patrimÔnio imaterial e vivÊncias religiosas: a dança … · a categoria patrimônio no brasil...

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1 PATRIMÔNIO IMATERIAL E VIVÊNCIAS RELIGIOSAS: A dança em honra a São Gonçalo em Alto Longá, Piauí. MARLUCE LIMA DE MORAIS RESUMO: Esta comunicação reflete sobre as experiências religiosas de “ex-voto imaterial” de uma comunidade chamada Flor do Dia em Alto Longá, Piauí. Os moradores do bairro, respeitam o Sr. Antonio como um guardião da memória e das tradições locais, permeadas por rezas de cura, Reisados, peregrinações e São Gonçalo feitos quase sempre em pagamento a promessas. Refletindo sobre as ressonâncias do patrimônio na vida da comunidade, analisamos a dança de São Gonçalo como um elemento tradicional de cunho imaterial uma vez que esses saberes estão se desgastando frente ao “presentismo” presente no tempo presente. PALAVRAS CHAVE: Patrimônio Imaterial. São Gonçalo. Piauí Introdução A categoria Patrimônio no Brasil esteve permeada pela perspectiva de “pedra e cal”, as politicas de salvaguarda giravam em torno da proposta de resguardar as edificações e monumentos históricos [oficiais e religiosos]. Tal perspectiva foi questionada por Mario de Andrade, em seu anteprojeto 1 de lei para preservação do Patrimônio em 1936, avalia o “pertencimento” do bem para considera-lo um patrimônio, seja arte aplicada, arte pura, popular ou erudita. Nesse sentido, Andrade alagava a proposta de patrimônio, na tentativa de abranger a diversidade cultural brasileira. A proposta da importância do patrimônio Professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia - IFPI - campus Uruçuí. Mestre em História do Brasil – UFPI. Membro do Grupo de Pesquisa/Cnpq: Ensino, Memória e Patrimônio Cultural .Membro do GT Nacional/ ANPUH - Patrimônio Cultural 1 Mario de Andade constrói uma proposta para construção do SPHAN – Serviço de Patrimônio Artístico e Nacional em 1936, o documento foi usado para discussões preliminares, sofrendo diversas modificações, o SPHAN passou a consideram a “tradição” dando ênfase ao passado, ou seja, os bens deveriam exaltar os heróis nacionais, os personagens históricos, exaltando assim a historia da nação.

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Page 1: PATRIMÔNIO IMATERIAL E VIVÊNCIAS RELIGIOSAS: A dança … · A categoria Patrimônio no Brasil esteve permeada pela perspectiva de “pedra e ... Curato dos Humildes transformado,

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PATRIMÔNIO IMATERIAL E VIVÊNCIAS RELIGIOSAS: A dança em honra a São Gonçalo em Alto Longá, Piauí.

MARLUCE LIMA DE MORAIS

RESUMO: Esta comunicação reflete sobre as experiências religiosas de “ex-voto imaterial” de uma comunidade chamada Flor do Dia em Alto Longá, Piauí. Os moradores do bairro, respeitam o Sr. Antonio como um guardião da memória e das tradições locais, permeadas por rezas de cura, Reisados, peregrinações e São Gonçalo feitos quase sempre em pagamento a promessas. Refletindo sobre as ressonâncias do patrimônio na vida da comunidade, analisamos a dança de São Gonçalo como um elemento tradicional de cunho imaterial uma vez que esses saberes estão se desgastando frente ao “presentismo” presente no tempo presente. PALAVRAS CHAVE: Patrimônio Imaterial. São Gonçalo. Piauí

Introdução A categoria Patrimônio no Brasil esteve permeada pela perspectiva de “pedra e

cal”, as politicas de salvaguarda giravam em torno da proposta de resguardar as

edificações e monumentos históricos [oficiais e religiosos]. Tal perspectiva foi

questionada por Mario de Andrade, em seu anteprojeto1 de lei para preservação do

Patrimônio em 1936, avalia o “pertencimento” do bem para considera-lo um patrimônio,

seja arte aplicada, arte pura, popular ou erudita.

