesma orientação está presente nos arts.212 do

ECA (Lei nº8.069/90) e 82 do Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/2003) [83]. Assim,

todos os tipos de ações executivas são cabíveis, bem como todos os tipos de

provimentos e medidas executivas necessárias para a efetivação da tutela

jurisdicional coletiva. É cabível inclusive a antecipação da tutela coletiva, com

determinação judicial de adoção imediata das providências previstas no título

executivo. Por força do art.83 do CDC em sua combinação com o art.21 da LACP,

aplica-se a todas espécies de execução coletiva, por ação autônoma ou por atividade

complementar do processo de conhecimento, o disposto no art.66 da Lei nº8.884/94,

onde está estabelecido: “Em razão da gravidade da infração da ordem econômica, e

havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha

havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o Juiz determinar a

adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no título

executivo”270

.

Esta realidade estrutural denota que os demais princípios registrados nos

documentos acima gravitam em torno da efetivação do direito metaindividual material e, com

este objetivo, estabelece-se a adaptação dos procedimentos, a tutela jurisdicional adequada e,

se necessário, flexibilizada e diferenciada, o que deságua, por conseguinte, no princípio da

máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva271

.

A partir dessas considerações, registra-se, outrossim, a existência de outros

princípios não comentados aqui, não menos importantes para o processo coletivo, mas por sua

origem proveniente dos princípios da máxima eficácia da tutela coletiva, que por sua vez,

promove o acesso à justiça, eis que o cumprimento da sentença culmina com a efetivação do

direito material irrealizado espontaneamente.

Com efeito, não haveria efetivação do direito material transindividual se, após

todos os trâmites processuais na fase de conhecimento, reconhecido e declarado o direito, este

não fosse plenamente concretizado na esfera jurídica dos jurisdicionados272

. Esta lógica é

válida para todos os direitos, de natureza individual ou coletiva. Corrobora, pois, o

entendimento de José Miguel Garcia Medina:

[...] espera-se, com a tutela jurisdicional, a realização de atividade condizente com o

direito material ameaçado ou violado, não mais se admitindo, hodiernamente, que o

direito se considere realmente tutelado com a mera declaração de que houve

violação ou há ameaça. A decisão judicial proferida em uma ação coletiva nem

270 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Algumas considerações reflexivas. JusNavigandi, Teresina, ano13, n.1956, 8 nov. 2008. Disponível

em: http://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 18 maio 2014. 271 Acerca do tema, Elton Venturi, em capítulo denominado “princípio da absoluta instrumentalidade na tutela coletiva dos

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”, esclarece que “os magistrados estão autorizados a inovar até mesmo

nos tipos de provimentos, que poderão antecipar a tutela final ou assegurar resultado útil. Assim, incentiva o dispositivo

analisado a criatividade tanto por parte daqueles que buscam a tutela como daqueles imbuídos da função de prestá-la em

nome do estado”. (VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.78). 272 Com propriedade, afirma Marcelo Pereira de Almeida: “Notório é que de pouco valeria erigir-se toda uma estrutura estatal

destinada a declarar o direito in concreto, sem que subsequentemente houvesse instrumento hábil a realizá-lo praticamente”.

(ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Processo coletivo – teoria geral, cognição e execução. São Paulo: LTr, 2012, p.127).

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sempre, por si só, implicará solução suficiente para o conflito submetido ao exame

do Poder Judiciário; este também deverá ter condições de forçar a observação do

direito273

.

Ante a natureza dos direitos transindividuais e o interesse público que os

envolve, esta assertiva revela-se, por certo, mais acentuada. A necessidade da mais efetiva

tutela destes direitos justifica, por certo, a existência de princípios positivados, como no caso

em questão.

Ora, o art.15 da LACP assim preceitua: “Decorridos sessenta dias do trânsito

em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução,

deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”274

.

Deste dispositivo legal deriva outro princípio, qual seja o da indisponibilidade da demanda

coletiva (executiva), conforme argumentam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:

Se por um lado o interesse público presente nas ações coletivas orienta para uma

obrigatoriedade temperada na propositura da ação e para determinação de sua

continuidade nos casos de desistência infundada ou abandono, o princípio da

indisponibilidade da demanda executiva não comporta exceções. Ora, tendo sido

ajuizada ação coletiva e julgada procedente é dever do Estado efetivar este direito

coletivo lato sensu, cabendo ao Ministério Público a efetivação sob pena das

sanções previstas na legislação [...]275

.

Saliente-se que os princípios da obrigatoriedade da execução da sentença

coletiva em consonância com o da indisponibilidade da demanda coletiva possuem evidente

importância para o mérito da presente pesquisa. Por esta razão, outras considerações serão

postergadas para capítulo próprio sobre tutela executiva.

2.7 Regime jurídico das ações coletivas

“Como denominaremos, pois, uma ação que verse a defesa de interesses

difusos, coletivos ou individuais homogêneos?” É o questionamento de Hugo Nigro Mazzilli,

em sua obra A defesa dos interesses difusos em juízo276

.

273 MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre os poderes do juiz na atuação executiva dos direitos coletivos – considerações e

perspectivas, à luz do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.281. 274 Este princípio se faz presente, também, na Lei da Ação Popular (art.16 da Lei nº4.717/65), ao conferir legitimidade ativa

subsidiária ao Ministério Público, para o caso de desídia do cidadão autor. 275 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.122. 276 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.74.

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A demanda é bastante pertinente ao tema, mas não há a pretensão de respondê-

la, por duas razões básicas: primeiro, porque não constitui objeto da presente pesquisa e,

segundo, porque tal empreendimento extrapolaria as balizas apontadas para a consecução dos

objetivos propostos.

Apenas por razões didáticas, apresenta-se a resposta oferecida pelo seu

questionador, segundo o qual, a denominação diverge, segundo a doutrina, de acordo com o

seu proponente. Assim, se a ação que se destina a defender os interesses transindividuais for

movida pelo Ministério Público, o mais correto será denominá-la “ação civil pública”; e se

proposta por associações civis, o mais correto será chamá-la “ação coletiva”. De outro lado,

sob o aspecto legal, prossegue o autor, “[...] será ação civil pública qualquer ação movida com

base na Lei nº7.347/85, para a defesa de interesses transindividuais [...] será ação coletiva

qualquer ação fundada nos arts.81 e s. do CDC, que verse a defesa de interesses

transindividuais”, independentemente do autor277

.

Antonio Gidi entende que não existe nenhuma diferença ontológica entre as

ações coletivas que defendem os direitos “superindividuais” e os individuais homogêneos.

Com efeito, “em ambos os casos há um titular (comunidade, coletividade ou conjunto de

vítimas, conforme se trate de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo) e um outro

legitimado (LACP, art.5º, e CDC, art.82)”278

.

A despeito destas possíveis distinções, o propósito é traçar as características

das ações coletivas em sentido genérico, consideradas estas um meio pelo qual opera a tutela

judicial dos direitos transindividuais. Vale esclarecer que não se trata de um conceito

científico279

. Pondera Gregório Assagra de Almeida, que “ainda não há em sede doutrinária

conceituação precisa e científica a respeito da ação coletiva. O assunto é incipiente e depende

da sistematização da concepção de direito processual coletivo comum”280

.

277 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.74. Vale a pena

consultar a obra citada, na qual o autor fez um amplo levantamento das possíveis ações que poderão ser movidas para defesa

de direitos e interesses coletivos lato sensu e individuais homogêneos. As ações foram classificadas de acordo com a

legislação existente, a começar pela Constituição Federal. 278 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.44. 279 Alguns respeitáveis doutrinadores apontaram seu entendimento acerca do conceito de ação coletiva: WAMBIER, Teresa

Arruda Alvim. Apontamentos sobre ações coletivas. Revista de Processo, v.75, p.273; GIDI, Antonio. Coisa julgada e

litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p.16; MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 25

anos. São Paulo: RT, 2010, p.6; LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris, 1998, p.39. (MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006). 280 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p.537. A despeito do entendimento acima explicitado, o autor arrola conceitos de ação coletiva

formulados por alguns principais doutrinadores, apontados na citação anterior, tecendo considerações e críticas. (ALMEIDA,

Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003,

p.39-44).

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Márcio Flávio Mafra Leal 281

, a exemplo de Gregório Assagra de Almeida, fez

um levantamento de conceitos de ação coletiva, inclusive formulados pela doutrina

estrangeira, apontando os elementos que a diferenciam da ação individual e tecendo críticas

pertinentes a cada conceito. Corroborando o entendimento de Gregório Assagra de Almeida, o

autor afirma que os conceitos arrolados “pouco ou nada dizem de essencial sobre a ação”. Ao

final, dividiu-o em duas partes, justificando que “de fato, existem duas ações distintas sob o

mesmo rótulo, que merecem tratamento separado”. Nesse propósito, dispõe:

O primeiro conceito é o das ações para defesa de direitos individuais sob tratamento

processual coletivo, que se denomina de ACDI: trata-se de uma ação de

representação, em juízo, por uma ou mais pessoas (físicas ou jurídicas) de direitos

individuais, cujos titulares não figuram na relação processual, direitos estes que

processualmente são tratados de maneira uniforme, como se fossem direitos de uma

classe, em virtude da extensão da coisa julgada, que atinge todos seus integrantes.

A outra ação coletiva também se vale de um modelo representativo de um direito

alheio: o direito de uma comunidade, considerada como unidade sem personalidade

jurídica, representada processualmente por um terceiro em virtude de lei ou por

autorização judicial. [...] O conceito de ambas as ações são próximos, porque nas

duas há o elemento de representação, já que o autor não é o titular do direito material

em nenhuma delas. O outro elemento – a extensão da coisa julgada – apresenta

particularidades: enquanto na ACDD o efeito erga omnes é uma decorrência

automática do atendimento do direito material, sem necessidade de uma norma

processual assim determinar – até porque o titular do direito é rigorosamente uma

pessoa (a comunidade) –, na ACDI é de vital importância que a lei discipline a

extensão da coisa julgada aos demais membros da classe, pois, do contrário, essa

qualidade da sentença se restringirá somente àqueles que estiverem na relação

processual282

.

Sérgio Shimura283

entende que o termo “ação coletiva” serve para designar o

gênero que abriga as demais ações que tenham por objeto a tutela jurisdicional coletiva, ainda

que cada uma delas possua particularidades e procedimentos específicos. Portanto,

enquadram-se neste conjunto, a ação popular, o mandado de segurança coletivo, a ação civil

de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, o mandado de injunção e a própria

ação civil pública.

Christianine Chaves Santos sintetizou o entendimento da doutrina majoritária,

segundo o qual a “ação coletiva” é um conceito genérico:

Trata-se a ação coletiva, de ação vocacionada à defesa de direitos coletivos lato

sensu, que se caracteriza por um modelo processual especial, composto por um

mecanismo de legitimação que permite a representação em juízo, por uma única

pessoa, física ou jurídica, de direito pertencente a toda uma coletividade, e por um

281 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998. 282 MACIEL JR., Vicente de Paula. Teoria das ações coletivas. São Paulo: LTr, 2006, p.43. 283 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.41.

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mecanismo de coisa julgada que permita que todos os integrantes dessa coletividade

titular do direito sejam alcançados pela imutabilidade da sentença ali prolatada284

.

A despeito dos diferentes conceitos de ação coletiva, classificações em critérios

ou elementos, neste estudo adotou-se o conceito de Patricia Miranda Pizzol: “A ação coletiva

é aquela que visa à tutela de direito coletivo lato sensu, podendo ser de conhecimento, de

execução ou cautelar”285

.

2.7.1 Características das ações coletivas

A ação coletiva para a tutela de direitos transindividuais e individuais

homogêneos é basicamente regida pelo conjunto formado pela Lei da Ação Civil Pública e

pelo Código de Defesa do Consumidor, sem descurar do rol da legislação que compõem o

microssistema processual coletivo, conforme registrado anteriormente.

Destarte, a despeito do disposto no art.83 do CDC, para a defesa dos direitos

transindividuais e individuais homogêneos são admissíveis todas as espécies de ações capazes

de propiciar sua adequada e efetiva tutela, o que permite inferir que a ação coletiva não se

ocupa de uma única modalidade de ação, mas de um aglomerado de ações aptas para essa

finalidade286

.

Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “existe, isto sim,

uma categoria de ações, que recebem o rótulo de “ação coletiva”, mas que se mostram

distintas entre si com as peculiaridades de cada direito carente de tutela. [...] Não há, então,

como já dito, uma ação coletiva, mas sim tantos remédios quantas sejam as pretensões

coletivas deduzíveis”287

.

Assim, para a consecução desse objetivo, a ação coletiva é a via adequada para

conduzir quaisquer categorias de pretensões, seja de natureza declaratória, constitutiva,

condenatória ou inibitória, na forma específica ou ressarcitória, cujas respectivas sentenças

284 SANTOS, Christianine Chaves. Ações coletivas & coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2006, p.107. 285PIZZOL, Patricia Miranda. Coisa julgada nas ações coletivas. Disponível em:

http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/artigo_patricia.pdf. Acesso em: 14 maio 2014. 286 Kazuo Watanabe, em comentários ao art.83 do CDC, afirma: “Não se trata de mera enunciação de um princípio vazio e

inócuo, de um programa a ser posto em prática, por meio de outras normas legais. Cuida-se, ao revés, de norma

autoaplicável, no sentido de que dele se podem extrair desde logo várias consequências. A primeira delas, certamente, é a

realização processual dos direitos na exata conformidade do clássico princípio chiovendiano, segundo o qual ‘o processo

deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e somente aquilo que ele tenha direito de

conseguir’. A segunda, que é consectária da anterior, é a da interpretação do sistema processual pátrio de modo a dele retirar

a conclusão de que nele existe, sempre, uma ação capaz de propiciar, pela adequação de seu provimento, a tutela efetiva e

completa de todos os direitos dos consumidores”. (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.108). 287 ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – processo de conhecimento. v.2.

7.ed. São Paulo: RT, 2008, p.748.

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podem se apresentar na forma executiva ou mandamental288. Além disso, são permitidas as

tutelas antecipadas e cautelares, segundo dispõem os arts.4º e 12 da LACP, quando

necessários para o êxito da tutela final.

Em consonância com a LACP, que disciplina a ação civil pública, o CDC

conferiu relevo à ação coletiva, regulou a ação de responsabilidade civil (arts.101 e 102) e

instituiu outras ações de conhecimento no art.84, parágrafo único, que se materializam nas

espécies de tutela jurisdicional do consumidor.

Nesta linha de raciocínio, é possível deduzir, por oportuno, que se são cabíveis

todas as espécies de pretensão para a tutela dos direitos transindividuais, por consequência

reflexa, as sentenças proferidas nas ações coletivas poderão ser de natureza declaratória,

constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva289

. Não se olvida, porém, que na LACP,

há previsão tão somente das espécies condenatórias (art.13), mandamentais e executivas

(art.11).

Conforme mencionado, a tutela jurisdicional deve atribuir efetividade aos

direitos materiais irrealizados ou lesados, conferindo-lhes a máxima proteção. É por esta

razão que um mesmo direito, individual ou coletivo, pode conceber várias ações, bem como

diversos mecanismos processuais, com o objetivo de conferir-lhes a mais ampla tutela. No

caso dos direitos transindividuais e individuais homogêneos, a assertiva ganha relevo, em

razão das peculiaridades já apontadas.

Nessa perspectiva, é indiscutível que as diversas espécies de sentenças,

procedimentos e mecanismos processuais previstos na legislação processual sejam aplicados,

em maior ou menor medida, desde que adequados à tutela dos direitos transindividuais para

garantir sua tutela. Assim é que, se para a efetividade da tutela destes direitos exigir-se ação e

respectiva sentença inibitória, condenatória, declaratória ou constitutiva, não será possível

desprezar o manejo adequado de cada uma delas, desde que aplicáveis ao caso concreto290

.

288Segundo dispõe o art.87 do CDC c/c com o art.18 da LACP, são gratuitas, para o autor coletivo, todas as espécies de ações

coletivas, não havendo adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais, honorários sucumbenciais, ressalvados os

casos de má-fé. 289No REsp nº592693/MT, o Rel.Min. Teori Albino Zavascki sentencia: “A ação civil pública destina-se a conferir integral

tutela aos direitos transindividuais (difusos e coletivos) e, com essa finalidade, comporta não apenas os provimentos

jurisdicionais expressamente previstos na Lei nº7.347/85, como também qualquer outro, hoje disponível em nosso sistema de

processo, que for considerado necessário e adequado à defesa dos referidos direitos, quando ameaçados ou violados”. 290 Neste sentido, o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “em outras palavras, as diversas

sentenças e meios de execução nada mais são que instrumentos técnicos-processuais que devem estar dispostos na lei para

que os direitos possam ser efetiva e concretamente tutelados. Para que tudo isso seja melhor compreendido é importante o

seguinte raciocínio: em primeiro lugar, é necessário conhecer a natureza do direito material e as tutelas que a ele são

inerentes. Após, é preciso verificar quais são as sentenças e meios de execução adequados à proteção dessas tutelas. Se para

o direito ao meio ambiente, não há como se pensar apenas nas sentenças declaratória, constitutiva e condenatória. É

indispensável socorrer-se das sentenças mandamental e executiva e de meios de execução adequados”. (MARINONI, Luiz

Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – processo de conhecimento. v.2.7.ed. rev. e atual.

3.tiragem. São Paulo: RT, 2008, p.751-752).

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100

Sob outra perspectiva, mas ainda em razão da relevância dos direitos tutelados

nas ações coletivas, a Lei atribui ao autor da ação determinados poderes investigatórios e

requisitórios para a obtenção de provas para a instrução da petição inicial, conforme dispõe o

art.8º da LACP. Além disso, ao Ministério Público é facultado instaurar inquérito civil para a

obtenção de provas, nos termos do procedimento estabelecido no art.8º, §1º da mesma norma.

Em perfeita consonância com os poderes conferidos ao autor, pela LACP, o

legislador do CDC conferiu relevo à ação coletiva e ampliou os poderes do juiz, na medida

em que este poderá adaptar o provimento jurisdicional à natureza e às peculiaridades do caso

concreto, além de impor multa diária, independentemente de pedido do autor, nos termos do

art.84, §4º291

.

Conforme mencionado, as regras procedimentais das ações coletivas estão

disciplinadas no microssistema processual coletivo, composto principalmente pelo CDC e

pela LACP. Ressalta-se a aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil, desde que

suas regras sejam compatíveis com o processo coletivo e com os objetivos da ação proposta,

conforme dispõem os arts.19 da LACP e 90 do CDC.

Não custa repisar que, além dos direitos transindividuais, os direitos

individuais homogêneos são tutelados por meio da ação coletiva, cuja disciplina

procedimental está disposta nos arts.91 a 100 do CDC. Esses dispositivos apresentam um

procedimento especial evidenciando quatro características fundamentais, sintetizadas por

Teori Albino Zavascki292

: a) repartição da atividade cognitiva; b) dupla legitimação ativa; c)

autonomia da ação coletiva em relação à ação individual e d) sentença genérica.

A característica da repartição da atividade cognitiva em duas fases tem por fim,

na primeira fase, conhecer e julgar as questões fáticas e jurídicas relacionadas ao objeto da

ação e ao direito ora tutelado e, na segunda fase, verificar situações individuais dos lesados e

cumprir a sentença, em caso de procedência293

.

291 Conforme Kazuo Watanabe, “o dispositivo confere maior plasticidade ao processo, principalmente quanto ao provimento

nele reclamado, permitindo ao juiz, em cada caso concreto, por meio da faculdade prevista no parágrafo em análise, proceder

ao adequado equilíbrio entre o direito e a execução respectiva, procurando fazer com que esta última ocorra de forma

compatível e proporcional à peculiaridade de cada caso”. (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.115). 292 Esta classificação é baseada no entendimento de Teori Albino Zavascki: Reforma do processo coletivo: indispensabilidade

de disciplina diferenciada para direitos individuais homogêneos e para direitos transindividuais. In: (Coords.) GRINOVER,

Ada Pellegrini e outros. Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São

Paulo: RT, 2007, p.33-38. 293 Segundo entendimento de Teori Albino Zavascki, a repartição da atividade cognitiva é a característica mais importante a

distinguir a ação coletiva do litisconsórcio ativo facultativo. “Se as atividades fossem aglutinadas, a ação coletiva não seria

mais do que uma tradicional e enorme ação ordinária movida em regime litisconsorcial”. (Reforma do processo coletivo:

indispensabilidade de disciplina diferenciada para direitos individuais homogêneos e para direitos transindividuais. In:

(Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.35-36).

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101

Sobre a característica da repartição da atividade cognitiva, Teori Albino

Zavascki afirma que representa uma importante diferença entre o procedimento da ação

coletiva (= para tutela dos direitos individuais homogêneos) e o da ação civil pública (=

destinada à tutela dos direitos transindividuais). “Naquele, a atividade cognitiva é limitada ao

núcleo da homogeneidade dos direitos controvertidos; e nesse, a cognição é ampla,

envolvendo, como em qualquer procedimento comum ordinário, a totalidade da

controvérsia”294

.

A segunda característica da ação coletiva que tutela direitos individuais

homogêneos diz respeito à natureza da legitimação para agir, também apresentando

particularidades distintas em cada fase. Na primeira, legitimação por substituição processual

e, na seguinte, cumprimento de sentença, poderá ser requerida pelo prejudicado ou sucessores

(legitimação ordinária)295

ou, se se tratar de execução coletiva da sentença coletiva, os

legitimados serão os mesmos do art.82 do CDC.

A terceira característica, da autonomia da ação coletiva em relação à ação

individual, traduz na possibilidade (facultada pela lei) do titular do direito lesado aderir ou

não ao processo coletivo. Assim, fica facultado ao titular do direito individual aderir à ação

coletiva, promover ou prosseguir a ação individual concomitantemente ao processamento da

ação coletiva ou, ainda, promover a execução da sentença296

de procedência proferida em

ação coletiva.

Finalmente, a quarta característica da ação coletiva para defesa de direitos

individuais homogêneos diz respeito à natureza genérica da sentença nela prolatada, conforme

dispõe o art.95 do CDC297

. Isso não significa que a condenação seja incerta ou imprecisa,

294 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.152. 295 Ada Pellegrini Grinover entende que os legitimados do art.82 estão legitimados para a liquidação e execução da sentença

coletiva, mas não na condição de substitutos processuais, tampouco de representantes processuais: “o que agora se

consubstancia é algo mais próximo à legitimação ordinária, pela qual os legitimados agem na persecução de seus próprios

objetivos institucionais, sendo – na expressão norte-americana – uma real party in interest”. (GRINOVER, Ada Pellegrini.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. v.2. 10.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011, p.164). 296 Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, “Assim, o que se tem nas ações coletivas é que a ação proposta por um ente

coletivo, uma associação, por exemplo, e os beneficiados, que não participaram concretamente do processo, são atingidos

pela coisa julgada e, portanto, podem beneficiar-se da decisão de procedência da ação, executando a sentença em proveito

próprio. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.12). 297 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, ao comentar o art.95 do CDC, afirma que não se deve dar uma interpretação em

sentido estrito ao dispositivo, sob pena de prevalecer um tratamento individualista aos direitos individuais homogêneos,

pressupondo a impossibilidade de julgamento exauriente no processo coletivo de conhecimento. Não ignora que há situações

em que se mostra difícil ou impossível a identificação das vítimas ou do dano em primeira fase, sendo necessária a prolação

da sentença genérica, contudo não satisfatória. Destarte, defende que nas situações em que não houver necessidade de

liquidação futura, como nas sentenças declaratórias e constitutivas, não haverá necessidade de qualquer atividade extra a ser

realizada em outra fase, enaltecendo o princípio da economia processual. E conclui: “A cultura individualista e dispositiva do

processo civil, entretanto, fortalece interpretações que acabam privilegiando a necessidade da prolação de sentenças

genéricas, sucedidas de liquidações e execuções individuais, na contramão da história”. (MENDES, Aluisio Gonçalves de

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102

porém ilíquida, na medida em que o objeto da tutela é tratado de maneira uniforme e

indivisível, ainda que procedente o pedido. Assim, por seu aspecto genérico, limita-se a fixar

o dever de indenizar (an debeatur) e a quem deve indenizar (quis debeat). Os demais

elementos do título executivo da sentença, indispensáveis à força executiva, serão objetos de

liquidação de sentença, na qual serão fixados o titular do direito e o montante da indenização

devida, conforme será visto nos capítulos seguintes.

2.7.2 Elementos das ações coletivas

Antonio Gidi apresentou seu conceito de ação coletiva, cujo conteúdo soma

três elementos: 1) um legitimado autônomo (legitimidade); 2) o objeto (direito coletivamente

considerado) e 3) a extensão da coisa julgada. Nesta empreitada, dispõe: “[...] ação coletiva é

a ação proposta por um legitimado autônomo (legitimidade), em defesa de um direito

coletivamente considerado (objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma

comunidade ou coletividade (coisa julgada)”.

É de todo conveniente anotar que os elementos da ação coletiva (legitimação,

objeto e limites da coisa julgada) não seguem o modelo tradicional das ações individuais.

Embora não constitua o objeto principal dessa pesquisa, a compreensão desses elementos nas

ações coletivas assume especial relevância, pois refletem direta e imediatamente na liquidação

e na execução de sentença. Registre-se, contudo, que já foi abordado nessa pesquisa o objeto

(direito material tutelado) nas ações coletivas. Passa-se, portanto, agora, a tratar sobre a

legitimidade e a coisa julgada nas ações coletivas, ainda que se apresente de forma sucinta,

sem pretensão de esgotar o tema.

2.7.2.1 Legitimidade ativa

Quando se fala em titularidade do direito material, quer se referir ao sujeito que

detém algum interesse pelo bem da vida tutelado pelo ordenamento jurídico. Cite-se como

exemplo o proprietário de veículo, o possuidor de um imóvel, o cessionário de um crédito,

etc. Assim, numa relação de direito material, existem os sujeitos da relação, como por

exemplo, o credor e o devedor de um título de crédito.

Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT,

2012, p.274).

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103

Da mesma maneira, a relação processual possui seus sujeitos, que são as partes

do processo. Não obstante a autonomia desta em relação àquela, a coincidência das partes é a

regra clássica do direito, segundo a qual a condição de titular do direito material supostamente

lesado é que detém a legitimidade para invocar a tutela jurisdicional. É a legitimidade

ordinária (CPC, art.6º) sobre a qual Rodolfo de Camargo Mancuso leciona:

[...] o binômio interesse/legitimidade, no pólo ativo, revela-se na perquirição de

quem, dentre os interessados (processualmente falando) pode (= tem o poder de)

propor uma certa ação. Visto ser o processo civil tradicional um instrumento de

tutela de posições jurídicas individuais, é natural que, ordinariamente, coincidam

numa mesma pessoa as figuras do titular do interesse e do legitimado (= aquele a

quem a norma confere o poder de agir), razão pela qual tal legitimado chama-se

ordinário.298

No caso dos direitos transindividuais, os titulares do direito material são

grupos, classes, categorias, populações, enfim, uma coletividade os quais podem ser

determináveis, como os moradores de um bairro; ou indetermináveis, como é o caso de

possíveis compradores de um produto, alvos de uma determinada propaganda. Nesta ordem

de ideias, a legitimidade ad causam não se extrai da titularidade do direito material, não

podendo ser concebida nos moldes das ações individuais299

.

De fato, no caso das ações coletivas, em que o objeto tutelado é de natureza

transindividual, a legitimação não segue o mesmo esquema adotado nas ações individuais

porque não se encontra o “titular”, o “dono” do interesse objetivado, em razão da

inviabilidade de sua indivisibilidade300

.

Daí surge uma importante pergunta: se estes direitos possuem titularidade que

extrapola os limites da individualidade, a quem compete a legitimidade ativa na relação

processual? Numa situação fática, na qual ocorre a poluição do ar em decorrência de gases

tóxicos emitidos por uma indústria, cada cidadão lesado em sua esfera jurídica particular

(direito ao ar puro), a quem cabe a legitimação para buscar a tutela jurisdicional?

Nestes casos, excepcionalmente, a lei pátria permite que a defesa judicial de

tais direitos seja realizada por outra pessoa que não o titular do direito material. Ocorre,

298 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos

consumidores. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007, p.107. Ver ainda: CÂNDIA, Eduardo. Legitimidade ativa na ação

civil pública. Salvador: Juspodivm, 2013. 299 Conforme explica Luiz Guilherme Marinoni, “A antiga relação entre a titularidade da ação e a titularidade do direito

material – que está na base do conceito clássico de legitimidade para a causa – não vale quando se pensa nos direitos que não

podem ser atribuídos diretamente a uma pessoa, por dizerem respeito a todos ou a um grupo de pessoas. Do mesmo modo,

para se pensar, nesta perspectiva, em coisa julgada material, não há como não estabelecer, como premissa, a idéia de que há

direitos que não pertencem a uma só pessoa ou àquele que se colocou como autor no processo. (MARINONI, Luiz

Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.32). 300 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos

consumidores. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007, p.107.

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104

portanto, o fenômeno da substituição processual301

cuja característica fundamental consiste na

separação entre o titular do direito material lesado e o legitimado para a sua defesa na ação

judicial. Não há, portanto, coincidência entre o titular do direito material e o titular da ação,

como ocorre nas ações individuais.

Insta observar que, neste ponto, difere a substituição processual do instituto da

representação, em que o representante não atua como parte, mas em nome do representado,

figurando apenas como representante. Inobstante esta distinção, Eduardo Cândia aponta o

ponto de intersecção entre a substituição processual e a representação na atuação em juízo em

que sempre é “realizada em benefício de terceira pessoa, em prol do substituído e do

representado, respectivamente, ou seja, a titularidade do direito material não pertence aquele

que está efetivamente atuando e praticando atos jurídicos em juízo [...]”302

.

Deveras, os sistemas jurídicos que tomam por base a class actions perfilham a

legitimação fundada no instituto da “representação adequada” cujo controle de adequação é

realizado pelo juiz. Antonio Gidi inseriu em seu Código Modelo o instituto da representação

adequada (art.3) e alega que o objetivo do instituto é “minimizar o risco de colusão entre as

partes, incentivar uma condução vigorosa pelo ‘representante’ e pelo advogado na tutela dos

interesses do grupo e assegurar que se leve para o processo a visão e os reais interesses de

todos os membros do grupo”303

. Todos os outros anteprojetos assimilaram o instituto, que

difere substancialmente do sistema brasileiro em vários sentidos: a) a representação pode ser

tanto por particular membro da classe, entidades privadas com objeto ligado ao direito

conflituoso ou órgãos públicos criados para defesa destes direitos, como o Ministério Público;

b) pelo procedimento, na medida em que o contraditório e a ampla defesa são garantidos pela

notificação dos membros da classe (fair notice), assegurando o direito de exclusão do membro

(rigth to opt out); b) a extensão subjetiva da coisa julgada (binding efect) e a imutabilidade do

comando da sentença atingem a todos os membros, independentemente da solução

determinada na sentença, decorrendo a coisa julgada material erga omnes, tanto na

procedência como na improcedência da ação304

.

A legislação brasileira preferiu indicar expressamente o rol de legitimados e

prescreveu parâmetros próprios para as ações coletivas brasileiras, a partir de três técnicas: 1)

301 Importa destacar que este fenômeno é originalmente extraído do direito processual individual, que pelas suas

características, foi adotado por parcela da doutrina e jurisprudência pátrias para o processo coletivo, com as devidas

adequações. 302 CÂNDIA, Eduardo. Legitimidade ativa na ação civil pública. Salvador: Juspodivm, 2013, p.64. 303 GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.76. 304 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.204.

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legitimação do particular, como no caso da Ação Popular, Lei nº4.717/1965 que legitima

“qualquer cidadão”; 2) legitimação de pessoas jurídicas de direito privado, como por

exemplo, os sindicatos, associações e partidos políticos para impetrar o mandado de

segurança coletivo, art.5º, LXX, da Constituição Federal de 1988; ou 3) legitimação de órgãos

do Poder Público, como o Ministério Público para ajuizar ação civil pública, nos termos da

Lei nº7.347/1985 (LACP)305

.

Assim, o art.5º da LACP relaciona os legitimados ativos para ajuizar a ação

civil pública ou coletiva: o Ministério Público, a Defensoria Pública, as pessoas jurídicas de

direito público da administração direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal),

autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, órgãos públicos sem

personalidade jurídica (acréscimo do CDC) e associações civis 306

.

De seu turno, a Lei nº8.078/90 (CDC), art.81, III, atribui legitimidade aos

sindicatos para defesa de interesses coletivos de seus associados em situação análoga às

associações civis.

Outrossim, os anteprojetos de Códigos Brasileiros de Processos Coletivos,

tanto o elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, o Código Modelo Ibero-

Americano e os Anteprojetos IBDP e UERJ/Unesa estendem a legitimação para a ‘ação

coletiva ativa’ a qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos307

. O

anteprojeto do IBDP ressalva apenas que “desde que o juiz reconheça sua representatividade

adequada [...]” (art.20, I)308

.

Como se vê, a verificação da legitimidade no direito brasileiro se dá ope legis.

Enquanto nas class actions norte-americanas a legitimidade ocorre pela representatividade

cuja adequação é examinada pelo juiz em cada caso concreto, nas ações coletivas brasileiras o

legitimado ativo é previamente estabelecido pelo legislador.

305 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.205. 306 Sobre a titularidade ativa de cada ente previsto na legislação pertinente, ver: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação

civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: RT,

2007. 307 Ibero-americano, art.3º; IBDP, art.20; UERJ/Unesa, art.9º. 308 Eurico Ferrari, em estudo específico sobre o tema, expõe os argumentos contrários à legitimidade individual, dentre eles o

de que o cidadão brasileiro ainda não está preparado para ajuizar ações coletivas, considerando tratar-se de uma cultura

tipicamente norte-americana, fugindo das nossas tradições; que já existe ação popular, não havendo necessidade de outro

instrumento ao cidadão para defesa de interesses supraindividuais em juízo, banalizando as demandas coletivas. Os principais

argumentos favoráveis, aos quais filia o autor, são: estímulo à propositura das ações; alforria do indivíduo da dependência a

órgãos estatais; a exigência de filiação à uma associação representa ofensa aos princípios constitucionais; a legitimação do

indivíduo à ação coletiva insere-se no contexto de uma democracia participativa, nos moldes da atual Constituição Federal.

(FERRARI, Eurico. Legitimação para demandas coletivas – a pessoa física como legitimada ativa à ação coletiva. In:

(Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.136-143).

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No ordenamento brasileiro, a legitimidade ativa coletiva é bastante ampla,

atribuída a órgãos públicos e instituições privadas, a entes despersonalizados e, no caso

específico da Ação Popular, ao cidadão.

A legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos transindividuais

e individuais homogêneos é concorrente e disjuntiva, haja vista que não exclui a legitimidade

de outros órgãos públicos, também legitimados para a defesa dos mesmos direitos (art.129,

§1º da CF, art.5º, I da LACP e art.I do CDC)309

.

Observa-se que a atribuição do Ministério Público não é privativa, tampouco

há obrigatoriedade da propositura da demanda, cabendo ao Promotor de Justiça a análise

quanto à conveniência e a necessidade310

. Difere quanto à obrigatoriedade de promover a

execução da sentença condenatória da tutela dos direitos transindividuais quando o autor

originário não o faz no prazo legal determinado (art.15, da LACP).

Sobreleva a função institucional do Ministério Público para a tutela de direitos

transindividuais por chancela da Constituição Federal (art.129, III)311

. Desta forma, não há

limitador explícito para a legitimação do Parquet nas ações coletivas, salvo aquelas

decorrentes da própria Constituição312

.

A legitimidade do Ministério Público para a tutela de direitos transindividuais e

dos direitos individuais indisponíveis não tem sido objeto de discussões, em razão do disposto

no caput do art.127 da Constituição Federal. A polêmica doutrinária e jurisprudencial gira,

portanto, em torno da legitimidade ativa do Ministério Público para as demandas envolvendo

direitos individuais homogêneos disponíveis313

.

309 Vale ressaltar que além da LACP e CDC, as duas leis processuais gerais, outras normas que tutelam direitos de natureza

coletiva também outorgam legitimidade ao Ministério Público, como a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei

nº6.938/81, art.14), o ECA (art.200 a 2005), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº8.429/92, arts.16 e 17), a Lei de

Defesa dos Interesses das Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº7.853/89, art.3º), etc. 310 Conforme Hugo Nigro Mazzilli, “O dever de agir não obriga à cega propositura da ação pelo Ministério Público. Sem

quebra alguma do princípio da obrigatoriedade, ‘se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se

convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito

civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente (LACP, art. 9º)’”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos

interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.96-97). 311 Gregório Assagra de Almeida com base na teoria de Marcelo Pedroso Goulart, afirma que o perfil constitucional do

Ministério Público denota duas características: O Ministério Público demandista e o resolutivo. O Ministério Público

demantista atua como agente processual transferindo ao Poder Judiciário a resolução de problemas sociais. No plano

resolutivo, atua preventivamente para evitar violação aos direitos utilizando instrumentos que estão à sua disposição, como o

inquérito civil, o procedimento administrativo direitos sociais e repressivamente, formalizando o termo de ajustamento de

conduta, para reparação de danos aos direitos sociais. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo

brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.510). 312 O art.129, IX da Constituição Federal veda “a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.

Assim, de acordo com a Constituição Federal os interesses difusos e coletivos não se confundem com os interesses de

entidades públicas, ainda que relevantes e de interesse social. 313 De extrema importância a avaliação de Kazuo Watanabe acerca da legitimidade do Ministério Público, trazendo à colação

temas relevantes e julgados pelos tribunais superiores. (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.86-89).

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A interpretação do art.127 da Constituição Federal deve ser feita de forma

criteriosa, observando que a coletivização dos direitos individuais promovem o acesso à

justiça, zela pela ordem jurídica e efetiva os direitos materiais reconhecidos no ordenamento

jurídico314

.

Destarte, a defesa destes interesses pelo Ministério Público deve ser realizada à

luz do texto constitucional levando em conta os interesses sociais que envolvem o caso

concreto e a conveniência da participação do Parquet. Neste sentido, Hugo Nigro Mazzilli

aponta os seguintes critérios verificáveis: “a) conforme a natureza do dano (p. ex. saúde,

segurança e educação públicas); b) conforme a dispersão dos lesados (a abrangência social do

dano, sob o aspecto dos sujeitos atingidos; c) conforme o interesse social no funcionamento

de um sistema econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança

popular, questões tributárias etc.)”315

.

Observa-se a exemplo da Constituição Federal, que a legislação

infraconstitucional não apresenta limitação à atuação do Ministério Público nas demandas

coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos.

Com efeito, considerando a relevância social em que estão envolvidas as

demandas coletivas, os tribunais superiores vêm pacificando o entendimento de que o

Ministério Público pode promover ação civil pública para a tutela de direitos individuais

homogêneos, mesmo que disponíveis e indivisíveis, “quando na presença de relevância social

objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a

saúde, a educação, apenas para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito

em si considerado”316

.

Estes critérios devem ser analisados internamente pela própria instituição,

decidindo pela existência ou não do interesse público e conveniência de sua atuação no caso

envolvendo a tutela dos direitos individuais homogêneos, não justificando a verificação ou

limitação imposta pelo Poder Judiciário, embora possa fazê-lo, justificadamente317

.

314 A propósito, Sérgio Cruz Arenhart argumenta: “Isto porque, em sendo finalidade do Ministério Público a defesa da ordem

jurídica (art.127 da CF/1988) justifica-se a sua intervenção sempre que haja a ameaça de que essa ordem jurídica possa ser

aplicada de forma desigual entre os sujeitos que estão a ela submetidas. Além disso, a coletivização das pretensões

individuais encontra amparo na função, também atribuída ao Ministério Público, de zelar pelo respeito dos direitos

constitucionais por parte dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública. Afinal, com a coletivização de questões

individuais, impõe-se ao serviço justiça, prestado pelo Poder Judiciário, o tratamento uniforme de certa questão, preservando

uma das mais importantes garantias constitucionais, que é a igualdade.” (ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de

interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.229). 315 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.113. 316 RE 190976/SP, RE 631111 RG/GO; REsp n.1.225.010/PE; REsp n.945.785 - RS; AgRg no AREsp 209779/RJ; REsp

n.984.005/PE. 317 Neste sentido, Sérgio Cruz Arenhart, pondera: “O que pode sim o Judiciário fazer é verificar se o representante do grupo

nação coletiva tem condições de agir em juízo, de forma adequada, na tutela dos interesses do grupo. Para tanto, pode até

chegar à conclusão de que o Ministério Público, ou a Defensoria Pública, ou outro órgão público qualquer, não é o

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108

A legitimidade da Defensoria Pública para as ações civis públicas também não

é pacífica318

. A Lei nº11.448/2007 alterou o art.5º da LACP, legitimando a Defensoria para

propor ações civis públicas, mas não estabeleceu qualquer limitação, a exemplo do que ocorre

com as associações. Entretanto, tal legitimidade deve ser interpretada, também, à luz da

Constituição Federal, como só acontece com o Ministério Público.

O art.134 da Constituição Federal reza que incumbe à Defensoria Pública a

orientação jurídica e a defesa dos necessitados. Assim, parece conveniente afirmar que as

ações coletivas propostas pela Defensoria Pública deve ter como pressuposto a sua finalidade

institucional, garantida pela Constituição Federal.

A situação da análise da legitimidade da Defensoria Pública não destoa do

Ministério Público no sentido de que cabe à própria instituição avaliar a conveniência e

oportunidade de sua atuação. Considerando que a polêmica cinge-se tão somente se os

representados ou substituídos são necessitados ou carentes de recursos, parece inoportuno que

esta “fiscalização” seja realizada pelo Poder Judiciário, embora possa fazê-lo, haja vista esta

questão ser verificável pela própria Defensoria interna corporis319

.

Além disso, a relevância dos direitos transindividuais elevada à categoria de

direito fundamental pela Constituição Federal, levou o legislador infraconstitucional a ampliar

o leque de legitimados para ajuizar as demandas que os envolvem com a finalidade de

conferir a mais ampla e efetiva tutela. Este cenário deve levar os legitimados, os titulares do

direito material e o Poder Judiciário a unir forças para prestigiar a tutela destes direitos

revestidos de interesse social.

Assim, os legitimados pela Constituição ou lei infraconstitucional são, além do

Ministério Público e a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito

Federal, as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem representante adequado de certo interesse. Todavia, há de fazê-lo justificadamente e em razão do caso concreto. Deverá dizer

por que motivo, para aquela situação determinada, não deve tocar ao Ministério Público ou a qualquer outro legitimado a

tutela daquele interesse específico, dando então oportunidade ao representante adequado para que ingresse no feito e prossiga

na tutela do interesse”. (ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos

interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.230-231). 318

Tramita no STF a ADI 3.943 ajuizada pela CONAMP em 16/08/2007: “Conamp questiona legitimidade da Defensoria

Pública para propor ação civil pública. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ajuizou no

Supremo Tribunal Federal (STF), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3943 que contesta lei que legitima a

Defensoria Pública a propor ação civil pública. (art.5º da Lei nº7.347/1985 , com redação dada pela Lei nº11.448/2007). A

Conamp alega que a possibilidade da Defensoria Pública propor, sem restrição, ação civil pública “afeta diretamente” as

atribuições do Ministério Público. Segundo a associação, a lei contraria os arts.5º, LXXIV, e art.134, da Constituição Federal,

que versam sobre as funções da Defensoria Pública de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que não possuem

recursos suficientes. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=70846. Publicado em: 21/08/2007. Acesso em: 15

nov.2014. “Aqueles que são atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis, identificáveis”,

portanto, “não há possibilidade alguma de a Defensoria Pública atuar na defesa de interesses difusos, coletivos ou

individuais”, alega a Conamp. A relatora da ADI é a ministra Cármem Lúcia Antunes da Rocha. 319 Neste sentido: ARENHART. Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos

interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.228.

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personalidade jurídica, mas com destinação específica, as associações legalmente constituídas

há pelo menos um ano (dispensada a pré-constituição na hipótese do art.82, §1º do CDC) que

incluam entre seus fins institucionais estes direitos e havendo manifesto interesse social

evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou relevância do bem jurídico tutelado.

2.7.2.1.1 Natureza jurídica da legitimidade ativa

Identificados os legitimados ativos para agir em juízo nas ações coletivas,

relacionados de forma taxativa na legislação, importa abordar o aspecto da natureza jurídica.

A doutrina diverge quanto à natureza jurídica da legitimidade ad causam nas ações coletivas,

destacando quatro correntes: 1ª) legitimidade ordinária para a defesa dos direitos

transindividuais e extraordinária para a proteção dos direitos individuais homogêneos; 2ª)

legitimidade extraordinária para a defesa de qualquer espécie de direito coletivo; 3ª)

legitimidade autônoma para a condução do processo quanto aos direitos transindividuais e

extraordinária para a proteção dos direitos individuais homogêneos; 4ª) legitimidade

autônoma para a condução do processo versando sobre qualquer espécie de direito coletivo320

.

A abordagem do tema, analisando as correntes distintas acerca da natureza

jurídica da legitimidade poderia ser desenvolvida de forma detalhada, no entanto, é necessário

fazer um corte metodológico, delimitando de forma despretensiosa como a legislação e a

doutrina brasileiras atenderam à necessidade de efetiva tutela dos direitos transindividuais e

ao acesso à ordem jurídica justa. Destarte, aborda-se apenas os aspectos mais divulgados pela

doutrina pátria.

Digno de registro o entendimento de Araken de Assis sobre a natureza da

legitimidade do Ministério Público, das associações e dos partidos políticos para a tutela dos

direitos difusos e coletivos. Segundo o autor, trata-se de legitimidade ordinária, eis que se

mostram titulares do direito posto em causa, ainda que existam outros titulares dos direitos

parciais, que juntos formam o objeto litigioso. E acrescenta: “por esta linha de raciocínio, a

soma das partes adquire identidade própria e nova, substancialmente diversa das frações, de

que é titular pessoa também diferente, graças à indivisibilidade”321

.

Seguindo raciocínio semelhante, Acelino Rodrigues Carvalho defendeu em

dissertação de mestrado que o instituto da substituição processual é regra do processo coletivo

320 Estudo elucidativo sobre as quatro correntes, consultar: DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso

de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.133-138. 321 ASSIS, Araken de. Substituição processual. In: (Org.) DIDIER JR., Fredie. Leituras complementares de processo civil.

6.ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p.198-199.

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110

por exigência do Estado Democrático de Direito, que reconheceu duas espécies de direitos

quanto à sua titularidade e assegurou aos cidadãos direitos transindividuais. Com efeito, “na

medida em que o ordenamento tutela juridicamente os interesses difusos e coletivos [...]

emerge a necessidade de um processo coletivo no qual a não coincidência subjetiva e, por

consequência, a substituição processual passa a ser regra e não mais exceção”. E, por isso,

conclui que a legitimação ativa para as ações coletivas se dá, em regra, por substituição

processual, configurando uma legitimação ordinária322

.

De outra sorte, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery defendem a

legitimação extraordinária implementada pela substituição processual apenas para a defesa

dos direitos individuais homogêneos, enquanto que, para a defesa dos direitos difusos e

coletivos, a legitimação é autônoma para condução do processo:

A figura da substituição processual pertence exclusivamente ao direito singular, e,

no âmbito processual, ao direito processual civil individual. Só tem sentido falar-se

em substituição processual diante da discussão sobre um direito subjetivo (singular),

objeto da substituição: o substituto substitui pessoa determinada, defendendo em seu

nome o direito alheio do substituído. Os direitos difusos e coletivos não podem ser

regidos pelo mesmo sistema, justamente porque tem como característica a não

individualidade. Não se pode substituir a coletividade ou pessoas indeterminadas. O

fenômeno é outro, próprio do direito processual coletivo [...]. Por essa legitimação

autônoma para a condução do processo, o legislador, independentemente do

conteúdo do direito material a ser discutido em juízo, legitima a pessoa, órgão ou

entidade a conduzir o processo judicial no qual se pretende proteger o direito difuso

ou coletivo323

.

Nesta mesma direção, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim

Wambier afirmam que a legitimação nas “ações genuinamente coletivas” não se trata de

hipótese de defesa de direito próprio (legitimação ordinária) tampouco de situação que se

enquadre no instituto de legitimação extraordinária. Segundo os autores, soaria estranho

chamar extraordinário, algo que no processo coletivo é regra geral. Seguem o raciocínio

propondo a busca de um tratamento processual novo e adequado com a disciplina processual

que pretende tutelar os novos direitos:

Neste sentido, entendemos que é correto afirmar que a legitimação dos entes

autorizados à defesa dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais

homogêneos deve ser tratada como uma legitimação especial, com contornos

322 CARVALHO, Acelino Rodrigues. Substituição processual no processo coletivo – um instrumento de efetivação do

Estado Democrático de Direito. São Paulo: Pillares, 2006, p.260. 323 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante –

comentários ao art.6º. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.222.

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111

próprios [...], sendo pertinente, a nosso ver, sua caracterização como legitimação

autônoma324

.

Antonio Gidi considera a hipótese de “uma espécie anômala de substituição

processual (que, por sua vez, já é considerada uma legitimidade anômala) secundum eventum

litis, em que o substituído seria atingido apenas pela coisa julgada da sentença favorável”325

.

Isto porque, entre outras razões, pelas normas atinentes à substituição processual, o

substituído não pode se socorrer novamente do juízo após ser atingido pela coisa julgada

material. Ocorre que, nas ações coletivas em defesa de direito individual homogêneo, as

vítimas poderão propor ação individual, ainda que improcedente a ação coletiva.

Aqueles que defendem a legitimidade extraordinária o fazem com a

compreensão do regime da substituição processual326

. Neste aspecto, vale-se da inexistência

entre a coincidência de titulares do direito material e aqueles legitimados na relação

processual. Assim, quem litiga como autor ou réu, em nome próprio e na defesa do direito

alheio será o substituto processual, sujeito da relação processual.

Em virtude disto, grande parte da doutrina posiciona-se pela legitimação

extraordinária nas ações coletivas327

, efetuando substituição processual da coletividade, desde

que analisado sob uma perspectiva coletiva 328

. É o que explica Hugo Nigro Mazzilli:

324 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a liquidação e a execução das

sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.266. 325 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.44. 326 Neste sentido, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “O termo ‘legitimação extraordinária’, assim

como o uso ulterior da noção de substituição processual, tem exclusivo fim didático, visando facilitar a compreensão do

aluno. Com efeito, conforme já se advertiu anteriormente, não se pode conceber o processo coletivo sob a perspectiva da ação

individual, nem se pode aplicar indiscriminadamente as noções do processo individual para a tutela coletiva. De fato, não há

razão para tratar da legitimidade para a tutela dos direito transindividuais (ou mesmo dos direitos individuais homogêneos) a

partir de seu correspondente no processo civil individual. [...] A noção de direitos transindividuais, como é óbvio, rompe com

a noção de que o direito ou é próprio ou é alheio. Se o direito é da comunidade ou da coletividade, não é possível falar em

direito alheio, não sendo mais satisfatória, por simples consequência lógica, a clássica dicotomia que classifica a legitimidade

em ordinária extraordinária”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – procedimentos especiais. v.5. São

Paulo: RT, 2009, p.301). 327 Com fundamento na sistematização desenvolvida por José Carlos Barbosa Moreira, Pedro Lenza, conclui que a

legitimação para as ações coletiva é “extraordinária, autônoma, exclusiva, concorrente e disjuntiva: a) extraordinária, já que

haverá sempre um substituição da coletividade; b) autônoma, no sentido de ser a presença do legitimado ordinário, quando

identificado, totalmente dispensada; c) exclusiva em relação à coletividade substituída, já que o contraditório se forma

suficientemente com a presença do legitimado ativo; d) concorrente em relação aos representantes adequados, entre si, que

concorrem em igualdade para a propositura da ação; e) disjuntiva, já que qualquer entidade poderá propor a ação sozinha,

sem a anuência, intervenção ou autorização dos demais, sendo o litisconsórcio eventualmente formado, sempre facultativo”.

(LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública.3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.180). 328 Pedro Lenza, em estudo específico, relacionou como adeptos desta corrente: Grinover, Dinamarco, Yarshell, Zavascki,

Vigliar, Pedro da Silva Dinamarco e Ephraim de Campos Jr., destacando os principais pontos de vista de cada um dos

doutrinadores. (LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.173-174).

Sobre a legitimação extraordinária, interessante sistematização desenvolvida por José Carlos Barbosa Moreira que poderá ser

autônoma ou subordinada. A legitimação extraordinária subdivide-se em exclusiva ou concorrente e esta, por sua vez em

primária ou subsidiária. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimidade

extraordinária. Direito Processual Civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p.58.)

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112

Para nosso Direito (brasileiro), é, pois, substituição processual o fenômeno pelo qual

a lei concede a alguns legitimados o poder de, em nome próprio, defender pessoas

que não fazem parte da relação processual [...]. Em nosso entendimento, a

substituição processual nas ações civis públicas ou coletivas vai além. Ela não se dá

apenas nas hipóteses de defesa de interesses individuais homogêneos. Também

quando ajam na tutela judicial de interesses coletivos, e, portanto, indivisíveis, os

colegitimados à ação civil pública ou coletiva defendem interesses individuais dos

integrantes do grupo lesado. Da mesma forma, quando ajam no zelo de interesses

difusos, os colegitimados à ação civil pública ou coletiva, a par de também

sustentarem interesses institucionais próprios (no caso das associações civis, do

Ministério Público ou do próprio Estado), sem dúvida estão defendendo interesses

individuais de titulares dispersos no seio da coletividade329

.

Neste compasso, percebe-se que também na jurisprudência, a legitimação

extraordinária é a regra para as ações coletivas brasileiras, ainda que de forma sui generis,

dadas as especificidades do direito material tutelado (objeto). E assim tem entendido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÕES COLETIVAS. ASSOCIAÇÕES DE CLASSE E

SINDICATOS. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO

PROCESSUAL. EXECUÇÃO. DISPENSA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA

DOS FILIADOS.

1. Trata-se de Agravo Regimental no qual a União sustenta que, por falta de

autorização individual expressa, a associação de classe não pode agir na condição de

substituto processual em Execução de sentença coletiva.

2. A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que as associações de classe

e os sindicatos possuem legitimidade ativa ad causam para atuarem como

substitutos processuais em Ações Coletivas, nas fases de conhecimento, na

liquidação e na execução, independentemente de autorização expressa dos

substituídos e de juntada da relação nominal dos filiados. (STJ, AgRg

2013/0268019-0 no AREsp 385226 / DF, 2ªT do STJ, Min. Herman Benjamin, data

do Julgamento 22/10/2013, publicação no DJe 05/12/2013)330

.

No Supremo Tribunal Federal, foi objeto de Repercussão Geral:

AÇÃO COLETIVA – SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL – ART.5º, XXI, DA

CARTA DE 1988 – ALCANCE TEMPORAL – DATA DA FILIAÇÃO. Possui

repercussão geral a controvérsia acerca do momento oportuno de exigir-se a

comprovação de filiação do substituído processual, para fins de execução de

sentença proferida em ação coletiva ajuizada por associação – se em data anterior ou

até a formalização do processo. (RE 612043 RG/ PR – Paraná – repercussão geral

no recurso extraordinário – Rel. Min. Marco Aurélio – julgamento: 17/11/2011 –

publicação: DJE-048 divulg 07-03-2012 public 08-03-2012).

Por fim, explica Teori Albino Zavascki que a substituição processual tem

aplicabilidade apenas no plano da relação processual, pois, “quem defende em juízo, em nome

próprio, direito de outrem não substitui o titular na relação de direito material, mas sim, e

329 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.67. 330 No mesmo sentido: STJ – REsp 1186714-GO, AgRg no AgRg no Ag 1157523-GO, AgRg no Ag 1186993-GO, AgRg no

AgRg no Ag 1179033-GO, AgRg no Ag 1153516-GO.

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113

apenas, na relação processual”331

. Assim, é vedado ao substituto praticar quaisquer atos que

implique em disposição do direito material tutelado, como por exemplo, o reconhecimento do

pedido, a confissão e a transação, por exemplo.

Feitas as considerações acerca da legitimidade nas ações coletivas como um

dos seus elementos, passa-se a apresentar o último elemento, a coisa julgada, caracterizada,

também, como um dos pontos mais sensíveis do processo coletivo. Como bem observa

Rodolfo de Camargo Mancuso, “os pontos nevrálgicos do processo coletivo brasileiro, a

reclamar maior atenção e estudo do operador do Direito e que vêm provocando maior dissídio

jurisprudencial parecem residir no contraditório, na legitimação para agir e na coisa

julgada”332

.

2.7.2.2 Coisa julgada nas ações coletivas

Abordada, portanto, a legitimidade ativa e constatado que a maioria da doutrina

defende a legitimação extraordinária, via substituição processual, feitas as devidas adequações

e constatado que esta foi acolhida pela jurisprudência pátria, cumpre verificar em que medida

a coisa julgada atinge os substituídos no âmbito das ações coletivas. Justifica-se a abordagem,

sem contudo, adentrar aos debates acerca das polêmicas sobre o tema, em razão do corte

metodológico da presente pesquisa. Importa, no entanto, apresentar as peculiaridades do

instituto da coisa julgada nas ações coletivas em razão da sua importância para a efetividade

do provimento jurisdicional333

, conforme pondera Pedro Lenza:

[...] o instituto da coisa julgada é de fundamental importância para trazer

estabilidade e segurança, não só às partes que participam efetivamente da relação

jurídica processual, como, de modo mais amplo, a toda sociedade que não pode

conviver com um sistema instável e incapaz de apaziguar as situações jurídicas,

afastando a execrada e indesejada perpetuação dos litígios334

.

O conceito de coisa julgada material previsto no art.467 do CPC é válido e

aplicável para todas as sentenças de mérito. Significa que independentemente da espécie de

ação (individual ou coletiva), a coisa julgada material é a eficácia “que torna imutável e

331 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo:

RT, 2009, p.64. 332 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância entre ações de natureza coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo:

RT, 2007, p.161. 333 Consoante explica Luiz Rodrigues Wambier, “o modo com que o sistema normativo trata, por exemplo, de questões como

a litispendência, a coisa julgada e a distribuição do ônus de provar, no processo coletivo, tem reflexos diretos e imediatos na

liquidação de sentença”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.202). 334 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.210.

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indiscutível a sentença, não mais sujeita a recursos ordinário ou extraordinário”. São dois os

critérios de distinção entre a eficácia das sentenças proferidas nas ações individuais e nas

ações coletivas: a) os pressupostos para adquirir imutabilidade e b) os limites de sua eficácia.

Nesta linha de raciocínio, conforme o art.467 do CPC, ocorre a imutabilidade

da sentença quando esta “não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”, tem sua

eficácia limitada às partes do processo, não beneficiando, nem prejudicando a terceiros,

conforme dispõe o art.472 do CPC. Nas ações coletivas, a sentença adquire imutabilidade

quando não estiver mais sujeita a recurso e for sentença de procedência ou, ainda, quando o

fundamento da improcedência não for a insuficiência de provas.

A doutrina classifica os tipos de coisa julgada, quanto ao seu modo de

produção, em três categorias: pro et contra, que se forma independente do resultado do

processo; secundum eventum litis, que somente se produz quando a demanda for julgada

procedente e secundum eventum probationis, que apenas se forma em caso de esgotamento de

provas335

.

Ante as distinções apontadas, observa-se que o fenômeno da coisa julgada

recebe tratamento diferenciado daquele dispensado nas ações individuais336

. A disciplina da

coisa julgada nas ações coletivas está disposta no art.103 do CDC, definindo seus limites

subjetivos (estabelecendo quais pessoas serão alcançadas pela autoridade da sentença

transitada em julgado), determinando a ampliação do objeto do processo da ação coletiva,

mediante o transporte, in utilibus, da sentença coletiva às ações individuais337

. A aplicação

deste dispositivo é extensivo a todas as ações coletivas, relativas não apenas aos direitos do

consumidor, mas também a todas as espécies de tutela coletiva a direitos transindividuais, nos

termos do art.21 da LACP (introduzido pelo art.117 do CDC).

335 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.364. 336 José Roberto dos Santos Bedaque, dissertando sobre a influência do direito material no processo, chama a atenção dos

processualistas para a necessidade de revisão de seus conceitos, em função das peculiaridades do direito substancial. No caso

do instituto da coisa julgada, afirma: “Nessa medida, verifica-se a profunda alteração nos limites subjetivos da coisa julgada

em demandas versando interesses indivisíveis, que acabam alcançando pessoas que não participaram do contraditório

instaurado perante o juiz. Tal ocorre pelo simples fato de haver o direito material instituído essa categoria de direitos,

denominados difusos e coletivos. A indivisibilidade do bem implica tratamento uniforme, o que afasta a possibilidade de

decisões diferentes. Daí a necessidade de o disposto na sentença tornar-se imutável para todos. É, pois, a indivisibilidade do

objeto da demanda que determina a extensão dos limites subjetivos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes”.

(BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.117). 337 Conforme Ada Pellegrini Grinover, que prossegue: “muito embora o dispositivo se refira às ‘ações coletivas’ de que trata

este Código, na realidade sua abrangência é maior. [...] Ademais, é oportuno lembrar que o art.110 do Código acrescentou o

inc. IV ao art.1º da Lei nº7.347/85, estendendo a abrangência desta a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Daí por que

os dispositivos processuais do Código se aplicam, no que couber, a todas as ações em defesa de interesses difusos, coletivos,

ou individuais homogêneos, coletivamente tratados. Isso significa que a disciplina da coisa julgada, contida no art.103, rege

as sentenças proferidas em qualquer ação coletiva, pelo ou menos até a edição de disposições específicas que venham

disciplinar diversamente a matéria. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.185).

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115

Destarte, segundo dispõe o art.103 do CDC, na hipótese de interesses difusos, a

sentença fará coisa julgada erga omnes, o que também ocorrerá quanto aos interesses

individuais homogêneos, mas apenas em caso de procedência da ação, a fim de beneficiar

todas as vítimas e seus sucessores. Quando a ação coletiva versar sobre direito coletivo, a

sentença fará coisa julgada ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe.

O art.103, I e II, que se referem a direitos difusos e coletivos, trazem uma

inovação à formação da coisa julgada, que é a improcedência da ação por falta de provas. Isso

significa que será possível aos autores voltar a juízo, caso surjam novas provas aptas a levar a

um resultado diferente sobre o direito pleiteado na demanda. Nestes casos, a sentença de

improcedência por suficiência de provas está apta a tornar-se indiscutível, não sendo

admissível a repropositura da ação coletiva ainda que por outro colegitimado. Observa-se que

no caso de direito individual homogêneo, se o pedido for julgado improcedente, não será

possível a repropositura da ação coletiva, mesmo que o fundamento seja insuficiência de

prova. É possível, contudo, o ajuizamento da ação individual, caso o indivíduo não tenha

participado da ação coletiva.

Esta característica da formação da coisa julgada secundum eventum

probationis, aquela que só se forma em caso de esgotamento das provas, também está

presente no art.16 da LACP e no art.18 da LAP, diplomas do microssistema processual

coletivo.

De acordo com Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “a opção pela coisa

julgada secundum eventum probationis revela o objetivo de prestigiar o valor justiça em

detrimento do valor segurança, bem como de preservar os processos coletivos do conluio e da

fraude processual”338

.

De outro lado, Patricia Miranda Pizzol discorda da possibilidade da coisa

julgada secundum eventum probationis, eis que intimamente relacionada com a tese da

relativização da coisa julgada. Segundo a autora, a coisa julgada não pode ser relativizada sob

o argumento de que a justiça deve prevalecer sobre a segurança jurídica339

. E argumenta:

Ao contrário, valores como segurança jurídica e estabilidade das relações jurídicas

devem ser prestigiados, sob pena de a jurisdição não cumprir a sua função de

pacificação social. É óbvio que todos esperamos que a jurisdição seja exercida com

justiça, mas todos sabemos que cabe ao julgador decidir com base nos elementos

presentes nos autos (alegações e respectivas provas) e infelizmente, muitas vezes, a

melhor versão dos fatos (a versão comprovada dos fatos) não é a verdadeira, mas,

338 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.367. 339 No mesmo sentido: OLIVEIRA, Paulo Rogério de. Algumas reflexões sobre a coisa julgada coletiva. In: (Coords.)

DIDIER JR. Fredie e outros. Tutela jurisdicional coletiva. 2. série. Salvador: Juspodivm, 2012, p.601.

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116

ainda assim, será com base nela que o juiz julgará a causa. Se o juiz errar na

apreciação dos fatos ou na aplicação do direito ao caso concreto ou mesmo na

aplicação das regras processuais, poderá a parte inconformada (além dos terceiros e

do Ministério, quando legitimados) utilizar o instrumento cabível para impugnar o

pronunciamento judicial, observadas as formalidades. Não sendo possível a

manipulação de tais instrumentos, terá a parte prejudicada pela sentença que se

conformar e cumprir o decidido340

.

A despeito deste posicionamento, Patricia Miranda Pizzol alega que no caso do

processo coletivo, esta regra a respeito da coisa julgada, contida no art.103 do CDC é

especial, cuja interpretação em prol da defesa dos direitos coletivos só se sustenta em razão

das características especiais da coisa julgada coletiva, decorrentes da legislação

infraconstitucional.

Outra importante característica da coisa julgada em ações coletivas é o fato de

seus limites subjetivos estenderem-se aos demais substituídos secundum eventum litis. Isso

significa que a eficácia das sentenças transitadas em julgado, em ações da espécie, somente

atingirão aos demais colegitimados, dependendo do resultado da ação, se procedente ou

improcedente, e de sua fundamentação, a exemplo da improcedência por insuficiência de

provas. Esta característica é peculiar nas ações coletivas, razão pela qual parcela da doutrina

entende que a coisa julgada não é, a rigor, secundum eventum litis, mas apenas sua extensão,

para beneficiar os titulares dos direitos individuais. Neste sentido, entende Antonio Gidi:

Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é

secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do

pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A

coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser

pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se

forma pro et contra. O que diferirá, de acordo com o “evento da lide”, não é a

formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o

que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão

“erga omnes” ou “ultra parte” à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados

pela conduta considerada ilícita na ação coletiva (é o que se chama extensão in

utilibus da coisa julgada)341

.

As características da coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus estão,

portanto, diretamente conectadas na medida em que os limites subjetivos da sentença

transitada em julgada só irão estender-se aos substituídos (secundum eventum litis), se a estes

beneficiar (in utilibus).

À vista do exposto, em resumo, a coisa julgada em ações coletivas resulta no

seguinte panorama: a) será erga omnes, quando versar sobre direitos difusos e a decisão for de

procedência ou de improcedência, com esgotamento de provas; b) não haverá coisa julgada

340 Disponível em: http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/artigo_patricia.pdf. Acesso em: 14 maio 2014. 341 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.73.

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117

material, se a improcedência se fundar em falta de provas: c) será ultra partes, mas

limitadamente ao grupo, classe ou categoria de lesados em caso de improcedência com

esgotamento de provas; d) não haverá coisa julgada material, se a improcedência for fundada

em falta de provas, salvo para os lesados individuais que intervieram na ação coletiva; e) será

erga omnes, quando versar em direitos individuais homogêneos, se a sentença for de

procedência, beneficiando vítimas e sucessores; f) não haverá coisa julgada material, se versar

sobre direitos individuais homogêneos, caso julgada improcedente por qualquer motivo, salvo

para os lesados individuais que intervieram na ação coletiva342

.

Outrossim, o art.16 da Lei nº7.347/85 (LACP), cuja redação foi modificada

pelo art.2º da Lei nº9.494/97 tem sido alvo de inúmeras críticas por parte da doutrina343

, em

razão da restrição territorial operada em relação à coisa julgada coletiva: “A sentença civil

fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto

se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas [...]”.

Com efeito, são vários os fundamentos e argumentos da doutrina – já bastante

debatidos e difundidos – contrários à restrição da eficácia da coisa julgada coletiva relativa à

competência territorial do órgão prolator da decisão. Cuida-se, aqui, de registrar alguns dos

principais entendimentos da doutrina e dos julgados.

Ada Pellegrini Grinover344

argumenta que o dispositivo em questão, além de

totalmente ineficaz, contraria a filosofia dos processos coletivos ao limitar a abrangência da

coisa julgada nas ações civis públicas, contribui para a multiplicação de processos e a

sobrecarga dos tribunais, “exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quando uma só poderia

ser suficiente”, caminhando na contramão da história345

. Quanto à ineficácia, argumenta:

342 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.616. 343 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.176-216; DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações

coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.264-

266; LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.185-186;

DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.209-213;

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.604-604; PIZZOL,

Patricia Miranda. Coisa julgada nas ações coletivas. Disponível em:

http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/artigo_patricia.pdf. Acesso em: 14 maio 2014; ZAVASCKI, Teori Albino.

Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.66-67; BENJAMIN,

Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, p.1.481. 344 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.189-190. 345 Neste sentido, parte das informações no Resp STJ: REsp 1243887/PR Recurso Especial 2011/0053415-5, Rel.Min. Luis

Felipe Salomão, Corte Especial, data do julgamento: 19/10/2011; data da publicação: 12/12/2011: “É possível o ajuizamento

no foro do domicílio do consumidor de liquidação e execução individual de sentença proferida em ação civil pública, pois,

caso todas as execuções individuais de ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, que

comportam, por vezes, milhares de consumidores prejudicados, tivessem de ser propostas no mesmo juízo em que proferida a

sentença transitada em julgado, inviabilizar-se-ia o trabalho desse foro, com manifesto prejuízo à administração da justiça”.

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118

Em conclusão: a) o art.16 da LACP não se aplica à coisa julgada nas ações coletivas

em defesa de interesses individuais homogêneos; b) aplica-se à coisa julgada nas

ações em defesa de interesses difusos e coletivos, mas o acréscimo introduzido pela

medida provisória é inoperante, porquanto é a própria lei especial que amplia os

limites da competência territorial, nos processos coletivos, ao âmbito nacional ou

regional; c) de qualquer modo, o que determina o âmbito de abrangência da coisa

julgada é o pedido, e não a competência. Esta nada mais é do que uma relação de

adequação entre o processo e o juiz. Sendo o pedido amplo (erga omnes), o juiz

competente o será para julgar a respeito de todo o objeto do processo; d) em

consequência, a nova redação do dispositivo é totalmente ineficaz.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery346

reforçam o entendimento da

ineficácia do dispositivo, porque nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP,

incidem o art.103 do CDC, por força do art.21 da LACP combinado com o art.90 do CDC.

Assim, para ter eficácia, deveria haver alteração também no art.103 do CDC.

Consequentemente, “não há limitação territorial para a eficácia erga omnes da decisão

proferida em ação coletiva, quer seja fundada na LACP, quer no CDC”. Outra crítica em

relação às modificações trazidas pela Lei nº9.494/97 está em confundir competência com

limites subjetivos da coisa julgada347

:

[...] o Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa julgada, matéria

tratada na norma, com jurisdição e competência, como se, v.g., a sentença de

divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta

última comarca o casal continuasse casado! O que importa é quem foi atingido pela

coisa julgada material. [...] Confundir jurisdição e competência com limites

subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito. Portanto,

se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, quer verse sobre

direitos difusos, quer coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua

sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (v. CDC

103) em todo território – e também no exterior [...]348

.

Parte da jurisprudência acolhe este entendimento, prestigiando a ratio legis

consagrada no CDC. É fato também que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado

346 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.1.695; BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor.

3.ed. São Paulo: RT, p.1.481. 347 Em sentido diverso, Cassio Scarpinella Bueno, discorda deste argumento, porque, segundo ele, o art.93 do CDC, que

dispõe sobre o juízo competente não foi alterado pela Lei nº9.497/1997. Além disso, a lei mais recente deve prevalecer sobre

disposições que já existiam sobre o mesmo assunto. Para este doutrinador, a restrição decorrente do art.2º da Lei

nº9.494/1997 não deve prevalecer, levando em conta o modelo constitucional, não apenas porque “atrita ao ‘acesso coletivo à

justiça’, tanto quanto o referido art.16 da Lei da ação civil pública, mas também porque advém de medida provisória editada

(e reeditada) sem a presença de seus pressupostos autorizadores desde o art.62 da Constituição Federal e finalmente porque

feridora do ‘princípio da isonomia processual’”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual

civil – direito processual público e direito processual coletivo. v.2. t.III. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211).

348 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.1.695-1.696. No mesmo sentido: LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 3.ed.

rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.274-275; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de

resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.265.

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119

entendimento diverso, ora acolhendo o entendimento da ineficácia do art.16 da LACP349

, ora

sancionando-o350

. Decisão que representou uma guinada, abaixo transcrita:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE

CONTROVÉRSIA (ART.543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS

INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO

COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA

SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE.

REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS.

INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.

1. Para efeitos do art.543-C do CPC:

1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação

civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os

efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos

limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto,

sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em

juízo (arts.468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).

1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que

condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre

cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da

instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu

alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa

julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art.2º-A, caput, da Lei

nº9.494/97.

2.Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki. 3.Recurso

especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ: REsp 1243887/PR Recurso

Especial 2011/0053415-5, Rel.Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, data do

julgamento: 19/10/2011; data da publicação: 12/12/2011.

Esta decisão foi amplamente festejada no meio jurídico, trazendo um lampejo

de segurança jurídica aos jurisdicionados. Mas não foi definitiva. Outras decisões diferentes

sobrevieram. É lamentável a divergência entre os tribunais superiores e entre suas turmas.

Estas indesejáveis divergências e alterações nos efeitos da coisa julgada em ações coletivas

representam uma sensação de insegurança e de retrocesso ao acesso à justiça, de acordo com

Antônio Herman V. Benjamin, “para além do desequilíbrio normativo do ordenamento

processual coletivo, criam situações de grave injustiça social, de descrédito da justiça e de

multiplicação de demandas judiciais”351

.

2.7.2.3 A competência para as ações coletivas

O microssistema processual coletivo conjugado principalmente pelas Leis

nº7.347/1985 (LACP) e nº8.078/1990 (CDC), reforçado por outras leis e amparado

349 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 411529-SP; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 651037-PR; AgRg

no REsp 1240114/SC. 350 BRASIL. AgRg nos EDcl no REsp 1419350/RS. 351 BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, p.1.483.

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120

subsidiariamente pelo Código de Processo Civil (CPC), traz uma regulamentação,

aparentemente insuficiente, acerca da competência para o ajuizamento e processamento das

ações coletivas, causando dúvidas e levantando polêmicas.

De fato, a pouca clareza dos conceitos indeterminados (local do dano, dano

local, regional, nacional) dificulta a fixação da competência. Esta situação tem desafiado a

doutrina e a jurisprudência a promover uma interpretação consentânea com os princípios da

tutela jurisdicional coletiva352

. Em outras palavras, a imprecisão legislativa acerca dos lindes

caracterizadores do dano local, regional ou nacional gera incerteza e insegurança no momento

de definição do órgão julgador. Essa insegurança é potencializada quando se confronta o

critério do local do dano com as características naturais dos direitos transindividuais (sujeitos

indetermináveis ou indeterminados e objeto indivisível) aliados à intensa conflituosidade que

os envolve.

Inobstante as polêmicas, é fato inarredável a aplicabilidade das normas

(art.2ºda LACP e art.93 do CDC) e das normas de regência, reciprocamente consideradas353

aliadas à interpretação sistemática do sistema processual vigente para a adequada fixação da

competência. Segundo os dois diplomas legais354

:

Art.2º, LACP: As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde

ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a

causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para

todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o

mesmo objeto.

Art.93, CDC: Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a

causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano,

quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal,

para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de

Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Com efeito, a interação entre estas normas permite concluir que o âmbito de

aplicação e de regência alcança todo e qualquer processo coletivo, seja para a tutela de

direitos difusos, coletivos em sentido estrito ou individual homogêneo.

352 A propósito, ver: VENTURI, Elton. A competência jurisdicional na tutela coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo:

RT, 2007, p.96-113. 353 A necessária interação entre as duas normas foi prevista pelo próprio legislador conforme incluiu o art.21 na LACP e o

art.90 no CDC. Em comentário ao art.93 do CDC, Ada Pellegrini Grinover afirma que referidos dispositivo regem a todos os

processos coletivos aplicando-se às ações em defesa dos direitos difusos e coletivos. Extrai-se tal entendimento do método

integrativo, destinado ao preenchimento da lacuna da lei, tanto pela interpretação extensiva (extensiva do significado da

norma) como pela analogia (extensiva da intenção do legislador). (GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro

de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.143). 354 A estas regras sobrevieram o art.209 da Lei nº8.069/1990 (ECA) e art.80 da Lei nº10.741/2003 (Estatuto do Idoso), cujas

disposições não mudaram substancialmente àquelas já dispostas.

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121

Da leitura desses dois dispositivos, observa-se que o legislador conjugou dois

critérios determinativos para a fixação da competência nas ações coletivas: o local do dano e a

função jurisdicional desempenhada pelo juiz. O primeiro critério conduz à competência

territorial e o segundo, à competência funcional.

De acordo com Patricia Miranda Pizzol355

, a competência territorial ou de foro

é definida em razão do critério territorial, em razão da “necessidade de fixar um juiz entre a

pluralidade de outros da mesma espécie ou com o mesmo grau de jurisdição, atribuindo-se a

ele uma porção territorial, dentro da qual está a sua sede”. Por este critério geográfico,

determina-se o lugar da propositura da ação.

Ainda segundo a autora, a competência funcional é fixada em razão da função

a ser desempenhada pelo julgador no processo, “levando em consideração a possibilidade de

exercício da função por um juiz, ou juízo determinado, dentre os da mesma competência

territorial”356

.

Assim, considerando que a LACP tenha conjugado as expressões “foro” e

“competência funcional”, a doutrina tem preferido denominá-la como “competência

territorial-funcional absoluta”, permitindo traçar algumas linhas gerais diretivas.

A competência para as ações coletivas é fixada em razão do local onde ocorreu

o dano (tutela reparatória ou repressiva) ou deva ocorrer (tutela preventiva), ressalvada a

competência da Justiça Federal, estabelecida na Constituição Federal (art.109). Excluem,

portanto da justiça local, as causas em que a União, entidades autárquicas ou empresa pública

federal forem partes ou interessadas, exceto se não houver vara da Justiça Federal.

