perspectivas - eliezer pacheco

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  • PERSPECTIVAS DA EDUCAO PROFISSIONAL TCNICADE NVEL MDIO

    Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais

    PERSPECTIVAS DA EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA DE NVEL MDIO

    Eliezer PachecoOrganizador

    PERSPECTIVAS DA EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA

    DE NVEL MDIO

    Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais

    Este texto resultado do debate sobre a atualizao das diretrizes da educao profi ssional tcnica de nvel mdio. As discusses ocorreram ao longo de 2010: tiveram incio com duas audincias pblicas (maro e abril) e foram aprofun-dadas no Seminrio da Educao Profi ssional e Tecnolgica (maio). A Carta do Seminrio estabeleceu a criao de um grupo de trabalho, que se reuniu nos meses de junho a agos-to, recebendo contribuies de diversos rgos, instituies de ensino e pesquisadores.

    Aqui esto reunidas algumas das refl exes suscitadas nesses encontros. A primeira seo do livro relata as principais crti-cas s propostas debatidas nas audincias pblicas. Em seguida so abordados os avanos conceituais das polticas de educa-o profi ssional, as aes necessrias ao desenvolvimento das polticas pblicas nessa rea e, por fi m, as possibilidades de or-ganizao e desenvolvimento curricular.

    Essas discusses so de fundamental importncia para jovens e adultos trabalhadores que buscam no ensino mdio e na educao profi ssional uma formao que viabilize sua insero no mercado de trabalho e que os leve a compreender os pro-cessos econmicos e sociais em curso no mundo atual.

    ELIEZ

    ER PACHEC

    O (O

    RGANIZADOR)

    Capa Institutos federais 03 OK Daniel.indd 1 6/12/12 3:52 PM

  • PersPectivas da educao Profissional tcnica

    de nvel mdio

    Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais

    eliezer Pachecoorganizador

    secretaria de educao Profissional e tecnolgica do ministrio da educao setec/mec

    Braslia, 2012

    so Paulo, 2012

    perspectivas fundacao.indd 1 6/12/12 3:53 PM

  • Coordenao editorial: Snia Cunha S. DanelliEdio de texto: Carlos Eduardo S. MatosCoordenao de design e projetos visuais: Sandra Botelho de Carvalho HommaProjeto grfico e capa: Everson de Paula Imagem da capa: saicle/ShutterstockCoordenao de produo grfica: Andr Monteiro, Maria de Lourdes RodriguesCoordenao de arte: Maria Lucia CoutoEdio de arte: Marcia Nascimento e Carolina de OliveiraEditorao eletrnica: Rodolpho de SouzaCoordenao de reviso: Elaine Cristina del NeroReviso: Maristela S. CarrascoCoordenao de bureau: Amrico JesusPr-impresso: Alexandre Petreca, Everton L. de Oliveira Silva, Helio P. de Souza Filho, Marcio H. KamotoCoordenao de produo industrial: Wilson Aparecido TroqueImpresso e acabamento:

    Reproduo proibida. Art. 184 do Cdigo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

    Todos os direitos reservados

    EDITORA MODERNA LTDA.Rua Padre Adelino, 758 - Belenzinho

    So Paulo - SP - Brasil - CEP 03303-904Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 2602-5510

    Fax (0_ _11) 2790-1501www.moderna.com.br

    2012Impresso no Brasil

    ISBN 978-85-16-06020-6

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 2 5/14/12 6:27 PM

  • Sumrio

    Apresentao ......................................................................................... 5Parte I Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional Tcnica de nvel mdio em debate ........................ 8

    As competncias profissionais ......................................................... 8Formao integrada ........................................................................ 10O foco da educao profissional ................................................... 12

    Parte II A historicidade da questo ....................................... 17A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996 ........ 17O Decreto 2.208/97 ........................................................................ 21O Decreto 5.154/04 ........................................................................ 26A Lei 11.741/08 ............................................................................... 29O respeito diversidade ................................................................ 32A educao de jovens e adultos (EJA) .......................................... 34A educao escolar indgena ......................................................... 38A educao do campo e o ensino agrcola .................................. 43As Conferncias e o Frum Mundial ............................................. 50O papel da EPT no desenvolvimento: para alm do campo educacional ..................................................................................... 56

    Parte III Conceitos e concepes .......................................... 58Formao humana integral ............................................................ 58Cidadania ........................................................................................ 61Trabalho, cincia, tecnologia e cultura: categorias indissociveis da formao humana .............................................. 64O trabalho como princpio educativo ........................................... 67A produo do conhecimento: a pesquisa como princpio pedaggico ..................................................................................... 70

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 3 5/14/12 6:37 PM

  • Parte IV Por uma poltica pblica educacional ..................... 73Possibilidades para o ensino mdio .............................................. 73O necessrio exerccio do regime de colaborao ...................... 76Quadro docente permanente e sua formao .............................. 81Formao inicial ............................................................................... 81Formao continuada ....................................................................... 84Financiamento pblico .................................................................. 87

    Parte V Organizao e desenvolvimento curricular ............... 92Fundamentos para um projeto poltico-pedaggico integrado ... 92A relao parte-totalidade na proposta curricular ........................ 97O estgio curricular ...................................................................... 102A relao com os Programas de Aprendizagem Profissional .... 104A organizao por eixo tecnolgico ........................................... 106Articulao com o desenvolvimento socioeconmico e a educao ambiental ............................................................... 112O atendimento de pessoas com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ........................ 115A mediao pelas tecnologias de informao e comunicao: a organizao dos cursos a distncia .......................................... 118O reconhecimento de saberes e a certificao profissional ...... 121

    Anexo: Proposta de Resoluo .......................................................... 125Referncias bibliogrficas .............................................................. 136Colaboraram na elaborao deste documento ............................ 143

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 4 5/14/12 6:37 PM

  • 51 A primeira foi realizada em 11 de maro de 2010, no Rio de Janeiro/RJ. A segunda foi realizada no ms seguinte, em 15 de abril, em So Paulo/SP, como parte da stima edio do Frum Estadual de Educao Profissional.

    Apresentao

    O presente texto resulta da necessidade de ampliar o de-

    bate sobre a atualizao das diretrizes da educao profissional

    tcnica de nvel mdio, o qual teve como procedimentos iniciais

    a realizao de duas audincias pblicas1 promovidas pelo Con-

    selho Nacional de Educao (CNE).

    Os documentos com as proposies de textos de parecer e

    resoluo, visando a atualizao das Diretrizes Curriculares Nacio-

    nais (DCN) para a educao profissional tcnica de nvel mdio,

    elaborados por comisso instituda pela Cmara de Educao B-

    sica (CEB) e composta pelos conselheiros Adeum Sauer (presiden-

    te), Francisco Aparecido Cordo (relator), Jos Fernandes Lima e

    Mozart Neves Ramos, desde a primeira audincia, tm sido objeto

    de vrias anlises. Nesse processo, receberam inmeras conside-

    raes crticas de sociedades cientficas, profissionais e sindicais,

    de instituies e redes pblicas de ensino, de pesquisadores e

    gestores pblicos da educao profissional e tecnolgica.

    Considerando a complexidade, importncia e premncia da

    matria, o Conselho Nacional das Instituies da Rede Federal

    de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica (Conif), por

    intermdio de seu Frum de Dirigentes de Ensino (FDE), junta-

    mente com a Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    do Ministrio da Educao (Setec/MEC) promoveram, em Bra-

    slia, nos dias 5 e 6 de maio de 2010, o Seminrio da Educao

    Profissional e Tecnolgica. Participaram desse encontro, alm

    dos dirigentes de ensino das instituies federais, pesquisadores

    da rea, conselheiros e assessores do CNE.

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 5 5/14/12 6:38 PM

  • 6A Carta do Seminrio estabeleceu, entre os encaminhamen-

    tos, a ampliao do debate com a participao das demais redes

    pblicas de ensino e a criao de um grupo de trabalho com a

    colaborao de pesquisadores da rea.

    Ciente da necessidade de ampliao do debate e da formu-

    lao de uma slida contribuio em termos de explicitao e

    aprofundamento das concepes que devem nortear as ofertas

    de educao profissional e tecnolgica e o desenvolvimento de

    polticas pblicas nesse campo, a Setec/MEC reuniu um Grupo

    de Trabalho (GT) sobre o tema.

    Para o GT foram convidados quatro secretarias do MEC2; o

    Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE); o Ministrio da Sade

    (MS), representado pela Escola Politcnica de Sade Joaquim

    Venncio (EPSJV-Fiocruz); os gestores estaduais de educao

    profissional, vinculados ao Conselho Nacional dos Secretrios de

    Educao (Consed); o Frum dos Conselhos Estaduais de Edu-

    cao; o Conselho Nacional das Instituies da Rede Federal de

    Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica (Conif); a Central

    nica dos Trabalhadores (CUT), representada pela Escola dos

    Trabalhadores; o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da

    Educao Bsica, Profissional e Tecnolgica (Sinasefe); e a As-

    sociao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao

    (Anped); contou-se ainda com a colaborao de renomados pes-

    quisadores da educao profissional e tecnolgica.

    O GT reuniu-se durante os meses de junho a agosto3, em

    quatro encontros presenciais em Braslia, recebendo ainda diver-

    2 Secretaria de Educao Bsica (SEB), Secretaria de Educao Especial (Seesp), Secretaria de Educao a Distncia (Seed) e Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad).3 Os encontros ocorreram em 2010, nos dias 17 e 18 de junho; 8 e 9 de julho; 19 e 20 de julho e 26 de agosto. A ltima reunio do GT contou tambm com a participao da Secretaria Executiva e da Secretaria de Polticas Pblicas de Emprego do MTE e de representantes do Mapa e do MCT. O resultado dos debates foi apresentado ao Conselho Tcnico Consultivo da Educao Bsica (CTC EB) da Capes, no dia 31 de agosto.

    Perspectivas Parte1a3.indd 6 5/14/12 4:13 PM

  • 7sas contribuies enviadas espontaneamente por outros rgos,

    instituies de ensino e pesquisadores.

    Este texto o resultado inicial desse fecundo debate. Reco-

    nhecendo o mrito da iniciativa da sociedade civil e do Estado,

    assim como a autoridade do CNE na matria que objeto de

    estudo e deciso, pretende contribuir para o aprofundamento

    das discusses na iminncia da apreciao e aprovao das DCN

    para a educao profissional tcnica de nvel mdio.

    O entendimento de que se trata de um tema de particular

    interesse para jovens e adultos trabalhadores que buscam no en-

    sino mdio e na educao profissional uma formao capaz de

    inseri-los no mundo do trabalho e de lev-los a compreender as

    questes relativas a emprego/desemprego, formao e trabalho

    e os processos econmicos e sociais em curso no mundo atual.