Nesse sentido, Andrade alagava a proposta de patrimônio, na tentativa de

abranger a diversidade cultural brasileira. A proposta da importância do patrimônio

Professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia - IFPI - campus Uruçuí. Mestre em História do Brasil – UFPI. Membro do Grupo de Pesquisa/Cnpq: Ensino, Memória e Patrimônio Cultural .Membro do GT Nacional/ ANPUH - Patrimônio Cultural 1 Mario de Andade constrói uma proposta para construção do SPHAN – Serviço de Patrimônio Artístico e Nacional em 1936, o documento foi usado para discussões preliminares, sofrendo diversas modificações, o SPHAN passou a consideram a “tradição” dando ênfase ao passado, ou seja, os bens deveriam exaltar os heróis nacionais, os personagens históricos, exaltando assim a historia da nação.

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para além da materialidade só foi possível com a carta constitucional de 1988,presente

no artigo 216(BRASIL,1988), onde a legislação abre espaço para os bens de natureza

imaterial.

Analisamos a categoria patrimônio, a luz da perspectiva de José Reginaldo Santos

Gonçalves (2005), como elementos mediadores do domínio cultural, social e simbólico

estabelecendo relações entre o passado e o presente, funcionando como elementos que

informam e criam a cultura de um povo. A imaterialidade dos bens culturais versam

entre a materialidade e imaterialidade, uma vez que existe o dialogo com a

materialidade para existir manifestações como danças, festas, celebrações

(GONÇALVES,2005).

Nesse sentido apresentamos um bem imaterial que faz parte da comunidade do

bairro Flor do Dia em Alto Longa-PI. Funciona como elo entre os mais velhos e os mais

novos moradores produzindo assim um ambiente de aprendizagem, feitura e repasse da

tradição expressa em vivências religiosas, o texto se divide em três momento:

inicialmente localização da cidade de Alto Longá, em seguida analisar o elemento

devoção que informa a realização das manifestações religiosas das pessoas e a descrição

da imaterialidade da dança em honra a São Gonçalo.

Alto Longá e a Flor do Dia Alto Longá nasceu das terras da localidade Lagoa do Longá, onde brota o Rio

Longá, que se debruça entre as pedras, forma a cachoeira do Urubu2 e ajuda a alargar o

Rio Parnaíba, como um de seus principais afluentes no lado piauiense (ARAUJO,2013),

passando por Altos, Campo Maior, Barras, Batalha, Esperantina, Piracuruca, Joaquim

Pires e desaguando em Buriti dos Lopes.

Recortada ao norte do Piauí, margeia Coivaras e Campo Maior, a Leste, Novo

Santo Antônio e São João da Serra, a Oeste, Beneditinos e mais ao sul se define nas

2 Localizada entre os municípios de Esperantina e Batalha no Piauí

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fronteiras de Prata do Piauí e São Miguel do Tapuio, eis, então que está Alto Longá3,

cidade “pequena”, de dias morosos e conversas na praça da Igreja Matriz, que

homenageia Nossa Senhora dos Humildes e evoca histórias curiosas sobre a Santa que

fugia da Igreja para a capela, o que exigiu que se mudasse a frente da Igreja para

confundir a “fuga” de N. S. dos Humilde. Histórias também de uma pedra encontrada

durante a construção da Igreja, que foi colocada ao lado se sua porta principal que se

transformou em local onde velas são acessas, bem como no cruzeiro.

Terras construídas por coronéis e fazendas do início do século XIX têm no

Coronel Benedito José de Souza Brito seu fundador, a quem junto com a família se

instalou e onde se situava sua fazenda de gado próximo ao rio Gameleira e a um olho

d’água, que por muito tempo constituiu a fonte de água da população longaense, ou

altolongaense ou ainda altoense.

Gado que constitui marcas nas formas de viver e na cultura da população

piauiense, evidenciado na figura do Vaqueiro, admirado pelos longaenses por causa do

aboio e da cumplicidade nas missas dedicadas a eles durante os festejos da cidade.

Com a fazenda ergueu-se uma capela consagrada à Nossa Senhora dos Humildes a

qual, em doação, o fundador lhe ofereceu muitas cabeças de gado. Em 1870 foi criado o

Curato dos Humildes transformado, tempo depois, em Paróquia de Nossa Senhora dos

Humildes.