Ocorre que esta singela fórmula do local do dano, conjugada com a

competência funcional (para as lides em que a Fazenda Pública é parte ou interessada), não é

suficiente para resolver as multifacetas do direito material coletivo estático quando inseridos

no contexto social dinâmico, representada pelas várias situações cotidianas propensas a causar

lesões aos referidos direitos. Neste cenário, é importante aliar as regras de prevenção,

conexão, continência e litispendência existentes no sistema processual vigente para solucionar

eventuais incertezas originadas da natural complexidade dos direitos e situações em que a

tutela coletiva é cabível.

Afigura-se uma situação de dano ambiental ocorrido em um leito de rio que

ultrapassa fronteiras municipais, regionais, passível de chegar a âmbito nacional357

.

355 PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: RT, 2003, p.156. 356 PIZZOL, Patricia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: RT, 2003, p.145. 357 Conforme Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “importante referir, nesse espaço, a regra prevista no art.225, §4º, da

Constituição Federal de 1988, que reputa a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal

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122

Aplicando-se unicamente o art.2º da LACP, muitos foros seriam competentes, em princípio,

para ajuizar, processar e julgar a ação coletiva fundada em tal evento, estabelecendo-se pela

prevenção.

Inúmeros problemas surgem de uma situação similar a esta, como por exemplo,

a corrida ao Poder Judiciário pela prevenção do foro mais favorável ao autor ou mais

prejudicial à defesa do réu. Além disso, provocaria uma nefasta sobrecarga ao Poder

Judiciário, na medida em que um ilimitado número de decisões liminares fincadas no art.267,

V do CPC, acolheria a alegação de litispendência.

O problema é minimizado, mas não solucionado, pelo inciso II do art.93 do

CDC, dispondo que são competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal,

para os danos de âmbito nacional ou regional. Vale esclarecer que mesmo nos danos de

âmbito nacional, os foros das capitais dos Estados e do Distrito Federal possuem competência

concorrente para processar e julgar as ações coletivas delas decorrentes358

, também fixando

pela prevenção.

A situação se complica quando o dano ocorrer em âmbito regional, haja vista

que o CDC dispõe que qualquer capital é competente para o julgamento da ação coletiva.

Neste caso, em não havendo uma adequada interpretação da norma, corre-se o risco de se

esvair todo o objetivo da regra de “local do dano”, qual seja, prestigiar a efetividade da

prestação jurisdicional, propiciando o acesso à justiça, facilitando a produção de provas e

assegurando que o julgamento seja realizado pelo juízo que teve maior familiaridade com o

dano ou ameaça ao direito tutelado.

No caso das tutelas preventivas ou inibitórias, por exemplo, dificilmente poder-

se-á mensurar a extensão do dano potencial, antes da instrução do feito, a exemplo de dano

ambiental. Gozam da mesma sorte todas as ações coletivas quando envolvem relações de

consumo, ordem econômica, economia popular ou qualquer outro direito transindividual em

que a aferição do dano se mostra complexa, “não raras vezes, constituirá exercício de

imaginação ou adivinhação”, conforme afirma Elton Venturi359

.

Outra situação esdrúxula envolvendo a competência para as ações coletivas é

engendrada pela Lei nº10.741/2003 (Estatuto do Idoso). O capítulo III “Da Proteção Judicial

Mato-Grossense e a Zona Costeira “patrimônios nacionais”, não atrai a competência da Justiça Federal, pelo simples fato de a

causa envolver um dano em um desses locais”. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual

civil: processo coletivo. v.4 5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.139). 358 Apesar da divergência doutrinária a respeito da competência para julgar danos de âmbito nacional, o Superior Tribunal de

Justiça pacificou o entendimento pelo julgamento do Conflito de Competência n.26.842-DF, cujo acórdão foi publicado em

05/08/2003. 359 A competência jurisdicional na tutela coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual

coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.103.

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123

dos Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Indisponíveis ou Homogêneos” dispõe sobre a

tutela jurisdicional dos idosos. A fixação da competência inserida neste capítulo reza que “as

ações previstas neste capítulo serão propostas no foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá

competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e

a competência originária dos Tribunais Superiores”.

Observa-se que o critério “domicílio do idoso” é perfeitamente aplicável para

causas individuais, podendo se tornar inadequado para as lides coletivas porque os titulares do

direito lesado (idosos) poderão ter domicílios distintos. Nestes casos, a solução volta para os

critérios fixados no microssistema processual coletivo (LACP e CDC) retomando os mesmos

dilemas. Ou seja, a lei especial não apresentou solução idônea para a problemática.

Como se não bastassem os inúmeros problemas provenientes da insuficiência

legislativa para fixação da competência nas ações coletivas, o legislador criou mais um

entrave. A Lei nº9.494/97 alterou o art.16 da LACP pretendendo restringir a eficácia subjetiva

da coisa julgada em ação coletiva, impondo uma limitação territorial, ao âmbito da jurisdição

do órgão prolator da decisão. Este assunto já foi tratado quando desenvolvido o tema da coisa

julgada no tópico anterior.

Como se vê, inúmeras são as dificuldades surgidas na prática, para se chegar a

uma solução adequada para a fixação da competência nas ações coletivas. De qualquer forma,

nas ações coletivas, o que se tem aplicado para dirimir os conflitos de determinação da

competência é a prevenção. Esta regra expressamente prevista no parágrafo único do art.2º da

LACP resolve aparentemente a questão, mas não satisfatoriamente de tal forma a conferir

efetividade à tutela coletiva.

Apresentada a legislação pertinente à competência para as ações coletivas, e

colocados alguns dos principais problemas de ordem prática suscitados em razão da aparente

insuficiência legislativa, depreende-se que:

a) o microssistema processual coletivo não é carente de normatividade legal

para a fixação da competência para as ações coletivas, face à existência do art.2º da

LACP e 93 do CDC, com aplicação subsidiária do CPC.

b) Este conjunto normativo não é suficiente para preencher todas as lacunas

promovidas pelas variadas situações em que imbricam os direitos transindividuais,

não menos complexos.

c) Apesar dos problemas apresentados, muito mais do que alteração dos

dispositivos legais existentes, cabe à doutrina e à jurisprudência fornecer os

significados das variantes apresentadas.

d) Cabe principalmente ao juiz da causa a tarefa da interpretação adequada e

sistemática das normas existentes e princípios pertinentes. Não se olvida que o juiz

da causa tem muito mais condições de verificar o caso concreto, eis que mais

próximo do dano, das partes e das provas (princípio da imediação), tendo muito

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124

mais condições de adequar as normas adequadamente de maneira a conferir (ao

menos teoricamente) mais efetividade à tutela jurisdicional.

Outrossim, os tribunais e a doutrina têm prestado uma preciosa contribuição na

solução dos problemas surgidos em decorrência das incertezas suscitadas no momento de

determinar a competência nas ações coletivas, elaborando ou esclarecendo conceitos,

promovendo interpretações mais consentâneas com os princípios e apresentando soluções

teóricas fundamentadas.

Com relação à inestimável colaboração da jurisprudência, juntou-se nesta

pesquisa algumas decisões dos tribunais superiores, nos capítulos sobre competência para

liquidação e cumprimento de sentença e se discorreu sobre conexão, convenção e prevenção.

Vale a pena, no entanto, enxertar o julgado a seguir porque a decisão

representa claramente a finalidade da opção legislativa pela competência territorial-funcional

absoluta para as ações coletivas, como uma regra geral:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LOCAL DO DANO – ART.2º DA LEI

7.347⁄85. DIVERGÊNCIA QUANTO À AMPLITUDE DO DANO.

PREVALÊNCIA DA LOCALIDADE ONDE SE LOCALIZAM A MAIOR PARTE

DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. PREJUÍZOS MAIS GRAVES SOBRE A

SEDE DE TRABALHO DOS SERVIDORES PÚBLICOS ENVOLVIDOS.

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. CELERIDADE PROCESSUAL. AMPLA

DEFESA E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO.

2. Não há na Lei 8.429⁄92 regramento específico acerca da competência territorial

para processar e julgar as ações de improbidade. Diante de tal omissão, tem-

se aplicado, por analogia, o art.2º da Lei 7.347⁄85, ante a relação de

mútua complementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo,

autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema

processual da tutela coletiva.

3. A ratio legis da utilização do local do dano como critério definidor

da competência nas ações coletivas é proporcionar maior celeridade no

processamento, na instrução e, por conseguinte, no julgamento do feito, dado que é

muito mais fácil apurar o dano e suas provas no juízo em que os fatos ocorreram.

4. No caso em análise, embora haja ilícitos praticados nos Estados do Paraná,

São Paulo e Sergipe, o que poderia, a princípio, caracterizar a abrangência nacional

do dano, deve prevalecer, na hipótese, a informação fornecida pelo próprio autor da

demanda de que a maior parte dos elementos probatórios da ação de improbidade

encontra-se situada em São Paulo. Ressalte-se, ainda, ser tal localidade alvo da

maioria dos atos ímprobos praticados e sede dos locais de trabalho dos servidores

públicos envolvidos.

5. Interpretação que se coaduna com os princípios da celeridade processual, ampla

defesa e duração razoável do processo.

6. Conflito conhecido para declarar competente o juízo federal de São Paulo,

o suscitante. (STJ, CC 97.351/SP, Min. Rel. Castro Meira, j. 27.05.2009, DJe

10/06/2009).

A doutrina, por sua vez, apresentou os projetos e anteprojetos de código

processual coletivo e pretendeu resolver a questão, apresentando propostas de fixação de

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competência. O Código-Modelo de Processo Civil para Países de Direito Escrito Antonio

Gidi (CM-GIDI) dispõe em seu art.4º:

Art.4º Competência territorial

4. Em caso de Estado Federado, as ações coletivas serão propostas:

I – no foro do local onde ocorreu ou teria ocorrido o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado, na Justiça Federal, para os danos de âmbito

estadual ou regional;

III – no foro do Distrito Federal, na Justiça Federal, para os danos de âmbito

nacional.

Antonio Gidi, autor do Código-Modelo, afirma que a “alternativa é fazer regras

automáticas, previsíveis, objetivas e fáceis de se aplicar” e que “os conceitos poderão ser

desenvolvidos aos poucos pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores,

trazendo a almejada uniformidade interpretativa”360

. De fato, nem sempre o legislador

consegue antever, desde logo, as diversas configurações que as relações jurídicas assumem

ante a complexidade da vida. Neste contexto, a jurisprudência e a doutrina assumem o

importante papel de colmatar as eventuais lacunas e insuficiências legais.

O Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (CBP-IBDP), por

sua vez, tentou esmiuçar ao máximo as possibilidades concretas de fixação da competência

em razão do local do dano:

Art. 22. Competência territorial – É absolutamente competente para a causa o foro:

I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – de qualquer das comarcas ou sub-seções judiciárias, quando o dano de âmbito

regional compreender até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção;

III – da Capital do Estado, para os danos de âmbito regional, compreendendo 4

(quatro) ou mais comarcas ou sub-seções judiciárias;

IV – de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual

compreenderem até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção;

IV– do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que compreendam

mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional.

§1º A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial da

demanda.

§2º Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este remeterá

incontinenti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao primeiro juiz a

apreciação de pedido de antecipação de tutela.

Conforme leciona Elton Venturi, o anteprojeto procurou restringir ao máximo a

regra de competência concorrente, e com isso agravou a situação existente, na medida em que

criou a restrição (inconstitucional e ilógica) da eficácia dos provimentos judiciais aos limites

360 GIDI, Antonio. Rumo ao um Código de Processo Civil Coletivo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.248.

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126

da competência territorial do órgão julgador361

. De fato, a regra criada pelo anteprojeto

complica ainda mais a questão, classificando os danos em local, regional, nacional

abrangendo determinados números de comarcas e estados, dependendo de conhecimentos

mais especializados e de fundamentação jurídica.

Além dos anteprojetos e do código modelo, a doutrina também tem apontado

algumas possíveis soluções para dirimir as questões aventadas. Vale a pena mencionar a

sugestão de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. Segundo os autores, a adoção do princípio

da competência adequada, de origem norte-americana, deve ser inserido no processo coletivo

em razão de “finalidade prática urgente”.

De acordo com este princípio, atribui-se ao juiz perante a causa ajuizada aferir

se sua competência é adequada em razão do direito ou dos fatos debatidos ou das dificuldades

de defesa do réu. Assim, relega-se o arbítrio ao juiz acionado a possibilidade de recusar a

prestação jurisdicional caso se convença da existência de outra jurisdição concorrente mais

adequada para atender aos direitos tutelados. Com base neste entendimento, sugerem o

seguinte enunciado normativo:

competência adequada (forum non conveniens): nas demandas coletivas a

competência territorial concorrente é absoluta e será fixada pela prevenção, nada

obsta, entretanto, que em face de outro foro competente seja modificada a

competência quando este se assegure mais adequado para atender aos interesses das

partes ou às exigências da justiça em geral362

.

As vantagens da aplicação deste princípio, segundo os autores, seria evitar o

uso da competência para a obtenção de vantagens processuais, e que a regra da prevenção não

se torne uma disputa pelo foro sem, contudo, ferir o princípio do juiz natural363

.

Outra sugestão que merece apreço é apontada por Elton Venturi. Diz respeito à

“criação de varas especializadas para o processamento e julgamento das demandas coletivas”.

A solução para a fixação da competência poderia ser resolvida com a criação de varas

especializadas, tanto em âmbito da Justiça Estadual quanto Federal, com a possibilidade de se

concentrar o ajuizamento e o processamento de todas as espécies de ações que envolvem a

tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, independente da extensão do

dano ou dos limites territoriais da vara especializada.

361 VENTURI, Elton. A competência jurisdicional na tutela coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros.

Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.107. 362 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.117. 363 Trata-se de um princípio implícito no texto constitucional, garantindo a todos os jurisdicionados a prévia existência do

órgão julgador, o que proíbe o tribunal de exceção (art.5º, XXXVII, da Constituição Federal de 1988) e determina as regras

de determinação de competência (art.5º, LIII, da Constituição Federal de 1988).

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De acordo com esta proposta, cada Estado e a União Federal definiria a

implantação de tantas varas especializadas quanto julgasse necessárias para as demandas

coletivas, possibilitando a um só tempo a fixação objetiva do juiz natural, a garantia da ampla

defesa, a eficácia erga omnes local, regional e nacional necessárias à efetividade da tutela

jurisdicional.

Essa sugestão também foi formulada pelo Ministério Público Federal, através

de sua Coordenadoria da Área da Tutela Coletiva da Procuradoria da República do Estado do

Rio de Janeiro, encaminhada à Corregedoria-Geral pela Presidência do Tribunal Regional da

2ª Região no Rio de Janeiro para emissão de parecer. Segundo os juízes federais Júlio Emílio

Abranches Mansur e Marco Falcão Critsinelis (pareceristas),

De plano, vislumbra-se grande vantagem em se aglutinar em apenas um ou poucos

juízos o processamento e julgamento dos feitos de natureza coletiva lato sensu, vez

que a especialização enseja, indubitavelmente, maior celeridade no trâmite das

demandas e, ao menos em tese, melhor qualidade do trabalho desenvolvido por

todos os envolvidos (serventuários, advogados, procuradores e mesmo juízes), tendo

em vista a dedicação exclusiva a uma matéria restrita364

.

A sugestão de Elton Venturi partiu do exemplo da criação das varas

especializadas no processamento de julgamento de crimes de lavagem de dinheiro e evasão de

divisas situadas nas capitais de alguns Estados. Portanto, a operacionalização não é custosa ou

impossível, requerendo, tão somente vontade política.

Considerando o conjunto de dificuldades veiculadas no trâmite de ações

coletivas referentes à complexidade e peculiaridades dos direitos envolvidos (transindividuais

e individuais homogêneos), com variável grau de incerteza, grande número de pessoas

envolvidas (ainda que formalmente não figurem no processo) e dificuldades de apreciação da

matéria, requerem muito mais que conhecimento jurídico, mas conhecimentos especializados.

Ainda que pareça utópica, não há dúvidas de que esta solução contribuiria para

a efetividade da tutela jurisdicional na medida em que proporcionaria economia processual,

evitando julgamentos repetitivos e sentenças de extinção sem julgamento do mérito em razão

de litispendência, auxiliaria na uniformidade das decisões ou evitaria em grande parte

decisões conflitantes, tudo contribuindo para a concretização do direito material.

364 Disponível em: http://www.trf2.jus.br/corregedoria/documentos/pareceres/estudoespecialacoescoleti.pdf. Acesso em: 19

nov.2014.

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2.7.3 Relação entre ações coletivas e entre ação coletiva e ação individual

A relação de similaridade entre duas ações, coincidindo um de seus elementos

objetivos (pedido ou causa de pedir) e subjetivo (partes), capaz de produzir determinados

efeitos não é um fenômeno estranho na esfera da tutela dos direitos transindividuais e

individuais homogêneos365

.

Nos termos do CPC, a similitude entre os elementos da ação em maior ou

menor incidência caracteriza a presença dos seguintes institutos: conexão, continência,

litispendência e coisa julgada. Assim, há conexão366

quando duas ou mais ações contiverem

em comum o mesmo objeto (pedido) ou causa de pedir (art.103, do CPC); continência,

quando houver identidade entre as partes e a causa de pedir, mas o objeto de uma for mais

amplo, abrangendo o das demais (art.104, do CPC); litispendência quando for reproduzida a

demanda já ajuizada anteriormente e em curso, ou seja, proposta nova ação com identidade de

partes, causa de pedir e pedido, com a nova ação ajuizada (art.301, §§1º e 2º, do CPC); coisa

julgada quando reproduz a demanda já julgada e transitada em julgado (art.301, §3º, do CPC).

Observa-se que conexão e litispendência são institutos que objetivam a

resolução de causas ainda em processamento, que mantém relação de identidade entre si: ou

são totalmente idênticas (litispendência) ou, embora distintas, possuem elementos idênticos

que justificam o seu processamento e julgamento conjunto (conexão). Já continência é uma

espécie de conexão. Ambas recebem o mesmo tratamento no ordenamento brasileiro.

Dentre os diversos institutos processuais, reputa-se à litispendência entre ações

coletivas um dos fenômenos doutrinários mais polêmicos, em razão da carência legislativa

sobre o tema e seus efeitos367

.

365 GRINOVER. Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.209. 366 Ressalta que o CPC adota a teoria tradicional para conceituar o instituto da conexão, a jurídica de direito material é que

identifica a conexão. (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil e

processo de conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.164). 367 Sobre o tema consultar: GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995;

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador:

Juspodivm, 2010; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas,

2.ed. São Paulo: RT, 2008; DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São

Paulo: Atlas, 2010; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no

direito comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. O anteprojeto de

Código brasileiro de processos coletivos: visão geral e pontos sensíveis. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros.

Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007 na qual

consta um feixe de cinco artigos cujo tema é a “demanda coletiva e sua relação com outras demandas”, a seguir relacionadas:

(GRINOVER, Ada Pellegrini e outros (Coords.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.156-160; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância entre ações de

natureza coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.161-173; GRINOVER, Ada Pellegrini e outros

(Coords.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.174-193; MATTOS, Luiz Norton Baptista de. A litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas segundo o Código

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Neste compasso, em relação às ações individuais, dispõe o art.301, §3º, do

Código de Processo Civil que quando há concomitância entre duas ações em curso,

apresentando identidade de partes, pedido e causa de pedir, ocorre o fenômeno da

litispendência. Assim, os requisitos da litispendência são a identidade de ações (partes, pedido

e causa de pedir iguais) e a citação válida em duas demandas.

A solução jurídica a esse fenômeno também é tratada no CPC, ao dispor que

havendo litispendência pela citação válida, a segunda ação, ou seja, a ação ajuizada

posteriormente deve ser extinta, sem julgamento do mérito (arts.216 c/c 267, V, do CPC).

Já o efeito jurídico mais comum da conexão e da continência é a modificação

de competência das demandas, de maneira que se reúna a um único juízo para processar e

julgar todas as causas conexas para serem decididas simultaneamente (art.105, do CPC).

Sobre esse efeito, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem: “A reunião de

processos pela conexão tem por finalidade a pacificação social, reunindo-se todos os conflitos

existentes entre as mesmas partes, a integridade da ordem jurídica, por se evitar decisões

conflitantes, a economia processual e a eficácia do processo”368

.

As soluções apresentadas pelo sistema jurídico das ações individuais não

satisfazem no que se referem às ações coletivas, devendo ser analisadas sob outra concepção.

Teresa Arruda Alvim Wambier escreve, a propósito, que a aplicação integral e acriticamente

de critérios estabelecidos pelo CPC para a resolução de ações individuais para dirimir dilemas

relativos às ações coletivas não é recomendável. Deste modo, “o modelo definido pelo CPC

para a constatação de conexão e litispendência não serve para regular o confronto entre duas

ações coletivas, a não ser que seja aplicado de outro modo, tendo em vista as peculiaridades

de tais ações”369

.

Seguindo este raciocínio, a análise da conexão e litispendência nas ações

coletivas deve ser realizada pelo juiz, avaliando o caso concreto visando a melhor solução

para conduzir a efetividade da tutela jurisdicional.

Neste mister, a caracterização da litispendência entre ações coletivas deve levar

em consideração apenas o objeto e a causa de pedir, ou seja, coincidindo estes dois elementos,

necessariamente haverá identidade de ações, ainda que as partes processuais sejam distintas. de Defesa do Consumidor e os anteprojetos do Código Brasileiro de processos coletivos. p.194-215; GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros (coords). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São

Paulo: RT, 2007, p.194-215. ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela de direitos individuais homogêneos e as demandas

ressarcitórias em pecúnia, p.216-230; GRINOVER, Ada Pellegrini e outros (Coords.). Direito processual coletivo e o

anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.216-230. 368 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.437. 369 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias

(Coords.). Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.279-295.

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Na doutrina, manifestam-se neste sentido Aluisio Gonçalves de Castro Mendes370

, Teresa

Arruda Alvim Wambier371

, Ada Pellegrini Grinover372

e Hugo Nigro Mazzili373

, dentre outros.

A tendência na busca da efetividade da tutela jurisdicional é de que deve-se

ainda levar em consideração o direito material tutelado. Por exemplo, as ações são conexas

quando decidem a mesma relação de direito material, ainda que sob enfoques diversos. A

consequência processual deste fenômeno é a garantia de economia processual, eis que evitaria

julgamentos repetidos e eventuais julgamentos contraditórios. Consoante Olavo Oliveira

Neto, “se são conexas as causas que derivam de uma mesma relação jurídica material, então é

consequência do vínculo de conexão que os julgados sejam uniformes”374

.

Este critério deve ser utilizado ainda mais no âmbito das ações coletivas, cuja

legislação ainda é tímida, conduzindo os tribunais a aplicar as diretrizes do CPC. Nesta ótica,

o art.5º do PL nº5.139/09 dispõe que, “na análise da identidade da causa de pedir e do objeto,

será preponderantemente considerado o bem jurídico a ser protegido”. Trata-se de uma

diretriz para o juiz analisar e decidir os casos concretos que lhe são submetidos. A propósito,

conforme afirma Ricardo de Barros Leonel, espera-se que “o reconhecimento da conexão e da

continência seja utilizado, ainda que de modo um pouco mais flexível, para a obtenção de

maior efetividade no processo coletivo, com economia processual, evitando-se ainda conflito

lógico e prático de julgados”375

.

Seguindo esta linha de raciocínio, convém analisar num primeiro momento o

trâmite concomitante de ações coletivas (que tutelam direitos transindividuais) e ações

individuais (que tutelam direitos individuais homogêneos), se configura ou não identidade de

demandas e suas consequências, e posteriormente, a ocorrência deste mesmo fenômeno entre

ações coletivas entre si.

O CDC disciplinou a questão acerca de trâmite concomitante de ações

coletivas e ações individuais no art.104:

As ações coletivas, previstas nos inciso I e II do parágrafo único do art.81, não

induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada

erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não

370 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3.ed. São Paulo: RT, 2012, p.260. 371 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. In: (Coords.) MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita

Dias. Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.279-295. 372 GRINOVER. Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.210. 373 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.275. 374 OLIVEIRA NETO, Olavo. Conexão por prejudicialidade. São Paulo: RT, 1994, p.65. 375 LEONEL, Ricardo de Barros. Pedido e causa de pedir: conexão, litispendência e continência. In: (Coord.) GOZZOLI,

Maria Clara e outros. Em defesa de um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada Pellegrini

Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.539.

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beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no

prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

É de se registrar que o dispositivo foi pioneiro em relação ao trâmite

concomitante entre ações coletivas e individuais376

. Merece reconhecimento o fato de o

legislador excluir a possibilidade de ocorrência da litispendência entre ações individuais e

ações coletivas, considerando a natureza destes direitos e procurando evitar qualquer ameaça

a mais ampla e efetiva tutela.

Muito já foi escrito sobre a inocorrência de litispendência entre ações

individuais e ações coletivas em razão da carência de identidade entre os elementos

identificadores das ações (pedido, causa de pedir e pedido)377

. Ada Pellegrini Grinover, por

exemplo, afirma que, no cotejo entre ações coletivas para a defesa de direitos difusos e

coletivos e ações individuais não ocorre hipótese de litispendência, pois “[...] o objeto dos

processos é inquestionavelmente diverso, consistindo as ações coletivas na reparação ao bem

indivisivelmente considerado, ou na obrigação de fazer ou não fazer, enquanto as ações

individuais tendem ao ressarcimento pessoal”378

.

Afigura-se uma situação de dano ambiental em que o mesmo evento causou

lesão à esfera pessoal de determinado indivíduo. É possível que se ajuíze a demanda coletiva

para defesa do direito difuso ambiental e, concomitantemente, ações individuais pelos

lesados, configurando o fato constitutivo (causa de pedir remota) o único elemento comum.

Neste caso, não cabe a reunião das ações para julgamento conjunto, solução prevista no

art.105 do CPC.

376 O art.20 do CM-GIDI, assim dispõe: “A ação coletiva não induz litispendência para as correspondentes ações individuais

relacionadas à mesma controvérsia coletiva. As ações individuais não serão extintas”; o art.7º do Anteprojeto do CBPC/USP

dispõe: “A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou

interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva [...] não beneficiarão os autores das

ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência efetiva da demanda

coletiva nos autos da ação individual.”; o art.31 do Anteprojeto de CM-II CP, dispõe: “A ação coletiva não induz

litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art.27) não beneficiarão os autores das

ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência efetiva da ação coletiva”. 377 Antonio Gidi em obra sobre o tema, afirma que a bem da verdade não ocorre litispendência entre ações individuais e

coletivas, pois não há coincidência em nenhum de seus elementos. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações

coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.188). Por outro lado, Teori Albino Zavascki entende que ocorre, sim, o fenômeno da

conexão (CPC, art.103), todavia, não é compatível com a natureza da ação coletiva a providência da reunião de processos

individuais conexos, como ocorre com o regime comum individual. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de

direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.177). Em sentido contrário, Fredie Didier Jr. e

Hermes Zaneti Jr. entendem que o §2º do art.2º da LACP prevê uma hipótese de conexão em ações coletivas, seguindo o

padrão do CPC. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed.

Salvador: Juspodivm, 2010, p.166). 378 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.212.

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132

Excluindo, portanto, a litispendência entre a ação coletiva e a ação individual,

resta ao autor da ação individual optar entre duas possibilidades, oferecidas pelo CDC e bem

explanadas por Ada Pellegrini Grinover:

a) pretendendo o autor prosseguir em sua ação individual, ficará excluído da

extensão subjetiva do julgado prevista para a sentença que vier a ser proferida na

ação coletiva. Mesmo sendo ela favorável e projetando-se seus efeitos erga omnes

ou ultra partes (nos termos dos incs.I a III do art.103, c/c seus §§1º e 2º), o autor que

já pôs em juízo sua ação individual e que pretenda vê-la prosseguir em seu curso não

será beneficiado pela coisa julgada que poderá eventualmente formar-se na ação

coletiva. A ação individual pode continuar seu curso, por inexistir litispendência,

mas o autor assume os riscos do resultado desfavorável (excepcionando

expressamente o Código ao princípio geral da extensão subjetiva do julgado, in

utilibus);

b) se o autor preferir, poderá requerer a suspensão do processo individual, no prazo

de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Nesse

caso, será ele beneficiado pela coisa julgada favorável que se formar na ação

coletiva. Sendo improcedente a ação coletiva, o processo individual retomará seu

curso, podendo ainda o autor ver acolhida sua demanda individual. Tudo

coerentemente com os critérios da extensão subjetiva do julgado secundum eventum

litis adotados pelo Código379

.

Logo, não configurando a litispendência entre ações individuais e coletivas380

,

o fato é que o legislador cogitou a possibilidade de ocorrência e apontou opções ao

demandante individual. Segundo Antonio Gidi, o preceito é “bem-vindo, como forma de

espancar eventuais dúvidas e perplexidades no espírito do processualista brasileiro, ainda

voltado para o tradicional estudo do processo como instrumento de composição das lides

individuais”381

.

Todavia, o mesmo não se pode afirmar para a hipótese de litispendência entre

duas ações coletivas, não disciplinando o microssistema coletivo acerca do procedimento ou

alternativas de solução382

. A controvérsia a respeito da possibilidade de ocorrência do

379 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

v.2. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.213. 380 A jurisprudência pátria também é pacífica no sentido de inexistência entre ações individuais e ação coletiva, conforme o

REsp 131029/SC: “o ajuizamento de ação civil pública sobre o mesmo objeto não induz a litispendência porque não pode

impedir o direito individual subjetivo de ação assegurado na Carta Magna”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2T. Rel.

Min. Francisco Peçanha Martins, D.j. 01.12.1997). No mesmo sentido: REsp 152498/SP, REsp 236302/PE.; no mesmo

sentido: CC 100.501/MS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 10/06/2009, DJe 01/07/2009; AgRg no REsp

1466628/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 04/11/2014, DJe 14/11/2014; AgRg no AREsp

254.866/SC, Rel. Min.Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013. 381 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.189. 382 O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de reunir as ações para julgamento conjunto, a exemplo

das ações em face da Aneel: STJ. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. DEMANDAS COLETIVAS

PROMOVIDAS CONTRA A ANEEL. DISCUSSÃO ACERCA DA METODOLOGIA DE REAJUSTE TARIFÁRIO. LEI

Nº7347/85. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONEXÃO. CC 126601/ MG; CONFLITO DE COMPÊTENCIA

2013/0025394-5; Min.Mauro Campbell Marques; data do julgamento: 27/11/2013; Outro interessante julgado do STJ, onde

foram reunidas várias ações coletivas, reconhecendo a conexão entre elas (mandado de segurança coletivo, ações civis

públicas e ação popular) para julgamento conjunto: CC 57.558/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em

12/09/2007, DJe 03/03/2008.

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133

fenômeno gira em torno da identidade de partes e dos diferentes tipos de ações (ação civil

pública, ação popular, mandado de segurança coletivo, etc).

Acerca da identidade de partes, a controvérsia se esvaziou na medida em que o

entendimento majoritário é o de que, embora o instituto da legitimação extraordinária abarque

vários legitimados processuais que litigam em nome próprio, estes substituem na verdade, o

mesmo titular do direito material, a coletividade. Ou seja, considerando legitimados distintos,

importa que, na ação coletiva, eles agem em benefício do mesmo titular do direito, atuam na

mesma função jurídica e levam ao conhecimento do Poder Judiciário o mesmo conflito de

interesses, fundados na mesma causa de pedir383

. Enfim, “a litispendência entre duas ações

coletivas ocorre sempre que se esteja em defesa do mesmo direito”384

. No mesmo sentido,

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., afirmam:

Há litispendência quando pendem processos com mesmo conteúdo. A mesma

situação jurídica controvertida é posta em mais de um processo para ser resolvida.

Enfim, há litispendência quando o Poder Judiciário é provocado a solucionar o

mesmo processo. [...] Assim, é possível que uma mesma ação coletiva possa ser

proposta por diferentes legitimados ativos. É possível, portanto, que haja

litispendência sem identidade entre as partes autoras. A identidade de parte autora é

irrelevante para a configuração da litispendência coletiva385

.

De outra sorte, é indiscutível que entre ações coletivas ocorra o fenômeno da

identidade, parcial ou total, seja entre uma ação civil pública e uma ação popular ou entre um

mandado de segurança coletivo e uma ação popular, ainda que entre as partes não haja

identidade formal, eis que se trata de legitimações extraordinárias disjuntivas e concorrentes

(os respectivos autores agem como substitutos processuais da coletividade), “podendo ser

383 Segundo Gregório Assagra de Almeida, “é possível a ocorrência de litispendência entre duas ações coletivas, bastando,

para tanto, a identidade entre ambas quanto à causa de pedir e ao pedido, pois a diferença de partes poderá ser somente

formal; [...]”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.583). De seu turno, Antonio Gidi afirma que não ocorre litispendência entre duas

ações coletivas quando há identidade somente entre as causas de pedir ou apenas entre pedidos. Não há litispendência,

portanto, entre duas ações coletivas ajuizadas sob o pálio da mesma causa de pedir, ambas não tiverem o mesmo objeto, seja

direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São

Paulo: Saraiva, 1995, p.220). 384 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.219. 385 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. exemplificam: “Uma determinada lesão ao meio-ambiente pode gerar um processo

em que pede ressarcimento pecuniário do dano ambiental; um outro legitimado pode propor ação coletiva em que se pede o

ressarcimento do dano ambiental, mas na forma específica, e não em dinheiro (p.ex., com o reflorestamento da área

desmatada). Há litispendência entre essas ações coletivas, embora o bem jurídico pretendido seja diverso (dinheiro e

reflorestamento, respectivamente), pois em ambas discute-se a mesma situação jurídica ativa (decorrente do mesmo fato

jurídico: o direito coletivo de ressarcimento dos prejuízos ambientais. Há litispendência, não obstante os pedidos serem

diversos. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.5.ed.

Salvador: Juspodivm, 2010, p.172-173,176).

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134

exercidas por qualquer dos legitimados, em nome próprio e no interesse da coletividade, mas

podendo versar ambas sobre o mesmo objeto ou a mesma causa de pedir”386

.

Pressupondo, portanto, que é possível a ocorrência de litispendência entre

ações genuinamente coletivas e, considerando, ainda o silêncio da legislação acerca de seus

efeitos, há que se buscar uma interpretação consectária com a natureza e os princípios das

ações coletivas para a boa e efetiva tutela dos direitos. Assim, a concomitância entre ações

coletivas direcionadas à mesma finalidade consiste em uma grande controvérsia para o Direito

Processual Coletivo.

Para dirimir as ocorrências de litispendência entre ações coletivas despontam

dois mecanismos de possíveis resoluções: a) reunião das ações, no caso de se configurar

conexão ou continência, para processamento e julgamento conjunto, a teor dos arts.103-106

do CPC c/c art.2º, parágrafo único da LACP; b) extinção da ação idêntica, nos termos do

art.301, §1º, c/c art.267, V, ambos do CPC387

.

A doutrina diverge. Há a corrente que defende a não aplicabilidade do art.267,

V, para as situações de ações coletivas assemelhadas. De acordo com esta corrente, as ações

conexas deverão ser reunidas no juiz prevento, haja vista que a extinção de um dos processos

implicaria em prejuízo para os direitos transindividuais, eis que contraria aos princípios da

efetividade e do acesso à justiça que norteiam a tutela jurisdicional coletiva. Comunga deste

entendimento Gregório Assagra de Almeida:

[...] não seria razoável a aplicabilidade fria do que dispõe o CPC em seu art.267, V,

com a extinção, sem julgamento do mérito, de uma das ações coletivas. O mais

razoável, para não se colocar em risco o interesse e direito coletivo que se visa

tutelar, seria a reunião das ações coletivas propostas separadamente, a fim de que

sejam decididas simultaneamente nos termos do art.105 do CPC. Imagine-se a

ocorrência de litispendência entre uma ação popular e uma ação civil pública

propostas separadamente. A extinção, v.g., da ação civil pública, caso a

litispendência tenha ocorrido em favor da ação popular (art.219, do CPC), poderá

386 Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover, afirma que “Tais considerações, como visto, podem ser feitas a propósito de

diferentes ações populares, de diversas ações civis públicas, de distintos mandados de segurança coletivos ou, ainda, no

cotejo de umas com outros: a diversidade subjetiva do autor, substituto processual da coletividade, não infirma de modo

algum, a ocorrência de fenômenos como os da conexão, continência ou mesmo da litispendência. O que importa é determinar

o objeto processual trazido pelo demandante, conforme a causa de pedir e o pedido contido na inicial”. (GRINOVER, Ada

Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. v.2. 10.ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2011, p.211). 387 O art.19 do CM-GIDI, assim dispõe: “A primeira ação coletiva proposta induz litispendência para as demais ações

coletivas relacionadas à mesma controvérsia. As ações coletivas posteriores serão extintas, mas os seus autores poderão

intervir na primeira ação coletiva”; o art.7º e seus parágrafos do CPCO-UERJ/UNESA dispõem: “Art.7º. Litispendência e

continência – A primeira ação coletiva induz litispendência para as demais ações coletivas que tenham o mesmo pedido,

causa de pedir e interessados. §1º. Estando o objeto da ação posteriormente proposta contido no da primeira, será extinto o

processo ulterior sem o julgamento do mérito. 2º. Sendo o objeto da ação posteriormente proposta mais abrangente, o

processo ulterior prosseguirá tão somente para a apreciação do pedido não contido na primeira demanda, devendo haver

reunião dos processos perante o juiz prevento em caso de conexão.”; o art.6º do Anteprojeto do CPCO-IBDP dispõe: “[...] as

demandas coletivas de qualquer espécie poderão ser reunidas, de ofício ou a requerimento das partes, ficando prevento o

juízo perante o qual a demanda foi distribuída em primeiro lugar:”.

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135

colocar em risco a tutela efetiva do direito coletivo se a ação civil pública extinta

estiver instruída com inquérito civil repleto de provas sobre os fatos que ensejaram o

ajuizamento das ações388

.

De outro lado, parcela da doutrina defende que, havendo litispendência entre

duas ações coletivas, o processo ajuizado posteriormente deve ser extinto, prosseguindo o

primeiro feito no juízo prevento389

. Em outras palavras, uma vez ajuizada a ação coletiva, já

não será possível que outro colegitimado proponha a mesma ação coletiva, com o mesmo

pedido e causa de pedir, sob pena de incorrer em litispendência, sujeita à extinção, nos termos

do art.267, V, do CPC.

Hugo Nigro Mazzilli possui um entendimento bastante particular. Se as ações

presumivelmente forem idênticas, deverão ser reunidas no mesmo juízo, por prevenção e,

constatada a litispendência, a ação superfetada será extinta sem resolução do mérito. Em caso

de continência, a reunião dos processos será necessária para o julgamento conjunto e,

configurada a conexão, o juiz poderá ordenar a reunião, quando cabível e oportuna390

.

Apresentadas as posições doutrinárias, não se pode negar que existem razões

de peso e com a devida preocupação com a efetividade da tutela coletiva, pois, afinal, a

concomitância entre duas ações coletivas, com identidade de objeto litigioso, traz sérios riscos

para a segurança jurídica na medida em que favorece a possibilidade de decisões

contraditórias e situações insustentáveis, conforme retratadas por Kazuo Watanabe:

A total displicência por esses aspectos de sua relevância vem ocasionando uma

inadmissível multiplicidade de demandas coletivas com o mesmo objetivo [...].

Seguramente, contradições tão flagrantes de julgados povo algum terá estrutura

suficiente para absorver com tranquilidade e paciência por muito tempo, e por mais

prestigiada que seja a justiça de um país terá condições bastantes para resistir por

muito tempo a tamanho desgaste. 391

388 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Proecessual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 583-584. Comungam desta doutrina, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (DIDIER JR., Fredie;

ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4. 5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.174). 389 Antonio Gidi afirma: “A proposta de reunião dos processos (idênticos ou conexos) complicará ainda mais os processos

coletivos, multiplicando desnecessariamente o número de autos independentes, principalmente se houver um número grande

de processos coletivos propostos em todo território nacional com objetos ligeiramente diferentes e sobrepostos”. (GIDI,

Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: GZ,

2008, p.313); GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.224.

Compartilham desse entendimento: VENTURI, Elton. Tutela jurisdicional coletiva brasileira: elementos críticos,

efetividade e afirmação. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, nov.2005, p.279;

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância entre ações de natureza coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo:

RT, 2007, p.161-173. 390 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.278. 391 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed.

v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.77.

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136

Reconhecendo, portanto, ao menos tecnicamente, a existência de trâmite

concomitante entre ações coletivas e considerada a identidade, ainda que parcial, de seus

elementos, impende aplicar a medida legal cabível. Poder-se-ia alegar carência de dispositivo

pertinente e adequado na legislação processual coletiva, todavia, enquanto esta não é

promulgada, socorre-se do microssistema existente, numa empreitada interpretativa mais

condizente com toda principiologia própria das lides dessa natureza.

Exposta esta breve sinopse sobre o processamento concomitante entre

demandas coletivas, infere-se que não há polêmica em torno da inexistência de litispendência

entre uma ação coletiva e uma ação individual, por entre outras razões, não haver identidade

entre seus elementos. Existem algumas críticas acerca da solução apresentada pelo CDC

(art.104) para o deslinde de eventual concomitância. Entretanto, não se pode dizer que a

legislação pertinente carece de regramento apropriado.

Resta, portanto, carente de regramento legislativo próprio a situação

relacionada à continência, à conexão e à litispendência entre duas ações coletivas, seja a

identidade parcial ou total, o que gera insegurança jurídica aos jurisdicionados e inefetividade

para a tutela dos direitos transindividuais.

De qualquer modo, a teor da leitura e da interpretação sistemática do

microssistema processual coletivo, dos anteprojetos e projetos de código de processo coletivo

e da jurisprudência, aliada à inestimável contribuição da doutrina, é possível compor um

conjunto estratégico para a solução das ações coletivas em trâmite concomitante.

Sem descurar da zelosa doutrina daqueles que defendem a extinção das ações

propostas, reconhecendo a litispendência em razão de idêntico objeto, tampouco

desmerecendo as razões dos defensores da reunião e julgamento conjunto, no juízo prevento,

algum equilíbrio se faz necessário, a bem da boa e efetiva tutela dos direitos transindividuais.

Isto porque, afinal, tanto uma corrente quanto a outra concordam que o trâmite concomitante

entre ações coletivas com identidade parcial ou total de seus elementos (semelhantes

pretensões) é nociva aos direitos por elas tutelados e aos jurisdicionados, na medida em que

permite decisões conflitantes, gerando insegurança jurídica392

.

Neste particular, a atuação do juiz no caso concreto é fundamental, pois é o juiz

que tem condições materiais de analisar o quadro panorâmico da situação e suas 392 Conforme Elton Venturi: “ao se permitir o processamento de mais de uma demanda coletiva versando sobre idênticas

pretensões, desvirtua-se a lógica e a própria ideologia do sistema de tutela coletiva no que diz respeito ao significado da

abrangência erga omnes ou ultra partes do julgamento, assim como se favorece, ao menos em tese, a multiplicação de feitos

coletivos e consequentes decisões contraditórias, sobretudo quando, apesar da ‘conexão’ (rectius: litipendência) entre eles,

não são sequer reunidas perante o mesmo juízo para processamento e julgamento simultâneo”. (MANCUSO, Rodolfo de

Camargo. A concomitância entre ações de natureza coletiva. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito

processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.161-173).

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137

especificidades, efetuando as necessárias adaptações393

. A propósito, defende Hugo Nigro

Mazzilli que ao juiz deve ser atribuída certa margem de discricionariedade para avaliar a

conveniência das ações, devendo levar em conta: “a) a fase processual de cada uma delas no

momento em que se identifica o nexo; b) qual o grau ou a intensidade da conexão entre elas, e

em que nível seu julgamento em separado poderá provocar decisões inconciliáveis”394

.

Neste particular, o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos

(CPCO-UERJ/UNESA) se aproximou mais das diferentes possibilidades e particularidades de

cada ação coletiva em trâmite concomitante. Assim, o art.7º dispõe que “a primeira ação

coletiva induz litispendência para as demais ações coletivas que tenham o mesmo pedido,

causa de pedir e interessados”.

A redação desse dispositivo não deixa margem para divergências. Ocorre a

litispendência quando houver identidade entre “todos” os elementos da ação. Entretanto, para

o Anteprojeto, a extinção da segunda ação não é automática e em qualquer circunstância. Seus

parágrafos regulam as diferentes hipóteses de continência, observada a abrangência dos

objetos das ações concomitantes e a partir do momento da proposição de cada uma.

Assim, preconiza o primeiro parágrafo que, caso o objeto da ação proposta

posteriormente esteja contido no da primeira, aquela será extinta sem julgamento do mérito.

De outro lado, o segundo parágrafo estatui que se o objeto da segunda ação for mais

abrangente, esta prosseguirá para julgamento da parte do pedido não contido na primeira; para

tanto, os processos serão reunidos perante o juiz prevento.

O art.7º, §3º, traz uma regra de ordem prática ao dispor que “as partes poderão

requerer a extração ou remessa de peças processuais, com o objetivo de instruir o primeiro

processo instaurado”. Esta regra evita a produção de provas em duplicidade, prestigiando o

princípio da economia processual.

Dois dispositivos do Código Modelo de Antonio Gidi (CM-GIDI) que regulam

a litispendência entre ações coletivas trazem uma enorme contribuição para a solução de

ocorrência da espécie na segunda parte do art.19 e 19.1. A segunda parte do art.19 preconiza

que havendo extinção da ação posterior, “os autores poderão intervir na primeira ação

coletiva”.

393 Sobre a conveniência da ação do juiz no caso concreto em ações coletivas, Fernando da Fonseca Gajardoni constata que a

disciplina legal dos interesses metaindividuais, em que pese o esforço legislativo, foi realizada de forma desordenada, com

muitas evoluções e involuções, refletindo diretamente no âmbito do procedimento. Assim, considera que a falta de

instrumentos inteiramente adequados para a tutela de tais direitos, permite ao magistrado, nas situações da vida, adaptar o

instrumento às particularidades dos mesmos. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo

enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC. (Coord.). Carlos

Alberto Carmona. Coleção Atlas de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p.184-185). 394 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.279.

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138

Assim, poderá o autor do processo extinto intervir no processo remanescente

como assistente litisconsorcial a teor dos arts.50 a 55 do CPC. Antonio Gidi esclarece que “o

legitimado-assistente tem uma relação jurídica (conflito de interesses) com o adversário do

legitimado-assistido e, portanto, ao intervir, passa a gozar dos mesmos poderes do

assistido”395

. Isto significa que, como assistente, poderá participar de todas as fases do

processo como parte, nos termos do art.264 do CPC396

.

Considerada a importância da assistência litisconsorcial para as ações coletivas,

e para que seja dada a oportunidade aos legitimados, necessária ampla publicidade do

ajuizamento de ações coletivas. Sobre este aspecto, o CM-GIDI dispõe de regramento

suficiente e adequado em seu art.5º, estabelecendo os parâmetros práticos para a prática da

“notificação adequada”. Sobre o tema, explica Antonio Gidi:

[...] no Brasil, uma demanda coletiva pode ser processada e julgada sem que os

membros do grupo e outros legitimados ativos saibam sequer que há uma demanda

em curso: nem a publicação editalícia é suficiente nem ocorrem quaisquer

veiculações nos órgãos da imprensa. [...] De nada adianta o direito de propor

demanda individual de liquidação dos danos, de intervir no processo coletivo para

auxiliar e controlar a adequação do representante, se o membro do grupo (e os

demais legitimados coletivos) não têm informação adequada sobre a existência da

demanda coletiva397

.

Destarte, a providência da ampla publicidade elimina, senão reduz a

possibilidade de julgamentos contraditórios, colabora com a economia processual e com a

efetividade da tutela coletiva em todos os aspectos.

Outra providência de enorme contribuição para a solução das demandas

conexas e litispendências consta do art.19.1 do CM-GIDI: “O réu deverá informar ao juiz e ao

representante do grupo sobre a propositura de outra ação coletiva relacionada à mesma

controvérsia coletiva”.

395 GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.56. O art.6 do CM-GIDI

dispõe sobre a “intervenção coletiva”: 6.Qualquer legitimado coletivo (vide art.2) poderá intervir no processo coletivo em

qualquer tempo e grau de jurisdição para demonstrar a inadequação do representante ou auxiliá-lo na tutela dos direitos do

grupo. (Vide art.24.3). 6.1 O legitimado coletivo também poderá intervir no processo coletivo como assistente da parte

contrária ao grupo. 6.2 Os membros do grupo poderão participar do processo coletivo como informantes, trazendo provas,

informações e argumentos novos. 6.3 O interveniente será ressarcido das despesas e honorários, na medida proporcional à sua

participação e contribuição. (Ver art.21). 396 A legislação brasileira não admite que terceiros ingresse em processo alheio com as mesmas prerrogativas do autor

originário, principalmente para formular pedido ou ampliar o objeto da demanda. A intervenção do colegitimado em ações

coletivas é uma proposta que é defendida por parte da doutrina com ressalvas. Neste sentido, Fredie Didier Jr., e Hermes

Zaneti Jr. entendem que o colegitimado pode é sugerir ao autor a alteração da sua demanda, sempre observando os requisitos

do art.264 do CPC. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR.,Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. v.4.

5.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.259); Ver ainda: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.

25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.255. 397 GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.63-65.

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139

Ao impor ao autor o ônus de informação sobre a existência de outra(s) ação(s)

relacionada(s), a regra prestigia o princípio da participação e da eficiência de todos no trâmite

das ações coletivas. A obediência a este preceito conduz à duração razoável do processo

coletivo, eliminando grande parte dos malefícios do trâmite conjunto de ações coletivas com

elementos idênticos e permitindo a ampla participação dos legitimados.

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3 A TUTELA EXECUTIVA NO PROCESSO COLETIVO

3.1 Notas introdutórias sobre a tutela executiva

O processo, considerado instrumento de tutela de direitos, de realização de

justiça e de pacificação social é subserviente à pretensão resistida passível de ser resolvida

tanto no que diz respeito à “definição de direitos”, como de “satisfação de direito” e, portanto,

merecedor de justa realização prática398

.

De acordo com esse raciocínio, a definição judicial de direitos é viabilizada por

meio da tutela de conhecimento e a realização prática do direito definido ocorre por meio do

Estado-juiz via tutela jurisdicional executiva.

A tutela jurisdicional executiva tem por fim restaurar a ordem jurídica

afrontada pelo seu descumprimento (lesão), aplicando a sanção correspondente à violação.

Assim, a atividade judicial que aplica esta sanção denomina-se “execução”399

, realizada,

portanto, independentemente da vontade do devedor justificando a denominação de “execução

forçada”, dada a coatividade jurisdicional nela reinante400

.

Assim, pode-se afirmar que o processo de execução tem por finalidade

possibilitar a satisfação do direito material, mediante resultados equivalentes à prestação

inadimplida ou, ainda, que haja compensação econômica.

Neste intento, para efetivação desta tutela, o ordenamento jurídico autoriza o

Estado-juiz a praticar atos de invasão do patrimônio do devedor a fim de subtrair bens, cujo

valor seja suficiente para a satisfação integral do crédito401. Trata-se da execução direta, que

emprega as medidas sub-rogatórias.

398 De acordo com Luiz Fux, “as distinções entre as atividades de ‘definir’ e ‘realizar direitos’ fez com que parte ponderável

da doutrina de outrora não considerasse jurisdicional a tutela de execução, porquanto nesta sobejam atos materiais, ao

contrário dos atos intelectivos que singularizam o processo de conhecimento”. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o

cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.03-04). Todavia, hoje, já não se

levantam dúvidas sérias a respeito da jurisdicionalidade da execução. Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco esclarece: “a

função da tutela executiva é a de eliminar conflitos de interesses entre sujeitos de direito envolvidos em crise de

adimplemento das obrigações, gerando, dessa, forma, paz social, finalidade esta que inerente à função jurisdicional”. (FUX,

Luiz. Instituições de direito processual civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004, p.51-53). 399 FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro:

Forense, 2008. 400 Nelson Rodrigues Netto esclarece: “somente há execução forçada quando a atividade jurisdicional se valer de meio

executivo sub-rogatório, prescindindo de manifestação do demandado. Logo, não se reputa ser execução o cumprimento

espontâneo da obrigação pelo demandado, ou as denominadas execuções indiretas e próprias”. (NETTO, Nelson Rodrigues.

Tutela jurisdicional específica, mandamental e executiva lato sensu. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.31). 401 Excepcionalmente, nas execuções de alimento, é permitida a prisão do devedor. Neste caso, procede-se um

contrabalanceamento de princípios, considerando que a obrigação de prestar alimentos está diretamente ligada ao princípio da

pessoa humana, na medida em que os alimentos são necessários à subsistência do credor, sobrepondo ao direito de liberdade

do devedor.

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Referidas medidas representam a real execução forçada, pelas quais o Estado

desempenha a atividade estatal, consistindo na transferência de um bem do devedor executado

para o patrimônio do credor a fim de satisfazer o direito material reconhecido em sentença

condenatória. Tais sentenças podem abranger, também, uma obrigação de pagar, de fazer ou

não fazer e de entrega de coisa, comportando medidas coercitivas, que possibilitam a

obtenção de um resultado com o concurso da vontade do devedor.

A tutela jurisdicional executiva das obrigações pecuniárias é realizada,

basicamente, de duas formas, a depender da origem do título que a embasa402

. Os títulos

executivos extrajudiciais são executados “mediante um processo autônomo de execução e os

títulos executivos judiciais, na maioria das hipóteses, darão ensejo a uma fase de cumprimento

da sentença, inserida no próprio processo em que o título se formou”403

.

Tanto o processamento de um quanto de outro sofreram profundas alterações

em razão das Leis nº11.232/2005 e nº11.382/2006, que ora revogaram ora alteraram

dispositivos do Código de Processo Civil404

.

A dicotomia entre cognição e execução de obrigação pecuniária imperou até a

Lei nº11.232/2005, quando foi adotado, como regra, o sincretismo processual405

.

Antes, porém, em virtude das Leis nº8.952/94 e nº10.444/02, estabeleceu-se

uma nova modalidade de tutela jurisdicional (consubstanciada nas sentenças mandamental ou

executiva406

) o que rompeu o modelo original e tradicional do Código de Processo Civil

brasileiro.

Essas leis modificaram o sistema de execução das obrigações de fazer, não

fazer e de entregar coisa, de forma que as execuções dessas obrigações, reconhecidas em

sentença, não se efetivam em processo autônomo e apartado, o que configura a perda de

402 Títulos executivos extrajudiciais são documentos que retratam atos que abstratamente indicam alta probabilidade de

violação de norma ensejadora de sanção e que, por isso, recebem força executiva e títulos executivos judiciais; por sua vez,

consistem em provimentos jurisdicionais, ou equivalentes, que contém a determinação a uma das partes de prestar algo à

outra. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de

processo civil. 9.ed. v.1. São Paulo: RT, 2007, p.64). 403 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo

civil. 9.ed. v.1. São Paulo: RT, 2007, p.155. 404 Em dissertação de mestrado defendida em 2010, descrevo todas as alterações procedimentais operadas pelas referidas Leis

(nº11.232/2005 e nº11.383/2006). (LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria. Sincretismo processual sob a ótica da

efetividade da prestação jurisdicional: principais aspectos polêmicos do cumprimento de sentença que impõe obrigação de

pagar. Dissertação de mestrado. Araçatuba (São Paulo): Centro Universitário Toledo, 2010). 405 O texto do CPC aprovado pelo Senado e levado à sanção em 17/12/2014 segue a mesma ideologia de sincretismo

processual, reforçando as alterações recentemente operadas no atual CPC. 406 As sentenças executivo lato sensu e mandamental possuem em comum o fato de que ambas não se realizam

concretamente em processo de execução, mas, sim, diretamente no próprio processo de conhecimento, sem intervalo.

Dispensam, outrossim, a instauração de nova relação processual, bem assim de pedido do credor para que o comando judicial

se materialize, pois a própria sentença cognitiva já contém para tanto. Ressalte-se, ademais, que os mecanismos disponíveis

no art.461 do CPC, previstos nos §4º e 5º, referem-se a medidas de cunho mandamental e ainda, de multas diárias, bem como

busca e apreensão, desfazimento de obras, exemplificativamente.

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identidade do tradicional processo executivo. Isto porque “executar-se fora de um processo de

execução era impensável quando o Código de Processo Civil foi concebido e virou lei”407

.

Em virtude desta evolução, a doutrina adotou a denominação de sincretismo

processual para a mescla entre as atividades jurisdicionais de cognição e de execução que, no

texto original do CPC de 1973, eram realizadas em processos autônomos e distintos. Neste

jaez, tal fenômeno permite que o processo se desenvolva numa mesma relação jurídica, sem

solução de continuidade, autorizando o juiz a declarar a existência de direitos e promover atos

concretos de efetivação408. Sobre o tema, já foi abordado:

A novel figura jurídica do Cumprimento da Sentença de obrigação por quantia certa

– CPC arts.475-I a 475-R – contribui com o ideário da concretização da ordem

jurídica justa ao paramentar-se com natureza jurídica de mera fase de execução do

procedimento condenatório. Desse modo, uma vez prolatada (e, eventualmente

liquidada – CPC arts.475-A a 475-H) a sentença condenatória de obrigação por

quantia, e não efetuado o pagamento do valor da condenação no prazo de quinze

dias pelo devedor condenado, a requerimento do credor [no prazo de seis meses],

com o acréscimo da multa de dez por cento, iniciar-se-á a fase de execução, e, com

ou sem indicação de bens pelo exequente, expedir-se-á mandado de penhora e

avaliação409

.

A busca da efetividade do processo e da promoção da sua necessária

celeridade, com vistas à concretude do direito material nele discutido, resultou na utilização,

cada vez mais acentuada, das tutelas mandamental e executiva lato sensu, culminando com a

reforma da execução de sentença que impõe obrigação de pagar dinheiro, levada a efeito pela

Lei nº11.232/2005, por meio da qual a execução das obrigações de pagar quantia,

determinadas em sentença, passaram a ser viabilizadas na mesma relação jurídica como fase

de cumprimento independente de processo autônomo.

Assim, com algumas alterações legislativas ocorridas paulatinamente no

sistema processual brasileiro, pode-se dizer que é possível a coexistência das atividades

cognitiva e executiva, ambas desenvolvidas em uma mesma relação processual. Sobre esta

importante revolução na sistemática processual civil, pondera Humberto Theodoro Jr.:

Mais do que pura eliminação da autonomia do processo de execução de sentenças,

que se alcança com a força de se cumprirem desde logo, no próprio processo da ação

407 BUENO, Cassio Scarpinella. Cumprimento de sentença e processo de execução: ensaio sobre o cumprimento das

sentenças condenatórias. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Execução civil. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2006, p.50. 408 Não custa repisar que no direito brasileiro, o fenômeno do sincretismo não é novidade, haja vista que tal já ocorria nas

cautelares e em boa parte dos procedimentos processuais, como por exemplo nas ações de despejo, nas possessórias, nos

mandados de segurança. 409 LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria; TOLEDO, Iara Rodrigues. Sentenças meramente declaratórias como título

executivo sob a égide da efetividade da tutela jurisdicional. Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, v.12, n.73, set-

out., 2011, p.92-105.

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cognitiva, o mérito maior da Lei n°11.232/2005 foi justamente o de adotar como

padrão executivo o da tutela interdital, que vê na sentença muito mais do que a

definição do direito da parte e da obrigação do devedor, mas um mandamento logo

exequível por força imediata do provimento com que se acolhe a pretensão da

parte410

.

Percebe-se que o tema da efetividade do processo possui contornos particulares

na execução civil, razão pela qual não apenas os processualistas, mas os jurisdicionados em

geral reclamavam sua reforma.

Com efeito, a execução forçada de uma decisão judicial deve voltar-se para a

satisfação do direito material nela estampada. Não é por outra razão que o ordenamento

jurídico brasileiro, mormente o Código de Processo Civil, prevê diversas formas de execução

das decisões judiciais, todas voltadas para a realização de obrigações diferenciadas quanto à

sua natureza (dar, fazer, não fazer e pagar). Assim, sucinta é a lição de Humberto Theodoro

Jr.:

a) execução própria, que visa resultados materiais satisfativos diretamente por obra

dos agentes executivos estatais; e b) execução imprópria, cujos atos não

compreendem a realização direta da satisfação do direito subjetivo do credor, mas

apenas exercem coação para levar o devedor a adimplir.

Na execução própria, outrossim, pode acontecer: a) a execução específica, mediante

entrega do bem de vida, in natura; e b) a execução sub-rogatória, quando se

proporciona algo diverso ao credor, mas que equivalha, em sentido prático, à

prestação devida, ou que, pelo menos, indenize a falta da prestação específica.411

Não se olvida, contudo, que a tutela jurisdicional executiva não se manifesta

apenas no processo de execução. A efetivação da tutela antecipada é um exemplo de prática

de ato executivo no contexto do processo de conhecimento.

Acrescente-se que na fase do cumprimento de sentença não há novo processo

ou nova relação jurídica, mas, nem por isso, deixar-se-á de observar o devido processo legal

com todos seus consectários (mormente, o contraditório e a ampla defesa), tampouco há como

prescindir dos atos processuais pertinentes à execução, que, por sua vez, poderão complicar-se

durante o percurso do processo.

Portanto, nas últimas décadas do século passado e, mais acentuadamente, após

a promulgação da atual Constituição Federal, o Direito Processual Civil brasileiro sofreu

profundas alterações. Nota-se que a modernização caminhou no sentido de reduzir o excesso

410 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.28. 411 THEODORO JR., Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In: Revista Brasileira de Direito

Comparado nº2. Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Disponível em:

http://www.smithedantas.com.br/texto/tut_esp.pdf. Acesso em: 14 jun. 2014.

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de formalidade, imprimir celeridade, enfim, proporcionar o máximo de efetividade ao direito

material, oferecendo uma tutela jurisdicional adequada.

Reconhece-se que as inovações implantadas no Código de Processo Civil na

área executiva são relevantes, haja vista o propósito de efetivação da tutela jurisdicional412

.

No entanto, é preciso reconhecer que estas mesmas inovações, objetos de reforma do CPC

não se ocuparam da execução coletiva, mesmo porque se trata de um diploma elaborado

especificamente para a tutela de direitos individuais. Não é por outra razão que sua aplicação

aos processos coletivos é subsidiária413

.

3.2 Princípios e diretrizes interpretativas aplicáveis à execução coletiva

3.2.1 Princípio da efetividade e o direito fundamental à tutela executiva

O princípio da efetividade aqui tratado deriva do princípio mater do devido

processo legal. Nas palavras de Fredie Didier Jr., “processo devido é processo efetivo”414

. Ou

seja, impõe a observância pelo executado da norma concreta, estabelecida na sentença

coletiva que reconheceu o direito do autor, de forma a garantir a sua efetiva satisfação.

Ora, o devido processo legal vem temperar as relações que regem a tutela

executiva, trazendo harmonia ao processo ao empregar os meios executórios necessários para

concretizar o direito coletivo declarado no processo de conhecimento, sem, contudo, ferir os

direitos fundamentais do devedor. Há, nesta relação processual, partes adversas com seus

respectivos direitos a serem ponderados: o exequente que almeja obter uma justa e efetiva

412 Sobre as reformas implementadas no CPC, Gregório Assagra de Almeida faz coro com a doutrina majoritária ao afirmar

que “Apesar dos inúmeros aspectos positivos gerados por essas reformas, pontos negativos existem, muitos deles

relacionados à perda da unidade estrutural do CPC, à falta de observância da boa técnica processual, à geração de constantes

polêmicas tanto na jurisprudência quanto na própria doutrina. Esses problemas têm produzido verdadeiras situações de

insegurança jurídica e dificuldades de compreensão, interpretação e aplicação do sistema processual. Pode-se afirmar que o

CPC tornou-se uma verdadeira colcha de retalhos. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Algumas considerações reflexivas. JusNavigandi,

Teresina, ano13, n.1956, 8 nov. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 18 maio 2014). 413 Para Gregório Assagra de Almeida, “Não há um regramento específico adequado sobre a execução coletiva, o que se

justifica, em parte, por ser relativamente recente o movimento pela coletivização do direito processual. Muitos conceitos,

princípios e diretrizes interpretativas ainda estão em construção. Em regra, são aplicáveis no processo coletivo os

procedimentos previstos no CPC; porém, em razão de esse diploma processual ter sido elaborado com base em uma

concepção liberal individualista, a sua aplicabilidade é limitada, incidindo-se somente quando não contrariar o microssistema

de tutela jurisdicional coletiva comum (LACP, 21 e CDC, art.90) ou outras disposições específicas e, mesmo assim, não

colocar em situação de risco o próprio direito material coletivo. Apesar de existir um tímido tratamento na lei pátria sobre a

execução no plano dos direitos individuais homogêneos (art.95/100 do CDC), não há disciplina normativa própria e

específica em relação aos direitos difusos e coletivos, salvo as disposições previstas nos arts.13 e 15 da LACP. Nas recentes

reformas do CPC, seja em relação ao cumprimento de sentença (Leis nº10.444/2002 e nº11.232/2005), seja em relação à

execução de títulos executivos extrajudiciais (Lei nº11.382/2006), não houve qualquer tipo de preocupação com a

problemática da execução coletiva”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos. Algumas considerações reflexivas. JusNavigandi,

Teresina, ano13, n.1956, 8 nov. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 18 maio 2014). 414 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução.v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.47.

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tutela de seu direito e o executado que pretende resguardar a sua liberdade patrimonial ou de

fazer ou deixar de fazer. No caso da ação coletiva, vale lembrar que uma das partes adversas

representa direitos de uma coletividade, impregnada, na maioria das vezes, da forte presença

de interesse público, o que justifica um juízo de ponderação diferenciado.

O devido processo legal traz os mecanismos de freios e contrapesos dessa

“relação de poder e sujeição”415

e, ao mesmo tempo, gera princípios norteadores do direito

fundamental à tutela executiva.

A razão da necessidade de se operar a tutela executiva com observância do

princípio da efetividade é explicada por Marcelo Abelha Rodrigues:

[...] verifica-se que a atuação da norma jurídica concreta (realização do direito

declarado) existe apenas nas crises de cooperação, onde a satisfação do direito

declarado depende da sua realização no mundo dos fatos, com vistas a se obter,

dentro do possível, o mesmo resultado prático que se teria caso a cooperação do

sujeito passivo tivesse ocorrido espontaneamente e desnecessário fosse o

processo.416

O direito fundamental à tutela executiva aliado ao princípio da efetividade

pressupõe a existência de um dever do Poder Judiciário em oferecer mecanismos idôneos à

garantia da eficácia de suas decisões; este dever é uma consequência natural daquele direito.

Em melhores palavras, entende-se que a efetividade de um direito reconhecidamente devido

inicia-se através de medidas coercitivas capazes de impor a observância de uma decisão

judicial, já que “a jurisdição, afinal, é atuação do poder do Estado, não podendo ser

confundida como mera atividade de reconhecimento de direito” 417

.

Nesse sentido, a Ministra Fátima Nancy Andrighi proferiu uma decisão

defendendo a íntima relação entre a efetividade da tutela executiva e os mecanismos de

atuação da decisão judicial:

De nada adianta, como não adiantou no processo em análise, a concessão da

antecipação de tutela destituída de seus mecanismos de coercibilidade, pois o não

cumprimento da decisão em nada onerou o devedor. Ao revés, impôs obstáculos aos

credores à consecução dos seus objetivos. (Recurso Especial n.623.438/SP, STJ, 3ª

T., DJU 13.12.04, p.358, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi) 418

.

415 RODRIGUES, Marcelo Abelha. O devido processo legal e a execução civil. In: (Coords.). SANTOS, Ernani Fidélis e

outros. Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.112-115. 416 RODRIGUES, Marcelo Abelha. O devido processo legal e a execução civil. In: (Coord.) SANTOS, Ernane Fidélis e

outros. Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.112-115. 417 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.310-313. 418 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.313.

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Conclui-se, portanto, que, para a efetiva tutela executiva a que o exequente tem

direito, torna-se imperioso que as decisões judiciais proferidas no âmbito de um processo

coletivo tragam, em seu bojo, medidas coercitivas, apresentadas como poderes inerentes à

prestação jurisdicional com o condão de satisfazer o direito reconhecido.

3.2.2 Princípio do resultado e princípio da menor onerosidade ao executado: execução

equilibrada

A despeito de o princípio anterior estabelecer a necessidade de satisfazer de

forma efetiva o exequente que teve seu direito reconhecido pela sentença, não se pode olvidar

que o executado também tem garantias constitucionais reconhecidas.

Diante disso, a doutrina nomeia de “execução equilibrada” o intuito de realizar

uma aplicação ponderada de dois importantes princípios executivos: o princípio do resultado

ou da máxima utilidade da execução e o princípio da menor onerosidade do executado419

.

O princípio do resultado ou da máxima utilidade rege a execução no sentido de

alcançar a satisfação plena do exequente, mediante a prevalência do direito declarado no título

executivo, e de forma a impedir qualquer ato capaz de frustrar tal direito.

Por outro lado, o princípio da menor onerosidade do executado (art.620, CPC)

reconhece ao executado a garantia de primazia da alternativa de prestação da tutela executiva

menos gravosa ao autor do dano, quando existirem vários meios de promover a execução.

Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno:

A “execução equilibrada” aqui examinada, destarte, não é, propriamente, um

“princípio” da tutela jurisdicional executiva mas, diferentemente, um verdadeiro

resultado desejável da escorreita aplicação, em cada caso concreto, dos princípios do

“resultado” e da “menor gravosidade da execução” 420

.

José Miguel Garcia Medina explica que a execução deve, ao mesmo tempo, ser

útil e vantajosa ao exequente sem, no entanto, trazer prejuízos desnecessários ao executado,

como ferir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana421.

419 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2008, p.24-25. 420 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2008, p.25. 421 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção

Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004.

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Assim, a efetivação deste princípio demanda a cooperação entre as partes,

cujos atos, tanto processuais quanto extraprocessuais, devem ser pautados na boa-fé,

possibilitando a plena satisfação do débito de forma menos gravosa e justa.

Assim, o foco principal de uma execução justa é denominada “execução

equilibrada”, no qual é atendido o princípio do resultado visando a satisfação plena do direito

do exequente, porém garantindo os direitos fundamentais do executado de boa-fé.

Não se contesta que o princípio da menor onerosidade em várias situações é

aplicado de forma distorcida pelo executado. Diante disso, em nome da busca de maior

efetividade da execução, o legislador atento a estes fatos tem criado instrumentos punitivos

para aqueles que tentam burlar o sistema. Se de um lado, o princípio da menor onerosidade

confere ao devedor as garantias de que, se houver diversas formas de execução, será utilizada

aquela que lhe for menos gravosa, de outro, o sistema jurídico dispõe de mecanismos

garantidores da efetivação da tutela executiva. Trata-se, portanto, da execução equilibrada.

3.2.3 Princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência possível ou do

resultado

Como corolário dos princípios da efetividade e da máxima utilidade da

execução, surge o princípio da maior coincidência possível, chamado também de princípio da

primazia da tutela específica ou princípio do resultado. A ideia é de que uma tutela executiva

só será efetiva e útil ao credor quando ocorrer o cumprimento específico da obrigação

determinada no título executivo ou, ainda, quando se obtiver o “resultado prático equivalente”

(art.461, §1º, CPC).

Para José Carlos Barbosa Moreira422

, “dir-se-á, então, que o processo funciona

tanto melhor quanto mais se aproximar o seu resultado prático daquele a que levaria à atuação

espontânea do direito”.

Extrai-se da leitura dos arts.84 do CDC e 461 do CPC que a efetivação da

tutela específica é uma prioridade para a legislação brasileira, seguida da possibilidade de um

resultado prático equivalente; aceita-se, tão-somente de modo excepcional, a conversão da

obrigação em perdas e danos.

Em relação às tutelas específica e equivalente, Sérgio Cruz Arenhart423

apresenta como diferença principal entre ambas a pessoa que praticará a conduta para o

alcance do resultado almejado:

422 Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. Temas de direito processual – quarta série. São Paulo: Saraiva,

1989, p.215 apud DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. v.5. Salvador: Juspodivm, 2009.

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A diferença entre a ideia da tutela específica e do resultado prático equivalente está

em que, no primeiro caso, tem-se a atuação do requerido dirigida à prestação do fato

desejado. Já no segundo, obtém-se o mesmo resultado, porém, pela atuação de

terceiro e não pela conduta do próprio réu.

Partindo da análise dos princípios anteriores, sendo possível, na mesma

medida, a tutela específica e a tutela equivalente, satisfazendo o credor de maneira igualmente

eficaz, opera-se a aplicação do princípio da menor onerosidade ao devedor, optando por

aquela que lhe gere menor restrição de direitos.

Acertadamente, Sérgio Cruz Arenhart afirma haver dois “meios de indução”

para se alcançar a tutela específica, já que para isto é imprescindível a colaboração do

executado:

Esses meios de indução são instrumentos disponíveis ao magistrado, capazes de

influir na vontade do requerido para obter dele a cooperação.

Pode-se imaginar duas formas de técnicas de indução: as medidas de pressão

positiva (ou medidas de incentivo) e as medidas de coerção. As primeiras são

aquelas em que o cumprimento da determinação judicial é recompensado com uma

vantagem. É o caso, por exemplo, do regime do mandado monitório no direito

brasileiro. [...] para estimular o cumprimento espontâneo do mandado monitório,

prevê a lei que, caso o réu cumpra com a ordem, ficará ele isento das custas e dos

honorários de sucumbência. [...]

As medidas de coerção, ao revés, são aquelas em que se exige o cumprimento da

ordem judicial sob pena de incidir o requerido em um gravame. Aqui a ordem é

garantida com a ameaça de um mal. É o caso, por exemplo, da multa coercitiva

[...]424

.

E continua apresentando a produção de resultado prático equivalente como

técnica de sub-rogação, uma vez que “o não cumprimento voluntário da prestação pelo réu

implicará a substituição de sua conduta pela atividade de terceiros (às expensas do

requerido)”425

.

Enfim, a ideia fundamental no sistema de tutela executiva é a de se encontrar

técnicas capazes de gerar resultados com a maior concretude possível, isto é, a tutela deve ser

conferida na medida mais próxima do que se obteria sem a intervenção judicial.

423 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.320. 424 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.321. 425 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT: 2013, p.321.

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3.2.4 Princípio da tipicidade e atipicidade das medidas executivas

Inicialmente, afirmava-se ser possível a simples aplicação do princípio da

taxatividade às execuções, princípio segundo o qual as medidas executivas são previstas em

um rol expresso, numerus clausus, não podendo ser adotadas outras maneiras para afetar a

esfera jurídica do executado com o objetivo de alcançar a tutela executiva almejada pelo

exequente.

Contudo, inúmeros fatores demonstraram que a norma jurídica já não é capaz

de abarcar todas as situações surgidas diariamente na sociedade, em razão da sua vertiginosa

evolução e da fluidez das configurações sociais; portanto, é necessário recorrer a outras fontes

de solução jurídica dos litígios, como é o caso da atividade desempenhada pelos juízes426

.

Diante disso, surge o princípio da atipicidade das medidas executivas, uma vez

que o art.461 do CPC confere liberdade ao juiz para determinar a utilização dos meios

executórios efetivamente adequados ao alcance da pretensão do exequente na situação

concreta.

Para Luiz Guilherme Marinoni, este dispositivo quebrou o princípio da

tipicidade das medidas executivas, criando, em contrapartida, o “princípio da concentração

dos poderes de execução do juiz”, denominado por José Miguel Garcia Medida427

de princípio

da atipicidade das medidas executivas. Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni explica:

hoje, na verdade, no caso de execução das obrigações de fazer e de não fazer, é

exato falar-se em princípio da concentração dos poderes de execução do juiz. A

tutela das obrigações de fazer e de não fazer é marcada por este princípio, pois o

juiz, na fase executiva, tem a possibilidade de determinar as medidas necessárias

para que seja obtida a tutela específica da obrigação ou um resultado prático

equivalente 428

.

Seguindo o entendimento de José Miguel Garcia Medina, não é possível

conceber a ideia de um sistema que adote tão somente um ou outro princípio; para atender os

direitos do exequente e executado em medida justa, requer-se utilizar a ambos de forma

426 Neste sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e

ampl. Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004, p.406-407. 427 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção

Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004, p.396. 428 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 2003. 3.ed. p.187 apud MEDINA,

José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção Estudos de

Direito de Processo Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004.

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150

temperada429

. Com isso, o rito executivo segue com a cautela de evitar consequências

irreversíveis a qualquer das partes.

Verifica-se, no entanto, que apesar de o direito brasileiro apresentar-se como

um sistema misto, com casos de atipicidade plena, atipicidade mitigada e tipicidade das

medidas executivas, a norma jurídica não traz limites claros a respeito da atuação do juiz ao

determinar estas medidas.

Assim, a doutrina aponta como limitações ao princípio da atipicidade: o

princípio da menor onerosidade (art.620, CPC), reversibilidade da medida (a exemplo do que

ocorre no art.273, §2º, CPC, apesar de não haver norma específica nesse sentido para a tutela

executiva)430

e o princípio da proporcionalidade. Enfim, é preciso considerar os bens jurídicos

defendidos pela tutela executiva, assim como os bens jurídicos do executado que serão

atingidos.

Nesse sentido, José Miguel Garcia Medina esclarece:

Vê-se, diante disso, que a aplicação irrestrita do princípio da atipicidade das medidas

executivas também pode dar ensejo a situações insatisfatórias, que aconselham um

aprimoramento na regulação das hipóteses de cabimento das medidas executivas,

bem como do grau de certeza acerca da efetiva existência do direito do autor é que

pode o juiz conceder a providência mandamental.

[...] O sistema ideal, diante disso, deve mesclar os princípios da tipicidade e da

atipicidade das medidas executivas, prevendo um sistema típico de tutela, temperado

pelo sistema atípico. A importância do sistema atípico está em se restringir as

medidas executivas quanto a determinados bens jurídicos (p.ex., vedação da prisão

civil, em regra)431

.

Conforme ensina o autor, em relação ao sistema híbrido adotado pelo direito

brasileiro, a execução por quantia certa segue o princípio da tipicidade das medidas

executivas, ao passo que as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa são executadas

observando o princípio da atipicidade.