    O texto desdobra-se em cinco partes. A primeira situa as

    principais crticas apresentadas s propostas de parecer e reso-

    luo debatidas nas duas audincias pblicas, contextualizando

    a linha de argumentao das formulaes presentes nas sees

    posteriores. A segunda busca recuperar a historicidade da ques-

    to, enfatizando os avanos conceituais alcanados nas polticas

    de educao profissional e tecnolgica em sua integrao com

    outros nveis e modalidades educacionais. A terceira explicita os

    principais conceitos e concepes que devem embasar as ofertas

    de educao profissional. A quarta aborda algumas das aes

    necessrias ao desenvolvimento das polticas pblicas de educa-

    o profissional. A ltima parte discorre sobre possibilidades de

    organizao e desenvolvimento curricular.

    Desejamos uma boa leitura e um profcuo debate.

    Eliezer Pacheco

    Secretrio de Educao Profissional e Tecnolgica do MEC

    (2006-2011)

    Perspectivas Parte1a3.indd 7 5/14/12 4:13 PM

  • 8Parte I

    Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profissional Tcnica

    de nvel mdio em debate4

    As contribuies ao debate elaboradas por instituies p-

    blicas de ensino, representaes de trabalhadores e associaes

    de pesquisa cientfica colocam no centro de suas crticas a dis-

    posio, em nvel nacional, de diretrizes que obriguem as ins-

    tituies e redes de ensino a adotar o modelo de organizao

    curricular orientado para o desenvolvimento de competncias

    profissionais.

    As competncias profissionais

    O conceito de competncias, a partir do Decreto 2.208/97

    at a proposta das DCN em questo, adquiriu o sentido reduzi-

    do de competncias para o mercado de trabalho e enfatizou a

    fragmentao do conhecimento. Aquilo que era entendido como

    o desenvolvimento de conhecimento e de habilidades para o

    exerccio de atividades fsicas e intelectuais, em todos os cam-

    pos da vida humana, tornou-se uma noo eivada da ideologia

    mercantil.

    4 Esta introduo teve por base, principalmente, as contribuies recebidas das instituies de ensino participantes do seminrio promovido pelo Conif, em maio de 2010, e o texto elaborado por Gaudncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos (coordenadora do GT Trabalho e Educao/Anped). Rio de Janeiro: Projetos Integrados UFF-Uerj-EPSJV-Fiocruz, julho de 2010.

    Perspectivas Parte1a3.indd 8 5/14/12 4:13 PM

  • 9Nas crticas aos documentos em discusso, h o entendi-

    mento de que a escola sempre desenvolveu competncias. Po-

    rm, quando se coloca a questo do currculo baseado em com-

    petncias de natureza comportamental, a nica formao poss-

    vel a do treinamento, o que supe a seleo de conhecimentos

    orientada predominantemente para o desempenho funcional.

    Perde-se, assim, a referncia das propriedades caractersticas da

    escola, que so a cultura e o saber cientfico sistematizado bsico

    (tcnico e tecnolgico).

    Ao opor-se lgica das competncias, assume-se que:

    a referncia para a seleo dos contedos do ensino no pode tomar por base a adequao de comportamentos de forma

    restrita produo, mas ter em vista a formao ampliada nos

    diversos campos do conhecimento (cincia, tecnologia, traba-

    lho e cultura);

    a preparao para o trabalho no preparao para o empre-go, mas a formao omnilateral (em todos os aspectos) para

    compreenso do mundo do trabalho e insero crtica e atuan-

    te na sociedade, inclusive nas atividades produtivas, em um

    mundo em rpida transformao cientfica e tecnolgica.

    Uma viso adaptativa est na lgica de ensinar a fazer ben-

    feito o que se prescreve ao trabalhador, isto , ser eficiente e

    eficaz, sem questionar o que executa nem os fins e a apropria-

    o do que se produz. De outra parte, a empresa incorpora os

    saberes dos trabalhadores e os devolve como trabalho prescrito

    a outros trabalhadores5.

    5 Um exemplo real de como os trabalhadores desenvolvem saberes teis produo foi relatado por um sindicalista. Em determinada fbrica, o controle de qualidade no conseguia reduzir o nmero de caixas de fsforos que, na linha de montagem, no tinham fsforos ou no os tinham na quantidade prevista. Um trabalhador deu a soluo ao controle de qualidade virando um ventilador para a fila de caixinhas. As vazias eram identificadas pela fora do vento e retiradas da finalizao do produto.

    Perspectivas Parte1a3.indd 9 5/14/12 4:13 PM

  • 10

    As diretrizes curriculares para a educao profissional tcnica

    de nvel mdio devem retomar a educao profissional no ades-

    tradora, no fragmentada. Devem dar aos jovens e adultos traba-

    lhadores, na interao com a sociedade, os elementos necessrios

    para discutir, alm de entender, a cincia que move os processos

    produtivos e as relaes sociais geradas com o sistema produtivo.

    Formao integrada

    So as disciplinas vinculadas s cincias que estruturam as

    diferentes profisses. Ao se pensar na questo curricular para a

    formao de um qumico, por exemplo, estaro includos os funda-

    mentos da Qumica (a Qumica Analtica, a Fsico-qumica, a Qumi-

    ca Orgnica etc.) e seus desdobramentos especficos, os aplicativos

    tecnolgicos, os processos tecnolgicos e suas tcnicas.

    Nessa concepo no h uma separao hierrquica entre a

    tcnica e a tecnologia, e sim uma unidade. Como observa PARIS

    (2002), no conhecimento humano, nem sempre cincia, tcnica

    e tecnologia so separadas, elas se complementam e se alimen-

    tam mutuamente na produo de bens necessrios existncia

    humana, embora possamos diferenci-las para fins de anlise.

    As inovaes tcnicas supem, segundo o autor,

    um aperfeioamento numa linha estabelecida de energia e mate-

    riais como ilustraria o desenvolvimento da navegao a vela. [As

    inovaes tecnolgicas] implicam saltos qualitativos, por introdu-

    o de recursos energticos e materiais novos assim, na arte

    de navegar, o aparecimento dos navios a vapor e depois o dos

    movidos por combustveis fsseis e por energia nuclear. [...] Tais

    impulsos podem vir do mesmo fazer tcnico, do saber forjado nas

    oficinas, com o aperfeioamento da prtica, ou da utilizao do

    progresso cognoscitivo obtido pela pesquisa cientfica, derivando

    da cincia pura para a aplicada. (p. 219)

    Perspectivas Parte1a3.indd 10 5/14/12 4:13 PM

  • 11

    Mas todos esses processos e as linguagens que permitem a

    comunicao, conclui o autor, somente se explicam dentro de

    uma sociedade e de um contexto cultural mais amplo e sua pr-

    tica reflete intensamente relaes de poder (p. 344).

    Considerando o modo de produo e suas exigncias no

    mundo do trabalho, possvel pensar no modelo fordista que

    foi favorecido por um salto cientfico-tecnolgico a eletricida-

    de mas que tambm se nutriu da hidrulica, da mecnica e de

    tantos outros campos da cincia e da tcnica. H nisso um salto

    qualitativo e novos elementos da cincia que modificam a forma

    de atuar no sistema produtivo. Seu desenvolvimento ocorreu em

    determinada estrutura social envolvendo materiais, ideologias,

    formas de comunicao, formao de trabalhadores, relaes de

    trabalho etc.

    Organizar um currculo escolar com essa perspectiva de

    contexto supe a superao das tcnicas isoladas e minimizadas

    de uma viso ideolgica e funcional produo na escala do

    conhecimento. Implica no se limitar filosofia dos anos 1930,

    aplicando ao sistema de formao profissional a mxima de en-

    sinar o que serve (FRIGOTTO, 1987).

    A formao integrada, assumida como princpio educacio-

    nal, implica superar o pragmatismo que reduz a educao a sua

    funcionalidade e incluir outras prticas formativas, a exemplo da

    introduo de elementos de metodologia cientfica, de tica, de

    economia e dos direitos do trabalho no ensino da filosofia, do

    desenvolvimento do trabalho em equipe, de projetos, da genera-

    lizao da iniciao cientfica na prtica formativa. O que exige a

    implementao de polticas pblicas de concesso de bolsas de

    iniciao cientfica tambm para o nvel mdio.

    Perspectivas Parte1a3.indd 11 5/14/12 4:13 PM

  • 12

    Essa perspectiva afina-se com o movimento em curso das so-

    ciedades cientficas (Abrapec, Anped, Anpae, SBEM, SBHE, SBEn-

    Bio, SBF, SBPC6) em defesa da educao e do ensino das cincias,

    que comporta o uso de equipamentos e laboratrios, com o tempo

    lento da aprendizagem refletida, do dilogo professor-aluno, dos

    projetos, das atividades em equipe. Mas incorporando os processos

    sociais que esto na sua gnese e sustentao, sem proceder a sua

    reduo frequente aos aspectos tcnico-cientficos dos problemas.

    Em termos da nova organizao do trabalho, por exemplo,

    o estudo da informtica e da microeletrnica deve ser vinculado

    a sua introduo nos processos produtivos, a exemplo dos mo-

    delos ps-fordistas, e suas consequncias no mundo do trabalho,

    incluindo a flexibilizao (desregulamentao, terceirizao, pre-

    carizao) das relaes de trabalho.

    O foco da educao profissional

    Considerando o exposto, possvel perceber a razo de as

    crticas s propostas de parecer e resoluo discutidas nas au-

    dincias pblicas serem contundentes quanto manuteno da

    centralidade da educao profissional na dimenso econmica.

    Tal perspectiva supe uma aceitao do mercado como instru-

    mento regulador da sociabilidade, em vez de afirmar a centrali-

    dade no ser humano e em suas relaes com a natureza, visan-

    do atender s necessidades dos sujeitos e da sociedade. Nessa

    compreenso, a atual proposta constitui a reiterao das DCN

    elaboradas para o Decreto 2.208/97, no alcanando os avanos

    6 Abrapec Associao Brasileira de Pesquisa em Educao em Cincias; Anped Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao; Anpae Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao; SBEM Sociedade Brasileira de Educao Matemtica; SBHE Sociedade Brasileira de Histria da Educao; SBEnBio Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia; SBF Sociedade Brasileira de Fsica; SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia.

    Perspectivas Parte1a3.indd 12 5/14/12 4:13 PM

  • 13

    conceituais promovidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional (LDB), Lei 9.394/96, pela Lei 11.741/087.