O povoado foi elevado à categoria de vila em abril de 1877 pelo então Juiz da

Comarca de Oeiras, Eneas José Nogueira, um ano depois da promoção contavam-se

apenas três casas de telha e uma pequena capela, devido às proximidades da nascente

do Rio Longá a vila dos humildes teve o nome mudado para Alto Longá.

Em junho de 1931 foi anexada ao Município de Altos, só conseguindo restaurar

sua autonomia administrativa em 17 de agosto de 1934 desmembrando-se de Altos.

O bairro Flor do Dia constitui de casas e gente simples, que vive em meio ao barro

e aos buracos das ruas enviesadas, o Flor do Dia e o Matadouro, dois bairros um pouco

3 É um município brasileiro do Estado do Piauí, localiza-se a uma latitude. 05°15’04” sul e longitude 42° 12’37”

oeste com altitude de 170 metros, sua população pelo censo de 2010 IBGE é de 13.654 habitantes com uma área de 1.621,354 km² microregião de Campo Maior e Meso região Centro Norte Piauiense

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afastados do centro da cidade de Alto Longá, constituídos em sua grande maioria por

membros da mesma família.

Pai Pequeno, como é chamado por netos, sobrinhos, afilhados e vizinhos tem uma

família grande de nove filhos, sendo oito deles legítimos e uma de criação a quem ele

carinhosamente se refere e diz que recebeu assim que a criança nasceu. Ele nos contra

sobre as praticas da comunidade e puxa o São Gonçalo que apresentaremos a seguir.

Imagem 1 - Casa de seu “Antônio Pequeno”, varanda com altar “arrumado”o para “tirar terço”,

seguido de leilão. Alto Longá, 2010. Foto: Marluce Morais

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Imagem 2 - Senhor “Antônio Pequeno” e os preparativos para o Reisado, Alto Longá dez, 2011.

Foto: Marluce Morais

A comunidade vive em meio a rezas, novenas e devoções diárias, apresentadas a

quem chega em suas casas, marcadas pela presença de muitas imagens de santos,

espalhadas pela casa, nos quartos são organizados altares domésticos.

Seu Antônio é uma pessoa simples de sorriso fácil e farto, aprendeu a rezar com

sua mãe de criação e é um guardião da memória de saberes tradicionais, de rezas de

curas, danças, festas, promessas, peregrinações. Guarda os modos de fazer e as cantorias

na cabeça, é reconhecido por todos do bairro. Seus familiares, assim como ele, rezam e

mantém os santos próximos da vida com rezas e promessas.

Fé e Devoção

Como conceituar devoção? Poderia ser entendida como um conjunto de crenças

religiosas, que informam as atitudes de homens e mulheres diante do sagrado, quais

sejam, promessas, peregrinações, novenas, etc.

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Para entender a devoção buscamos os símbolos, os gestos, que evidenciam uma

espiritualidade particular das manifestações populares4. Para André Vauchez essas

manifestações são vitais como uma integração de crenças:

[...] os humildes integram em sua experiência religiosa, tanto pessoal quanto coletiva, elementos provenientes da religião que lhes fora ensinada e outros fornecidos pela mentalidade comum do seu ambiente e do seu tempo, marcada por representações e crenças estranhas ao cristianismo (VAUCHEZ,1995:p.4)

A espiritualidade das pessoas comuns, dos humildes, para Vauchez, ligam-se

diretamente às experiências e às vivências de pessoas em suas comunidades afetivas,

uma coletividade. O meio, o tempo, a religião marcam as representações e apropriações

que os indivíduos fazem da doutrina religiosa. Entendemos a espiritualidade presente

nas pessoas humildes como uma unidade dinâmica, entre o saber construído

coletivamente e institucionalizado na religião que praticam.

A devoção molda a identidade e a perspectiva de mundo dos indivíduos,

experiências religiosas marcam e informam sobre um tempo onde as práticas religiosas

são feitas e guiadas por pessoas de uma mesma família, vividas e partilhadas por um

grupo, gente que vive a religiosidade doméstica concomitantemente com os ritos

institucionalizados, ações que não invalidam as crenças individuais.