429 “Vê-se, assim, que um sistema que adota com exclusividade o princípio da tipicidade das medidas executivas, prevendo

medidas executivas específicas apenas para alguns direitos, deixa desprovidos de tutela diversos direitos que não tenham sido

lembrados pelo legislador. [...] A referida tipicidade [...] aparentemente, este seria o sistema perfeito, porquanto ao se permitir

ao juiz tomar as medidas que julgasse mais apropriadas ao caso concreto, se estaria realizando verdadeiramente o direito de

acesso efetivo à Justiça consagrado no art.5º, XXXV, da Constituição Federal. Por outro lado, a ausência de limites precisos à

atividade realizada pelos juízes pode ocasionar o surgimento de critérios absolutamente díspares em relação à fixação da

medida executiva cabível, bem como em relação à forma de aplicação desta medida. [...] Para evitar o mau uso dos diversos

mecanismos executivos, é de todo conveniente que o ordenamento jurídico estabeleça alguns limites ideais à realização da

atividade judicial consistente na aplicação de tais mecanismos executivos”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil:

teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio

Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004, p.409-410). 430 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Tutela antecipada no processo civil brasileiro apud MEDINA, José Miguel Garcia.

Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção Estudos de Direito de Processo

Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004. 431 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. Coleção

Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman v.48. São Paulo: RT, 2004, p.415.

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151

Além disso, é importante destacar que a atividade de determinação das medidas

executivas a serem adotadas, bem como a sua intensidade, deve considerar a qualidade da

cognição judicial realizada, isto é, se esta se trata de cognição “completa, parcial, exauriente,

sumária, definitiva, não-definitiva”432

.

Conclui-se que melhor é o sistema em que coexistem ambos os princípios

(tipicidade e atipicidade) referentes às medidas executivas; deve-se observar a necessária

correspondência entre a medida executiva empregada e o fim (direito tutelado) a ser

alcançado pela determinação judicial.

3.2.5 Princípio da proporcionalidade e princípio da adequação

Conforme verificado, não há como cogitar um processo executivo sem as

diretrizes do princípio da proporcionalidade, que tem como objetivo harmonizar os direitos

das partes da maneira mais efetiva, a fim de alcançar o mínimo sacrifício possível daqueles

direitos433

.

Opera-se este princípio na medida em que se realiza um sopesamento de

princípios ou direitos aplicáveis à execução, entre os quais há um conflito no caso concreto.

Diante das peculiaridades apresentadas pela situação sub judice, pelo princípio da

proporcionalidade, o juiz decidirá qual princípio/direito deverá prevalecer, ou quais aspectos

de cada um deverão ser mitigados.

Consequentemente, surge a necessidade de se recorrer aos desdobramentos da

regra da proporcionalidade: a adequação e a necessidade. Temos, assim, que o princípio da

adequação surge como um mecanismo de controle do poder de execução conferido ao juiz no

atual sistema executivo. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:

Como a concentração dos poderes de execução do juiz exige uma cláusula aberta ao

caso concreto, ou seja, uma cláusula que dê ao juiz poder para identificar e fixar a

modalidade executiva e a forma de prestação da tutela necessários ao caso concreto,

é imprescindível exigir do juiz um uso racional do seu poder conforme as

peculiaridades da situação conflitiva434

.

432 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral: princípios fundamentais. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:

RT, 2004, p.416. 433 Segundo Paulo Bonavides, a adoção do princípio da proporcionalidade fortaleceu admiravelmente o Estado de Direito. E

afirma que “O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional.

Embora não haja sido ainda formulado como ‘norma jurídica’ global, flui do espírito que anima em toda sua extensão e

profundidade o §2º do art.5º o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantias cujo fundamento

decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que

fazem inviolável a unidade da Constituição”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 27.ed. atual. (em

apêndice a Constituição Federal de 1988, com as Emendas Constitucionais até a de n.68, de 21.12.2-11). São Paulo:

Malheiros, 2012, p.450). 434 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: execução. v.3.2.ed. rev. e atual. 3.tir. São Paulo: RT, 2008, p.181.

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Através desses desdobramentos é possível encontrar o “meio mais idôneo” para

realizar a tutela jurisdicional executiva; em outras palavras, o meio adequado, efetivo e menos

prejudicial ao executado. Porém, considerando a abstração que circunda o caráter destes

princípios, as circunstâncias do caso concreto é que apontarão a medida executiva mais

adequada a ser adotada435

.

Em síntese, pertinentes são os ensinamentos de Sérgio Cruz Arenhart436

:

O critério da proporcionalidade implica, em última análise, a procura do “melhor”

meio de intervenção do Judiciário, ou seja, aquele menos gravoso, observados os

parâmetros de necessidade e adequação ao caso concreto.

[...]. Trata-se de uma análise de otimização de resultados, considerado o que é fática

e juridicamente possível. [...] Deve o juiz, portanto, naquilo em que tenha a

liberdade de adequar o procedimento às peculiaridades de certo caso, optar pelo

caminho que ofereça a mais ampla, adequada, efetiva e tempestiva proteção aos

valores constitucionais fundamentais.

O princípio da proporcionalidade encontra campo fértil na tutela executiva,

cujo escopo primordial é conferir efetividade às decisões judiciais, ou seja, à tutela efetiva de

um direito reconhecido em sentença ou ainda a efetivação de um direito representado em um

título extrajudicial, ao qual a lei confere força suficiente para ensejar um processo executivo.

Inobstante a presença dos requisitos437

da certeza, liquidez e exigibilidade

estampada no título executivo judicial, a busca pela efetividade não pode ser feita sem

qualquer critério. Se de um lado, há o poder conferido ao juiz de escolher os meios executivos

a serem empregados, de ponderar os princípios da máxima utilidade da execução ante a menor

onerosidade do executado, aplicando-os ao caso concreto, de outro lado, há o ônus de

apresentar a motivação de suas decisões.

No contexto da tutela executiva nas ações coletivas, o princípio da

proporcionalidade deve assumir uma dimensão amplificada, na medida em que deve haver um

justo equilíbrio entre a garantia do devido processo legal e a efetividade da tutela jurisdicional

coletiva. Nessa tela, a necessidade de ampliar a aplicação deste princípio na execução coletiva

é essencial por conta da natureza dos direitos envolvidos. Os direitos da coletividade

impregnados de uma redobrada carga de interesse público aliados ao direito fundamental à

tutela jurisdicional efetiva reclamam do magistrado escolhas de prioridades no caso concreto.

435 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: execução. v.3.2.ed. rev. e atual. 3.tir. São Paulo: RT, 2008, p.182. 436 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.21; 23; 33. 437 Ainda que estes requisitos sejam parciais, como acontece com a tutela antecipada, a lei confere mecanismos executivos

destinados a conferir efetividade às decisões judiciais, tais como os meios coercitivos e sub-rogatórios.

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153

É exatamente nesse processo de escolhas e tomadas de decisões ante aos

diversos procedimentos disponíveis na legislação adequando-os às diversas situações jurídicas

que o princípio da proporcionalidade deve ser empregado.

3.2.6 Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva

O entendimento majoritário é o de que o princípio da obrigatoriedade da

execução da sentença coletiva (art.15 da LACP) restringe-se a determinar a obrigatoriedade

do Ministério Público de dar continuidade à tutela dos direitos transindividuais requerendo o

cumprimento da sentença coletiva em caso de desistência ou abandono injustificado do autor.

Segundo este entendimento, o princípio da obrigatoriedade da execução

coletiva não significa o impulso oficial pelo magistrado, sobrelevando os princípios clássicos

da inércia da jurisdição e da iniciativa da parte. Ocorre que o princípio da obrigatoriedade de

execução coletiva se inspira na relevância social em que se revestem os direitos

transindividuais. E este mesmo fundamento autoriza o juiz prolator da sentença em fase de

conhecimento a determinar o prosseguimento da ação, quando julgada procedente.

Gregório Assagra de Almeida entende que o princípio da máxima

efetividade do processo coletivo confere amplos poderes instrutórios ao magistrado, devendo

este “atuar independente da iniciativa das partes para a busca da verdade processual e a

efetividade do processo coletivo”438

. Essa amplitude dos poderes do juiz já está demonstrada

em diversos mecanismos efetivadores do processo coletivo, como nas concessões de liminares

(art.12 da LACP), nas antecipações de tutela e medidas coercitivas do art.84 do CDC,

devendo ser estendida na fase executiva, justamente por ser esta a que realiza concretamente o

direito material.

Como se vê, a atual configuração da tutela jurisdicional com forte penhor à

efetividade aumentou a discricionariedade judicial na eleição das medidas executivas

aplicáveis e adaptáveis em cada situação fática e no controle dos mecanismos de coerção e de

sub-rogação. Se em outros tempos, o processo executivo era concebido automaticamente com

o objetivo de determinar o cumprimento das obrigações tão somente de forma ressarcitória,

no qual o juiz desempenhava um papel mecânico e despido de total subjetividade, na

atualidade, a legislação atribui ao juiz a obrigação de dirimir conflitos de alta complexidade,

438 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São

Paulo: Saraiva, 2003, p.577.

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elevando-o a um patamar de atuação primordial na efetivação das próprias decisões de

maneira a produzir efeitos práticos para a tutela dos direitos439

.

Ante estas premissas, nas ações coletivas em que se tutelam direitos

transindividuais, ao proferir a sentença condenatória coletiva, o magistrado poderá determinar

o prosseguimento do feito, após o trânsito em julgado, determinando os procedimentos

liquidatórios, intimando os legitimados extraordinários do art.82 do CDC. Considerando que a

liquidação tem por objeto integrar os elementos da sentença, tornando-a líquida, esta

providência contribuiria para a celeridade do processo e efetividade da tutela, sem ferir outros

princípios de igual grandeza.

3.3 A eficácia das decisões judiciais pela via das tutelas jurisdicionais diferenciadas

Partindo das considerações tecidas no capítulo dedicado aos princípios,

conclui-se que as garantias constitucionais da ação e da inafastabilidade do controle

jurisdicional não se resumem simplesmente em assegurar ao jurisdicionado o acesso ao Poder

Judiciário. Conforme afirma Flávio Luiz Yarshell440

, este princípio deve ser interpretado “de

sorte a delas extrair ‘formas de tutela’ ou tipos de provimento’ aptos a solucionar, efetiva e

adequadamente, todas as situações de violação (ou ameaça a violação) de direitos e interesses

protegidos no plano substancial”441

.

Nesta medida, a expressão tutela jurisdicional têm tripla conotação. É aplicada

pelos doutrinadores ora como sinônimo de procedimento destinado à proteção do direito

material; ora para designar a decisão proferida pelo órgão jurisdicional ao apreciar o pedido

de proteção ao direito; ora para se referir ao resultado da atuação do órgão jurisdicional, com

a entrega do bem da vida442

.

Nelson Rodrigues Netto, partindo de uma macrovisão e sob o manto dos

princípios constitucionais do devido processo legal e seus consectários, afirma que “é possível

admitir-se ser tutela jurisdicional o próprio exercício da atividade jurisdicional e o resultado

439 Neste sentido ver: SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.296. 440 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.138. 441 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “Atualmente, em vista de normas que objetivam permitir – entre outras – a tutela

específica das obrigações contratuais (arts.461 do CPC e 84 do CDC), é possível dizer que o sistema processual é apenas o

reflexo dos valores de um Estado preocupado em garantir às pessoas a fruição efetiva e real dos bens, principalmente

daqueles que são considerados vitais dentro de uma organização social que se preocupa em ser mais justa”. (MARINONI,

Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.19). 442 Conforme DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de

direito processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.405.

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que dela advém, atingindo ambos os titulares da relação processual, em seus polos ativo e

passivo”443

.

Corrobora este entendimento, Luiz Guilherme Marinoni em sua preleção:

A tutela jurisdicional, em uma determinada perspectiva, é o resultado que o

processo proporciona no plano do direito material; em outra, é o conjunto de meios

processuais estabelecidos para que tal resultado possa ser obtido. Quando se pensa

em meios processuais concebidos pela lei para a tutela do direito material, há, mais

propriamente, técnica processual de tutela; quando se tem em consideração o

resultado que as técnicas processuais de tutela proporcionam, há, em toda a sua

plenitude, uma espécie de tutela jurisdicional prestada444

.

A doutrina moderna tem compreendido a “tutela jurisdicional” a partir dos

resultados obtidos pelo processo no plano do direito material, por meio da atuação da

jurisdição e, ainda, considerando os aspectos extrínsecos do processo, com o objetivo de

assegurar aos litigantes, o direito ao processo, enquanto instrumento, com a expectativa de um

julgamento justo, de forma tal a proporcionar a efetiva proteção ao direito material em

jogo445

. Neste sentido, lecionam Fredie Didier Jr., Leonardo José Carneiro Cunha, Paula

Sarno Braga e Rafael Oliveira:

[...] o estudo da tutela jurisdicional sob a ótica do resultado a ser buscado é

importante porque as técnicas processuais postas à disposição dos sujeitos do

processo pelo legislador devem ser utilizadas no sentido de mais bem tutelar os

direitos em jogo. De nada adianta o legislador lançar mão de procedimentos e meios

executivos adequados, ou conferir ao magistrado liberdade para a adaptação do

procedimento ou para a utilização desses meios executivos, se o seu manejo não

tiver por objetivo conferir maior proteção ao direito material vindicado no processo.

Fundamental, pois, entender que tipo de tutela jurisdicional (resultado) se está

buscando para que se saiba qual a técnica processual que permitirá a sua

consecução446

.

Considerando, pois, as diferentes situações da vida e os conflitos de interesse

que se instauram face ao direito material, nem sempre a tutela jurisdicional comum ou

ordinária se apresentou suficiente ou adequada para atender às pretensões ou alcançar os

resultados almejados447

. Uma tutela jurisdicional rígida e engessada (técnicas processuais)

443 NETTO, Nelson Rodrigues. Tutela jurisdicional específica, mandamental e executiva lato sensu. Rio de Janeiro:

Forense, 2002, p.19. 444 MARINONI, Luiz Guilherme.Tutela específica: arts. 461,CPC e 84 CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.61. 445 Teori Albino Zavascki explica que o conceito de tutela jurisdicional está relacionado com o da atividade propriamente dita

de atuar a jurisdição e com o de resultado dessa atividade. Prestar tutela jurisdicional, ou, para usar a linguagem

constitucional, apreciar as lesões ou ameaças a direitos, significa, em última análise, formular juízo sobre a existência dos

direitos reclamados e, mais que isso, impor as medidas necessárias à manutenção [...]. (ZAVASCKI, Teori Albino.

Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p.6). 446 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.406. 447 Conforme Pedro Lenza, “nessa linha, em harmonia com a perspectiva da efetividade do processo, a doutrina destaca a

denominada tutela jurisdicional diferenciada, buscando a adequação entre a situação da vida e o tipo de tutela, devendo os

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não é capaz de atender adequadamente às necessidades e à peculiaridade do direito material,

deixando o jurisdicionado sem a tutela efetiva almejada (resultado).

Buscando sanar esta precariedade e aperfeiçoar a prestação jurisdicional, o

legislador brasileiro tem lançado mão de diversos procedimentos especiais e diferenciados

com o objetivo de amoldá-los às diferentes situações levadas ao conhecimento do Poder

Judiciário. Assim, o que se pretende é dispensar um tratamento diferente do padrão, no

procedimento, na decisão ou no resultado. É o que a doutrina denomina de tutela jurisdicional

diferenciada448

.

Assim, para tutelar as diferentes necessidades dos direitos materiais449

,

conferindo-lhes a almejada efetividade, a tutela jurisdicional se apresenta em diferentes

modalidades. A doutrina utiliza diversos critérios classificatórios da tutela jurisdicional450

.

Trata-se aqui, precipuamente, do critério que considera a pretensão do

demandante, ou seja, o tipo de resultado desejado pela parte. No entanto, concordamos com

Flávio Luiz Yarshell, ao admitir um conceito mais abrangente da locução tutela jurisdicional,

“para designar não apenas o resultado do processo, mas igualmente os meios ordenados e

predispostos à obtenção desse mesmo resultado”451

.

Luiz Guilherme Marinoni ratifica este entendimento, afirmando que a

expressão tutela jurisdicional pode ser pensada em termos de meios (técnicas de tutela

jurisdicional) que permitem a obtenção de um resultado no plano do direito material, porém,

esclarece que é necessário distingui-los do resultado no plano do direito material. Assim, “os

operadores do direito estar sempre atentos às constantes alterações da vida em sociedade”. (LENZA, Pedro. Teoria geral da

ação civil pública. 3.ed. rev.atual.ampl. São Paulo: RT, 2008, p.327). 448 José Roberto dos Santos Bedaque afirma que “a expressão tutela jurisdicional diferenciada pode ser entendida de duas

maneiras diversas: a existência de procedimentos específicos, de cognição plena e exauriente, cada qual elaborado em função

de especificidades da relação material; ou a regulamentação de tutelas sumárias típicas, precedidas de cognição não

exauriente, visando a evitar que o tempo possa comprometer o resultado do processo”. (BEDAQUE, José Roberto dos

Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 4.ed. rev. e ampl.

São Paulo: Malheiros, 2006, p.26). Segundo Eduardo Talamini, “nem todo mecanismo destinado a dar maior eficiência ao

processo, ainda quando obtenha concretamente sucesso, consistirá em ‘tutela diferenciada’: toda vez que esse instrumento

tiver abrangência genérica, não sendo modelado exclusivamente para específicas situações materiais, não se estará diante de

tratamento diferenciado. É o caso do ‘poder geral de cautela’, da possibilidade genérica de antecipação prevista no art.273 do

CPC – e assim por diante”. (TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória: a ação monitória. Lei nº9.079/95. São Paulo RT,

1998, p.56. 449 Neste sentido, afirma Flávio Luiz Yarshell que, “a tutela jurisdicional deve ser buscada primeiramente no direito material,

indagando-se, depois, qual o provimento apto à produção de tais ou quais efeitos substanciais autorizados pelo direito

material”. (YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.139). Também Eduardo Talamini

afirma: “A moderna noção de tutela jurisdicional adota como referencial as situações de direito substancial em que deverá

atuar a Jurisdição [...]. Reconhece-se que a tutela jurisdicional, embora não sendo mero aspecto do exercício do direito

material, tem seu conteúdo e forma de atuação necessariamente delineados pelo objeto sobre o qual tem de operar (a situação

conflituosa)”. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São

Paulo: RT, 2001, p.26). 450 Segundo Alexandre Freitas Câmara, existem outros critérios de classificação de tutela jurisdicional, como por exemplo:

quanto à intensidade (plena e limitada); quanto ao meio de prestação da tutela (comum e diferenciada); quanto à

satisfatividade (satisfativa e não-satisfativa). (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17.ed. v.I.

Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.83). 451 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.31.

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meios de execução, que evidentemente interferem no resultado que o processo pode

proporcionar no plano do direito material, são técnicas para a prestação da devida tutela

jurisdicional”452

.

Por outro lado, a tutela jurisdicional é visualizada, também, em termos de

resultado. Assim, o resultado proporcionado pelas técnicas processuais é considerado a tutela

jurisdicional efetivamente prestada ou tutela jurisdicional em sentido estrito.

3.3.1 As técnicas de tutela jurisdicional

Nos próximos tópicos, procurar-se-á demonstrar a existência de algumas

modalidades de tutela diferenciadas que permitem a obtenção de um resultado prático no

plano do direito material. São as técnicas para a prestação da devida tutela jurisdicional.

Antes, porém, para que estas especificidades possam ser compreendidas no contexto de tutela

jurisdicional, é necessário uma rápida abordagem na configuração clássica de tutela.

Destarte, a doutrina tradicional classifica a tutela jurisdicional em três

modalidades: a cognitiva, a executiva e a cautelar453

(classificação trinária das sentenças)454

.

A primeira subdivide-se em tutelas meramente declaratória, constitutiva e condenatória, as

quais são apresentadas neste item, sem aprofundamento teórico455

.

452 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.63. 453 Teori Albino Zavascki esclarece que “embora a cada espécie de tutela correspondem em nosso Código de Processo Civil,

“processos” e “ações” distintos, não é absoluta a segmentação das três espécies, eis que há casos de prestação de tutela de

conhecimento em ação cautelar e em ação de execução, como há hipóteses de tutela cautelar nas ações em que predominam

cognição e execução, bem assim, tutela executória em ação cautelar e de conhecimento”. (ZAVASCKI, Teori Albino.

Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p.16). 454 A doutrina moderna tende a criticar a classificação trinária das sentenças. Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni afirma

que a classificação tradicional das ações guarda íntima relação com os valores do Estado liberal e a escola Chiovendiana,

cujas bases são divorciadas do direito material e fincadas na autonomia do processo em relação ao direito substancial. A voz

do autor faz eco a autorizadas vozes doutrinárias no sentido de que o processo não pode ser compreendido à distância do

direito material. Assim, partindo da percepção de que o processo não estava correspondendo à necessidade de tutela do

direito material obrigou a doutrina a pensar em termos de efetividade do processo. E conclui que a classificação trinária das

sentenças não traz a efetividade almejada, porque ignora as necessidades do direito material e, portanto, não estão aptas a

tutelar adequadamente as situações de direito material. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84,

CDC.2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.33). 455 Cintra, Dinamarco e Grinover lecionam que o processo meramente declaratório tem por escopo apenas a declaração da

existência ou inexistência da relação jurídica, sendo que o provimento jurisdicional invocado exaure-se na decisão positiva

ou negativa; diferentemente, a sentença condenatória, ao acolher a pretensão do autor, afirmando a existência do direito e sua

violação e aplicando a sanção correspondente à inobservação da norma reguladora do conflito de interesse, possibilita o

acesso à via processual da execução forçada. Assim, para os autores, a sentença condenatória é a única, dentre as demais

espécies de sentença que possibilita ao autor o direito à via executiva. Discordando desse posicionamento, já tive

oportunidade de escrever em conjunto com Iara Rodrigues de Toledo, defendendo com fincas na jurisprudência do STJ, que

as sentenças meramente declaratórias podem ser consideradas títulos executivos, passíveis de nova intervenção judicial, via

cumprimento de sentença. (LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria; TOLEDO, Iara Rodrigues. Sentenças meramente

declaratórias como título executivo sob a égide da efetividade da tutela jurisdicional. Revista Síntese Direito Civil e

Processual Civil, v.12, n.73, set-out., 2011, p.92-105). Por sua vez, a sentença constitutiva faz uma declaração peculiar ao

provimento jurisdicional cognitivo ao acrescentar a modificação de uma situação jurídica anterior, criando-se uma nova.

(CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do

processo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.329-331).

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A tutela jurisdicional cognitiva é atividade eminentemente intelectual: o autor

realiza afirmação de direito, demonstra sua pretensão, o juiz analisa os fatos alegados pelas

partes e define qual a norma que incidirá no caso concreto. É uma atividade investigativa.

Alexandre Freitas Câmara456

afirma que sua característica essencial é pronunciar acerca da

existência ou inexistência de um direito, que por sua vez, poderá ser adicionada outro

elemento, condenatório ou constitutivo.

Também denominada tutela de conhecimento, a tutela cognitiva enseja às

partes a oportunidade para a ampla produção de provas, investigando fatos, examinando

documentos, tomando o depoimento de testemunhas, ouvindo os sujeitos do processo, numa

avaliação ampla, a qual tem por finalidade prolatar uma sentença que se aproxime de um grau

máximo de justiça.

O pronunciamento final, contudo, nem sempre, por si só, é capaz de eliminar o

conflito de interesses457

que gerou o exercício do direito de ação, reclamando nova

intervenção do Estado para que seja cumprida de forma coercitiva a vontade que emana do

pronunciamento judicial, na hipótese de o vencido negar-se a cumpri-la espontaneamente.

A sentença que, tão somente condena o réu a pagar determinada soma em

dinheiro ao autor, por exemplo, não tem o condão de eliminar o conflito pela exata razão de

não garantir que o devedor venha cumpri-la de forma voluntária. Todavia, se o réu cumprir a

sentença de forma espontânea, eliminado estará o conflito458

.

O descumprimento livre do devedor e a existência de uma obrigação para pagar

quantia a ser adimplida justificam a solicitação do interessado no sentido de que o Estado

volte a atuar em vista da manutenção de um conflito de interesses, desta feita de

características diferenciadas.

456 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.I. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.82. 457 Verifica-se que no conceito de tutela cognitiva fala-se em conflito de interesses, referindo-se implicitamente à jurisdição

contenciosa e, por consequência, excluindo a jurisdição voluntária, eis que inexiste lide. É sabido que diferentes correntes

doutrinárias divergem a respeito da natureza jurídica de jurisdição voluntária. Destaca-se a teoria clássica afirmando que a

jurisdição voluntária não tem natureza de jurisdição por não ser destinada a compor a lide (expoente desta corrente é José

Frederico Marques apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.I. 17.ed. Rio de Janeiro:

Lumens Juris, 2008, p.75). Outra corrente, denominada revisionista, compreende a jurisdição voluntária como uma espécie

de atividade jurisdicional. Expõe as razões deste entendimento, Ovídio Araújo Baptista da Silva. (SILVA, Ovídio Araújo.

Baptista. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v.2. 4.ed. rev. e atual. São

Paulo: RT, 2000, p.44). Sem desprezo a esta discussão, optei por conceituar a tutela cognitiva apenas sob o enfoque da

jurisdição contenciosa em razão do cerne da pesquisa, qual seja, a execução das sentenças sob o efetividade da tutela

jurisdicional. 458 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “é imprescindível distinguir sentença e tutela de direitos. A sentença é o meio que

deve estar presente na legislação processual para que a tutela dos direitos possa ser efetivamente prestada. Melhor

explicando: se a efetiva tutela do direito ao meio ambiente (por exemplo) exige tutela inibitória, reintegratória e ressarcitória

na forma específica, a previsão das sentenças mandamental e executiva é apenas resposta do legislador atento à necessidade

de instituir um processo civil realmente capaz de proteger os direitos, evitando que eles sejam transformados em pecúnia, ou

mesmo expropriados por aqueles que estão convencidos de que vale a pena pagar por eles”. (MARINONI, Luiz Guilherme.

Curso de processo civil – procedimentos especiais. v.5. São Paulo: RT, 2009, p.308).

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Em tais casos, num primeiro momento – na jurisdição de conhecimento –, tem-

se um conflito em grau máximo de incerteza, reclamando intervenção estatal para definir a

titularidade do direito. No segundo momento ou fase – jurisdição de execução – já se sabe

quem é o titular do direito, reclamando-se a intervenção estatal, para que o devedor cumpra,

de forma coercitiva, o comando extraído da decisão judicial que resolveu o conflito, caso este

não o faça espontaneamente.

Requer-se a intervenção estatal, por meio do Poder Judiciário, para retirar

parcela do patrimônio do devedor suficiente ao pleno cumprimento da obrigação estampada

no pronunciamento judicial, ou ainda, determinar outros meios executivos459

a fim de ver

materializada a jurisdição executiva, de índole forçada, destinada a produzir, no mundo dos

fatos, modificações palpáveis.

Desta sorte, a tutela jurisdicional executiva é uma atividade material,

caracterizando-se pela satisfação de crédito, “operando-se a realização prática de um comando

contido em sentença condenatória (ou em atos jurídicos a esta equiparado, os chamados

títulos executivos extrajudiciais)”460

.

Busca-se, por meio da tutela executiva, um resultado concreto, prático, físico

(ex.: a retirada de um bem do patrimônio do devedor e a sua entrega ao credor, a expropriação

e alienação de bens do devedor e entrega do dinheiro obtido ao credor, a obrigação de fazer

algo, que redundará em alteração do mundo físico, e ainda, a proibição de fazer algo a fim de

preservar o status quo existente). Em síntese, explica Marcelo Lima Guerra:

Em outras palavras, a tutela executiva destina-se, em última análise, a remover o

estado de insatisfação do direito substancial consagrado em título executivo, e esse

estado origina-se, precisamente, na ausência de uma conduta (comissiva ou

omissiva) espontânea do devedor. Nesta perspectiva, é correto afirmar que, no plano

funcional a tutela executiva caracteriza-se por estar orientada a suprir a não

realização espontânea de determinada conduta, exigida para a satisfação de um

direito subjetivo461

.

A doutrina moderna tende a inserir, nesta classificação462

, outras tutelas

denominadas tutela executiva lato sensu e mandamental463

. A distinção entre elas encontra-se

459 Humberto Theodoro Júnior aponta três modalidades de execução disciplinadas pelo Código de Processo Civil

considerando que, com dimensões distintas, todas elas representam agressões patrimoniais ao devedor: a) os meios de

desapossamento, típicos da execução para entrega de coisa; b) os meios de transformação, próprios para a execução das

obrigações de fazer e não fazer; c) os meios expropriatórios, utilizados na execução por quantia certa. (THEODORO JR.,

Humberto. Processo de execução e cumprimento da sentença. 26.ed. São Paulo: LEUD, 2009, p.54). 460 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17.ed. v.I. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.82. 461 GUERRA, Marcelo Lima. Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer. In: (Coord.) WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1995, p.296-321. 462 Ovídio Araújo Baptista da Silva já antes das reformas no CPC, aglutinando em uma mesma relação processual defendia

que estas novas modalidades de tutela jurisdicional, que exigem realização de funções executivas, sejam conduzidas a um

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na espécie de providência determinada pelo juiz na decisão, se a execução se concretizará ou

não com a participação do devedor464

.

Executiva lato sensu é aquela em que o Poder Judiciário dispensa a atuação do

devedor para efetivar a prestação devida, substituindo sua conduta pela do Estado-juiz ou de

um terceiro. É também denominada execução direta ou execução por sub-rogação, eis que

levadas a cabo contra a vontade do devedor. São medidas de sub-rogação ou execução direta:

o desapossamento realizado pela busca e apreensão; a transformação, quando o juiz determina

que um terceiro cumpra a obrigação de fazer a custa do devedor; a expropriação, convertendo

coisas em dinheiro, pela adjudicação, alienação em hasta pública ou particular e o usufruto

forçado.

Por sua vez, a tutela mandamental trata-se de uma ordem dada pelo Estado-juiz

ao devedor, impondo uma obrigação e estabelecendo uma medida coercitiva indireta para

forçá-lo ao cumprimento. Vê-se que, nesta modalidade, o cumprimento da decisão judicial se

efetiva com a colaboração do próprio devedor, mediante coerção, como as multas e a prisão

civil.

Em resumo, a interseção entre ambas as tutelas é a prescindibilidade de um

processo de execução para realizar o comando da decisão no mundo dos fatos, diretamente no

próprio processo de conhecimento, sem intervalo. Distinguem-se na medida em que na tutela

mandamental há um plus na ordem expedida materializada por medida coercitiva com a

finalidade de forçar o devedor a realizar uma conduta, enquanto na tutela executiva lato sensu

são promovidas medidas necessárias para o cumprimento da obrigação.

Se considerada a tutela jurisdicional a partir dos resultados obtidos pelo

processo no plano do direito material, por meio da atuação da jurisdição, não haverá razão

mesmo conjunto do processo de execução, a fim de unificar os meios executórios. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da.

Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. 4.ed. rev. e atual. v.2. São Paulo: RT,

2000, p.22). Luiz Guilherme Marinoni afirma que com o surgimento das novas relações jurídicas, frequentemente de

conteúdo não patrimonial, a classificação trinária se tornou ineficiente porque “não tutelam de forma adequadaos direitos que

não podem ser violados, seja porque tem conteúdo não-patrimonial, seja porque, tendo conteúdo patrimonial, não podem ser

adequadamente tutelados pela via ressarcitória”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC.

2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.39). 463 Há quem se refira às tutelas executivo lato sensu e mandamentais como “ações” outros como “sentenças”, contudo, a

divergência de denominação não descaracteriza os institutos, tampouco retira a natureza de tutela. Veja-se a lição de

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, onde os autores

referem-se ora a ações, ora a sentenças: “Essa classificação quíntupla das ações – que é uma criação da doutrina brasileira

(Pontes de Miranda) e se opõe à clássica tripartição – não obedece ao mesmo critério por esta adotado, o qual se funda na

mesma natureza processual da tutela jurisdicional invocada (condenação); sendo levado em conta este critério, a sentença

mandamental e a executiva lato sensu reconduzem-se perfeitamente à categoria mais ampla das sentenças condenatórias.

(CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do

processo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.327. 464 Para Marcelo Lima Guerra, “tanto a ‘execução forçada’, ou a execução por sub-rogação, como também a ‘execução

indireta’, ou execução por coerção indireta, são técnicas distintas de atuação prática dos direitos, portanto, postas a serviço da

mesma modalidade de tutela jurisdicional, a saber a prestação da ‘tutela jurisdicional executiva’”. (GUERRA, Marcelo Lima.

Direitos fundamentais e proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003, p.40).

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para distinguir as modalidades executiva lato sensu e mandamental, e a efetivação da tutela do

direito, com a entrega do bem da vida465

.

Por outro lado, considerando a necessidade de efetivar os direitos materiais,

não se pode perder de vista os procedimentos e as técnicas processuais diferenciadas para

adequá-las às diferentes situações que demandam tutela dos direitos materiais, conforme

registrado466

.

Já a tutela jurisdicional cautelar é considerada, pela doutrina clássica467

, aquela

que se limita a assegurar a efetividade de outro tipo de tutela, quando esta fica ameaçada de se

tornar inefetiva, pelo decurso do tempo. Em outras palavras, destina-se a tutela cautelar a dar

efetividade à jurisdição e ao processo. Nesta linha de raciocínio, argumenta-se que a tutela

cautelar não tem um fim em si mesma, pois toda sua eficácia opera em relação às outras

espécies de tutela468

.

Para Humberto Theodoro Júnior469

, não há como compreender esta espécie de

tutela, via processo cautelar ou medida cautelar, senão ligada a um outro processo, “uma vez

que as medidas preventivas não são satisfativas470

, mas apenas conservativas de situações

necessárias para que o processo principal alcance um resultado realmente útil”. Sobre suas

características básicas, afirma:

É instrumental a função cautelar, porque não se liga à declaração de direito, nem

promove a eventual realização dele; e só atende, provisória e emergencialmente, a

uma necessidade de segurança, perante uma situação que se impõe como relevante

para a futura atuação jurisdicional definitiva471

.

465 Conforme pondera Marcelo Lima Guerra, “qualquer que seja o direito a ser satisfeito, as partes envolvidas etc., os meios

executivos, isto é, o conjunto de providências jurisdicionais adotadas para prestar a tutela executiva, ou são meios sub-

rogatórios ou coercitivos. Diz-se, assim, que a execução forçada segundo o critério do meio executivo empregado, ou é

direta, quando se vale de medidas executivas sub-rogatórias, ou é indireta, quando se vale de medidas executivas de coerção”.

(GUERRA, Marcelo Lima. Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer. In: (Coord.) WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1995, p.304). 466 Bem argumenta Luiz Guilherme Marinoni: “os provimentos mandamental e executivo podem se ligar a vários meios de

execução indireta e direta, e assim é necessário verificar aquele que deve ser utilizado no caso concreto”. Esclarece também

que a quebra do princípio da congruência entre a sentença e o pedido, permitindo ao juiz conceder provimento (ou meio

executivo) diferente do solicitado (art.461 do CPC e 84 do CDC) tem como objetivo a efetivação da tutela jurisdicional.

(MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p.163-164). 467 Dentre os doutrinadores que assim entendem, citamos Humberto Theodoro Júnior (THEODORO JR., Humberto. Curso

de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.540-541); Luiz Rodrigues Wambier (WAMBIER,

Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 8.ed. v.3. São Paulo: RT, 2006, p.35); Alexandre Freitas Câmara

(CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil.17.ed. v.I. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.03). 468 Teori Albino Zavascki afirma que à classificação bipartite da tutela jurisdicional (de conhecimento e de execução),

costuma-se acrescentar um tertium genus, que a tutela cautelar, que tem por objeto a obtenção de providência destinada a

garantir a eficácia da tutela de conhecimento ou de execução, e não a satisfazer diretamente o direito material afirmado.

(ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p.8). 469 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.543. 470 As medidas urgentes de natureza satisfativa regem-se pelo instituto da antecipação da tutela (arts.273 e 461). 471 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.543.

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162

O conceito apresentado não é unânime na doutrina. Ovídio Araújo Baptista da

Silva472

, seguido por outros juristas473

, defende a ideia de que a tutela cautelar, gênero da

tutela preventiva, na verdade tem por fim “dar proteção jurisdicional ao direito subjetivo ou a

outros interesses reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, mas que não se

identificam com os denominados direitos subjetivos”.

Nesta linha de raciocínio, Ovídio Araújo Baptista da Silva entende que tutela

cautelar tem sentido supletivo, na medida em que “as formas convencionais de tutela

jurisdicional tornem-se insuficientes e inadequadas, impedindo que o Estado cumpra seu

dever de proteção do direito por ele próprio criado, dever este que decorre do monopólio da

função jurisdicional”474

.

Originalmente, o processo cautelar foi concebido com o intuito de garantir

efetividade à tutela ressarcitória, podendo ser utilizado em um processo de conhecimento ou

de execução. A necessidade de tutela dos direitos propiciou a sua utilização como técnica de

sumarização do processo de conhecimento (tutela antecipada) e instrumento de tutela

preventiva, atual ação inibitória475

. Conforme Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart, com os institutos da tutela antecipada e inibitória, o processo cautelar voltou a

desempenhar o papel para o qual foi criado, “limitando-se a assegurar a efetividade da tutela

do direito material”476

.

472 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência). 3.ed. v.3. rev. atual. e

ampl. São Paulo: RT, 1998, p.17. 473 Segue este entendimento Luiz Guilherme Marinoni, contrapondo-se à teoria clássica, refutando a ideia de que a tutela

cautelar tem por função essencial assegurar a efetividade da jurisdição ou de outro tipo de processo (instrumento do

processo), mas sim, tutelar o próprio direito litigado, ameaçado ou submetido ao perigo de dano. Destarte, entende este jurista

que se a “tutela cautelar for instrumento de algo, ela somente poderá ser instrumento para assegurar a viabilidade da obtenção

da tutela do direito ou para assegurar uma situação jurídica tutelável, conforme o caso”. (MARINONI, Luiz Guilherme.

Curso de processo civil – processo cautelar. v.4. São Paulo: RT, 2008, p.23). 474 Ovídio Araújo Baptista da Silva esclarece que “A emergência de uma situação não prevista e para cuja proteção sejam

insuficientes os instrumentos processuais criados pela lei põe o Estado diante da seguinte alternativa: a) despreza a exigência

de uma proteção imediata, capaz de responder adequadamente à situação de urgência, preferindo seguir os procedimentos

legalmente estabelecidos; b) ao contrário, dá prioridade ao interesse de proteger desde logo o provável direito exposto a um

dano iminente, adotando alguma medida que lhe dê segurança, sem que o direito por tal modo tutelado seja reconhecido

como realmente existente pelo julgador, resultado este somente alcançável em demanda satisfativa que venha a ser ajuizada

simultaneamente ou em momento subsequente”. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo

cautelar (tutela de urgência). 3.ed. v.3. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 1998, p.17). 475 Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart afirmam que a ação cautelar não é adequada para inibição do ilícito,

porque a tutela inibitória não pode ser instrumento da tutela ressarcitória, que esta aceita a violação do direito. (MARINONI,

Luiz Guilherme. Curso de processo civil – processo de conhecimento. v.2. 7.ed. São Paulo: RT, 2008, p.61). 476 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – processo de conhecimento. v.2.7.ed. São Paulo: RT, 2008, p.62.

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3.3.1.1 Tutelas de urgência477

O processo tem natureza instrumental, cuja finalidade, segundo a teoria de

Chiovenda, é a solução de conflitos de interesses, a entrega a quem tem um direito daquilo

que lhe é devido. O processo se utiliza de técnicas clássicas de conhecimento e de execução

de modo separado ou sincrético478

.

A técnica do processo de conhecimento ou cognitivo inicia-se a partir de uma

dúvida a respeito da existência do direito que para ser sanada depende da atividade judicial

investigativa e amplo debate inter partes. De seu turno, no processo executivo, parte-se de

uma certeza proveniente da existência de um título executivo assim reconhecido pela lei, que

fundamenta a atividade judicial, não mais cognitiva, mas de medidas efetivadoras do direito já

reconhecido no título.

Depreende-se que tanto a atividade cognitiva quanto a executiva demandam

um tempo considerável para atingir seus objetivos, cuja delonga poderá causar um dano

irreversível ou tornar impossível o alcance ao escopo da atividade processual.

Neste sentido, apropriada a lição de Humberto Theodoro Jr.:

A insatisfação do direito material da parte é um dano imediato que o adversário já

lhe impôs. Ao processo corresponde a tarefa de repará-lo. No entanto, não pode, de

ordinário, fazê-lo senão após a tramitação mais ou menos longa dos atos que

compõem o procedimento judicial479

.

Além de inúmeros expedientes legais compensatórios (juros moratórios,

correção monetária, etc.), variados são os expedientes de que se vale o direito processual com

vistas à efetividade do processo, tanto para coibir os efeitos deletérios do tempo sobre o

resultado do processo, como, por exemplo, para reduzir os procedimentos (ritos sumários,

ações monitórias, julgamento antecipado da lide, etc.).

Ademais, o ordenamento jurídico brasileiro prevê medidas cautelares e as de

antecipação de tutela de mérito, espécies do gênero tutelas de urgência.

477 Já tivemos oportunidade de discorrer sobre o tema em: LAMBLÉM, Gláucia A. da Silva Faria. Assunção de competência

nas tutelas de urgência motivada na efetivação dos direitos humanos. In: PRADO, Alessandro Martins; CALIL, Mário Lúcio

Garcez; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima. Constituição e direitos humanos: 20 anos da Constituição Federal e 60 anos da

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Birigui: Boreal, 2009, p.99-114. 478 A execução autônoma diz respeito principalmente às execuções de títulos extrajudiciais. No entanto, vale esclarecer que

as ações de execução de sentença autônomas não foram totalmente abolidas, restando casos de sentença penal condenatória,

sentença arbitral, sentença estrangeira homologada pelo STJ, além de execuções especiais, como contra a Fazenda Pública,

por exemplo. 479 THEODORO JR., Humberto. As liminares e as tutelas de urgência. In: (Coord.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.243.

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164

Essas últimas constituem meios de abreviar a marcha processual da demanda

proposta, adotando mecanismos permitidos pela norma jurídica com o fim de alcançar

resultados mais céleres. Conforme José Roberto dos Santos Bedaque480

, com a adoção dessas

tutelas “tenta-se conciliar a celeridade com a certeza, valores quase antagônicos no processo”.

Elucidativa a justificativa de Humberto Theodoro Jr. para as medidas que

formam o gênero tutela de urgência:

Todas essas medidas formam o gênero “tutela de urgência”, porque representam

providências tomadas antes do desfecho natural e definitivo do processo, para

afastar situações graves de risco do dano à efetividade do processo, prejuízos que

decorrem da sua inevitável demora e que ameaçam consumar-se antes da prestação

jurisdicional definitiva481

.

Bastante significativa a sentença de Giuseppe Chiovenda de que o “o processo

deve dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e

exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”482

. Tal assertiva parece descrever o dia

a dia forense na atualidade, no qual os profissionais do direito operam um processo

extremamente formal e lento em nome da segurança jurídica. De outro lado estão as partes

signatárias do direito, que sofrem com a delonga da marcha processual e assistem inertes a

inefetividade de seu direito, ainda que garantido pelo Estado.

Existe uma acentuada tendência de se considerar o art.5º, XXXV, da

Constituição Federal como fundamento jurídico para as tutelas de urgência, entendidas estas

como técnicas de agilização da prestação jurisdicional.

O dispositivo constitucional evidencia o princípio da inafastabilidade do Poder

Judiciário. Sobre este aspecto, vale ressaltar que as tutelas de urgência constituem uma

garantia constitucional, inserida no capítulo reservado aos direitos e garantias fundamentais.

Mais significativa ainda é a ideia de que as tutelas de urgência não devem se

restringir ao acesso à justiça sob o aspecto da celeridade, mas, sobretudo como instrumentos

idôneos de concretização dos direitos e garantias fundamentais, fundados principalmente na

dignidade humana.

Digno de nota, também, outro preceito constitucional que serve de

embasamento às tutelas de urgência, qual seja o art.5º, XXVIII, da Constituição Federal,

480 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de

sistematização). 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006, p.338. 481 THEODORO JR., Humberto. As liminares e as tutelas de urgência. In: (Coord.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.243. 482 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v.1.Campinas: Bookseller,1998, p.67.

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segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Não restam dúvidas de que as tutelas de urgência têm legitimação

constitucional. Por se tratar de um instrumento de efetivação de direitos fundamentais,

qualquer ato ou omissão tendente a restringir sua aplicabilidade ou tornar inefetivo o exercício

do direito à tutela de urgência estará ofendendo diretamente um dos pilares do Estado

Democrático de Direito, o devido processo legal.

Tutela de urgência é gênero que abrange todas as espécies de medidas

destinadas a evitar o risco proveniente da demora da marcha processual. Dentre as espécies de

tutelas de urgência merecem destaque as tutelas cautelares e as tutelas antecipadas483

.

Sobre a tutela cautelar, transcreve-se José Roberto Santos Bedaque484

, para

quem as tutelas cautelares têm a função de “assegurar a efetividade da tutela jurisdicional,

evitando prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao titular de direito provável, passível de

se verificar durante o processo de cognição plena ou causado pela demora na entrega da tutela

final”.

São requisitos indispensáveis para a obtenção do provimento cautelar, o fumus

boni iuri, ou seja, a probabilidade da existência do direito afirmado pelo requerente da medida

e o periculum in mora, relativo ao fundado receio de que o direito afirmado pelo autor, de

existência apenas provável, padeça de um dano irreparável ou de difícil reparação.

Sobre o requisito do perigo da demora, Teori Albino Zavascki485

afirma que

“quando se fala urgência, em dano, em periculum in mora, está-se falando em fatos e não em

abstrações. Perigo é um fenômeno concreto e não formal”.

Merece destaque a tutela jurisdicional antecipada486

, um dos temas que mais

têm despertado a atenção dos processualistas brasileiros na contemporaneidade, haja vista que

“consiste em fenômeno processual de raízes nitidamente constitucionais, já que, para ser

483 Conferir as várias medidas cautelares específicas e seus respectivos procedimentos na obra: SILVA, Ovídio Araújo

Baptista da. Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência). v.3. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT,

1998. 484 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de

sistematização). 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006, p.162. 485 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p.49. 486 Encontra-se em doutrina esparsa também a denominação de “tutela de urgência satisfativa interinal” ou tão somente

“tutela interinal”, na medida em que esta se destina a proteger interinamente o demandante, cujo direito substancial se revela

provável. Ressalte-se que se o fundamento do adiantamento da tutela for baseado no §6º do art.273, a hipótese será de tutela

antecipada baseada em juízo de certeza e, por isso não é interinal, nem provisória, mas definitiva. (CÂMARA, Alexandre

Freitas. Lições de direito processual civil. v.I. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.86).

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166

plenamente aplicado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto na

Constituição, é necessário que a tutela prestada seja efetiva e eficaz”487

.

Não se trata de um instituto novo no ordenamento brasileiro, presente em

normas espaçadas, como as que regulam a reintegração liminar na posse, o despejo liminar e o

aluguel provisório488

. Com a alteração dada pela Lei nº8.952/94 à redação do art.273 do CPC,

criou-se uma norma genérica, aplicável, em princípio, a todos os processos de conhecimento.

Prevista no Livro I, CPC, a tutela antecipada consagra a prestação jurisdicional

de natureza cognitiva, sumária (com base em probabilidade) e satisfativa, através da qual,

presentes os requisitos legais (art.273, I ou II, e §2º, do CPC), se antecipa, provisoriamente, o

provimento jurisdicional pretendido no processo de conhecimento.

Sua característica principal é obter os efeitos do provimento jurisdicional em

momento anterior à prolação da sentença. Para isso, quebrando as regras do rito processual, é

necessário a presença de rigorosos requisitos aliados à existência de prova inequívoca e da

verossimilhança das alegações, nos termos do art.273 do CPC.

A tutela antecipatória489

, consubstanciada em decisão de natureza

interlocutória, é sempre satisfativa do direito material reclamado, distinguindo-se da tutela

cautelar, por ser esta de natureza preventiva490

. Precipita-se a própria proteção jurídica final

postulada no processo de cognição, ainda que com eficácia provisória, sob o fundamento dos

princípios de economia, de celeridade, de justiça e de efetividade processual.

Por tratar-se de forma de adiantamento da tutela de mérito, em casos

excepcionais, insere-se na modalidade de tutela diferenciada e limitada, somente podendo ser

conferida se presentes os pressupostos legais de sua concessão (o fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, o

abuso do direito de defesa e, no caso de pedidos cumulados, um deles se mostrar

incontroverso).

A tutela antecipada é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa prestada com

base em juízo de probabilidade, em cognição não exauriente, quando o tempo necessário para

487 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo

civil. 9.ed. v.1. São Paulo: RT, 2006, p.321. 488 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.I. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p.83. 489 Ver: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença.

2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1998; MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 10.ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2008; ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997; BEDAQUE, José Roberto

dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 4.ed. rev. e

ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. 490 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart lecionam que a tutela cautelar se destina a assegurar a efetividade da

tutela satisfativa do direito material na medida em que objetiva garantir a sua frutuosidade. Assim, a “tutela antecipatória se

confunde com a tutela cautelar apenas quando se frisa a característica da provisoriedade”. (MARINONI, Luiz Guilherme.

Curso de processo civil – processo cautelar. v.4. São Paulo: RT, 2008, p.61).

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compor o convencimento e a formação do juízo de certeza do julgador puder comprometer o

direito material tutelável.

A característica da “satisfatividade” é empregada no sentido de que o que se

concede, liminarmente, ao requerente, coincide em termos práticos e no plano fático (embora

reversível e provisoriamente), com o que foi pleiteado e, em curso normal, seria entregue ao

final da demanda, após a cognição exauriente.

É, pois, a provisoriedade que, basicamente, distingue a antecipação de tutela da

sentença final prolatada que, porventura, julgar procedente o pedido deduzido pelo autor,

concedendo, em definitivo, a providência jurisdicional almejada.

De fundamental importância é a quebra de paradigma de que não há execução

antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Daí a observação de Luiz Guilherme

Marinoni e de Sérgio Cruz Arenhart:

Ora, a tutela antecipatória rompe o princípio de que não há execução antes do

trânsito em julgado da sentença condenatória e, especialmente, com a ideia de que

não era possível execução antes de ter sido proferida a sentença em primeiro grau de

jurisdição, uma vez que, antes da introdução da tutela antecipatória no Código de

Processo Civil, já era viável a execução de sentença na pendência do recurso

(art.520, do CPC) e, portanto, antes do trânsito em julgado, o que, nas já lembradas

palavras de Chiovenda, seria algo anormal. Ou melhor: a tutela antecipatória quebra

o princípio de que não há execução sem título491

.

Importa que os institutos da antecipação da tutela e da tutela cautelar, embora

distintos em sua natureza, derivam do mesmo gênero, qual seja, tutela jurisdicional de

urgência. Isto posto, vale ressaltar que nos escopos jurídicos e sociais destes institutos,

encontram-se suas similitudes, qual seja precaver-se dos efeitos deletérios do tempo sobre o

direito tutelado no processo.

Considerando estes pontos de intersecção, importante observação faz José

Roberto Santos Bedaque492

:

Nessa linha, as tutelas provisórias devem ser reunidas e receber o mesmo

tratamento. Inexiste razão para a distinção entre a tutela cautelar conservativa e a

antecipação dos efeitos da tutela de mérito. Ambas são provisórias e instrumentais,

pois voltadas para assegurar o resultado final. São técnicas processuais com idêntica

finalidade e estrutura. Não há porque distingui-las.

Com todo respeito às posições contrárias e sem pretender adentrar ao mérito da

fungibilidade das tutelas cautelar e antecipada, vale para efeito desta pesquisa a ideia de

491 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – processo cautelar. v.4. São Paulo: RT, 2008, p.60. 492 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de

sistematização). 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006, p.307.

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instrumentalidade do processo, especificamente no que tange aos procedimentos tutelares de

urgência, cujo escopo maior consiste em sanar os efeitos patológicos do tempo sobre o

processo, prestar efetividade aos direitos materiais, evitando que o excesso de formalismo

comprometa a realização do direito.

3.3.1.2 Tutela específica

Considerando a tutela jurisdicional o resultado da atuação do órgão

jurisdicional, pode, ainda, esta ser subdividida em tutela específica e tutela pelo equivalente

em dinheiro.

A tutela específica refere-se ao cumprimento de uma obrigação, por meio da

tutela jurisdicional, determinando a entrega ao credor exatamente aquilo que teria se a

obrigação fosse cumprida espontaneamente. Eis a razão da íntima relação com a efetividade

da tutela jurisdicional.

Verifica-se, portanto, que a tutela específica visa evitar a conversão automática

das obrigações “de fazer”, “não fazer”, “dar coisa” em perdas e danos, utilizando-se de

técnicas adequadas de coerção, previstas nos arts.461 e 461-A do CPC e art.84 do CDC493

.

Assim, as tutelas específicas são viabilizadas ora pela sentença (ou tutela) mandamental, ora

pela sentença executiva lato sensu.

Contrapõe-se à atividade jurisdicional destinada a promover a simples

compensação pecuniária (ou pelo equivalente em dinheiro) em que há uma substituição do

bem por valores em pecúnia, de sorte a restaurar o patrimônio do credor. Trata-se de uma

concepção ultrapassada, fincada nos pilares do liberalismo494

, nos quais a conversão de uma

prestação em seu equivalente em dinheiro era prática juridicamente satisfatória. Conforme

explica Luiz Guilherme Marinoni, “o ressarcimento em dinheiro, limitando-se a exprimir o

equivalente pecuniário do bem almejado, nega as diferenças entre os bens e as pessoas”495

.

493 Eduardo Talamini afirma que as normas do art.461 não trouxeram inovação no âmbito do direito material, eis que “a

preferência pelo resultado específico é inerente à previsão do direito. [...] Mesmo antes, a despeito de faltar regra expressa,

era inegável o direito material à obtenção do resultado que se teria com o cumprimento específico. (TALAMINI, Eduardo.

Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.36). 494 Conforme Didier Jr., Cunha, Braga e Oliveira, “o ordenamento jurídico do fim do século XIX e da primeira metade do

século XX era amplamente influenciada pelo pensamento do Estado liberal, que partia de duas premissas: (a) a de que não se

podia obrigar ninguém a fazer o que não quer, preservando-se ao máximo a liberdade do indivíduo (era a chamada

incoercibilidade ou intangibilidade da vontade humana, nemo praecise potest cogi ad factum) e (b) a de que toda prestação

poderia ser convertida em dinheiro. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno;

OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.418). 495 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014.

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169

Enquanto as obrigações de pagar quantia sempre foram cumpridas na forma

específica, em caso de inadimplemento das obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa,

resolvia-se em perdas e danos496

.

A legislação brasileira evolui gradativamente, instituindo dispositivos na

legislação esparsa (ECA, CDC, Lei Antitruste497

) até culminar com a Reforma Legislativa de

1994 (Lei Federal nº8.952/1994) que modificou mais de cem artigos do CPC, implementando

a tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer, pelo art.461. Esse regramento foi

estendido às obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, com o acréscimo do art.461-A ao

CPC, pela Lei nº10.444/2002, coroando o que a doutrina denomina de primazia da tutela

específica.

Também o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado

pelos programas de pós-graduação da UERJ e da UNESA (CBPC-UERJ/UNESA) prestigiou

a tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer, enunciado em seu art.23. Contudo,

limitou-se a reproduzir os dispositivos legais, perdendo a oportunidade de suprir as lacunas

quanto à multa, por exemplo (valor, periodicidade, exigibilidade etc). O Anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito

Processual (CBPC-IBDP), em seu art.26 remete ao art.461 do CPC para o cumprimento das

“obrigações específicas” nas “ações reparatórias”, conferindo poder de efetivação ao juiz em

seus parágrafos, sem oferecer esclarecimentos detalhados.

Esta evolução se deve à distinção entre ato ilícito e dano498

. Durante muito

tempo perdurou a confusão entre ambos, impregnando o ordenamento jurídico499

do dogma

segundo o qual somente seria prestada a tutela contra ato ilícito por meio da reparação do

dano dele decorrente, mediante a tutela ressarcitória500

. Assim, não se priorizava a inibição de

um dano, mas a reparação do prejuízo pelo equivalente em dinheiro. Portanto, o objetivo da

496 Luiz Guilherme Marinoni afirma que “se há uma evidente relação entre a incoercibilidade das obrigações e a preservação

da ‘liberdade do homem’, há igualmente um nexo entre a sanção ressarcitória e o princípio da abstração das pessoas e dos

bens, próprio da época liberal”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo:

RT, 2001, p.16). 497 Lei nº8.069/1990 (ECA), art.213; Lei nº8.078/1990 (CDC), art.84; Lei nº8.884/1994, art.62 (esta lei foi revogada pela Lei

nº12.529/2011 que reiterou a tutela específica no art.95. 498 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “a distinção entre o ato ilícito e fato danoso cresce em importância quando se

percebe que a unificação da categoria da ilicitude com a da responsabilidade por dano é um processo de evolução histórica

que conduziu a fazer coincidir a tutela privada do bem com a reintegração do seu valor econômico no patrimônio do

prejudicado, esquecendo-se que bens de grande importância, e considerados vitais para o desenvolvimento da pessoa

humana, não podem ser reintegrados pecuniariamente”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 10.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, p.72). 499 Exemplo de que o reconhecimento do ilícito exige que deste advenha um dano está na redação do art.186 do CC. 500 A tutela específica pode ser prestada também mediante entrega de bens em espécie ou realização de atos que guardem

equivalência prática com aqueles que foram prejudicados. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de

não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.183).

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ação ressarcitória é promover a reparação do dano consumado, numa tentativa de repor o

patrimônio do ofendido.

Ocorre que nem sempre da prática de um ato ilícito, ou seja, contrário ao

Direito, decorre um dano. Exemplo de um ato ilícito é fornecido por Didier Jr., Cunha, Braga

e Oliveira501

: o caso de uma mineradora que após expirado o alvará de funcionamento,

permanece em atividade, sem causar qualquer tipo de dano. Trata-se de um ilícito com dano

inexistente.

De outro lado, há a hipótese de ocorrência de um dano, sem a prática de

qualquer ato ilícito, como um fato da natureza, ou ainda, a construção de uma fábrica em

determinado bairro, fundada nas devidas medidas legais, mas que traga desvalorização às

propriedades vizinhas. Assim, “para a configuração do ilícito é suficiente a transgressão a um

comando jurídico, pouco importando se tal transgressão levará a um dano ou não”502

.

Sobre a necessidade de se empreender a clara distinção entre ato ilícito e dano,

Luiz Guilherme Marinoni expõe:

Com efeito, para a efetividade da tutela dos novos direitos é imprescindível a

distinção entre ilícito e dano. Não importa, para a tutela dos direitos que têm

conteúdo não patrimonial, o dano e, portanto, a tutela ressarcitória. É necessário, em

muitos casos evitar ou remover o ato ilícito (compreendido como simples ato

contrário ao direito), seja porque em alguns casos ele não tem uma identidade

cronológica com o dano, seja porque o ilícito, em outros casos, ao consolidar-se,

deve ser extirpado independentemente dos danos que já provocou ou ainda possa

provocar503

.

Destarte, fundamenta-se no divórcio entre ato ilícito e dano, bem como na

espécie de tutela a ser prestada, a classificação da tutela específica em inibitória,

reintegratória e ressarcitória.

Como exemplo, cita-se o art.12 do Código Civil504

, cujo dispositivo apresenta

os três tipos de tutela específica, conforme ensinam Didier Jr., Cunha, Braga e Oliveira505

:

[...] ao referir-se à “ameaça”, prevê a possibilidade do manejo da tutela inibitória

para evitar a prática do ilícito; ao referir-se à “lesão”, alude à tutela reintegratória,

que visa remover o ilícito já consumado; e ao referir-se às “perdas e danos”, faz

501 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.410. 502 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 10.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, p.75. 503 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.23. 504 Art.12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e de reclamar perdas e danos, sem

prejuízo de outras sanções previstas em lei. 505 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.412.

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171

clara menção à tutela ressarcitória, que visa à busca da reparação pelo dano

eventualmente decorrente do ilícito praticado.

A tutela inibitória é preventiva, com fundamento no art.5º, XXXV, da

Constituição Federal de 1988, que garante o acesso à justiça em caso de “ameaça de violação

à direito”. Trata-se de uma tutela dirigida contra o ato ilícito, ainda que por coincidência

cronológica entre a prática contrária ao direito e o dano, possa impedir a ocorrência do

próprio dano. Luiz Guilherme Marinoni discorre sobre o tema:

Admitida a existência de um direito constitucional à tutela preventiva, fica o

legislador infraconstitucional obrigado a estabelecer instrumentos processuais

capazes de torná-los realidade, e os operadores jurídicos e doutrinadores obrigados a

ler as normas processuais de modo a torná-las efetivas. Isto quer dizer que, em

outras palavras, a doutrina processual está obrigada a elaborar dogmaticamente o

perfil da tutela inibitória, até porque esta é, sem dúvida alguma absolutamente

imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos mais importantes do

homem506

.

Observe-se, por exemplo, em se tratando da instalação de um parque industrial

em determinado bairro da cidade, a prática de atos tendentes a efetivá-lo, com a obtenção de

alvará junto à Prefeitura, sem um estudo de impacto ambiental conforme determina a

legislação507

. A ação civil pública, de caráter inibitório destina-se a proibir a prática do ilícito,

isto é a instalação das indústrias sem o EIA/RIMA determinado em lei. Considerando, pois,

que o estudo de impacto ambiental relataria a possível degradação ao meio ambiente, o

descumprimento da obrigação ainda não causou dano, no entanto, houve a prática de ilícito.

No caso em apreço, o que se requer, é evitar a prática do ilícito ou ainda a

continuação dos atos tendentes a perpetuar o ilícito. Para tanto, uma tutela ressarcitória seria

totalmente inadequada, haja vista que um direito transindividual, como o meio ambiente não

pode ser tutelado pelo equivalente em pecúnia, sob pena de se comprometer a tutela ao direito

material.

Destarte, uma ação de cunho inibitório é fundamental para a tutela do meio

ambiente, como no exemplo mencionado, assim como em outros direitos transindividuais. Por

se tratar de uma tutela específica de natureza preventiva, revela-se adequada para a proteção

dos direitos de natureza coletiva, pois além de evitar a prática do ato ilícito, é apta para

506 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.88. 507 De acordo com a Resolução CONANA 237/97, art.3º: “A licença ambiental para empreendimentos e atividades

consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de

impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade,

garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação. Parágrafo único. O órgão

ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa

degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento”.

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garantir na exata medida do pedido invocado, ao invés de conferir o equivalente em pecúnia,

na modalidade de tutela ressarcitória.

A ação específica inibitória demanda uma sentença mandamental ou uma

decisão antecipada, com fundamento no art.461 do CPC e no art.84 do CDC, que permitem ao

juiz determinar a cessação da prática do ato ilícito, sob pena de multa (medida coercitiva).

Além do “não fazer”, é possível, ainda, que o juiz ordene uma obrigação “de fazer”,

consistente na confecção de estudo de impacto ambiental, com o competente relatório, nos

termos da legislação ambiental.

Considerando o mesmo exemplo, supondo que algumas fábricas já tenham se

instalado no parque industrial, sem o estudo de impacto ambiental e relatório nem licença

ambiental, o ato ilícito já terá se consumado, a despeito de não ter causado nenhum dano ao

meio ambiente508

. Impende a remoção do ilícito praticado por meio da tutela reintegratória,

que se distingue da tutela inibitória na medida em que esta tem por objeto evitar a prática de

um ato ilícito, enquanto aquela volta-se contra o ato já consumado buscando impedir que este

se perpetue, ainda que não tenha gerado dano algum. Considerando que ainda não ocorrera

dano, mas que o ato ilícito é potencialmente ofensivo, a tutela reintegratória possuirá também

um caráter preventivo, haja vista que impede a sua provável consumação.

O procedimento das ações de cunho reintegratório segue a mesma forma das

ações inibitórias, efetivando-se por meio de provimento mandamental ou executivo, com

respaldo nos arts.461 do CPC e 84 do CDC. Nota-se que os §§5º daqueles artigos, ambos com

a mesma redação, dispõem:

para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático

equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e

apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de

atividade nociva, além de requisição de força policial.

Ressalte-se, ademais, que as “medidas necessárias” listadas nos dispositivos,

além de meramente exemplificativos, permitem ao juiz fixar um prazo para o cumprimento da

obrigação e impor uma multa diária, como forma de coerção, conforme os §§ 4º dos mesmos

artigos.

508 Conforme explica Luiz Guiherme Marinoni, “a probabilidade de dano deve merecer socorro em face de qualquer direito

ameaçado, e por isso tem vinculação com o princípio da preventividade, que assume particular importância no direito

ambiental, diante de sua natureza inviolável”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed.

São Paulo: RT, 2008, p.271).

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Verifica-se, portanto, que os arts.84 do CDC, e art.21 da LACP509

são

aplicáveis aos direitos transindividuais, possibilitando a tutela específica, de índole inibitória,

reintegratória ou ressarcitória, podendo lançar mão, na própria sentença de conhecimento, das

medidas executivas prescritas nos respectivos parágrafos, a fim de possibilitar a tutela do

direito material.

Esclarece-se que quando da prática do ato ilícito houver decorrido algum dano,

poderá ser requerida a tutela ressarcitória na forma específica, também com fundamento nos

arts.461 do CPC e art.84 do CDC.

Conforme mencionado, a tutela ressarcitória é dirigida contra o dano e pode

requerer tanto o ressarcimento em pecúnia (perdas e danos), quanto a reparação específica in

natura, compreendida esta como a tutela que visa restabelecer a situação anterior, caso o dano

não houvesse ocorrido ou ainda, por meio de uma prestação distinta de dinheiro.

Luiz Guilherme Marinoni510

ressalta a importância dessa modalidade de tutela

quando o bem lesado integrar a categoria dos direitos não-patrimoniais, considerando que

nestes casos a tutela ressarcitória em pecúnia não é a mais adequada511

. Não se olvida,

entretanto, que a tutela ressarcitória na forma específica pode ser prestada, também, à

reparação de direitos patrimoniais.

Assim, a tutela ressarcitória na forma específica pode ser cumprida por meio da

entrega de um bem equivalente ao que existia antes do dano (obrigação de dar), ou através da

prática de uma conduta (obrigação de fazer), apta a conceber uma circunstância análoga à

anterior, quando o dano não havia ocorrido512

.

Além disso, é possível a cumulação das modalidades de tutela inibitória,

reintegratória e ressarcitória numa mesma ação, quando houver diferentes necessidades do

direito material.

Considerando ainda o exemplo da instalação do parque industrial em

determinado bairro do município, sem a devida licença ambiental, por ausência de estudo e

509 “Art.21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos

do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. O título III do CDC trata da “defesa do consumidor em

juízo”. 510 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC.2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.159. 511 Conforme Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira, “pelo fato de os direitos transindividuais serem indivisíveis,

o mais adequado é que a tutela coletiva seja prestada na forma específica, isto é, objetivando a maior coincidência possível

com o modo pelo qual seria cumprida a obrigação caso não houvesse ocorrido lesão de direito no plano material. Assim, dá-

se preferência ao cumprimento da obrigação reconhecida na decisão judicial de modo específico, determinado, por exemplo,

a instalação de filtros na chaminé de uma fábrica para evitar a poluição do meio ambiente”. (DONIZETTI, Elpídio;

CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p.77). 512 Esclarece Luiz Guilherme Marinoni que “a tutela ressarcitória na forma específica não se confunde com a tutela de uma

obrigação de fazer, mas também é certo que esses artigos, ao referirem-se à ‘ação que tenha por objeto o cumprimento de

obrigação de fazer ou não-fazer’, não afastam a possibilidade da tutela ressarcitória que depende de um fazer”. (MARINONI,

Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.166).

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relatório de impacto ambiental, imaginemos que algumas fábricas já se instalaram e se

encontram em funcionamento, causando determinado dano ambiental. É possível o ingresso

de uma ação com pedidos cumulados de natureza inibitória e reintegratória para requerer a

suspensão de obras de edificação de outras fábricas, a suspensão das atividades das fábricas

em funcionamento até que se regularize a situação de ausência de estudo e relatório de

impacto ambiental (ato ilícito), determinando para tanto o cumprimento desta obrigação,

fixando um prazo e estabelecendo multa diária para o caso de descumprimento. Além disso, o

juiz poderá determinar o fechamento das fábricas em funcionamento que estejam causando

danos evidentes.

O juiz poderá nomear um profissional habilitado para realizar o estudo e o

relatório de impacto ambiental, bem como uma perícia para especificar e quantificar a

extensão e o valor dos possíveis danos, fixando prazo para o cumprimento da obrigação cujas

despesas serão por conta do requerido.

Ainda será possível, em fase posterior, determinar a tutela ressarcitória pelos

danos apontados em perícia, cuja tutela poderá ser prestada na forma específica ou em

pecúnia, a depender da natureza do dano e da possibilidade.

O Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul (MPE) ajuizou, em julho

de 2007, uma Ação Civil Pública513

em face do Município de Paranaíba, em razão de alegado

desrespeito ao meio ambiente, postulando pela tutela jurisdicional para, ao final, condenar o

Município à indenização por danos ambientais pretéritos, além de providências atinentes à

restauração ambiental causada pela instalação do parque industrial no município com a

anuência da administração municipal. O MPE alega que os danos ambientais foram causados

pela instalação do parque industrial no município sem a licença ambiental obrigatória e a

ausência de zoneamento ambiental no espaço urbano do município (MPE, ACP, petição

inicial, fl. 03).

Assim, foram instaladas empresas com atividades potencialmente lesivas ao

meio ambiente, sem o integral cumprimento das determinações legais. Em total desrespeito à

legislação ambiental vigente, foram concedidos benefícios fiscais, num “ato de liberalidade e

cortesia por parte da Administração Municipal” (MPE, ACP, petição inicial, fl. 03).

Constatou o MPE que, mesmo em detrimento do descuido com as exigências

legais para o regular exercício de atividades industriais, as indústrias instaladas no parque

industrial de Paranaíba continuam exercendo suas atividades de forma irregular. Como

513 BRASIL. Tribunal de Justiça MS. 2ªVara Cível de Paranaíba. ACP 0002295.052207.8.12.0018. Disponível em:

http://www.tjms.jus.br. Acesso em: 29 jun.2014.

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175

exemplo, citou o Curtume, que além de não ter realizado o EIA (Estudo de Impacto

Ambiental), “lança resíduos diretamente no Rio Santana, contaminando as águas superficiais

e subterrâneas e, concomitante, provocando a emissão de odores, estes produzidos no

processo de tratamento do couro, atingindo toda cidade” (MPE, ACP, petição inicial, fl. 08).

Ao final, o MPE após apresentar os fundamentos fáticos e jurídicos, requereu

além da fixação de indenização por efetivos danos ambientais pretéritos quantificado em

perícia judicial, a condenação de obrigações de fazer no sentido da realização de Estudo de

Impacto Ambiental (EIA) e à elaboração de relatório de impacto ambiental para obter as

licenças ambientais de estilo; a suspensão temporária de doação de terrenos a título de

benefícios a empresas interessadas em instalar e desenvolver atividades virtualmente lesivas

ao meio ambiente; a execução de zoneamento ambiental urbano; a realização de obras de

infraestrutura no âmbito dos espaços urbanos das instalações do parque industrial e ainda a

fixação de multa diária por eventual descumprimento dessas obrigações.

Observa-se que a Ação Civil Pública cumulou as modalidades de tutela

inibitória, reintegratória e ressarcitória numa mesma ação.

A tutela inibitória está no pedido de elaboração de relatório de impacto

ambiental para a obtenção das licenças ambientais, a execução de zoneamento ambiental

urbano, a realização de obras de infraestrutura no âmbito dos espaços urbanos das instalações

do parque industrial o que sanaria a prática do ilícito (edificação de um parque industrial, sem

a licença ambiental, além de prevenir outros danos dele decorrente, caso o EIA apontasse a

possibilidade de lesão).

A tutela reintegratória se materializa na suspensão temporária de doação de

terrenos a título de benefícios a empresas interessadas em instalar e desenvolver atividades

virtualmente lesivas ao meio ambiente. O ato lesivo já se consumou e o deferimento da tutela

requerida impedirá que o ato consumado se perpetue.

A condenação à indenização por efetivos danos ambientais quantificados em

perícia judicial confirmará a tutela ressarcitória que poderá ser cumprida na forma específica

ou pecuniária. O MPE não especificou, nem sugeriu a espécie de tutela ressarcitória,

aguardando o resultado da perícia.

A tutela específica ressarcitória, in casu, poderia ser prestada na obrigação de

fazer em restaurar a higidez do Rio Santana, onde foram lançados resíduos pelo Curtume no

processo de tratamento de couro. Esta tutela não isenta o possível pagamento de perdas e

danos, cujo valor seria apurado em liquidação de sentença.

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176

Observa-se, ademais, que o juiz concedeu a tutela requerida pelo MPE, em

sentença de natureza mandamental, determinando que o Município incluísse no próximo

orçamento a realização do EIA do parque industrial, com o consequente licenciamento

ambiental. Esclareceu que os estudos de cada empresa deveriam ser providenciados pelas

mesmas ou ter o custo transferido pela municipalidade; que as novas concessões de áreas no

parque industrial dependerão de comprovação do EIA a ser exigido pelo município e a

manutenção de arquivos dos procedimentos de concessão de terrenos no parque industrial,

com os respectivos EIA’s de acordo com a legislação pertinente. E, finalmente, fixou multa

cominatória diária por descumprimento a contar do exercício de 2009514

.

Como se vê, a nova ideologia do direito processual em que milita a favor da

efetivação do direito material, resulta em novas formas de tutela, que passam a conviver com

as tradicionais. Flávio Luiz Yarshell explica estas novas tutelas segundo critérios diversos:

Assim, fala-se em tutela preventiva ou inibitória, por oposição à tutela

sancionatória ou reparatória; ou em tutela coletiva, por oposição à individual; ou

tutela específica, em oposição a uma tutela genérica; ou ainda em tutela antecipada

ou antecipatória. [...] valendo apenas observar que eles não são necessariamente

excludentes, entre si; pelo contrário, boa parte dessas qualificações convivem

(“combinam-se”, por assim dizer) e, conjuntamente, podem ajudar a visualizar com

maior clareza o fenômeno processual515

.

Ante o exposto, é possível afirmar que o sistema jurídico brasileiro possui

diversas tutelas diferenciadas para a solução de conflitos cujos direitos materiais protegidos se

apresentam nas mais variadas situações. É preciso adequá-las aos conflitos de natureza

coletiva de sorte a concretizar a efetiva tutela jurisdicional e o acesso à justiça516

.

3.3.2 As pretensões de natureza não-patrimonial e sua executoriedade

Os direitos difusos e coletivos se distinguem dos direitos individuais pela

indivisibilidade do objeto e indeterminação (absoluta ou relativa517

) dos titulares.

514 Sentença publicada no Diário de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, nº1.697, de 26/03/2008, p.244. 515 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999, p.141. 516 Conforme Didier Jr., Cunha, Braga e Oliveira, “É o caso de, então, repensar o que, atualmente, se deve entender por tutela

diferenciada, bem como pensar quais são as situações materiais que a merecem. Talvez, por exemplo, seja o caso de pensar

em técnicas diferenciadas de tutela para a solução dos conflitos multitudinários, praticamente ignorados pelo legislador, e dos

conflitos coletivos. Em relação a estes últimos, diversamente do que ocorre em relação aos primeiros, já há um razoável

‘microssistema jurídico-processual’ construído, mas é certo que ainda há muito por fazer, e as propostas de codificação da

legislação coletiva que estão sendo discutidas corroboram essa afirmativa [...]”. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo

José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador:

Juspodivm, 2010, p.408). 517 Conforme Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “Assim como o direito difuso, o coletivo tem como característica a

indivisibilidade de seu objeto. Essa indivisibilidade está restrita à categoria, ao grupo ou à classe titular do direito, de forma

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177

Rodolfo de Camargo Mancuso518

, ao escrever especificamente sobre os direitos

difusos, apresentou outras características, como a intensa litigiosidade interna e a transição ou

mutação no tempo e no espaço.

O autor entende que estas duas características são predominantes nos direitos

difusos, mas não nega que os direitos coletivos stricto sensu também apresentam certa

conflituosidade, porém menos intensa. “A indeterminação dos sujeitos e a mobilidade e

fluidez do objeto ampliam ao infinito a área conflituosa nos direitos difusos”519

. E conclui:

Assim, temos interesses difusos disseminados em áreas e temas de largo espectro

social tais como ecologia, qualidade de vida, tutela dos consumidores, gestão da

coisa pública, direitos humanos, defesa de etnias, defesa de minorias sociais etc. Em

assuntos tão abrangentes, é natural que os conflitos de interesse figurem

exacerbados: ao interesse à contenção dos custos de produção, e bem assim dos

preços, se opõem interesses ao “aquecimento” da economia; ao interesse à

automatização industrial, se opõem os interesses à criação de novos empregos; aos

interesses à proteção dos recursos naturais em geral, se opõem interesses

financeiros, imediatistas de grupos tão gananciosos quanto predadores; aos

interesses que pugnam por meios de transporte não-poluentes, se opõem interesses à

continuidade da extração de petróleo; aos interesses ecológicos a que se contenha a

plantação de cana-de-açúcar, ante os inconvenientes da monocultura, se opõem

interesses ao fomento dessa plantação por razões de ordem financeira e outros; aos

interesses da chamada “indústria da instrução”; no que tange às etnias, há

divergência quanto a saber se melhor fora uma política de “integração”, ou, ao

contrário, de conservação das características culturais; no tocante ao controle de

natalidade, divergem os interesses quanto a saber se é sustentável o controle de

natalidade “em massa”, ou, se, ao contrário, isso afrontaria um dos direitos

fundamentais, tal como o direito à vida, equivalendo a um “genocídio por

antecipação”520

.

Depreende-se da resenha acima que ao contrário do que ocorre com os direitos

individuais, nos quais o conflito de interesses ocorre entre A e B, os direitos coletivos lato

sensu não gravitam em torno de valores suscetíveis de valoração em termos patrimoniais,

aferíveis em pecúnia. Esta característica produz reflexos diretos na tutela jurisdicional.