    Como consequncia, a concepo presente na proposta de

    parecer assume a educao profissional tcnica de nvel mdio

    como algo distinto da educao bsica. Embora persista certa

    ambiguidade, provocada em especial pela expresso articu-

    lao com o ensino regular (art. 40), a legislao brasileira

    estabelece princpios, finalidades e orientaes curriculares e

    metodolgicas idnticos para o ensino mdio e para a edu-

    cao profissional tcnica de nvel mdio (art. 35, incisos II e

    IV; art. 36, inciso I e 1o, inciso I; art. 36-A caput e pargrafo

    nico), localizando esta ltima como momento da educao

    bsica, cuja oferta poder estar estruturada em qualquer das

    trs formas previstas: integrada, concomitante ou subsequente

    ao ensino mdio (arts. 36-B e 36-C).

    A legislao assume como caracterstica da educao profis-

    sional tcnica de nvel mdio o contexto da preparao para

    o exerccio de profisses tcnicas (art. 36-A), isto , a habili-

    tao profissional no ensino mdio, seja ela ao mesmo tempo ou

    em continuidade formao geral do educando.

    Outra crtica obrigatoriedade de adoo de um modelo

    de educao profissional centrado no desenvolvimento de com-

    petncias profissionais o fato de essa obrigao contrariar os

    princpios constitucionais, reafirmados na LDB, da liberdade de

    aprender, ensinar a pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

    saber e do pluralismo de ideias e concepes pedaggicas (CF

    art. 206, incisos II e III; e LDB art. 3o, incisos II e III).

    7 A Lei 11.741/08 promoveu alteraes no Ttulo V da LDB, principalmente em relao seo IV do Captulo II, que trata do Ensino Mdio, mudando a redao de dispositivos do artigo 36 e criando a seo IV-A, com a insero de quatro novos artigos. Acrescentou, ainda, um novo pargrafo no artigo 37, na seo V, que trata da Educao de Jovens e Adultos. Finalmente, alterou a redao de dispositivos do Captulo III do Ttulo V, dedicado Educao Profissional, o qual passou a denominar-se Da Educao Profissional e Tecnolgica.

    Perspectivas Parte1a3.indd 13 5/14/12 4:13 PM

  • 14

    Tambm vai contra o previsto na organizao da educao

    nacional, a obrigatoriedade de os sistemas de ensino assegura-

    rem progressivos graus de autonomia pedaggica a suas uni-

    dades escolares (LDB art. 15), bem como a autonomia didtico-

    -pedaggica das autarquias federais de educao profissional,

    cientfica e tecnolgica (Lei 11.892/08. art. 1o, pargrafo nico).

    As crticas apontam ainda como as orientaes presentes

    nos documentos citados demonstram a aceitao do lugar su-

    bordinado da sociedade brasileira na diviso internacional do

    trabalho, que cabe aos pases dependentes do ncleo orgni-

    co do capital, representado pelos pases ricos. Tais afirmativas

    baseiam-se na forma como os documentos assumem as diretri-

    zes dos organismos internacionais em termos de promoo da

    pedagogia das competncias para atendimento das necessidades

    do mercado de trabalho, da naturalizao da flexibilizao das

    relaes de trabalho (desregulamentao), da modernizao em

    contraste com o crescimento da pobreza apenas mitigada.

    No plano mais geral, h uma disputa terica baseada na

    concepo produtivista, a produo destrutiva, desviando-se

    do problema principal da socializao dos bens, ou seja, da dis-

    tribuio da riqueza de bens materiais e sociais (sade, educa-

    o, cultura, habitao, segurana, previdncia) que assegure a

    todos uma vida digna e menos sofrida, uma perspectiva de futu-

    ro para os jovens e para as famlias dos trabalhadores.

    Ao reafirmar pressupostos presentes em documentos nor-

    mativos balizados pela lgica da separao entre educao bsi-

    ca e educao profissional e da submisso das finalidades educa-

    cionais s necessidades do modo de produo fundado na rela-

    o capital-trabalho, o texto apresentado nas audincias pblicas

    invisibiliza o processo de lutas travado nas duas ltimas dcadas

    em torno da temtica.

    Perspectivas Parte1a3.indd 14 5/14/12 4:13 PM

  • 15

    Dessas lutas resultaram diversos documentos e discusses,

    tais como:

    o Documento de Propostas de Polticas Pblicas para a Educa-o Profissional e Tecnolgica, Secretaria de Educao Mdia

    e Tecnolgica (Semtec/MEC), dez. 2003;

    as discusses ocorridas no seminrio Ensino Mdio: Cincia, Cultura e Trabalho, de maio de 2003, que resultaram na pu-

    blicao homnima;

    as Teses e Resolues da 6a Plenria Nacional da CUT, sobre qualificao profissional, 1995;

    o Plano Nacional de Qualificao do Ministrio do Trabalho e Emprego, 2003;

    a Resoluo 333 do Conselho Deliberativo do Fundo de Am-paro ao Trabalhador (Codefat), 2003;

    as discusses ocorridas no processo de formulao dos Cat-logos Nacionais dos Cursos Superiores de Tecnologia e dos

    Cursos Tcnicos (2006-2007), que deram origem organiza-

    o da educao profissional por eixos tecnolgicos;

    as discusses decorrentes da implantao do Programa Nacio-nal de Integrao da Educao Profissional com a Educao

    Bsica na Modalidade de Educao de Jovens e Adultos (Proe-

    ja), presentes tanto nos Documentos Base como em diversas

    outras publicaes resultantes dos cursos de Especializao-

    -Proeja, dos Dilogos Proeja e dos ncleos de pesquisa Proeja

    Capes/Setec;

    o Documento Base da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio Integrada ao Ensino Mdio, 2007;

    os resultados de pesquisas e estudos sobre educao profissio-nal para pessoas com necessidades educacionais especficas;

    as discusses sobre a formao de docentes para a educao profissional, em especial as discusses sobre propostas de

    Licenciaturas em Educao Profissional e Tecnolgica;

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 15 5/14/12 6:38 PM

  • 16

    as discusses sobre o Ensino Agrcola, sintetizadas na publica-o (Re)Significao do Ensino Agrcola, 2009;

    as discusses acumuladas na formulao da Rede Nacional e dos Programas de Certificao Profissional e Formao Inicial

    e Continuada (Certific);

    as discusses sobre as diretrizes para a Educao de Jovens e Adultos, Educao do Campo, Educao Escolar Indgena,

    Educao em Prises e Ensino Mdio Inovador;

    os resultados da Conferncia Nacional de Educao Profissional e Tecnolgica (Confetec), em 2006; da Conferncia Nacional da

    Educao Bsica (Coneb), em 2009; do Frum Mundial de Edu-

    cao Profissional e Tecnolgica, em 2009; da VI Conferncia

    Internacional de Educao de Adultos (Confintea), em 2009, e

    da Conferncia Nacional de Educao (Conae), em 2010;

    os debates para a reformulao da LDB (Lei 11.741/08), ela-borao da Lei de Estgio (Lei 11.788/07) e da Lei de Criao

    dos Institutos Federais (Lei 11.892/08).

    Em consequncia, importantes temticas como o financia-

    mento e a qualidade dos cursos tcnicos, a formao e o perfil

    dos docentes para educao profissional, a educao profissio-

    nal para populaes do campo e indgenas, a relao da educa-

    o profissional com a educao ambiental e com a educao

    especial, entre outras, esto ausentes das propostas de parecer e

    resoluo em questo.

    Buscando localizar nessa trajetria a evoluo dos concei-

    tos e das concepes que pressupomos devam balizar as ofertas

    educacionais e o desenvolvimento de polticas para a educao

    profissional e tecnolgica (designada a partir daqui pela sigla

    EPT), em especial a de nvel mdio, passamos a analisar o his-

    trico da educao profissional, tendo como ponto de partida a

    Constituinte de 1988 e a gnese da LDB de 1996.

    Perspectivas Parte1a3.indd 16 5/14/12 4:13 PM

  • 17

    Parte II

    A historicidade da questo

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 19968

    De forma similar ao trmite que resultou na primeira LDB, a de 1961, no processo mais recente de onde emergiram a Car-ta Magna de 1988 e a atual LDB, a de 1996, o pas saa de um perodo ditatorial e tentava reconstruir o Estado de Direito, de modo que os conflitos no eram pequenos em torno de projetos societrios distintos.

    Na esfera educacional, a principal polmica continuou a opor, de um lado, os partidrios de uma educao pblica, gra-tuita, laica e de qualidade para todos, independentemente da ori-gem socioeconmica, tnica, racial etc.; do outro, os defensores da submisso dos direitos sociais, em geral, e, particularmente, da educao lgica da prestao de servios, sob a argumentao da necessidade de diminuir o Estado que gasta muito e no faz nada benfeito.

    Nesse embate, prevaleceu a lgica de mercado, portanto, a iniciativa privada pode atuar livremente na educao em todos os nveis, conforme garantido pela Constituio Federal de 1988

    e ratificado pela LDB de 19969.

    8 Esta seo foi adaptada do Documento Base da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio Integrada ao Ensino Mdio (BRASIL, 2007d), elaborado por comisso composta pelos professores Dante Moura, Marise Ramos e Sandra Garcia.9 Anlises mais profundas sobre a questo educacional brasileira na Constituinte de 1988 e na LDB de 1996 podem ser encontradas em FAVERO, Osmar. A educao nas constituintes brasileiras (1823--1988). So Paulo: Autores Associados, 1996.

    Perspectivas Parte1a3.indd 17 5/14/12 4:13 PM

  • 18

    Especificamente no que tange relao entre a ltima etapa

    da educao bsica (atual ensino mdio, poca 2o grau) e a

    educao profissional, no processo de elaborao da nova LDB,

    ressurgiu o conflito da dualidade (FRIGOTTO; CIAVATTA; RA-

    MOS, 2005). De um lado, a defesa da formao profissional lato

    sensu integrada ao 2o grau nos seus mltiplos aspectos huma-

    nsticos e cientfico-tecnolgicos constante no primeiro projeto

    da LDB, apresentado pelo deputado federal Otavio Elsio, que

    tratava o 2o grau da seguinte forma:

    A educao escolar de 2o grau ser ministrada apenas na lngua

    nacional e tem por objetivo propiciar aos adolescentes a forma-

    o politcnica necessria compreenso terica e prtica dos

    fundamentos cientficos das mltiplas tcnicas utilizadas no pro-

    cesso produtivo (BRASIL. 1991, art. 38, citado por FRIGOTTO;

    CIAVATTA; RAMOS, 2005. p. 25).

    Nessa proposta, o papel do 2o grau estaria orientado recu-

    perao da relao entre conhecimento e prtica do trabalho, o

    que denotaria explicitar como a cincia se converte em potncia

    material no processo produtivo. Dessa forma,

    seu horizonte deveria ser o de propiciar aos alunos o domnio

    dos fundamentos das tcnicas diversificadas utilizadas na pro-

    duo e no o mero adestramento em tcnicas produtivas. No

    se deveria, ento, propor que o ensino mdio formasse tcnicos

    especializados, mas, sim, politcnicos (FRIGOTTO; CIAVATTA;

    RAMOS, 2005, p. 35).

    Nesse contexto, a dimenso politcnica relaciona-se com

    domnio dos fundamentos cientficos das diferentes tcnicas que

    caracterizam o processo de trabalho moderno (SAVIANI, 2003,

    p. 140). De acordo com essa viso, a educao escolar, particular-

    Perspectivas Parte1a3.indd 18 5/14/12 4:13 PM

  • 19

    mente o 2o grau, deveria propiciar aos estudantes a possibilidade

    de (re)construo dos princpios cientficos gerais sobre os quais

    se fundamenta a multiplicidade de processos e tcnicas que do

    base aos sistemas de produo em cada momento histrico.

    Do outro lado estavam os partidrios de uma educao su-

    bordinada lgica mercantil. No por acaso, a perspectiva de

    formao integral foi se perdendo gradativamente em funo da

    mesma correlao de foras j mencionada, ao se tratar do em-

    bate entre educao pblica e educao privada. Desse modo, o

    texto finalmente aprovado pelo Congresso Nacional em 1996

    o substitutivo Darcy Ribeiro consolida, mais uma vez, a dua-

    lidade entre a ltima etapa da educao bsica, que passa a

    denominar-se ensino mdio, e a educao profissional.

    O texto minimalista e ambguo, em particular no que se

    refere a essa relao ensino mdio e educao profissional.

    Assim, o ensino mdio ficou no Captulo II, destinado educa-

    o bsica, e a educao profissional foi disposta no Captulo III,

    constitudo por trs pequenos artigos.

    Como na LDB a educao brasileira se encontra estruturada

    em dois nveis educao bsica e educao superior , por

    no localizar a educao profissional em nenhum deles, o texto

    explicita e assume uma concepo dual em que a educao pro-

    fissional posta fora da estrutura da educao regular brasileira,

    considerada algo que vem em paralelo ou como um apndice10.

    Apesar disso, no 2o do artigo 36, Seo IV do Captulo II

    que se refere ao ensino mdio , estabelece-se que o ensino

    mdio, atendida a formao geral do educando, poder prepa-

    r-lo para o exerccio de profisses tcnicas (grifo nosso).

    10 A Lei 11.741/08, ao alterar a LDB, localiza a educao profissional tcnica de nvel mdio no Captulo II Da Educao Bsica, explicitando que essa oferta educacional integrante desse nvel de ensino.

    Perspectivas Parte1a3.indd 19 5/14/12 4:13 PM

  • 20

    Por outro lado, no artigo 40, Captulo III, est estabelecido

    que a educao profissional ser desenvolvida em articulao

    com o ensino regular ou por diferentes estratgias de educa-

    o continuada, em instituies especializadas ou no ambiente

    de trabalho (grifo nosso).

    Esses dois pequenos trechos da lei so emblemticos no

    sentido de explicitar o seu carter minimalista e ambguo. Esses

    dispositivos legais evidenciam que quaisquer possibilidades de ar-

    ticulao entre o ensino mdio e a educao profissional podem

    ser realizadas, assim como a completa desarticulao entre eles.

    Cabe ressaltar que essa redao no inocente e desinte-

    ressada. Ao contrrio, objetiva consolidar a separao entre o en-

    sino mdio e a educao profissional, o que j era objeto de um

    projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, o PL 1.603, que

    tramitava no Congresso Nacional em 1996, antes da aprovao e

    promulgao da prpria LDB.

    O contedo do PL 1.603/96, que, entre outros aspectos,

    separava obrigatoriamente o ensino mdio da educao profis-

    sional, encontrou ampla resistncia das mais diversas correntes

    polticas dentro do Congresso Nacional e gerou uma mobilizao

    contrria da comunidade acadmica, principalmente dos grupos

    de investigao do campo trabalho e educao e das instituies

    pblicas federais e estaduais.

    Em funo dessa resistncia e da iminncia da aprovao da

    prpria LDB no Congresso Nacional, diminuiu a presso gover-

    namental com relao ao trmite do PL 1.603/96, uma vez que

    a redao dos artigos 36 ensino mdio e 39 a 42 educao

    profissional possibilitava a regulamentao na linha desejada

    pelo Governo Federal. Mediante decreto do presidente da Rep-

    blica, esta se materializou em abril de 1997, poucos meses aps

    a promulgao da LDB, ocorrida em dezembro de 1996.

    Perspectivas Parte1a3.indd 20 5/14/12 4:13 PM

  • 21

    Dessa forma, o contedo do PL 1.603/96 foi praticamente

    todo contemplado no Decreto 2.208/97. Com isso, foi alcanado

    o intuito de separar o ensino mdio da educao profissional

    sem que se tornasse necessrio enfrentar o desgaste de tramitar

    um projeto de lei com relao ao qual havia ampla resistncia.

    O Decreto 2.208/9711

    O Decreto 2.208/97, o Programa de Expanso da Educao Pro-

    fissional (Proep) e as aes deles decorrentes ficaram conhecidos

    como a Reforma da Educao Profissional. Nesse contexto, o ensino

    mdio retomou em termos legais um sentido puramente propedu-

    tico, enquanto os cursos tcnicos, agora obrigatoriamente separados

    do ensino mdio, passaram a ser oferecidos de duas formas:

    a concomitante ao ensino mdio, em que o estudante pode fazer ao mesmo tempo o ensino mdio e um curso tcnico,

    mas com matrculas e currculos distintos, podendo os dois

    cursos ser realizados na mesma instituio (concomitncia in-

    terna) ou em diferentes instituies (concomitncia externa);

    a sequencial ou subsequente, destinada a quem j concluiu o ensino mdio.

    Juntamente com o Decreto 2.208/97, que estabeleceu as ba-

    ses da reforma da educao profissional, o Governo Federal ne-

    gociou emprstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvol-

    vimento (BID) com o objetivo de financiar a mencionada reforma.

    Ela era um dos itens do projeto de privatizao do Estado brasilei-

    ro em atendimento poltica neoliberal, determinada pelos pases

    hegemnicos de capitalismo avanado, organismos multilaterais

    11 Esta seo foi adaptada do Documento Base da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio Integrada ao Ensino Mdio (BRASIL, 2007d).

    Perspectivas Parte1a3.indd 21 5/14/12 4:13 PM

  • 22

    de financiamento e grandes corporaes transnacionais. Esse fi-

    nanciamento foi materializado por meio do Proep.

    Apesar da crtica que merece essa lgica privatizante que

    transferiu grande parte do patrimnio pblico nacional iniciati-

    va privada a baixos custos, necessrio reconhecer que a refor-

    ma da educao profissional foi extremamente coerente com a

    lgica neoliberal que a patrocinou.

    De fato, ao ser analisada dessa perspectiva, revelou-se mui-

    to eficiente quanto transferncia, mas ineficiente quanto im-

    plantao da poltica, pois as denominadas escolas comunitrias

    no conseguiram se efetivar como previsto. A maioria delas foi

    retomada pelo MEC, sendo transformadas em unidades da Rede

    Federal de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica.

    Cabe destacar que os critrios de elegibilidade dos projetos

    institucionais eram extremamente coerentes com a reforma da

    educao profissional. Assim, o projeto que apresentasse alguma

    proposta relacionada ao ensino mdio era sumariamente descar-

    tado, medida compatvel com a separao do ensino mdio da

    educao profissional e, mais ainda, com o afastamento definiti-

    vo das instituies federais da educao bsica.

    Nessa mesma direo, a Portaria 646/97 determinou que a

    partir de 1998 a oferta de vagas de cada instituio federal no

    ensino mdio corresponderia a, no mximo, 50% das vagas ofe-

    recidas nos cursos tcnicos de nvel mdio no ano de 1997, os

    quais conjugavam ensino mdio e educao profissional. Desse

    modo, na prtica, essa simples Portaria determinou a reduo da

    oferta de ensino mdio no pas algo flagrantemente inconstitu-

    cional, mas que teve plena vigncia at 1o de outubro de 2003,

    quando foi publicada no Dirio Oficial da Unio a sua revogao

    por meio da Portaria 2.736/03.

    Perspectivas Parte1a3.indd 22 5/14/12 4:13 PM

  • 23

    Deve-se ainda ressaltar que a manuteno de 50% da oferta

    do ensino mdio na Rede Federal no era a inteno inicial dos

    promotores da reforma. Ao contrrio, a ideia era extinguir defini-

    tivamente a vinculao das instituies federais com a educao

    bsica. Na verdade, a manuteno desses 50% foi fruto de um in-

    tenso processo de mobilizao ocorrido na Rede, principalmente

    entre 17 de abril e 14 de maio de 1997, datas de publicao do

    Decreto 2.208 e da Portaria 646, respectivamente.

    Para tratar do segundo aspecto, a eficincia da reforma

    conforme a lgica neoliberal, sero mencionados fatos que se

    fortalecem mutuamente, regulados por dois textos legais: a

    LDB de 1996, que ratificou e potencializou o mbito educacio-

    nal como espao prprio para o desenvolvimento da econo-

    mia de mercado; e o Decreto 2.208/97, que definiu trs nveis

    para a educao profissional bsico, tcnico e tecnolgico ,

    sendo que as ofertas do ltimo integram a educao superior,

    com carga horria mnima significativamente menor que as de-

    mais carreiras da educao superior. Para no restar nenhuma

    dvida de que as ofertas do nvel tecnolgico pertencem

    educao superior, o CNE as define claramente como cursos de

    graduao (Parecer CNE/CES 436/01, Parecer CNE/CP 29/02 e

    Resoluo CNE/CP 3/02).

    Os movimentos sociais tambm resistiram separao entre

    educao bsica e profissional por meio de crticas ao Decreto

    2.208/97 e ao dualismo, conforme se pode observar em suas par-

    ticipaes nas Conferncias Nacionais de Educao organizadas

    pelo Movimento de Defesa da Educao Pblica e nos eventos

    promovidos pelas Comisses de Educao da Cmara de Depu-

    tados e do Senado.

    Perspectivas Parte1a3.indd 23 5/14/12 4:13 PM

  • 24

    A concepo de educao por eles defendida est expres-

    sa nas diversas experincias educativas desenvolvidas nos anos

    1990 pelas centrais sindicais e pelos sindicatos de trabalhadores.

    Essas experincias envolviam formao integral, sob a forma de

    educao profissional entrelaada ao ensino fundamental e ao

    ensino mdio (CUT, 1998; LIMA, 1999, 2005), e fundamentaram,

    a partir de 2003, diversos programas de EJA integrada EPT.