De fato, o elenco de direitos coletivos lato sensu, espraiado no texto

constitucional, como o direito à vida, à liberdade, à saúde, a alimentos, ao salário, à educação,

ao meio ambiente sustentável, não possui conteúdo patrimonial. Com efeito, a tutela

que a satisfação de um só implica a de todos, e a lesão de apenas um constitui lesão de todos”. (FIORILLO, Celso Antonio

Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.9). 518 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: RT, 2004, p.93-

116. 519 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: RT, 2004,

p.106. 520 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6.ed. São Paulo: RT, 2004,

p.110.

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condenatória seguida de execução forçada não se mostra hábil para promover a adequada e

efetiva proteção521

.

Para dirimir conflitos envolvendo tais direitos, é preciso uma boa dose de

criatividade e de conhecimento por parte do juiz para adaptar os institutos já existentes no

ordenamento jurídico, demonstrando íntima relação com a situação trazida à apreciação.

É preciso considerar todo arsenal de tutelas diferenciadas (sejam técnicas ou

procedimentos) disponíveis no microssistema processual coletivo, com vistas a conferir um

resultado efetivo ao direito material.

Luiz Guilherme Marinoni defende a necessidade de se criar novos mecanismos

que superem as deficiências não supridas pelo modelo “clássico” de tutelas, fundado na

divisão trinária das sentenças (declaratória, condenatória e constitutiva), que não contempla a

tutela preventiva dos direitos:

O sistema tradicional de tutela dos direitos, estruturado sobre o procedimento

ordinário e as sentenças da classificação trinária, é absolutamente incapaz de

permitir que os novos direitos sejam adequadamente tutelados. Esse modo de

conceber a proteção dos direitos não levou em consideração a necessidade de tutela

preventiva, nem obviamente os direitos que atualmente estão a exigir tal modalidade

de tutela522

.

Ocorre que o rito ordinário das tutelas clássicas, baseado na pretensa certeza

científica e segurança jurídica, assegurada pela ampla produção de provas, poderia causar

perecimento do direito material, mormente daqueles de conteúdo não-patrimonial. Pouco

adiantaria, por exemplo, uma sentença condenatória pelos danos causados pelo desmatamento

de Mata Atlântica, visto que, ainda que se conseguisse o cumprimento específico da

obrigação, as espécies da flora desmatada demorariam décadas para retornar ao estado

anterior.

A tutela ressarcitória em pecúnia não devolveria ao meio ambiente degradado

suas características originais523

, pois funda-se na premissa de que os bens lesados possuem

origem patrimonial, de maneira que sua violação possa ser recompensada por meio do

521 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São

Paulo: Malheiros, 2006, p.44. 522 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva. 2.ed. São Paulo: RT, 2006, p.24. 523 Corrobora o entendimento, Carlos Alberto de Salles: “As medidas compensatórias consistentes em condenação em valor,

pecuniário ou não, deixam de cumprir aquela função de repor o bem lesado em sua indivisibilidade, não atendendo ao

conjunto de interesses a ele relacionado. O simples equivalente em forma de pecúnia, nesse caso, falha ao não compensar

todos os interesses indiretamente afetados pela lesão ao bem comum. Mesmo admitindo-se a solução da compensação em

equivalente não pecuniário, tendo em vista o grande número e categorias de interesses envolvidos, em graus variáveis, a

medida compensatória em espécie não atingiria de forma proporcional todos os interesses lesados”. (SALLES, Carlos

Alberto de. Injunctions e Contempt of Court em defesa do meio ambiente. In: (Coord.) LUCON, Paulo Henrique dos Santos.

Tutela coletiva: 20 anos da lei de ação civil pública e do fundo de defesa dos direitos difusos; 15 anos do Código de Defesa

do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2006, p.86).

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pagamento equivalente. O que poderia ocorrer, neste caso, por meio da tutela reintegratória, é

cessar a prática reiterada do ilícito, que porventura esteja causando danos524

. Por tal razão,

notabiliza-se a tutela específica, especialmente a preventiva ou inibitória, de fundamental

importância para os direitos extrapatrimoniais, eis que visa impedir a prática do ilícito e, por

consequência, prevenir a ocorrência do dano.

Dadas suas peculiaridades, os direitos de natureza coletiva lato sensu devem

ser tutelados de forma diversa da tutela dos interesses individuais. Sob esta ótica, ensina com

propriedade Luís Roberto Barroso:

A nova gama de interesses a serem atendidos, denominados interesses ou direitos

difusos, envolve relações que se afastam do esquema rotineiro de contraposição

entre um credor e um devedor. A proteção desses valores recém-descortinados,

voltados, essencialmente, para o aprimoramento da qualidade de vida, em sua

expressão material e espiritual, afeta uma pluralidade indeterminada de pessoas, que

os desfruta em comum, sem que se possam dividir. Por refugirem ao modelo

clássico, torna-se indispensável a adaptação das medidas processuais que se

cristalizaram no envolver de realidade diversa, bem como o aporte da contribuição

criativa dos novos tempos, para a elaboração de técnicas e institutos aptos a

apreenderem as relações supra-individuais525

.

Nesta tela, as peculiaridades deste direito subjetivo de terceira geração

requerem do Poder Judiciário uma tutela condizente com suas características, em especial, a

infungibilidade e, em muitos casos, a impossibilidade de reparação, dada a sua natureza não

patrimonial. Como bem salienta Jean Carlos Dias, “os meios de dissuasão são plenamente

mais eficientes que as técnicas de compensação das vítimas, isso evidentemente pela aptidão

de impedir a ocorrência do dano”526

. Essa realidade é mais evidente quando se trata de

direitos coletivos.

A crise do inadimplemento provocou, destarte, o aperfeiçoamento da legislação

processual brasileira no que concerne ao cumprimento das obrigações de fazer, não fazer ou

entregar coisa. Fez-se, pois, necessário construir um novo modelo de processo, mais dinâmico

e célere e que, sem prejuízo do rigor que lhe é peculiar, pudesse consolidar efetivamente um

direito pleiteado, e não somente a reparação pelo equivalente.

524 Já tivemos oportunidade de escrever sobre o tema: BATISTA, Cláudia Karina Ladeia; LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da

Silva Faria. A (in)eficácia das chamadas “tutelas clássicas” e a urgência de direito (ou direito de urgência?) face aos direitos

transindividuais. In: (Orgs.) PRADO, Alessandro Martins e outros. Práxis educacional, direitos fundamentais e política –

perspectivas para o século XXI. Curitiba: CRV, 2011, p.45-56. 525 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9.ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2009, p.136. 526 DIAS, Jean Carlos. Os meios de dissuasão nas tutelas coletivas inibitórias. In: (Coords.) DIDIER JR., Fredie e outros.

Tutela jurisdicional coletiva. Salvador: Juspodivm, 2009, p.261.

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Tal evolução teve como objetivo aproximar o direito processual do objeto de

sua tutela, permitindo que o direito seja protegido de tal forma que se efetive, tanto quanto

possível, tal como ocorreria por meio do cumprimento voluntário pelo devedor.

Não se pode ignorar que o direito processual pátrio já contava com dispositivos

legais destinados à proteção do direito lesado ou ameaçado de lesão, entre os quais as ações

possessórias, a nunciação de obra nova, a ação popular, a ação civil pública e o próprio art.84

do Código de Defesa do Consumidor, todos dotados de certo grau de mandamentalidade.

Neste empenho, a tutela específica revolucionou o meio jurídico e promoveu

uma substancial alteração na execução de fazer, não fazer e de entregar coisa527

. A própria

natureza do instituto requer uma nova postura do juiz – não inerte nem alheio aos fatos. Este

novo juiz dispõe de um aparato jurisdicional dotado de força, mas que deve ser operado com

serenidade e cautela. A tutela específica de índole inibitória é, pois, um instrumento de

eficácia na proteção do direito material, cuja utilização sensata, nos termos da lei, não implica

em prejuízo ao contraditório, à ampla defesa, tampouco à fungibilidade.

Compreendida pela imposição de um fazer ou não fazer, a tutela específica

encontra sua eficácia na imposição de medidas tendentes a assegurar o resultado prático

equivalente e garantir a completa eficácia das decisões judiciais. Carlos Alberto de Salles,

discorrendo sobre a execução em matéria ambiental, afirma:

A afirmação da tutela mandamental em nosso direito é fator essencial para a

efetividade da prestação jurisdicional, considerando que determinadas situações

jurídicas somente encontram remédio, capaz de atendê-las plenamente, em

provimentos caracterizados pela mandamentalidade, ou seja, podem ser atendidas

somente pela imposição judicial de uma determinada conduta omissiva ou

comissiva. Sem essa possibilidade, criada pelos mecanismos processuais capazes de

levar a termo esse tipo de medida, remanesceria o direcionamento estrutural do

processo às medidas de simples compensação528

.

Por tais razões, a executoriedade (efetivação) das decisões judiciais em matéria

de direitos transindividuais, sobretudo aqueles de natureza extrapatrimonial, tem sido

prestigiada pela tutela específica, conforme o art.84 do CDC e seu dispositivo análogo 461 do

CPC que dispõe sobre a execução das obrigações de fazer e não fazer. Trata-se da primazia da

tutela específica, cuja aplicação é intensificada naqueles direitos.

527 Sobre o tema ver: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC,

art.84. São Paulo: RT, 2001; MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo:

RT, 2001; GUERRA, Marcelo Lima. Inovações na execução direta das obrigações de fazer e não fazer. In: (Coord.)

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1995, p.296-321; NETTO,

Nelson Rodrigues. Tutela jurisdicional específica, mandamental e executiva lato sensu. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 528 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.256.

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Ocorre que os parágrafos desses artigos contemplam vários mecanismos,

valendo-se de diferentes expedientes a fim de fazer valer as ordens judiciais529

. Desta forma,

ocorre a combinação de diferentes estratégias e instrumentos processuais previstos na norma

em comento, cujo emprego deve ser feito com base no critério da legalidade, da adequação e

da necessidade, observado o princípio da proporcionalidade, cabendo ao juiz identificar e

analisar o conjunto dos fatos e o caso concreto.

Assim, a tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer compreendem

uma gama de mecanismos jurisdicionais (medidas executivas) aplicáveis nas diversas fases

processuais, tendentes a produzir um resultado prático, correspondente ao objetivo da tutela

jurisdicional530

.

As decisões judiciais que impõem obrigação de fazer e de não fazer se

destacam pela eficácia do resultado obtido, considerado aquele que era esperado pelo credor.

Tal se deve, principalmente, aos mecanismos jurisdicionais conferidos pela lei (dispositivos

do art.461 do CPC e 84 do CDC) para que as decisões judiciais possam ser efetivadas no

mundo dos fatos.

A efetividade das decisões judiciais proporcionada por estes mecanismos

executivos alia-se ao fator celeridade531

do trâmite processual para a obtenção do resultado

prático equivalente, além de outros fatores igualmente merecedores de menção.

O primeiro fator determinante para imprimir celeridade e efetividade às

decisões judiciais que impõem a obrigação de fazer e de não fazer (some-se a estas das

obrigações de dar) é a dispensa de ajuizamento de um novo processo para a execução das

medidas ou técnicas de execução direta ou indireta. Trata-se da execução sine intervalo. É um

procedimento de efetivação da decisão judicial efetivada no mesmo processo em que a

529 Conforme explica Carlos Alberto de Salles, a tutela jurisdicional de caráter mandamental não está presente apenas nos

procedimentos executivos ou cautelares, tendentes à imposição do cumprimento das obrigações de fazer. Em diversos

procedimentos do Estatuto Processual encontram-se provimentos jurisdicionais consistentes em compelir o réu, o executado

ou mesmo o autor a realizar ou abster-se da realização de determinadas condutas. (SALLES, Carlos Alberto de. Execução

judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.267). 530 SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.284. 531 Já tivemos oportunidade de escrever sobre a duração razoável do processo aliada ao procedimento adequado que

conduzem à efetividade da tutela jurisdicional: “a efetividade da tutela jurisdicional não significa apenas a existência de

técnicas processuais aptas a impedir que eventuais danos interinos ao processo causem prejuízos ao direito substancial

tutelado [...] Com efeito, a efetividade da tutela jurisdicional depende de uma compreensão sistemática das garantias

constitucionais do processo. Neste compasso, não depende apenas de previsão de instrumentos e procedimentos adequados,

disponibilizar o contraditório e a ampla defesa, mas exige também celeridade e não raras vezes urgência na realização do

direito material que se busca proteger”. (LAMBLÉM, Gláucia Aparecida da Silva Faria; MANNA, Raquel de Freitas. Direito

fundamental à tutela jurisdicional efetiva: duração razoável do processo e procedimento adequado. In: (Orgs.) BATISTA,

Cláudia Karina Ladeia; ARAÚJO, Doracina Aparecida de Castro. Educação, tecnologia e desenvolvimento sustentável.

Birigui: Boeral, 2019, p.97-107).

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proferiu, mediante tomada de providências numa fase complementar e subsequente à fase de

certificação do direito532

.

Outro fator de suma importância é que estas medidas judiciais de cunho

executivo podem ser operacionadas com ou sem a participação do devedor. Isso é o que

distingue a tutela executiva lato sensu da tutela mandamental.

Destaca-se como fator de efetividade das decisões judiciais, mormente para a

realização da tutela específica ou do resultado prático equivalente, a consagração pelo

legislador do poder geral de efetivação ao juiz. Luiz Guilherme Marinoni utiliza a expressão

“cláusula geral executiva” para se referir “à possibilidade de um juiz determinar a medida

executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessária ao

convencimento do demandado”533

.

As medidas executivas diretas ou indiretas previstas no art.461 do CPC e 84 do

CDC que poderão ser utilizadas para a efetivação das decisões judiciais compõem um rol

exemplificativo que será analisado a seguir.

3.3.2.1 Medidas executivas indiretas para efetivação das decisões judiciais

Conforme já mencionado, os arts.461 e 461-A do CPC e 84 do CDC dispõem

sobre a possibilidade de o juiz determinar as medidas necessárias para a efetivação da tutela

específica ou de um resultado prático equivalente. A variedade de medidas executivas reflete

de forma diversa na esfera jurídica do devedor, em forma de coerção indireta ou de coerção

direta (ou por sub-rogação), conforme a sentença mandamental ou executiva.

A decisão judicial na sentença mandamental incide diretamente na vontade do

devedor em forma de mandamento ou ordem, sob pena de uma coerção indireta (multa ou

prisão). Trata-se de um mecanismo de conteúdo coercitivo que tem por objetivo persuadir o

demandado a cumprir a decisão estampada na sentença.

532 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “[...] as medidas executivas dos arts.461 do CPC e 84 do CDC, a quebra da

dualidade conhecimento-execução também implica na ruptura do princípio da tipicidade das formas executivas. Em outras

palavras, antes desses artigos a sentença de condenação deveria ser implementada através da ação de execução de obrigação

de fazer, segundo os seus estritos termos e em conformidade com os meios executivos para ela previstos. Assim, não há

como negar que a unificação do conhecimento com a execução, posta nos arts.461 do CPC e 84 do CDC teve a intenção de

dar ao juiz maior mobilidade para a adequação da medida executiva ao caso concreto. (MARINONI, Luiz Guilherme.

Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014,

p.24). 533 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.08.

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A coerção indireta é absolutamente essencial para a efetivação dos direitos de

cunho extrapatrimonial, mormente quando a sentença impõe uma obrigação de fazer ou não

fazer infungível. Nessa linha, observa Donaldo Armelin:

[...] os meios executórios voltados para um processo de execução de natureza

patrimonial, nem sempre são dotados de aptidão para corresponder à celeridade

exigível para determinadas situações, notadamente aquelas versando matéria

extrapatrimonial, em que a urgência se põe como exigência fundamental para a

prestação jurisdicional. Ou, ainda, quando a pretensão, embora reportando-se a

matéria patrimonial, não passa de suporte e condição inarredável para a tutela de

direitos extrapatrimoniais. É o que sucede nos casos de urgência de tratamento

médico para segurado a ser coberto pela respectiva seguradora. Nessa hipótese a

matéria patrimonial serve de supedâneo para a tutela de um bem de valor muito

superior, como é a saúde do autor que carece de tal tratamento. A utilização dos

meios executórios normais, nem sempre dotados da necessária celeridade para se

alcançar tempestivamente essa cobertura, em caso de recusa da seguradora, pode se

revelar inócua. Faz-se mister, destarte, a expedição de uma ordem, não para a

apreensão de bens para o atendimento da urgência da qual o caso se reveste, mas sim

para a imediata prática dos atos indispensáveis a esse resultado534

.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni, diz-se que é indireta “porque não conduz

diretamente à tutela do direito, limitando-se a incidir sobre a vontade do réu para que a tutela

do direito seja prestada”535

. Por conta desta finalidade, as medidas coercitivas indiretas podem

incidir diretamente sobre a pessoa, na modalidade de prisão ou afetar o patrimônio do

devedor, na forma de multa.

Eduardo Talamini536

discorre sobre os mecanismos sancionatórios sob

perspectiva diversa daquela consequência negativa prevista para o caso de violação de uma

norma, portanto ulterior à conduta do sujeito. Na perspectiva por ele abordada e que é

relevante ao presente estudo, os mecanismos sancionatórios são aqueles eminentemente

funcionais, estabelecidos pelo ordenamento para estimular a observância de suas normas ou

remediar os efeitos da inobservância. São, pois, classificados em mecanismos sancionatórios

de sujeitação e indutivos.

Neste quadro, os mecanismos de sujeição, também denominados sub-

rogatórios, “constituem providências aptas a, independentemente da participação do

534 ARMELIN, Donaldo. Realização e execução das tutelas antecipadas. In: (Coords.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.514. 535 MARINONI, Luiz Guilherme. As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional

efetiva. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/artigos.php#. Acesso em: 7 jul. 2014. 536 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT,

2001, p.166-168.

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sancionado, atingir o resultado determinado pelo comando sancionatório”537

. Deles são

exemplos a penhora, a expropriação, a busca e a apreensão.

Os mecanismos indutivos, tradicionalmente denominados “meios coercitivos”,

são providências que servem para induzir psicologicamente a pessoa para cumprir a

determinação legal ou o comando da sentença, no caso de ação judicial.538

Recorre-se aos

meios coercitivos indutivos para constranger o devedor a obedecer a decisão judicial. A multa

e a prisão são exemplos clássicos desses mecanismos, porque geram consequências práticas,

fisicamente palpáveis539

.

3.3.2.1.1 A multa como medida executiva indireta

Deveras nos provimentos judiciais norteados pelos arts.461, 461-A do CPC e

84 do CDC deverão conter uma ordem de fazer, não fazer ou entregar coisa, cumulado com

uma medida coercitiva. A multa está autorizada nos §§2º, 4º e 5º do art.461 do CPC, assim

como nos §§2º e 4º do art.84 do CDC e poderá ser imposta até mesmo de ofício, para o caso

de descumprimento de uma decisão judicial compreendida na sentença ou na decisão de

antecipação de tutela.

Também o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado

pelos programas de pós-graduação da UERJ e da UNESA (CBPC-UERJ/UNESA) enuncia

em seu art.23, §1º, a possibilidade de imposição de multa na hipótese de antecipação da tutela

ou na sentença que impõe uma obrigação de fazer ou de não fazer e o juiz conceda a tutela

específica. Contudo, seguindo os dispositivos legais existentes, não esclarece quanto ao valor,

a periodicidade e a exigibilidade.

A multa é uma medida coercitiva destinada a compelir o demandado a cumprir

o comando da sentença. Por esta razão, a multa apresentada nos arts.461, 461-A do CPC e 84

537 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT,

2001, p.168. 538 Como bem observa Eduardo Talamini, “a aplicação da sanção não é monopolizada pelo órgão jurisdicional. Dentro de

certos limites e condições, desenvolve-se atividade sancionatória da Administração Pública, amparada na exigibilidade e

executoriedade de que se revestem seus atos – podendo tal atuação ser submetida ao controle da jurisdição (Constituição

Federal, art.5º, XXXV). Por isso, os mecanismos sancionatórios examinados não se circunscrevem ao campo jurisdicional –

embora seja essa a área relevante para os fins do presente estudo”. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de

fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.167). 539 A doutrina tradicional não considera as medidas coercitivas de caráter propriamente executivo, mesmo que sejam

utilizadas no seio de um processo de execução. Segundo teoria de Liebman, a execução propriamente dita consiste na sanção

independente da vontade do devedor, por meio de sub-rogação. Chiovenda, por sua vez, defendia que a execução se realiza

tanto através de medidas coercitivas, como por medidas sub-rogatórias, procedimentos previstos em lei para efetivação do

direito do credor.

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185

do CDC não tem finalidade ressarcitória, indenizatória ou compensatória540

. Conforme

mencionado anteriormente, esta multa objetiva compelir o demandado ao cumprimento da

obrigação determinada em decisão judicial, em tutela antecipada ou em sentença.

Sobre este aspecto das medidas coercitivas indiretas, Luiz Guilherme Marinoni

explica que “a multa e a prisão somente dão conteúdo a uma sentença mandamental quando

capazes de constranger o demandado. Em caso contrário, perdem o caráter de medidas de

coerção civil e assumem a natureza de sanções punitivas”541

:

multa não tem o objetivo de penalizar o réu que não cumpre a ordem; o seu escopo é

o de garantir a efetividade das ordens do juiz. A imposição da multa para o

cumprimento da ordem é suficiente para realizar este escopo, pois a coerção está na

ameaça do pagamento e não na cobrança do valor da multa. Ora, se a coerção está na

ameaça, e ninguém pode se dizer não ameaçado por uma multa imposta na tutela

antecipatória ou na sentença de procedência – ao menos quando o entendimento do

tribunal não é radicalmente oposto ao do juiz de primeiro grau –, não há por que se

penalizar o réu que, descumprindo a ordem, resulta vitorioso no processo542

.

Vários aspectos sobre a multa constituem matéria de estudo pelos

processualistas e conteúdo de jurisprudência dos tribunais. Discute-se o valor, a

periodicidade, a hipótese de cabimento, a modificação do valor, o prazo razoável para

cumprimento, o termo inicial e finalmente, a exigibilidade543

.

Discorrer sobre cada um desses aspectos transbordaria os limites desta

pesquisa. Entretanto, três aspectos são relevantes para a efetividade dos direitos

transindividuais e importa, portanto, ser abordado neste estudo: a) o beneficiário da multa; b)

o momento da exigibilidade da multa; c) a imposição da multa à Fazenda Pública.

540 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – teoria geral, princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

RT, 2004, p.445; a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem compreensão diversa, compreendendo entre as funções

da multa coercitiva, também a natureza ressarcitória, segundo o teor do seguinte julgado: “Definição das funções atribuídas à

multa pecuniária prevista no art.461, §§4º e 5º do CPC: entendida a razão histórica e o motivo de ser das astreintes perante o

ordenamento jurídico brasileiro, pode-se concluir que o instituto possui o objetivo de atuar em vários sentidos, os quais assim

se decompõem: a) ressarcir o credor, autor da demanda, pelo tempo em que se encontra privado do bem da vida; b) coagir,

indiretamente, o devedor a cumprir a prestação que a ele incumbe, punindo-o em caso de manter-se na inércia; c) servir como

incremento às ordens judiciais que reconhecem a mora do réu e determinam o adimplemento da obrigação, seja ao final do

processo (sentença), seja durante o seu transcuro (tutela antecipatória)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4.Turma,

REsp 1006473/PR no Recurso Especial 2007/0270558-3, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 08/05/2012;

DJe 19/06/2012. 541 E completa o doutrinador: “A possibilidade de o juiz impor a multa ao proferir sua sentença implicou na quebra da regra

de que o Judiciário não poderia exercer poder de imperium. Mais do que isso: não fosse a multa, todos os direitos

dependentes da imposição de um não-fazer ou de um fazer infungível, e mesmo aqueles que – embora podendo ser tutelados

por meio da execução direta – melhor se adaptam a ela, estariam entregues às relações de força. A sentença atrelada à

multa, portanto, tem significado completamente diverso do atribuído à sentença condenatória pelo direito liberal clássico”.

(MARINONI, Luiz Guilherme. As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional

efetiva. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/artigos.php#. Acesso em: 7 jul. 2014, p.11). 542 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.110. 543 Sobre os vários aspectos do tema, ver: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC,

art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001.

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O primeiro aspecto a ser considerado, portanto, diz respeito ao beneficiário da

multa coercitiva. Considerando a lacuna legislativa acerca do beneficiário da multa coercitiva

prevista nos arts.461 do CPC e 84 do CDC, a doutrina diverge no plano das tutelas

individuais.

Apesar da polêmica, a doutrina majoritária e os tribunais pátrios tem se

inclinado a afirmar que o beneficiário da multa seja o próprio autor da demanda, por força do

disposto no §2º do art.84 do CDC e do §2º do art.461 do CPC segundo o qual, “a indenização

por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo do valor da multa” e ainda pela aplicação analógica

do art.601 do CPC que dispõe: “Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em

multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado

do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material,

multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução”.

Cassio Scarpinella Bueno, partilhando deste entendimento, afirma que ao

contrário do destino dado à multa arbitrada com base no parágrafo único do art.14 do CPC, de

natureza sancionatória destinada ao Estado, a multa coercitiva de que tratam os arts. 461 do

CPC e 84 do CDC tem como beneficiário o próprio autor544

.

Luiz Guilherme Marinoni545

e Sérgio Cruz Arenhart546

defendem que o produto

da multa deve ser revertido ao Estado eis que sua natureza é coercitiva com finalidade

precípua de constranger o demandado a cumprir uma determinação judicial, e não possui,

portanto, natureza indenizatória justificando sua destinação ao patrimônio do autor; seu único

objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional547

.

Razão assiste àqueles que partilham do entendimento de que o produto das

multas coercitivas deve ser destinado ao Estado. As razões são simples: a) não possuem

natureza indenizatória, portanto, não deve acrescer ao patrimônio do autor; b) sua finalidade é

conferir efetividade às decisões judiciais, portanto, sem qualquer relação com o autor.

Apesar desse entendimento, é preciso reconhecer, assim como Luiz Guilherme

Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart , que “o direito brasileiro, diante do teor do art.461 do CPC, 544 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2008, p.416. Compartilham desse entendimento Fredie Didier Jr., Leonardo Cunha, Paula Sarno Braga e

Rafael Oliveira de que o réu também pode se beneficiar da multa nos casos em que deduz demanda reconvencional,

formulando pedido contraposto ou mesmo quando a demanda em análise possui caráter dúplice. (DIDIER JR., Fredie;

CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil.

Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.446). 545 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva. 2.ed. São Paulo: RT, 2006, p.221. 546 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil.v.6. São

Paulo: RT, 2003, p.375. 547 Partilha dessa compreensão Marcelo Lima Guerra afirmando que o legislador deve intervir o quanto antes para sanar essa

lacuna, dispondo normas expressas sobre a titularidade do crédito resultante da multa diária e da legitimação ativa para

promover a execução. Enquanto isso não ocorre, entende que deve ser revertida ao Estado ou dividida entre ele e o credor.

(GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. 2.tiragem. São Paulo: RT, 1999, p.210).

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que afirma que a ‘indenização por perdas e danos dar-se-á em prejuízo da multa’, entende que

assim como a indenização, a multa é devida ao autor”548

.

Contribui para este entendimento, ainda, o art.1º, §2º, I e II da Lei nº9.088/95

que dispõe acerca da origem dos recursos destinados ao Fundo de Direitos Difusos (FDD),

que dispõe: §2º Constituem recursos do FDD o produto da arrecadação: “I – das condenações

judiciais de que tratam os arts.11 e 13 da Lei nº7.347, de 1985; II – das multas e indenizações

decorrentes da aplicação da Lei nº7.853, de 24 de outubro de 1989, desde que não destinadas

à reparação de danos a interesses individuais”.

Observa-se que o dispositivo acima exclui dos recursos endereçados ao FDD, o

produto das reparações a direitos individuais ainda que sejam fixadas no âmbito das ações

civis públicas. A este propósito, Hugo Nigro Mazzilli explica que, “Somente no caso de a

multa originar-se de lesão a interesses indivisíveis, é que se justificará seja destinada ao fundo

de que cuida o art.13 da LACP”. E acrescenta: “mas se disser respeito a lesão a interesses

divisíveis, a multa deverá acrescer-se a indenizações individuais”549

.

Com relação à tutela de direitos transindividuais, a lei não é omissa.

Depreende-se do art.13 da LACP que o valor das condenações em dinheiro fixadas em

sentenças nas ações civis públicas deve ser revertido ao Fundo de Direitos Difusos (FDD). A

Lei nº9.088/95 que regulamenta o art.13 da LACP amplia o rol de origem dos recursos, na

medida em que recebe, além dos valores provenientes das condenações, também as multas

cominatórias desde que estabelecidas em decorrência de danos causados aos direitos

transidinviduais.

O segundo aspecto diz respeito ao momento da exigibilidade da multa (poder

ser cobrada executivamente).

Os arts.461 do CPC e 84 do CDC não dispõem expressamente sobre o

momento da exigibilidade da multa, se a partir do descumprimento ou ao final, após o trânsito

da sentença.550

Outrossim, o art.12, §2º, da LACP prescreve: “A multa cominada

liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor,

mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”, cuja redação

é seguida pelo Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/2003, art.83, §3º) e pelo ECA (Lei

nº8.069/1990, art.213, §3º).

548 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – execução. v.3. 2.ed. rev. e atual. São

Paulo: RT, 2008, p. 75. 549 Neste entendimento: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva,

2012, p.570. 550 O §4º do art.535 do texto do CPC aprovado pelo Senado e enviado à sanção dispõe: “A multa será devida desde o dia em

que configurado o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado”.

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A doutrina diverge quanto à possível exequibilidade da multa fixada em tutela

antecipada que determina uma obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa e esta é

descumprida, configurando o dever de pagar quantia relativa ao valor da multa. Basicamente

existem duas correntes acerca do momento da exigibilidade: a primeira sustenta que somente

após o trânsito em julgado da sentença final pode-se exigir o pagamento da multa, caso não

cumprida a obrigação determinada em antecipação de tutela; a outra defende que a multa é

exigível a partir do descumprimento da decisão judicial.

Fredie Didier Jr., Leonardo Cunha, Paula Braga e Rafael Oliveira entendem

que apenas ao final do processo, confirmada a decisão antecipada e verificado que o

jurisdicionado é realmente merecedor da tutela, então poderá ser efetuada a cobrança.

Afirmam que a multa é apenas um meio para garantir a tutela antecipada do direito do autor,

mas “se ao cabo do processo se observa que esse direito não é digno de tutela (proteção)

jurisdicional, não faz sentido que o jurisdicionado, que não é merecedor da proteção

jurisdicional (fim), seja beneficiado com o valor da multa (meio)”.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart partilham dessa posição

arrazoando que no sistema brasileiro, o produto da multa será revertido em favor do autor.

Então, considerando que a tutela antecipada não seja confirmada pelo julgamento final, não é

“racional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à

conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar a sentença

(provisoriamente) ou a tutela antecipada”551

.

Eduardo Talamini defende que a multa “será exigível assim que eficaz a

decisão que a impôs – ou seja, quando não mais sujeita a recurso com efeito suspensivo”552.

Partindo dessa premissa, a multa fixada em tutela antecipada é exigível desde o momento em

que descumprido o provimento, porque o recurso cabível (agravo) não tem como regra geral o

efeito suspensivo. Outro argumento expendido pelo autor é que se a multa fixada em tutela

antecipada não pode ser imediatamente exigível, enfraquece acentuadamente a eficiência da

medida coercitiva, e as chances de sucesso da antecipação:

A ameaça de pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da

multa é o mais forte fator de influência psicológica. A perspectiva remota e distante

da execução depois do trânsito em julgado nada ou muito poupo impressiona.

551 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – execução. v.3. 2.ed. rev. e atual. São

Paulo: RT, 2008, p.81. 552 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT,

2001, p.253.

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Quanto à multa cominada em sentença, fica afastada sua exigibilidade, enquanto

pender a apelação, que, regra geral no sistema vigente, tem efeito suspensivo553

.

José Miguel Garcia Medina expressou sua opinião em poucas linhas, mas de

modo claro e categórico, sem maiores argumentos, defende a exigibilidade imediata da multa,

pelo menos em relação ao art.461 do CPC, que é silente sobre o assunto. Segundo o autor,

deve-se considerar o princípio do meio mais idôneo e levar em conta que a sentença final

pode demorar a ser proferida. Assim, “a exigibilidade imediata da multa contribuiria para um

maior grau de coercibilidade”554

.

Cassio Scarpinella Bueno também entende que a multa é exequível “a partir do

instante em que a decisão que a fixa seja eficaz”555

. Assim, salvo eventual interposição de

recurso (apelação ou agravo de instrumento) recebido com efeito suspensivo, a multa poderá

ser cobrada pelo exequente tão logo transcorrido o prazo fixado para a prática do ato ou

abstenção, conforme determinado pelo magistrado, porque sua exigibilidade implica na

eficácia da própria decisão que determina sua incidência:

Deixar a multa do art.461 para ser cobrada apenas depois do trânsito em julgado e,

pois depois da fixação definitiva das responsabilidades da cada parte pelos fatos que

ensejaram a investida jurisdicional, seria esvaziar o que ela tem de mais relevante: a

possibilidade de influenciar a vontade do executado e compeli-lo ao acatamento da

determinação judicial e, consequentemente, à satisfação do exequente, que teve

reconhecido em seu favor o direito à prestação da tutela jurisdicional556

.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery têm duas posições sobre a

execução da multa cominada em decisão antecipada, a depender do dispositivo legal que a

embasa. Em comentário ao art.461 do CPC, esclarecem que a “execução stricto sensu da

decisão antecipatória da tutela específica deve ser feita imediatamente, sem necessidade de

prestar caução. Eventual inversão no resultado da demanda, com julgamento de

improcedência do pedido, resolve-se em perdas e danos”557

.

553 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT,

2001, p.254. 554 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – teoria geral, princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

RT, 2004, p.450. 555 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional coletiva. v.3. t.III.

4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.416. 556 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional coletiva. v.3. t.III.

4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.417. 557 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.809.

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Outrossim, ao comentarem o art.12, §2º, da LACP, Nelson Nery Jr. e Rosa

Maria Andrade Nery558

limitam-se a explicar o teor do dispositivo, sem contudo, manifestar

qualquer discordância no sentido de compará-lo com o art.461 do CPC ou o art.84 do CDC.

Sérgio Shimura, por sua vez, defende que a normatividade do art.12, §2º, da

LACP não deve prevalecer, não podendo prevalecer o trânsito em julgado da decisão

condenatória para a exigibilidade da multa. Concordamos com sua assertiva: “se cabe

execução provisória para o credor, autor de uma ação individual, com maior razão, há de ser

dado o mesmo tratamento para as lesões de direitos coletivos, difusos ou individuais

homogêneos”559

.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, destacando-se as decisões da

Segunda Turma, sofreu uma mudança de postura nesta última década, caminhando no sentido

de conferir imediata exigibilidade, por meio de execução provisória, das medidas coercitivas

indiretas determinadas em decisões antecipatórias, impugnadas em agravo de instrumento já

julgado. Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO

DE MULTA COMINATÓRIA – VIOLAÇÃO DO ART.535 DO CPC –

EFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF – TERMO

INICIAL DE EXIGIBILIDADE DA MULTA – EFICÁCIA DA DECISÃO QUE A

FIXOU. De acordo com o art.461, §4º, do CPC, o juiz poderá, em medida liminar ou

na própria sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do

autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável

para o cumprimento do preceito. Escoado o prazo estabelecido pelo magistrado para

o cumprimento da obrigação, a multa fixada com fundamento no referido preceito

legal já é plenamente exigível, desde que não penda, sobre a sentença que a fixou,

julgamento de recurso recebido no efeito suspensivo. (STJ, 2.T. REsp

n.1183225/MS (2010/0039718-2), Rel. Min. Eliana Calmon, Dj 06/04/2010)560

.

As recentes decisões da Segunda e Quarta Turmas do Superior Tribunal de

Justiça têm caminhado no mesmo sentido do contexto do julgado acima, seguindo assim o

enunciado: “É desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja executada a

multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela. Precedentes do STJ”561

. A

propósito, o Ministro do Supremo Tribunla Federal, Luiz Fux sustentou nos autos do REsp

n.699.495/RS: “[...] a função das ‘astreintes’ é vencer a obstinação do devedor ao

558 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante.

13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.1.688. 559 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.109. 560 AgRg no Ag 857.758/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2009, DJe de 30/11/2009;

REsp 663.774/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/10/2006, DJ de 20/11/2006; AgRg no Recurso

Especial nº1.422.691 – BA (2013/0378153-3), Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/02/2014. 561 AgRg no Recurso Especial nº1.422.691 – BA (2013/0378153-3); AgRg no REsp 1.365.017/RS, Rel. Min. Humberto

Martins, Segunda Turma, julgado em 4/4/2013, DJe 15/4/2013.

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cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado

e da sua recalcitrância”.

Esposando do mesmo entendimento, o Ministro Humberto Martins do Superior

Tribunal de Justiça ao proferir seu voto, na qualidade de relator no AgRg no REsp

n.1.422.691/BA, comunga do ensino de Joaquim Felipe Spadoni562

: “Com efeito, se o fato

gerador da ‘astreinte’ é o descumprimento do comando judicial que ordena que o devedor

cumpra a tutela concedida, e tendo esta decisão sido confirmada, o resultado final da lide não

terá o condão de influenciar na multa gerada, até mesmo se a sentença for de improcedência”.

Com relação à multa coercitiva nas ações coletivas, observa-se que o STJ tem

caminhado no mesmo sentido, conforme se vê no REsp 1098028/SP cujo relator foi o

Ministro Luiz Fux, em cujo texto cita outros julgados precedentes:

2. A execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação de

fazer, fixada em liminar concedida em Ação Popular, pode ser realizada nos

próprios autos, por isso que não carece do trânsito em julgado da sentença final

condenatória.

3. É que a decisão interlocutória, que fixa multa diária por descumprimento de

obrigação de fazer, é título executivo hábil para a execução definitiva. Precedentes

do STJ: AgRg no REsp 1116800/RS, TERCEIRA TURMA, DJe 25/09/2009; AgRg

no REsp 724.160/RJ, TERCEIRA TURMA, DJ 01/02/2008 e REsp 885.737/SE,

PRIMEIRA TURMA, DJ 12/04/2007.

4. É cediço que a função multa diária (astreintes) é vencer a obstinação do devedor

ao cumprimento da obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa,

incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. Precedentes do

STJ: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de 11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de

19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de 23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de

29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp 719.344/PE, DJ de

05.12.2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30.11.2006.

5. A 1ª Turma, em decisão unânime, assentou que: a “[...] função das inibitória de

fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua

recalcitrância” (REsp nº699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é

possível sua execução de imediato, sem que tal se configure infringência ao art.475-

N, do então vigente Código de Processo Civil” (REsp 885737/SE, PRIMEIRA

TURMA, DJ 12/04/2007).

É evidente que o meio executivo deve ser idôneo para a tutela do direito, no

sentido de conjugar dois pressupostos: ser eficaz para a concretização do direito não

adimplido espontaneamente, de acordo com o ordenamento, e o menos gravoso possível ao

réu. Com efeito, apenas a análise cuidadosa das circunstâncias do caso concreto, num trabalho

de ponderação de princípios, é que poderá indicar a medida executiva idônea, vale dizer,

562 SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. In: SHIMURA, Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda

Alvim (Coord.). Processo de execução. São Paulo: RT, 2001, p.144.

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192

aquela que, sendo eficiente para o autor, consequentemente, suficiente e adequado ao direito

tutelado, é também, entre os meios disponíveis, a menos onerosa para o réu.

No caso da tutela dos direitos transindividuais, a aplicação do princípio da

menor onerosidade do devedor não deve prescindir de uma análise mais delicada e profunda,

visto que envolvem pretensões, na sua grande maioria, de natureza não patrimonial como o

direito ao ambiente hígido sadio e preservado para as presentes e futuras gerações (art.225 da

Constituição Federal de 1988), o direito à vida, à liberdade, à honra e à dignidade, conforme

dispõem o ECA e o Estatuto do Idoso.

Aos direitos tutelados pelas ações coletivas deve-se conferir um tratamento

diferenciado, conforme amplamente mencionado nos capítulos anteriores. Portanto, não se

pode prescindir dos mecanismos criados para a efetivação das decisões judiciais, mas também

não se deve deixar de fazer uma apreciação desses mesmos mecanismos para aplicá-los de

forma adequada, flexibilizada e adaptada às peculiaridades do direito material e às

circunstâncias que envolvem a causa e as exigências do caso concreto.

Pelas razões de natureza processual acima expostas e em respeito ao princípio

da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva563

, aderimos à corrente que confere a

imediata exequibilidade das multas de natureza coercitivas impostas nas decisões judiciais em

âmbito de tutela antecipada, cujas obrigações não foram cumpridas.

Discute-se que caso a medida concedida em tutela antecipada seja revogada em

sentença final e transitada esta em julgado, poderá haver enriquecimento ilícito do exequente

da multa, cujo valor foi por ele recebido. O argumento é frágil, pois a solução para estes casos

poderá ser a do regramento das execuções provisórias conforme dispõe o art.475-O, II e III do

CPC, que poderá ser aplicado nas ações coletivas564

. No entanto, compartilhamos da solução

apresentada por José Miguel Garcia Medina sugerindo que, em caso de imediata exigibilidade

da multa fixada liminarmente quando descumprida a obrigação a ela vinculada, deve o juiz

determinar que o valor fique consignado em juízo, “sendo o montante total entregue ao autor

apenas quando do trânsito em julgado da sentença que lhe tiver sido favorável”565

.

563 Neste sentido, defende Elton Venturi: “Saliente-se que, ao lançar mão de provimentos de ordem mandamental e executiva

visando a atuação prática do direito, mais apropriados à tutela dos direitos metaindividuais, como já destacado, a intervenção

jurisdicional, não obstante incida ainda no âmbito de ação de conhecimento (como o é a do art.84 do CDC), traduz espécie de

tutela executiva, em seu sentido amplo”. (VENTURI, Elton. A tutela executiva dos direitos difusos nas ações coletivas. In:

(Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.171). 564 Patricia Miranda Pizzol afirma que, em caso de efetivação da tutela antecipada, aplica-se a regra da responsabilidade

objetiva prevista no CPC, que também se aplica ao autor da ação coletiva pelos eventuais danos causados em futura sentença

de improcedência. (PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.173). 565 MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre os poderes do juiz na atuação executiva dos direitos coletivos – considerações e

perspectivas, à luz do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.290.

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193

Essa postura se mantém ainda que o réu seja a Fazenda Pública566

. Não se

pretende discorrer sobre a tutela antecipada contra a Fazenda Pública por desbordar as lides

da presente pesquisa e, ainda, porque já não existem mais polêmicas acerca do tema. A

controvérsia persiste sobre a exequibilidade imediata da multa coercitiva determinada em

âmbito de antecipação de tutela, na mesma medida em que se polemiza nas lides individuais.

Quanto à cominação de multa contra a Fazenda Pública, não há óbice de ordem

legal. Conforme pontua Eduardo Talamini, o cumprimento das determinações judiciais é ideal

de observância dos princípios norteadores da função pública, o que tornaria a multa até

mesmo desnecessária. Entretanto, a conduta negligente e impregnada de má-fé do agente

público não pode desonerar as pessoas jurídicas de direito público de se submeter às medidas

coercitivas de natureza patrimonial. Assim, configurada “a atuação dolosa ou culposa do

agente, cumpre responsabilizá-lo civil, penal e administrativamente – cabendo-lhe ressarcir o

erário”567

.

Outrossim, a imposição das multas cominatórias em ações coletivas contra a

Fazenda Pública deve ser vista como uma das providências utilizadas com a finalidade de

combater essa patologia generalizada – renitência dos maus gestores públicos568

. Nada

impede, ademais, que referidas medidas coercitivas sejam impostas diretamente aos gestores

públicos (pessoa física) responsáveis pelo descumprimento da decisão judicial, mormente

quando a obrigação imposta diz respeito a direitos transindividuais de natureza

extrapatrimonial.

Considerando, pois, a natureza dos direitos tutelados nas ações coletivas

(transindividuais), bem como o princípio da máxima efetividade da tutela coletiva que regem

tais ações, – reitera-se – que as medidas coercitivas, mormente as multas cominatórias, devem

ser largamente utilizadas contra as pessoas jurídicas de direito público, sem descurar da sua

imediata exequibilidade.

566 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que é aplicável a multa cominatória do art.461, do CPC contra a

Fazenda Pública. Assim reza o dispositivo do acórdão proferido no AgRg no AREsp 290270, no STJ, Primeira Turma,

Min.Rel.Benedito Gonçalves, data de julgamento 15/05/2014, publicação DJe 29/05/2014: “É adequada a previsão de

incidência de multa cominatória diária para eventual descumprimento de decisão judicial, ainda que seja contra a Fazenda

Pública. Nesse sentido, dentre outros: AgRg no REsp 1129903/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe

24/11/2010; AgRg no Ag 1247323/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 01/07/2010; AgRg no REsp

1064704/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 17/11/2008)”. 567 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT,

2001, p.241-242. Em posição contrária, Vicente Greco Filho: “Entendemos, também, serem inviáveis a cominação e a

imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público. Os meios executivos contra a Fazenda Pública são outros.

Contra esta a multa não tem nenhuma efeito cominatório, porque não é o administrador renitente que irá pagá-la, mas os

cofres públicos, ou seja, o povo. Não tendo efeito cominatório, não tem sentido sua utilização como meio executivo”.

(GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v.3. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.75). 568 Neste sentido, Eduardo Talamini (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC,

art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.242); DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula

Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.449.

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194

3.3.2.1.2 A prisão como medida executiva indireta

Nem sempre as medidas coercitivas de natureza pecuniária, como é o caso da

multa, são suficientes ou eficientes para conferir efetividade às decisões judiciais. Ocorre que

no caso de descumprimento de decisão judicial, a multa somente surtirá o efeito pretendido se

o demandado possuir patrimônio suficiente para suportar a execução. Com efeito, na ausência

de patrimônio, como ocorre com a execução infrutífera, a medida coercitiva indireta perde sua

eficácia.

Considerando, portanto, que o processo deve pautar-se pela concretização dos

direitos materiais irrealizados e, por consequência, pela efetivação das decisões judiciais nele

proferidas, é preciso que o operador do direito busque alternativas legais no sistema jurídico

vigente à sua disposição para o cumprimento do mister.

O instrumental jurídico resultante do sistema vigente deve ser utilizado em

consonância com os princípios jurídicos, com a interpretação da doutrina e da jurisprudência,

sempre visando promover ao máximo a efetividade da tutela jurisdicional e, por conseguinte,

a concretização do direito material. Vale notar que a doutrina e a jurisprudência evoluem

lentamente em sua interpretação e nem sempre caminham em harmoniosa consonância entre

si, da mesma sorte em que as alterações legais não alcançam a ligeireza das mutações sociais.

Considerando, outrossim, que os fatos e os interesses protegidos são altamente

variáveis e apresentam nuances diversificadas, nem sempre podem ser tutelados na mesma

medida e não são alcançados pela mesma norma. Entretanto, estas circunstâncias não podem

impedir a tutela devida prestada pelo Poder Judiciário.

Não por outra razão, foi conferido ao magistrado o poder geral de efetivação

pelo art.461, §5º do CPC, e art.84, §5º do CDC, outorgando uma relação exemplificativa de

medidas adequadas para que seus comandos sejam cumpridos, para que a prestação da tutela

jurisdicional alcance plenamente seus escopos. Sobre este tema, leciona Donaldo Armelin:

É indispensável outorgar ao Poder Judiciário, meios adequados para que os seus

comandos sejam cumpridos. Se isso não ocorrer, a efetividade da prestação

jurisdicional restará como uma meta longínqua de duvidoso alcance. Seja em relação

aos titulares do poder político ou econômico, que conseguem se esquivar dos

comandos judiciais, seja no que concerne àqueles que, por insuficiência de

patrimônio, são imunes ao atingimento de sanções de natureza pecuniária, é mister

criar um instrumento processual que possa os atingir, sem o que o processo civil não

atingirá plenamente os seus fins569

.

569 ARMELIN, Donaldo. Realização e execução das tutelas antecipadas. In: (Coords.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.516.

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195

Aceitando-se, portanto, a premissa da mais ampla efetividade da tutela

jurisdicional, discute-se a possibilidade de impor prisão no processo civil como meio de

efetivação das decisões judiciais.

Para o delineamento do tema, toma-se como ponto de partida a regra do art.5º,

LXVII, da Constituição Federal, segundo a qual “não haverá prisão por dívida, salvo a do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do

depositário infiel”. A interpretação literal desse dispositivo rechaça qualquer possibilidade de

utilização da prisão como meio coercitivo, mormente em razão do descumprimento de

obrigação pecuniária, exceto nas hipóteses expressas no próprio texto constitucional.

Em reforço a tal vedação, incorporou-se ao sistema jurídico nacional, o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art.11) e a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art.7º, 7), ambos em 1992, reduzindo a dívida de

prestação alimentícia à única hipótese de prisão civil570

. Excluída tal hipótese, a prisão apenas

poderá ser utilizada como pena para as práticas tipificadas como crimes, enquadrada, portanto

nas sanções de natureza penal e não civil.

Ante a possibilidade de restrição de liberdade por inexistência de higidez

patrimonial, verifica-se que parcela considerável da doutrina é contrária à medida coercitiva

pessoal, ou seja, à prisão. Dentre os que se filiam a esta doutrina estão Eduardo Talamini571

,

Elton Venturi572

, José Miguel Garcia Medina573

e Ovídio Araújo Baptista da Silva574

.

Fundamentam suas razões na interpretação literal do texto constitucional

considerando a única exceção, a prisão por dívida alimentícia, em razão da essencialidade do

bem protegido, a própria existência em condições mínimas de dignidade. Assim, segundo esta

doutrina, “o preceito constitucional consagrou esta única hipótese como exceção justamente

porque a regra geral nele contida é a vedação de qualquer prisão civil”575

.

570 Eduardo Talamini em estudo específico aponta as várias controvérsias sobre a possibilidade de prisão civil, para ao final

concluir pela inconstitucionalidade da prisão civil, condicionada a única exceção, a dívida de caráter alimentar, abrangendo

todo e qualquer crédito cuja função precípua seja a de possibilitar a subsistência digna do credor. Sobre a prisão penal por

crime de desobediência, entende que só cabe quando o provimento desrespeitado for prevalentemente uma ordem, ou seja, a

decisão tiver eficácia mandamental. (TALAMINI, Eduardo. Prisão civil e penal e “execução indireta”, a garantia do art.5º,

LXVII, da Constituição Federal. In: (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins.

São Paulo: RT, 1998, p.154; 159). 571 TALAMINI, Eduardo. Prisão civil e penal e “execução indireta”, a garantia do art.5º, LXVII, da Constituição Federal. In:

(Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.140-163. 572 VENTURI, Elton. A tutela executiva dos direitos difusos nas ações coletivas. In: (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda

Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.171, nota 12. 573 MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – teoria geral, princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

RT, 2004, p.461. 574 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da Silva. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações

mandamentais. v.2. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2000, p.344. 575 TALAMINI, Eduardo. Prisão civil e penal e “execução indireta”, a garantia do art.5º, LXVII, da Constituição Federal. In:

(Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.157.

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196

Aqueles que acreditam na possibilidade de prisão como um dos mecanismos de

coerção para a efetividade das decisões judiciais, defendendo sua constitucionalidade,

bifurcam em duas correntes: uma que defende a possibilidade de impor a prisão criminal576

em razão de desobediência injustificada à ordem judicial (art.330, do CP e art.10 da Lei

nº7.347/85) e, outra que admite a prisão civil configurando-a como uma possibilidade dentre

aqueles mecanismos exemplificativos nos §5º do arts.461, do CPC, e 84, do CDC.

Kazuo Watanabe, em comentário ao art.84 do CDC, defende a utilização da

prisão, configurando crime de desobediência quando descumprida uma ordem judicial

consistente em um provimento mandamental nas tutelas específicas. Neste caso, “os

executores da ordem judicial poderão lavrar a prisão em flagrante, mas o processo criminal

respectivo será julgado pelo juízo criminal competente”577

. Segundo o mestre, “semelhante

prisão não é proibida pelo art.5º, LXVII, da Constituição Federal, pois não se trata de prisão

civil por dívida, e sim prisão por crime de desobediência”578

. Verifica-se que a competência

para processar e julgar continua sendo do juízo criminal, seguindo o procedimento da

legislação penal em vigor. A vantagem é a existência de uma tipificação e de um regramento

legal estabelecidos que pode ser operacionalizado normalmente, ainda que seu procedimento

seja custoso e demorado, podendo até mesmo descaracterizar a coercitividade almejada e a

redução de seu caráter intimidatório579

.

Neste caso, a prisão penal por crime de desobediência influiria na esfera civil,

pois “a perspectiva de cometer crime e ser punido serve para induzir o réu ao pronto

atendimento do comando judicial. Reflexamente, portanto, a sanção penal pode funcionar

como meio de coerção processual civil”580

. Essa orientação segue o julgado do Superior

Tribunal de Justiça:

576 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.10.ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.119. Consoante Sérgio Cruz Arenhart, outro defensor dessa corrente é Joel Dias Figueira Jr.

(ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil. v.6. São

Paulo: RT, 2003, p.386). 577 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.119. 578 Neste contexto, o autor afirma: É chegada a hora de se interpretar adequadamente o mencionado dispositivo

constitucional, que não proíbe, de forma alguma, a imposição da prisão civil por ato de desprezo à dignidade da justiça ou

atos que embaracem o regular exercício da jurisdição, uma das funções basilares do Estado Democrático de Direito.

(WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II. 10.ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.119). 579 Lembrando que crimes desta natureza estão sujeito aos Juizados Especiais, cujo procedimento não prevê prisão em

flagrante, reduzindo a sanção em pena alternativa, sendo imposta ao final do processo moroso e impregnado do necessário

garantismo penal. 580 TALAMINI, Eduardo. Prisão civil e penal e “execução indireta”, a garantia do art.5º, LXVII, da Constituição Federal. In:

(Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.158. Sobre a

possibilidade de prisão penal com reflexos na efetivação das decisões judiciais no processo civil, explica Donaldo Armelin:

“Os deveres que importam em fazer ou não fazer infungível ou de difícil fungibilidade poderiam ter seu adimplemento

estimulados não apenas por meios indiretos de coerção patrimonial como pessoal, com a criação de instituto semelhantes

àquele usual nos sistema jurídicos da common law, o contempt of court, com o que a efetividade das decisões de natureza

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO

CIVIL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Constituição interdita a prisão por dívida (art.5°, XLVII), salvo a hipótese do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia

e a do depositário infiel. 2. In casu, evidencia-se que o paciente não se encontra em nenhuma

dessas hipóteses excepcionais de depositário infiel e devedor de alimentos. 3. Uma vez descumprida, injustificadamente, determinação judicial, proferida nos

autos de processo de natureza cível, resta como única providência ao alcance do juiz

condutor do processo – para fins de responsabilização penal do descumpridor –

noticiar o fato ao Representante do Ministério Público para que este adote as

providências cabíveis à imposição da reprimenda penal respectiva, por infração ao

art.330 do CPB, eis que lhe falece à autoridade judicial competência para decretar

prisão em face do delito cometido. 4. Recurso ordinário provido. (BRASIL. Superior

Tribunal de Justiça. RHC 16279/GO. (2004/0093267-0). Primeira Turma. Min. Rel.

Luiz Fux, Dj.14/09/2004).

Cassio Scarpinella Bueno, adepto da corrente que defende a prisão civil como

medida alternativa coercitiva, discorda dessa solução, qual seja impor a prisão penal, por

crime de desobediência a fim de repercutir na esfera civil. Primeiro porque a prisão em

flagrante é medida punitiva aplicada para quem comete infração penal e não coercitiva, como

pretende o exequente na demanda civil, perdendo todo o sentido; segundo, porque os crimes

de desobediência reclamam a persecução com base na Lei nº9.099/1995, que veda a prisão em

flagrante, considerando ilegal e abusiva a restrição à liberdade sem a observância das regras

daquela lei; e terceiro, porque um dos princípios fundantes dos Juizados Criminais é “sempre

que possível a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação da pena não privativa de

liberdade”581

.

Outrossim, as ressalvas daqueles que sustentam o não cabimento da prisão

como medida coercitiva no processo civil, em razão da incompetência do juiz cível para

impor ou executar a pena constritiva de liberdade, esbarram no princípio da unicidade da

jurisdição. Não se pode desprezar o procedimento estabelecido na legislação processual penal

para a penalização do desobediente, isto porque, muito embora a jurisdição seja una, é fato

que a lei fixou a competência como forma de organização da atuação estatal. Neste empenho,

a jurisdição penal é exercida por autoridades judiciais investidas pela lei para atuar em

processos em que a matéria seja eminentemente penal.

Com efeito, fincados neste regramento, os juízes cíveis cujas ordens são

desobedecidas não impõem penalidades que conduzam à restrição de liberdade, salvo por

antecipatória seria mais bem atendida. Mas isso é mera utopia, ainda que, em leis especiais, como a vigente Lei de Falências

esse tipo de sanção de natureza pessoal sobreviva, embora sob o crivo de críticas quanto à sua inconstitucionalidade”.

(ARMELIN, Donaldo. Realização e execução das tutelas antecipadas. In: (Coords.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.517). 581 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2008, p.421-422.

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dívida de natureza alimentícia, por serem absolutamente incompetentes em razão da matéria.

Porém, é absolutamente legal a possibilidade de que esses mesmos juízes venham a decretar a

prisão dos desobedientes quando em flagrante delito, pelo mencionado crime previsto no

art.330 do Código Penal582

.

Entretanto, sem embargo desse regramento de conteúdo processual penal, o

que se defende aqui é a possibilidade plausível de se impor a prisão pelo juiz cível,

considerada a natureza diversa dessa medida que não tem a finalidade de penalizar o

demandado, mas de constrangê-lo ao cumprimento de ordem judicial, preservando, destarte, a

dignidade da justiça, agregada à efetivação do direito submetido à tutela jurisdicional.

Considerando, pois, que o sistema jurídico é dotado de sanções de natureza

penal, civil, e administrativa583

, todas com o intento de conferir efetividade ao próprio direito,

não se olvida a retomada do princípio da unicidade da jurisdição como expressão do poder

estatal soberano, observados seus escopos jurídicos e sociais. Com efeito, sem esquecer-se da

necessidade da divisão do exercício da jurisdição em competências, lembra-se que nem

sempre é possível segregar completamente os conflitos e as relações jurídicas, pois haverá

pontos de contato entre eles. Esta realidade é confirmada por Antônio Carlos de Araújo Cintra

e outros:

Basta lembrar que o ilícito penal não difere em substância do ilícito civil, sendo

diferente apenas a sanção que os caracteriza; a ilicitude penal é, ordinariamente,

mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinado a reforçar as

consequências da violação de dados valores, que o Estado faz especial empenho em

preservar. [...] Dessas observações resulta que não seria conveniente atribuir

competência civil a determinados juízes e penal a outros, sem deixar nenhum traço

de união entre eles, sem que de uma forma o exercício da jurisdição penal influísse

na civil ou vice-versa. Há na lei, assim, alguns dispositivos que caracterizam uma

interação entre a jurisdição civil e penal (afinal, a jurisdição é substancialmente uma

e seria antieconômica a intransigente duplicação do seu exercício)584

.

Neste empreendimento, pondera Luiz Guilherme Marinoni que não se pode

excluir da competência da jurisdição cível o poder de aplicar a prisão, “sob pena dela

simplesmente deixar de existir como meio destinado a dar efetividade à decisão do juiz

582 Discute-se se o momento do flagrante em crimes de desobediência é permanente, ou seja, se seus efeitos perduram no

tempo de maneira que seu momento de consumação não é único. Ver: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de

fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.308-309. 583 A legislação dispõe de várias sanções de natureza diversa para tutela de bens pertencentes à coletividade. Por exemplo, a

lesão ao erário público, o art.37, §4º, da Constituição Federal de 1988, dispõe: “Os atos de improbidade administrativa

importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao

erário na forma e gradação previstos em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Quando se trata de lesão ao meio ambiente,

a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art.225, §3º: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de

reparar os danos causados”. 584 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do

processo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.161.

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199

cível”585

. Ainda que esbarre em óbices de caráter formal ou operacional, inexistência de

regulamentação legal para a utilização do mecanismo, não se pode descartar o seu emprego

para a efetivação das decisões judiciais, quando diz respeito aos direitos de natureza não

patrimonial, especialmente os transindividuais, conforme a ponderação de Sérgio Cruz

Arenhart:

Diante da falta de regulamentação legal específica (que discipline o uso deste meio

de coerção nos casos não especificamente designados) – é sempre recomendável o

uso, como padrão de operacionalidade da medida das regras previstas para os casos

pontualmente disciplinados (alimentos e depósito). Assim, recomenda-se, de

ordinário, o exercício do contraditório antes da decretação da prisão, bem como a

plena garantia da prova para o requerido – que pode demonstrar não ser o meio

adequado (já que inviável é a prestação ordenada) ou ser a prisão evidentemente

desproporcional. Apenas com observância adequada das garantias materiais e

processuais parece ser viável sustentar o uso deste remédio externo, como

instrumento de apoio ao cumprimento das ordens judiciais586

.

De outro lado, a corrente doutrinária que defende a utilização da prisão civil

como um meio de coerção indireta para efetivação das decisões judiciais, é partilhada por

Donaldo Armelin587

, Marcelo Lima Guerra588

, Sérgio Cruz Arenhart589

, Luiz Guilherme

Marinoni590

, Cassio Scarpinella Bueno591

, Alexandre Freitas Câmara592

, Fredie Didier Jr.,

entre outros593

. Esta modalidade de prisão tem o conteúdo simplesmente coercitivo tendente a

estimular o demandado ao cumprimento de determinação judicial, distinguindo-se da prisão

penal que tem natureza sancionatória e preventiva.

O principal argumento sustentado por esta corrente favorável à tese ampliativa

da prisão civil consiste em afirmar que o sentido do termo “dívida” tal qual empregado na

Constituição Federal restringe-se à prestação pecuniária, espécie de obrigação civil.

Considerando, portanto, que a prisão destinada a cumprimento de ordem judicial não tem

natureza de caráter obrigacional, não se insere na vedação constitucional, ou seja, a utilização

585MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.26. 586 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil. v.6. São

Paulo: RT, 2003, p.396. 587 ARMELIN, Donaldo. Realização e execução das tutelas antecipadas. In: (Coords.) ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo

Arruda. Inovações sobre o direito processual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.517. 588 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. 1.ed. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 1999, p.245-246. 589 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil. v.6. São

Paulo: RT, 2003, p.384. 590 MARINONI, Luiz Guilmerme. Tutela inibitória – individual e coletiva. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2006,

p.240. 591 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva. v.3. São

Paulo: Saraiva, 2008, p.421-422. 592 CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.II. 15.ed. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008, p. 238. 593 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.464-464.

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200

da prisão como um mecanismo coercitivo não estaria incluída nesta classificação, escapando

da vedação ora expressa594

.

Sérgio Cruz Arenhart ressalta que, na verdade, a prisão civil em tais casos,

deriva do imperium estatal e tem por fim resguardar a dignidade da justiça, com apoio no

art.5º, XXXV da Constituição Federal, no que se refere à garantia de um efetivo provimento

jurisdicional.

Seguindo este raciocínio, Marcelo Lima Guerra afirma que o dispositivo

constitucional restritivo da prisão civil deve ser interpretado para além do plano meramente

semântico, sob pena de incorrer em arbitrariedade e de privilegiar a liberdade individual de

modo absoluto, sem apreciar as circunstâncias e os fatos concretos595

.

Fortalecendo a defesa em prol da prisão como um meio de coerção indireta

para a efetivação das decisões judiciais, Luiz Guilherme Marinoni assevera que a

interpretação do dispositivo constitucional deve considerar os direitos fundamentais, pois se

há necessidade de vedar a prisão do devedor em razão de inexistência de patrimônio – direito

fundamental à liberdade –, “também é absolutamente indispensável permitir o seu uso, em

certos casos, para a efetividade da tutela dos direitos”596

. Além disso, é imprescindível o

emprego dos métodos hermenêuticos modernos para interpretar o contexto, no caso de grande

complexidade:

[...] deparando-se com a norma do art.5º, LXVII, da Constituição Federal, deve o

intérprete estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação suscita, qual

seja: se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou apenas a prisão

por dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para

dois direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional

e para o direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a

cada um deles. Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser desses

princípios, que a sua aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como

deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a

prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição

poder evitar – quando a multa e as medidas de execução direta não se mostrarem – a

violação de um direito597

.

594 Para Eduardo Talamini, esse argumento não procede porque a possibilidade de prisão do depositário infiel (exceção não

mais cabível) não envolve dívida pecuniária, mas sim, um mecanismo de preservação da autoridade do juiz. Sob esta ótica,

não cabe em hipótese alguma prisão processual civil, com exceção àquela expressamente autorizada pela Constituição

Federal. Caberia a prisão como uma medida coercitiva de caráter penal, quando caracterizado o crime por desobediência,

conforme tipificado no Código Penal, art.330. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer.

CPC, art.461; CDC, art.84. São Paulo: RT, 2001, p.296-322. Nesta obra, o doutrinador faz um estudo exaustivo acerca da

prisão por desobediência à ordem judicial). 595 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003,

p.135. 596MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.25. 597MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.25.

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201

Por meio deste raciocínio, considera-se todo o contexto que envolve a possível

imposição de prisão civil, o direito tutelado no processo que proferiu a decisão e os direitos

fundamentais envolvidos (liberdade, a efetivação da tutela jurisdicional, o acesso à justiça)598

.

Sem uma interpretação hermenêutica que harmonize os direitos fundamentais, poderá haver

uma situação na qual os próprios direitos fiquem desprovidos de tutela, e assim o

ordenamento, exatamente na parte que consagra os direitos invioláveis, assuma uma

configuração meramente retórica, conforme arremata Luiz Guilherme Marinoni599

.

Analisando o caso concreto, sopesando os direitos fundamentais em jogo e

empreendendo uma interpretação sistemática do contexto, seria possível impor a prisão em

caráter coercitivo, com a finalidade de constranger o demandado a cumprir a determinação

judicial. A propósito deste sopesamento de direitos, Kazuo Watanabe analisa:

Não se pode esquecer, porém, que nosso sistema admite soluções tão ou mais

draconianas para a tutela de direitos patrimoniais, como a ação de despejo, cuja

sentença é executada inclusive com a remoção de pessoas, sejam adultas ou

crianças, possuam ou não outro imóvel para habitação. E semelhante demanda é

tradicional em nosso sistema e é aceita por todos como a solução natural e de

excelente efetividade. Porque, então, não aceitar que, para a tutela de direitos não

patrimoniais mais relevantes que os patrimoniais, quais os ligados aos direitos da

coletividade à qualidade de vida ou aos direitos absolutos da personalidade (como os

direitos à vida, à saúde, à integridade física e psíquica, à liberdade, ao nome à

intimidade, etc.), possa o sistema possuir provimentos que concedam tutela

específica eficaz às obrigações de fazer e não fazer? Com a remoção de pessoas,

certamente é atingida a liberdade humana. Mas esta está protegida enquanto estiver

em conformidade com o Direito600

.

Com relação às ações coletivas, em que se tutelam direitos transindividuais,

cuja grande maioria é de natureza extrapatrimonial (a exemplo do direito ambiental), as

medidas coercitivas indiretas se revelam de grande valia para constranger o devedor a

satisfazer a obrigação. Conforme já sustentado, para a tutela efetiva destes direitos deve-se

buscar exaustivamente a primazia da tutela específica. Neste empenho, quando a multa ou a

execução direta se mostrarem inadequadas, não poderá permitir que o direito fique desprovido

598 Fredie Didier Jr. e outros: “Essa opção não representa, em absoluto, um desprezo à liberdade individual. Apenas significa

dizer que a liberdade individual não é (e não pode ser) um valor absoluto, de modo que ela deve, sim, ser protegida, mas pode

também ser restringida nos casos em que a prisão civil se mostrar como único meio idôneo, necessário e razoável à realização

de outros direitos fundamentais. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,

Rafael. Curso de direito processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.463). 599MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.25. 600 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v.II.

10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.118.

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202

de tutela. Resta, portanto, a prisão como uma medida coercitiva residual apta a conferir a

efetiva proteção do direito601

.

Neste mister, cabe aos operadores do direito, sobretudo ao juiz da causa,

conscientizar-se de que inobstante os direitos possam ser os mesmos (como, por exemplo, o

meio ambiente ou o direito do consumidor), as relações jurídicas que os envolvem, os

conflitos de interesses deles decorrentes são diversificados e podem se apresentar altamente

complexos, exigindo respostas processuais diferenciadas602

. Não se defende aqui o repúdio à

generalidade do sistema processual, tampouco a rebeldia aos procedimentos elencados na

legislação pertinente.

Nota-se que, de acordo com esta doutrina, a prisão civil deve ter caráter

residual603

. Além do sustentáculo constitucional insculpido no art.5º, XXXV da Constituição

Federal – direito à efetividade da tutela jurisdicional –, possui fundamento admissional nos

§§5º dos arts.461, do CPC e 84 do CDC, que concedeu ao juiz o poder de efetivação para

determinar as “medidas necessárias” à obtenção da tutela específica ou do resultado prático.

Trata-se de uma tarefa de conscientização generalizada da norma604

e de

comprometimento do juiz, quando ante a um caso concreto promover uma adaptação

exegética das regras procedimentais, utilizando os mecanismos processuais à disposição de

forma criativa e responsável605

.

De fato, é um grande desafio para o juiz cível ponderar as situações necessárias

às medidas coercitivas para a efetivação das suas decisões606

. Considerando-se, afinal, que ao

601MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e remoção do ilícito. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/artigos.php. Acesso em: 7 jul.2014, p.26. 602 Sérgio Shimura ensina que “Os direitos metaindividuais devem ser esquadrinhados para que não fiquem ao desabrigo,

merecendo toda espécie de tutela, seja jurisdicional, seja não-jurisdicional. Toda forma de tutela concorre para não deixar

nenhuma conduta fora do leque de proteção dos direitos coletivos, uma vez que, em última análise, está em jogo a própria

sobrevivência do organismo social”. (SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006,

p.119). 603 Neste sentido, Cassio Scarpinella Bueno, defendendo o cabimento da prisão civil “em casos cujas peculiaridades concretas

a justifiquem como única forma possível, ao menos em tese, para compelir o destinatário da ordem judicial a acatá-la e, por

isso mesmo, desde que malogradas todas as outras possíveis formas de conduzir o executado ao seu acatamento [...] a prisão

civil, destarte, tem de mostrar-se necessária, adequada e concretamente justificável no caso para tutelar interesse de maior

ou, quando menos, igual estatura à liberdade garantida, isso não há como negar, pelo inciso LXVII do art.5º da Constituição

Federal”. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva.

v.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.420). 604 Carlos Alberto de Salles utiliza a expressão “transubstancialidade da norma processual” para referir-se à generalidade da

norma face às especificidades das situações que envolvem as várias espécies de direito material. (SALLES, Carlos Alberto

de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1999, p.36). 605 Sobre o tema, José Miguel Garcia Medina propugna por um sistema ideal onde deveria mesclar os princípios da

atipicidade e da tipicidade dos meios executivos, e para tanto, explica que na tomada de decisão para imposição das medidas

executivas, o juiz deve levar em consideração “a importância do bem jurídico tutelado” e a “qualidade da cognição judicial

realizada” para se chegar à “intensidade das medidas executivas”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre os poderes do juiz

na atuação executiva dos direitos coletivos – considerações e perspectivas, à luz do Anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.289). 606 Rogério Marrone de Castro Sampaio faz a seguinte ponderação acerca do tema: “É bem verdade que a atuação do juiz,

nesse estágio, não se afigura ilimitada, ou puramente discricionária. A adoção de medidas coercitivas deve ser feita com

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203

magistrado foi conferido o poder geral de efetivação, que ele tem à sua disposição vários

instrumentos que poderão conferir efetividade à tutela jurisdicional coletiva. Conforme

mencionado, a legislação em vigor dispõe de medidas coercitivas diretas (meios sub-

rogatórios) e indiretas, cabendo ao magistrado escolher, por meio de uma interpretação

sistemática, a que mais demonstrar eficácia ao direito tutelado no caso concreto a ele

apresentado.

3.3.2.2 Medidas executivas diretas (sub-rogatórias) para efetivação das decisões judiciais

Em nosso microssistema processual coletivo pode-se conjugar vários

provimentos com vistas a promover a necessária tutela aos direitos transindividuais.

Conforme mencionado, principalmente através dos provimentos mandamental e executivo

lato sensu, poderá alcançar-se a tutela específica ou o resultado prático equivalente, relegando

a último plano as prestações pecuniárias, inadequadas para preservar ou reconstituir o direito

ora lesado.

Como já evidenciado, a natureza dos direitos transindividuais acentua a

necessidade de instrumentos aptos a possibilitar sua preservação em sua forma original, seja

de forma preventiva ou inibitória, pretendendo evitar a ocorrência do dano, ou repressiva para

afastar a ocorrência da lesão e restaurando o status quo ante a ocorrência do ilícito. De fato, a

tutela jurisdicional coletiva tem por objetivo precípuo evitar simplesmente a indesejável

conversão da obrigação em perdas e danos, ou seja, a tutela ressarcitória.

Os parágrafos dos arts.461 do CPC e 84 do CDC trazem mecanismos que

almejam assegurar a obtenção da tutela específica, que como já demonstrado, deverá ser

entendida como: “a maior coincidência possível entre o resultado da tutela jurisdicional

pedida e o cumprimento da obrigação caso não houvesse ocorrido lesão ou, quando menos,

ameaça de direito no plano material”607

.

Quando não for possível a primazia da tutela específica, busca-se assegurar o

resultado prático equivalente, entendido este como a tentativa de aproximação do resultado

que deveria ocorrer caso a obrigação fosse adimplida, ou “se equivale a medidas a serem

prudência, a fim de que, de outra parte, não sejam vulneradas garantias constitucionais do devedor. Em princípio, recusam-se

as medidas vedadas pelo próprio ordenamento jurídico, tal como a prisão civil, salvo quando excepcionalmente permitida.

Ademais, é preciso que a escolha da medida, em tese admissível, seja motivada pelo princípio da proporcionalidade ou

razoabilidade. Isto é, deve guardar relação de adequação entre o meio e o fim colimado”. (SAMPAIO, Rogério Marrone de

Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. São Paulo: Atlas, 2008, p.155). 607 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. São Paulo:

Saraiva, 2007, p.407.

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204

empregadas jurisdicionalmente quando frustradas todas as tentativas de cumprimento da

obrigação por ato próprio do devedor, embora compelido para tanto (art.461, §§4º a 6º)”608

.

Neste afinco, para obter êxito na consecução da tutela almejada, a lei prevê

mecanismos à disposição das partes e do juiz – sejam aqueles que agem sobre a vontade e o

ânimo do obrigado (meios de coação), sejam aqueles que permitem o implemento do

resultado pretendido sem a participação do demandado (meios sub-rogatórios) – que

possibilitarão tutelar na forma específica os direitos transindividuais.

Distinguem-se as medidas executivas diretas (ou de sub-rogação) das medidas

indiretas, na medida em que aquelas independem de providência a cargo do devedor para a

efetivação da decisão judicial. Enquanto as medidas indiretas são artifícios persuasivos, as

sub-rogatórias possibilitam a consecução da prestação jurisdicional por meio da substituição

da conduta do devedor, por providências pelo juízo ou por terceiros por ele designados.

As medidas de sub-rogação normalmente são suficientes para o resgate do bem

nas obrigações de entrega de coisa, nos deveres de pagar quantia em dinheiro, nas obrigações

de fazer fungíveis em que a prática do ato pode ser realizada por pessoa distinta do

demandante, obtendo o resultado almejado. Por outro lado, as obrigações de fazer

personalíssimas e as obrigações de não fazer, sempre infungíveis, demandam o emprego das

medidas coercitivas indiretas.

No microssistema processual coletivo, já havia a previsão da multa como meio

coercitivo indireto, no art.11 da Lei da Ação Civil Pública (LACP). A prisão, ainda que de

natureza sancionatória de competência da jurisdição penal, está prevista no art.10 da mesma

lei. Também, o Código de Defesa do Consumidor relaciona, em rol exemplificativo, no art.84,

§5º, alguns mecanismos coercitivos diretos ou sub-rogatórios com a finalidade de alcançar a

tutela específica ou o resultado prático equivalente.

Observa-se que a jurisdicionalização dos direitos transindividuais dispõe de

mecanismos adequados para a execução das obrigações de fazer e de não fazer e entrega de

coisas, privilegiando a tutela específica e assegurando a obtenção do resultado prático

equivalente. Em comentário ao Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos,

elaborado pelos programas de pós-graduação da UERJ e da UNESA (CBPC-UERJ/UNESA),

José Miguel Garcia Medina se refere ao “princípio da atipicidade das medidas executivas”, no

sentido de não existência de um modelo normativo predefinido e engessado a ser cumprido,

608 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. São Paulo:

Saraiva, 2007, p.407.

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205

em razão de uma multiplicidade de medidas executivas que podem ser aplicadas e o modo

variado de aplicabilidade609

.

Destarte, o legislador relacionou medidas que poderão ser determinadas pelo

juiz, analisado o caso concreto, verificando a necessidade, a possibilidade e a adequação,

implicando uma postura ativa do magistrado face ao processo e à natureza dos direitos

tutelados. Além de busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,

impedimento de atividade nociva e requisição de força policial, outras medidas poderão ser

impostas com vistas à efetiva e adequada tutela jurisdicional. Em comentário ao dispositivo

do §5º do art.461 do CPC, Cassio Scarpinella Bueno explica:

O que se lê deste dispositivo é a enumeração de algumas “medidas de apoio”, isto é,

de técnicas executivas – imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão,

remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade

nociva, se necessário com requisição de força policial –, em rol claramente

exemplificativo, para obtenção da “tutela específica” ou do “resultado prático

equivalente” em favor daquele que tem reconhecida a seu favor a tutela

jurisdicional. Quaisquer outras medidas que se mostrem necessárias, suficientes,

adequadas e proporcionais à obtenção dos resultados desejados pelo artigo podem

também ser utilizadas pelo magistrado.