    A combinao desses fatos associados cultura nacional

    que supervaloriza socialmente o diploma de estudos em nvel

    superior, embora no se possa estabelecer uma correspondncia

    linear entre o status social supostamente conferido por esses di-

    plomas e a repercusso econmica destes para seus detentores,

    fez que houvesse uma proliferao sem precedentes na expan-

    so da oferta de cursos superiores de tecnologia na iniciativa

    privada, sem controles muito eficientes sobre a sua qualidade.

    Na verdade, segundo a lgica apontada no incio, o que de fato

    importava era o fortalecimento do mercado educacional, e isso

    efetivamente aconteceu.

    Claro que no se podem colocar no mesmo plano as ofertas

    de cursos superiores de tecnologia comercializados por institui-

    es que tm a educao como mercadoria e as proporcionadas

    por boa parte das instituies federais e outras instituies de

    educao superior pblicas. Estas, em sua maioria, so conce-

    bidas a partir de uma lgica bem distinta da de mercado, entre

    outros aspectos, porque so pblicas, gratuitas e, em geral, de

    boa qualidade.

    Isoladamente, o decreto poderia no ter alcance sobre os

    sistemas estaduais de ensino, uma vez que, apesar de competir

    Unio a coordenao da poltica nacional no exerccio da funo

    normativa (LDB art. 8o, 1o), dada aos sistemas de ensino a li-

    berdade de organizao nos termos da prpria LDB (art. 8o, 2o)

    Perspectivas Parte1a3.indd 24 5/14/12 4:13 PM

  • 25

    e, constitucionalmente, cabe aos estados legislar em carter com-

    plementar sobre matria educacional.

    Com eficcia imediata sobre as instituies oficiais do sis-

    tema federal (nos termos do inciso II, do artigo 9o, da LDB), o

    decreto teve, porm, impacto decisivo sobre os demais sistemas.

    A prestao de assistncia tcnica e financeira, prevista no inciso

    III, do artigo 9o, teve por orientao as clusulas do acordo de

    emprstimo realizado com o BID para o financiamento do Proep.

    Sem uma fonte regular de recursos para a manuteno do ensino

    mdio, visto o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do En-

    sino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef) no

    alcanar essa etapa da educao bsica, os sistemas estaduais de

    ensino foram compelidos a aderir s diretrizes da reforma.

    Para os estados, a separao entre a educao profissional

    e o ensino mdio estabeleceu uma oferta paralela ao sistema de

    ensino regular. A falta de investimento federal levou os estados

    a manter a oferta de ensino mdio com recursos prprios ou

    por meio da adeso a programas financiados por emprstimos

    internacionais. No caso da educao profissional, o financiamen-

    to disponvel, vinculado ao Proep, no previa recursos para sua

    manuteno, com a contratao e estruturao de carreiras para

    os docentes e demais servidores da educao necessrios ao

    funcionamento das escolas.

    Como se v, todo esse contexto do final dos anos 1990

    produziu efeitos graves sobre a educao brasileira em todos os

    nveis. No que se refere educao bsica, a sntese a explici-

    tao legal da dualidade entre ensino mdio e educao profis-

    sional, com todas as consequncias que isso representa.

    Perspectivas Parte1a3.indd 25 5/14/12 4:13 PM

  • 26

    O Decreto 5.154/0412

    Ao se iniciar um novo mandato do Governo Federal, em

    2003, e mesmo antes, no perodo de transio, houve o recrudes-

    cimento da discusso acerca do Decreto 2.208/97, principalmen-

    te no que se refere separao obrigatria entre o ensino mdio

    e a educao profissional.

    Esse processo resultou em uma significativa mobilizao

    dos setores educacionais vinculados ao campo da educao pro-

    fissional, principalmente no mbito dos sindicatos e dos pesqui-

    sadores da rea trabalho e educao. Desse modo, durante o

    ano de 2003 at julho de 2004, manifestou-se grande eferves-

    cncia nos debates referentes relao entre ensino mdio e

    educao profissional.

    Assim, retomou-se a discusso sobre a educao politcni-

    ca, compreendendo-a como uma educao unitria e universal

    destinada superao da dualidade entre cultura geral e cultura

    tcnica e orientada para o domnio dos conhecimentos cien-

    tficos das diferentes tcnicas que caracterizam o processo de

    trabalho produtivo moderno (SAVIANI, 2003, p.140), sem, no

    entanto, voltar-se para uma formao profissional stricto sensu,

    ou seja, sem formar profissionais em cursos tcnicos especficos.

    Nessa perspectiva, a escolha por uma formao profissional

    especfica em nvel universitrio ou no s viria aps a conclu-

    so da educao bsica de carter politcnico, ou seja, a partir

    dos 18 anos ou mais de idade.

    Entretanto, essa retomada deu margem a reflexes impor-

    tantes quanto possibilidade material de implementao, hoje

    em dia, da politecnia na educao bsica brasileira na perspec-

    12 Esta seo foi adaptada do Documento Base da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio Integrada ao Ensino Mdio (BRASIL, 2007d).

    Perspectivas Parte1a3.indd 26 5/14/12 4:13 PM

  • 27

    tiva aqui mencionada. Tais reflexes e anlises permitiram con-

    cluir que as caractersticas atuais da sociedade brasileira dificul-

    tam a implementao da educao politcnica ou tecnolgica

    em seu sentido pleno, uma vez que, entre outros aspectos, a

    extrema desigualdade socioeconmica obriga grande parte dos

    filhos da classe trabalhadora a buscar a insero no mundo do

    trabalho visando complementar o rendimento familiar, ou at

    mesmo a autossubsistncia, muito antes dos 18 anos de idade.

    Assim, a tentativa de implementar a politecnia de forma

    universal e unitria no encontraria uma base material concreta

    de sustentao na sociedade brasileira atual, uma vez que esses

    jovens no podem se dar ao luxo de esperar at os 20 anos ou

    mais para comear a trabalhar.

    Tais reflexes conduziram ao entendimento de que uma so-

    luo transitria e vivel um tipo de ensino mdio que garanta a

    integralidade da educao bsica, ou seja, que contemple o apro-

    fundamento dos conhecimentos cientficos produzidos e acumu-

    lados historicamente pela sociedade, como tambm objetivos adi-

    cionais de formao profissional numa perspectiva da integrao

    dessas dimenses. Essa perspectiva, ao adotar a cincia, a tecnolo-

    gia, a cultura e o trabalho como eixos estruturantes, contempla as

    bases em que se pode desenvolver uma educao tecnolgica ou

    politcnica e, ao mesmo tempo, uma formao profissional stricto

    sensu exigida pela dura realidade socioeconmica do pas.

    Essa soluo transitria (de mdia ou longa durao), por-

    que fundamental que se avance numa direo em que deixe de

    ser um luxo o fato de os jovens das classes populares optarem

    por uma profisso aps os 18 anos de idade. Ao mesmo tempo,

    vivel porque o ensino mdio integrado ao ensino tcnico, sob

    uma base unitria de formao geral, uma condio necessria

    para se fazer a travessia para uma nova realidade (FRIGOTTO;

    CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 43).

    Perspectivas Parte1a3.indd 27 5/14/12 4:13 PM

  • 28

    Foi a partir dessa convergncia mnima entre os prin-

    cipais envolvidos nessa discusso que se edificaram as ba-

    ses que deram origem ao Decreto 5.154/04 e, posteriormen-

    te, permitiram a incorporao de seu contedo LDB pela

    Lei 11.741/08. Alm de manter as ofertas dos cursos tcnicos

    concomitantes e subsequentes trazidas pelo Decreto 2.208/97,

    teve o grande mrito de revog-lo e de trazer de volta a pos-

    sibilidade de integrar o ensino mdio educao profissional

    tcnica de nvel mdio, agora, numa perspectiva que no se

    confunde totalmente com a educao tecnolgica ou politc-

    nica, mas que aponta em sua direo porque contm os prin-

    cpios de sua construo.

    Diversos esforos em termos da reformulao e da elabo-

    rao de polticas pblicas no mbito do trabalho (qualificao

    profissional, aprendizagem, certificao profissional, formao

    para a economia solidria), da juventude (construo da pol-

    tica nacional da juventude com aes que envolvem trabalho e

    educao) e de educao do campo se desenvolveram, a partir

    de 2003, orientados pelos princpios e premissas contidos nesse

    texto, realizando uma inflexo das propostas dos governos ante-

    riores, assentadas na formao para o mercado de trabalho.

    Nesse sentido, espera-se que os diversos ministrios, em

    particular o Ministrio do Trabalho e Emprego e o Ministrio da

    Cincia e Tecnologia, continuem o processo de convergncia ini-

    ciado em 2003, ao mesmo tempo que o esforo de regulamenta-

    o dos cursos superiores de tecnologia e dos cursos tcnicos de

    nvel mdio possa ser estendido formao inicial e continua-

    da, vista como parte do itinerrio formativo do trabalhador para

    fins de prosseguimento de estudos e/ou certificao, sem que

    isso signifique o aligeiramento da formao ou sua subordinao

    restrita dimenso econmica.

    (002a072) Perspectivas Parte1a3.indd 28 5/14/12 6:39 PM

  • 29

    A Lei 11.741/08

    Ao alterar a LDB, a Lei 11.741/08 localiza a educao profis-

    sional tcnica de nvel mdio como Seo IV-A do Captulo II

    Da Educao Bsica. Essa disposio no texto legal procura res-

    saltar a concepo de que esses cursos so da educao bsica

    e encontram-se, portanto, no mbito das polticas educacionais.

    Alm disso, est colocada como seo vinculada quela que trata

    do ensino mdio, Seo IV, e no como uma sexta seo, aps a

    que trata da educao de jovens e adultos, Seo V.

    Mais do que tcnica legislativa, a incluso da Seo IV-A de-

    monstra a compreenso de que a educao profissional tcnica

    de nvel mdio uma das possibilidades de desenvolvimento do

    ensino mdio, e no uma modalidade educacional. A concepo

    de modalidade educacional assumida para a EPT em geral, que

    passa a compor o Captulo III.

    O artigo 39 dispe que a EPT ser desenvolvida para o

    cumprimento dos objetivos da educao nacional, quais sejam:

    o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exer-

    ccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (art. 2o).

    Para isso, ela ocorre tanto na educao bsica como na educao

    superior, podendo estar unida a outras modalidades educacio-

    nais a educao de jovens e adultos (EJA), a educao especial

    e a educao a distncia (EaD).

    O 1o do artigo 39 traz a possibilidade de a EPT organizar-

    -se a partir da metodologia dos eixos tecnolgicos, permitindo a

    construo de diferentes itinerrios formativos. A possibili-

    dade, e no a exclusividade, permite que os sistemas de ensino

    adotem outras formas de organizao. Porm, a atual regula-

    o da EPT, pelos Catlogos Nacionais dos Cursos Tcnicos13 e

    13 Institudos pela Portaria Ministerial 870/08, aprovados pela Resoluo CNE/CEB 3/08, com base no Parecer CNE/CEB 11/08.

    Perspectivas Parte1a3.indd 29 5/14/12 4:13 PM

  • 30

    dos Cursos Superiores de Tecnologia e pelo Sistema Nacional de

    Informaes da Educao Profissional e Tecnolgica (Sistec)14,

    adota essa lgica de classificao, o que restringe a liberdade

    dos sistemas.

    Os eixos15 consideram para a organizao dos cursos as

    matrizes de tecnologias simblicas, fsicas e organizacionais as-

    sociadas ao desenvolvimento de determinado produto, bem,

    processo ou servio. O que implica o resgate do histrico e

    da lgica do desenvolvimento dos conhecimentos cientfico-

    -tecnolgicos imbricados nesses conjuntos de tecnologias. Esse

    mapeamento possibilita a identificao de diferentes formaes

    profissionais que se encontram associadas dentro de um eixo

    tecnolgico ou mesmo entre eixos, isto , permite a estruturao

    de itinerrios formativos.

    O itinerrio formativo aqui compreendido como a defini-

    o do roteiro de estudos em um plano de formao continuada,

    ou seja, a descrio de percursos formativos que o estudante po-

    der cursar no interior de processos regulares de ensino, possi-

    bilitando sua qualificao para fins de exerccio profissional e/ou

    prosseguimento de estudos. Os itinerrios devem ser organiza-

    dos de forma intencional e sistemtica, estruturando ofertas edu-

    cacionais que possibilitem ao estudante uma trajetria de forma-

    o coesa e contnua.

    O 2o do artigo 39 estabelece os tipos de cursos possveis

    na EPT:

    formao inicial e continuada ou qualificao profissional; educao profissional tcnica de nvel mdio;

    14 Todas as unidades de ensino credenciadas que ofertam cursos tcnicos de nvel mdio, independentemente da categoria administrativa (pblica e privada, incluindo aquelas referidas no artigo 240 da Constituio Federal de 1988), do sistema de ensino (federal, estadual e municipal) e nvel de autonomia, devem se cadastrar no Sistec.15 Parecer CNE/CES 277/06.

    Perspectivas Parte1a3.indd 30 5/14/12 4:13 PM

  • 31

    educao profissional tecnolgica de graduao e ps-gra-duao.

    A leitura dos artigos 36-A ao 42 explicita a no vinculao

    dos cursos de formao inicial e continuada a qualquer dos

    dois nveis de ensino, o pertencimento dos cursos de educao

    profissional tcnica de nvel mdio ltima etapa da educa-

    o bsica e os cursos da graduao e ps-graduao tecnol-

    gica educao superior.

    Porm, o disposto no artigo 40 traz alguns questionamentos

    a partir da afirmao de que ser desenvolvida em articulao

    com o ensino regular ou por diferentes estratgias de educao

    continuada. A expresso em articulao com remete ao enten-

    dimento de que a oferta de EPT no faz parte do ensino regular.

    Parece-nos que o texto ficaria mais coerente com o disposto no

    caput do artigo anterior se o legislador tivesse optado pela retirada

    da palavra articulao, que traz a ideia tanto da possibilidade

    de seu desenvolvimento no ensino regular quanto fora dele.

    A interpretao desse artigo dificultada ainda pela deter-

    minao do local de desenvolvimento dos cursos em institui-

    es especializadas ou no ambiente de trabalho. Poderiam ser

    consideradas especializadas as escolas de ensino mdio, de

    EJA e as instituies de ensino superior em geral? Pelas ofertas

    existentes e pela forma como os sistemas e redes que atuam na

    EPT se estruturam, de suspeitar que esse dispositivo foi pensa-

    do em funo dos cursos de formao inicial e continuada e no

    deveria ter abarcado os demais. Embora a formao em ambiente

    de trabalho seja recurso utilizado no estgio, na aprendizagem

    profissional e em outras atividades prticas supervisionadas dos

    cursos tcnicos e da educao superior, no este o local exclu-

    sivo de seu desenvolvimento.

    Perspectivas Parte1a3.indd 31 5/14/12 4:13 PM

  • 32

    Os artigos 41 e 42 no trazem novidade ao texto legal, mas

    cabe ressaltar que o disposto no artigo 41 vale para todos os

    cursos da EPT elencados no 2o do artigo 39. Isso implica a

    possibilidade de avaliao, reconhecimento e certificao de co-

    nhecimento adquirido no trabalho para a concluso de estudos,

    inclusive em nvel superior.

    O respeito diversidade

    As atuais polticas educacionais pautam-se na considerao

    e valorizao da diversidade e na compreenso do papel da

    educao tanto na construo da autonomia dos indivduos e

    do povo brasileiro quanto na sua incluso em condies sociais

    e econmicas mais elevadas. Busca-se a viabilizao de projetos

    adequados diversidade dos sujeitos da educao, com respeito

    a suas culturas, modos de vida e suas especificidades em ter-

    mos de aprendizagem, com base nas concepes de educao

    inclusiva e equidade. Esse olhar em conjunto com a orientao

    da EPT para um projeto de formao humana integral, assumida

    no Decreto 5.154/04, permite a aproximao desse campo edu-

    cacional com outros que se ocupam de questes especficas dos

    sujeitos e dos lugares de construo de sua existncia.

    Aproximaes com as polticas de direitos humanos para

    crianas e adolescentes16, dos direitos das pessoas com ne-

    cessidades educacionais especiais17, de gnero18 e diversidade

    16 Com base no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), busca-se o combate violncia contra esses grupos, garantindo-lhes proteo integral quando em situao de risco, como a violncia sexual, a explorao do trabalho infantil, a violncia domstica e a escravido.17 O artigo 206 da Constituio Federal determina que os sistemas pblicos de ensino devem estar abertos e adequados para receber pessoas com necessidades educacionais especiais, afastadas as discriminaes e os preconceitos de qualquer espcie.18 No caso das aproximaes com as polticas de gnero dirigidas s mulheres, ressalta-se a trajetria de excluso das mulheres ao acesso a formaes profissionais tcnicas, em especial quelas consideradas pesadas, como a mecnica e a minerao. Embora mais mulheres venham acessando cursos e profisses tcnicas, verificam-se dificuldades de contratao e diferenas de salrios, dadas pelo preconceito condio feminina. Em outro caminho, almeja-se a conquista da igualdade entre sexos, a promoo da equidade, o combate violncia contra a mulher e o acesso educao.

    Perspectivas Parte1a3.indd 32 5/14/12 4:13 PM

  • 33

    sexual19 e das relaes tnico-raciais20 so alguns exemplos de

    territrios educacionais a serem apropriados em uma educao

    orientada para o reconhecimento do outro e para a diminuio

    das distncias entre as categorias sociais, no combate discrimi-

    nao e segregao.

    Na trajetria recente, principalmente por meio das lutas tra-

    vadas pelos movimentos sociais, questes referentes EJA,

    educao do campo e educao escolar indgena tm avana-

    do de forma significativa nas esferas epistemolgica e poltica,

    em caminhos nos quais h tensionamentos e disputas decorren-

    tes de diferentes projetos societrios.

    Ao pautar a necessidade de aproximar a educao profissio-

    nal das especificidades de formao dos sujeitos das diferentes

    modalidades da educao bsica, esse texto tem o mrito de

    propor o dilogo que tem sido postergado entre as modalida-

    19 No caso das polticas de respeito diversidade no campo do combate homofobia, entende--se que suas aes trabalham com as noes de corpo, gnero e sexualidade que, por serem socialmente construdas, uma vez incorporadas, repercutem na formao identitria de cada indivduo. O reconhecimento, o respeito, o acolhimento, o dilogo e o convvio com a diversidade de orientaes sexuais fazem parte da construo do conhecimento e das relaes sociais de responsabilidade da escola como espao formativo de identidades. A convivncia democrtica pressupe a construo de espaos de tolerncia, nos quais a alteridade deve surgir em uma perspectiva emancipadora. A valorizao da equidade de gnero e a promoo de uma cultura de respeito e de reconhecimento da diversidade sexual so questes que ainda trazem tenses e conflitos no campo educacional. Devido viso do espao escolar como normatizador, disciplinador e de ajustamento heteronormativo de corpos, mentes, identidades e sexualidades, essas tenses permanecem presentes. Questes ligadas ao corpo, preveno de doenas sexualmente transmissveis, aids, gravidez na infncia e na adolescncia, orientao sexual e identidade de gnero so temas que fazem parte dessa poltica.20 H duas vertentes distintas nessa poltica: populao negra e comunidades indgenas. No primeiro caso, a nfase est centrada nas aes afirmativas mediante o estabelecimento de cotas para estudantes negros. Essas polticas discutem as orientaes para o combate ao racismo, instituem a obrigatoriedade do ensino da Histria da frica e dos africanos no currculo escolar e buscam orientar aes para a Educao das Relaes tnico-Raciais. As DCN para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana orientam a complementao e a valorizao das aes afirmativas, com vistas a incluir a populao negra em setores nos quais ainda no comparece de forma adequada.No caso das polticas para comunidades indgenas, o Ministrio da Educao desenvolve aes especficas voltadas para a Educao Escolar Indgena. O reconhecimento e a valorizao da cultura quilombola fazem parte das polticas tnico-raciais destinadas incluso de comunidades formadas por ex-escravos. As aes de incluso educacional destinadas a essas comunidades revestem-se de um tratamento diferenciado por se tratar de uma poltica de preservao cultural semelhante s polticas destinadas s comunidades indgenas.

    Perspectivas Parte1a3.indd 33 5/14/12 4:13 PM

  • 34

    des educacionais e a EPT, bem como entre as diferentes mo-

    dalidades. Sinaliza, desse modo, para os desafios polticos, mas

    tambm para as possibilidades da formao integral dos sujeitos

    e de produo de conhecimento entre os diferentes campos.

    Destaca ainda o movimento necessrio de interlocuo intermi-

    nisterial e entre as diferentes secretarias do MEC, no sentido de

    formulao conjunta de aes de induo de polticas de inclu-

    so, no mbito da EPT.

    A educao de jovens e adultos (EJA)

    A dcada de 1990 foi marcada por tenses entre o governo

    e os movimentos sociais. As polticas educacionais e de traba-

    lho e emprego impulsionaram a proliferao de cursos voltados

    ao atendimento de demandas de qualificao e requalificao

    profissional de jovens e adultos trabalhadores, de baixa esco-

    laridade, por meio de uma rede especfica de cursos de curta

    durao, completamente dissociados da educao bsica e de

    um plano de formao continuada. Isso resultou em notveis

    perdas para os trabalhadores e num acentuado processo de

    excluso social.