Notabiliza-se que o legislador conferiu ao magistrado o poder de condução do

processo de forma ativa, o que contribui para a efetivação não apenas dos direitos individuais,

mas também daqueles de natureza transindividual. As ações coletivas podem e devem ser

conduzidas de forma dinâmica, não apenas pelo juiz, mas também por todos os legitimados

ativos que têm o dever de propor novas alternativas e soluções práticas à efetiva proteção dos

direitos tutelados.

A par desta visão, é preciso que os envolvidos nas ações coletivas, partes e

juízes, ajam de forma comprometida com a tutela dos direitos que, afinal, é de interesse

coletivo. Urge agir, coagir e cogitar ideias inovadoras, apontando mecanismos adequados,

suficientes e proporcionais à tutela do direito que não pertence a ninguém, mas é do interesse

de todos.

609 MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre os poderes do juiz na atuação executiva dos direitos coletivos – considerações e

perspectivas, à luz do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.287.

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206

3.4 Peculiaridades da tutela executiva no processo coletivo

A tutela executiva nas ações coletivas segue, em linhas gerais, o mesmo

regramento disciplinado para as ações individuais. No entanto, o processamento da tutela

executiva apresenta algumas peculiaridades.

As peculiaridades da tutela executiva no processo coletivo decorrem de dois

expedientes: a primeira resulta da natureza do direito material tutelado; a segunda, da espécie

de tutela requerida, e por consequência, a sentença proferida610

. Assim, o processamento da

execução de sentença será diverso, conforme se trate de o direito tutelado ser transindividual

ou individual homogêneo e se as sentenças terão natureza condenatória, mandamental ou

executiva.

Quanto ao primeiro critério, da natureza do direito tutelado, existem duas

modalidades de liquidação e execução: a) promovidas pelo legitimado coletivo,

coletivamente; b) promovidas pelos titulares de direito material, legitimado ordinário, em

ações individuais.

Destarte, nas ações coletivas para a tutela dos direitos difusos e coletivos, a

execução coletiva será promovida pelo próprio legitimado coletivo que conduziu a fase

cognitiva (ou por outro legitimado concorrente legal, conforme já visto). Entretanto, o art.103,

§3º do CDC, que autoriza o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para os titulares de

direitos individuais, permite que as liquidações e execuções sejam por eles promovidas em

ações individuais.

De outro lado, nas ações coletivas para a tutela dos direitos individuais

homogêneos, proferida a sentença coletiva, as eventuais liquidações e execuções naturalmente

poderão ser promovidas pelos próprios titulares do direito material, em ações individuais, ou

pelos legitimados coletivos em favor dos titulares do direito material ou, ainda, residualmente,

em favor do Fundo de Direitos Difusos (FDD), quando não houver habilitação de titulares

individuais em número compatível com a gravidade do dano.

Quanto ao segundo critério, pela natureza da sentença, o procedimento será

distinto se a sentença for mandamental, executiva ou condenatória. Conforme visto, para a 610 Conforme Luiz Guilherme Marinoni, “as diversas sentenças e meios de execução nada mais são que instrumentos técnico-

processuais que devem estar dispostos na lei para que os direitos possam ser efetiva e concretamente tutelados. Para que tudo

isso seja compreendido é importante o seguinte raciocínio: em primeiro lugar, é necessário conhecer a natureza do direito

material e as tutelas que a ele são inerentes. Após é preciso verificar quais são as sentenças e meios de execução adequados à

prestação dessas tutelas. Se, para o direito ao meio ambiente saudável, em vista de sua natureza, é imprescindível a tutela

inibitória, não há como se pensar apenas nas sentenças declaratória, constitutiva e condenatória. É indispensável socorrer-se

das sentenças mandamental e executiva e de meios de execução adequados”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de

processo civil – procedimentos especiais. v.5. São Paulo: RT, 200 9, p.309).

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tutela dos direitos transindividuais poderá ser veiculada qualquer espécie de ação (art.83 do

CDC) capaz de conferir a efetiva tutela dos direitos. Disso decorre que a depender da espécie

de pretensão, as sentenças também terão efeitos diversos.

Os meios executivos para a sentença mandamental em sede de ação coletiva

estão disciplinados no art.84 do CDC e art.11 da LACP, os quais dispõem sobre as obrigações

de fazer e não fazer; entretanto, a laboração destes provimentos aproveita as mesmas regras

concernentes à tutela específica das ações individuais quanto ao procedimento e

operatividade.

As espécies de sentenças condenatórias pecuniárias estão previstas no art.13 da

LACP e no §1º do art.84 do CDC, ao referir a conversão da obrigação em perdas e danos.

Conforme já foi visto, para a tutela dos direitos transindividuais o legislador

prestigiou a tutela específica ou seu resultado equivalente, somente admitindo a conversão em

perdas e danos, quando aquela se mostrar impossível ou por opção do autor, no caso de

direitos disponíveis. De qualquer sorte, considerando a natureza do direito, pertencendo a uma

coletividade, havendo tutela ressarcitória pelo equivalente em pecúnia, o montante arrecadado

será direcionado ao FDD, formando um patrimônio destinado a recuperação dos bens lesados

(art.13 da LACP).

Verifica-se, portanto, que cada modalidade requer procedimentos distintos, seja

a execução promovida pelo legitimado coletivo, seja pelo próprio titular do direito material,

individualmente. Estas peculiaridades dos direitos transindividuais ou individuais

homogêneos requerem alguns procedimentos especiais. Busca-se, portanto, nas Leis de

regência a tutela adequada ao direito material e os mecanismos processuais cabíveis a cada

caso.

Assim, a execução coletiva referente aos direitos individuais homogêneos é

tratada timidamente no CDC (arts.97-100 da Lei nº8.078/90), haja vista que não disciplina o

procedimento específico, limitando-se a dar diretrizes gerais (legitimidade, modalidade de

liquidação, competência, concurso de crédito e execução residual), relegando as

especificidades como penhora e outros institutos próprios da execução para a disciplina do

CPC.

No que respeita à tutela executiva dos direitos difusos e coletivos, a doutrina

sustenta a aplicabilidade das Leis nº7.345/85 (LACP, arts.13 a 15), nº4.717/65, (LAP, arts.14

e 16) e ainda da Lei nº8.429/92 (LIA, art.18). Cuida-se, também, que tanto a LACP (art.11)

quanto o CDC (art.84) tratam das obrigações de fazer e de não-fazer, cujas redações são bem

próximas do art.461 do CPC.

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A insuficiência do tratamento legal específico dedicado à tutela executiva para

as ações coletivas, aliado à complexidade da tutela dos direitos transindividuais, dificulta a

efetividade das decisões judiciais, razão pela qual urge a necessidade de se revisar o processo

executivo, bem como as técnicas de efetivação da tutela jurisdicional executiva coletiva.

Ante a esta insuficiência legislativa, impõe-se uma adequada leitura

interpretativa e sistemática, seguindo o diálogo entre as diversas fontes normativas, à luz da

Constituição Federal e de toda principiologia concernente ao processo coletivo.

Consoante mencionado, a aplicabilidade do CPC às ações coletivas deve ser

limitada e subsidiária (art.19 da LACP e art.90 do CDC) e depende de compatibilidade formal

(inexistência de disposição em sentido contrário no microssistema processual coletivo) e

material (ausência de risco à proteção dos direitos transindividuais). Repise-se que o CPC

possui uma ideologia marcadamente individualista, é estruturado para a tutela de direitos

individuais e para a resolução de conflitos entre A e B. Entretanto, em razão da carência (não

ausência) de regramento satisfatório e idôneo na esfera da execução coletiva, as regras do

CPC são necessárias no microssistema processual coletivo, sem descurar, todavia, de uma

interpretação sistemática611

. Conforme esclarece Patricia Miranda Pizzol:

As normas relativas especificamente à execução em ações coletivas encontram-se

consubstanciadas nos arts.97 usque 100 do CDC, os quais, embora estejam insertos

no capítulo pertinente às ações coletivas para defesa de interesses individuais

homogêneos, aplicam-se também às hipóteses de ações fundadas em direitos e

interesses difusos e coletivos stricto sensu, tendo em vista a inexistência de um

tratamento legal específico para tais casos, bem como o fato de que o CDC é um

microssistema, que contém um conjunto de regras destinadas à tutela dos direitos e

interesses coletivos612

.

Não se olvida que as ações coletivas são complexas em razão do objeto

tutelado, da litigiosidade fática envolvida e trazida a conhecimento do Poder Judiciário,

demandando deste uma série de posturas e de decisões e permitindo à doutrina especializada

apontar outra gama de possibilidades613

, inclusive o clamor pela implementação de uma tutela

611 Sobre o tema, ressalva Elton Venturi: “Na aplicação subsidiária do CPC ao processo coletivo, devemos investigar acerca

da idoneidade da transposição pura e simples de dispositivos idealizados originariamente para instrumentalizar pretensões

individuais, a fim de não se afrontar princípios informativos ou fundamentais do processo coletivo”. (VENTURI, Elton

Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.160). 612 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus,1998. 613 Sobre o tema execução coletiva: ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Processo coletivo – teoria geral, cognição e execução.

São Paulo: LTr, 2012; AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e sua

execução. São Paulo: Dialética, 2002; BRUSCATO, Wilges. Execução da tutela jurisdicional coletiva. São Paulo: Saraiva,

2009; OLIVEIRA, Ariane Fernandes de. Execução nas ações coletivas. Curitiba: Juruá, 2004; SILVA, Érica Barbosa e.

Cumprimento de sentença em ações coletivas. In: (Coord). Carlos Alberto Carmona. Coleção Atlas de processo civil. São

Paulo: Atlas, 2009; SILVEIRA, Ricardo Geraldo Rezende. Execução coletiva: teoria geral e novas perspectivas. Curitiba:

Juruá, 2012; SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006.

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executiva diferenciada para os direitos transindividuais, que permita uma adequada efetivação

das decisões judiciais.

Observa-se, todavia que enquanto não houver disposição legal específica e

satisfatória, a execução coletiva de obrigações pecuniárias seguirá, em linhas gerais, as

diretrizes procedimentais do CPC, segundo as quais a execução se processa como fase de

cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado, se não houver adimplemento

espontâneo da condenação. Vale esclarecer que é possível a execução, antes do trânsito em

julgado, se existir recurso, nos termos do art.475-I, §1º, do CPC.

Não custa lembrar, entretanto, que a subsidiária aplicação do Código de

Processo Civil às ações coletivas não impõe a aplicação integral e incontinente de suas regras,

sem antes, analisar a compatibilidade formal e material com a natureza dos direitos tutelados.

A carência de norma que regulamente de forma específica a tutela executiva

dos direitos transindividuais impõe a necessidade de servir-se, ainda que subsidiariamente,

dos procedimentos do CPC, engendrados para lides individuais, o que pode trazer empecilho

à adequada performance das garantias fundamentais, do acesso à justiça, bem assim da efetiva

tutela jurisdicional614

.

Ante este quadro, Elton Venturi615

faz coro à voz da doutrina, reclamando pela

“implementação de uma tutela executiva diferenciada dos direitos metaindividuais que

permita, em cada situação concreta, o exato e imediato cumprimento do provimento judicial

[...]” e propugna “de lege ferenda, pela criação de um procedimento específico, adequado às

aspirações de funcionalidade dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”.

A despeito da existência dos anteprojetos e projetos de lei de códigos de

processo coletivo, o fato é que ainda não existe uma norma consolidada e idônea para a tutela

dos direitos coletivos, mormente no que se refere à execução das decisões judiciais616

.

614 Como explica Elton Venturi, “todavia, a tutela executiva dos direitos metaindividuais, ante a inexistência de um

procedimento específico, resta prejudicada. Ao empregar-se os procedimentos preconcebidos pelo CPC para atender às

pretensões executivas dos direitos individuais não se leva em consideração as inerências dos direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos”. (VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.90). 615 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.91. 616 Não houve, também, evolução mais cuidadosa por parte dos anteprojetos e dos códigos-modelos no que se refere à

execução coletiva. A propósito, interessante análise efetuada por Gregório Assagra de Almeida, em análise aos anteprojetos.

Sobre o Anteprojeto CM–IIDP: O art.19 do Código-Modelo prevê que a execução será definitiva ou provisória. Contudo, o

dispositivo estabelece, em seu §1º, que a execução provisória corre por conta e risco do exequente, que responde pelos

prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida. Esse dispositivo, também presente no CPC

brasileiro (art.475-O, I), é incompatível com a principiologia que rege o direito processual coletivo, tendo em vista que ele

inibe o comparecimento em juízo do representante adequado. No plano da ação coletiva para a defesa dos direitos individuais

homogêneos, o Código-Modelo repete, basicamente, o que já é disciplinado no CDC (arts.96/100). Portanto, o Código-

Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, na sua condição de trabalho doutrinário, tendo se inspirado e

reproduzido parte considerável do que já está consagrado na legislação pátria, não serve de modelo ideal para o

aperfeiçoamento do nosso sistema processual de tutela coletiva”. Já sobre CBP-IBDP /USP, comenta o doutrinador: “Em

relação ao Anteprojeto em análise, convém destacar que a execução coletiva recebe tratamento nos arts.2º, 15 e 16, 21, §3º,

26, 27, 35, 36 e 37. O art.2º arrola, em sua alínea r, a obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença como um

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Destarte, o que se pode fazer em prol da almejada efetividade da tutela

executiva dos direitos transindividuais é explorar ao máximo o microssistema processual

coletivo existente, conjugando os seus mecanismos processuais (ainda que de índole

individual) com a principiologia que fundamenta aqueles direitos, observados os fundamentos

das ações coletivas. Isso requer, para tanto, um exercício de revisitação no sistema processual,

para uma tentativa de adaptação/adequação ao direito material tutelado. In casu, os direitos

transindividuais617

.

É possível afirmar que o processo civil individual, após sucessivas

transformações vivenciadas no último século618

, construiu um conjunto de tutelas

diferenciadas com o objetivo precípuo de conferir a mais ampla efetividade ao processo, a

partir de sua utilidade para o direito material e consequente pacificação social. Exemplos que

compõem esse conjunto são as tutelas específicas, inibitórias e antecipadas, assim como todos

os mecanismos e procedimentos próprios destas tutelas, disciplinados pelos diplomas

processuais CDC e CPC.

Para evidenciar o posicionamento adotado nesta pesquisa, destaca-se no

capítulo seguinte, alguns aspectos diferenciados da tutela individual que aplicáveis às ações

coletivas, de forma corajosa e ao mesmo tempo prudente, concorrerá para conferir efetividade

à tutela jurisdicional executiva.

dos princípios da tutela jurisdicional coletiva. O art.15 reproduz a orientação estabelecida no art.15 da LACP, com alteração

do prazo de 60 para 120 dias para a promoção obrigatória da liquidação ou da execução pelo Ministério Público. O art.16

estabelece que a execução coletiva poderá ser provisória ou definitiva; porém ele prevê, em seu §1º, que ela corre por conta e

risco do exequente. Essa orientação, como afirmado acima, contraria a principiologia que rege o direito processual coletivo

ao inibir o comparecimento em juízo do representante adequado. O art.21, §3º, estabelece que o termo de ajustamento de

conduta é título executivo extrajudicial, salvo quando homologado judicialmente, quando passará a ter a natureza de título

executivo judicial. O art.26 do Anteprojeto USP possui redação elogiável pela sua boa técnica jurídica. Esse dispositivo

disciplina a ação reparatória e consagra, em seu §1º, o princípio da não-taxatividade das medidas executivas, ao mesmo

tempo em que prevê a admissibilidade da conversão da obrigação específica em perdas e danos se for impossível a

condenação no cumprimento de obrigações específicas (§2º). O art.27 confere tratamento ao Fundo dos Direitos Difusos e

Coletivos com disciplina, no caso, bem mais ampla e mais aperfeiçoada que a do art.13 da LACP. Os arts.35, 36 e 37 do

Anteprojeto USP disciplina a execução coletiva no plano da tutela jurisdicional coletiva dos direitos e interesses individuais

homogêneos. Em geral, salvo algumas inovações, o tratamento reproduz a orientação já presente no CDC (arts.96/100)”.

Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11951/execucao-coletiva-em-relacao-aos-direitos-difusos-coletivos-e-individuais-

homogeneos/3. Acesso em: 22 nov.2014. 617 De acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, “A efetividade da tutela jurisdicional depende muito da sensibilidade

do jurista, principalmente do estudioso de direito processual, que deve criar soluções visando a tornar o instrumento

adequado à realidade social a que ele será aplicado”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência

do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.33). Elton Venturi, por sua vez, discorrendo sobre a

tutela executiva dos direitos metaindividuais, afirma: “Diante deste quadro, quando muito, pode-se esperar que o Poder

Judiciário, na aplicação dos mencionados procedimentos executivos, flexibilize-os de acordo com a principiologia que

embasa a tutela dos direitos metaindividuais”. (VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000,

p.91). 618 “O Código de Processo Civil brasileiro, não obstante exemplo de aprimoramento técnico, constitui diploma distante das

necessidades da sociedade moderna, voltada precipuamente para uma categoria de interesses, cujas características e

peculiaridades foram praticamente ignoradas pelas regras instrumentais”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e

processo: influência do direito material sobre o processo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.14).

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4 EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA

4.1 Notas introdutórias

Durante longo espaço de tempo ouviu-se e muito se escreveu sobre a crise do

processo de execução. Foram várias as razões apontadas para a decantada crise, mas a que

mais gerou unanimidade na doutrina foi a dicotomia entre cognição e execução619

.

Precipuamente, deve-se registrar o clamor social e doutrinário contra a

excessiva demora na efetivação do direito do credor, via prestação jurisdicional. Conforme

mencionado alhures, houve acentuada insurgência acerca da ausência de funcionalidade, a

elevação de custos relativa à dualidade de processo (cognição e execução) em torno da mesma

lide.

A clássica dualidade das ações visando à concretização de um direito material

lesado foi motivo de inúmeros reclamos da doutrina, haja vista que o excesso de formalismos

desnecessários conduzia a uma demora na prestação jurisdicional que não raras vezes se

traduzia em inefetividade da prestação jurisdicional e lesão ao próprio direito em razão dos

efeitos deletérios do tempo.

Soma-se a isso a frustração do jurisdicionado, posto que apesar de vitorioso no

processo de conhecimento, após diversas audiências, práticas de inúmeros atos processuais e

infindáveis recursos se arrastando ao longo de anos, surpreendiam-se com a notícia de que

para ver seu direito satisfeito, obtendo o bem da vida pretendido, teria que ajuizar uma nova

ação, com nova procuração, nova citação e, ainda, a possibilidade de defesa por meio de

embargos, outro processo incidente com suspensão do processo executivo principal620

.

No que concerne à execução propriamente dita, o legislador brasileiro,

acolhendo o clamor da doutrina, promoveu profundas reformas em prol da máxima

619 Importa registrar a percepção de Araken de Assis sobre as causas da crise da execução, que segundo ele, apresenta origens

ideológica e econômica: “Em primeiro lugar, a sociedade de massas exacerbou o crédito, aliviando, ao mesmo tempo, a

antiga mácula que pesava sobre os devedores. Hoje em dia é bom dever e os credores sequer esperam a solução total da

dívida. Depois, a pessoa do obrigado se beneficiou deste novo papel nas atividades econômicas, através de um imenso

catálogo de liberdades públicas, a exemplo da proibição da prisão por dívidas (art.5º, LXVII, da CF/88) e do devido processo,

sem a observância do qual ninguém será privado de seus bens (art.5º, LIV, da CF/88). Finalmente, a esfera patrimonial dos

indivíduos se desvaneceu, adquirindo escassa transparência: os bens de raiz deram lugar a depósitos anônimos em paraísos

fiscais. Compreendem-se, nesta situação, as causas da grave crise presente da função executiva, que reformas cosméticas,

limitadas a aperfeiçoamentos da verba legislativa, em nada mitigam”. (Teoria geral do processo de execução. In: (Coord.)

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.19). 620 Conforme pondera Araken de Assis, “tudo isso, porém, não desmerece a singular relevância do processo executivo. Ele se

destina à realização dos direitos e, neste sentido, constitui a forma mais expressiva, na perspectiva do jurisdicionado, de tutela

jurisdicional. Na sociedade de massas, com efeito, interessa, sobretudo, a efetividade dos direitos subjetivos, atingida pela sua

satisfação específica, e importa menos a sua simples e solene declaração, ainda que objeto de procedimento judicial, exceto

se ela própria acarreta tal satisfação”. (Teoria geral do processo de execução. In: (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.

Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.19).

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efetividade da tutela executiva. Estas alterações legislativas se iniciaram na última década do

século passado e tiveram seu ápice nos primeiros anos deste século, conforme abordado no

capítulo anterior.

Verifica-se que as alterações promovidas no procedimento executivo nas ações

individuais tiveram por objetivo trazer efetividade à prestação jurisdicional, reduzindo

formalidades indesejáveis e promovendo alternativas para conferir a concreta realização do

direito no mundo empírico. Passou-se a considerar execução as providências jurisdicionais,

tais como os meios de coerção, com ou sem caráter pecuniário, para impelir o devedor a

cumprir a obrigação, de tal forma a considerar mais vantajoso o adimplemento do que se

submeter à coação decorrente da imposição da medida judicial621

.

A ação coletiva para a tutela de direitos transindividuais é basicamente regida

pelo conjunto formado pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do

Consumidor, sem descurar do rol da legislação que compõem o microssistema processual

coletivo. No que concerne à tutela executiva propriamente dita, estes diplomas não possuem

um regramento procedimental específico. O CDC dispõe de um tímido tratamento sobre

execução dos direitos individuais e homogêneos nos seus arts.95 a 100 e a LACP trata dos

direitos difusos e coletivos nos arts.13 a 15, o que não é satisfatório para a tutela executiva

dos direitos transindividuais.

Considerando, portanto, a insuficiência dos referidos diplomas, socorre-se

ainda que subsidiariamente das regras do Código de Processo Civil, para complementar

eventuais lacunas do microssistema processual coletivo622

.

Reitera-se a assertiva de que os direitos transindividuais não podem ser

tutelados pelas normas concebidas com base na concepção individualista do CPC, razão pela

qual suas regras devem ser aplicadas de forma subsidiária, limitada e quando não contrariar os

princípios e a natureza do direito material coletivo. Uma das razões diz respeito à

indivisibilidade do objeto da execução, cuja titularidade cabe simultaneamente a todos e a

cada um, reclamando um tratamento diferenciado.

Observadas as profundas alterações promovidas no Código de Processo Civil,

especificamente na seara executiva, considera-se que a efetivação, a concretização e a

realização do direito são os objetivos principais das referidas modificações. Além disso,

paralelamente, outras normas surgiram para regular e proteger direitos antes ignorados ou

621 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: RT, 1998, p.10. 622 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. (Lei nº8.078/1990). Art.90.

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relegados a um segundo plano, como por exemplo, o direito à preservação do meio ambiente,

à proteção ao consumidor como parte frágil da relação e ao patrimônio histórico.

Ocorre que, se de um lado, a proteção substancial dos direitos

transidindividuais se destacou, produzindo reflexos na tutela jurisdicional cognitiva, por

outro, o processo executivo coletivo não se beneficiou das mesmas conquistas e avanços. Esse

fator conduz a uma certa frustração por parte dos jurisdicionados na medida em que opera

uma desmotivação generalizada na sociedade, além do próprio descrédito na justiça. Com

efeito, o ajuizamento de uma ação civil pública acende os refletores sobre determinada

situação que incomoda o organismo social. Durante algum tempo, uma parcela da sociedade –

os legitimados de fato para a busca da tutela jurisdicional –, reagem de maneira positiva na

medida em que há esperança de que a lesão ou ameaça de lesão ao bem cesse ou de que seja

restabelecida a situação anterior. Inadvertidamente, os diversos empecilhos, de ordem

procedimental, mormente a inexistência de mecanismos normativos adequados, emperram o

andamento do processo, geralmente na fase executiva.

Colocadas estas premissas, e enquanto não houver uma regulamentação

adequada ao processo executivo coletivo e à natureza dos direitos por ela tutelada, cremos que

é preciso uma revisitação ao sistema processual vigente, promovendo uma verdadeira

adaptação das regras procedimentais, adequando os procedimentos e utilizando os

mecanismos executivos existentes ao direito material. Trata-se de um exercício de

interpretação de forma criativa e responsável por parte dos operadores do direito,

especialmente das partes e do juiz no caso concreto.

4.2 Formação do procedimento executivo

A tutela jurisdicional individual ou coletiva enseja diferentes procedimentos a

depender da espécie de direito tutelado e da espécie de tutela pretendida. Assim, o exercício

do direito de ação, ou seja, a faculdade de pedir ao Estado-juiz a prestação jurisdicional pode

ser no sentido de evitar que a lesão se concretize (inibitória), que se perpetue (reintegratória)

ou se já concretizada a lesão, reparar a lesão sofrida (repristinatória ou reparatória), a

depender da possibilidade de retornar o status quo ante ou não, quando será requerida uma

indenização.

Assim, o titular de um direito material em vias de lesão ou cuja lesão já se

efetivou poderá fazer valer seu direito ajuizando a) uma ação cognitiva, objetivando que o

órgão jurisdicional declare que aquele direito realmente lhe pertence e que sofreu lesão ou

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ameaça pelo réu em virtude de ação ou omissão por ele praticado, causando-lhe prejuízo e

demonstrando sua extensão; b) uma fase de liquidação, no caso dessa declaração formulada

numa sentença condenatória, em razão da natureza genérica623

depender de especificação de

seus elementos promovendo a completa integração da sentença; c) uma fase executiva,

quando o comando da sentença não for voluntariamente cumprido pelo réu, visando à

efetivação completa da tutela deduzida em juízo.

O procedimento executivo da sentença coletiva depende da natureza do direito

lato sensu nela reconhecido (conforme seja direito difuso, coletivo em sentido estrito ou

individual homogêneo). Outrossim, o procedimento sofre nuances a depender da espécie de

tutela pretendida, seja inibitória, reintegratória ou ressarcitória envolvendo as obrigações de

fazer, de não fazer ou de pagar quantia.

Algumas situações podem refletir diretamente no procedimento adequado à

execução de sentença coletiva. É possível, por exemplo, um indivíduo executar sentença

prolatada em processo cujo objeto é direito difuso ou coletivo, beneficiando-se da extensão in

utilibus da coisa julgada coletiva. Há ainda, a possibilidade de concurso de créditos

decorrentes de sentenças coletivas, compreendendo tanto créditos coletivos quanto individuais

relativos ao mesmo evento danoso, conforme dispõe o art.99 do CDC.

Para cada espécie de direito reconhecido na sentença, bem como categoria de

tutela requerida, cuja obrigação nela determinada não tenha sido adimplida espontaneamente,

reclama-se um procedimento executivo adequado de maneira tal a promover a efetivação das

decisões judiciais e, por consequência, a concretização do direito. Neste sentido, ensinam

Fredie Didier Jr., Leonardo José Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

Analisando-se a tutela jurisdicional enquanto procedimento, sabe-se que a

construção do procedimento deve ser feita tendo-se em vista a natureza e as

idiossincrasias da situação material a que servirá. É o que estabelece o princípio da

adequação. Um procedimento inadequado ao direito material pode importar

verdadeira negação da tutela jurisdicional. A tutela jurisdicional há de ser adequada;

o procedimento é uma das facetas desse fenômeno624

.

Para o manejo da tutela jurisdicional executiva, a lei outorga ao Estado,

legitimidade para aplicar a sanção em decorrência de descumprimento de prestação devida,

podendo, inclusive invadir o patrimônio do devedor, independentemente da sua vontade.

Trata-se do poder executivo conferido ao Estado-juiz. Para o exercício deste poder, além de

623 A sentença poderá ser genérica excepcionalmente nos casos previstos em lei, conforme permissivo do art.286 do CPC e

art.95 do CDC. 624 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil. Execução. v.5.2.ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p.405.

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pressupostos genéricos aplicáveis a todos os tipos de processo, impõe-se ao processo de

execução a presença de determinados requisitos especiais que têm o condão de limitar a

prestação jurisdicional em cada caso concreto, evitando o desperdício de atividades

desnecessárias e o abuso de poder.

A influência de Liebman no CPC em vigor é bastante acentuada,

principalmente no que se refere à execução forçada. Liebman entende que a execução implica

consequências muito graves ao patrimônio do executado, bem como à pretensa

intangibilidade da liberdade humana, motivos pelos quais ela se subordina a rigorosas

condições de admissibilidade. Para que se instaure o processo executivo, faz-se então

necessária a presença cumulativa de dois requisitos básicos e indispensáveis de pressupostos

prático e jurídico, respectivamente: o inadimplemento (CPC, art.580)625

e a existência de um

título626

.

Verifica-se, portanto, que para iniciar e prosseguir a execução, em primeiro

plano, deverá ter ocorrido violação da norma material, fato desencadeador da sanção, qual

seja, o inadimplemento voluntário da obrigação. Este, por sua vez, é representado por

obrigação contida num título executivo, previsto em abstrato, na norma. Além do quesito

idoneidade, o título deve possuir as seguintes características especificadas pela lei: a certeza, a

liquidez e a exigibilidade, sem as quais tornará a execução juridicamente impossível.

Diz-se que um título é líquido quando é perfeitamente individualizada e

caracterizada a prestação que ele tem por conteúdo, seja quantidade (dinheiro), qualidade

(coisas diversas do dinheiro), natureza e espécie (prestação de fato); a certeza do título liga-se

à sua existência em si mesmo (o próprio documento caracterizado na forma da lei) e não do

crédito; tem-se por exigível um título quando a obrigação nele contida está vencida e não está

sujeita a nenhum impedimento (condição suspensiva, termo inicial, falta de vencimento, etc.).

Com efeito, a falta de liquidez da decisão judicial enseja sua liquidação para

que defina de modo completo a norma jurídica individualizada, tornando-se apta a

fundamentar uma ação executiva. Com o objetivo de estabelecer uma sequência lógica dos

625

O art.785 do CPC aprovado pelo Senado e levado à sanção em 17/12/2014 segue a mesma diretriz quanto aos requisitos

autorizadores da execução: “Art.785. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida

e exigível consubstanciada em título executivo”. 626 O título executivo é um documento que representa a prova mínima e suficiente para a instauração do procedimento

executivo. Atualmente, o princípio da nulla executio sine titulo não compreende o título como exigência de certeza jurídica,

mas um instrumento que represente um ato jurídico a que a lei atribua eficácia executiva, podendo ser judicial ou

extrajudicial. A legislação brasileira prevê procedimentos executivos com base em decisões judiciais fundadas em cognição

sumária (desprovidas de certeza jurídica, passível de reforma), como nos casos de execução da tutela antecipada e da

execução provisória ou outros fatos aos quais a norma jurídica atribua eficácia executiva.

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temas estudados, antes de aprofundar os procedimentos executivos, tratar-se-á da liquidação

de sentença coletiva.

Vale esclarecer que será empregada a expressão “sentença” em sentido amplo

– referindo-se a todo pronunciamento judicial com conteúdo decisório627

, passível de

execução – para discorrer sobre liquidação (de sentença) e sobre execução (de sentença).

4.3 Liquidação da sentença coletiva

A sentença condenatória proferida em ação coletiva pode ser genérica, em

decorrência do pedido da mesma natureza. A propósito, Araken de Assis afirma que “a

iliquidez da condenação resulta de uma particularidade do pedido no processo de

conhecimento que, de regra certo e determinado (art.286, caput, primeira parte, do CDC), em

casos excepcionais se permite ao autor formular de forma genérica”628

. Vale ressalvar que a

permissão ao pedido genérico nas ações coletivas é uma exceção, ou seja, está fora das

hipóteses elencadas no art.286, do CPC.

A sentença genérica configura um título ilíquido, dependendo de adequada

liquidação. Assim, a liquidação de sentença é um procedimento judicial de natureza cognitiva

com a finalidade de integrar a decisão liquidanda, cujos elementos dependem de

especificação. Destarte, o objetivo da liquidação de sentença é justamente o de promover a

completa integração do título executivo, delimitando o objeto da condenação, fixando o valor,

a quantidade ou a espécie da obrigação nela estampada.

Conforme referido anteriormente, qualquer ato de execução forçada depende

de um título executivo (representação documental de norma jurídica concreta, contendo

obrigação líquida certa e exigível, ou seja, perfeitamente individualizada, de entregar coisa

certa, de fazer ou de não fazer, ou de pagar quantia em dinheiro, entre sujeitos determinados)

eficaz para a viabilização da tutela jurisdicional executiva.

Referidas normas jurídicas concretas podem ter origem extrajudicial ou

judicial. Assim, qualquer decisão judicial de natureza condenatória, quando ilíquida ou

genérica deve sujeitar-se à liquidação, procedimento cognitivo e preparatório para a execução.

627 O art.475-A do CPC ao referir à “sentença” inclui a sentença civil, mesmo sem trânsito em julgado, a sentença

homologatória de conciliação ou transação, a decisão interlocutória que antecipa o provimento condenatório (arts.273, 461,

CPC e 84 do CDC), que fixa multa diária (art.461, §5º, CPC; art. 84, §4º, CDC), que converte a obrigação de fazer ou entrega

de coisa em perdas e danos (arts.461, §1º e 627 do CPC) e a sentença penal condenatória transitada em julgado. 628 Araken de Assis exemplifica as circunstâncias que fundamentam as exceções discriminadas pelo legislador no art.286,

CDC: “é possível que as consequências do ato ilícito sejam de difícil ou improvável determinação, porque ainda fluentes à

época do ajuizamento da ação reparatória. Adequado, pois, o autor postergar a questão para depois da sentença, quando

presumivelmente, o ilícito tiver cessado”. (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 16.ed. São Paulo: RT, 2013, p.332).

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Vale esclarecer que qualquer decisão judicial condenatória ilíquida sujeita-se à liquidação,

seja sentença, transitada ou não em julgado, homologatória de conciliação ou de transação, ou

sentença penal condenatória com efeito anexo extrapenal.

Assim é que no termo “sentença” no contexto do art.475-A do CPC incluem-se

o amplo catálogo de títulos judiciais do art.475-N e ainda as decisões interlocutórias que

antecipa a tutela (art.273 e 461, CPC; art.84 do CDC), que condena em razão de dolo

processual (art.18, §2º, CPC), que converte as obrigações de fazer, de não fazer e de entrega

de coisa em perdas e danos (art.461, §1º e 627 do CPC).

Quanto aos títulos executivos extrajudiciais629

, em regra, devem ser

necessariamente líquidos para ter eficácia executiva, conforme preceitua o art.618, I do CPC.

Todavia, há casos em que os títulos executivos extrajudiciais comportam liquidação, como

aqueles que estampam obrigação de entregar coisa certa ou de fazer, sendo o bem destruído

ou o devedor descumprir a obrigação, conforme ilustra Sérgio Shimura630

.

A propósito dos títulos extrajudiciais, o compromisso de ajustamento de

conduta quando descumprido enseja a execução, prescindindo em regra de que estampe em

seu bojo obrigação líquida e certa. Entretanto, segundo ensina Patricia Miranda Pizzol, “não

sendo possível a execução específica, será imprescindível a liquidação, a qual poderá se

realizar sob a modalidade de artigos ou de arbitramento, conforme o caso”631

.

Com efeito, em todos os casos em que for necessária a integração da

sentença para possibilitar o efetivo cumprimento ou mesmo sua execução, o procedimento

adequado, conforme já dito, será a liquidação da sentença, cujo objetivo é lapidarmente

explanado por Luiz Rodrigues Wambier:

A liquidação de sentença está diretamente ligada, então, com a excepcionalíssima

possibilidade (admitida pelo sistema) de existirem sentenças ilíquidas, isto é, em que

não tenha sido possível ao Juiz determinar o valor da condenação ou individuar o

objeto da obrigação, e tem como objetivo justamente eliminar a generalidade

presente na condenação, de molde a tornar exequível a obrigação constituída pela

sentença que condenou o réu632

.

Consoante o ensino de Sérgio Shimura633

, a regra é que o pedido constante na

petição inicial seja preciso e claro, certo e determinado (art.286, CPC), definido na qualidade

e quantidade, tanto em ações individuais quanto coletivas, a fim de determinar os limites da

629 O objeto principal desse trabalho é a execução de sentença coletiva, razão pela qual a pesquisa é direcionada para a

liquidação de sentença e não de todos os títulos executivos, a exemplo dos títulos extrajudiciais. 630 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.150-151. 631 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.211. 632 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.75. 633 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.147.

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futura sentença (art.126 e 460, CPC). Entretanto, é lícito o pedido genérico, nas situações

excepcionais previstas em lei, conforme dispõem os parágrafos do art.286 do CPC634

.

Observa-se que a excepcionalidade prevista na lei leva em consideração a espécie de direito

tutelado e as consequências do ato ilícito praticado.

Neste raciocínio, com relação aos direitos transindividuais, os requisitos da

certeza e da determinação do objeto devem sair do campo da idealização e passar a ser regra

também, restringindo os pedidos genéricos nas situações de extrema excepcionalidade e

impossibilidade de especificação, como nas ações envolvendo os direitos individuais

homogêneos (embora o ato lesivo seja o mesmo, este resulta em danos indenizáveis em

proporções distintas para as várias e possíveis vítimas, devendo promover, necessariamente, a

liquidação)635

.

No que diz respeito aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito,

inadvertidamente, a legislação específica é silente acerca desse tema, qual seja a necessidade

de apresentar pedido certo e determinado na petição inicial, propiciando uma sentença da

mesma natureza. A despeito da interação entre os dois diplomas aplicáveis atualmente nas

ações coletivas (conforme arts. 21 do LACP e 90 do CDC), é preciso observar que as regras

se comunicam “no que for cabível” e “naquilo que não contrariar suas condições”. Com

efeito, a regra da sentença genérica aplicável aos direitos individuais homogêneos não se

aplica, integralmente, aos direitos transindividuais, especialmente os difusos. Os pedidos não

especificados e as sentenças genéricas são incompatíveis com os direitos transindividuais

devendo ser reduzidas às situações excepcionais636

.

Neste empenho, é possível verificar que existe fundamento no conjunto

principiológico processual coletivo para o juiz inclusive determinar a emenda à inicial para a

especificação do pedido, quando verificar desde logo esta possibilidade, com base nos

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, flexibilidade procedimental e máxima

eficácia da tutela coletiva, celeridade e economia processual – na medida em que eliminará a 634 Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “no sistema do CPC é vedado deduzir-se pedido genérico. As

exceções estão enumeradas nos incisos da norma comentada. No sistema do CDC, nas ações coletivas para defesa de direitos

individuais homogêneos (CDC 81 par. ún. III), o pedido genérico é a regra (CDC 95)”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa

Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.670). 635 Para Teori Albino Zavascki, “entre as hipóteses de sentença genérica prevista em nosso ordenamento está a que julga a

ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos (Lei nº8.078, de 11.09.1990, art.95). Nela, como se viu, a

cognição é limitada ao núcleo de homogeneidade dos direitos subjetivos postos na demanda. Não há, ali, a determinação do

valor da prestação devida nem a identificação dos sujeitos ativos da relação de direito material, o que deixa em alto grau de

indefinição a norma jurídica concreta”. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela

coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.181). 636 Patricia Miranda Pizzol, sobre a interação entre CDC e LACP, argumenta ter surgido um microssistema único, destinado à

tutela de todos os direitos coletivos, em que se sustenta a existência da denominada ‘jurisdição civil coletiva’. “Não podemos

nos esquecer, contudo, de que essas normas devem ser interpretadas segundo o princípio da especialidade, ou seja, a lei

especial prevalece sobre a geral”. (PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998,

p.144).

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fase de liquidação de sentença e cooperação das partes para o bom desempenho do processo,

sem descurar do princípio geral do acesso à justiça.

Com base nestes mesmos princípios, o juiz poderá ainda proferir sentença certa

e determinada a despeito de constar pedido genérico na peça inaugural, (sem que isso ofenda

ao princípio da congruência) quando desde logo ou no decorrer do processo, verificar que

existem elementos disponíveis para determinar o objeto da condenação637

, ou pelo menos

fixar os critérios para estabelecer o valor (índice de correção, termo inicial dos juros

moratórios, cotação do bem etc.). Nestas situações, não se pode alegar que a decisão padece

de vício, eis que julgada ultra petita, considerando que os direitos transindividuais são

indisponíveis permitindo ser conhecidas de ofício, não se submetendo ao princípio da

congruência638

.

Por outras palavras, o que se defende é que nas demandas em que se tutelam os

direitos transindividuais os procedimentos sejam enxutos, flexíveis, céleres, potencialmente

eficazes, razoáveis sem descurar da segurança jurídica e dos demais princípios provenientes

do devido processo legal, com vistas a promover uma efetiva tutela jurisdicional coletiva, bem

como efetiva tutela dos direitos639

. O ideal é, sempre que possível, prolatar uma sentença

líquida, fazendo constar todos os elementos necessários para execução (em caso de haver

descumprimento deliberado da decisão judicial), sendo excepcional a necessidade de

liquidação da sentença que verse sobre direitos transindividuais640

.

637 Neste sentido, explica Ada Pellegrini Grinover que “se o juiz tiver elementos para quantificar a indenização na sentença,

poderá fazê-lo (ainda que o pedido seja ilíquido), não havendo nessa técnica julgamento ‘ultra petita’”. (GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2.

Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.152). 638 Conforme comentários 2 e 3 ao art.128 do CPC. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de

processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.472). 639 A assertiva é válida também para a tutela jurisdicional dos direitos individuais de tal forma a promover a mais ampla

efetividade do direito material. Entretanto, justifica-se a ênfase dada à efetividade da tutela jurisdicional coletiva em razão

dos interesses e direitos relevantes para a coletividade, não raro de nível constitucional que são por ela tutelados. Neste

sentido, Sérgio Cruz Arenhart aponta os exemplos que bem esclarecem esta afirmação: “De fato, qualquer litígio coletivo

envolverá um interesse relevante (normalmente de nível constitucional) reclamado pelo autor, em detrimento de outro

interesse também relevante (e também de hierarquia constitucional) invocado como defesa pelo réu. Com efeito, a proteção

do meio ambiente dificilmente se fará a não ser com restrição ao direito ao desenvolvimento regional supostamente protegida

pelo réu; a proteção da saúde pública, não raro, implicará a lesão ao patrimônio público (ou particular, quando este for réu na

demanda); a tutela do consumidor, comumente, esbarrará na alegação de violação à liberdade de empresa”. (Ações coletivas

e o controle das políticas públicas pelo Judiciário. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias (Coords.). Processo

coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.506). 640 Edilson Vitorelli Diniz Lima entende de modo diverso. Consoante seu entendimento, ainda que seja perfeitamente

possível a produção de provas atinentes à fixação do valor dos danos em fase de conhecimento, tal produção é mais complexa

e demorada que a produção de provas relativas tão somente à existência e responsabilidade pelos mesmos. Portanto,

analisando o custo-benefício, é melhor agilizar a tramitação do processo cognitivo, deixando a fixação do quantum debeatur

para posterior liquidação. (LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação

do dano coletivo no direito brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Direito.

Minas Gerais, 2011, p.103-104).

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220

Uma das razões para defender o empenho em prolatar sentenças coletivas

líquidas é que o procedimento da liquidação de sentença apresenta “várias e multifacetadas

dificuldades”, conforme palavras de Luiz Rodrigues Wambier641

:

Em sede de processo coletivo, o tema da liquidação se defronta desde logo, com

questões extremamente complexas, derivadas da complexidade intrínseca à própria

formulação dogmática do processo voltado ao atendimento das pretensões da

sociedade de massas, em que o titular da ação nem sempre é o beneficiário do

eventual resultado positivo obtido por meio do processo642

.

Uma interpretação razoável do sistema processual coletivo demonstra que nas

ações fundadas em direitos transindividuais, pela própria natureza destes direitos, em regra, a

condenação será de obrigação de fazer ou não fazer, requerendo tutelas específicas, em sua

maioria inibitória, devendo o pedido ser certo e determinado e seguido de sentença da mesma

natureza643

. Salvo a possibilidade da exequibilidade, multa coercitiva, ou da conversão em

perdas e danos, tais sentenças não reclamam liquidação. Ainda assim, dispensar-se-á também

a liquidação se depender apenas de cálculo aritmético, competindo ao exequente instruir o

pedido executivo com a memória discriminada do cálculo, nos termos do art.475-B do CPC.

Além disso, como ressalva Patricia Miranda Pizzol644

, caso a ação vise a

condenação ao pagamento de quantia certa, podendo o autor fornecer (deve fazê-lo) na

petição inicial os elementos necessários à fixação do quantum, o juiz prolatará sentença

líquida, dispensando a liquidação da obrigação, possibilitando a execução da sentença desde

logo. Também neste sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL.

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVL PÚBLICA. 1.

Havendo a sentença colhido todos os pedidos formulados em ação civil pública, na

qual foram discriminados os valores a serem ressarcidos, cujo montante corrigido

pode ser obtido por mero cálculo aritmético, não há falar em necessidade de

liquidação por arbitramento nem tampouco em ofensa à coisa julgada, pois o

acórdão recorrido, confirmando a decisão do juízo da execução, não modificou

comando contido na sentença transitada em julgado, apenas redirecionou o

procedimento executivo para a técnica adequada. 2.Agravo de instrumento a que se

nega provimento. (STJ, AgReg no AgIn 635717, Rel.Min. Denise Arruda, DJ

20.06.2005, p.142).

641 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.201. 642 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.202. 643 Nada impede liquidar a sentença em que a obrigação seja diferente de pagamento de quantia. É possível a liquidação para

determinar qualidade e gênero de coisa a ser entregue ou prestação de fazer, individualizando ou especificando a obrigação.

No entanto, em atenção ao princípio da economia processual e da máxima eficiência da tutela jurisdicional, é razoável e

recomendável que, nestas espécies de obrigações, o pedido seja certo e determinado, acompanhado de sentença da mesma

natureza, especialmente quando diz respeito aos direitos transindividuais. 644 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.183.

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Ainda nesta linha de raciocínio, segundo Luiz Rodrigues Wambier e Teresa

Arruda Alvim Wambier, nada impede que seja proferida uma sentença líquida nas ações que

tutelam direitos individuais homogêneos, a despeito da redação do art.95 do CDC, em que

determina que será genérica a sentença de procedência, o que implicaria, necessariamente, sua

liquidação.

Sérgio Cruz Arenhart afirma que a estrutura bifásica (condenação genérica

seguida de execução individual) não é necessariamente respeitada em todo caso de tutela

coletiva de interesses individuais:

Pode haver – e há, de fato – casos em que as situações individuais são tão

semelhantes que a mesma extensão da culpa e do dano podem ser aplicadas. Isso

fará com que, embora personalizados, os prejuízos individuais possam ser resolvidos

de pronto, coletivamente. Assim, uma única avaliação da culpa e do montante do

dano devido a cada indivíduo pode ser realizada, dispensando-se a fase de liquidação

individual645

.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes646

em comentário ao art.95 do CDC,

critica a interpretação de que seja sempre genérica a sentença proferida em ações coletivas,

pois confere uma tratamento prevalentemente individualista para os direitos individuais

homogêneos, “supondo sempre a impossibilidade de resolução coletiva e julgamento

exauriente no processo coletivo de conhecimento”. Embora reconheça que há casos em que se

justifica a prolação de sentença genérica, “nem sempre haverá a ausência de determinação dos

beneficiários da sentença e liquidez da condenação”647

.

Outro exemplo possível de sentença líquida reconhecendo direitos individuais

homogêneos é aquele em que se condena determinada empresa ao pagamento de

determinado valor a título de vale alimentação aos funcionários a partir de

determinada data retroativa, apontado o número de dias. Invertido o ônus da prova, a

empresa deve apresentar a relação dos funcionários (ação ajuizada pelo sindicato de

classe).

645 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.303. 646 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes afirma que a sentença genérica, em muitos casos é considerada uma solução

conveniente, mas não satisfatória, porque a efetivação do ressarcimento dos danos dependerá de determinação dos sujeitos e

respectivos danos. (Sentença, liquidação e execução nos processos coletivos para a tutela dos direitos individuais

homogêneos. In: SANTOS, Ernani Fidélis e outros (Coords.). Execução civil: estudos em homenagem ao Professor

Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.301). 647 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes arrola alguns exemplos de possibilidade de sentença coletiva líquida: nos casos de

sentenças declaratórias e constitutivas, que pela sua própria natureza dispensam liquidação e execução, como no caso de

declaração de inexigibilidade de tributos a serem recolhidos por contribuintes de determinado imposto ou a anulação de

cláusula contratual em relação de consumo, na qual os beneficiários já estejam desde logo definidos; ainda as sentenças

condenatórias de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, na qual o objeto da obrigação já esteja determinado, a

exemplo de uma empregadora ou ente público efetue o crédito, em folha de pagamento, de determinada vantagem, como

adicional a incidir percentualmente sobre o salário. (Sentença, liquidação e execução nos processos coletivos para a tutela

dos direitos individuais homogêneos. In: SANTOS, Ernani Fidélis e outros (Coords.). Execução civil: estudos em

homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.301).

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222

Antonio Gidi, em estudo comparativo entre o direito coletivo brasileiro e o

sistema americano da class actions, afirma que nestas ações não impera o caráter bipartido em

que a responsabilidade civil é decidida em uma demanda coletiva e a fixação do valor

individual é decidida em demandas individuais. Naquele sistema, o valor destinado aos

membros do grupo é previamente fixado no próprio processo coletivo ou estabelecida uma

fórmula para sua determinação. A par desta realidade, Antonio Gidi entende que o dispositivo

do art.95 do CDC não é imperativo, mas uma norma meramente permissiva, autorizando o

juiz, quando necessário, prolatar sentença coletiva ilíquida. Assim, segundo o autor, “o juiz

brasileiro não está obrigado a emitir sentença ilíquida no caso de demandas coletivas em

tutela de direitos individuais homogêneos”648

.

Não há óbice, portanto, que na sentença de procedência, para os direitos

individuais homogêneos, estejam definidos os valores dos entes individualmente

considerados649

. Logicamente que, em tais casos, se depender apenas de um cálculo

aritmético, prescindirá da liquidação, procedendo desde logo a execução na forma do art.475-

B do CPC.

A propósito, o art.25 do Código Modelo de Antonio Gidi (CM-Gidi) traz o

seguinte dispositivo:

25. Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual devida a

cada membro do grupo na própria ação coletiva e a execução da sentença coletiva

será feita na forma coletiva.

25.1 Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for

uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula

matemática, sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da

indenização individual.

25.2 O membro do grupo que considerar que o valor da sua indenização individual

ou a fórmula para seu cálculo é diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá

propor ação individual de liquidação.

25.3 Se o juiz da ação coletiva não puder calcular o valor dos danos individualmente

sofridos pelos membros do grupo, a condenação coletiva será genérica, fixando a

responsabilidade civil do réu pelos danos causados e o dever de indenizar, deferindo

a liquidação dos danos individuais a processo individual promovido por cada

membro do grupo. [...]650

648 GIDI, Antonio Rumo a um código de processo civil coletivo. A codificação das ações coletivas no Brasil. Rio de

Janeiro: GZ, 2008, p.158-159. 649 Os autores, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier apresentam um exemplo plausível de sentença

líquida reconhecendo direitos individuais homogêneos, em que se condena “o Instituto de Previdência a pagar, a cada um dos

aposentados, uma quantia específica, atualizada a partir de determinada data”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.273). 650 O Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América traz dispositivo semelhante em seu art.32 e

respectivos incisos.

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223

Conforme alinhavado anteriormente, a sentença coletiva não precisa se

restringir ao pedido genérico do autor, podendo prolatar sentença líquida e prontamente

exigível, caso haja elementos nos autos que possibilite determinar o objeto da condenação651

.

Entretanto, ante o permissivo legal do art.95, do CDC, prolatando o juiz a

sentença genérica em ação coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos, a liquidação

de sentença será inevitável.

Objetiva a liquidação de sentença coletiva não apenas determinar o quid

debeatur (o que é devido), ou seja, individualizar com precisão o objeto da prestação, sua

natureza e o quantum debeatur (o quanto), ou seja, o valor da dívida, se a obrigação for

pecuniária, mas também o cui debeatur (a quem deve), ou seja, a titularidade do crédito. A

peculiaridade das liquidações de sentença coletiva é definir a titularidade do crédito (quando

se tutelam direitos individuais homogêneos), diferentemente das liquidações de sentença nas

ações individuais, visto que nestas inexiste iliquidez subjetiva.

Assim, nas ações coletivas em que se discutem direitos individuais

homogêneos, caberá aos liquidantes individuais652

demonstrarem cabalmente, em cognição

exauriente, a titularidade, o dano sofrido e o nexo de causalidade, quando na fase de

conhecimento não foi possível definir o(s) titular(es) do crédito, tampouco a lesão particular

de cada um dos interessados, limitando-se a declarar a responsabilidade do réu pelos danos

causados, condenando-o à obrigação de indenizar. Trata-se de uma decorrência natural da

sentença genérica coletiva ser subjetivamente genérica653

.

4.3.1 A legitimidade para liquidação e execução da sentença coletiva

A iliquidez subjetiva da sentença genérica proferida em ações em que se

tutelam direitos individuais homogêneos está intimamente ligada à legitimidade ativa para a

liquidação e execução de sentença. Portanto, é preciso estabelecer uma interpretação conjunta

dos arts.82, 91 e 97 do CDC, que dispõe sobre a legitimidade ativa para propor ações em 651GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.152. 652 Marcelo Abelha Rodrigues entende que não há tutela coletiva nas liquidações de sentenças condenatórias genéricas do

art.95 do CDC, porque “ao fim da liquidação (sendo esta procedente) haverá uma norma jurídica concreta individual,

referente ao prejuízo sofrido pela vítima, em razão do evento danoso”. (Ponderações sobre a Fuid Recovery do art.100 do

CDC. In: (Coords). MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.461). 653 Conforme esclarece Ada Pellegrini Grinover, “logo se vê que o fato de a condenação ser genérica não significa que a

sentença não seja certa ou precisa; a certeza é condição essencial do julgamento, devendo o comando da sentença estabelecer

claramente os direitos e obrigações, de modo que seja possível executá-la. Essa certeza é respeitada, na medida em que a

sentença condenatória estabelece a obrigação de indenizar pelos danos causados, ficando os destinatários e a extensão da

reparação a serem apurados em liquidação da sentença. A sentença genérica do art.95 e, portanto, certa e ilíquida.

(GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.152).

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224

defesa dos direitos transindividuais. Destarte, o art.82654

relaciona os legitimados

concorrentes, que poderão agir disjuntivamente; o art.91655

autoriza expressamente a

substituição processual dos titulares do direito material pelos legitimados legalmente

autorizados e, por fim, o art.97656

dispõe sobre a legitimação para promover a liquidação e a

execução da sentença. Esta interpretação conjunta deve levar em consideração a doutrina, a

jurisprudência e os princípios processuais da tutela coletiva.

Além disso, levam-se em conta as peculiaridades dos direitos tutelados, sejam

transindividuais ou individuais homogêneos. Destarte, se a liquidação versar sobre direitos

difusos ou coletivos em sentido estrito, a legitimação terá natureza diversa daquela que versa

sobre direitos individuais homogêneos.

Conforme tratado no capítulo 2, nas ações coletivas, a titularidade do direito

material não coincide com a titularidade processual para propor a ação coletiva pelos danos

sofridos, especialmente na fase cognitiva. Com relação à liquidação e à execução de sentença,

a lei possibilita a coincidência entre os titulares do direito material e da relação processual,

especialmente na tutela dos direitos individuais homogêneos.

Consoante dispõe o art.97 do CDC, para requerer tanto a liquidação quanto a

execução da sentença são legitimadas as vítimas ou seus sucessores e os demais legitimados

relacionados no art.82 do mesmo diploma. Sobre esta alternância de legitimação numa mesma

ação, é esclarecedora a explicação de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim

Wambier:

É interessante observar que a legitimidade prevista no art.82 do CDC serve, num

primeiro momento, apenas exclusivamente para propositura do pedido genérico de

reparação, em razão do que se poderá obter uma sentença genérica em que, como

assevera Arruda Alvim, os danos são definidos de modo uniforme. Com a sentença

condenatória trânsita em julgado, como que desaparece essa legitimação, que

somente estará novamente presente se se der o decurso do prazo de um ano sem a

iniciativa dos interessados657

.

Com efeito, existem controvérsias acerca da legitimação extraordinária – se por

substituição processual ou representação –, das entidades relacionadas no art.82 do CDC

654 Art.82. Para os fins do art.81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público, II – a União,

os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda

que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV –

as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos

interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. 655 Art.91. Os legitimados de que trata o art.82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus

sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos

artigos seguintes. 656 Art.97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos

legitimados de que trata o art.82. 657Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini e outros (Coords.).

Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007, p.274.

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225

promoverem a liquidação ou a execução de sentença condenatória que trata de direitos

individuais homogêneos, no que se refere às indenizações particulares.

Nesta linha de raciocínio, observa-se que na defesa dos direitos individuais

homogêneos, a liquidação pode ser individual ou coletiva, cada qual com procedimentos e

legitimados diversos.

A liquidação individual é promovida pelas vítimas ou seus sucessores, agindo

na qualidade de legitimados ordinários, que habilitarão seus créditos, devendo provar sua

titularidade, o dano e o nexo causal, conforme será visto com mais detalhes em espaço

destinado ao procedimento nas liquidações.

A liquidação coletiva poderá ocorrer em prol dos titulares do direito (vítimas

ou sucessores) ou residual658

, quando, subsidiariamente, após o decurso do prazo legal e se a

quantidade de habilitações for inexpressiva com relação à gravidade do dano (art.100, CDC).

Consoante entendimento de Patricia Miranda Pizzol, “não se trata, na hipótese, de legitimação

concorrente, pois as vítimas têm preferência com relação aos demais legitimados na

propositura das liquidações”659

.

Discute-se sobre a possibilidade de liquidação e execução de sentença relativa

a direitos individuais homogêneos ser promovida pelos legitimados do art.82 do CDC, de

forma coletiva, nos termos do art.98 do CDC. A discussão doutrinária e jurisprudencial

refere-se especificamente nas ações coletivas propostas pelas entidades sindicais em defesa

dos direitos individuais da categoria.

A corrente doutrinária que entende que os sindicatos têm legitimidade

extraordinária ampla para atuar nas fases subsequentes à sentença condenatória proferida na

fase cognitiva está amparada em precedente do Supremo Tribunal Federal. O Tribunal Pleno

do Supremo Tribunal Federal julgou o RE 210.029660

, em interpretação ao art.8º, III da

Constituição Federal, em que estabelece a legitimação extraordinária dos sindicatos para

658 Antônio Herman V. Benjamin diz que a legitimação do Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público ou os

órgãos de defesa do consumidor relacionadas no art.82 do CDC é “subsidiária”, em conformidade com o art.100 do CDC,

“hipótese em que os valores da condenação reverterão em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, ou de seus

equivalentes em nível estadual e/ou municipal”. (In: BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao código de defesa do

consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.437). 659 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.184. 660 EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART.8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE.

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O art.8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos

sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que

representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos

trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos

substituídos. Recurso conhecido e provido. (RE 210.029, Pleno, maioria, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 17.08.2007).

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defenderem em juízo os interesses da categoria em regime de substituição ordinária,

prescindindo de qualquer autorização, inclusive para os procedimentos executórios.

Ancorado nesta decisão do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de

Justiça também pacificou o entendimento neste mesmo sentido, conforme decisão nos

embargos de divergência em REsp. nº760.840/RS julgados em 04/11/2009. A relatora

Ministra Nancy Andrighi fez um irretocável relatório dos diferentes posicionamentos dos

Ministros tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justiça, para ao

final dar provimento aos embargos justificando a decisão nos seguintes termos: “Pacificada a

questão no Supremo Tribunal Federal, é importante que, por um critério de coerência,

respeitando-se o ideal de uniformização da jurisprudência nacional, que o Superior Tribunal

de Justiça pacifique também sua jurisprudência, no mesmo sentido”.

O Ministro Teori Albino Zavascki pediu vistas dos autos acima especificados e

proferiu seu parecer, acompanhando o voto da relatora, com as seguintes ressalvas:

Todavia, é importante ressaltar o seguinte: a circunstância de estar o Sindicato

legitimado a atuar em regime de substituição processual não significa que a

execução possa ser promovida por valor global, de forma impessoal e indivisa, sem

identificação subjetiva e material dos titulares individuais e dos correspondentes

créditos a serem executados. Em outras palavras: a autorização para promover a

execução por regime de substituição processual não dispensa a prévia formação do

título executivo, com as características próprias, notadamente no que se refere à

identificação dos credores e o valor dos respectivos créditos. Realmente, ainda que

se admita que as entidades sindicais possam atuar, na fase executiva, em regime de

substituição processual, não há como evitar que, nessa fase, a execução se dê em

benefício particular do empregado ou do servidor beneficiado. É ele, e não o

sindicato, o titular do direito material, o que acarreta a indispensabilidade de

cognição a respeito da sua respectiva situação jurídica particular. É indispensável,

até para a salvaguarda do direito à devida quitação em favor de quem paga, que seja

identificado o credor a quem o pagamento é feito, bem como a natureza e a

quantidade da prestação quitada. Tal exigência se mostra ainda mais inafastável em

face da possibilidade, admitida expressamente em nosso sistema normativo, de

coexistência de ações coletivas e de ações individuais (e, portanto, também das

respectivas execuções), com o mesmo objeto. Não se pode retirar do executado o

direito de alegar litispendência ou coisa julgada e de opor outras exceções ou

objeções (v.g., pagamento, prescrição, compensação) que possa ter em face de quem

a execução beneficia. Portanto, contraria a natureza das coisas imaginar uma

execução por um valor global, sem identificação dos credores ou sem discriminação

das prestações individualmente devidas.

Conforme bem observado pelo Ministro Teori Albino Zavascki, a Ministra

relatora ao dar provimento aos embargos de divergência em questão, apesar das inúmeras

ressalvas de ordem técnico-processual, pretendeu conferir prestígio à Suprema Corte, haja

vista que a ela é dada a palavra final sobre a orientação e o alcance das normas

constitucionais.

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227

Os Ministros que defendem uma ampla atuação dos sindicatos em substituição

processual nas fases procedimentais executivas basearam-se em argumentos sociais,

afirmando que o texto constitucional não pode ser limitado por lei ordinária, principalmente

por argumentos técnico-processuais.

Por outro lado, aqueles que entendem que os sindicatos são meros

representantes processuais, apresentaram argumentos de índole técnico-processual

impecáveis, como se vê no voto do Ministro Cezar Peluso:

O processo de execução envolve de regra uma complexidade irredutível, decorrente

da individualidade de cada caso. Isto é, não existem dois empregados credores que

se encontrem em situações absolutamente idênticas na execução. Pode ser até

diferença de horas de contratação, por exemplo, mas duvido muito que haja

coincidência absoluta nesses casos. Portanto, na fase de execução, como essa

complexidade é irredutível, é preciso que se examine caso por caso. É impossível

execução coletiva de direitos individuais.

A legislação ordinária deve servir à Constituição e não o contrário. Ocorre,

porém, que não se pode fugir das questões de ordem prática, tampouco deixar de antever os

entraves que uma interpretação inadequada pode causar para o imperativo do acesso à justiça.

A questão que se mostra “impraticável” não é a possibilidade de os Sindicatos agirem em

defesa da categoria na qualidade de substitutos processuais661

, mas da impossibilidade de

coletivização dos direitos individuais lesados de dimensão diversa. Há uma particularidade

em cada crédito dos titulares do direito material.

Nos direitos coletivos dos trabalhadores, não é impossível, ainda que difícil, os

sindicatos promoverem a identificação dos titulares do direito material e cada um de per si

comprovar nexo causal e a extensão do dano, a fim de mensurar cada direito subjetivo

particular genericamente declarado em sentença. Todavia, não é difícil imaginar os resultados

catastróficos de uma “liquidação coletiva de sentença coletiva” requerida por entidade

sindical, seja em regime de representação ou substituição processual, denotando um

descomunal litisconsórcio ativo, numa única relação processual. Tal procedimento

comprometeria a eficiência da tutela jurisdicional, a celeridade processual, o acesso à justiça,

bem como todos os demais princípios do processo coletivo, em razão da difícil operosidade.

661 Não se olvida que, para além das motivações sociais, a substituição processual na fase do cumprimento de sentença não

tem pertinência com as fases de liquidação e cumprimento de sentença. O substituto processual tem poder para propor a ação

de conhecimento e praticar os atos processuais permitidos às partes. Conforme ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria

Andrade Nery, “como a pretensão discutida em juízo não lhe pertence, não pode o substituto processual praticar atos de

disposição do direito material como a transação, renúncia e reconhecimento jurídico do pedido. Para tanto, deverá ter a

anuência expressa do substituído”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil

comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, comentário n.8, p.222). É esta razão que Ada Pellegrini

Grinover afirma que na liquidação e execução individual “os entes e as pessoas indicadas no art.82 agem na qualidade de

representantes das vítimas ou sucessores”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil

comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, comentário n.8, p.160).

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228

Pelas mesmas razões expostas, preponderantemente de ordem técnico-

processual-operacional, o Ministério Público não poderá requerer a liquidação de sentença

coletiva para efetivação de direitos individuais homogêneos, em qualquer caso662

. Os entraves

numa liquidação coletiva dessas sentenças também coletivas que tutelam direitos individuais

são evidentes. Causa perplexidade imaginar o processamento de uma fase de liquidação de

sentença coletiva para tutela de direitos de vários titulares individuais homogêneos,

promovida por ente legitimado extraordinário, cuja solução fica emperrada por inúmeros

incidentes para deslinde de situações individuais e independentes entre si. De outro lado,

evidencia-se que o ajuizamento de várias ações de liquidação de sentença, cada qual

promovida pelos respectivos titulares dos direitos materiais, ou em reduzidos litisconsórcios

ativos concorrerão para a celeridade e simplificação do processo, e consequentemente para a

própria efetividade da tutela jurisdicional663

.

Destarte, processando-se as liquidações de sentença coletiva, requeridas pelas

vítimas ou sucessores, nas lides em que se discutem os direitos individuais homogêneos, os

incidentes serão resolvidos de forma mais ágil e eficiente, seguindo o procedimento do

Código de Processo Civil, conforme dispõe o art.475-A e demais dispositivos pertinentes,

seguindo cada uma de per si sua respectiva execução664

.

Todavia, após o transcurso de um ano, sem habilitação de interessados e em

número compatível com a gravidade do dano reconhecido na sentença liquidanda, poderão os

legitimados à propositura da ação coletiva promover a liquidação e execução residual, de

forma coletiva, conforme disposto no art.100, do CDC. Trata-se da reparação fluida, instituto

aplicável às ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos.

662 Luiz Rodrigues Wambier afirma que o Ministério Público não possui legitimidade para propositura de ações que versem

sobre direitos individuais homogêneos, pois há óbice de natureza constitucional. Ocorre que o art.129, III, da Constituição

Federal restringe-se aos direitos difusos e coletivos, seguindo a mesma redação o art.110 do CDC. (WAMBIER, Luiz

Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.236-237). De lado oposto, Rodolfo de Camargo Mancuso

defende uma interpretação ampliativa no art.129, III, posto que o constituinte não condicionou a tutela de “outros direitos

difusos e coletivos” ao discrimen legal, não podendo, portanto, o intérprete estabelecer restrições. Assim, relegou à legislação

ordinária a regulamentação de certos aspectos processuais e procedimentais, como fez com o CDC. (MANCUSO, Rodolfo de

Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10.ed. rev. e

atual. São Paulo: RT, 2007, p.123). Em uma posição intermediária, Kazuo Watanabe entende que o Ministério Público tem

legitimidade para agir apenas quando os direitos individuais homogêneos são indisponíveis ou eivado de relevância social,

pois “somente a relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria tutela coletiva poderá justificar a legitimação do

Ministério Público para a propositura de ação coletiva em defesa de interesses privados disponíveis”. (GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1. Rio

de Janeiro: Forense, 2011, p.86). 663 No mesmo entendimento, Teori Albino Zavascki. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos

coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.185-188). 664 Segundo Ada Pellegrini Grinover, “a execução coletiva é necessariamente individualizada, abrangendo o grupo de vítimas

cujas indenizações já tiverem sido fixadas na(s) sentença(s) de liquidação. À medida que novas sentenças surgirem, os entes

ou pessoas a que a lei atribui a representação das vítimas poderão proceder a outras execuções coletivas”. (GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1. Rio

de Janeiro: Forense, 2011, p.160).

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229

Ainda quanto à legitimidade ativa para a liquidação, não há impedimento para

que o devedor possa requerê-la. Como ensina Humberto Theodoro Jr., “o devedor não tem

apenas o dever de cumprir a condenação, mas também o direito de libertar-se da

obrigação”665

. É sabido que caso o credor se mantenha inerte, competirá ao Ministério Público

promover os atos executivos, conforme preceitua o art.15 da LACP, facultando igual

prerrogativa aos demais legitimados. Ocorre que o dispositivo estabelece um prazo para a

promoção dos atos executivos (incluindo a liquidação da sentença) pelo Ministério Público e

demais legitimados. Considerando que a liquidação é um procedimento preparatório para a

execução e também um meio adequado para permitir que o devedor possa libertar-se da

obrigação, não há impedimento para que este tome a iniciativa de promovê-la, assumindo o

polo ativo no procedimento, até mesmo antes do aludido prazo666

.

4.3.2 Prazo para requerer a liquidação coletiva

Considerando a existência de um título executivo que ostenta a obrigação de

indenizar danos a direitos transindividuais e individuais homogêneos, além da legitimidade

para requerer a liquidação e os demais procedimentos executivos, perquire-se acerca do prazo.

O prazo para requerer a liquidação não é o mesmo para todas as ações coletivas

e sua equação comporta divergências, ante a inexistência de tratamento específico no

microssistema processual coletivo face às diversas situações fáticas como o prazo para

requerer a liquidação de sentença coletiva com fundamento no Código de Defesa do

Consumidor e para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos667

.

Para estas demandas, havendo sentença condenatória, o art.100 do CDC

estabelece um prazo limite de um ano668

, não para que os legitimados ativos individuais

requeiram sua habilitação ao crédito a fim de promover a liquidação dos danos

individualmente experimentados, mas para autorizar os legitimados extraordinários

relacionados no art.82 promoverem a liquidação coletiva global residual ou “ação de

665 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.105. 666 Neste sentido: LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação do dano

coletivo no direito brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Minas

Gerais, 2011, p.112. 667 Observa-se que tais ações distinguem-se daquelas em que se tutelam apenas direitos difusos ou coletivos em sentido

estrito, cujas liquidações serão realizadas pelos próprios autores da ação cognitiva ou pelos demais legitimados

extraordinários concorrentes da LACP. 668 O CM-Gidi estabelece, em seu art.25.3, que “os membros do grupo terão o prazo de dois anos, a contar da notificação da

decisão transitada em julgado, para iniciar suas ações individuais de liquidação e execução contra o réu”.

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230

reparação fluida”, como denomina Marcelo Abelha Rodrigues669

, quando não houver

interessados individuais em número compatível com a gravidade do dano (art.100, do CDC).

Neste caso, o objeto da liquidação consiste em destinar o valor apurado ao

Fundo criado pela LACP, no caso de inércia dos titulares do direito material ou inexpressivo

número de habilitação denotando desproporcionalidade com a gravidade do dano. Reitera-se

que este prazo anual é fixado para a liquidação na modalidade coletiva (art.100, do CDC)670

.

Com efeito, o prazo do art.100 do CDC propiciará “um parâmetro para que o

juiz possa fixar, com justiça, o montante da indenização destinada ao Fundo,” conforme

esclarece Elton Venturi671

.

O início da contagem do prazo do art.100 do CDC suscita controvérsias, haja

vista que não há disposição expressa. Poder-se-ia afirmar que a interação entre CDC e LACP

autoriza o entendimento de que analogicamente ao art.15 da LACP, conta-se o prazo do

trânsito em julgado da sentença. Sucede que o CDC dispõe sobre a ampla divulgação da ação

em sentença por meio de editais (art.94), demonstrando a clara intenção de possibilitar a todas

as eventuais vítimas ou sucessores a participar do processo, na condição de litisconsortes.

Ainda que vetado por erro de remissão672

, o parágrafo único do art.96, também determina a

publicação do edital da sentença transitada em julgado, o que permite concluir que a

contagem do prazo ânuo seja realizada a partir da referida publicação673

.

Este entendimento parte de alguns pressupostos.

Primeiro, há que se reconhecer e considerar o salutar diálogo entre a LACP e o

CDC, lembrando que se trata de interação entre normas, cuja finalidade principal é oferecer a

máxima tutela aos direitos transindividuais, bem como, nas palavras de Luiz Rodrigues

Wambier, “beneficiar aqueles que tenham tido seus direitos reconhecidos por meio de ações

coletivas”674

.

Nas ações coletivas em que se tutelam direitos individuais homogêneos com

fundamento no CDC, cuja sentença é genérica, limitando-se a fixar a responsabilidade do réu

pelos danos causados (art.95 do CDC), não há dispositivo legal do dies a quo para a contagem 669 Ponderações sobre a Fuid Recovery do art.100 do CDC. In: (Coords.). MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias.

Processo Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.460-469. 670 A finalidade desta liquidação coletiva é definir o quantum da lesão coletiva e não o dano individual de cada uma das

vítimas ou sucessores. 671 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.155. 672 O art.96 do CDC traz o seguinte dispositivo: “Transitada em julgado a sentença condenatória, será publicado edital,

observado o disposto no art.93.” De acordo com a mensagem 669, de 11/09/1990, da presidência da República à época, o

veto se deve ao seguinte motivo: “O art.93 não guarda pertinência com a matéria regulada nessa norma.” Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep664-L8078-90.htm. O dispositivo foi vetado por

conta do equívoco na remissão ao art. 93 (nada pertinente), quando o correto seria referir-se ao art.94. 673 Neste entendimento: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva,

2012. p.576. 674 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.269.

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do prazo para estabelecer com precisão o início do decurso do ânuo (art.100 do CDC), para a

reparação fluida. Questiona-se: o diálogo das duas fontes normativas autoriza iniciar esta

contagem na data do trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme dispõe o art.15

da LACP?

Marcelo Abelha Rodrigues entende que o prazo para o exercício da ação de

reparação fluida inicia-se um ano após o trânsito em julgado da sentença condenatória

genérica aludida no art.95 do CDC675

.

Sucede que existe grande probabilidade de que os verdadeiros titulares do

direito individual lesado não tenham conhecimento do ajuizamento da ação cognitiva ou não

tenham sido cientificados da decisão transitada em julgado, obstando as possíveis iniciativas

de habilitação.

É inepta, portanto, a norma que autoriza os membros do grupo a se inserirem

no processo pela liquidação (art.97 do CDC), se não houver, antes, a notificação do

ajuizamento da demanda, tampouco da sentença constitutiva do título executivo que lhe

confere o direito de ser indenizado pelos danos sofridos. Portanto, havendo a divulgação

ampla e adequada, o dies a quo será da data da publicação da sentença condenatória

transitada em julgado. Trata-se da ciência inequívoca especificada no art.240 do CPC676

.

Assim, chega-se a um segundo pressuposto: a imprescindibilidade da ampla

divulgação das sentenças proferidas no âmbito das ações coletivas para dar oportunidade ao

maior número de vítimas ou seus sucessores de optarem pela habilitação ou não de seus

créditos na fase liquidatória, além de ensejar o início da contagem do prazo para liquidação e

execução coletiva global residual ou ação de reparação fluida. Assim, o início da contagem do

prazo a partir da publicação da sentença transitada em julgado confere melhor garantia de que

o maior número de vítimas terá oportunidade de habilitar seus créditos. Findo este prazo,

poderá o legitimado coletivo promover a reparação fluida.

a) Prazo para requerer a liquidação da sentença coletiva com fundamento

em ações civis públicas, tendo por objeto a tutela de direitos transindividuais677

.

675 Ponderações sobre a Fuid Recovery do art.100 do CDC. In: (Coords.) MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias.

Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.465. 676 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, em comentário ao art.240 do CPC, asseguram: “A contagem do prazo se

inicia a partir da ciência inequívoca que a parte ou seu procurador tenha a respeito do ato processual. (NERY JR., Nelson;

NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT,

2013, p. 587). 677 O exercício interpretativo aqui não significa a rejeição ao diálogo entre o CDC e a LACP. A interação entre estas normas

ocorre quando uma não dispõe sobre determinado assunto, aplicando-se as normas do outro. Ocorre que no caso do prazo

para promover as liquidações, não há omissão em nenhuma das duas leis. Houve omissão apenas quanto ao início da

contagem do prazo do art.100 do CDC, quando se promoveu a salutar interação.

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No caso dessas ações coletivas para tutela de direitos transindividuais, em

princípio não haveria nenhuma dúvida acerca da contagem do prazo para requerer a

liquidação da sentença e demais atos executivos, apesar da omissão a este respeito na

legislação processual coletiva. Socorre-se, portanto, das disposições do Código de Processo

Civil.

Assim, a liquidação pode ser requerida tão logo prolatada a sentença, mesmo

na pendência de recurso, conforme dispõe o §2º do art.475-A do CPC. Isto porque na

liquidação não ocorrem atos executivos, mas tão somente atos integrativos da sentença. Além

disso, o processamento da liquidação da sentença durante o julgamento do recurso pode

representar economia de tempo, haja vista que se trata de um procedimento complexo, cujos

atos processuais requerem ampla cognição e defesa, podendo ser objeto de recurso.

Caso o legitimado originário permaneça inerte, os legitimados concorrentes

poderão requerer a liquidação, se necessário, e a subsequente execução de sentença após 60

dias (art.15, da LACP)678

.

Para a demanda coletiva ajuizada com base na Lei da Ação Civil Pública, o

prazo disciplinado é de sessenta dias, conforme dispõe seu art.15, que deverá ser contado do

trânsito em julgado da sentença nela prolatada. Estes prazos prestam-se a conferir efetividade

à tutela dos direitos.