    Por outro lado, expressou tambm movimentos de resistn-

    cia de setores mais crticos, que, ao contrrio do que a poltica

    propunha, impulsionaram o debate e reivindicaes da educa-

    o bsica como elemento essencial da qualificao profissional

    dos trabalhadores. O desenvolvimento de experincias concretas

    de qualificao com elevao de escolaridade conduziu aproxi-

    mao com a EJA, apontando para a necessidade de implemen-

    tar uma poltica pblica de formao profissional integrada ao

    sistema pblico de emprego e educao bsica.

    Perspectivas Parte1a3.indd 34 5/14/12 4:13 PM

  • 35

    possvel verificar que a proposta de educao integral no

    seio do movimento sindical, por exemplo, conformou um campo

    de resistncia ao paradigma oficial e, ao mesmo tempo, constituiu-

    -se numa referncia poltico-pedaggica importante. Historica-

    mente, o universo jovem e adulto, em suas mltiplas dimenses,

    faz parte do campo de ao poltica dos movimentos sociais por

    estarem inseridos na realidade concreta do cotidiano desse pbli-

    co, com maior sensibilidade para lidar com as suas especificida-

    des. Enfatizar a importncia das prticas pedaggicas gestadas no

    mbito dos movimentos sociais em uma poltica pblica de edu-

    cao profissional, na perspectiva da educao integral, justifica-se

    pela dimenso da dialogicidade como caracterstica basilar da pr-

    tica pedaggica, o que denota um grande desafio para as escolas

    regulares, sejam elas pblicas ou privadas.

    Conforme anteriormente abordado, a revogao do Decreto

    2.208/97 recoloca a possibilidade da oferta de cursos da edu-

    cao profissional de forma integrada com a educao bsica.

    Abrindo caminhos para o atendimento de jovens e adultos, com

    trajetrias educacionais interrompidas, em ofertas educacionais

    que incorporem suas especificidades no que concerne aos co-

    nhecimentos, tempos e metodologias de ensino-aprendizagem

    adequados s diferentes condies de vida, saberes e graus de

    letramento dessa populao.

    Nesse contexto, a aproximao entre a EJA e a educao

    profissional, em nvel mdio, materializa-se pela Portaria Minis-

    terial 2.080, de 13 de julho de 2005, que destina aos Centros

    Federais de Educao Tecnolgica, s Escolas Tcnicas Federais,

    s Escolas Agrotcnicas Federais, s Escolas Tcnicas vinculadas

    s Universidades Federais a incumbncia de oferta de cursos de

    educao profissional de forma integrada aos cursos de ensino

    mdio na modalidade de EJA (BRASIL, 2007b).

    Perspectivas Parte1a3.indd 35 5/14/12 4:13 PM

  • 36

    Segue-se a essa Portaria a promulgao do Decreto 5.478,

    de 24 de junho de 2005, que cria um programa federal que dis-

    pe sobre a oferta integrada de cursos da educao profissional

    com a EJA, o Proeja.

    Aps ampla discusso, o programa revisto, resultando na

    revogao do anterior pela promulgao do Decreto 5.840, de

    13 de julho de 2006, tendo como principais modificaes: ado-

    o dos cursos em sistemas estaduais, municipais e entidades

    nacionais de servio social [...] possibilitando tambm a articu-

    lao dos cursos de formao inicial e continuada de trabalha-

    dores com ensino fundamental na modalidade de EJA (BRASIL,

    2007b). Alm dessas alteraes, determina a carga horria mni-

    ma para os cursos previstos. No artigo 2o, obriga as instituies

    federais de educao tecnolgica a implantar cursos e programas

    regulares e, no 4o do artigo 1o, determina que a oferta dos cur-

    sos deve partir da construo prvia de um projeto pedaggico

    integrado nico.

    Pode-se afirmar que tais determinaes asseguram avanos

    e desafios no processo de institucionalizao da EJA ligada

    formao para o trabalho, no mbito da Rede Federal de educa-

    o profissional, porque se trata de instituies com tradio na

    qualificao dos trabalhadores, mas com quase nenhuma expe-

    rincia na modalidade EJA.

    A trajetria do Proeja explicita o grau de complexidade de

    implementao de uma proposta de formao integrada para

    jovens e adultos, sobretudo, por se tratar de processos formati-

    vos diretamente relacionados a sujeitos que esto margem da

    sociedade, em uma conjuntura histrica assentada no modelo de

    desenvolvimento econmico dependente.

    Outro desafio que se coloca para as instituies de ensino

    a organizao de um currculo que integre os conhecimentos ge-

    rais com os especficos para uma formao tcnica, um currculo

    Perspectivas Parte1a3.indd 36 5/14/12 4:13 PM

  • 37

    contextualizado e significativo a partir das realidades de trabalho

    e vida desses jovens e adultos.

    A proposta pedaggica do Proeja alia os direitos fundamen-

    tais de jovens e adultos educao e ao trabalho e deve, por-

    tanto, ser assumida pelo Estado como poltica pblica, garan-

    tindo a continuidade das suas aes e do seu financiamento.

    tambm fundamentada no conceito de educao continuada, na

    valorizao dos conhecimentos, saberes e culturas das camadas

    populares e na formao de qualidade, pressuposta nos marcos

    da educao integral. Nesse aspecto, tenta-se superar a viso

    compensatria e aligeirada que marcou durante muitos anos o

    campo da EJA, em especial pelas experincias que se consolida-

    ram nessa modalidade com o Ensino Supletivo.

    A persistncia de aes descontnuas e tnues destinadas

    aos jovens e adultos ou, mais recentemente, alvo das polticas fo-

    calizadas, inviabiliza a efetivao do direito educao classe

    trabalhadora. Assim, o Proeja pode ser analisado, nesse contexto,

    como uma poltica de incluso social criada sob a lgica de que

    os servios educativos devem servir aos pobres.

    Entretanto, preciso considerar ainda que a universalizao

    da escola bsica e a garantia dos direitos constitucionais no do

    conta da totalidade dos problemas produzidos por uma educa-

    o oriunda de um modelo societrio pautado na condio de

    dependncia, periferia e subordinao. necessrio que se apro-

    funde mais, pois as prticas pedaggicas permanecem reprodu-

    zindo modelos culturais de estratos sociais diversos daqueles dos

    educandos, acarretando o fracasso escolar e a chamada evaso

    (BRASIL, 2007b, p. 18) e mantendo uma organizao escolar que

    tambm no considera as caractersticas desses sujeitos. Os regi-

    mentos, a organizao dos tempos e dos espaos e as condies

    de permanncia ainda se espelham nas lgicas dos chamados

    alunos regulares.

    Perspectivas Parte1a3.indd 37 5/14/12 4:13 PM

  • 38

    Cabe considerar que a efetivao da EJA integrada com a

    educao profissional como poltica pblica importa em fazer que

    as escolas se tornem lugares mais favorveis para o trabalho e a

    aprendizagem dos professores. Esse processo implica desburocra-

    tizar as escolas e dar mais autonomia aos professores na gesto

    da instituio e na formulao dos projetos pedaggicos. Faz-se

    mister a organizao de um projeto pedaggico que inclua a di-

    versidade dos sujeitos, a partir de um eixo formativo centrado no

    trabalho como princpio educativo, para um mundo em constante

    transformao sob o poder emancipatrio do ser humano.

    A educao escolar indgena21

    A educao profissional indgena envolve diversos fatores:

    os princpios e direitos da educao escolar indgena, traduzi-dos no respeito sociodiversidade;

    a interculturalidade; o direito de uso de suas lnguas maternas e de processos

    prprios de aprendizagem, com a articulao entre os saberes

    indgenas e os conhecimentos tcnico-cientficos; e

    os princpios da formao integral da EPT, visando a atuao cidad no mundo do trabalho, a sustentabilidade socioam-

    biental e o respeito diversidade dos sujeitos.

    da confluncia desses fatores que surge a possibilidade de

    uma educao profissional indgena que possa contribuir para a re-

    flexo e construo de alternativas de gerenciamento autnomo de

    seus territrios, de sustentao econmica, de segurana alimentar,

    de sade, de atendimento s necessidades cotidianas, entre outros.

    21 Esta seo foi retirada do documento referencial para oferta de EPT integrada com a educao escolar indgena, publicado em setembro de 2007, como parte da coleo de Documentos Base do Proeja. Para sua elaborao, coordenada pela Secad e pela Setec, foi constitudo um amplo grupo de trabalho com representantes de organizaes indgenas e de organismos governamentais e no governamentais vinculados temtica, alm de antroplogos, linguistas e outros pesquisadores.

    Perspectivas Parte1a3.indd 38 5/14/12 4:13 PM

  • 39

    Tal oferta s possvel a partir do conhecimento das formas

    de organizao das sociedades indgenas e da compreenso de

    sua diferena com relao ao padro ocidental de organizao

    social, poltica e econmica.

    As categorias profissional e educao profissional, por

    exemplo, enquanto ligadas ideia de emprego, de meio de sub-

    sistncia, ou meio de vida do indivduo, so inexistentes nos uni-

    versos indgenas tradicionais e mesmo em seus projetos para o

    atendimento das suas necessidades dentro das terras indgenas,

    com base em demandas coletivas.

    A atual demanda indgena por formao no mbito pro-

    fissional possui outra amplitude. Busca-se uma formao que

    possa, na relao entre conhecimentos e prticas indgenas e

    conhecimentos tcnico-cientficos, conferir autonomia em reas

    cruciais para sua sobrevivncia.

    Outro ponto essencial a superao da lgica evolucionista

    ocidental e dos interesses da sociedade de mercado sobre eles.

    A viso evolucionista sobre os povos nativos, ainda resistente

    na mentalidade nacional, supe que as sociedades seguem uma

    linha de desenvolvimento de um estado primitivo at um esta-

    do de civilizao, o primeiro imaginado como mais prximo da

    natureza.

    Cunhada no sculo XIX, essa concepo est na base da po-

    ltica integracionista do Estado brasileiro, que definiu, na dcada

    de 1970, no Estatuto do ndio (Lei 6.001/73), as fases em que

    supostamente se encontravam os povos originrios e o ponto de

    sua integrao, marcado pela mudana na evoluo da condio

    de ndio para a de civilizado. Essa viso tambm est presente

    na noo muito comum de que o ndio s verdadeiro quando

    se encontra em situao isolada, com uma cultura essencial, em

    estado puro, como se sua cultura fosse imune histria.