Embora o Ministério Público esteja arrolado entre os legitimados para

promover a ação civil pública, nem sempre ele atua como autor, caso em que intervirá,

necessariamente, como custus legis. Não atuando o MP como autor da ACP, transcorrendo o

prazo in albis, sem que nenhum legitimado promova os atos executórios, cabe

necessariamente ao Ministério Público a incumbência de fazê-lo, por imperativo da

obrigatoriedade da execução da sentença coletiva679

. A legitimação do Ministério Público, em

tais hipóteses, não é originária, mas subsidiária, derivada e necessária. Antes desse prazo,

qualquer iniciativa do Ministério Público denotará a ausência de uma das condições da ação, a

ilegitimidade ativa, motivo de extinção do feito.

Considerando que os legitimados ativos para propor tais ações são

perfeitamente delimitados no art.5º da LACP, a contagem do prazo iniciando com o trânsito 678 Consoante Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, “a interação entre as normas é subsidiária e sempre

tendente a beneficiar aqueles que tenham tido seus direitos reconhecidos por meio de ações coletivas, razão pela qual não tem

cabimento o raciocínio inverso, isto é, de que se aplicaria o prazo de um ano previsto no Código de Defesa do Consumidor

para as ações coletivas propostas com base na Lei da Ação Civil Pública, de vez que isso criaria, por transposição, óbice que

o legislador não incluiu nessa última norma”. (Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In:

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São

Paulo: RT, 2007, p.276). 679 O CBPC-IBDP dispõe em seu art.15 um prazo de 120 dias para o autor da demanda coletiva promover a liquidação e

execução; transcorrido este prazo, caberá ao Ministério Público fazê-lo.

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em julgado da sentença, parece razoável para promover os atos executivos. Não há óbices

legais à execução provisória nos termos do art.475-O do CPC e o permissivo do §1º do art.98

do CDC.

b) A solução do prazo quando há aproveitamento da coisa julgada na

sentença coletiva pelo transporte in utilibus abrindo possibilidade de concurso de crédito.

A solução descrita no item anterior deixa de ser tão simplória quando analisada

sob a ótica do §3º do inciso III do art.103 do CDC. O fenômeno do transporte in utilibus da

coisa julgada permite que a decisão de procedência proferida na ação civil pública seja

aproveitada aos litigantes individuais. Ou seja, as vítimas ou seus sucessores serão

beneficiados pela decisão favorável na ação coletiva podendo promover a liquidação e

execução da referida sentença, mesmo que não tenham participado da ação cognitiva.

Havendo, portanto, uma sentença coletiva proferida numa ação para tutela de

direitos transindividuais, eventual condenação aproveita aos titulares de direitos individuais,

podendo estes se beneficiar da coisa julgada. A situação demonstra que as liquidações e

execuções se bifurcam em coletiva e individuais, configurando concurso de créditos.

Conforme dispõe o parágrafo único do art.99 do CDC, em havendo concurso

de crédito, susta-se o processamento das execuções coletivas enquanto pendentes as decisões

acerca das execuções individuais. Parece que o objetivo destas suspensões não é apenas

conferir preferência aos créditos individuais, mas também evitar o tumulto processual. O

processamento concomitante de liquidações individuais e coletivas referentes à mesma

sentença coletiva pode acarretar um visível transtorno.

O art.99 do CDC disciplina uma ordem de preferência no pagamento quando

há concurso de créditos decorrente de condenação a indenizações individuais e coletivas.

Assim, uma condenação não exclui a outra, visto que a sentença de procedência reconhece os

danos causados a direitos transindividuais e concomitantemente ou consequentemente, danos

a direitos individuais tutelados coletivamente.

Sucede que segundo dispõe a regra de pagamento em caso de concurso de

crédito, as indenizações individuais têm preferência às indenizações coletivas. Tal

precedência no pagamento pode, na prática, fazer com que as condenações individuais sejam

subtraídas das coletivas, caso o patrimônio do réu seja insuficiente para responder pela

totalidade da condenação.

Por esta razão, a suspensão da execução coletiva, até que sejam efetivamente

liquidadas e pagas as indenizações individuais, tem por objetivo determinar o valor residual

global da condenação, ou seja, o que resta após fixados e levantados os valores decorrentes

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das lesões individuais, caso o patrimônio do réu não seja suficiente para arcar com a

totalidade da condenação (coletiva e individuais).

Será abordado logo adiante a possibilidade de requerimento de liquidações

individuais após decorrido o prazo anual e já em andamento as execuções coletivas da fluid

recovery. Antes, porém, importa discorrer sobre o prazo prescricional, para a melhor

compreensão e deslinde da situação.

c) O prazo prescricional nas liquidações e execuções.

Acerca do prazo prescricional, socorre-se, portanto, do sistema jurídico

vigente. Cuida-se que as regras para ditar o prazo prescricional680

são de direito material.

Consoante ensina Ada Pellegrini Grinover, “em cada caso será o direito material que fixará o

prazo prescricional para o exercício da pretensão individualizada à reparação, que ocorre

exatamente por intermédio da habilitação no processo de liquidação”681

.

Neste sentido, mais uma vez, a distinção dos direitos materiais tutelados se faz

necessário. O Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre prazos específicos de

decadência no art.26 para reclamar de “vícios aparentes ou de fácil constatação”; e de

prescrição quinquenal da “pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou

do serviço”.

Considerando, portanto, a natureza dos direitos individuais homogêneos

disciplinados pelo CDC, em regra disponíveis, aplica-se a súmula 150 do Supremo Tribunal

Federal682

segundo a qual “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”,

mesmo porque ainda que tutelados coletivamente para emprestar efetividade à tutela

jurisdicional, materialmente continuam de índole individual683

. Em recente decisão do

680 Ada Pellegrini Grinover afirma que tal prazo é preclusivo. (GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.154). 681 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.154. 682 Este é o entendimento de Sérgio Cruz Arenhart: “Na realidade, o prazo prescricional para a execução individual é o

mesmo prazo que o indivíduo teria para exigir, de forma isolada, por ação própria, a satisfação de seu interesse. Aplica-se

aqui, mutatis mutantis, o enunciado da Súmula n.150, do Supremo Tribunal Federal. Esse prazo, ademais, deve ser

computado a partir do trânsito em julgado da sentença coletiva favorável ao indivíduo. Assim deve ser porque, antes desse

momento, ainda não há, de forma plena a pretensão à exigibilidade do interesse reconhecido pela sentença, haja vista a

possibilidade de sua modificação na análise do recurso interposto”. (O regime da prescrição em ações coletivas. In: (Coords.)

GOZZOLI, Maria Clara e outros. Em defesa e um novo sistema de processos coletivos. Estudos em homenagem a Ada

Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p.614). Interessante notar que o Anteprojeto CBPC-UERJ/UNESA estabelece

no §2º do art.40 que após o decurso de um ano, sem que tenha sido promovido um número de liquidações individuais

compatível com a gravidade do dano, possam então os legitimados coletivos promover a liquidação e execução coletiva. E

ainda dispõe no inciso I do mesmo parágrafo que este prazo prevalece sobre os prazos prescricionais aplicáveis à execução da

sentença. 683 Neste sentido: VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. p.149; BENJAMIN, Antônio

Herman V. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010, p.1.437.

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235

Superior Tribunal de Justiça, firmou-se a orientação do prazo quinquenal para as execuções

individuais no âmbito de ações coletivas684

.

Analisando os diferentes prazos prescricionais dos direitos materiais

envolvidos, observa-se que em sua maioria são superiores a um ano. É perfeitamente possível

que os legitimados individuais se habilitem no processo quando as execuções coletivas

requeridas pelos legitimados extraordinários já estejam em andamento, mesmo porque ainda

estão agindo dentro do prazo legal685

.

A solução legal está no parágrafo único do art.99 do CDC, determinando a

sustação da execução coletiva até que se decidam as ações ou procedimentos individuais,

conforme exaustivamente mencionado.

Mas, e se os lesados individuais permanecerem inertes durante a execução

coletiva, deixando de habilitar seus créditos antes de os valores serem depositados no Fundo

criado pela LACP? Em outras palavras, qual a solução para as execuções ajuizadas após a

transferência dos valores globais para o Fundo? Aqui, mais uma vez, há que se fazer um

exercício de ponderação de situações e interpretação do microssistema.

Imagine uma situação hipotética em que uma associação de moradores686

ajuíze uma ação coletiva para condenar uma indústria a suspender a produção de determinado

produto em razão de emissão de gases poluentes causadores de evidentes danos à população

moradora da região em que situa a fábrica e ainda pede a condenação à indenização individual

às vítimas. Prolatada a sentença, a autora originária já pode requerer a liquidação da sentença

condenatória. Mesmo diante da ampla divulgação para que as supostas vítimas possam se

habilitar, a fim de participar da liquidação, provando a titularidade, o dano e o nexo causal,

não houve comparecimento em número proporcional à gravidade do dano687

.

684 REsp 1.273.643/PR, Rel. Min. Sidinei Beneti, data de julgamento: 27/02/2013: “Para os efeitos do art. 543-C, foi fixada a

seguinte tese: “No âmbito do direito privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual

em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública”. No mesmo sentido: REsp 1.275.215-RS, Rel. Min.

Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 27/09/2011. 685 Consoante Hugo Nigro Mazzili, “ocorrendo, pois lesões individuais homogêneas (divisíveis), se algum lesado se habilitar

a tempo quando da fase de cumprimento da sentença coletiva, e demonstrar ter direito a uma parte do produto da condenação,

a ele deverá ser destinada a parcela do valor da condenação que lhe deva caber em proporção”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A

defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.577). 686 A legitimidade ativa é conferida pelo art.5º, V da LACP e pelo art.82, IV do CDC, com respaldo da Constituição Federal

de 1988, art.5º, XXI da Constituição Federal de 1988. 687 A expressão “número compatível com a gravidade do dano” inserida no art.100 do CDC é um fenômeno que os juristas

denominam de “conceitos indeterminados ou vagos”. Trata-se se uma técnica largamente utilizada pelos legisladores,

ensejando a criação de outros textos legais adaptáveis à realidade, mas também suscita dúvidas, polêmicas e uma variada

gama de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier extraem

um aspecto positivo nesta técnica, afirmando que proporciona maior flexibilidade à norma e gera maior liberdade ao

aplicador da lei. Além disso, explicam que “seria impossível estabelecer hipóteses minuciosamente descritas e taxativamente

enunciadas, em que, depois de decorrido um ano, poderiam os legitimados do art.82 promover a liquidação e execução da

quantia devida”. (Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.278). Por sua vez, Marcelo Abelha Rodrigues faz sérias críticas e ponderações acerca dessa expressão “número compatível

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Caso a associação, autora originária da ação, não tome a iniciativa de promover

a liquidação da sentença, há um prazo de 60 dias a ser respeitado pelos demais legitimados

para fazê-lo. Além disso, enquanto não transcorrido o prazo prescricional, o quantum

indenizatório global liquidado não deve ser revertido ao Fundo de que cuida o art.13 da

LACP. Considerada a regra de que os créditos individuais têm preferência ao crédito coletivo,

nos termos do art.99 do CDC, a importância fixada na liquidação deve ficar depositada em

conta remunerada à disposição do juízo (em analogia ao §1º do art.13 da LACP).

Reitere-se que os referidos valores decorrentes da condenação devem ser

revertidos em proveito das indenizações individuais em proporção às lesões sofridas

individualmente, portanto, somente serão depositados no Fundo de reparação aos direitos

difusos após o pagamento às vítimas e transcorrido o prazo legal.

Neste contexto, suscitam dúvidas e até controvérsias quanto às liquidações e

execuções ajuizadas após a transferência dos valores fixados, residuais ou não, ao Fundo. Em

tese, o devedor tendo efetuado o pagamento, foi liberado da obrigação. Se em regra, o prazo

prescricional da pretensão executiva individual é superior ao prazo para a liquidação e

execução coletiva, requerida pelos legitimados do art.82 do CDC, o que ocorrerá com os

titulares de direitos individuais homogêneos, caso o montante global ou residual da

condenação fixado em liquidação já tenha sido destinado ao Fundo de reparação dos direitos

transindividuais? O caso demanda solução.

Imagine-se o mesmo exemplo hipotético apresentado linhas acima - ação civil

pública ajuizada pela associação de moradores em face da indústria poluidora. Supondo que

transcorra o prazo de sessenta dias (art. 15 da LACP) sem que a autora requeira a liquidação e

execução coletiva e apenas uns poucos moradores se habilitaram nos autos para fins de

indenização individual aos danos sofridos. O Ministério Público, por força do art. 15 da

LACP, requer a liquidação do montante global da condenação e após fixado o valor, este é

devidamente revertido ao Fundo. Considerando que o prazo prescricional para as pretensões

individuais de reparação civil688 ainda não findou, podem as vítimas retardatárias ajuizar

ações individuais para requerer o recebimento de suas indenizações, em razão do princípio da

inafastabilidade da tutela jurisdicional? Ou ainda, estas mesmas vítimas, pela via da

com a gravidade do dano”, afirmando que o legislador foi econômico quanto aos critérios que poderão ser adotados para sua

interpretação, ocasionado problemas que poderão até mesmo inviabilizar a reparação fluida. Afirma que muitas questões

paralelas devem ser ponderadas, como por exemplo, o prazo quinquenal de prescrição, as liquidações de ações individuais

das vítimas que não aderiram à ação coletiva, impedem a formação de um juízo de ponderação entre a gravidade do dano e o

que foi efetivamente ressarcido pelo demandado. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ponderações sobre a Fuid Recovery do

art.100 do CDC. In: (Coords.) MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo coletivo. São Paulo: Quartier Latin,

2005, p.467). 688 O prazo para as reparações civis em geral é de três anos (art. 206, § 3º, V do CC/2002).

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habilitação, proceder a liquidação e subsequente execução, nos termos do art. 103, § 3º do

CDC?

Parece inexistir controvérsias de que o direito do lesado individual permanece

indenizável enquanto não prescrito, mesmo transcorrido o prazo do art.100 do CDC689

.

Suscita dúvidas, entretanto, acerca de legitimidade passiva, ou seja: contra

quem estas ações individuais serão ajuizadas? Afigure-se que se o autor do dano foi executado

e já cumpriu a obrigação estampada na sentença coletiva, ainda assim contra ele caberia a

demanda ajuizada pelo credor individual, sem ferir o princípio do bis in idem? Poderia a ação

individual voltar contra o Fundo que está de posse do valor depositado, se inexiste relação

jurídica entre ambos (Fundo e lesado individual)?

O direito processual coletivo é omisso, demandando um exercício

interpretativo das regras do sistema jurídico vigente, com supedâneo nos princípios e apoio da

doutrina. Parece que razão assiste a Luiz Rodrigues Wambier, ao dizer que “seria impossível

estabelecer hipóteses, minuciosamente descritas e taxativamente enunciadas, em que, depois

de decorrido o prazo de um ano, poderiam os legitimados do art.82 promover a liquidação e a

execução da quantia devida”690

.

Elton Venturi tem um posicionamento bastante peculiar sobre a questão.

Afirma que inexistem óbices a que se requeiram novas liquidações individuais, mesmo

ultrapassado o prazo do art.100 do CDC, em pendência de liquidação ou execução da fluid

recovery, “uma vez não se tendo estabelecido qualquer prazo de prescrição ou decadência”691

.

Entretanto, em outro momento, ressalva que a despeito da garantia de preferência das

indenizações individuais às coletivas, no concurso de créditos (art.99, CDC), após a

destinação dos valores ao Fundo, não se pode mais retirar parte da condenação global

indivisível em prol do credor individual. Assim, a retirada de parcela do montante da

condenação dos direitos transindividuais em prol do credor individual só pode ocorrer em um

interregno entre a confirmação pelo Tribunal da condenação relativa aos direitos individuais e

a integralização ao Fundo. E ressalta:

A partir dessa integralização, não mais se poderá atacar o Fundo, ainda que sob

pretexto de arrecadar-se numerário para beneficiar novos credores que promoverem

liquidação e execução da sentença proferida em ação coletiva. O mesmo ocorre em

relação à liquidação e execução da sentença condenatória genérica do art.95 do

689 Teori Albino Zavascki afirma que o prazo do art.100 do CDC é de natureza decadencial. Transcorrido, pois, prazo anual

sem que os legitimados individuais tenham se habilitado, opera-se a decadência, transfere-se o direito de executar aos

legitimados do art.82, como representantes do fundo. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos

coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São Paulo: RT, 2009, p.188). 690 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.277. 691 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.137.

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CDC. Posteriormente ao prazo estabelecido no art.100, na hipótese de já ter atuado

algum dos legitimados para a execução coletiva e efetivamente integralizado a fluid

recovery, eventuais pretensões de reparação individualizada deverão atacar

diretamente o patrimônio do demandado692

. (destaque nosso).

Edilson Vitorelli Diniz Lima critica esse entendimento porque no afã de punir

o causador do dano à coletividade, acaba distorcendo o sistema estabelecido pelo CDC o qual

prevê a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos e não uma lesão coletiva693

.

Entende que é bastante louvável a busca pela primazia da tutela coletiva de tal forma a

empreender uma proteção mais ampla aos direitos coletivos materiais. Sucede, porém, que o

legislador ao conferir a possibilidade de tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos

não alterou a sua natureza individual, convertendo-o em direito material coletivo694

.

Sem desprezo ao ideal de tutela efetiva aos direitos transindividuais, não se

pode, contudo, em prol desses, afetar os direitos individuais dos jurisdicionados. Em termos

práticos, se o demandado já cumpriu a obrigação estampada na sentença, efetuando o depósito

de forma voluntária ou coativa do montante da condenação, não há que se falar em atacar

novamente seu patrimônio para o pagamento de eventuais pretensões retardatárias, sob pena

de comprometer uma série de garantias constitucionais, em especial o da segurança

jurídica695

.

Por outro lado, mesmo que o lesado individual tenha deixado de requerer

habilitação na fase de liquidação ou quando já processava a execução coletiva, não se pode

permitir que fique desprovido de tutela, se ainda não operou a prescrição de sua pretensão,

pelo decurso do prazo.

Neste ponto, compreende Luiz Rodrigues Wambier696

, para quem: a) o produto

da indenização prevista no art.100 do CDC deve reverter-se ao Fundo, ressalvado o direito de

recebimento dos valores das execuções individuais; b) o direito ao recebimento das

indenizações individuais não decai no prazo de um ano, por isso tanto as execuções em

692 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.118. 693 Edilson Vitorelli Diniz Lima afirma que ao tratar coletivamente os direitos individuais homogêneos, “o que se poderia

cogitar, em caso de lesões de grande magnitude, é a existência de lesão a um direito difuso – por exemplo, a confiança do

mercado consumidor – passível de reparação em ação autônoma, ou mediante pedido autônomo na mesma ação, como causa

de pedir diversa”. (LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação do dano

coletivo no direito brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Minas

Gerais, 2011, p.183). 694 “[...] o direito material tutelado não se altera, em sua natureza, nem fica comprometido pela circunstância de ser objeto de

tutela coletiva”. (ZAVASCKI, Teori. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São

Paulo: RT, 2009, p.160). 695 Talvez por esta razão, Elton Venturi considere a hipótese de uma espécie de ação revisional dos danos causados aos

direitos metaindividuais, a fim de reintegralizar o Fundo, com solução ao problema apresentado. Mesmo assim, o autor

entende que é incorreto permitir a invasão do patrimônio do Fundo, em qualquer situação. (VENTURI, Elton. Execução da

tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.119). 696 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.278.

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andamento, quanto as propostas posteriores devem ser resolvidas satisfatoriamente; c) os

autores individuais não podem ser prejudicados em benefício do Fundo. Em face desses

pressupostos, com supedâneo no ensino de Arruda Alvim, conclui que a liquidação e posterior

execução (coletiva) promovida pelos legitimados do art.82 do CDC não têm o condão de

subtrair ou substituir direitos subjetivos, em razão de inexistência de permissivo legal.

Hugo Nigro Mazzilli defende que os titulares dos danos individuais

homogêneos não podem, após a destinação de valores ao Fundo, demandar contra o causador

do dano, porque este já foi executado e pagou o que devia. Deve, portanto, com base no

princípio do enriquecimento ilícito, “ajuizar ação contra a pessoa jurídica a que pertença o

ente gestor do fundo, o qual recebeu um dinheiro que se destinava ao indivíduo lesado”697

.

Para bem solucionar a questão, entende-se que é preciso estabelecer as

premissas: a) traçar com clareza qual a causa de pedir de uma ação coletiva; b) apontar os

direitos tutelados (considerando que de um mesmo fato podem originar lesões tanto a direitos

transindividuais, quanto a individuais homogêneos); c) o pedido e a(s) espécie(s) de tutela(s)

requerida(s).

Na situação hipotética acima descrita, os gases poluentes emitidos por uma

indústria causaram danos (causa de pedir) tanto a direitos difusos (meio ambiente), quanto a

direitos individuais homogêneos (saúde dos moradores). Faculta ao autor pedir tanto a tutela

específica de obrigação de fazer ou de não fazer, quanto indenizações individuais,

consistentes em obrigação de pagar. Conforme apontado em capítulo próprio, a tutela

específica para a remoção do ilícito nem sempre repara integralmente os estragos oriundos do

evento danoso, na medida em que a restauração do estado anterior não é capaz de recompor o

patrimônio que haveria caso o dano não tivesse ocorrido.

Por esta razão, não há óbice em que se cumule a tutela específica inibitória

(cessar a atividade danosa até que providencie solução prática) ou reintegratória (instalação de

filtros ou outro meio eficaz para evitar a continuidade do dano) com a ressarcitória pelo valor

equivalente. No caso, pode-se pedir a tutela inibitória consistente na obrigação de não fazer, a

tutela reintegratória, compreendida numa obrigação de fazer, ambos amparados por multa

diária e ainda uma tutela ressarcitória pelo equivalente em dinheiro, com a finalidade de

conferir a reparação do dano na sua integralidade.

697 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.577. O autor faz

uma distinção entre os créditos provenientes de lesões a direitos individuais homogêneos e de lesões a direitos individuais

diferenciadas (eventuais danos indiretos e variáveis como, por exemplo, lucros cessantes e danos emergentes). Para ser

indenizado por estas últimas, o lesado deve ajuizar ações individuais contra o causador do dano, não sendo objeto de ações

coletivas.

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Sucede que a reparação em dinheiro, destinada a indenizar os danos

irreparáveis na forma específica, dizem respeito tanto aos direitos difusos quanto aos direitos

individuais homogêneos que precisam ser devidamente liquidados em procedimento próprio e

adequado, caso as informações prestadas nos autos não ofereçam suporte suficiente para o

juiz fixar, desde logo, o valor em sentença condenatória. Por esta razão, a regra de pagamento

em caso do concurso de créditos estabelecida no art.99 do CDC, conferindo preferência às

indenizações aos direitos individuais, não significa que estas são subtraídas da condenação

coletiva. A regra é a mesma para as condenações apontadas no art.103, §3º do CDC, na

medida em que o transporte in utilibus da coisa julgada não significa a subtração da

condenação à indenização coletiva em prol da individual.

Sendo o patrimônio do devedor insuficiente para indenizar os danos causados

tanto à coletividade quanto aos indivíduos, estes terão preferência no pagamento, e por isso,

poderá haver um depósito residual ao fundo, após as liquidações individuais. Esse fato não

autoriza a negligenciar a liquidação dos danos coletivos especificamente, mesmo porque,

conforme ensina Elton Venturi, estes não são a soma das indenizações individuais esquecidas,

“mas forma de justa fixação de reprimenda suficiente para incutir no demandado repreensão e

prevenção especial”698

.

Esse raciocínio é plenamente compatível com a “reparação fluida” – destinação

do fundo dos valores relativos às indenizações individuais não requeridas –, com fundamento

no interesse social em não deixar impune o responsável pela prática lesiva. Nos termos do

art.100 e seu parágrafo único do CDC, esta espécie de destinação ao fundo é residual, mas

necessária, pois ainda que os prejuízos individuais sejam irrisórios, a soma total deles,

considerando o dano global causado, torna-se significativa. Esta é a forma de constituição dos

valores provenientes de ações coletivas para a tutela de direitos difusos homogêneos,

conforme disposto no art.100 do CDC.

Diferentemente, nas ações coletivas para a defesa de direitos transindividuais,

os valores obtidos a título de indenizações devem originalmente ser destinados ao Fundo699

. O

caso hipotético delineado (ação civil pública por fato lesivo ao meio ambiente) tem como

finalidade imediata reparar os danos produzidos a um direito difuso, cujos valores obtidos a

título de indenização são naturalmente destinados ao fundo. Ocorre que por força do

698 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.155. 699 Art.13 da Lei nº7.347/1985 – “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo

gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e

representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”.

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permissivo legal do transporte in utilibus (art.103, §3º) há uma ampliação do objeto da

demanda, na medida em que as supostas vítimas individuais podem, sem necessidade de

ajuizar ação individual, beneficiar-se da sentença coletiva, passando incontinenti às

respectivas liquidações e execuções, beneficiando-se igualmente da preferência no pagamento

dos créditos (art.99, do CDC). Inobstante esse fenômeno processual, a forma de constituição

dos valores ao fundo é uma consequência natural da demanda.

Nota-se, portanto, que as duas formas de destinação de verbas ao Fundo

diferem quanto ao modo de aquisição, razão pela qual entende-se que os titulares de direitos

individuais também gozam de sorte diversa, caso não habilitem seus créditos antes de os

valores serem destinados ao Fundo.

Nas ações coletivas para a defesa específica de direitos individuais

homogêneos cujo objeto principal é a reparação a danos individuais, mesmo com a disposição

do art.100 ainda há lacunas a serem preenchidas para fins de integralização de verbas ao

Fundo. Compreende-se que a solução mais apropriada seria alterar a norma, estendendo o

prazo para os legitimados do art.82 promoverem a liquidação para logo após o decurso do

prazo prescricional. Esta providência conferiria mais segurança ao juízo liquidatório para

estabelecer um eventual valor residual evitando ainda, possível onerosidade ao devedor.

Este entendimento se justifica porque existe uma forte possibilidade de haver,

em paralelo, outras ações individuais decorrentes do mesmo dano ou a existência de várias

liquidações em curso, em estágios diferentes e sem a certeza de êxito em todas elas. Estas

possíveis várias ações em estágios diferentes inviabilizam o juízo de quantificação na

reparação fluida e o sopesamento judicial da execução com a compatibilidade da gravidade do

dano.

Considerando, entretanto, que o legislador não fez esta previsão e o art.100 do

CDC está em plena vigência, compete ao aplicador da lei interpretá-la e aplicá-la utilizando os

subterfúgios legais existentes. Vencido o prazo anual, contado da publicação da decisão

transitada em julgado, a importância fixada em eventual liquidação promovida pelo

Ministério Público ou outro legitimado concorrente, deve ser depositada em conta remunerada

à disposição do juízo (em analogia ao §1º do art.13 da LACP).

A diversidade de situações oriundas de uma ação coletiva desta natureza

justifica ainda mais as decisões que oferecem maior efetividade à tutela jurisdicional

executiva, mas sem onerar sobremaneira o executado. Para esta empreitada, seria plenamente

legítimo e justificável o depósito em conta judicial remunerada dos valores fixados em

liquidação.

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242

A solução apresentada aplica-se a todas as ações coletivas que tutelam direitos

individuais homogêneos, sejam decorrentes das relações de consumo conforme prevista

originalmente no CDC, sejam oriundas de outras relações que eventualmente produzam lesões

a direitos individuais tuteláveis coletivamente, com fundamento no art.21 da LACP700

.

Já nas ações coletivas para a defesa de direitos transindividuais, a destinação

primária do produto da execução é o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

É o caso da ação coletiva fundada na LACP para a defesa dos direitos

transindividuais que têm por finalidade, após a procedência da ação cuja condenação

determina ao pagamento de quantia, destinar, primariamente, os valores para o Fundo,

conforme o art.13.

Nestas ações coletivas, após a publicação do trânsito em julgado da sentença

condenatória, abrirá o prazo tanto às vítimas de danos individualmente sofridos como aos

autores promoverem as respectivas liquidações, ressalvado o prazo prescricional de cada

direito.

Nos termos do art.15 da LACP, após 60 dias sem que o autor originário

promova os atos executórios, inicia-se um novo prazo para o Ministério Público, caso não seja

o autor originário, facultado o direito aos demais legitimados. Os valores eventualmente

fixados em procedimento liquidatório também destinam-se originalmente ao Fundo. Trata-se

do fenômeno da “ressarcibilidade indireta”701

, pois os sujeitos individualmente não são

beneficiados com os valores fixados, integralizando o Fundo.

Entretanto, extrai-se do permissivo legal, previsto no §3º do inciso III do

art.103 do CDC, o fenômeno do transporte in utilibus, o qual possibilita, em caso de

procedência da ação, que as vítimas de danos individualmente sofridos promovam a

liquidação e subsequente execução aproveitando-se da sentença coletiva condenatória.

Em caso de concurso de crédito, aplica-se a regra prevista no art.99 do CDC,

que dispõe sobre a preferência ao pagamento dos créditos individuais, sustando-se a

destinação de verbas ao Fundo enquanto pendentes de decisão as ações de indenizações

individuais.

700 Teori Albino Zavascki afirma que o dispositivo do art.100 do CDC só se aplica às ações dele decorrentes, ou seja, para as

ações de consumo, não havendo aplicação subsidiária ou analógica para outras ações coletivas. Por ser o art.100 do CDC,

norma de legitimação ativa, é insuscetível de extensão analógica, mesmo porque há disciplina própria para cada um dos

casos. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4.ed. São

Paulo: RT, 2009, p.188).

701 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de sentença. São Paulo: RT, 1997, p.271.

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Ainda suscitam dúvidas quanto às possíveis habilitações de vítimas por danos

pessoais sofridos após a destinação do produto da execução ao Fundo, considerando que

aquelas ainda não foram alcançadas pela prescrição.

Neste caso, considerando que o legislador ampliou o objeto do processo

coletivo702

, oferecendo a possibilidade de aproveitar a coisa julgada procedente em ações civis

públicas às vítimas e seus sucessores, sendo estes beneficiados, prescindindo de ação própria

com a respectiva sentença, não há que se falar em aplicação do prazo estabelecido no art.100

do CDC sob pena de incorrer em duplicidade de execução.

Destarte, as vítimas ou seus sucessores devem habilitar-se no processo visando

à devida liquidação demonstrando a legitimidade, o nexo causal e o dano. Em prol da

efetividade da tutela coletiva, estes se beneficiarão da coisa julgada erga omnes, em caso de

procedência da ação (transporte in utilibus) e da preferência no pagamento em caso de

concurso de crédito, porém não aproveitarão do prazo disposto no art.100 do CDC, porque

geraria uma situação de bis in idem na fase executiva. Integralizados os valores ao Fundo, não

mais poderão gozar do benefício do art.103, III, §3º do CDC, operando a preclusão do direito

dele decorrente.

4.3.3 Competência para liquidação e execução da sentença

A competência para o processamento das liquidações e execuções coletivas

é regida pelas normas da LACP e pelo CDC, aplicando-se subsidiariamente o CPC. Reitera-se

aqui o necessário diálogo das fontes configurado no microssistema processual coletivo

(LACP, CDC e CPC).

Cumpre observar, preliminarmente, que a conjugação dos dispositivos

legais atinentes à competência para as ações coletivas envolvem necessariamente algumas

situações fáticas: a) a da competência para o ajuizamento da ação coletiva cognitiva; b) a

competência para o processamento das eventuais liquidações das sentenças coletivas e

respectivas execuções e ainda, se serão processadas de forma coletiva ou individual703

.

702 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da coisa julgada. In: GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. v. II. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Forense, 2011, p.205. 703 Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arrruda Alvim Wambier distinguem liquidação de sentença coletiva e liquidação

coletiva da sentença ao esclarecerem que “a liquidação de sentença e a execução das condenações havidas em ações coletivas

sempre serão feitas individualmente, ressalvada apenas a hipótese de reversão para o fundo de direitos difusos, única hipótese

em que se pode falar de liquidação propriamente coletiva. Nos outros casos, trata-se de liquidação da sentença coletiva e não

de liquidação coletiva da sentença”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a

liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual

coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007 p.272).

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A primeira situação foi objeto de estudo no capítulo 2. Retoma-se do que já

dito, apenas com o objetivo de dar continuidade o tema. Assim, reitera-se que tanto a LACP

quanto o CDC possuem dispositivos regentes acerca da competência para o ajuizamento das

ações coletivas, aplicando subsidiariamente as disposições pertinentes do CPC, levando-se em

consideração os preceitos constitucionais sobre o tema704

.

A competência para a propositura da ação cognitiva que versa sobre direitos

transindividuais e individuais homogêneos é regida pela regra do art.2º da LACP, que dispõe:

“As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo

terá competência funcional para processar e julgar a causa” e pelo o art.93 do CDC disciplina:

Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça

local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito

local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de

âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos

casos de competência concorrente.

A segunda situação apontada, relativa à competência para a liquidação da

sentença genérica coletiva, igualmente possui regramento nos mesmos diplomas legais

mencionados, dependendo de adequada interpretação e conjugação de dispositivos e

princípios que regem as ações coletivas.

Nessa direção, extrai-se que a competência para a liquidação de sentença

nas ações coletivas e ulterior execução é regida pelos arts.98, §2º, I e II705

c/c com art.101,

I706

, todos do CDC e ainda 475-P707

do CPC e respectivos incisos, com especial ênfase no

parágrafo único.

Da literalidade destes dispositivos legais, depreende-se que eles regulam a

competência para o “cumprimento de sentença” e não, propriamente, para a “liquidação de

sentença”708

. Observa-se que o art.97709

do CDC que dispõe sobre liquidação de sentença,

704 Neste sentido, Patricia Miranda Pizzol afirma: “sem embargo da opinião em contrário de renomados juristas pátrios, a

nosso ver, a competência para a liquidação e a execução coletivas rege-se em perfeita consonância com os preceitos

constitucionais pertinentes à matéria, aplicando-se subsidiariamente, as disposições do CPC, como, v.g. os arts.106, 107, 219

e 263”. (PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação de Sentença nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.186). 705 Art.98 [...]§2° É competente para a execução o juízo: I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de

execução individual; II – da ação condenatória, quando coletiva a execução. 706 Art.101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I

e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor; 707 Art.475-P. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I – os tribunais, nas causas de sua competência originária; II

– o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição; III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença

penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira. Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste

artigo, o exequente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual

domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem. 708 Segundo Ada Pellegrini Grinover, “não é difícil aplicar analogicamente essa regra ao foro competente para a liquidação, a

que necessariamente se liga o §2º, I, do art.98: o processo de liquidação é, segundo a doutrina dominante, processo de

conhecimento, preparatório da futura execução e destinado a complementar o comando da sentença condenatória”.

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tratando sobre a legitimidade ativa para promover a liquidação em seu caput, e no seu

parágrafo único, determina a modalidade (por artigos), o foro competente e o objeto de prova.

Ocorre que o parágrafo único foi objeto de veto presidencial, justamente em

razão do disposto sobre a competência, pois autoriza foro diverso daquele em que processou a

fase cognitiva710

, qual seja o foro de domicílio do liquidante. Justifica-se que a “dissociação

do foro do processo de conhecimento e de execução” romperia o “princípio da vinculação”

adotado pelo CPC e ainda poderia provocar uma lesão ao princípio constitucional da ampla

defesa, retirando a certeza do foro da execução711

.

Observa-se que o veto foi inócuo em razão da subsistência do §2º, I, do

art.98 o qual dispõe sobre a competência para a execução da sentença, tanto do juízo da

“liquidação da sentença” quanto da “ação condenatória”712

. A redação deste parágrafo deixa

evidente que pode haver dissociação dos foros para as diversas fases processuais.

Além disso, o art.575 do CPC em referência no veto presidencial, apesar de

mantido após as alterações processuais promovidas pela Lei nº11.232/2005, acrescentou o

art.475-P. Este artigo dispõe especificamente sobre a competência para o processamento do

cumprimento de sentença, apontando os tribunais, quando a causa é de sua competência

originária, inciso I, o juízo que processou a fase cognitiva no primeiro grau de jurisdição

(inciso II) e o juízo cível competente para executar sentença penal condenatória, arbitral ou

estrangeira (inciso III). Destaca-se neste cenário o parágrafo único ao oferecer a possibilidade

ao exequente, no caso do inciso II, de optar pelo “juízo local onde se encontram bens sujeitos

à expropriação ou pelo atual domicílio do executado”.

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.159. 709 Art.97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pelas vítimas e seus sucessores, assim como pelos

legitimados de que trata o art.82. Parágrafo único. Vetado. A liquidação de sentença, que será por artigo, poderá ser

promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão só, o nexo de causalidade, o dano e seu montante. 710 “Esse dispositivo dissocia, de forma arbitrária, o foro dos processos de conhecimento e de execução, rompendo o

princípio da vinculação quanto à competência entre esses processos, adotado pelo Código de Processo Civil (art.575) e

defendido pela melhor doutrina. Ao despojar uma das partes da certeza quanto ao foro de execução, tal preceito lesa o

princípio de ampla defesa assegurado pela Constituição (art.5º, LV). Mensagem nº664, de 11 set.1990”. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep664-L8078-90.htm. Acesso em: 22 ago.2014. 711 Ada Pellegrini Grinover afirma que as razões invocadas no veto apontam, “entre outras coisas para o desconhecimento da

natureza do processo de liquidação; para o descaso com a exigência de renovação dos esquemas processuais clássicos,

necessária para a efetiva tutela dos interesses e direitos coletivamente tratados; para o equivocado enfoque do direito de ação

e de defesa, que hão de ser exercidos amplamente, mas por ambas as partes e no quadro da igualdade real e da par condicio”.

(GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.159). 712 Conforme explica Ada Pellegrini Grinover, “É que, vetado o dispositivo em tela, permaneceu íntegro o §2º, I, do art. 98 –

que se refere ao juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, para a execução individual. Assim, fica claro que

diversos podem ser o foro e o juízo da liquidação da sentença e da ação condenatória, nas ações coletivas de que trata o

Capítulo II do Título III”. (GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado

pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.159).

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Esse conjunto normativo permite afirmar que podem ser diversos os foros

competentes para a liquidação da sentença coletiva713

, sendo esta uma fase intermediária entre

a cognição e a execução e preparatória desta última. É possível, portanto, que a liquidação e

respectiva execução sejam processadas perante o mesmo juízo em que se processou a ação

condenatória (art.98, §2º, I e II do CDC, c/c art. Art.475-P, II, do CPC), perante o juízo do

foro do domicílio do liquidante/exequente (art.98, §2º, I, do CDC), atual domicílio do

liquidado/executado e onde se encontram os bens sujeitos à expropriação (parágrafo único do

art. 475-P do CPC). Estas alternativas são oferecidas para as liquidações individuais pelas

vítimas ou seus sucessores.

Observa-se, portanto, que nas ações coletivas, a fase de liquidação e

consequente execução de sentença não seguem o princípio segundo o qual o juízo da ação

cognitiva é também o juízo competente para a execução, conforme dispõe o art.575 do CPC,

fundado no pressuposto da conexidade sucessiva dessas ações. A propósito, escreveu Teori

Albino Zavascki,

Por outro lado, a adoção do princípio antes referido certamente não contribuiria para

alcançar os objetivos a que se destina. Pelo contrário, a concentração de todas as

ações de cumprimento num único juízo acarretaria não um melhor desempenho, e

sim o emperramento da função jurisdicional. Ademais a depender das circunstâncias

de fato, sua adoção deixa o titular do direito subjetivo em condições piores do que se

tivesse promovido desde logo sua demanda individual. É o que ocorre, por exemplo,

com os demandantes cujo domicílio é outro que não o do juízo da ação coletiva714

.

Assim, conjuga-se o art.101, I do CDC cujo dispositivo reza que a ação

cognitiva de responsabilidade civil “pode” ser proposta no domicílio do autor, configurando

uma regra especial com o claro propósito de promover o acesso à justiça, um dos

fundamentos das ações coletivas. O autor da ação coletiva pode escolher renunciar a esta

alternativa legal e eleger o domicílio do réu, que é a regra geral do art.94 do CPC.

Estabelecida competência, processada a ação cognitiva e prolatada a sentença,

seguem as fases de liquidação e execução no mesmo foro, conforme art.98, §2º, I do CDC.

Entretanto, poderão os legitimados optar por foro diverso, conforme as alternativas legais

apresentadas.

Parte da doutrina entende que as liquidações processadas coletivamente pelos

entes legitimados do art.82 do CDC, seja por tratar-se de ação em que se tutelam os direitos

difusos ou coletivos, (não permitindo de per si serem individualizados) ou tutelados direitos

713 Os anteprojetos de Código Modelo também seguem o entendimento de que deverão ser diversos os foros competentes

para a liquidação e execução da sentença coletiva. Neste sentido: CBPC-OBDP, art.33; o CBPC-UERJ/UNESA, art.37. 714 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4. ed. rev. atual.

São Paulo: RT, 2009, p.180.

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individuais homogêneos, a liquidação se dê na forma coletiva, nos termos do art.100 do

CDC715

. O microssistema não oferece alternativa, devendo a liquidação da sentença genérica

ser processada, necessariamente, perante o mesmo juízo do processo de conhecimento716

.

Hugo Nigro Mazzilli sintetiza este entendimento, afirmando que “no caso de

ação civil pública ou coletiva que verse sobre interesses difusos ou coletivos, a liquidação ou

a execução devem fazer-se perante o juízo da ação condenatória, nos mesmos autos, como

uma nova fase do processo”717

.

No entanto, a despeito do entendimento acima defendido por vozes da doutrina

mais respeitável, a postura assumida neste trabalho é a de que a regra prevista para a

liquidação e execução individual aplica-se igualmente à liquidação e execução coletiva

promovida pelos entes do art.82 do CDC, pois além de não haver razão para o tratamento

diferenciado, deve-se considerar se a alteração do regime geral proporcionará o acesso à

justiça, bem como a adequada e efetiva prestação jurisdicional nas ações coletivas718

.

4.3.4 O procedimento da liquidação

No que concerne às sentenças coletivas, que em regra são genéricas,

especialmente quando tutelam direitos individuais homogêneos impõem necessária liquidação

da sentença quando o pedido for procedente719

.

715 Art.100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano,

poderão os legitimados do art.82 promover a liquidação e execução da indenização devida. 716 Neste sentido: VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.134; ALMEIDA, João

Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p.216; SILVEIRA,

Ricardo Geraldo Rezende. Execução coletiva: teoria geral e novas pespectivas. Curitiba: Juruá, 2012, p.118; ALMEIDA,

Marcelo Pereira de. Processo coletivo: Teoria geral, cognição e execução. São Paulo: LTr, 2012, p.157; BUENO, Cassio

Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – direito processual público e direito processual coletivo. v.2.

t.III. 4.ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p.224. 717 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.592. 718 Patricia Miranda Pizzol, ao escrever sobre a competência para liquidação nas ações coletivas, defende a flexibilização da

regra de competência afirmando que se o consumidor tem direito à reparação dos danos sofridos, deve ser facilitada

exatamente a liquidação e a execução da sentença. Esclarece ainda que, quando trata do regime jurídico das ações coletivas,

tudo que se aplica aos direitos individuais do consumidor “aplica à tutela de quaisquer direitos coletivos e não apenas àqueles

pertinentes às relações de consumo”. (PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998,

p.193). Coadunam com este entendimento Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “A possibilidade de escolha de foros para a

execução, prevista no par. ún. do art.475-P, também se aplica à execução coletiva promovida pelos legitimados coletivos,

pois não há razão para qualquer diferenciação de tratamento: se o regime do CDC (art.98, §2º, II) adotava o regime geral

previsto no CPC, se esse foi alterado, também deve considerar-se alterado, por revogação, o regime daquele”. (DIDIER JR.,

Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010,

p.409). 719 Conforme lecionam Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, apesar do disposto no art.95 do CDC, não

há impedimento para que numa ação em que se tutela direitos individuais homogêneos, seja proferida sentença “líquida”, em

que se define precisamente o valor devido a cada um dos entes individualmente considerados. (WAMBIER, Luiz Rodrigues;

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: (Coords.)

GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São

Paulo: RT, 2007 p.273).

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No que respeita à liquidação de sentença, a LACP não se ocupa e o CDC

oferece poucos dispositivos a respeito, regulando apenas a legitimidade, a competência e a

espécie de liquidação720

, revelando, em princípio, a clara disposição de tutelar

especificamente os direitos individuais homogêneos. Não se olvida aqui o interagir recíproco

entre os sistemas do CDC e da LACP, que no dizer de Nelson Nery Jr., “se completam e

podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos,

coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de

consumo”721

.

Sem embargos dessa postura, também adotada neste trabalho, revela-se que em

se tratando de direitos eminentemente coletivos, segue-se o procedimento do CPC se não

houver incompatibilidade ou não contrariar as condições de melhor tutela desses direitos. A

exemplo, a sentença genérica, quando em situações de absoluta impossibilidade de fixar desde

logo o valor ou discriminar o objeto da obrigação.

Outrossim, tanto a LAPC quanto o CDC carecem de pormenorização quanto ao

procedimento relativo ao modus operandi da liquidação da sentença, trazendo sérias

dificuldades operativas nesse aspecto, o que justifica a necessária aplicação das disposições

do CPC nas ações coletivas722

. Destarte, o procedimento da liquidação de sentença, assim

como da execução coletiva seguem, em linhas gerais, o rito do CPC, efetivando-se como fases

subsequentes às atividades cognitivas de um único processo sincrético, conforme reforma

operada pela Lei nº11.232/2005.

Advirta-se que, embora com a referida lei, o legislador tenha pretendido

eliminar o processo autônomo de liquidação, este ainda subsiste. Como exemplos citam-se o

processo autônomo de liquidação de sentença penal condenatória, quando se pretende

executar civilmente eventual condenação de responsabilização por danos; liquidação de título

extrajudicial, quando originariamente continha a obrigação de entrega de coisa certa e esta foi

destruída ou pereceu por culpa do obrigado, convertendo-se a obrigação em perdas e danos,

720 O parágrafo único do art.97 que dispõe sobre a competência e a espécie de liquidação foi vetado pelo Poder Executivo.

Nas razões de veto, verifica-se que a intenção era excluir a regra fixada para a competência, entretanto, acabou-se por elidir

também a modalidade de liquidação. Ada Pellegrini Grinover assegura que “mesmo com o veto, o conteúdo da disposição

permanece íntegro, em face dos princípios do estatuto processual civil. (GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2011,

p.158). Em outro ponto deste trabalho, consta explicações mais detalhadas sobre a subsistência deste dispositivo vetado. 721 Em comentário ao Título VI – Disposições finais do CDC. (GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011.) 722 Segundo João Batista de Almeida, “Assim, a LACP cuidou de regular apenas e tão somente o sujeito ativo da execução

(quem pode ou deve promover a execução), ficando explícito aplicar-se o sistema do CPC aos demais trâmites da liquidação

e da execução de sentença. O art.15 disse menos do que deveria dizer (por exemplo, a liquidação da sentença e a ampla

legitimação para a execução), o que, no entanto, pode ser suprido pela aplicação subsidiária do CPC”. (LOPES, João Batista.

Aspectos controvertidos da ação civil pública. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p.214-215).

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devendo na liquidação fixar a quantia a ser paga, ou ainda, quando decorrente de um termo de

ajustamento de conduta (TAC) em inquérito civil.

Por sua vez, nas demandas coletivas para tutela de direitos individuais

homogêneos, considerando as sentenças genéricas, quando as liquidações e execuções são

promovidas pelas vítimas ou sucessores, os respectivos processos são processados de forma

autônoma.

Toda a disciplina da liquidação de sentença nas ações individuais está inserida

nos arts.475-A a 475-H do CPC723

, que em linhas gerais dispõe sobre o procedimento das

duas espécies de liquidação: por arbitramento, determinado em sentença ou convencionado

entre as partes, ou quando exigir a natureza do objeto da liquidação, caso em que será

nomeado um perito; e por artigos, cabível quando houver necessidade de alegar e provar fato

novo. Quando a determinação do valor depender apenas de cálculo aritmético para apurar a

quantia a ser paga, então não enseja uma liquidação propriamente dita, contudo possui um

regramento adequado do seu procedimento.

Com efeito, a disciplina legal pertinente aos aspectos peculiares da liquidação

de sentença coletiva está prevista no art.97 da Lei nº8.078/90 (CDC)724

, que regula a

legitimação, a forma, o foro competente e o objeto de conhecimento, consoante esclarece Ada

Pellegrini Grinover:

Por intermédio dos processos de liquidação, ocorrerá uma verdadeira habilitação

das vítimas e sucessores, capaz de transformar a condenação pelos prejuízos

globalmente causados do art.95 em indenizações pelos danos individualmente

sofridos. [...] E não há dúvida de que o processo de liquidação da sentença

condenatória, que reconheceu o dever de indenizar e nesses termos condenou o réu,

oferece peculiaridades com relação ao que normalmente ocorre nas liquidações de

sentença. Nestas, não mais se perquire a respeito do an debeatur. Aqui, cada

liquidante, no processo de liquidação, deverá provar, em contraditório pleno e com

cognição exauriente, a existência do seu dano pessoal e o nexo etiológico com o

dano globalmente causado (ou seja, o an), além de quantificá-lo (ou seja, o

quantum)725

.

723 No texto do CPC votado pelo Senado e enviado à sanção, o procedimento de liquidação de sentença está previsto no

Capítulo XIV, art.507 a 510 e prevê a liquidação por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas

partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação e pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e

provar fato novo. 724 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. “Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela

vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art.82. Parágrafo único. Vetado – A liquidação de

sentença, que será por artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante cabendo-lhe provar, tão só, o nexo de

causalidade, o dano e seu montante.” Embora o parágrafo único tenha sido objeto de veto presidencial, da leitura conjunta

com o art.98, tem-se que seu dispositivo ainda se encontra em plena aplicação. 725 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.154.

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Com relação à liquidação nas ações coletivas, temos duas situações que dão

origem à sentença liquidanda: a) uma demanda coletiva em que se tutelam direitos difusos ou

coletivos em sentido estrito726

ou b) uma demanda coletiva em que se tutelam direitos

individuais homogêneos. Se em ambos os casos foi proferida uma sentença genérica727

, cuja

natureza reclama um procedimento integrativo dos seus elementos, imprescindível será a

liquidação de sentença.

Ocorre que tanto uma situação quanto outra estão sujeitas a sofrer alteração do

objeto. Na primeira situação, determinada demanda coletiva em que se tutelam direitos

difusos e coletivos, poderá haver transporte in utilibus da coisa julgada material728

, havendo

uma alteração de objeto do processo. Assim, passa-se às liquidações individuais no tocante

aos danos sofridos pelas pessoas individualmente lesadas, a teor do art.103, III, §3º do CDC.

De outro lado, numa sentença genérica proferida em ação coletiva para a tutela

de direitos individuais homogêneos, se não houver habilitação de interessados em número

compatível com a gravidade do dano, a lei permitirá que os legitimados do art.82 do CDC

promovam a liquidação, não mais para averiguar os prejuízos sofridos, mas para apurar a

quantificação dos danos causados e destinar o quantum obtido para o Fundo de Defesa de

Direitos Difusos, nos termos do art.100 do CDC729

.

4.3.4.1 Liquidação de sentença em ação coletiva para tutela de direitos difusos ou

coletivos em sentido estrito

Nas demandas coletivas em que se tutelam direitos difusos ou coletivos em

sentido estrito, o procedimento da liquidação coletiva da sentença reduz-se à determinação do

valor global da condenação (quantum), sem a necessidade de discriminação dos credores e

726 Não se olvida, porém, que numa mesma demanda coletiva, sendo a mesma causa de pedir, um mesmo fato causador do

dano, tutele-se direitos eminentemente coletivos e individuais homogêneos, a depender do(s) pedido(s) formulado pelo autor.

Imagine uma poluição ambiental provocada por determinada fábrica nos lençóis freáticos de determinada área e os moradores

daquela localização consumindo água contaminada e sofrendo danos à saúde. Limitando-se o autor da ação postular pela

obrigação de fazer, em tutela específica, para promover o adequado tratamento da água e tomar outras providências de ordem

prática para evitar a continuidade do dano, estar-se-á diante de tutela a direito difusos, embora os direitos individuais

homogêneos também tenham sofrido lesão. Nada impede, porém, que haja pedido concomitante para tutela dos direitos

individuais dos consumidores, considerados os danos sofridos. 727 Não há óbice que se prolate uma sentença coletiva contendo todos os elementos imprescindíveis ao cumprimento,

dispensando o procedimento liquidatório. 728 Tema referido no capítulo da coisa julgada. 729 Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier afirmam que a liquidação coletiva promovida pelos entes do

art.82 do CDC, nas ações que tinham por finalidade exatamente reparar danos individualmente sofridos, ocorre um “desvio”

de finalidade, embora perfeitamente justificável pela necessidade de conferir efetividade ao processo, que estes recursos

sejam destinados a outros tipos de atividades dirigidas à proteção da coletividade. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER,

Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a liquidação e a execução das sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada

Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.275).

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251

dos respectivos créditos individuais. Os atos processuais serão realizados como fase ulterior

da ação cognitiva, conforme estabelecido pela Lei nº11.232/2005 em estrutura sincrética,

ainda que os autos possam ser apartados possibilitando melhor operacionalização.

Os procedimentos executórios ulteriores à prolação da sentença ocorrerão na

forma coletiva, exceto se houver interessados individuais que se habilitem para a liquidação e

execução, se o mesmo fato gerador resultar danos pessoais individualmente sofridos. Assim,

os legitimados do art.82, do CDC requererão a liquidação dos valores, que serão revertidos

para o Fundo criado pela Lei nº7.347/85.

Ressalva-se que o procedimento acima descrito tem lugar para as obrigações

originárias de pagar quantia ou aquelas nas quais houve conversão em perdas e danos. A

observação é pertinente porque, conforme afirmado anteriormente, as condenações em ações

coletivas para tutela de direitos difusos e coletivos em sentido estrito, na maioria das vezes,

são para cumprimento de obrigação diversa de pagamento, onde se prioriza a tutela específica.

Nos casos em que as condenações têm por objeto o cumprimento de obrigação

de fazer, não fazer, entrega de coisa, o procedimento executivo é dado pelos arts. 84 do CDC,

461 e 461-A do CPC. Não há óbice em que se proceda à liquidação de sentença destas

obrigações, quando imprescindível a precisa individualização daquelas obrigações. Os

princípios da economia processual, da máxima eficiência processual, da celeridade dos atos

processuais recomendam que o juiz especifique a obrigação de forma clara, compreensível e

exequível na sentença proferida na fase de conhecimento.

Este entendimento é compatível com a intenção do legislador ao extinguir a

espécie de liquidação por cálculo do contador730

, enfatizando o princípio da cooperação das

partes, in casu, que o pedido seja claro e preciso, demonstrando exatamente a lesão ao direito

tutelado. Enfatiza ainda que as informações prestadas sejam idôneas, as provas carreadas aos

autos sejam suficientes, os terceiros participantes do processo demonstrem boa vontade, todos

ajam de boa-fé para a boa condução dos atos processuais, o magistrado busque conhecimento

e aja empenho e criatividade para melhor deslinde do feito e o provimento judicial denote a

730 Como pondera Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, “Haverá, especialmente em processos coletivos, grande economia

processual se o próprio réu estiver em condições de efetuar os cálculos, ou fornecer os elementos necessários para tanto,

dando cumprimento efetivo à sentença, como anteriormente já se encontrava semelhantemente disposto no §1º do art.604 e

agora no §1º do art.475-B do CPC. A cultura individualista e dispositiva do processo civil, entretanto, acabam fortalecendo

interpretações que acabam privilegiando a necessidade da prolação de sentenças genéricas, sucedidas de liquidações e

execuções individuais, na contramão da história”. (Sentença, liquidação e execução nos processos coletivos para a tutela dos

direitos individuais homogêneos. In: (Coords.) SANTOS, Ernani Fidélis e outros. Execução civil: estudos em homenagem ao

Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, p.301).

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252

efetividade da tutela jurisdicional e, por conseguinte, seja eficiente para a tutela do direito

material731

. Sobre o tema, pondera Sérgio Cruz Arenhart:

A proteção adequada, pela via coletiva, dos interesses individuais, é um poliedro que

deve ser pensado em todas as suas facetas. Somente com a atenta configuração de

todos os momentos do processo, a tutela será eficiente e adequada, tanto para os

sujeitos interessados, como para o Poder Judiciário732

.

Rememora-se que para o efetivo cumprimento destas decisões judiciais, na

forma específica, o juiz lança mão de medidas coercitivas que, na maioria das vezes são

reduzidas a multas pecuniárias em favor dos autores. Nestes casos, cabe o procedimento

liquidatório, caso não seja possível desde já, juntar ao requerimento a memória de cálculo

atualizada, nos termos do art.475-B do CPC. Observa-se que o produto destas multas em

ações coletivas para tutela de direitos transindividuais será revertido ao Fundo mencionado.

Quanto à modalidade da liquidação de sentença genérica empregada nas ações

coletivas, variará conforme as necessidades de cada caso concreto733

, relacionadas à fixação

do quantum. É preciso considerar que se trata de uma atividade tipicamente cognitiva, cujos

atos processuais se desenvolvem em forma de alegações das partes, produção de provas,

assegurado o contraditório, tendentes à prolação de uma sentença, ainda que desenvolvida

como uma fase durante o processo de conhecimento.

Não se olvida que o vetado parágrafo único do art.97 dispunha que o

processamento da liquidação de sentença coletiva deveria se processar, necessariamente, na

modalidade “por artigos”. Ainda que nas razões de veto, a intenção denota tão somente extrair

731 Exemplo emblemático de criatividade judicial, que contribuiu para um desfecho eficiente e célere ao processo coletivo se

afigura nos autos nº2007.70.00.0041556-4, processada perante a 5ª Vara Federal de Curitiba, sentença proferida pelo juiz

substituto federal Vicente de Paula Ataíde Jr. A ação teve por objeto disciplinar o procedimento para distribuição do

montante arrecadado através de acordo judicial entabulado nos autos de ação penal nº2003.70.00.021364-3, da 2ª Vara

Federal Criminal de Curitiba-PR; trata-se de ação movida em face do Consórcio Nacional Garibaldi cujo acordo resultou de

depósito judicial. Em lugar de promover habilitação de cada consorciado para demonstrar, em procedimento liquidatório, a

lesão, a titularidade e o nexo causal, a decisão consistiu em determinar por perícia, que o valor disponibilizado pelo requerido

fosse distribuído em forma de rateio proporcional entre as vítimas. Para tanto, determinou outras providências de ordem

prática: ordenou que um banco oficial abrisse contas correntes em favor das vítimas, para o repasse do produto do valor

estimado pelo perito. Ordenou a ampla divulgação nos meios de comunicação para que os possíveis titulares pudessem

efetuar o levantamento do dinheiro. Após o prazo estipulado para esta providência, estabeleceu que o autor da execução

coletiva (MPF) providenciasse a comunicação individualizada dos interessados que não efetuaram o levantamento do valor

depositado, sem qualquer manifestação nos autos ou intermediação de advogado. Disponível em:

http://www.jfpr.gov.br/consorcionacionalgaribaldi. Acesso em: 22 dez.2014 732ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais

homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p.309. 733 O Superior Tribunal de Justiça já demonstrou este entendimento conforme se vê nos REsp 880.385/SP, 3ª Turma,

Rel.Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/09/2008: “Diante das circunstâncias específicas do caso, a execução coletiva pode

dispensar a prévia liquidação por artigos ou por arbitramento, podendo ser feita por simples cálculos, na forma da antiga

redação do art.604, CPC”; Resp 1.187.632/SP, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/04/2011: “Se o

título executivo não prevê indenização estimada e possui os critérios para a liquidação e tendo em vista identificação dos

beneficiários, a liquidação deve levar em conta cada um dos contratos. No caso, pode ser realizado por arbitramento, de

modo a se atingir a efetiva celeridade da tutela coletiva, aliados ao cumprimento do previsto no título.”

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a regra de competência fixada para a liquidação, excluiu conjuntamente (aparentemente) a

disposição referente à modalidade de processamento da liquidação.

A modalidade de liquidação por artigos, consoante disposta nos arts.475-E e

475-F é utilizada quando houver necessidade de alegar e provar fatos novos. Segundo Araken

de Assis, “fato novo é aquele resultante da obrigação e que não foi objeto da pretérita

condenação, porque o autor deixou de fora do âmbito cognitivo, ou surgiu durante ou após a

demanda condenatória, nada obstante se mostrar essencial à apuração do quantum

debeatur”734

.

Não obstante a modalidade de liquidação por artigo seja a regra para as ações

coletivas, nada impede, todavia, que se lance mão da modalidade por arbitramento (art.475-C

e 4475-D do CPC), quando o caso assim necessitar e a liquidação por artigo não for idônea

para obter o quantum da reparação destinada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Neste

sentido, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier lecionam que poderá

optar pelo arbitramento “sempre que esta solução se mostrar mais adequada para a definição

do quantum, seja porque a produção de provas será muito custosa ou demorada, seja porque a

definição precisa do valor da indenização será difícil ou impossível”735

.

Além disso, dispõe o art.475-C em seus incisos que será realizada a liquidação

por arbitramento, quando determinado em sentença ou por convenção das partes (inc.I) e

sempre que “o exigir a natureza do objeto da liquidação” (inc.II).

Assim, a liquidação por arbitramento é aquela que requer os préstimos de um

especialista cuja qualificação deve ser relacionada com a natureza do bem jurídico afetado,

com a finalidade de realizar uma perícia, conforme ensina Araken de Assis736

.

A dificuldade específica encontrada na liquidação de sentença envolvendo

direitos transindividuais decorre exatamente da natureza destes mesmos direitos, pela

indivisibilidade de seu objeto e em sua grande maioria de natureza não-patrimonial, como os

recursos naturais, por exemplo, cujos danos são imensuráveis economicamente.

Acerca da executoriedade dos bens sem conteúdo patrimonial e sua

executoriedade já se discorreu, pugnando pela tutela específica e os meios coercitivos de

efetividade das decisões judiciais. É sabido que não existem parâmetros econômicos para a

mensuração dos danos para eventual condenação em quantia certa, uma vez que o valor destes

bens extrapola os limites da esfera patrimonial. O valor intrínseco destes bens não permite por 734 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 16.ed. São Paulo: RT, 2013, p.359. 735 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a liquidação e a execução das

sentenças coletivas. In: (Coords.) GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de

Código de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007 p.277. 736 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 16.ed. São Paulo: RT, 2013, p.358.

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meio de simples prova de fatos novos quantificar objetivamente, mas tão somente estabelecer

uma delimitação do objeto lesado.

Afigura-se a situação de dano ambiental anteriormente descrita na qual houve

perecimento de animais, destruição da vegetação nativa, em razão de queimada em floresta ou

qualquer outro dano ecológico. A reparação destes danos causados ao meio ambiente poderá

ser realizada de três modos: in natura, compensação ecológica e ressarcimento pecuniário. A

efetivação das duas primeiras formas de reparação pela tutela jurisdicional processa-se pelas

técnicas previstas nos arts.461 do CPC e 84 do CDC. Já para a efetivação do ressarcimento

pecuniário, o procedimento e as técnicas processuais aplicáveis são aqueles previstos nos

arts.475-A ao 475-R do CPC (instituídos pela Lei nº11.232/2005).

Mesmo aplicando as normas de procedimento específicas para a tutela de

direitos individuais, a técnica processual não se revela satisfatória, exatamente porque as

modalidades de liquidação de sentença previstas no Código Processual não possuem critérios

idôneos para mensurar os valores dos bens de natureza coletiva, como é o caso do meio

ambiente e os demais direitos tutelados pelo ordenamento jurídico737

.

A liquidação por artigo não pode ser descartada na medida em que a situação

apresentada nos autos reclamar prova de fatos novos, o que permitirá delimitar o dano,

todavia, não será suficiente para quantificar a sua extensão econômica738

.

A nomeação de um perito seria fundamental para avaliar a extensão do dano,

sendo inviável a recomposição ou restauração in natura739

do(s) bem(s) deteriorado,

danificado ou perecido por completo. Como atribuir um valor pecuniário a cada um dos

animais eventualmente atingidos pelo ato ilícito? A propósito, Patricia Miranda Pizzol afirma

que nas liquidações envolvendo situações como esta, “as provas que serão necessariamente

737 Conforme afirma Juliana Gerent, “a atribuição de valores econômicos aos bens ambientais atingidos pelo dano ambiental

restringe-se às suas capacidades de consumo pelo homem, sua importância como matéria-prima para o setor industrial ou

como insumo e, ainda, seu valor para o homem no sentido de contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade

coletiva. Não se valora o ecossistema quanto ao seu equilíbrio. O Decreto nº4.339/2 que trata da Política Nacional da

Biodiversidade é a única norma jurídica que traz no inciso XIV do Anexo I a previsão de critérios para fixação do valor do

dano ambiental ao estabelecer: “o valor de uso da biodiversidade é determinado pelos valores culturais e inclui valor de uso

direto e indireto, de opção de uso futuro e, ainda, valor intrínseco, incluindo os valores ecológico, genético, social,

econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético”. (GERENT, Juliana. Liquidação de sentença

condenatória por danos ambientais difusos. Processos Coletivos, Porto Alegre, v.1, n.1, 19out.2009.

Disponível em: http://www.processoscoletivos.com.br/doutrina/18-volume-1-numero-1-trimestre-01-10-2009-a-31-12-

2009/73-liquidacao-de-sentenca-condenatoria-por-danos-ambientais-difusos. Acesso em: 09 nov.2014). 738 Qualquer que seja a forma de reparação prestada aos direitos transindividuais, não há óbice que se cumule obrigações de

fazer ou pagar quantia. No que se refere à tutela ressarcitória, “pretende-se que a fluid recovery, muito mais do que se prestar

a uma questionável recomposição do dano provocado pelo ato irresponsável do agente condenado, sirva como forma de

prevenção geral e especial à reiteração de comportamentos lesivos aos direitos supra-individuais”. (VENTURI, Elton.

Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.146). 739 O fundamento legal para a reparação in natura dos danos causados ao meio ambiente está a Constituição Federal, art.225,

§1º, I e §2º e na Lei Também o art.2º, VIII e VI da Lei nº6.938/81, art.2º, VI e VIII. Interpretando conjuntamente o art.14, 1º

da Lei nº6.938/81 com os arts.2º e 4º da mesma Lei conduzem ao raciocínio no sentido de privilegiar a reparação in natura

do dano ambiental e apenas quando esta for impossível recorre-se a outras formas de reparação.

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produzidas serão a prova pericial, prova documental, prova testemunhal, podendo o juiz, se

entender necessário, realizar vistoria no local do dano”740

.

No que concerne ao procedimento, extrai-se, também, dos dispositivos do

Código de Processo Civil atinentes à liquidação que o procedimento seguirá o rito comum

(ordinário ou sumário), com a imediata pertinência dos institutos e atos processuais próprios

do processo de conhecimento, admitindo-se, ampla defesa.

Destarte, seja a liquidação coletiva por arbitramento ou por artigos, ou ainda

com a juntada de mero cálculo aritmético, quando as informações constantes da sentença

liquidanda assim o permitir, o processamento se dará por mera fase aberta com uma finalidade

específica, por disposição legal expressa nos arts. 475-A a 475-H do CPC, sem a necessidade

de instaurar novo processo, com claro intuito de conferir maior celeridade ou duração

razoável do processo.

Conforme se afigura uma ação coletiva, a qual tutela direitos difusos,

pretendendo a reparação pelo equivalente em pecúnia pelos danos causados ao meio ambiente

e prolatada a sentença genérica, a liquidação para fixar o valor da indenização deverá ser

processada como uma fase do processo, nos mesmos autos,741

visando integrar a sentença para

fins de execução.

Destarte, tratando-se de mera fase procedimental, disciplina o §1º do art.475-A

do CPC que a requerimento do autor (no caso das ações coletivas, legitimado ativo), o réu

será intimado na pessoa de seu advogado e não mais citado como constava do texto revogado,

exatamente porque não haverá instauração de um novo processo autônomo742

.

Embora o procedimento da liquidação seja desenvolvido por mera fase do

processo cognitivo, a decisão que encerra esta etapa em primeiro grau de jurisdição é a

sentença, complementando a norma jurídica individualizada, eis que configura simples

complemento da sentença condenatória, declarando o quantum debeatur, implementando a

condição para a execução.

740 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.207-208. 741 Conforme lecionam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery: “o processo é único, formado por três ações de

conhecimento, de liquidação e de execução. A liquidação se processa nos mesmos autos da ação de conhecimento da qual se

originou a sentença liquidanda, salvo quando o autor optar por um dos foros concorrentes do CPC 475-P par. ún.”. (NERY

JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São

Paulo: RT, 2013, p. 868). 742 Defendem este entendimento: Sérgio Shimura (SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo:

Método, 2006, p.152), Fredier Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito

processual civil: processo coletivo. 5.ed. v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.384). Neste sentido já decidiu o Superior

Tribunal de Justiça: AgR no REsp nº1.392.463/RS, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em: 07/11/2013.

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A disciplina processual inova também ao prever o agravo de instrumento

como um recurso cabível contra esta decisão (art.475-H do CPC), o que denota outra exceção

à regra do CPC, que estatui o recurso de apelação contra as sentenças.

A liquidação pode ser requerida na pendência de recurso, conforme dispõe o

§2º do art.475-A do CPC. Independentemente do efeito em que o recurso foi recebido, não há

impedimento legal para que a liquidação seja requerida e processada. Trata-se de faculdade

conferida ao credor que além de abreviar o tempo de tramitação do processo, caso seja a

sentença confirmada em grau de recurso, não acarreta prejuízo ao devedor. O processamento

ocorre em autos apartados, cabendo ao liquidante juntar as cópias das peças processuais

pertinentes. Araken de Assis denomina este procedimento de “liquidação antecipada” e não

provisória porque a decisão que dela advenha, após o trânsito em julgado, se torna

definitiva743

, independentemente da solução do recurso interposto em face da sentença

liquidanda, pois o “valor apurado é definitivo, embora sob a condição de que o provimento

não sofra alterações na via recursal”744

:

A liquidação na pendência de recurso recebido com ou sem efeito suspensivo

constitui opção do vencedor. Ela se mostra útil e proveitosa exatamente antes da

execução provisória, porque encurta o tempo necessário à satisfação do direito. [...]

Liquida-se na expectativa de que não sobrevenha o provimento do recurso pendente,

no todo ou em parte, impondo o retorno ao estado anterior, na execução provisória

(art.475-O, II), ou eliminando o direito expectado; porém, a liquidação estabelecerá

o quantum debeatur exato da prestação.

Ainda com o objetivo de conferir celeridade ao processo, o art.475-I, §2º

autoriza ao credor promover execução e liquidação simultâneas quando o provimento

agasalhar uma parte líquida e outra ilíquida. Por exemplo, a ação civil pública em que se

busca a tutela por danos causados ao meio ambiente, se houver condenação de obrigação de

fazer, perfeitamente delimitada na sentença, cumulada com tutela ressarcitória visando ao

ressarcimento em pecúnia, demandando liquidação. Nessa situação, a lei faculta ao credor

executar a parte líquida e, simultaneamente, promover a liquidação da parte ilíquida, pendente

ou não de recurso, em autos apartados. Pode ainda, aguardar a liquidação deste, para

posteriormente promover a execução conjunta.

De qualquer sorte, é defeso rediscutir a lide ou modificar a sentença em fase de

liquidação, conforme dispõe o art.475-G, do CPC. Entretanto, permite-se alegar fato novo

desde que resultante da mesma causa de pedir ou da mesma obrigação. Afigure-se a hipótese

743 Neste sentido, também: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e

legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.869. 744 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.83.

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largamente utilizada como exemplo, da ação coletiva para tutela do meio ambiente lesado, por

conta de queimada de floresta e perecimento de animais. Prolatada a sentença reconhecendo o

ato ilícito do réu, o dano e o nexo causal, condena-se ao ressarcimento em pecúnia, dentre

outras obrigações cabíveis, tais como de fazer consubstanciada na forma de reflorestamento.

Observada a sentença genérica, requer-se a liquidação. Durante o processamento da

liquidação, descobre-se que diversos animais salvos durante a queimada não sobreviveram e

que a área devastada em razão do incêndio é maior que o inicialmente demonstrado na ação

cognitiva. Nesta hipótese, cabe alegação e prova na fase de liquidação, por questões de

economia processual, sem configurar nova discussão da lide ou ultrapassar os limites da

sentença liquidanda745

.

4.3.4.2 Liquidação de sentença em ação coletiva para a tutela de direitos individuais

homogêneos

A propósito do art.95 do CDC, a sentença condenatória que acolher o pedido

do autor coletivo será genérica, ou seja, ilíquida, o que demanda liquidação, procedimento

preparatório para a futura execução. Reitera-se que caso o julgador reconheça existir nos

autos elementos suficientes para quantificar a indenização na sentença da ação cognitiva, não

há impedimento para fazê-lo. Tal procedimento acelera o tempo do processo e privilegia o

princípio da duração razoável do processo. A propósito, Ada Pellegrini Grinover argumenta

que mesmo sendo o pedido ilíquido, o juiz poderá prolatar sentença líquida, caso os elementos

do processo sejam satisfatórios, não havendo nesta técnica julgamento ultra petita746

.

Consoante já se sustentou neste trabalho, a exigência da fase de liquidação

decorre em grande medida do desenvolvimento dos atos processuais durante a fase de

conhecimento, seja do comportamento das partes, seja na condução do processo pelo

magistrado e não de uma obrigatoriedade intrínseca da ação coletiva. Neste sentido, Edilson

Vitorelli Diniz Lima sustenta que, “se o juiz adiantar as providências para a definição do

quantum debeatur para a fase probatória do processo de conhecimento, não haverá liquidação.

Por outro lado, se preferir imprimir maior celeridade à fase de conhecimento, legando tais

medidas para o futuro, será necessária a liquidação”747

.

745 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 16.ed. São Paulo: RT, 2013, p.162. 746 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.152. 747 LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação do dano coletivo no

direito brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Minas Gerais, 2011,

p.109.

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Reitera-se, ademais, que a sentença proferida em ações coletivas pode

configurar tanto a tutela de direitos difusos e coletivos em sentido estrito quanto de

individuais homogêneos, ensejando, portanto, tanto a uma execução coletiva, quanto a

execuções individuais, propostas pelas vítimas ou seus sucessores partindo do transporte in

utilibus da coisa julgada coletiva. Exemplo paradigmático dos danos ambientais

indivisivelmente considerados, que, pelo mesmo fato, redundam em danos individuais, e são

reconhecidos em sentença nas ações coletivas. As vítimas ou seus sucessores podem

aproveitar-se da coisa julgada, sem necessidade de nova sentença condenatória, passando-se

incontinente à liquidação, seguida de execução, conforme permissivo do art.103, §3º, III, do

CDC, para obterem ressarcimento do dano individual sofrido.

Também as sentenças proferidas em ação coletiva para a tutela específica de

direitos individuais homogêneos, em regra, são genéricas a teor do art.95 do CDC. Na fase

cognitiva destas ações busca-se a definição da existência da obrigação, da identidade do

devedor e a natureza da prestação devida. A delimitação individualizada dos credores e do

valor específico a que cada um faz jus, elementos que serão integrados à sentença genérica, é

promovida na fase de liquidação da sentença.

Destarte, visualizam-se duas situações distintas que demandam a liquidação de

sentença para a tutela de direitos individuais homogêneos: a) a liquidação da sentença

condenatória proferida em ação coletiva indenizatória com fundamento na LACP para tutela

de direitos difusos, mas que se eventualmente do mesmo ato ilícito resultou em dano a

direitos individuais, opera-se a extensão subjetiva da coisa julgada, possibilitando o

requerimento de liquidações individuais pelo fenômeno do transporte in utilibus; b) a

liquidação da sentença condenatória genérica prolatada em ação coletiva para a tutela de

direitos individuais homogêneos.

De toda sorte, sendo genérica a sentença prolatada em ação coletiva para a

tutela de direitos individuais homogêneos proceder-se-á a liquidação com o objetivo de

complementar a sentença liquidanda para identificar os credores individuais e o montante

devido a cada um, viabilizando a fase executiva ou o cumprimento espontâneo da obrigação

pelo devedor.

Nestes casos, a liquidação requerida pelas vítimas ou sucessores ou pelo

legitimado extraordinário coletivo, deve identificar além do valor (quantum debeatur), outros

elementos. A propósito, lecionam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., que serão apurados:

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a) os fatos e alegações ao dano individualmente sofrido pelo demandante; b) a

relação de causalidade entre esse dano e o fato potencialmente danoso acertado na

sentença; c) os fatos e alegações pertinentes ao dimensionamento do dano sofrido.

O Código de Defesa do Consumidor utiliza a expressão “habilitação dos

interessados” para referir-se à liquidação promovida pelas vítimas ou sucessores com a

intenção de serem indenizadas pelos danos pessoalmente sofridos. Assim, compete a cada

interessado, requerer sua “habilitação” em ação de liquidação, competindo-lhe provar, em

contraditório pleno e com cognição exauriente, a existência de lesão ao seu direito, bem como

o nexo causal com o dano globalmente causado, além de quantificá-lo748

.

Quanto ao rito procedimental, as liquidações de sentença coletiva seguem em

linhas gerais as disposições do CPC, alterado pela Lei nº11.232/2005. Reitera-se que o regime

jurídico para a execução de sentença, instituído por esta Lei pretendeu transformar o processo

autônomo de liquidação de sentença em mero incidente ou fase processual, dispensando,

portanto, a citação do réu.

No caso das liquidações promovidas pelas vítimas e seus sucessores, esta

sistemática de mera fase processual não se aplica, haja vista que se inaugura uma nova relação

jurídica demandando a instauração de um novo processo. Sobre o tema, esclarece Sérgio

Shimura:

A sistemática dos arts.475-A a 475-H, CPC, vale para a liquidação relativa aos direitos

difusos e coletivos. Isso porque se envolver direitos individuais homogêneos, mister se faz

que cada lesado instaure outro processo (de liquidação), separadamente do feito coletivo

que gerou a sentença genérica (art.97, CDC)749

.

O autor aborda também a necessidade de se instaurar uma nova relação

processual, quando houver alteração do polo ativo, sendo requerida a liquidação pelas vítimas

ou seus sucessores. Nesse caso, o processo de liquidação será autônomo, especialmente

quando o liquidante o promover em foro diverso daquele em que se processou a ação de

conhecimento.