    Perspectivas Parte1a3.indd 39 5/14/12 4:13 PM

  • 40

    A ideia do sentido nico de evoluo das sociedades huma-

    nas, cujo ponto final seria a sociedade branca moderna, claramen-

    te etnocntrica. Ela elide qualquer possibilidade de reconhecimento

    do valor e do ponto de vista das outras culturas no mundo e foi

    usada de forma oportunista para suprimir os direitos indgenas.

    A escola para os povos indgenas surgiu por iniciativa dos

    missionrios jesutas, na segunda metade do sculo XVI, centra-

    da na catequese e destinada a desarticular as formas organizati-

    vas e os fundamentos culturais daqueles povos. A desconsidera-

    o dos processos de aprendizagem e das concepes pedag-

    gicas indgenas prosseguiu nas escolas para ndios, a cargo de

    misses religiosas e do rgo oficial de assistncia aos ndios,

    durante o perodo republicano e, infelizmente, ainda persiste

    no relacionamento entre povos indgenas e sociedade nacional.

    A desqualificao do discurso indgena, que perdurou por mais

    de cinco sculos, s comeou a ser reformulada recentemente,

    tendo como marco a Constituio Federal de 1988.

    Trs importantes aspectos esto na base das inovaes: a

    garantia e proteo dos territrios indgenas, afirmando direitos

    originrios de suas populaes; o reconhecimento, respeito e

    manuteno da diversidade sociocultural, atribuindo-se ao Es-

    tado o dever de proteo das manifestaes culturais de socie-

    dades minoritrias; e a autonomia dos grupos e organizaes

    indgenas para ingressarem em juzo na defesa de seus direitos e

    interesses (CF artigos 231 e 232). O reconhecimento das diferen-

    as indgenas no contexto da sociedade nacional supe o direito

    dos povos nativos de projetar-se e se reger por si mesmos.

    Os princpios, conceituaes e normatizaes das diretrizes

    curriculares nacionais da educao escolar indgena, expressos

    no Parecer CNE/CEB 14/99 e na Resoluo CNE/CEB 3/99, de-

    vem ser igualmente respeitados em sua integrao com a educa-

    o profissional.

    Perspectivas Parte1a3.indd 40 5/14/12 4:13 PM

  • 41

    Ressaltam-se:

    A participao das comunidades na definio do modelo de organizao e gesto da escola indgena, bem como a consi-

    derao de suas estruturas sociais, suas prticas socioculturais

    e religiosas, suas formas de produo de conhecimento, pro-

    cessos prprios e mtodos de ensino-aprendizagem, suas ati-

    vidades econmicas; a necessidade de edificao de escolas

    que atendam aos interesses das comunidades indgenas e o

    uso de materiais didtico-pedaggicos produzidos de acordo

    com o contexto sociocultural de cada povo indgena.

    Os projetos poltico-pedaggicos tero por base as DCN re-ferentes a cada etapa da educao bsica, as caractersticas

    prprias das escolas indgenas, em respeito especificidade

    tnico-cultural de cada povo ou comunidade, s realidades

    sociolingusticas, aos contedos curriculares especificamente

    indgenas, aos modos prprios de constituio do saber e da

    cultura indgena e participao da respectiva comunidade.

    A formao especfica dos professores indgenas, em servio e, quando for o caso, concomitante a sua escolarizao.

    A participao de representantes dos professores e lideranas indgenas, de organizaes indgenas e de apoio aos ndios,

    universidades e rgos governamentais nas aes de planeja-

    mento a cargo dos gestores dos sistemas de ensino.

    Uma educao para o trabalho s se faz acorde s necessi-

    dades da educao escolar indgena na perspectiva da formao

    integral, na considerao diversidade e incluso social, abar-

    cando questes atinentes produo e s caractersticas do am-

    biente e da comunidade. De nada serve a lgica dos interesses

    da sociedade de mercado. O capital econmico define e decide

    a vida dos pases inseridos num mercado mundial, obrigando a

    formao e capacitao de profissionais com habilidades e

    competncias para lidar com tecnologias avanadas e sofistica-

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    das, que atendam queles que tm capacidade de consumo (PA-

    REDES, 1997). Desse campo, os pobres e as populaes tnicas

    esto completamente excludos.

    S o cuidado em se aprofundar nos universos socioculturais

    indgenas, no inteligveis na superfcie para os no ndios, pode

    levar traduo mais fiel e mais dialgica de suas demandas e

    potencialidades, de forma a evitar o perigo da banalizao da

    diferena em frmulas fceis de promoo e pseudovalorizao

    das culturas indgenas, quando no a sua total desconsiderao.

    A educao profissional integrada educao bsica ind-

    gena deve ser encarada principalmente como uma oportunidade

    para a reflexo e a ao para a autonomia dos povos originrios

    em setores essenciais sua subsistncia e para a sua continuida-

    de enquanto povo. No se trata meramente, pois, de dar acesso

    s populaes nativas modalidade de educao profissional.

    necessrio que o projeto de educao e formao profissional

    tambm se reinvente nesse processo, que esteja aberto para re-

    ver os seus mtodos e princpios e realmente abrace a sua cons-

    truo dialgica e interessada no outro.

    Em coerncia com tais concepes, o Decreto 6.861, de

    27 de maio de 2009, estabelece que a educao escolar ind-

    gena seja organizada e gerida observando-se a territorialidade

    dos povos indgenas, constituindo territrios etnoeducacionais

    que independem da diviso poltico-administrativa do pas. Sua

    implantao pautada pelas demandas dos povos indgenas tra-

    duzidas em um plano de ao. Esse plano deve ser elaborado,

    acompanhado e periodicamente revisto por uma comisso for-

    mada com representantes dos povos indgenas, entidades ind-

    genas e indigenistas, rgos governamentais vinculados tem-

    tica, gestores de educao estaduais e municipais, instituies de

    educao superior e de EPT, entre outros.Entre essas demandas encontra-se o ensino mdio integra-

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    do formao profissional dos alunos indgenas, cujas propos-tas pedaggicas devero articular as atividades escolares com os projetos de sustentabilidade formulados pelas comunidades indgenas e considerar as especificidades regionais e locais (De-

    creto 6.861/09, art. 11).

    A educao do campo22 e o ensino agrcola

    A educao ofertada populao rural no Brasil tem sido objeto de estudos e de reivindicaes de organizaes sociais h muito tempo. O artigo 28 da Lei 9.394/96 estabelece o direito da gente do campo a um sistema de ensino adequado a sua di-versidade sociocultural. , pois, a partir dos parmetros poltico- -pedaggicos da educao do campo que se busca refletir sobre a educao profissional.

    A formulao de propostas de educao profissional de nvel tcnico para as populaes do campo implica necessariamente a anlise de suas realidades. Esse contexto compreende diferentes lgicas de produo agrcola polarizadas entre uma agricultura vol-tada para a produo de alimentos identificada como agricultura camponesa e uma voltada para o negcio, sobretudo para a pro-duo de commodities o agronegcio ou agricultura industrial. Na primeira lgica h uma conexo direta entre produo e consumo, ou seja, a produo de alimentos e as necessidades alimentares das populaes; na segunda, uma progressiva desconexo entre produo e consumo, ou seja, a lgica se inverte: produz-se para o mercado que ento precisa induzir o consumo. Esse mercado

    tambm o de mquinas, fertilizantes, agrotxicos, sementes.

    22 Este item foi retirado do artigo de Roseli Salete Caldart, Educao Profissional na Perspectiva da Educao do Campo, produzido para exposio no Frum Mundial de Educao Profissional e Tecnolgica, debate temtico 12, ocorrido em Braslia/DF de 23 a 27 de novembro de 2009. As consideraes sobre o ensino agrcola foram baseadas no documento (Re)Significao do Ensino Agrcola da Rede Federal de Educao Profissional e Tecnolgica, produzido durante os anos de 2008/2009 pelo GT do Ensino Agrcola, por meio da realizao de seminrios regionais e do seminrio nacional com representantes de unidades federais de ensino agrcola, alm de convidados envolvidos com a temtica em questo.

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    H uma forte dominao econmica e uma hegemonia cul-

    tural do agronegcio sobre a agricultura camponesa, relacionada

    ainda por muitos ao atraso ou considerada em vias de extino

    ou de subordinao. Porm, a insustentabilidade do modelo in-

    dustrial evidenciada nas crises de produo e distribuio de

    alimentos e de preservao ambiental abre perspectivas para um

    projeto alternativo de desenvolvimento do campo.

    Tal projeto no tem ainda uma formulao precisa, acabada,

    exatamente porque est sendo construdo nos embates. Alguns

    aspectos mais consensuais que tm sido destacados envolvem:

    a soberania alimentar como princpio organizador da agri-cultura;

    a democratizao da propriedade e do uso da terra; uma nova matriz produtiva e tecnolgica, com base na agroe-

    cologia; e

    uma nova lgica organizativa da produo, tendo por funda-mento a cooperao.

    A educao profissional do campo implica preparar edu-

    candos para a anlise dessa realidade e das contradies reais

    envolvidas. O que traz a necessidade de uma rediscusso das

    finalidades educativas ou dos objetos da educao profissio-

    nal. Duas vertentes predominam: o preparo de trabalhadores

    assalariados das empresas agroexportadoras e a formao de

    extensionistas vinculados a rgos pblicos ou mesmo a em-

    presas para o trabalho de assistncia tcnica aos agricultores.

    De modo geral, os cursos da educao profissional no so

    destinados ou pedagogicamente organizados para formar agri-

    cultores.

    importante notar que as instituies federais de ensino

    agrcola surgiram para atender s demandas de implementao

    da chamada revoluo verde e, apesar de todo o debate de-

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    senvolvido, ainda no existe no pas uma poltica de educao

    profissional para a agricultura camponesa. Educao profissio-

    nal do campo no a mesma coisa que escola agrcola. Ela

    inclui a preparao para diferentes profisses que so necess-

    rias ao desenvolvimento do territrio, cuja base de crescimento

    econmico est na agricultura agroindstria, gesto, educa-

    o, sade, comunicao, entre outras , mas sem desconside-

    rar que a produo agrcola a base da reproduo da vida e,

    por isso, deve ter centralidade na formao para o trabalho do

    campo.

    Toma-se como objeto de estudo e de prticas a constru-

    o de uma nova matriz cientfico-tecnolgica para o trabalho

    no campo produzida desde a lgica da agricultura campone-

    sa sustentvel, situando essa matriz no contexto mais amplo de

    transformaes das relaes sociais e do sistema hegemnico

    de produo. A centralidade est no trabalho, na apropriao

    dos meios de produo pelos prprios trabalhadores e na terra

    como meio de produzir vida e identidade.

    Nesse sentido, faz-se necessria