Considerando, portanto, que se inaugura uma nova relação jurídica, haverá

necessidade de citação do devedor750

. Sobre o tema, afirma Érica Barbosa e Silva: “a sentença

748 Neste sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos

autores do anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.154. 749 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.150. 750 Neste sentido: Bueno, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – direito processual público e

direito processual coletivo. 4.ed. rev.e atual. v.2. t.III. São Paulo: Saraiva, 2014, p.226.

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é destacada do processo de conhecimento, a fim de ser liquidada e executada por cada um dos

lesados, de forma independente”751

.

Outras questões acerca do procedimento da liquidação da sentença coletiva, a

necessidade de requerimento por parte do interessado, o rito, a proibição da rediscussão da

lide, a ampla produção probatória e cognição exauriente, a natureza da decisão judicial e os

recursos cabíveis aplicam-se às disposições do Código de Processo Civil, conforme disposto

nos arts. 475-A a 475-H.

Sobre a modalidade de liquidação, pelas próprias características da liquidação

individual, a pretensão indenizatória pelos danos eventualmente sofridos na esfera pessoal em

razão do ato ilícito causado pelo demandado, tem-se que a mais apropriada é a liquidação por

artigos cujo objeto é alegar e provar fato novo (art.475-E e 475-F do CPC). Corrobora este

entendimento o disposto no vetado parágrafo único do art.97 do CDC cujo dispositivo

determina a modalidade de liquidação por artigo por ser o procedimento idôneo quando se

pretende alegar e provar o dano individual e o nexo de causalidade com o dano genérico

reconhecido na sentença liquidanda. Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover afirma que “com

veto ou sem veto, a própria natureza das coisas exige que a liquidação se faça por artigos e

tenha esse objeto, e nenhum outro”752

.

A despeito deste entendimento, não se pode afastar a possibilidade de

utilização de outras modalidades de liquidação, quando a situação assim o permitir. Em regra,

deve-se processar a liquidação individual por artigos, segundo pretendeu disciplinar o

legislador no vetado parágrafo único do art.97 do CDC, pelas razões ora expostas. Assim, é

possível que na liquidação individual o requerente limite-se a apresentar a memória de

cálculo, se na sentença liquidanda estiver perfeitamente demonstrado o dano e o nexo

etiológico na sentença e comprovada a titularidade.

Afigura-se uma ação coletiva ajuizada pelo sindicato de servidores municipais

face ao Município alegando o descumprimento de Lei Complementar Municipal a qual prevê

que ao servidor com determinado tempo de serviço completo é devido, como adicional, à

sexta parte dos seus vencimentos calculados sobre seu salário do mês de competência e que a

este se incorpora para todos os efeitos. Prolatada a sentença condenatória reconhecendo a

obrigação e determinando o pagamento atualizado de determinada quantia, cada um dos

trabalhadores poderá habilitar-se, inaugurando um processo liquidatório trazendo aos autos

751 SILVA, Érica Barbosa e. Cumprimento de sentença em ações coletivas. In: (Coord.). CARMONA, Carlos Alberto.

Coleção Atlas de processo civil. São Paulo: Atlas, 2009, p.123. 752 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do

anteprojeto. 10.ed. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.158.

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provas da condição de empregados do réu durante o período em que deveria ter sido

efetivamente incorporado ao salário adicional e juntando a memória de cálculo atualizado.

Da mesma sorte, não há impedimento para que se lance mão do arbitramento

que embora possa parecer equidistante das situações práticas, pelas mesmas razões invocadas

no procedimento das liquidações coletivas, poderá ocorrer alguma situação que demande a

atuação de um perito753

. Situações as quais o dano ambiental provoca danos à saúde de

determinadas pessoas, a mensuração da extensão do dano dependerá de laudo médico para

comprovar o alegado e quantificar o valor despendido para o tratamento.

Considerando os elementos apurados na sentença genérica, quando se

reconhece a existência de um dano efetivo, partindo de cognição exauriente e ampla produção

probatória, identifica-se o causador do ato ilícito e condena-se à determinada obrigação.

Entretanto, não há individualização das vítimas, tampouco a extensão dos danos pessoais e a

especificação do quantum debeatur a que cada um eventualmente terá direito.

Estes elementos serão objeto de conhecimento na ação de liquidação,

competindo às partes demonstrar sua titularidade, os danos efetivamente sofridos, o nexo

causal entre o ato ilícito praticado pelo demandado e a lesão pessoal. Considerando que estes

elementos compõem o objeto do litígio, as provas produzidas e os debates entre as partes

conduzem à convicção do magistrado que resultará em uma decisão cujo teor será de

procedência ou não.

Neste sentido, a liquidação de sentença genérica em demanda destinada à tutela

de direitos individuais homogêneos pode conduzir a um resultado igual a “zero”, na medida

em que não reste demonstrado qualquer dos elementos faltantes no título executivo754

. É

possível, por exemplo, que o liquidante não obtenha êxito em comprovar o dano pessoal

alegado em decorrência do ato ilícito cometido pelo demandado (nexo etiológico) e declarado

na sentença liquidanda. Isto porque a sentença genérica limitou-se a declarar o an debeatur,

753 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu neste sentido: “O quantum debeatur será apurado por arbitramento em razão da

natureza do objeto da liquidação, eis que depende de apuração do valor do dano produzido, sem qualquer prejuízo para o

contraditório e ampla defesa, eis que as partes serão intimadas para se manifestarem sobre o laudo pericial, quando

conhecerão o critério do expert para a quantificação do valor para execução. (fls.1.562) A liquidação também não deverá ser

feita por artigos, como requer a recorrente, pois não há fato novo a ser provado. Com efeito, o fato está bem delineado na

sentença condenatória, determinando o ressarcimento dos consumidores. Nos termos da letra da lei, inexistindo interesse

dos consumidores, o MP tem legitimidade para requerer a execução do julgado em proveito do Fundo Específico de proteção

aos consumidores, gerido pelo MP, nos termos da Lei de Ação Civil Pública e CDC”. (BRASIL. Superior Tribunal de

Justiça, Quarta Turma, REsp n.1.187.632/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, data de julgamento 07/04/2011). No

mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, AgRg nos EDcl n.938.715/RJ, Rel. Min. Nancy

Andrighi, data julgamento: 06/05/2008. 754 Neste sentido: VENTURI, Elton Venturi. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.144.

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relegando a aferição dos demais elementos, especialmente o quantum debeatur para a fase de

liquidação, que dependerá de comprovação do alegado755

.

Esta situação não configura modificação da sentença liquidanda, portanto, não

fere o princípio da fidelidade ao título consagrado no art.475-G do CPC, tampouco ofende a

coisa julgada do processo de conhecimento756

. A decisão proferida na ação de liquidação tem

o condão de integrar a sentença liquidanda, fazendo constar um ou mais elementos que

faltavam para que o título se torne exigível, ou seja, apto a fundamentar a execução.

A situação difere quando diz respeito aos direitos difusos e coletivos porque a

sentença em ação que tutela referidos direitos reconhece a existência do dano, a prática

cometida pelo réu e o nexo causal entre ambas. O reconhecimento da existência do dano na

sentença não é uma simples declaração hipotética de dano ao direito transindividual, mas

além do reconhecimento do dano, a condenação à reparação. Observa-se, portanto, que

enquanto as sentenças genéricas coletivas possuem uma carga declaratória quanto aos danos

causados a direitos individuais (danos supostamente causados a determinados indivíduos),

apresenta-se condenatória quanto aos direitos transindividuais e, consequente reparação

fluida, restando à liquidação apurar o quantum.

4.4 As condenações nas ações coletivas e a atuação executiva na tutela dos direitos

coletivos em sentido lato

Percorrido todo o trâmite de uma ação coletiva, enfrentando variados percalços

e vencidos obstáculos das mais diversas naturezas, como o conflito de competência, a

concomitância com outras ações individuais ou coletivas, a coisa julgada, entremeado por

diversas decisões interlocutórias, culmina-se com uma sentença.

A sentença por si só, exceto a de natureza declaratória e constitutiva, não é

capaz de conferir ampla e concreta tutela aos direitos, reclamando uma nova atuação judicial,

salvo se o reclamado cumprir espontaneamente a determinação nela contida757

.

755 A situação difere quando diz respeito aos direitos difusos e coletivos porque a sentença em ação que os tutela reconhece a

existência do dano, a prática cometida pelo réu e o nexo causal entre ambas. O reconhecimento da existência do dano na

sentença não é uma simples declaração hipotética de dano ao direito transindividual; resta em liquidação apurar o quantum no

caso de sentenças genéricas nas ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos. 756 Neste sentido, NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.876; VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros,

2000, p.143. 757 De acordo com o art.4º do CPC, a sentença declaratória possui eficácia imperativa exclusivamente no concernente à

declaração da existência ou inexistência da relação jurídica entre as partes e a eventual autenticidade de documentos,

esgotando-se em si mesmas, por não dependerem de uma prestação a ser realizada pelo devedor. Discute-se se a Lei

nº11.232/2005 teria criado uma nova espécie de sentença declaratória, em razão do disposto no art.475-N do CPC,

reconhecendo a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia. Sob esta perspectiva, tal sentença

constitutiva de uma título executivo dá margem ao cumprimento de sentença ou execução por quantia certa. De acordo com

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Considerando, portanto, o eventual descumprimento voluntário da obrigação

contida na sentença, surge para o credor o direito à tutela executiva prestada pela via

jurisdicional, “cuja atividade se diferencia, em muitos aspectos, da atividade jurisdicional de

acertamento, com especial destaque aos planos da cognição judicial e da prática dos atos

processuais”, conforme argumenta Gregório Assagra de Almeida. Os atos executivos são

predominantemente de natureza material, cujo escopo é alcançar resultados concretos no

mundo fático.

Nesta ótica, a tutela executiva está intimamente ligada à efetivação das

decisões judiciais, na medida em que por ela se realizam os atos destinados à concretização

dos direitos, constituindo, no entender de Araken de Assis, “a forma mais expressiva, na

perspectiva do jurisdicionado, de tutela jurisdicional”758

.

A Lei nº11.232/2005, que promoveu alterações no procedimento das execuções

de sentença condenatória que fixem obrigações de pagar quantia, empregou a terminologia

“Do Cumprimento de Sentença” para designar as atividades executivas destinadas a conferir

efetivação do preceito contido na sentença. Esta expressão também foi utilizada pelo

legislador nos arts.461 e 461-A os quais disciplinam o cumprimento de obrigações de fazer,

não fazer e entrega de coisa, fixados em sentença.

A doutrina debruçou-se sobre o tema, procurando distinguir entre os termos

“cumprimento de sentença” e “execução de sentença”759

. Segundo Ada Pellegrini Grinover,

Ada Pellegrini Grinover, por meio de uma interpretação mais flexível e sistemática, entende que o dispositivo do art.475-N

“indica não apenas uma declaração, mas também a condenação, mantendo-se consequentemente a categoria da sentença

condenatória, mandamental ou executiva lato sensu e, ao seu lado, a declaratória tradicional”. (Cumprimento de sentença. In:

(Coords.) CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Temas atuais da execução civil – estudos em homenagem ao Professor

Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007, p.8). Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery possuem outro

entendimento, conforme se vê no comentário 3 do art.4º: “Sentença declaratória. Execução. A sentença declaratória não tem

força executiva, razão pela qual não pode aparelhar o cumprimento da sentença do CPC 475-I. A leitura apressada do CPC

475-N I pode dar a impressão de que a sentença meramente declaratória poderia ensejar execução, mas sua inexequibilidade

dá-se por algumas razões primordiais, como, por exemplo: a) inconstitucionalidade formal do CPC 475-N I, cuja redação,

aprovada pela Lei nº11.232/05, proveio de alteração no Senado Federal e não foi devolvida à Câmara dos Deputados para

reapreciação, conforme manda a CF 65 parágrafo único; b) é desprovida de comando judicial determinando o cumprimento

da obrigação pelo devedor; c) o autor da ação declaratória não exerceu pretensão condenatória, de modo que o réu só se

defendeu da pretensão do autor e apená-lo com executoriedade seria ofensivo à garantia do contraditório e ampla defesa (CF,

5º, LV); d) haveria ofensa ao princípio da congruência entre pedido e sentença (CPC 128 e 460) ao conferir-se eficácia

executiva a pedido que buscava eficácia declaratória (de mero acertamento), e a sentença declaratória à qual se reconhecesse

eficácia executiva teria sido dada extra petita. V. coments. CPC 475-N I”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de

Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.213). 758 ASSIS, Araken de. Execução na ação civil pública. Disponível em: http://www.amdjus.com.br/doutrina/civil/198.htm.

Acesso em: 25 nov.2014. 759 Gregório Assagra de Almeida servindo-se da doutrina de José Carlos Barbosa Moreira, o qual afirma que o termo

“cumprimento de Sentença” é gênero que comporta espécies: “a primeira espécie singular, que a lei dá o nome execução,

seria a referente à obrigação por quantia; a segunda comportaria duas espécies de obrigações fixadas judicialmente –

obrigação de fazer ou não fazer (art.461 do CPC) e obrigação de dar coisa certa ou incerta (art.461-A do CPC)”. No entanto,

após analisar o art.475-N, I, José Carlos Barbosa Moreira conclui que não há diferença substancial entre execução (para

sentença que condena à obrigação de pagar quantia) e cumprimento de sentença (referente às obrigações de fazer, não fazer e

entregar coisa) porque ao final, em qualquer caso, trata-se de sentença cuja efetivação se dá mediante atos materiais, que

acontecerão no mesmo processo que foi julgado. E conclui: “nessa perspectiva, não se admira que já se sustente em doutrina,

pura e simplesmente, a sinonímia entre aqueles dois ‘nomina iuris’”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução Coletiva

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a expressão “cumprimento de sentença” refere-se a gênero que tem como espécies

cumprimento de sentença sctrito sensu (obrigações específicas de fazer, não fazer e entregar

coisa) e execução (obrigações de pagar). Conforme este entendimento, o conceito de

execução não se estende ao cumprimento das obrigações específicas regidas pelos arts.461 e

461-A760

.

O fato é que o legislador não pretendeu distinguir as espécies de operações do

Poder Judiciário destinadas a conferir efetividade aos seus julgados, ainda que as obrigações

fixadas sejam distintas. Neste sentido, esclarece Araken de Assis que “o emprego de outras

palavras, em lugar do termo clássico “execução”, como cumprimento, efetivação ou atuação,

em muito pouco altera a natureza da respectiva operação. Ela se realiza no mundo real e,

portanto, padece das respectivas contingências”761

.

Nesta perspectiva, o instituto da execução de sentença se refere àquelas

operações desenvolvidas perante o Estado-juiz com a finalidade de dar efetividade às decisões

por ele mesmo proferidas, cujo resultado concreto deve se materializar no mundo dos fatos,

de maneira tal a entregar ao vitorioso o bem da vida. Assim, neste estudo, os termos

“execução de sentença” e “cumprimento de sentença” serão empregados como sinônimos.

No que respeita à execução nas ações coletivas, compreende-se o conjunto de

atividades concernentes ao cumprimento no mundo real de obrigações certas, líquidas e

exigíveis, de fazer, não fazer, entregar coisa certa ou incerta, pagar quantia, estampadas em

título executivo judicial ou extrajudicial que reconhece a existência de direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos.

A efetividade da tutela executiva destes direitos demanda ainda mais acuidade

no procedimento em razão de sua natureza extrapatrimonial, que não se limita à compensação

meramente pecuniária. Neste contexto, assumem grande importância os meios executivos

previstos para as obrigações específicas, cuja conversão em perdas e danos somente ocorre

em caso de total impossibilidade. Ainda assim, o legislador prevê a possibilidade de

determinar um resultado prático equivalente, a fim de assegurar a mais completa efetividade

das decisões judiciais.

Neste trabalho, em razão do corte metodológico, será abordado tão somente

sobre a execução de provimentos judiciais, mais especificamente sobre o procedimento na

em relação aos Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: Algumas considerações reflexivas. In: (Coords.)

CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita (Coords.). Temas atuais da execução civil – estudos em homenagem ao Professor

Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007, p.293). 760 GRINOVER, Ada Pellegrini. Cumprimento de sentença. In: (Coords.) CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita. Temas

atuais da execução civil – estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2007, p.4. 761 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.4.

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execução de sentença coletiva, entendida como atividade complementar ao processo cognitivo

que deu origem à obrigação, fixada judicialmente.

Ao termo “sentença” no contexto do art.475-A do CPC incluem-se o amplo

catálogo de títulos judiciais do art.475-N e as decisões interlocutórias que antecipam a tutela

(art.273 e 461, CPC; art.84 do CDC), que condena em razão de dolo processual (art.18, §2º,

CPC), que converte as obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa em perdas e

danos (art.461, §1º e 627 do CPC)762

.

É preciso ressaltar, porém, que um mesmo fato ou ato ilícito pode causar lesão

ou ameaça de lesão a vários direitos, dando origem a uma única ação coletiva, que por sua

vez, veicula pretensões de natureza difusa, coletiva e individual homogênea.

A análise da situação concreta e a tutela dos direitos impõem o necessário

diálogo e a análise sistemática entre as fontes normativas, especialmente pelas disposições do

CDC, da LACP e do CPC, que interagem para proporcionar instrumental minimamente

adequado para a efetiva tutela desses direitos. A interpretação das normas deve ser norteada

pela principiologia constitucional pertinente para, ao final, conferir a prestação jurisdicional

efetiva.

4.4.1 A tutela executiva nas ações coletivas para tutela dos direitos difusos e coletivos

Didaticamente, o estudo da execução da sentença coletiva é melhor

compreendido quando separado por temas ou objeto. Um destinado à execução das sentenças

que tutelam os direitos difusos e coletivos em sentido estrito; e outro para as que tutelam os

direitos individuais homogêneos. Esta escolha se justifica em razão da complexidade advinda

da própria tutela jurisdicional coletiva.

Vale esclarecer que a execução coletiva no âmbito dos direitos coletivos em

sentido estrito seguirá, basicamente, as mesmas regras e procedimentos previstos para a

execução dos direitos difusos, razão pela qual dispensa-se o estudo em separado.

Neste desígnio, apresenta-se um caso hipotético, abaixo descrito.

Afigura-se uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em face de

uma indústria localizada em determinado bairro do município, alegando a constatação de

irregularidades no depósito de lixo produzido pela fábrica. As irregularidades são

apresentadas sob diversos aspectos: a indústria ré deposita o lixo produzido por suas 762 Neste sentido, Humberto Theodoro Jr. (THEODORO JR., Humberto. Processo de execução e cumprimento da

sentença. 26.ed. São Paulo: LEUD, 2009, p.596) e Araken de Assis (ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 4.ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.157).

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fabricações em instalações físicas inadequadas, nos fundos do edifício onde está instalada a

fábrica, sem cobertura, portanto, a céu aberto e a menos de 200 metros do leito do rio “X”; a

área é constituída por terreno alto permitindo escoar os resíduos para o leito do rio “X”;

depósito de resíduos sólidos e toda sorte de descartes sem permeabilização do solo, situação

sujeita a causar contaminação também da água subterrânea; área localizada próxima de bairro

habitado por moradores e usuários da água do rio “X”.

Alega o Ministério Público, legitimado coletivo, que das irregularidades

apontadas, originaram uma série de lesões e ameaça de lesões ao meio ambiente e à saúde dos

moradores lindeiros. Argumenta que o acúmulo do lixo em contato com as condições

climáticas causa poluição à água do lençol freático, além de produzir um gás prejudicial à

atmosfera causador do efeito estufa. Os resíduos escoados para o rio “X” causam evidente

poluição, além de trazerem riscos à fauna, flora e aos usuários diretos dos recursos naturais

contaminados pela ação danosa praticada. Neste sentido, o MP apresentou um relatório

elaborado por uma equipe especializada (perícia) acompanhado de exames laboratoriais,

comprovando a contaminação das águas subterrâneas do local.

A situação representa um grande risco para a saúde humana, visto que poderá

causar várias doenças. O MP alegou ainda que o lixo acumulado é o ambiente adequado para

a proliferação de insetos e de roedores, vetores comuns de outras doenças; e juntou fotos do

local comprovando a existência desses animais no local.

Diante desse quadro, observa-se a mesma hipótese fática para condenar a

indústria ré aos seguintes pedidos:

a) Obrigação de não fazer (abster-se de depositar lixo urbano a céu aberto,

no local apontado);

b) Obrigação de fazer (remover os detritos para local adequado – longe de

margens do rio, de bairros residenciais; recompor a área degradada, promovendo a integral

recuperação do ambiente afetado, despoluir as margens do leito do rio “X” e outras medidas

indicadas em perícia) para readquirir o mais aproximado possível qualitativamente às

condições anteriores ao processo de degradação;

c) Obrigação de pagar (indenizar por danos ambientais pretéritos causados

até a recuperação, quantificado em perícia, considerando a impossibilidade de restaurar

integralmente as condições primitivas do solo, da vegetação e dos lençóis d’água).

A situação narrada é hipotética; dela, poderiam ser extraídas outras pretensões

e apresentados outros pedidos cumulados. Os pedidos aqui escolhidos também servirão de

substrato para a análise de diferentes procedimentos executivos e de medidas de efetivação da

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decisão judicial, considerando a hipótese de deferimento de eventuais tutelas antecipadas,

culminando com a sentença condenatória reconhecendo a procedência da ação.

Merece atenção o fato de uma única sentença conter várias espécies de

prestações, impondo, necessariamente, procedimentos diversos, havendo tantos quantos forem

as obrigações consubstanciadas na decisão judicial. Cada tutela conferida na sentença

prolatada pode reivindicar uma técnica processual adequada, assim como medidas executivas

diversas, o que conduz a vários atos destinados à realização efetiva do comando da sentença.

A partir do exemplo afigurado, consideradas as pretensões apresentadas, as

tutelas aplicáveis a cada uma delas e as possíveis providências determinadas pelo juiz, serão

examinadas as diversas formas de efetivação (procedimentos e mecanismos de efetivação)

destas decisões judiciais disponíveis no ordenamento jurídico pátrio.

4.4.1.1 Execução de obrigação de fazer e de obrigação de não fazer

O art.3º da Lei nº7.347/1985 (Ação Civil Pública – LACP) dispõe: “A ação

civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer

ou não fazer”. O art.11 da mesma Lei, disciplinando especificamente as obrigações de fazer e

de não fazer, prevê dois comandos judiciais destinados à efetivação destas obrigações: a) “o

cumprimento da prestação da atividade devida”, ou b) “a cessação da atividade nociva”. E

aponta ainda, possíveis meios executivos que poderão ser determinados de ofício pelo juiz

(execução específica ou cominação de multa diária).

Vale ressaltar ainda o §4º do art.3º da mesma Lei, que prevê a possibilidade de

ação cautelar763

para evitar danos aos direitos por ela tutelados.

Já o art.84 da Lei nº8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) preceitua:

“Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o

resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

Assim, nota-se que a tutela específica inibitória ou reintegratória tem previsão

legal no sistema processual coletivo. A efetivação das decisões judiciais envolvendo tutelas

diferenciadas requer a combinação de diferentes medidas executivas (diretas ou indiretas),

notadamente nos casos em que envolvem direitos transindividuais.

763 Observa-se que embora haja menção expressa à “ação cautelar” no art.4º da LACP, a redação do dispositivo denota que se

trata de tutela inibitória satisfativa, visando exatamente obter provimento judicial para evitar a prática de ato ilícito que gere

dano aos direitos tutelados por esta Lei. À época de edição da LACP não havia ainda norma que previsse a antecipação de

tutela. Entretanto, ainda é possível a concessão de tutela cautelar no processo coletivo.

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268

Não há impedimento legal para se aplicar cumulativamente várias medidas

executivas, mesmo de naturezas diversas. A escolha depende da necessidade do caso

concreto, a critério do juiz da causa, sopesadas as diferentes necessidades do direito material,

bem como dos princípios de menor onerosidade ao devedor e a máxima amplitude da tutela

jurisdicional coletiva764

.

A propósito, o §5º do art.461 do CPC, possui uma redação mais abrangente do

que o §5º do art.84, do CDC, ao acrescentar entre as medidas necessárias para a efetivação da

tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, a “multa por dia de atraso”,

além de outras medidas exemplificativas, igualmente previstas em ambos os textos

normativos. Por conta dessa maior amplitude do dispositivo previsto no CPC e, não havendo

incompatibilidade entre as normas, as regras do art.461 do CPC se aplicam nas ações

coletivas, visando a uma tutela mais efetiva, diante da relevância do direito a ser protegido765

.

Logo, com o objetivo de conferir efetividade ao comando judicial, o legislador

disponibilizou uma relação exemplificativa de medidas executivas que o juiz poderá lançar

mão, inclusive de ofício. Nas obrigações de fazer e de não fazer, o juiz determina um prazo

razoável para o cumprimento da obrigação, fixa multa diária por dia de atraso ou determina

outras medidas como a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de

obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, se necessário, requisitar força policial

(art.461,§5º do CDC).

Não se discute que na prática, muitas vezes, estas medidas executivas ainda

não são capazes de surtir o efeito desejável para a eficiência da tutela jurisdicional e para a

efetividade da tutela do direito. Diversas razões impedem a desejável efetividade da tutela,

dentre elas a impossibilidade fática da providência específica, além do tempo, implacável para

as situações envolvendo urgência na prestação, ante o perigo da demora. A este propósito,

Araken de Assis, afirma:

Este prazo, que o juiz fixará atendendo as peculiaridades da prestação, se mostrará

variável, exigindo-se, no entanto, que seja suficiente ao cumprimento.

Frequentemente, o órgão judiciário fixa prazos longos (por ex. para remoção de

lixões), atendendo a complexidade do fato a ser prestado, e, por mais de uma vez, os

prorroga. Sem embargo da aparente frustração, provocada por semelhante elastério,

ele é admissível, pois ao juiz se outorgam amplos poderes na modelagem dos atos

executivos766

.

764 Neste sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: RT,

2006, p.239; TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. CPC, art.461; CDC, art.84. São

Paulo: RT, 2001, p.280. 765 No texto do CPC aprovado pelo Senado e enviado à sanção, o procedimento para execução das obrigações de fazer e de

não fazer está previsto no capítulo VI, arts.534-536. 766 ASSIS, Araken de. Execução na ação civil pública. Disponível em: http://www.amdjus.com.br/doutrina/civil/198.htm.

Acesso em: 25 nov.2014.

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269

Os atos processuais demandam tempo para a composição da lide; para a prática

de cada ato existem prazos definidos em lei cujo objetivo é dar segurança jurídica nas relações

processuais. O tempo pode causar danos irreparáveis ou de difícil reparação ao direito e, por

consequência, às partes, no caso da coletividade.

Se aguardar todo o trâmite processual, entre a citação, o prazo para a defesa, a

produção de provas, os incidentes processuais, a tutela jurisdicional não estaria dando à

coletividade àquilo que tem direito (neste caso, o meio ambiente saudável e sustentável).

Ainda que houvesse condenação às tutelas específicas, o provimento final de nada serviria,

haja vista que em razão dos efeitos deletérios do tempo já teriam, por certo, se consumado os

danos noticiados apenas como uma ameaça ou em estágio inicial.

Não por outra razão, a lei prevê a possibilidade de antecipação da tutela

pretendida, em provimento liminar ou mediante justificação prévia, conforme prevê o §3º do

art.461 do CPC, igualmente estabelecido no §3º do art.84 do CDC, cujos critérios são o

fundamento relevante do direito e o justificado receio de ineficácia do provimento final767

.

Daí a importância de o juiz estar investido de poderes para determinar as

providências práticas necessárias à efetiva proteção ao direito lesado ou ameaçado. Além

disso, há a significativa liberdade conferida ao juiz para escolher os meios executivos a serem

empregados quando descumprida a decisão judicial. Nesta hipótese, entretanto, o juiz deverá

apresentar uma justificativa razoável acerca da necessidade e da utilidade da medida escolhida

para alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. A propósito, Luiz Guilherme Marinoni768

observa que o “o poder de escolha” dado ao magistrado, de um lado é fundamental para o

adequado exercício do poder, orientado por critérios de “adequação”, “meio idôneo” e de

“menor restrição possível”; de outro, é legitimado pela necessidade de “justificativa”, ou seja,

pela motivação das razões de escolha.

Na situação fática, considerando relevante o fundamento da demanda, e

convencido do iminente perigo da demora, o juiz da causa poderá acatar o pedido das tutelas

antecipadas de natureza inibitória e reintegratória, determinando que a indústria requerida

cumprisse a “obrigação de não fazer”, ou seja, suspendesse o depósito de lixo no local e à

“obrigação de fazer”, removendo o lixo depositado na área e restaurando a área afetada em

razão do ato ilícito.

767 A antecipação da tutela prevista no §3º do art.461 e §3º do art.84 do CDC submete-se ao mesmo regime geral daquela

prevista no art.273 do CPC. Assim são os mesmos os requisitos, a provisoriedade, a necessidade de fundamentação da

decisão concessiva, a recorribilidade e os recursos. 768 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva. 4.ed.rev. e ampl. São Paulo: RT, 2006, p.240.

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270

Antes de ingressar no procedimento específico destas tutelas, importante

apresentar algumas observações. As tutelas inibitória e reintegratória são efetivadas por meio

de medidas coercitivas indiretas, destinadas a pressionar psicologicamente o demandado ou

medidas sub-rogatórias, às quais não se submetem às regras procedimentais gerais do

processo executivo destinado à obrigação de pagar. Sobre a exigibilidade dos provimentos

mandamentais e executivo lato sensu, leciona Sérgio Cruz Arenhart: “não se submetem a

processo de execução, mas são autuados por si mesmos, diante de ordem (imperium) que

contém”769

.

Entretanto, em razão da carência de regras próprias de procedimento para a

efetivação destas espécies de provimento, os princípios e regras próprios do processo

executivo poderão, eventualmente, ser utilizados como parâmetros de operacionalização ou

do modus operandi770

.

Outra observação pertinente diz respeito aos provimentos mandamental e

executivo lato sensu, que se efetivam nos próprios autos, mediante ordem judicial para

cumprimento, sem intervalo e independente de requerimento do autor. Para se efetivar os

provimentos judiciais são empregadas diversas medidas executivas, como a multa coercitiva e

outros mecanismos previstos nos §4º e 5º dos arts.84 do CDC e 461, do CPC.

Nesta modalidade de processo, é possível constatar três vertentes verificadoras

da efetividade da tutela jurisdicional: o procedimento e a técnica adequada, a duração

razoável do processo e maior margem de discricionariedade ao juiz nas decisões para tomar as

“medidas necessárias” à efetivação da tutela específica, sem descurar das garantias

constitucionais do devido processo legal.

Em princípio, considerando a urgência da tutela (perigo da demora) e a

relevância do fundamento da demanda (§3º do art.461 do CPC), o juiz poderá conceder a

tutela antecipada, fixando um prazo razoável para o cumprimento das obrigações e

determinando multa diária se houver descumprimento. No caso em apreço, presente a

aparência do direito, mesmo sem a cognição exauriente e considerando a urgência da situação,

poderá prescindir de justificativa prévia; esta decisão, entretanto, cabe ao juiz. Concedida,

portanto, a tutela antecipada motivada, o juiz determinará a citação do requerido para cumprir

a determinação judicial e, se desejar, apresentar irresignação cabível.

Irresignado com a concessão da tutela antecipada, o réu compelido a cumprir a

determinação judicial, poderá insurgir contra com as obrigações ordenadas ou com as medidas 769 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil.v.6. São

Paulo: RT, 2003, p.323. 770 BRASIL. Código de Processo Civil. Art.475-R.

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271

executivas fixadas e apresentar pedido fundamentado de revogação ou de modificação da

tutela ou ainda interpor recurso de agravo de instrumento771

.

O procedimento executivo da tutela antecipada é realizado de acordo com a

natureza do direito tutelado, conforme disposto no §3º do art.273 do Código de Processo

Civil; assim, a efetivação da tutela “observará, no que couber e conforme sua natureza, as

normas previstas nos arts.588, 461, §§4º e 5º, e 461-A”.

Neste intento, as tutelas antecipadas que tenham como objeto o cumprimento

de obrigações de fazer ou não fazer, conforme o art.461, em provimentos mandamentais ou

executivos, serão efetivadas mediante ordens do magistrado nos próprios autos772

. Conforme

leciona José Eduardo Carreira Alvim, “o modo de satisfação do provimento antecipado deve

ser o mais idôneo ao atingimento do seu escopo”773

.

A multa será exigível quando descumprida a decisão judicial, permitindo a

execução conforme o regramento das execuções provisórias disposto no art.475-O, II e III do

CPC, que poderá ser aplicado nas ações coletivas. Considerando o caráter provisório da tutela

antecipada e a possibilidade de revogação (§4º do art.273, do CPC), o valor alcançado na

execução da multa deverá ser consignado em juízo, “sendo o montante total entregue ao autor

apenas quando do trânsito em julgado da sentença que lhe tiver sido favorável”774

.

Reitera-se o que foi dito sobre a exigibilidade imediata da multa coercitiva

fixada em tutela antecipada, defendendo a inaplicabilidade do §2º do art.12 da LACP (que

regula a exigibilidade do mecanismo apenas após o trânsito em julgado da decisão, embora

771 Neste sentido, lecionam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário ao art.273 do CPC: “34. Decisão

interlocutória. A denegação ou concessão da medida, in limini litis ou no curso do processo, configura decisão interlocutória

(CPC 162 pelo recurso do agravo, só por instrumento (CPC 522). Não pode ser interposto agravo

retido porque o recorrente não teria interesse recursal, uma vez que só lhe traria utilidade a concessão (ou cassação, para a

parte contrária) imediata da liminar. De nada lhe adiantaria aguardar a sentença de mérito e, só depois, quando de eventual

apelação, reiterar o agravo retido nas razões ou contrarrazões de apelação”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de

Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p. 638). 772 20- Execução da medida concessiva da tutela antecipada. Quanto à execução stricto sensu da decisão antecipatória da

tutela específica, deve ser feita imediatamente, sem necessidade de prestação de caução. Eventual inversão no resultado da

demanda, com o julgamento de improcedência do pedido, resolve-se em perdas e danos em desfavor do requerente da

medida. O sentido do vocábulo “determinar”, constante do parágrafo comentado, não transforma a ação condenatória aqui

prevista em ação executiva. É medida destinada a conceder meios para o juiz efetivar a antecipação da tutela, prevista no §3º.

Em sentido contrário, entendendo que o verbo “determinar” indica tratar-se de ação de execução, Ovídio Baptista da Silva.

Est.Machado, 265. Seja a tutela antecipada concedida no curso do processo, na sentença ou depois da sentença (v. coment.

CPC 273), a medida deve ser executada de acordo com o sistema do CPC 461, sem maiores formalidades. O mesmo

procedimento de execução dá-se com a sentença nos casos do CPC 461, que pode ensejar execução por meio do instituto do

cumprimento da sentença (CPC 475-I). Com isso, a ação de condenação de obrigação de fazer regulada pela norma

comentada tem, praticamente, natureza de executiva lato sensu. Foi abreviado, desburocratizado e simplificado o

procedimento para sua execução. V. coment. CPC 475-I. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de

processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.809). 773 ALVIM, José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual – antecipação de tutela na ação de reparação

do dano. Rio de Janeiro: Destaque, 1995, p.83. 774 MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre os poderes do juiz na atuação executiva dos direitos coletivos – considerações e

perspectivas, à luz do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In: (Coords.). GRINOVER, Ada Pellegrini e

outros. Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007,

p.290.

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272

devida desde o dia em que houver configurado o descumprimento). Não bastasse o princípio

da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva e demais princípios informadores da

ação coletiva face aos direitos da coletividade impregnados pelo interesse público,

reconhecidos como fundamentais pela Constituição Federal como argumentos suficientes,

observa-se que não existe esta limitação no art.84 do CDC, norma posterior e aplicável à ação

civil pública (art.21 da LACP).

Outro aspecto a considerar sobre a multa na situação fática apresentada é a

possibilidade de modificação do valor ou a periodicidade, “caso verifique que se tornou

insuficiente ou excessiva” (§6º do art.461 do CPC). Reforça-se neste aspecto o poder geral de

cautela atribuído ao juiz, na medida em que a ele competirá avaliar os motivos determinantes

da modificação, o que poderá fazê-lo de ofício.

É indiscutível que a finalidade da multa fixada em tutela antecipada ou final

tem como escopo pressionar o requerido a cumprir a tutela específica. Assim, embora não

tenha natureza ressarcitória, sua execução segue o regramento da execução para pagamento de

quantia.

Conforme se vê, para a execução da tutela específica, o juiz poderá lançar mão

de “outras medidas executivas” para a efetividade da decisão judicial e da efetiva tutela do

direito em proteção, conforme exemplificadas nos §§5º do art.461 do CPC e do art.84 do

CDC775

.

Vale lembrar que embora a obrigação de não fazer seja infungível, neste caso,

evidencia-se outra característica que permite a resolução da obrigação descumprida: trata-se

de ato ilícito cometido de forma continuada ou periódica. Dessa forma, mesmo descumprida a

obrigação de abster-se de lançar lixo no local, cabe a tutela destinada a impedir a continuidade

do ato ilícito ou a sua repetição.

Na situação fática apresentada, sobressalta-se a necessidade imediata de

“impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”. Nesta tela,

a obrigação de não fazer, orientado por multa, tem como destinatário o próprio requerido. No

entanto, a recusa em obedecer a decisão judicial, ainda que sob a premissa da multa fixada, 775 O caráter fungível da tutela inibitória pode, portanto, ser alterado, adaptado às circunstâncias do caso concreto, mesmo

que o pedido do autor seja diferente. Sobre esta característica da tutela preventiva, Sérgio Cruz Arenhart ensina que não

ofende o princípio da demanda (art.460 do CPC) na medida em que distingue o pedido formulado pela parte da técnica

empregada para atingir o objetivo. Assim, o pedido depende da iniciativa da parte, limitando-se a requerer a proibição da

violação da regra ou repetição do ilícito, mas a forma em que seu pedido vai ser atingido é questão externa ao pedido,

atinente à técnica empregada para satisfazê-la. Assim, “o método utilizado para realizá-lo fica atribuído ao critério

discricionário do magistrado, que deve escolher aquele mais adequado para o caso concreto”. Conforme se vê do caput do

art.84 do CDC, o autor pede o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, discriminando na inicial qual o ilícito a ser

evitado. Para atender o pedido formulado pelo autor, o juiz ordenará determinada conduta ao réu, sob pena de multa ou

determinará outras medidas necessárias conforme se vê no §4º do art.84, do CDC. (ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da

tutela inibitória coletiva. Coleção temas atuais de direito processual civil. v.6. São Paulo: RT, 2003, p.337-338).

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273

requer a tomada de medidas mais drásticas, sob pena de verdadeira inefetividade da tutela

jurisdicional.

Não é impossível o descumprimento da decisão, mesmo ampliado o valor da

multa776

. No caso, a prisão é outra medida coercitiva indireta aplicável, podendo o juiz

determinar a ordem de prisão ao proprietário ou administrador da indústria, responsável direto

pelo cumprimento da obrigação de não fazer. Conforme já defendido neste trabalho, a prisão

civil é um meio idôneo e aplicável como medida executiva destinada a pressionar o

cumprimento da decisão judicial, ainda que em caráter residual, respeitadas as garantias

constitucionais do processo777

. Ante a ausência de previsão legal específica, sugere-se seguir

o procedimento da prisão por dívida de obrigação alimentícia.

Considerando o caráter absolutamente residual da prisão civil como meio

coercitivo e os princípios da proporcionalidade, da menor onerosidade, da fungibilidade de

meios, da adequação e da máxima amplitude da tutela coletiva, o juiz da causa deverá lançar

mão do meio mais idôneo à situação concreta.

Neste intento, a outra possibilidade da executar a tutela inibitória não realizada

pelo devedor é efetivá-la, por meio de um auxiliar do juiz. É possível, por exemplo,

determinar que o oficial de justiça lacre os portões de entrada ou que alguém nomeado pelo

juiz interdite o local onde o lixo era lançado. Esta providência, na prática, trará resultado

equivalente ao originalmente determinado. A obrigação de não fazer converte-se em

obrigação de fazer, cumprida por terceiros. Luiz Guilherme Marinoni778

denomina “tutela

preventiva executiva” esta espécie de medida, por ser executada à revelia da vontade do autor,

sendo comum nas situações em que se teme a reiteração da prática delituosa.

Outra hipótese sugerida pela doutrina cabível na situação analisada é a

designação de um administrador provisório para atuar na administração da indústria e impedir

a prática ilícita ou sua reiteração. Essa figura do administrador provisório poderá também

cumprir a obrigação de remover o lixo lançado e restaurar a área degradada. 776 De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, “Considerando a natureza da tutela inibitória, e a necessidade de evitar que ela

seja utilizada de modo arbitrário, deverá ela ser prestada, em princípio, através de ordem sob pena de multa. Contudo, a

coerção direta estará justificada nos casos em que for possível supor que a ameaça patrimonial não afetará o demandado, ou

quando não houver tempo para esperar a efetivação de ordem sob pena de multa, sendo preferível determinar que um auxiliar

do juízo atue diretamente de modo a evitar a violação do direito”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória

individual e coletiva. 4.ed.rev. e ampl. São Paulo: RT, 2006, p.239). 777 Acerca da prisão no âmbito do processo executivo, argumenta Araken de Assis: “É preciso que se introduza, entre nós, o

Contemp of Court. A possibilidade de o juiz decretar a prisão do executado, caso ele desobedeça às determinações judiciais,

talvez inviabilizando a reparação in natura de interesses coletivos e difusos, é o único modo de assegurar, na prática, a

execução frutífera. Isto se conseguirá mediante um novo tipo penal, escapando dos entraves, hoje existentes, ao crime de

desobediência [...]. Caso contrário, permaneceremos onde estamos, num sítio pantanoso, a despeito dos ingentes esforços das

regras gerais e abstratas: empregamos uma execução sub-rogatória lenta e difícil e uma execução coercitiva, cujo êxito

dependerá, em larga medida, da hipotética existência de bens penhoráveis”. (ASSIS, Araken de. Execução na ação civil

pública. Disponível em: http://www.amdjus.com.br/doutrina/civil/198.htm. Acesso em: 25 nov.2014) 778 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.127.

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274

Embora não haja disposição expressa no texto da lei para a nomeação de um

terceiro (administrador provisório) para gerir os recursos da empresa, nesta situação, trata-se

de hipótese plenamente possível, enquadrando-se “nas medidas necessárias” para efetivar a

tutela específica779

.

Não se desconhece, porém, as dificuldades de ordem operacional desta espécie

de provimento, razão pela qual merece mais cuidados do que a simples ordem para o próprio

demandado cumprir a determinação judicial sob pena de pagamento de multa fixada

liminarmente. Basta pensar nos critérios de escolha e nomeação, os limites de atuação e a

forma de remuneração deste possível administrador780.

Outra dificuldade prática consiste nas despesas decorrentes da nomeação do

administrador, que são da responsabilidade do vencido. Ora, se a multa não surtiu efeito por

razões de ordem financeira, muito mais razão haverá neste caso de pagamento de honorários a

administrador provisório. A propósito, Luiz Guilherme Marinoni observa: “a tutela preventiva

executiva somente deve preferir à tutela inibitória quando, por alguma circunstância, a tutela

inibitória não se apresentar capaz de conferir a devida tutela ao direito do autor”781

.

Além da tutela antecipada inibitória, concedeu-se também a tutela

reintegratória na decisão proferida, determinando a remoção do lixo e a restauração do solo

degradado em função da prática reiterada durante certo período. É certo que a permanência do

lixo no solo, associado às diferentes condições climáticas permitem a perpetuação da ameaça

de dano ou de continuidade do dano, razão pela qual demanda a remoção dessa situação de

ilicitude.

Diferentemente da tutela inibitória que visa cessar a prática ilícita que deu ou

pode dar origem ao dano, a tutela reintegratória, por sua vez, visa remover os efeitos da

prática ilícita, ou seja, eliminar o ilícito. Luiz Guilherme Marinoni denomina de tutela

ressarcitória na forma específica, aquela que “deve proporcionar um resultado equivalente ao

da situação que existiria caso o dano não tivesse acontecido”782

.

779 A Lei nº8.884/1994 (denominada Lei Antitruste), atualmente revogada, previa em seu art.69: “a execução será feita por

todos os meios, inclusive mediante intervenção na empresa, quando necessária”. De acordo com este dispositivo, o juiz

poderia substituir o devedor, para realizar as diversas obrigações destinadas a dar efetividade à decisão judicial. No processo

falimentar, ocorre uma espécie de administração jurisdicional dos bens da massa falida. O mesmo ocorre em alguns

procedimentos executivos previstos no CPC, como por exemplo, o usufruto de imóvel ou de empresa (art.719) e da

administração de haveres na insolvência civil (art.764). 780 À falta de critérios legais para nomeação de um administrador provisório pelo juiz, permite seguir aqueles destinados à

designação de um perito (art.145 do CPC), ou ainda da nomeação do administrador de haveres na insolvência civil (art.763).

Assim, o administrador deve ser tecnicamente habilitado para exercer a função para a qual será nomeado, além de

moralmente idôneo. 781 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.129. 782 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts.461, CPC e 84, CDC. 2.ed. São Paulo: RT, 2001, p.157.

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275

Trata-se, portanto de uma obrigação de fazer atribuída, em princípio, ao

próprio demandado. Mais uma vez, o ideal é que esta obrigação seja cumprida pelo

demandado, sob pena de pagamento de multa, em caso de descumprimento, no prazo

determinado pelo juiz. Contudo, não se descarta a possibilidade de designação de um terceiro

para remover o lixo e restaurar o solo, às expensas do demando.

O cumprimento da obrigação desta natureza exige grande acuidade do juiz para

decidir o meio mais adequado ao caso, sopesando o princípio da máxima efetividade da tutela

coletiva com a menor onerosidade do demandado.

Tal qual ocorre com a tutela inibitória, o juiz não está adstrito ao “meio

executivo” requerido pela parte, e sim, ao pedido de “remoção do ilícito” elaborado pela

parte. Se a tutela requerida puder ser prestada por outro meio menos gravoso ao requerido e

for igualmente adequada para tutelar o direito, o juiz estará autorizado a conceder providência

diversa.

A tutela de remoção do ilícito, na situação apresentada, merece ser concedida

antecipadamente, já que se trata de direito à proteção ambiental, no qual sempre existe o

receio de difícil reparação. Demonstrada a grande probabilidade de perpetuação do ato ilícito,

bem como o perigo da demora, passível de dano, cabe a tutela antecipada.

No caso de descumprimento da tutela antecipada da obrigação de fazer, poderá

o juiz, de ofício ou a requerimento do autor, designar um terceiro para cumprir a obrigação.

Na situação hipotética, o juiz indica, desde logo, uma pessoa ou empresa tecnicamente

habilitada para remover o lixo do terreno, restaurar a área degrada, ou abrir um procedimento

licitatório.

Em caso de indicação por parte do juiz, intima-se um terceiro para apresentar

um projeto de trabalho no prazo fixado, dentro de determinados limites e critérios

preestabelecidos pelo juiz e o valor das despesas envolvidas para executar os serviços e os

honorários. Os valores deverão ser depositados, mesmo parcialmente pelo demandado,

responsável pelo ato ilícito e pelo descumprimento de ordem judicial. Mais uma vez, não é

difícil antever as dificuldades decorrentes desta medida. A primeira e que mais compromete a

eficiência da tutela diz respeito ao tempo levado para sua concretização.

Caso o terceiro aceite a nomeação, apresente o projeto e os custos do

empreendimento, é dada às partes a oportunidade para se manifestar, podendo inclusive

impugnar o projeto e o preço. Segue-se, portanto, um indesejável incidente até chegar a um

valor razoável e ao depósito de honorários e custeio.

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276

Mais comprometedora ainda é a licitação783

. Trata-se de um procedimento

desaconselhável em razão do tempo exigido para a publicação de editais, a análise de

propostas e outras condutas próprias que comprometem a efetividade do cumprimento da

obrigação e, portanto, a proteção ao direito material.

Ademais, inexistindo higidez patrimonial do demandado para custear as

despesas, estas medidas tornam-se inócuas, comprometendo a efetividade da tutela

jurisdicional embora não sejam totalmente descartáveis.

Situações semelhantes renovam o tema da fungibilidade dos meios executivos

cuja ponderação deve ser feita com acuidade pelo juiz, que atuará como agente conciliador na

atividade jurisdicional, buscando compartilhar soluções entre as partes, prestigiando a boa-fé

e a segurança das relações visando a efetiva tutela dos direitos coletivos784

.

O fato é que o direito não pode ficar desprovido de efetiva proteção, tampouco

que se repita a prática do ato ilícito, e mais grave ainda, que o dano se perpetue, em caráter

irreversível. Nesse aspecto, outras providências mais drásticas poderão ser determinadas,

como a designação de um administrador provisório cumprir a obrigação às expensas do

demandado ou a cessação da atividade produtiva, com o fechamento da indústria.

Mais uma vez, a decisão do juiz deve ser ponderada e motivada, observadas as

diretrizes da tutela executiva e os princípios norteadores do processo coletivo. As atribuições

do juiz na efetivação das decisões envolvendo obrigações de fazer e de não fazer são

ampliadas nas ações coletivas ao assumir a tarefa de dirimir questões de elevada

complexidade aliada ao compromisso com o resultado do processo.

Ainda prevê o art.84, §1º, do CDC a possibilidade de conversão do

cumprimento da obrigação específica inadimplida em perdas de danos, orientada pelos

seguintes requisitos: a) quando assim tenha optado o credor; b) seja absolutamente impossível

783 Sobre este procedimento, explica Araken de Assis: “Não prestando o executado, voluntariamente, ou prestando de modo

incompleto ou defeituoso, atua a transformação. Conforme se lê no art.734, em primeiro lugar se imporá a realização de uma

perícia, a fim de apurar o custo da prestação, bem como o meio hábil para realizá-la. Sempre há uma área de indefinição,

nesta espécie de obrigação, tanto que, a teor do art.615, I, do CPC, toca ao credor indicar o modo de realizá-la. Em seguida,

se abre uma licitação, a fim de contratar terceiro, que prestará caução quando apresentar proposta, em valor fixado no edital

para tal fim. No dia, hora e lugar designados no edital, o juiz escolherá a proposta mais conveniente, surgindo direito de

preferência, se o credor pretender realizá-la ele próprio (art.637). Depois, o contratante prestará caução e iniciará a atividade,

cabendo ao credor custear as despesas. Se não houver fundos disponíveis, concebe-se a chamada execução de custeamento,

pelo valor do orçamento, a fim de adiantar as despesas da prestação”. (ASSIS, Araken de. Execução na ação civil pública.

Disponível em: http://www.amdjus.com.br/doutrina/civil/198.htm. Acesso em: 25 nov.2014). 784 Neste sentido, Humberto Theodoro Jr.: “O momento histórico em que se busca por constantes reformas do procedimento,

todas preocupadas com o processo justo, a efetiva tutela de direito material reclama do intérprete e aplicador do direito

processual civil renovado um cuidado mais acentuado com o caráter instrumental do processo, para evitar os inconvenientes

do recrudescimento da tecnocracia forense, a qual uma vez exarcebada frustraria por completo as metas reformistas do direito

positivo”. (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v.I. 48.ed. Rio de Janeiro:, Forense 2008, p.21).

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realizar a obrigação específica e c) não seja possível obter o resultado prático equivalente ao

adimplemento.

O primeiro requisito não se aplica na tutela dos direitos transindividuais, haja

vista o caráter indisponível e, muitas vezes, insubstituível destes direitos da coletividade,

considerados aqueles de mais alto interesse público.

Observados estes requisitos orientadores da conversão em perdas e danos,

verifica-se que se trata de um expediente residual, ou seja, somente acontecerá em último

caso, quando a tutela específica ou o resultado equivalente se revelarem infactíveis785

. É o

caso da obrigação de não fazer, personalíssima.

Nas ações para tutela de direitos individuais, a conversão em perdas e danos

parece mais factível. Já no contexto da tutela de direitos transindividuais, especialmente dos

difusos, a conversão das obrigações em perdas e danos é incompatível com os princípios

informadores do direito coletivo, em especial, com a natureza extrapatrimonial do próprio

direito, insuscetível de aferição em pecúnia786

.

O ressarcimento pecuniário, nesta hipótese será mais adequado se destinado ao

custeio do cumprimento da obrigação por terceiros, caso o próprio demandado não o faça.

Neste caso, o terceiro nomeado pelo juiz para cumprir a obrigação apresentará um projeto de

trabalho que deverá incluir, entre outras informações, os valores de custeio para remover o

lixo, restaurar a área degradada e os honorários revelando o montante executável. Estes

valores já terão sido objeto de amplo debate entre as partes, ensejando a decisão judicial que

determinou o real valor da obrigação, circunstância que dispensa a liquidação de sentença.

Caso o demandado não deposite o valor voluntariamente, nos prazos fixados na sentença,

caberá a execução para pagamento de quantia, cujo procedimento será objeto do próximo

tópico.

785 Neste sentido, leciona Patricia Miranda Pizzol: “Na verdade a função precípua da jurisdição é a preventiva, que visa a

evitar a ocorrência do dano. Se a lesão já tiver ocorrido, a jurisdição deverá atuar, primeiramente, num sentido repristinatório,

ou seja, buscando o retorno ao status quo ante, para somente em último caso, atuar no sentido da reparação do dano através

da condenação do vencido ao pagamento de indenização”. (PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São

Paulo: Lejus, 1998, p.163). 786 A respeito da previsão legal autorizando a opção de conversão em perdas e danos (art.461, §1º), observa Patricia Miranda

Pizzol: “Não se pode admitir, na hipótese, que fique ao bel-prazer do Ministério Público ou dos demais legitimados optar por

um dos meios de execução do título, quando o outro é, sem sombra de dúvida, o mais satisfatório. [...] o simples fato de

constar da lei esse preceito não autoriza interpretação em contrário, uma vez não poder esse dispositivo ser interpretado

isoladamente, devendo sê-lo de acordo com a totalidade do sistema em que se insere. Não se está com isso, negando vigência

a esse dispositivo legal (em flagrante ofensa ao princípio geral de direito segundo o qual a lei não contém palavras inúteis),

pois poderá o autor da ação optar pela conversão da obrigação em perdas de danos [...]”. (PIZZOL, Patricia Miranda

Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.168-169).

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4.4.1.2 Execução das obrigações pecuniárias envolvendo direitos difusos e coletivos em

sentido estrito

Nas ações coletivas, embora deva a tutela específica ser priorizada ao máximo,

não se pode negligenciar o cabimento de tutela ressarcitória pecuniária prevista no art.13 da

LACP.

Com relação ao procedimento executivo, especificamente para obrigações

pecuniárias, as leis especiais carecem de disciplina própria. No que se refere aos direitos

individuais homogêneos, o CDC dedica alguns artigos (arts.95-100 da Lei nº8.078/90)

destinados a traçar diretrizes para a execução coletiva, mas não de modo satisfatório, quanto

ao procedimento.

Quanto às execuções pertinentes aos direitos difusos e coletivos em sentido

estrito, “a situação é de completo vazio legislativo”787

. A LACP dispõe de apenas dois

dispositivos pertinentes, mas relativos somente à destinação do dinheiro arrecadado (art.13) e

à obrigatoriedade da execução (art.15); os poucos artigos disponíveis sobre o tema na LAP

(arts.14-16) regulam apenas algumas especificidades decorrentes do objeto da ação; e a LIA,

dispõe de apenas um artigo sobre a matéria sem trazer uma contribuição significativa para a

execução.

Conforme se observa, é cogente a criação de um procedimento específico para

regulamentar adequadamente a execução coletiva no Brasil a fim de conferir maior

efetividade dos direitos difusos e coletivos que por ela serão tutelados.

Enquanto o sistema jurídico não disponibilizar instrumentos específicos e

inteiramente adequados para a efetividade das decisões judiciais concernentes às obrigações

pecuniárias para a tutela de direitos transindividuais, a aplicação dos mecanismos executivos

do Código de Processo Civil à execução coletiva será aceitável e necessária. Entretanto, deve

ser temperada pelas normas específicas do microssistema processual coletivo (sobretudo,

LACP e CDC), observados os princípios e diretrizes interpretativas aplicáveis à execução

coletiva para respeitar as peculiaridades dos direitos difusos e coletivos.

Os reflexos deste quadro apontam para o acolhimento da norma, diretrizes e

formas expropriatórias delineadas para as ações individuais, quantos às suas generalidades.

Entretanto, as normas de cunho individual devem ser adaptadas e flexibilizadas às

787 Sobre o tema, consultar: ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos. Algumas considerações reflexivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, nº1956, 8 nov.2008.

Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 10 nov. 2014.

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peculiaridades do processo coletivo, com vistas a conferir efetiva proteção ao direito material

tutelado.

Este trabalho de adaptabilidade cabe preponderantemente ao magistrado que,

“nas situações da vida em que isso for necessário, adaptar o instrumento às particularidades

do direito coletivo que, se repita, são completamente distintas das do processo individual”,

conforme salienta Fernando Fonseca Gajardoni788

.

Assim será analisado o procedimento do cumprimento de sentença coletiva a

partir do exemplo fático apresentado sobre o depósito irregular de lixo em área inapropriada,

causando poluição ambiental no solo e no rio “X” próximo ao local. Conforme destacado,

houve condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais pretéritos causados,

considerada a impossibilidade de uma tutela integral específica.

Quando se trata de julgado coletivo atinente a obrigações pecuniárias, observa-

se, de um modo geral, o procedimento previsto nos arts.475-J e ss. do Código de Processo

Civil, para o “cumprimento de sentença”.

Necessário, no entanto, destacar certas peculiaridades na seara coletiva, que

demandam maior acuidade na condução do processo, mormente na fase de efetivação das

decisões judiciais.

A primeira delas refere-se à natureza genérica da sentença proferida nos autos

da ação coletiva, já que seu dispositivo apresenta uma obrigação ilíquida no que se refere ao

quantum debeatur. Diante dessa generalidade, imperioso realizar a liquidação do julgado. No

caso da situação fática apresentada (depósito irregular de lixo), o pedido de ressarcimento dos

danos ambientais pretéritos causados até o momento da recuperação, considerando a

impossibilidade de integral restauração às condições primitivas do solo, da vegetação e

lençóis d’água, demanda a necessária liquidação da sentença, para que o título executivo se

torne apto à execução.

Outrossim, a execução das obrigações pecuniárias não se limita ao

cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de quantia, mas também aos valores

advindos das conversões em perdas e danos e das multas decorrentes de descumprimento de

obrigação específica. Mesmo provenientes de origens distintas, o procedimento executivo é

semelhante, seguindo as regras específicas do cumprimento de sentença para pagamento de

quantia. O que distingue é a forma de apurar o valor; as primeiras podem requerer uma fase

788 Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as

recentes reformas do CPC. In: (Coord.). CARMONA, Carlos Alberto. Coleção Atlas de Processo Civil. São Paulo: Atlas,

2008, p.185.

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de liquidação e a última será resolvida pelo cálculo aritmético. Fixado o valor, o

procedimento na fase de execução, em regra, é o mesmo.

Deixando de lado questões da competência, da legitimidade e da liquidação (já

estudados anteriormente), neste ambiente será verificado apenas o procedimento para a

execução da sentença coletiva, destacando alguns pontos que merecem adaptação com o

objetivo de imprimir efetividade à jurisdição em razão do próprio direito material tutelado,

bem como do forte interesse público que o envolve.

Desta forma, passa-se a considerar a execução coletiva promovida pelo

legitimado coletivo que atuou como autor da ação cognitiva que culminou com a sentença

condenatória789

.

a) Da desnecessidade de requerimento do autor e não incidência do princípio do

dispositivo nem da inércia do Poder Judiciário para executar a sentença condenatória

O sincretismo processual é o principal destaque da reforma trazida pela Lei

nº11.232/2005, dispensando o processo executivo autônomo. Conforme já apontamos, a

execução forçada das obrigações pecuniárias originárias de sentenças condenatórias será

realizada pela fase processual. Assim, conforme o art.475-J, não mais se exige a citação do

devedor para pagamento do débito ou oferecimento de bens à penhora. A rigor, a lei tão-

somente assinala o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da condenação ao

pagamento de quantia certa.

Não obstante o grande avanço da reforma operada pela Lei, os benefícios ainda

não foram suficientes para a tutela coletiva.

De acordo com o art.475-J do CPC, uma vez transitada em julgado a sentença,

cabe ao autor requerer o cumprimento da sentença. Conforme o entendimento de Sérgio

Shimura, “continua incidente em sua plenitude o princípio do dispositivo, como se depreende

dos arts.475, §§1º e 5º, 475-N, parágrafo único, 475-O, 475-P, parágrafo único, e 475-J, §3º,

CPC”790

.

789 O procedimento da execução promovida por outro colegitimado coletivo distingue-se apenas quanto ao prazo. De acordo

com o art.15 da LACP, se o Ministério Público não for autor da ação, deverá promover a execução, se transcorridos 60 dias

sem que o autor não o tenha feito, facultada a mesma iniciativa para o outro colegitimado. De sorte que, antes desse prazo

legal, a legitimidade é exclusiva do autor da ação para propor a execução coletiva. Quanto ao rito, seguirá o mesmo

procedimento. 790 SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.167.

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Contudo, não se pode aceitar a vigência deste princípio do dispositivo, para a

execução coletiva de direitos transindividuais791

. Da mesma forma, é inaceitável a

aplicabilidade do princípio da inércia do Poder Judiciário para a tutela executiva coletiva,

aguardando a provocação do exequente, conforme determinado pelo art.475-J, §5º, CPC.

As razões são claras. Primeira razão: não se trata aqui de direitos disponíveis.

A grande maioria dos direitos tutelados pelas ações coletivas792

são insubstituíveis,

inegociáveis, portanto indisponíveis. Na situação fática apresentada, o meio ambiente

saudável deve ser preservado a todo custo, pois dele depende a saúde e o bem-estar da

coletividade presente e futura. Não se pode, portanto, dispor desse direito. Ainda que se

referisse aos direitos individuais também lesados em razão do ato ilícito, nem todos são

disponíveis. Considerando ainda a natureza do bem tutelado, o direito pátrio prevê a

possibilidade de execução ex officio no âmbito do processo trabalhista, conforme o art.878 da

CLT.

Segunda razão: o art.15 da LACP disciplina a obrigatoriedade da execução

coletiva; decorrido o prazo de 60 dias do trânsito em julgado da sentença, se o autor da ação

cognitiva não tiver promovido a execução, deverá o Ministério Público fazê-lo, facultando

igual iniciativa aos colegitimados. Esta regra denota a indisponibilidade dos bens tutelados na

ação coletiva, haja vista que mesmo que o autor desista da execução e os outros colegitimados

não demonstrem interesse no prosseguimento da tutela, o Ministério Público será obrigado a

promover a execução.

Terceira razão: não há razão substancial para diferenciar-se do regime da

efetivação de obrigação de fazer, não-fazer ou de entrega de coisa, cuja sentença já prevê o

comando judicial e prazo para cumprimento (art.461 e 461-A do CPC e art.84, do CDC). Pelo

contrário, existem razões suficientes para que o regime seja o mesmo. Como se não bastassem

os dois argumentos anteriores, é preciso considerar que as obrigações pecuniárias nas ações

coletivas nem sempre são destinadas aos indivíduos, mas à própria coletividade com a

finalidade de reconstituir os bens lesados. Deve ser preservado o interesse público de tutelar

de forma rápida e eficaz a situação jurídica da coletividade em detrimento de uma norma

formal estabelecida para direitos individuais disponíveis.

791 Elton Venturi já havia apresentado sugestão lege ferenda afirmando: “parece-se nos que no âmbito da execução coletiva

não deveria incidir o princípio da iniciativa da parte, adotado pela sistemática do CPC no art.2º, podendo determinar o

próprio juiz no processo de conhecimento o início da execução da sentença”. (VENTURI, Elton. Execução da tutela

coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p.106). 792 Poder-se-ia excepcionar alguns direitos individuais lesados em razão do ato ilícito praticado pelo demandado, tais como a

desvalorização das propriedades lindeiras ao lixão.

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Na situação fática do lixão, constatando o juiz o descumprimento da tutela

específica por parte do demandado e a viabilidade da sub-rogação, deverá determinar que

terceiro o faça às custas do réu. Entretanto, o demandado pode se recusar a pagar as despesas

voluntariamente. Por certo, os recursos destinados ao pagamento das despesas com o

cumprimento da obrigação (remoção do lixo e recuperação da área degradada) deverão ser

obtidos à revelia da vontade do demandado, se não fizer o pagamento espontaneamente. Essa

execução poderá consistir em expropriação de bens do demandado, viabilizados por meio da

penhora de patrimônios ou outros recursos financeiros, o que significa execução de obrigação

pecuniária.

Assim, como ocorre com o regime das obrigações de fazer e de não fazer, o

juiz deverá dar o comando para que o demandado pague em prazo fixado (que poderá ser de

15 dias, conforme o art.475-J), sob pena de serem penhorados tantos bens quanto bastem

para cumprimento da obrigação.

Considerada a urgência do cumprimento da obrigação específica, da

transformação do mundo fático na efetiva proteção ao direito material (meio ambiente), todo

empenho em promover celeridade aos atos processuais (duração razoável do processo) deve

ser empregado sob pena de tornar totalmente ineficaz a prestação jurisdicional coletiva.

Não se pode esquecer que o sistema pátrio tem admitido soluções mais

drásticas restringindo o princípio da intangibilidade da liberdade pessoal, introduzindo no

sistema processual mecanismos executivos de imposição forçada de obrigações de fazer e de

não fazer, invadindo a autonomia do sujeito. Assim, a forma de atuação judicial ao reconhecer

a obrigação de fazer e de não fazer, determina, incontinenti o seu cumprimento fixando prazo

e escolhendo os mecanismos efetivadores a um só tempo, independente de requerimento do

autor. Vale ressaltar que este sistema não é exclusivo dos direitos indisponíveis, mas

igualmente válido para os direitos individuais disponíveis.

Ora, se houve verdadeira revolução procedimental ao restringir a autonomia da

liberdade de fazer ou não fazer em prol de um direito maior, qual seja a efetividade da tutela

jurisdicional, não há razão de qualquer natureza para que o mesmo não se opere nas

obrigações pecuniárias. Não se olvida que antes desta alteração, a resolução das pendências

obrigacionais era resolvida por meio de compensação pecuniária, restringindo a atuação do

Poder Judiciário à esfera patrimonial das pessoas, de forma a preservar a liberdade individual.

Dentro deste quadro, não justifica a formalidade diferenciada disponibilizada

pela lei (art.475-J do CPC) para o Estado-juiz invadir a esfera patrimonial do indivíduo com o

objetivo de conferir efetividade de suas decisões. É evidente que se a lei admite válida a

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determinação judicial de obrigação de fazer ou não fazer, mesmo forçada, não implica em

qualquer ofensa aos princípios constitucionais do processo, da mesma forma, deve ocorrer

com as obrigações pecuniárias. Sob a ótica dos direitos transindividuais, com muito mais

razão, a tutela deve ser mais célere.

Diante destas razões, a execução das obrigações pecuniárias reconhecidas em

sentença coletiva deve operar independente do requerimento do autor. Na sentença

condenatória, o juiz determinará o cumprimento da obrigação em 15 dias para o pagamento,

sob pena da multa de 10%. No caso de a sentença ser ilíquida, o juiz fixará um prazo para o

autor iniciar a liquidação coletiva, que será em seguida executado, independente de

requerimento posterior.

Caso a liquidez dependa somente de cálculos aritméticos, então o juiz poderá

remeter os autos para a contadoria judicial para elaborá-los, valendo-se do permissivo legal do

§3º do art.475-B do CPC, em analogia aos beneficiários da assistência judiciária,

considerando que nas ações civis públicas não há despesas processuais de nenhuma natureza,

salvo por má-fé a teor do art.18 da LACP.

Se a obrigação pecuniária originar de pagamento de custas e honorários com a

remoção do lixão e restauração da área degradada, os valores já constarão nos autos, em razão

de projeto de trabalho apresentado por perito ou terceiro nomeado pelo juiz, e, por certo já

terão sido objeto de amplo debate. Nesta fase de condenação e efetivação, limita-se o juiz

determinar o pagamento dos valores fixados e descumpridos voluntariamente.

Este procedimento não importará qualquer nulidade processual, tampouco

estar-se-á ferindo qualquer garantia constitucional do processo, na medida em que o

executado terá o mesmo prazo para impugnar eventual irregularidade, da mesma forma que

teria, caso o autor tivesse requerido a execução.

A importância deste entendimento se amplia quando se trata de obrigações

determinadas em sentença coletiva, ainda que de natureza pecuniária, haja vista que

intimamente ligadas ao ressarcimento específico das lesões causadas a bens e interesses

comuns, que afetam a esfera coletiva em larga escala, a exemplo do que ocorre com o meio

ambiente (mas poderia ser a saúde, a dignidade humana, a educação, a própria vida).

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b) Da destinação dos valores obtidos na execução coletiva: o Fundo de Direitos Difusos

e o custeio do ressarcimento específico

Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli, “não é mesmo nada fácil dar destino

adequado ao produto de uma condenação obtida em processo coletivo. Até no campo das

lesões meramente patrimoniais, a dispersão dos lesados cria novas dificuldades para a divisão

do produto da indenização”793

.

Foi nesse mesmo contexto de questionamentos em que o legislador brasileiro,

através do art.13 da Lei nº7.347/85 fez previsão de criar um Fundo para a destinação dos

recursos obtidos em condenações do gênero o qual, nos termos de sua lei regulamentadora

(Lei nº9.008/95), art.1º, “tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio

ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico,

paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos”794

.

De antemão, o fruto da indenização coletiva tem seu escopo na efetiva

reparação do bem que sofreu o dano. Somente nos casos em que isso se torna impossível, é

que se toma outro caminho.

Em se tratando de direitos divisíveis, o produto da condenação deve ser

repartido entre os indivíduos que suportaram a lesão. Já nos casos em que não há procura de

reparação pelos sujeitos lesados ou na hipótese de direitos indivisíveis, o destino da

indenização será o fundo criado pela Lei de Ação Civil Pública (art.13). Neste último caso, é

imprescindível direcionar a renda obtida para a preservação ou restauração de bens

relacionados com o bem lesado.

A LACP determinou a criação de um fundo federal, bem como de fundos

estaduais, os quais deverão ser geridos pelos respectivos Conselhos formados para essa

finalidade e contarão, obrigatoriamente, com a participação do Ministério Público e de

representantes da comunidade. O Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos

Difusos (CFDD) foi criado e regulamentado pela Lei Federal nº9.008/95795

.

De forma sistematizada, Hugo Nigro Mazzilli apresenta um rol da origem das

receitas do fundo:

793 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.566. 794 Disponível em: www.planato.gov.br. Acesso em: 20 nov.2014. 795 Interessante estudo a respeito do panorama legislativo dos FDD federal e de alguns Estados do país foi realizado por

Edilson Vitorelli Diniz Lima. Além do panorama histórico legislativo, o autor apontou problemas e possíveis soluções, uma

delas, relacionada à possibilidade de se criar fundos municipais, haja vista não haver vedação expressa pela LACP. (LIMA,

Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação do dano coletivo no direito

brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, Minas Gerais, 2011, p.166-

172).

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Segundo dispõe sobre a matéria a lei de regência, os recursos do fundo de defesa dos

direitos são constituídos pelo produto da arrecadação: a) das condenações judiciais

de que tratam os arts.11 e 13 da Lei nº7.347/85; b) das multas e indenizações

decorrentes da aplicação da Lei nº7.853/89, desde que não destinadas à reparação de

danos a interesses individuais; c) dos valores destinados à União em virtude da

aplicação da multa prevista no art.57 e seu parágrafo único e do produto da

indenização prevista no art.100, parágrafo, do CDC; d) das multas por infrações

administrativas impostas na forma dos arts.56, I, e 57, do CDC; e) das condenações

judiciais de que trata o §2º do art.2º da Lei nº7.913/89; f) das multas referidas no

art.84 da Lei nº8.884/94; g) dos rendimentos auferidos com a aplicação dos recursos

do próprio fundo; h) de outras receitas que vierem a ser destinadas ao Fundo; i) de

doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras796

.

No tocante à destinação dos recursos arrecadados pelo Fundo de Defesa dos

Direitos Difusos, o autor alerta que “mesmo havendo a criatividade e flexibilidade, o fundo de

reparação de interesses difusos lesados há de ser usado sempre em finalidade compatível com

sua origem”797

.

Sendo assim, a Lei nº9.008/95, em seu art.1º, §3º, estabeleceu um rol taxativo

para a aplicação daqueles recursos; seu uso não poderá contrariar a seguinte destinação legal:

Os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na

promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo

especificamente relacionado com a natureza da infração ou do dano causado, bem

como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela

execução das políticas relativas às áreas mencionadas no §1º deste artigo.

Assim, os recursos obtidos em condenações decorrentes de violações de

direitos transindividuais são destinados a um Fundo Federal ou Estadual para posterior

aplicação, a partir de projetos aprovados pelos conselhos gestores, podendo não ser

prioritariamente destinados a recompor a lesão da qual originou o recurso.

Além disso, essa solução não parece adequada para todas as espécies de

execuções coletivas conduzidas pelos legitimados coletivos, seja o autor, seja por qualquer

dos colegitimados. Considerando as diferentes origens dos valores levantados e a natureza da

execução, não se deve destinar toda e qualquer verba diretamente para o Fundo. Isto, porque,

na prática, frequentemente pessoas ou bens que não foram efetivamente lesados pelo ato

ilícito do réu poderão ser beneficiadas com os recursos obtidos na execução, o que

compromete a efetividade da tutela jurisdicional.

É inegável que as ações coletivas para a defesa de direitos transindividuais

podem envolver questões muito específicas, a exemplo da situação fática analisada, que nem

796 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,

patrimônio público e outros interesses. 25.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p.570. 797 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,

patrimônio público e outros interesses. 25.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p.571.

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286

sempre podem ser solucionadas de forma célere por meio de projetos enviados ao Fundo e

aguardar a aprovação e liberação dos recursos. Esse procedimento comprometeria a rápida e

efetiva proteção do bem lesado e ainda descaracterizaria a própria tutela específica.

Uma possível solução seria criar um Fundo Municipal (mesmo porque não há

vedação expressa na LACP), que restringiria a aplicação dos recursos na própria coletividade

onde houve a lesão e originou o recurso798

. Contudo, ante a inexistência de um Fundo

Municipal, cabe ao juiz avaliar o destino dos recursos obtidos em condenações pecuniárias

nas ações coletivas, não revertendo indiscriminadamente toda e qualquer verba para o Fundo.

Deve excepcionar, por exemplo, os valores obtidos em execução de obrigação

pecuniária para ressarcimento específico, ou seja, quando o demandado deixa de cumprir

pessoalmente a obrigação na forma específica e o juiz nomeia um terceiro para fazê-lo. Caso

o juiz designe um terceiro para cumprir a obrigação à custa do demandado, segue-se um

incidente processual no qual o nomeado deverá apresentar um projeto de trabalho apontando

prazos, forma de execução da obra, e valores.

Ao final do incidente, fixado o montante dos custos, se o devedor não pagar a

quantia estipulada pelo juiz para o terceiro cumprir a obrigação (na situação hipotética,

remoção do lixo e restauração das obras) caberá a execução da obrigação de pagar799

. Os

valores obtidos nesta execução não deverão ser depositados no Fundo (art.13 da LACP),

apesar do procedimento seguir a modalidade de execução de obrigação pecuniária, mas

destinados ao pagamento das obras.

A alternativa seria o depósito em conta judicial específica, cuja movimentação

seria realizada pelo terceiro nomeado para cumprir obrigação específica, devendo este prestar

contas periodicamente ao juiz da causa, nos autos do processo. Verificar a idoneidade destas

contas prestadas ficaria a cargo do contador judicial ou de um Conselho Municipal

comunitário criado para este fim. Não se olvida que seria um procedimento custoso para o

juiz, mas alcançaria uma melhor efetividade da tutela específica.

Poder-se-ia arrazoar que esta alternativa apresentada estaria ferindo os

preceitos legais. Todavia, o Direito brasileiro, no que se refere à tutela executiva, possui 798 Sobre este aspecto, Edilson Vitorelli Diniz Lima defende que a existência de um fundo municipal privilegiaria o destino

do recurso permitindo “a reparação no local em que se deu o dano, aproximando o resultado do processo da comunidade em

que se este se originou”. (LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. A execução coletiva pecuniária: uma análise da (não) reparação

do dano coletivo no direito brasileiro. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito,

Minas Gerais, 2011, p.172). 799 O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (CBPC-UERJ/UNESA), ao disciplinar sobre a ação

reparatória no art.25, determina que a indenização seja revertida ao FDD. Entretanto, no §1º, dispõe: “Dependendo da

especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o

juiz poderá especificar, em decisão fundamentada, a destinação da indenização e as providências a serem tomadas para a

reconstituição dos bens lesados, podendo indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se

repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado”.

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inúmeros permissivos legais autorizadores de discricionariedade judicial. Além disso, os

princípios constitucionais do processo e as diretrizes da tutela executiva dão sustentáculo ao

poder de discricionariedade ao juiz da causa, desde que obedecidos determinados limites,

conforme mencionado em capítulos anteriores.

A discricionariedade judicial em cada caso concreto800

deve ser motivada e

fundamentada nos princípios e diretrizes da execução coletiva: princípio da efetividade e o

direito fundamental da tutela executiva, princípio do resultado e da menor onerosidade ao

executado, princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência possível ou do

resultado, princípio da tipicidade e atipicidade das medidas executivas e princípio da

proporcionalidade e da adequação.

c) A necessidade de rever a solução dada pelo CDC para o concurso de crédito

Outra peculiaridade da execução coletiva diz respeito à sentença proferida em

ações coletivas que pode configurar tanto a tutela de direitos difusos e coletivos em sentido

estrito quanto de individuais homogêneos, ensejando, portanto, tanto a uma execução coletiva,

quanto a execuções individuais, propostas pelas vítimas ou seus sucessores partindo do

transporte in utilibus da coisa julgada coletiva (art. 103 CDC, §3º, III).

Trata-se da extensão dos efeitos da coisa julgada secundum eventum litis e in

utilibus que ocorre quando há procedência do pedido para beneficiar as vítimas e seus

sucessores801

.

Destarte, além da execução coletiva promovida por um dos legitimados ativos

previstos pela lei, com o intuito de tornar efetivo o direito difuso ou coletivo defendido, a lei

permite, quando há procedência do pedido, a possibilidade de utilizar o resultado da sentença

em execuções individuais, transportando, para estes casos, a coisa julgada benéfica. Este

quadro denota que a sentença coletiva, se reconhecer o ilícito praticado pelo demandado, as

vítimas ou seus sucessores poderão promover a liquidação e a execução individual

comprovando o nexo causal e o dano em decorrência do ato ilícito praticado pelo demandado.

800 Conforme André Vasconcelos Roque, “O direito americano, por outro lado, confere ampla liberdade ao juiz e às partes

para que apresentem soluções criativas, a fim de contornar os inconvenientes apontados na aferição dos danos e na

distribuição da indenização devida aos integrantes do grupo. As soluções mais adequadas, como sempre, dependerão das

circunstâncias do caso concreto”. (ROQUE, André Vasconcelos. Class actions – ações coletivas nos Estados Unidos: o que

podemos aprender com eles? Salvador: Juspodivm, 2013, p.454). 801 Caso a sentença coletiva seja de improcedência (desfavorável aos titulares dos direitos difusos por insuficiência ou falta de

provas), não se formará a coisa julgada; as partes ou os indivíduos poderão intentar nova ação coletiva baseada na mesma

pretensão se houver provas suficientes.

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288

Paralelamente, o autor ou outro colegitimado ativo poderão promover a execução coletiva

atinente aos direitos difusos ou coletivos.

Essa situação pode ensejar concurso de créditos, ou seja, execuções

concomitantes (individuais e coletivas). O CDC prevendo a possibilidade de eventual

concurso de crédito determinou a sustação do processamento das execuções coletivas

enquanto pendentes as decisões acerca das execuções individuais, conforme dispõe o

parágrafo único do art.99.

Deixando de lado os prazos e soluções para operacionalizar o concurso de

crédito, pretende-se aqui apresentar uma ressalva acerca da garantia de preferência às

reparações individuais sobre a coletiva, privilegiando assim os direitos individuais quando em

concomitância com os direitos transindividuais.

Assim, havendo concomitância de procedimento executivo nas ações coletivas,

envolvendo direitos coletivos e individuais, não cabe aplicar indistintamente o art.99 do CDC

em qualquer caso, sob pena de incorrer em grave e injusta ineficácia da tutela jurisdicional

aos direitos transindividuais. É preciso uma análise do caso concreto.

A situação hipotética do lixão, por exemplo, merece uma análise apurada.

Imagine que, após reconhecido em sentença o ilícito cometido pelo demandado, os moradores

aproveitando-se da sentença de procedência, pelo fenômeno do transporte in utilibus iniciem

suas liquidações na forma estabelecida em lei.

O art.99 do CDC disciplina uma ordem de preferência no pagamento no caso

de concurso de créditos quando há condenação a indenizações individuais e coletivas, mas o

pagamento daquelas não exclui o pagamento destas.

Segundo a literalidade da regra de pagamento em caso de concurso de crédito,

o pagamento das indenizações individuais tem preferência às indenizações coletivas. Na

prática, a aplicação indiscriminada desta regra pode causar uma drástica redução no montante

da execução coletiva, senão a total impossibilidade fática, caso o patrimônio do réu seja

insuficiente para responder pela totalidade da condenação.

Ainda que o patrimônio do réu seja suficiente para arcar com ambas as

indenizações, o tempo em que o processo executivo coletivo fica suspenso aguardando as

liquidações e indenizações individuais compromete significativamente a efetividade da tutela

jurisdicional coletiva no quesito “duração razoável do processo” em razão dos efeitos

deletérios do tempo. Neste aspecto, caem por terra a eficiência de todos os mecanismos

empregados na fase cognitiva como as liminares, as tutelas antecipadas e as multas

coercitivas, por exemplo.

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289

Necessário, nesta hipótese, o sopesamento das prioridades de relevância. No

caso concreto, o cumprimento das obrigações pecuniárias no âmbito coletivo tem por escopo

custear as atividades atinentes à restauração do meio ambiente cujas consequências atingirão

diretamente a coletividade que se beneficia das águas do rio “X”, do ar atmosférico nas

proximidades da área degradada e das próprias condições do solo lindeiro.

A obrigação de fazer que envolve a situação fática envolve tutela de urgência,

que por sua vez depende do cumprimento da obrigação pecuniária por parte do demandado,

caso ele não tenha cumprido pessoalmente a tutela específica consubstanciada na obrigação

de fazer. Por outro lado, é necessário na análise do caso concreto, verificar o direito individual

lesado e a finalidade específica das indenizações. Se a lesão disser respeito à saúde do

indivíduo e o ressarcimento tiver como escopo direto o pagamento de tratamento de saúde,

não haverá dúvidas de que a preferência ao pagamento deve ser observada. Embora ambas as

tutelas digam respeito ao direito à vida, é possível observar a diferença entre os graus de

prioridade e de relevância.

De outra sorte, se no pedido de indenizações individuais, o dano causado às

pessoas tiver natureza patrimonial, como por exemplo, a desvalorização das propriedades

particulares próximas do terreno onde o lixo industrial é lançado, então não há dúvidas de que

apesar do direito ao ressarcimento, não há a mesma urgência da tutela ressarcitória específica

coletiva, razão pela qual não merece ser privilegiada com a garantia de preferência

disciplinada no art.99 do CDC.

Em situações como estas, não há que se falar em suspensão da execução

coletiva. Pelo contrário, elas justificam o processamento concomitante das liquidações e o

pagamento preferencial à execução coletiva, desde que o montante seja destinado à tutela

ressarcitória específica.

Não se discute o grau de relevância dos direitos de natureza coletiva,

abrangendo recursos comuns de larga abrangência social e forte peso político considerados de

alta relevância e grande interesse social, como é o caso do meio ambiente, a par dos demais

direitos tutelados pela ação civil pública. Nesse campo de alta complexidade fática, não raras

vezes as soluções processuais preestabelecidas não serão idôneas para a tutela destes direitos,

se aplicadas de forma plástica e isonômica, pois as situações não são iguais.

As normas estabelecidas conseguem estabelecer um núcleo mínimo comum

para as possíveis e variadas situações fáticas que muitas vezes requerem de seu intérprete uma

boa dose de criatividade para a solução dos conflitos. A discricionariedade judicial necessária

para a escolha de prioridades de relevância dos direitos e situações encontram limites nos

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princípios constitucionais do processo. No entanto, não há como fugir da necessária escolha

de procedimentos adequados, na avaliação cuidadosa sobre qual atende melhor o bem tutelado

e o objetivo que se quer alcançar por meio daquele provimento, sob pena de incorrer na mais

injusta e inefetiva prestação jurisdicional.

4.4.2 A tutela executiva nas ações coletivas para tutela dos direitos individuais

homogêneos

A execução da sentença relativa aos direitos individuais homogêneos pode

originar de uma ação coletiva para a tutela específica destes direitos, ou ainda, de uma

sentença prolatada em demanda coletiva para a tutela de direitos difusos e coletivos em

sentido estrito, cujos efeitos da coisa julgada estendam secundum eventum litis para beneficiar

individualmente as vítimas do ato lesivo, permitindo a execução individual visando à

reparação pessoal.

Apesar das origens distintas do título executivo, ou seja as sentenças coletivas

que autorizadoras da tutela executiva foram prolatadas em ações coletivas diversas, o

procedimento executivo se equipara na medida em que cada vítima ou sucessor poderá

promover individualmente as respectivas liquidações seguidas de cumprimento de sentença.

O procedimento será diverso quando a execução se processa de forma coletiva

promovida pelo legitimado coletivo (art.98 do CDC). Neste caso, o ente coletivo atuará em

nome das vítimas, pleiteando em seu nome e em seu benefício, objetivando a entrega do

produto da execução aos beneficiários, como se fosse os próprios demandantes em juízo.

Inicialmente pretende-se demonstrar o procedimento do cumprimento de

sentença coletiva condenatória ao pagamento de obrigação pecuniária, cujo requerimento será

efetivado pelo próprio titular do direito material ou seu sucessor, destacando algumas

peculiaridades que demandam adequação no procedimento.

Não há regramento específico para a execução de sentença coletiva no sistema

processual pátrio. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) disciplina, em seus arts.95-100,

algumas particularidades da tutela executiva como a legitimidade ativa, a competência, o

concurso de créditos, o prazo para habilitação dos interessados e a destinação dos valores não

executados pelas vítimas. Entretanto, não são satisfatórias quanto ao procedimento

expropriatório.

Trata-se, portanto, de diretrizes direcionadas a especificidades do processo

coletivo, mas que relegam o procedimento da tutela executiva às regras do Código de

Processo Civil, claramente engendradas para a tutela individual. Assim é que alguns

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dispositivos reivindicam a justa adequação face às particularidades dos direitos materiais

coletivos e da própria tutela jurisdicional coletiva.

O Código de Processo Civil rege-se pelo fenômeno do sincretismo processual,

regulando o processamento do cumprimento de sentença por mera fase imediatamente

posterior à fase cognitiva, o que dispensa a citação do devedor. Se houver necessidade de

liquidação da sentença, que também é processada como atividade complementar para integrar

o conteúdo da própria sentença, as atividades executivas serão processadas após os

procedimentos liquidatórios.

Assim, encerra-se a fase de liquidação, afinal o título executivo estará apto a

ensejar a execução forçada, que seguirá o rito dos arts.475-I a 475-J do CPC.

De acordo com o art.475-J, se o devedor que tiver obrigação de pagamento

pecuniário fixado em sentença deixar de cumpri-la em 15 dias, caberá ao autor “requerer” o

cumprimento da sentença. O §5º do mesmo artigo determina o arquivamento dos autos se o

autor não requisitar o cumprimento em seis meses.

Conforme demonstrado, o princípio do dispositivo não tem cabimento nas

ações coletivas para a tutela dos direitos difusos e coletivos; cabe ao juiz dar o comando

judicial e respectivo prazo para o cumprimento da obrigação. Entretanto, no caso dos direitos

individuais homogêneos, continua em plena vigência o princípio do dispositivo e da inércia

do juiz, salvo quanto à reparação fluida, conforme abordado a seguir.

Ocorre que no processo de conhecimento, o legitimado coletivo requererá a

condenação do demandado quanto ao ato ilícito praticado e a sua reparação. A execução

individual promovida pela vítima ou seu sucessor pressupõe a liquidação da sentença coletiva,

que em geral, é genérica (art.95 do CDC)802

. A liquidação processa-se pela habilitação dos

interessados e tem natureza de processo cognitivo visando comprovar além do quantum, a

legitimidade, e o nexo causal entre o ato ilícito praticado pelo réu e o dano sofrido.

Assim, é preciso estabelecer algumas premissas. Na fase cognitiva da ação

coletiva, o juiz prolata a sentença condenatória genérica. Na fase de liquidação, o titular do

direito material ou o autor legitimado coletivo requer a liquidação da sentença. A sentença

proferida na fase liquidatória já terá a certeza do titular do autor e o valor da condenação.

802 A liquidação de sentença só será obrigatória se a sentença for genérica. Sempre que possível, as sentenças proferidas em

ações coletivas serão líquidas, com o objetivo de prestigiar a celeridade processual. Não existem óbices legais para que a

sentença coletiva contenha todos os elementos necessários para que o título seja considerado apto à execução prescindindo de

procedimento liquidatório. Nesta hipótese, quando a sentença depender tão somente de cálculo aritmético, caberá ao devedor

intimado da sentença pagar o valor atualizado segundo os parâmetros fixados na sentença, sob pena de incorrer em multa de

10% (art.4475-J).

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292

Assim, é possível visualizar a seguinte situação: ação coletiva é processada por

fases, a primeira, cognitiva promovida pelo legitimado coletivo, sucedida por outras duas

fases promovidas pelos titulares do direito material (podendo ser veiculada pelo autor

coletivo). Encerra-se a primeira fase com a prolação da sentença, que pode ser de procedência

ou não. Em sendo uma sentença de procedência, em regra esta será genérica, ou seja, ilíquida,

o que dependerá de liquidação, sendo esta a segunda fase. A fase de liquidação de sentença

também é encerrada por sentença integrando os elementos da primeira, tornando o título hábil

para a execução, que é a terceira fase.

Considerando que o cumprimento de sentença é mera fase que se segue à

liquidação (caso necessário), ou a fase cognitiva, questiona-se a necessidade de novo

requerimento do autor para intimar o devedor a cumprir a obrigação.

O mesmo art.475-J prevê a incidência de multa de 10% sobre o montante da

condenação em caso de descumprimento da obrigação no prazo legal. Neste particular, surge

outra dúvida intimamente ligada à necessidade de nova intimação: a partir de quando o prazo

de 15 dias começa a fluir, para que o devedor se torne inadimplente? É o que se pretende

responder ante as particularidades da tutela jurisdicional coletiva.

a) A (des)necessidade de nova intimação do devedor na fase de cumprimento de

sentença; o dies a quo para a incidência da multa do art.475-J

Segundo dispõe o art.475-J do CPC, o devedor condenado a pagar quantia tem

15 dias para cumprir espontaneamente a obrigação estampada na sentença, sob pena de sofrer

a incidência de uma multa de 10% sobre o montante da condenação.

Saliente-se que a multa não incide apenas sobre o valor da dívida, mas também

sobre a parcela relacionada às verbas sucumbenciais, honorários advocatícios e demais

acréscimos apontados na sentença (juros e correção), deduzindo-se que, na prática, tal multa

será maior do que 10% sobre o valor da dívida. Não se pode considerar algo irrisório e

desprezível.

Outra inovação, visando acelerar o trâmite e evitar retardamentos da marcha

processual gerados pelo executado, qual seja, mediante o não pagamento pelo devedor após

15 dias, o credor poderá requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação e a

faculdade de indicar bens à penhora (art.475-J, §3º, CPC).

Estas alterações objetivam impedir que o executado tente procrastinar os atos

executórios ao indicar bens inadequados à penhora, trazendo, assim, maior celeridade à

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293

execução. Somente após a realização da penhora e avaliação é que o devedor será intimado,

oportunidade em que poderá impugná-las, respeitado o prazo de 15 dias, de acordo com o

art.475-J, §1º, do CPC.

Ademais, o principal objeto da execução da obrigação de pagar, segundo o

art.646 do CPC, consiste na expropriação de bens do patrimônio do devedor; das técnicas

processuais mais utilizadas é necessário destacar a mais eficiente, a penhora online de ativos

financeiros existentes em contas bancárias ou aplicações em instituições financeiras,

observando a ordem preferencial do art.655 do CPC.

Destarte, o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da obrigação foi

fixado em lei a fim de determinar o momento a partir do qual o devedor será considerado

inadimplente, pressuposto que permite ao credor requerer o cumprimento da sentença.

Entretanto, o legislador não fixou o termo inicial para a contagem deste prazo.

Diante deste quadro surgiram algumas controvérsias doutrinárias: a) transitada

em julgado a decisão que estampa a obrigação, o prazo de 15 dias para seu cumprimento

começa a fluir automaticamente a partir da publicação no Diário Oficial, ou é necessário

intimar o devedor para cumprir voluntariamente a decisão? b) se for necessário intimá-lo,

deverá ser feita pessoalmente ou basta fazê-lo por meio do seu advogado?

Importa esclarecer que ambos os temas estão intimamente interligados e

possuem extrema relevância prática; isto, porque, se descumprido o prazo quinzenal, a multa

incidirá automaticamente, facultando ao autor cumulativamente requerer a penhora de bens.

Nesta linha de raciocínio, é necessário precisar o termo inicial para a fluência do prazo de 15

dias para pagamento espontâneo do comando da sentença, sob pena de incidência da multa.

Considerando a imprecisa redação do art.475-J, foram formuladas três

correntes doutrinárias; a primeira delas defende que o prazo começa no momento em que a

sentença se torna exigível, independentemente de nova intimação do devedor, seja porque

transitou em julgado, seja porque impugnada por recurso destituído de efeito suspensivo.

Assim, publicada e intimada da sentença seus efeitos começam a fluir803

.

803 Partilham dessa corrente: CARNEIRO, Athos Gusmão. O princípio sententia habet paratam executione e a multa do art.

475-J do CPC. Revista de Processo nº164, São Paulo: RT, 2008, p.135; ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença.

4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.16; MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patricia Miranda. Novos rumos da

execução por quantia certa contra devedor solvente: o cumprimento de sentença. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim

(Coord.). Aspectos polêmicos da nova execução. v.3. São Paulo: RT, 2006, p.179-222; FUX, Luiz. O novo processo de

execução – o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.245; MARINONI, Luiz

Guilherme. Curso de processo civil – execução. v.3. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p.464; THEODORO JR.,

Humberto. Processo de execução e cumprimento da sentença. 26.ed. São Paulo: LEUD, 2009, p.579.

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294

A segunda corrente entende que o prazo começa com o trânsito em julgado da

decisão, após a intimação do devedor, bastando que seja na pessoa de seu advogado, por meio

de publicação oficial804

.

A terceira corrente defende que o prazo somente tem início com a intimação

pessoal do executado, não bastando a intimação na pessoa do advogado805

.

Os defensores da primeira corrente justificam que pretendem uma interpretação

afinada com os escopos aceleradores da Lei nº11.232/2005. Afirmam que a Lei teve por

pretensão eliminar a indesejável burocracia das execuções de sentença para pagamento

pecuniário e, portanto, deve ser efetuada sem intervalo. Neste sentido, manifesta-se o Ministro

Humberto Gomes de Barros ao relatar o REsp 854.859/RS:

Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato ir

ao devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória.

Foi-lhe imposto o ônus de tomar iniciativa de cumprir a sentença de forma

voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às

decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.

Certamente, a necessidade de resposta rápida efetiva aos interesses do credor não se

sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal. Mas o

devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas

normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o

que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido

ampliar regalias, além do que concedeu o legislador806

.

Assim, a simples intimação da sentença será suficiente para cientificar o réu do

prazo previsto em lei para cumprir a decisão e pagar a quantia devida; caso não o faça, estará

sujeito à incidência da multa807

.

804 Cassio Scarpinella Bueno afirma que esta intimação deverá ocorrer para afluência do prazo: “O prazo correrá, destarte, da

intimação judicial que comunique que o julgado reúne suficientemente condições de eficácia plena, qualquer que seja a

“forma” adotada por esta intimação. Sejam os usuais “cumpra-se o v. acórdão”, “ciência às partes do retorno dos autos ao

juízo [...]. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil – tutela jurisdicional executiva.

v.3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.168). Compartilham desta corrente: Nelson Ney Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. (NERY

JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13.ed. São

Paulo: RT, 2013, p.881). 805 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre a necessidade de

intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art.475-J do CPC (inserido pela Lei nº11.232/2005).

Panóptica, Vitória, ano 1, nº1, set. 2006, p.15-21. Disponível em: http://www.panoptica.org. Acesso em 10 out.2014. 806 LEI Nº11.232/2005. ART.475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO

DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa

consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a

intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida,

pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação,

em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça,

REsp. 954.859-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 27.08.2007). 807 Conforme Humberto Theodoro Jr.: “Não há necessidade de prévio mandado de pagamento ou prévia intimação pessoal do

devedor para que a fluência do prazo do art.475-J se dê e a multa de 10% se torne exigível. O cumprimento da sentença não

se instaura como uma nova ação que se exigisse citação ou intimação do devedor. É apenas continuidade do processo que a

sentença condenatória não teve condão de encerrar. Publicada e intimada a sentença, seus efeitos se projetam sobre a

continuidade dos atos que se lhe seguem. O prazo de cumprimento, portanto, não decorre de uma nova instância. É

conseqüência da normal intimação do julgado.” (THEODORO JR., Humberto. Processo de execução e cumprimento da

sentença. 26.ed. São Paulo: LEUD, 2009, p.579). Luiz Guilherme Marinoni, compartilhando deste entendimento, assevera

que o prazo de quinze dias começa a correr a partir do momento em que ao réu é dada ciência da sentença (objeto da

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295

Os defensores da segunda corrente defendem que o termo a quo do prazo de 15

dias será a data da efetiva intimação “cumpra o julgado”, que deve ser feita na pessoa do

advogado, por meio do Diário Oficial808

. Portanto, somente após terem sido intimadas as

partes, por intermédio de seus advogados, é que o título estará exigível e aberto o prazo de 15

dias de que trata o art.475-J809

.

Finalmente, a terceira corrente sustenta que existe a necessidade de intimação

pessoal do devedor para a fluência do prazo para pagamento. Os argumentos dispensados por

esta ala da doutrina resumem-se no fato de que esta intimação deve ser dirigida ao próprio

devedor e, não ao seu advogado, porque o adimplemento da obrigação é ato de natureza de

direito material e não de direito processual.

Apresentadas as diferentes correntes, é preciso verificar qual delas se aplica à

ação coletiva.

Prolatada a sentença na fase cognitiva, cada autor individualmente deverá

requerer a liquidação da sentença, da qual o réu será intimado, na pessoa do seu advogado,

por meio de publicação oficial. Não se trata de citação, porque não há instauração de novo

processo autônomo, mas mera fase sequencial da fase cognitiva810

.

A fase de liquidação se encerra com a sentença integrativa da sentença

condenatória, ao apontar o titular do direito material, o devedor e o valor da obrigação. Assim,

publicada e intimada da sentença, seus efeitos começam a fluir, tornando o título exigível.

Nesse entendimento, o prazo para cumprimento da obrigação começa a fluir a partir do

momento em que a sentença se torna exigível, independente de nova intimação do devedor.

apelação) ou da decisão do tribunal (objeto do recurso especial ou extraordinário) e esclarece: quando o recurso tem efeito

suspensivo, não se inicia o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da sentença condenatória; quando o recurso não

tem efeito suspensivo, o prazo flui a partir do instante em que o condenado tem ciência da decisão. Porém, se a decisão

suscetível de recurso sem efeito suspensivo é ilíquida, só poderá o demandado efetuar o pagamento depois de liquidada a

obrigação. Assim, realizada essa e cientificado o demandado do valor devido, terá curso o prazo legal para pagamento

voluntário do débito. (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil – execução. v.3. 2.ed. rev. e atual. São Paulo:

RT, 2008, p.464). 808 De acordo com o §2º do art.511 do texto do CPC aprovado pelo Senado e enviado para sanção, “O devedor será intimado

para cumprir a sentença: I – pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos; II – por carta com aviso

de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a

hipótese do inciso IV. 809 O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. nº940.274/MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, decidiu pela

necessidade de intimação do executado, por meio de seu advogado, para que o prazo flua. O prazo não corre

simultaneamente. Se tiver havido recurso, o prazo corre da intimação do advogado de que ocorreu a baixa dos autos ao juízo

de origem, Assim, o prazo só começa a correr depois que, com o retorno dos autos, o juiz determina o cumprimento do

acórdão. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp. 940.274/MS, 3ªTurma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, data do

julgamento: 21/11/2007, publicação DJ 31/05/2010). 810 Neste sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 5.ed.

v.4. Salvador: Juspodivm, 2010, p.384. Em sentido contrário, entendendo que carece de nova citação, haja vista que não

haverá uma relação jurídica previamente estabelecida: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito

processual civil – direito processual público e direito processual coletivo. 4.ed. rev.e atual. v.2. t.III. São Paulo: Saraiva,

2014, p.226.

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296

Este entendimento não fere nenhum princípio processual constitucional na

medida em que o requerido será intimado para a fase de liquidação, tomando ciência dos atos

processuais e tendo a oportunidade de ampla defesa, eis que esta fase tem natureza cognitiva.

Além disso, terá ciência da sentença na fase de liquidação podendo interpor recurso e pagar a

obrigação em 15 dias, livrando-se da multa do art.475-J do CPC.

Em sentido diverso, se necessário ao titular do direito material fazer um novo

requerimento para cumprir a sentença e dele ser novamente intimado o devedor, gerará um

dispêndio desnecessário de tempo, de sobrecarga do Poder Judiciário, visto que o juiz será

provocado novamente a despachar e os auxiliares do juízo a expedir nova notificação

enquanto o devedor já estará ciente da obrigação e ganhando tempo apesar da inadimplência.

b) Execução promovida pelos legitimados coletivos

A execução da sentença coletiva em que se tutelam os direitos individuais e

homogêneos poderá ser promovida também pelos legitimados coletivos, assumindo dois

procedimentos distintos (art.98 do CDC): a) uma, destinada a agregar execuções individuais,

cujo produto será destinado às vítimas ou seus sucessores; b) outra, residual, considerando o

dano global causado que deverá ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

A primeira espécie de execução coletiva pressupõe que a sentença tenha sido

liquidada, quando houver necessidade de comprovar a titularidade do crédito, o dano sofrido,

o nexo causal e o quantum. De acordo com o §1º do art.98 do CDC, “A execução coletiva far-

se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou

não do trânsito em julgado”.

Perquire-se, ainda, se a liquidação também poderia ser promovida pelo ente

coletivo, uma vez que a característica da homogeneidade na fase de conhecimento terá

findado com a sentença e o direito tutelado dificilmente poderá ser defendido

molecularmente.

Conforme já mencionamos, o processamento de uma fase de liquidação de

sentença coletiva para a tutela de direitos de vários titulares individuais homogêneos,

promovida por ente legitimado extraordinário, não seria uma boa estratégia, haja vista que a

solução tenderia a emperrar-se por inúmeros incidentes para deslinde de situações individuais

e independentes entre si, comprometendo a simplificação e a celeridade processual objetivada

pelas alterações legislativas promovidas pela Lei nº11.232/2005, bem como pelos próprios

princípios da tutela coletiva.

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297

Outrossim, apesar do permissivo legal, a execução coletiva não se revela um

procedimento adequado, visto que comprometeria a celeridade processual. Considerando que

os titulares do direito material já tenham promovido as habilitações para as liquidações

individuais (quando necessárias para provar minimamente a titularidade do crédito), não se

justifica o legitimado extraordinário retomar as rédeas do processo sob pena de comprometer

a almejada efetividade da prestação jurisdicional.

Seria mais adequado, portanto, o próprio titular do direito material,

individualmente prosseguir com a execução, atividade complementar do processo cognitivo,

mera fase processual subsequente à liquidação (se houver) ou fase cognitiva.

Além disso, a condenação à obrigação pecuniária para tutela de direitos

individuais homogêneos tem natureza disponível, em sua grande maioria, nessa fase

processual, o que comprometeria a legitimidade para diversos entes legitimados, salvo se

houver procuração específica para essa finalidade, o que novamente implicaria em ineficácia

do provimento.

De outra sorte, a execução coletiva promovida pelos legitimados

extraordinários, quando transcorrido o prazo de um ano, não houver “habilitação de

interessados em número compatível com a gravidade do dano”, revela um avanço oportuno

para a efetividade da tutela jurisdicional coletiva. Trata-se da reparação fluida ou fluid

recovery, cujo escopo é apurar os danos causados globalmente pelo réu e a destinação dos

valores apurados ao Fundo de Direitos Difusos e Coletivos.

Cabe destacar, preliminarmente, a importante finalidade social da reparação

fluida ou fluid recovery, que visa assegurar o interesse público e a sanção do responsável

pelos atos lesivos à coletividade, mesmo quando as vítimas são indeterminadas ou, ainda,

quando não se habilitam em número suficiente para reprimir novas condutas danosas.

Ocorre que nas ações coletivas para a tutela de direitos individuais

homogêneos, prolatada a sentença, o interesse assegurado, em regra, retorna ao titular do

direito material, que poderá dele dispor. Surgem vários entraves que corroboram para o

indivíduo buscar a tutela executiva; dentre eles, a falta de notificação adequada, as custas do

processo, a necessidade de se contratar um advogado e a insignificância do valor da

indenização em si. Contudo, a condenação considerada em seu valor total adquire tal

expressividade que será capaz de sancionar o autor da lesão.

Em casos como estes, não se poderia deixar de reprimir os danos causados à

coletividade e reconhecidos judicialmente como passíveis de reparação, além de prevenir

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eventuais e futuras práticas ilícitas igualmente graves. Diante disso, a fluid recovery tem o

condão de impedir a impunidade.

Apesar do avanço legislativo outorgado pela criação do instituto da reparação

fluida, o legislador não se desincumbiu da tarefa de estabelecer os parâmetros das condições

sine qua non para o seu exercício, o que torna a sua realização extremamente difícil.

Ao teor do art.100 do CDC, são duas as condições a serem preenchidas para o

juiz autorizar o início da reparação fluida: a) o prazo de um ano e a gravidade do dano

incompatível com o número de habilitações para a liquidação.

Já houve a oportunidade de tratar da liquidação de sentenças coletivas,

oportunidade em que foram expostos os problemas referentes ao prazo e apresentadas

sugestões passíveis de solução.

Em relação à “gravidade do dano incompatível com os números de

habilitados”, o legislador deixou de apresentar critérios de aferição. Como saber a quantidade

de habilitações em trâmite, caso os titulares do direito material tenham requerido a liquidação

em foros diversos da ação cognitiva? Como avaliar se o número de habilitações é inexpressiva

ante a gravidade da lesão?

Talvez uma solução fosse consultar o Cadastro Nacional de ações coletivas;

nele é possível obter informações sobre ações coletivas ajuizadas811

, o que permitiria obter um

parâmetro mínimo para verificar essa condição. Ocorre que nem todos os estados federados

estão inseridos neste banco de dados, ainda em fase de implantação. Assim, esta solução seria

adequada para ações futuras.

Esta dificuldade diz respeito, portanto, ao caráter residual da reparação fluida,

ainda que não alternativo. Segundo Ada Pellegrini Grinover812

, “A indenização destinada ao

Fundo criado pela LACP, nos termos do parágrafo único do art.100, é residual no sistema

brasileiro, só podendo destinar-se ao referido Fundo se não houver habilitantes em número

compatível com a gravidade do dano”.

Sendo assim, mesmo tendo ações individuais de liquidação e execução

individuais ajuizadas, caso estas somadas não correspondam ao dano global, o juiz deve

811 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolveu um projeto de criação de um Banco de Dados Nacional de Ações

Coletivas. Trata-se de uma parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). De acordo com as

informações obtidas no site, há dois bancos de dados denominados cadastros nacionais de informações de ações coletivas,

inquéritos civis e termos de ajustamento de conduta. Juntos, estes bancos criam os dispositivos online, integrados entre o CNJ

e o CNMP, com informações simultâneas e de acesso público”. (Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18839-

conselheiro-gilberto-martins-destaca-importancia-do-banco-de-acoes-coletivas. Acesso em: 08 dez.2014). 812 “A indenização destinada ao Fundo criado pela LACP, nos termos do parágrafo único do art.100, é residual no sistema

brasileiro, só podendo destinar-se ao referido Fundo se não houver habilitantes em número compatível com a gravidade do

dano”. (GRINOVER, Ada Pellegrini apud AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de direitos individuais

homogêneos e sua execução. São Paulo: Dialética, 2002. p.76).

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promover uma espécie de compensação, destinando o restante do dano não reclamado ao

fundo criado pela LACP, impedindo que o demandado fique ileso mesmo sendo

reconhecidamente responsável por um dano coletivo.

O dispositivo estabelece que se deva aguardar 1 ano após o trânsito em julgado

da sentença genérica para que os entes coletivos ajuízem a liquidação e execução coletivas.

Contudo, isso não impede a possibilidade de ocorrer concomitância entre liquidação

individual e coletiva, inviabilizando o mencionado caráter residual.

Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, considerando os requisitos propostos pelo

art.100 do CDC para a reparação fluida, o mais acertado seria atribuir a este instituto um

caráter punitivo ao invés de residual. O autor acredita que os critérios para a fluid recovery

seriam aplicados de forma mais justa, já que, no prazo de 1 ano não há como garantir o

término de todas as liquidações individuais, tampouco estaria prescrito o direito de outros

indivíduos a pleitear sua reparação individual, não sendo, portanto, segura a fixação do

quantum “residual”. A este propósito, explica:

[...] um bom caminho seria interpretar a reparação fluida do art.100, caput do CDC

como um instituto de caráter punitivo [...], cujo critério seria o lucro ou vantagem

econômica obtida pelo responsável pelo dano causado. A comparação do que foi

efetivamente pago (portanto, bem depois de um ano das liquidações) com o “lucro”

obtido pelo responsável forneceria um mínimo de segurança para se aplicar uma

punição menos imaginativa e mais próxima da realidade813

.

Aqui mais uma vez, é preciso verificar a intenção do legislador ao permitir a

criação de um texto legal cujo contexto disponha de um conceito jurídico indeterminado,

como é o caso da expressão “número incompatível com a gravidade do dano”. Seria,

porventura, descuido do legislador ou trata-se de uma decisão propositada?

Segundo o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim

Wambier, há o uso cada vez mais frequente dos conceitos indeterminados pelo legislador “na

medida em que possibilita a geração de textos legais adaptáveis à realidade de nossos dias e a

velocidade vertiginosa com que ocorrem as transformações sociais”. Esta técnica proporciona

mais flexibilidade à norma, criando um maior espaço de liberdade ao juiz, cujo papel se torna

ainda mais significativo, “o que responde ao anseio de uma sociedade que se vê mais

813 Ponderações sobre a fluid recovery do art.100 do CDC. In: (Coords.) MAZZEI, Rodrigo Reis; NOLASCO, Rita Diniz.

Processo civil coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.460-468.

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descrente da idéia de que o direito posto por si só seria capaz de realizar as aspirações sociais

predominantes”814

.

Independentemente do caráter atribuído ao instituto da reparação fluida,

residual ou punitiva, é imperiosa a necessidade de dar operatividade ao comando do art.100

do CDC; cabe novamente ao juiz decidir quanto ao cumprimento das condições autorizadoras

da execução fluida. Partindo da análise do caso concreto, o juiz poderá averiguar a gravidade

da lesão e o número aproximado de pessoas lesadas, se o ato praticado poderá causar danos de

âmbito local, regional ou nacional. Não é difícil verificar se os valores atribuídos aos danos

individuais são inexpressivos e, lançando mão das regras de experiência comum, se os lesados

individuais se sentiriam motivados a habilitar para a liquidação. Trata-se de analisar as

condições da ação e verificar o cabimento da reparação fluida, o que neste caso, é feito a

partir de critérios altamente subjetivos, mas sem prescindir da conjugação dos princípios da

tutela coletiva.

Não se pode esquecer o inestimável papel do Ministério Público nesta

empreitada. Caso não seja o autor, atuará como custus legis, apresentando pareceres e

defendendo tanto os direitos difusos ou coletivos, como os interesses individuais

homogêneos. De outro lado, ao atuar como autor da execução coletiva, deverá fazer uma

análise preliminar sobre o cumprimento das condições necessárias para o requerimento da

reparação fluida, consultando os bancos de dados de ações coletivas e apontando as razões de

convencimento do cabimento da medida.

Ultrapassada a fase de análise do cabimento da reparação fluida, procede-se à

liquidação propriamente dita da fluid recovery, objetivando quantificar o dano global, a partir

da sua extensão.

A execução propriamente dita seguirá, em linhas gerais, o art.475-J do CPC,

com as ponderações mencionadas acima, quando se tratou da execução das obrigações

pecuniárias envolvendo direitos transindividuais, quanto às peculiaridades do direito material

tutelado.

Por fim, o resultado obtido com a liquidação e execução da reparação fluída é

destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei de Ação Civil

Pública.

814 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. São Paulo,

Revista dos Tribunais nº814, ano 92, ago.2003, p.70; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao

direito processual civil e processo de conhecimento. 13.ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p.278).

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c) Alternativa para a execução de obrigação pecuniária para tutela dos direitos

individuais homogêneos

Partindo do exemplo hipotético envolvendo o lixo indevidamente lançado

próximo ao rio “X” e a várias propriedades urbanas, dentre os danos a direitos

transindividuais apontados, alegou-se que as propriedades lindeiras (terrenos e casas) foram

substancialmente depreciadas em razão do lixo depositado pela indústria poluidora nas

imediações do bairro, causando nítida lesão aos direitos individuais dos moradores, além de

dificultar qualquer possibilidade de alienação e locação. Ao final, prolatada a sentença de

procedência, agregou-se às condenações já discriminadas, a obrigação de pagar consistente na

indenização por danos pessoais causados aos indivíduos por depreciação das propriedades

individuais próximas ao terreno cujo lixo é depositado pela indústria.

Transitada a sentença condenatória, em regra, os titulares do direito material

devem se habilitar objetivando promover as liquidações nos moldes do art.97 do CDC,

procedimento preparatório para futura execução.

Entretanto, ao prolatar a sentença, o juiz poderá determinar providências aptas

a conferir efetividade da decisão, eliminando outras fases sem, contudo, ferir as garantias

processuais do processo, tais como:

a) Designar um perito para fazer um levantamento no cartório local e na

Prefeitura dos terrenos localizados nas proximidades da área onde é lançado o lixo e

avaliar o valor da possível desvalorização das propriedades, a partir do tamanho de

cada propriedade, de forma proporcional, apresentando relatório especificado;

b) Determinar a abertura de uma conta em nome do juízo em banco oficial para

o depósito do montante do valor a ser rateado entre os credores;

c) Determinar ao devedor depositar o montante a partir da soma dos valores

individuais, em 15 dias, sob pena de multa de 10% sobre o montante da condenação

(art.475-J, do CPC) ou alternativamente o bloqueio dos valores depositados na conta

do devedor;

d) Determinar a ampla notificação da decisão em diversos meios de

comunicação de massa e, ao autor, coletivo providenciar a comunicação

individualizada dos titulares do direito para levantarem o dinheiro, sem qualquer

manifestação nos autos, dispensada a intermediação de advogados.

e) Determinar que conste, nas notificações, a faculdade de individualmente

constituir advogados, para promover as liquidações nos moldes legais, caso discorde

dos valores estimados pelo perito, cujo procedimento deverá seguir o rito normal.

Esse procedimento elimina em grande medida o tempo despendido nas fases

subsequentes ao processo, evitando julgamentos individuais de segunda ou terceira fases e

incidentes processuais desnecessários, impugnações e produção de provas; por outro lado,

simplifica o procedimento sem, contudo, tornar inefetiva a tutela dos direitos pleiteados.

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Trata-se de um procedimento alternativo semelhante ao que se opera nas

obrigações de fazer e de não fazer. Ou seja, um misto de tutela mandamental, na medida em

que determina que o devedor cumpra a obrigação, depositando em conta corrente especificada

pelo juiz, e de tutela executivo lato sensu, se houver bloqueio de valores depositados em conta

e possível expropriação de dinheiro.

Apesar das vantagens no ganho de tempo e na redução de gastos, este

procedimento não está isento de críticas, suscita dúvidas e carece de aprimoramento, na

medida em que não se trata de uma regra estática, mas que deve ser flexibilizada a cada caso

concreto.

Uma das críticas a esta solução consiste em dizer que fere a garantia de defesa

do devedor. Ocorre que houve um processo extremamente complexo de natureza cognitiva,

propiciando ao devedor a mais ampla defesa em todos os atos processuais, com direito a todas

as impugnações às decisões judiciais permitidas em lei; resta, ainda, o recurso apropriado.

Esta alternativa encontra respaldo nas diretrizes da tutela executiva, na medida

em que prestigia o princípio da efetividade da tutela executiva, haja vista que o juiz utilizou

mecanismos idôneos à garantia da eficácia de suas decisões.

A escolha do procedimento pautou-se pela máxima eficiência da execução,

sem contudo, onerar excessivamente o devedor; sopesando as alternativas, verifica-se que

pagar voluntariamente nesta fase causa menos gastos ao devedor se comparado com a defesa

judicial de inúmeras demandas individuais, que exigem gastos com advogados e custas

processuais.

De outra sorte, sob a ótica do credor, pautou-se pela tutela ressarcitória

específica, na medida em que de um lado, no cumprimento da obrigação de fazer, uma vez

restaurada a área degradada, as propriedades terão alta probabilidade de retomar o valor de

mercado e haverá o recebimento da indenização pelos danos pretéritos.

Prestigiou-se também o princípio da atipicidade das medidas executivas, dando

oportunidade ao credor de utilizar medidas típicas. O juiz em juízo de discricionariedade

adequou o procedimento ao caso concreto, oferecendo uma alternativa que prestigiou a

máxima efetividade da tutela coletiva, de forma proporcional e tempestiva.

4.5 A possibilidade de execução coletiva provisória

A rigor, executa-se a sentença de procedência transitada em julgado nas ações

coletivas, assim como ocorre nas ações individuais. No entanto, a lei permite que se executem

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303

as decisões liminares, despidas, portanto, de cognição plena e exauriente e também as

sentenças sub judice em razão da pendência de recurso (execução provisória).

Convém mencionar que, em face do art.14 da Lei nº7.347/85, o qual atribui ao

juiz a faculdade de receber os recursos das decisões coletivas apenas no efeito devolutivo, a

execução das decisões proferidas no plano das ações coletivas poderá ter cunho provisório ou

definitivo815

.

Assim, aplicando-se o art.475-I, §1º, CPC, à sentença coletiva transitada em

julgado, a execução será definitiva; já na pendência de recurso, ao qual não foi atribuído

efeito suspensivo, contra a sentença proferida no plano das ações coletivas, a execução do

título judicial coletivo ocorrerá nos moldes da execução provisória816

.

A Lei de Ação Civil Pública (art.14) confere o caráter ope judicis ao efeito

suspensivo dos recursos contra as resoluções judiciais de cunho coletivo, evidenciando-se,

desta forma, a possibilidade de execução provisória nesse âmbito, em que o art.475-O

disciplina subsidiariamente tal instituto817

.

A bem da verdade, o caráter provisório do meio executório deve ser atribuído à

possibilidade de reforma da sentença coletiva, que ainda não foi alcançada pelos efeitos da

coisa julgada, e não propriamente a execução. Nesse sentido, acertadas as palavras de Araken

de Assis818

:

E de resto, “provisório” é o título, não a execução em si, que se processa da mesma

forma que a definitiva (art.475-O, caput). Mas conforme nota Ricardo Hoffmann, a

“expressão ‘execução provisória’ é adotada pelo legislador brasileiro e consegue

incorporar suficientemente o fenômeno que representa”.

Deve-se, portanto, destacar o art.475-O, do CPC, que equipara o procedimento

da execução provisória ao da execução definitiva, “no que couber”, já que aquela ocorrerá por

iniciativa e sob o manto da responsabilidade do credor, assegurados os direitos do executado

em caso de reforma da decisão judicial (art.475-O, I, e art.574, ambos do CPC).

Cuida-se, aqui, de responsabilidade objetiva do exequente, uma vez que não

existem fundamentos para avaliar a culpa, tendo em vista a licitude e validade dos atos

executórios, assim como de todo o processo de execução. Este é o entendimento de forte

corrente doutrinária, cujo adepto Araken de Assis elucida:

815 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Execução coletiva em relação aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Algumas considerações reflexivas. Jus Navigandi, Teresina, ano13, nº1956, 8 nov.2008. Disponível em:

http://jus.com.br/artigos/11951. Acesso em: 10 nov. 2014. 816 No CPC aprovado pelo Senado e enviado à sanção, o artigo correspondente é o art.518 e não difere substancialmente do

texto do atual CPC. 817 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 16.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2013. 818 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 16.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2013, p.375.

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304

O dever indenizativo surge tão só do desfazimento do título, seja qual for o meio. É

bem de ver, realmente, que a execução se desenvolveu válida e regularmente na

pendência do recurso. Assim, estimá-la de injusta, retroativamente, e acudir à noção

de culpa mostrar-se-ia impossível. O exequente indenizará em razão da prática de

atos (processuais) lícitos. Todavia, tais atos produziram efeitos injustos no plano

material. [...]. E não é relevante que a atribuição patrimonial haja decorrido da

execução “forçada” ou da execução “voluntária” (por iniciativa do obrigado – retro,

§16)819

.

Como instrumento de garantia da observância da responsabilidade do credor

por eventuais danos suportados pelo executado, a legislação executiva (art.475-O, III, CPC)

previu a possibilidade de o exequente prestar “caução suficiente e idônea”.

Cabe, todavia, ao executado o requerimento da prestação de caução em seu

benefício; o valor será “arbitrado de plano pelo juiz”, o qual deve recorrer ao princípio da

proporcionalidade, considerando eventual estado de necessidade do exequente, que pode

levar, inclusive, à dispensa integral da caução, baseado no princípio da inafastabilidade da

tutela jurisdicional820

.

Confirmada a decisão recorrida, os resultados da execução provisória se

confirmam, sendo esta extinta e a caução desfeita. Por outro lado, sendo totalmente reformada

a sentença, observa-se o art.475-O, II, do CPC, que estatui a restituição das partes ao estado

prístino; em caso de reforma parcial, a execução prossegue em relação ao capítulo que não foi

atingido pela decisão reformadora.

Por outro lado, operada a coisa julgada da decisão coletiva, a execução terá

caráter definitivo, seguindo o rito dos art.475-J e ss. do CPC.

Considerando a inexistência de óbices legais para a execução provisória da

sentença coletiva e, levando em conta a urgência requerida pela situação e o direito tutelado,

não podendo aguardar o trâmite não raro demorado do processamento dos recursos nos

tribunais, conclui-se que este procedimento é adequado para efetivar a tutela jurisdicional

coletiva, mormente em sede de antecipação da tutela.

Nesta linha de raciocínio, inegável que a liquidação para fins de execução

provisória se revela altamente recomendável nas ações coletivas, na medida em que permite

819 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 16.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2013, p.383. 820 “E, ainda, há o problema suscitado pela impossibilidade material de o exequente prestar caução. Por exemplo: pessoa

modesta sofreu grave dano, ganhou a causa, iniciou a execução provisória, mas não dispõe de bens ou de recursos para

prestar caução. Em hipóteses análogas, a exemplo do depósito prévio da rescisória e da caução dos autos na possessória, já se

defendeu a ideia de que restrições desse teor dificilmente se harmonizam com o direito à tutela jurídica do Estado, pré-

excluindo a imensa maioria da população, situada bem próxima da linha da miserabilidade. Caberá ao juiz, recorrendo ao

princípio da proporcionalidade, aquilatar a plausibilidade da vitória do exequente e, reconhecendo seu alto grau, dispensar de

vez a caução. Evidentemente, não há dispensa automática tão só pelo reconhecimento do estado de necessidade do exequente,

decorrente da concessão do benefício da gratuidade”. (ASSIS, Araken de. Manual de execução. 16.ed. rev. e atual. São

Paulo: RT, 2013, p.385).

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uma significativa economia de tempo, processando-se paralelamente ao trâmite do recurso,

sem configurar qualquer dano ao executado, salvo adiantamento de custas para realizar

eventual contratação de profissional na modalidade de arbitramento.

Caso o processamento da “liquidação provisória” finalize antes do julgamento

do recurso, permitindo assim o início da “execução provisória”, cabe ao autor analisar a

necessidade e a utilidade desse mecanismo.

Assim, colocadas as principais diretrizes legais para a consecução da execução

provisória nas lides individuais, é preciso fazer algumas ressalvas para adequar o

procedimento da execução provisória na tutela jurisdicional coletiva:

1) Necessidade de requerimento do autor. Diversamente do que foi

defendido na execução definitiva, para este procedimento, continua em vigência o princípio

da inércia do Poder Judiciário. Não cabe ao juiz determinar a execução provisória de ofício,

vigendo neste caso o ônus compartilhado da efetividade da tutela jurisdicional coletiva.

Assim, compete ao autor da demanda, in casu, o legitimado extraordinário, a análise da

necessidade e utilidade e, por conseguinte, a iniciativa de requerer a execução provisória.

2) Responsabilidade pelos danos que eventualmente o executado sofra em

razão de eventual execução injusta (art.475-O, I). Não há dúvidas de que reformada a

sentença, o título executivo torna-se insubsistente; competirá ao juiz, em sendo factível,

determinar o status quo ante, ou medidas reparadoras, quando possível. Não se olvida que é

preciso avaliar a natureza do direito tutelado e a situação concreta. Cabe mais uma vez ao juiz

da causa, amparado pelos princípios da tutela executiva coletiva, analisar o caso concreto. Nas

demandas envolvendo direitos difusos ou coletivos, eventuais danos suportados são

irrepetíveis à semelhança do ocorrido com a execução do crédito alimentar. A depender da

situação, se comprovada o dolo ou má-fé do representante da Associação, da Defensoria

Pública ou do Ministério Público, é possível aplicar a responsabilidade objetiva, com

possibilidade de ação regressiva821

.

3) Obrigatoriedade de prestar caução para eventual levantamento de

depósitos em dinheiro ou outras situações que importem grave dano ao executado (art.475-O,

III, CPC). Há quem defenda não caber caução nas execuções provisórias coletivas, pois seria

contrária à própria efetividade da tutela coletiva822

. Consoante Patricia Miranda Pizzol823

, não

821 Neste sentido: SILVEIRA, Ricardo Geraldo Rezende. Execução coletiva: teoria geral e novas perspectivas. Curitiba:

Juruá, 2012; SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.189. 822 Consoante entendimento de Patricia Miranda Pizzol, não cabe a exigência de caução para a execução coletiva, pois os

legitimados do art.82 do CDC não podem ser obrigados a prestar caução. SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua

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cabe exigir a prestação de caução para a execução coletiva, pois os legitimados do art.82 do

CDC não podem ser obrigados a prestar caução sob as seguintes razões:

a relevância dos interesses tutelados e a situação de desvantagem dos titulares do

direito em relação ao responsável pela lesão; a necessidade de incentivar os

legitimados à propositura de ações coletivas e a facilitação do acesso à justiça,

inclusive com isenção de custas e ônus de sucumbência. Assim a exigência da

caução para a execução provisória impediria ou dificultaria a sua realização,

retardando a prestação jurisdicional efetiva, em afronta à Constituição Federal.

Assim, em cada fase, o juiz deverá apreciar os pedidos e o caso concreto

decidindo segundo os ditames da tutela jurisdicional coletiva824

e à luz dos princípios a ela

aplicáveis, ponderando os interesses em jogo.

Na fase de execução provisória, a possibilidade de levantar depósito em

dinheiro sem a caução idônea requer uma boa dose de ponderação na escolha de prioridades

de relevância dos direitos e situações concretas. A depender da situação, seria apropriado

apenas bloquear valores em nome do devedor, sem, contudo, efetuar qualquer levantamento,

até a confirmação da sentença prolatada em primeiro grau e o trânsito em julgado; ou então,

os atos que importem alienação de propriedade substituídos por usufruto do bem móvel ou

imóvel, sendo os frutos ou valores deles provenientes depositados em conta judicial até o

trânsito da sentença que confirme a decisão de primeiro grau. Estas decisões deverão ser

motivadas, observando o perigo da demora em se expropriar o réu, mas sem, contudo,

transferir valores para o autor da demanda, ainda que o titular do direito material seja a

coletividade. No caso, deverá haver ponderação dos princípios da menor onerosidade do

devedor e a máxima utilidade da tutela executiva.

4) Quanto ao cabimento da multa do art.475-J do CPC, no âmbito da

execução provisória825

, sua aplicabilidade não é um tema pacífico e gera controvérsias

doutrinárias.

efetividade. São Paulo: Método, 2006, p.173; SILVA, Érica Barbosa e. Cumprimento de sentença em ações coletivas.

Coleção Atlas de Processo Civil. (Coord.) Carlos Alberto Carmona. São Paulo: Atlas, 2009, p.78. 823 PIZZOL, Patricia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998, p.244-245. 824 Acerca da dispensabilidade da caução em execuções provisórias, ponderam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery:

(Art.475-O, §2º) “Dispensa de caução. [...] O juiz aplicando o princípio da proporcionalidade e avaliando a possibilidade de

vitória final do necessitado, pode dispensar a caução; porém, não pode fazê-lo de forma automática, em razão do simples

reconhecimento da situação de necessidade”. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil

comentado e legislação extravagante. 13.ed. São Paulo: RT, 2013, p.908). 825 O §2º do art.521 do CPC votado no Senado e enviado à sanção reza: “A multa e os honorários a que se refere o §1º do

art.521 são devidos no cumprimento provisório de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa”. A multa referida é

de dez por cento quando não paga voluntariamente a obrigação.

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De um lado, há aqueles que a defendem, sustentam que a lei não estabeleceu

regra restritiva neste sentido e que, portanto, deve se processar, nos mesmos moldes da

execução definitiva, respeitadas as limitações legais826

.

De outro, há os que entendem que a execução provisória é uma faculdade do

credor, depende dele ser intimado a pagar e, portanto, não há margem para aplicar a multa do

art.475-J do CPC nas execuções provisórias827

.

Respeitadas as limitações e peculiaridades previstas da execução provisória,

não se pode ignorar que o legislador atribuiu ao título instável uma força executiva tal qual à

daquele já transitado em julgado (art.475-O do CPC). Portanto, deve-se conferir à execução

provisória o mesmo tratamento, inclusive a incidência da multa prevista no art.475-J do

mesmo códex, ressalvadas as situações apontadas no próprio dispositivo.

Para reforçar a aplicabilidade da multa à execução provisória, vale mencionar

que segundo o art.475-O do CPC, devem ser aplicados à execução provisória, “no que

couber”, os dispositivos da execução definitiva828

. A seguir, o legislador traçou em seus

incisos os regramentos específicos para a execução provisória, dispondo acerca dos

procedimentos que não cabem na execução definitiva e, neste intento, não fez qualquer

ressalva ou vedação expressa à aplicabilidade da multa prevista no art.475-J do CPC.

Considerando, portanto, que o legislador não deixou lacuna ou obscuridade a

respeito da execução provisória, é possível inferir, a teor de uma interpretação afinada com os

escopos da reforma promovida pela Lei nº11.232/2005, que a multa é a ela aplicável do

mesmo modo que na execução definitiva.

Cassio Scarpinella Bueno, defendendo a incidência da multa nas execuções

provisórias, leciona que há uma impropriedade na denominação “execução provisória” do

Código de Processo Civil, haja vista que seus efeitos são semelhantes aos da execução

definitiva. Assim, a provisoriedade é atributo do título que funda a execução e, não dos atos

executivos ou a execução propriamente dita. Trata-se de uma atividade jurisdicional executiva

a par da execução definitiva visando realizar o direito do credor, “não havendo um

826 Compartilham dessa doutrina: Araken de Assis (ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 4.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013, p.116) e Cassio Scarpinella Bueno (BUENO, Variações sobre a multa do caput do art. 475-J do CPC na

redação da Lei 11.232/2005. In: (Coord.) WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos da nova execução. v.3.

São Paulo: RT, 2006, p.151). 827 Defendem essa corrente: THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 42.ed. v.II. Rio de Janeiro:

Forense, 2008, p.94; SANTOS, Ernane Fidélis. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 2006, p.56. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça caminhou neste sentido: AgRg no ARE 279213/RS,

3ªTurma, Min. Rel. João Otávio de Noronha, data de julgamento: 02/10/2014; AgRr no REsp 1.329.771, 4ªTurma, Rel. Min.

Antonio Carlos Ferreira, data de julgamento: 26/08/2014. 828 Araken de Assis afirma que “é ponto pacífico, de resto, que tanto o ‘processo’ como o ‘procedimento’ da execução

definitiva e da execução provisória são iguais”. (ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 4.ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013, p.116).

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apequenamento da eficácia do título executivo nos casos de execução provisória quando

comparado com os títulos já transitados em julgado”829

.

Finalmente, insta registrar que, ao aplicar a multa do art.475-J às execuções

provisórias, atribuindo força executiva às decisões judiciais, ainda dependentes de ulterior

deliberação recursal, significa acatar a diretriz mais afinada com os propósitos da reforma da

execução civil, que é imprimir efetividade às tutelas jurisdicionais executivas.

No que concerne à execução provisória da sentença coletiva, com muito mais

razão, deverá incidir a multa do art.475-J nas execuções provisórias pecuniárias, com a

finalidade de conferir ainda mais efetividade à tutela jurisdicional.

É imperiosa a necessidade de alcançar a almejada duração razoável do

processo, um dos fundamentos da ação coletiva e da efetividade da tutela jurisdicional. A

possibilidade de executar provisoriamente as sentenças e decisões proferidas por meio de

tutelas antecipadas permite um ganho razoável de tempo nos atos processuais e, aliado às

garantias constitucionais do processo, pode ser um procedimento altamente indicado para a

efetividade da tutela coletiva.

A incidência da multa dá mais força à necessária efetividade da execução. Ora,

não havendo possibilidade de sofrer penalização, não há motivos para o devedor pagar

voluntariamente a obrigação. A providência perde a eficácia ou reduz acentuadamente o

propósito de conferir efetividade às decisões judiciais, ainda que dependam de ulterior

deliberação recursal.

829 BUENO, Cassio Scarpinella. Variações sobre a multa do caput do art. 475-J do CPC na redação da Lei 11.232/2005.

In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da nova execução. v.3. São Paulo: RT, 2006, p.151.

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5 CONCLUSÕES

1. A sociedade de massa, imersa nas mais complexas e diversificadas relações sociais e

jurídicas produz um ambiente propício para os conflitos de natureza coletiva. Essa

transformação da sociedade acarreta profundas modificações das relações sociais e atinge,

inevitavelmente à ciência jurídica. Surge, portanto, a necessidade de se tutelarem os direitos

de grupo de modo efetivo.

2. É indiscutível que ante uma sociedade de massa onde emergem cotidianamente os

conflitos de dimensão coletiva, surge a necessidade de se criarem mecanismos adequados para

sua resolução. Justifica-se, portanto, o exercício da ação coletiva como um instrumento

essencial para a proteção dos direitos de natureza coletiva ou cuja natureza permite a tutela

coletiva.

3. A tutela jurisdicional é espécie de tutela de direitos prestada pelo Estado-juiz, através

do exercício da jurisdição, com a finalidade de conferir proteção a bens, pessoas ou situações

jurídicas amparadas pelas normas de direito material. Relaciona-se intimamente com o direito

material (tutela jurídica estática) na medida em que as situações ou bens tutelandos são

trazidos à apreciação do Poder Judiciário e recebam a necessária proteção (tutela jurídica

dinâmica). Leva-se em conta, portanto, a espécie de bem tutelado pelo direito substancial, a

situação jurídica envolvida para que a tutela jurisdicional seja efetiva.

4. A efetividade da tutela jurisdicional tem sido compreendida como aquela que traz

resultado positivo, ou seja, uma proteção ao direito material ou a uma situação jurídica. Não

basta, portanto, a prestação jurisdicional ou o exercício da jurisdição. O mero exercício de

direito de ação, sem que dele se obtenha um resultado, ou seja, a efetiva proteção ao direito ou

situação substancial não configura uma tutela jurisdicional efetiva.

5. O direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva remete à ideia de concretização

dos direitos materiais irrealizados de forma espontânea, por meio do processo suficientemente

dotado de mecanismos aptos a produzir um resultado útil, num período razoável de tempo.

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6. A tutela jurisdicional efetiva está intimamente relacionada à demanda executiva ou

tutela executiva. É indissociável a efetividade das decisões judiciais da existência de técnicas

e procedimentos executivos idôneos, suficientemente utilizados de forma corajosa e criativa

num prazo razoável, capaz, portanto de proporcionar satisfação ao direito tutelado.

7. Com relação aos direitos transindividuais – assim considerados aqueles cujos titulares

não são identificáveis, ligados entre si apenas por uma relação jurídica base (direitos difusos),

e aos pertencentes a titulares identificáveis de determinado grupo, categoria ou classe (direitos

coletivos), e ainda aos individuais homogêneos decorrentes de origem comum – a proteção

jurisdicional é viabilizada por meio da ação coletiva, devendo ser igualmente efetiva,

dispondo de técnicas processuais e procedimentos adequados à natureza e especificidade

destes direitos.

8. A ação coletiva é um instrumento que reduz ou atenua a desigualdade substancial

entre as partes, sobretudo quando o litígio envolve os poderes político e econômico. As

demandas promovidas coletivamente representam a função social do processo, na medida em

que permite uma maior socialização do acesso à ordem jurídica justa.

9. As ações coletivas consideradas como mecanismo idôneo para dirimir conflitos de

dimensão coletiva provenientes da sociedade de massa, garantem o acesso à justiça na medida

em que promovem a tutela dos direitos de natureza coletiva, com visível redução de tempo,

economia de dinheiro e impedem julgamentos repetitivos ou antagônicos.

10. A economia processual promovida pela ação coletiva reflete na redução do tempo, na

medida em que permite julgar em um único processo um litígio complexo, envolvendo um

grande número de pessoas. Tal fenômeno representa uma verdadeira economia para o Poder

Judiciário evitando o julgamento de processos repetitivos e a economia de tempo.

11. A ação coletiva é a via adequada para conduzir quaisquer categorias de pretensões,

seja de natureza declaratória, constitutiva, condenatória ou inibitória, na forma específica ou

ressarcitória, cujas respectivas sentenças podem se apresentar na forma executiva ou

mandamental.

12. A tutela jurisdicional seja individual ou coletiva enseja diferentes procedimentos.

Assim, o exercício do direito de ação, ou seja, a faculdade de pedir ao Estado-juiz a prestação

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jurisdicional pode ser no sentido de evitar que a lesão se concretize (inibitória), que se

perpetue (reintegratória) ou se já concretizada a lesão, reparar a lesão sofrida (repristinatória

ou reparatória), a depender da possibilidade de retornar o status quo ante ou não, quando será

requerida uma indenização.

13. A utilização dos institutos e técnicas processuais do Código de Processo Civil na tutela

dos direitos de natureza transindividual impõe uma necessária adequação. Neste empenho,

institutos como coisa julgada, legitimação, competência, litispendência, prazos e

procedimentos são exemplos de revisitação e de adequação sem o que comprometeria a

almejada efetividade da tutela jurisdicional.

14. A adoção de procedimentos adequados, possibilitando o trâmite processual sem

atrasos desnecessários, garantindo a celeridade dos atos processuais, contribui para ampliar a

efetividade da tutela jurisdicional, e, ainda, mitiga os efeitos das decisões, porventura,

imperfeitas, em razão da inevitável carga de subjetividade.

15. As diversas espécies de procedimentos e técnicas processuais previstos na legislação

processual para lides individuais podem ser aplicadas, em maior ou menor medida, desde que

adequados à tutela dos direitos transindividuais para garantir sua tutela.

16. Para dirimir conflitos envolvendo tais direitos, é preciso uma boa dose de criatividade

por parte do juiz para adaptar os institutos já existentes no ordenamento jurídico,

demonstrando íntima relação com a situação trazida à apreciação. É preciso considerar todo

arsenal de tutelas diferenciadas (sejam técnicas ou procedimentos) disponíveis no

microssistema processual coletivo, com vistas a conferir um resultado efetivo ao direito

material.

17. O legislador tem o dever de prestar tutela por meio da elaboração de leis processuais e

ao juiz cabe interpretá-las, adequá-las aos casos concretos a ele apresentados, com a

finalidade de conferir a máxima tutela aos direitos materiais.

18. Neste sentido, a obrigatoriedade de prestação de uma efetiva tutela jurisdicional recai

sobre o legislador e o juiz, na medida em que àquele compete elaborar a estruturação legal do

processo e este, empreender a conformação desta estrutura por meio da jurisdição.

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19. Notabiliza-se que o legislador conferiu ao magistrado o poder de condução do

processo de forma ativa, o que contribui para a efetivação não apenas dos direitos individuais,

mas também daqueles de natureza transindividual. As ações coletivas podem e devem ser

conduzidas de forma dinâmica, não apenas pelo juiz, mas também por todos os legitimados

ativos que têm o dever de propor novas alternativas e soluções práticas à efetiva proteção dos

direitos tutelados.

20. O direito à efetiva tutela jurisdicional coletiva é ampliado na medida em que os

interesses e direitos protegidos possuem relevância social, interesse público e hierarquia

constitucional. Diuturnamente, nas ações coletivas colocam em discussão dois ou mais bens

de natureza coletiva em condição oposta, cuja eleição de maior relevância e que merecerá

proteção caberá ao magistrado.

21. Na seara coletiva, a necessidade de tramitação do processo em tempo razoável é

potencializada em razão dos direitos e interesses tutelados. Os direitos transindividuais

demandam, na maior parte das vezes, urgência no procedimento, sob pena de seu perecimento

ou perpetuação dos danos neles causados.

22. A postura proativa do juiz na condução do processo coletivo não significa menosprezo

às regras procedimentais preestabelecidas, tampouco a supressão da observância das regras

técnicas do procedimento disciplinado no direito processual.

23. O poder criativo do juiz, na acepção que se defende é o poder de conformar o

procedimento ao caso concreto, observadas as peculiaridades da situação que lhe é submetida,

utilizando as técnicas processuais existentes na legislação pertinente de forma corajosa,

segura, prestigiando a boa-fé e aplicando os meios coercitivos disponíveis a fim de conferir

efetividade à tutela jurisdicional.

24. Existe fundamento no conjunto principiológico processual coletivo para o juiz

determinar a emenda da inicial para que se especifique o pedido, nos casos em que verificar

desde logo esta possibilidade, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,

flexibilidade procedimental e máxima eficácia da tutela coletiva, celeridade e economia

processual, na medida em que eliminará a fase de liquidação de sentença.

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25. O juiz poderá ainda proferir sentença certa e determinada a despeito de constar pedido

genérico na peça inaugural (sem que isso ofenda ao princípio da congruência), quando desde

logo ou no decorrer do processo, verificar que existem elementos disponíveis para determinar

o objeto da condenação, ou pelo menos fixar os critérios para estabelecer o valor.

26. No que diz respeito à efetivação das decisões judiciais, especialmente na tutela

executiva coletiva, o papel do juiz na conformação do procedimento e adaptação dos

institutos é essencial para a efetividade da tutela jurisdicional coletiva.

27. A previsão do poder geral de efetivação conferida pelo legislador ao juiz consagra um

poder amplo de execução das decisões judiciais, permitindo a escolha das “medidas

necessárias” e adequadas ao caso concreto, para a realização da tutela específica almejada ou

do resultado prático equivalente.

28. O direito processual coletivo possui princípios comuns aos princípios do direito

processual individual, entretanto a aplicabilidade destes mesmos princípios é ampliada em

razão do próprio direito material tutelado. Destaca-se, dentre eles, o princípio da

adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa, autorizando a flexibilidade

procedimental, adaptável às circunstâncias apresentadas pela relação substancial, cuja tarefa é

conferida ao juiz, com um poder de maior participação nos processos coletivos.

29. O sopesamento e a decisão acerca da adequação dos procedimentos e técnicas

processuais não podem ser realizadas sem qualquer critério. O princípio da proporcionalidade

representa uma importante ferramenta de decisão judicial, pois estabelece critérios de

realização da justiça no caso concreto. No processo coletivo, a fixação do valor das perdas e

danos, quando não for possível a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer, a

concessão de medidas de urgência, o arbitramento do valor da recuperação fluida, são todos

exemplos de situações que envolvem a aplicação deste princípio.

30. Acerca da real possibilidade da ocorrência de litispendência entre ações genuinamente

coletivas, permanece o silêncio da legislação quanto aos seus efeitos. Assim, a concomitância

entre ações coletivas direcionadas à mesma finalidade consiste em uma grande controvérsia

para o Direito Processual Coletivo, o que exige uma interpretação consectária com a natureza

e os princípios das ações coletivas para a boa e efetiva tutela dos direitos.

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31. É carente de regramento legislativo próprio a situação relacionada à continência, à

conexão e à litispendência entre duas ações coletivas, seja a identidade parcial ou total, o que

gera insegurança jurídica aos jurisdicionados e inefetividade para a tutela dos direitos

transindividuais.

32. Da leitura e interpretação sistemática do microssistema processual coletivo, dos

anteprojetos e projetos de código de processo coletivo e da jurisprudência, aliada à

inestimável contribuição da doutrina, é possível compor um conjunto estratégico para a

solução das ações coletivas em trâmite concomitante. A atuação do juiz no caso concreto é

fundamental, pois é o juiz que tem condições materiais de analisar o quadro panorâmico da

situação e suas especificidades, efetuando as necessárias adaptações.

33. O fator determinante para imprimir celeridade e efetividade às decisões judiciais que

impõem a obrigação de fazer, de não fazer (some-se a estas das obrigações de dar) é a

dispensa de ajuizamento de um novo processo para a execução das medidas ou técnicas de

execução direta ou indireta.

34. Outro fator de suma importância é que estas medidas judiciais de cunho executivo

podem ser operacionadas com ou sem a participação do devedor. Isso é o que distingue a

tutela executiva lato sensu da tutela mandamental.

35. Nas ações coletivas, em que se tutelam direitos transindividuais, cuja grande maioria é

de natureza extrapatrimonial (a exemplo do direito ambiental), as medidas coercitivas

indiretas se revelam de grande valia para constranger o devedor a satisfazer a obrigação.

36. Nem sempre as medidas coercitivas de natureza pecuniária, como é o caso da multa,

são suficientes ou eficientes para conferir efetividade às decisões judiciais. Ocorre que no

caso de descumprimento de decisão judicial, a multa somente surtirá o efeito pretendido se o

demandado possuir patrimônio suficiente para suportar a execução.

37. Com efeito, na ausência de patrimônio, como ocorre com a execução infrutífera, a

medida coercitiva indireta perde sua eficácia. Quando a multa ou a execução direta se

mostrarem inadequadas, não poderá permitir que o direito fique desprovido de tutela. Resta,

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portanto, a prisão civil como uma medida coercitiva residual apta a conferir a efetiva proteção

do direito.

38. Cabe aos operadores do direito, sobretudo ao juiz da causa, conscientizar-se de que

inobstante os direitos possam ser os mesmos (como, por exemplo, o meio ambiente ou o

direito do consumidor), as relações jurídicas que os envolvem e os conflitos de interesses

deles decorrentes são diversificados e podem se apresentar altamente complexos, exigindo

respostas processuais diferenciadas. Não se defende aqui o repúdio à generalidade do sistema

processual, tampouco a rebeldia aos procedimentos elencados na legislação pertinente.

39. O procedimento executivo da sentença coletiva depende da natureza do direito lato

sensu nela reconhecido (conforme seja direito difuso, coletivo em sentido estrito ou individual

homogêneo). Outrossim, o procedimento sofre nuances a depender da espécie de tutela

pretendida, seja inibitória, reintegratória ou ressarcitória envolvendo as obrigações de fazer,

de não fazer ou de pagar quantia.

40. Os direitos coletivos lato sensu não gravitam em torno de valores suscetíveis de

valoração em termos patrimoniais, aferíveis em pecúnia. Esta característica produz reflexos

diretos na tutela jurisdicional, na medida em que a tutela condenatória seguida de execução

forçada nem sempre se mostra idônea para promover a adequada e efetiva proteção.

41. A executoriedade das pretensões de natureza não-patrimonial é efetuada

prioritariamente pela tutela específica, lançando mão de medidas executivas diretas e indiretas

para efetivação das decisões judiciais. Não existem parâmetros econômicos para a

mensuração dos danos para eventual condenação em quantia certa, uma vez que o valor destes

bens extrapola os limites da esfera patrimonial. O valor intrínseco destes bens não permite por

meio de simples prova de fatos novos quantificar objetivamente, mas tão somente estabelecer

uma delimitação do objeto lesado.

42. A insuficiência de tratamento legal específico para a tutela executiva das ações

coletivas, aliado à complexidade que envolve os direitos transindividuais, dificulta a

efetividade das decisões judiciais, razão pela qual urge a necessidade de se revisar o processo

executivo, bem como as técnicas de efetivação da tutela jurisdicional executiva coletiva,

impondo-se uma adequada leitura interpretativa e sistemática, seguindo o diálogo entre as

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diversas fontes normativas, à luz da Constituição Federal e de toda principiologia concernente

ao processo coletivo.

43. Com relação ao procedimento executivo, especificamente para as obrigações

pecuniárias, as leis especiais carecem de disciplina própria. No que se refere aos direitos

individuais homogêneos, o CDC dedica poucos artigos (95-100 da Lei nº8.078/90) destinados

a traçar algumas diretrizes para a execução coletiva, mas não de modo satisfatório, quanto ao

procedimento.

44. No que se refere às execuções pertinentes aos direitos difusos e coletivos em sentido

estrito, “a situação é de completo vazio legislativo”. A LACP dispõe de apenas dois

dispositivos pertinentes, mas que se refere tão somente à destinação do dinheiro arrecadado

(art.13) e à obrigatoriedade da execução (art.15); os poucos artigos disponíveis sobre o tema

na LAP (art.14-16) regulam apenas algumas especificidades decorrentes do objeto da ação; e

a LIA dispõe de apenas um artigo sobre a matéria, não trazendo contribuição significativa

para a execução.

45. Enquanto o sistema jurídico não disponibilizar instrumentos específicos e inteiramente

adequados para a efetividade das decisões judiciais concernentes às obrigações pecuniárias

para a tutela de direitos transindividuais, a aplicação dos mecanismos executivos do Código

de Processo Civil à execução coletiva, embora aceitável e necessária, deverá ser temperada

pelas normas específicas do microssistema processual coletivo (sobretudo, LACP e CDC),

observados os princípios e diretrizes interpretativas aplicáveis à execução coletiva para que

sejam respeitadas as peculiaridades dos direitos difusos e coletivos.

46. A execução de sentença coletiva condenatória a obrigações pecuniárias seguirá, em

linhas gerais, as diretrizes procedimentais do CPC, segundo as quais a execução se processa

como fase de cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado da sentença, se não houver

adimplemento espontâneo da condenação. Vale esclarecer que é possível a execução

provisória, antes do trânsito em julgado, durante o trâmite do recurso, uma solução permitida

na legislação vigente, o que proporciona grande ganho de tempo.

47. Salvo no caso dos direitos individuais homogêneos, não se aplica o princípio do

dispositivo, para a execução coletiva de direitos transindividuais. Da mesma forma, é

inaceitável a aplicabilidade do princípio da inércia do Poder Judiciário, aguardando a

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provocação do exequente. Não se justifica a formalidade diferenciada para as obrigações de

pagar quantia, se nas obrigações de fazer e de não fazer, a lei autoriza o juiz determinar, de

ofício, as medidas necessárias para o cumprimento da obrigação.

48. É evidente que se a lei admite válida a determinação judicial de obrigação de fazer ou

não fazer, mesmo forçada, não implicando em qualquer ofensa aos princípios constitucionais

do processo, da mesma forma, deve ocorrer com as obrigações pecuniárias. Sob a ótica dos

direitos transindividuais, com muito mais razão, a tutela deve ser operada de forma mais

célere.

49. A execução das obrigações pecuniárias reconhecidas em sentença coletiva deve operar

independentemente do requerimento do autor. Na sentença condenatória, o juiz determinará o

cumprimento da obrigação no prazo legal, sob pena da multa e de serem penhorados tantos

bens quanto bastem para o cumprimento da obrigação. No caso de sentença ilíquida, o juiz

fixará um prazo para o autor iniciar a liquidação coletiva, que será em seguida executada,

independentemente de requerimento posterior.

50. A simples intimação da sentença será suficiente para cientificar o réu do prazo

previsto em lei para cumprir a decisão e pagar a quantia devida; caso não o faça, estará sujeito

à incidência da multa. Nesse entendimento, o prazo para cumprimento da obrigação começa a

fluir a partir do momento em que a sentença se torna exigível, independente de nova

intimação do devedor.

51. A efetividade da tutela executiva destes direitos demanda ainda mais acuidade no

procedimento em razão de sua natureza extrapatrimonial, que não se limita à compensação

meramente pecuniária, cuja conversão em perdas e danos somente ocorre em caso de total

impossibilidade. Ainda assim, o legislador prevê a possibilidade de determinar um resultado

prático equivalente, a fim de assegurar a mais completa efetividade das decisões judiciais.

52. Daí a importância de o juiz estar investido de poderes para determinar as providências

práticas necessárias à efetiva proteção ao direito lesado ou ameaçado. Além disso, há a

significativa liberdade conferida ao juiz para escolher os meios executivos a serem

empregados quando descumprida a decisão judicial. Nesta hipótese, entretanto, o juiz deverá

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apresentar uma justificativa razoável acerca da necessidade e da utilidade da medida escolhida

para alcançar a efetividade da tutela jurisdicional.

53. Não se discute o grau de relevância dos direitos de natureza coletiva, abrangendo bens

e recursos comuns de larga abrangência social e forte peso político considerados de alta

relevância e grande interesse social, como é o caso do meio ambiente, a par dos demais

direitos tutelados pela ação civil pública. Nesse campo de alta complexidade fática, não raras

vezes as soluções processuais preestabelecidas não serão idôneas para a tutela destes direitos,

se aplicadas de forma plástica e isonômica, pois as situações não são iguais.

54. As normas estabelecidas conseguem regular um núcleo comum para as possíveis e

variadas situações fáticas que muitas vezes requerem de seu intérprete uma boa dose de

criatividade para a solução dos conflitos. A discricionariedade judicial necessária para a

escolha de prioridades de relevância dos direitos e situações encontra limites nos princípios

constitucionais do processo. No entanto, não há como fugir da necessária escolha de

procedimentos adequados, na avaliação cuidadosa sobre qual atende melhor o bem tutelado e

o objetivo que se quer alcançar por meio daquele provimento, sob pena de incorrer na mais

injusta e inefetiva prestação jurisdicional.

55. A discricionariedade judicial em cada caso concreto deve ser motivada e

fundamentada nos princípios e diretrizes da execução coletiva: princípio da efetividade e o

direito fundamental da tutela executiva, princípio do resultado e da menor onerosidade ao

executado, princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência possível ou do

resultado, princípio da tipicidade e atipicidade das medidas executivas e princípio da

proporcionalidade e da adequação.

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Apresentação

ABNT NBR 15287: 2011 – Informação e documentação – Projetos de pesquisa –

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ABNT NBR 6034: 2005 – Informação e documentação – Índice – Apresentação

ABNT NBR 12225: 2004 – Informação e documentação – Lombada – Apresentação

ABNT NBR 6024: 2003 – Informação e documentação – Numeração progressiva das

seções de um documento escrito – Apresentação

ABNT NBR 6028: 2003 – Informação e documentação – Resumo – Apresentação

ABNT NBR 10520: 2002 – Informação e documentação – Citações em documentos –

Apresentação

ABNT NBR 6023: 2002 – Informação e documentação – Referências – Elaboração