Entendemos que os rituais tradicionais necessitam da crença de um grupo e

principalmente de indivíduos para sua realização, devoção que buscamos tratar

apresentando os sujeitos que dão corpo a esta pesquisa, analisando suas falas e suas

posturas. Erlene, Teteia e Antonio Pequeno são os personagens desta narrativa histórica,

nos auxiliam a compor o ritual e as análises que pretendemos realizar das Incelências.

Dança à São Gonçalo

4 Tratamos por populares, as manifestações leigas ligadas à Igreja Católica (mas, não somente), realizadas por rezadores e rezadeiras, que informados por uma tradição oral transmitem práticas religiosas como novenas, benzimentos, partos, dança de São Gonçalo, realizadas com o fito de pagamento de promessas, servem ainda como exemplos os os Reisados.

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Imagem 3- altar de São Gonçalo. Foto: Marluce Morais

A dança em honra a São Gonçalo do Amarante tem origem portuguesa sendo

organizada em pagamento de promessas ou voto de devoção. A dança é dividida em

duas partes [religiosa e profana] partes ou jornadas comandada por “guias”, pessoas que

conduzem o pagamento da promessa, juntamente com os “contra guias” auxiliares do

guia que respondem os versos feitos pelo “guia” e os pares que dançam em forma de

fileiras ou em roda em volta do altar e do pagador da promessa.

Em 20 de julho de 2012, a Senhora Raimunda nos convida5 a Alto longa, pois ela

vai “tirar” um São Gonçalo em pagamento de uma promessa feita para seu marido,

Senhor Cosme. Acompanhamos todos os preparativos, o altar evidenciado na imagem 3,

foi feito pelo “guardião de memoria” Senhor conhecido por Antonio Pequeno6. O altar é

composto pelo Arco de são Gonçalo, feito por varas de cana-de-açúcar e entornado por

“joias” frutas e bolos que são leiloados no final da dança, como a ultima joia do leilão e a

mais esperada.

5 Membros do grupo de pesquisa “Ensino, Memória e Patrimônio Cultural”, Marluce Morais, Ariane Lima e Amparo Moura 6 Os nomes e histórias em torno da dança e da promessa foram apresentados por Sr. Antonio Perreira, Sr. Antonio. Entrevista com Antonio Pereira da Silva concedida a Marluce Lima de Morais e Maria do Amparo Holanda em julho de 2012, Alto Longá - Piaui

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Com a arco arrumado em frente a casa do promesseiro, disparam-se foguetes

para chamar os vizinhos e começar a dança. Assim o Santo é retirado do seu altar dentro

da casa pelo promesseiro, o guia, os contra-guias com muita musica ao som da sanfona e

pandeiro.

Imagem 4- Saída do santo de dentro de casa.

O santo violeiro sai do Altar Doméstico arrumado em um dos cômodos da casa

com música e louvores, acompanhados pela luz de uma vela. Na porta da casa os

vizinhos, amigos e familiares aguardam a chegada do santo ao altar.

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Imagem 5. Sr. Cosme e Sr. Antonio em frente ao Altar de São Gonçalo. Foto: Marluce Morais

O Guia acompanha o promesseiro com o santo na saída da casa até coloca-lo no

“Arco” ou altar arrumado em frente a casa. Na chegada cantam uma saudação e começam as

jornadas.

A dança é realizada por duas colunas onde dançam homens e mulheres, em uma

coreografia simples, por se tratar de um ex-voto não necessita de uma indumentária especial,

todos danças para ajudar na jornada, agradecer ao santo, pagar promessa ou fazer pedidos

assim “dança-la implica no recebimento de uma graça, por isso mesmo todos querem

participar de ‘uma volta’: reumáticos, encarangados...e as solteironas para conseguir

casamento”(ARAUJO,1954)

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Imagem 6- guias, puxadores da dança. Foto: Marluce Morais

O “mestre” ou “guia” é quem comanda os sinais para o desenrolar a dança, as

colunas juntas contornam todo o espaço em forma de um circulo em seguida caminham

juntas para o centro do circulo até do “arco” depois se separam e voltam a se juntar com

nas setas assinaladas abaixo:

Arco de São Gonçalo

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Imagem 7- roda de são Gonçalo. Foto: Marluce Morais

As jornadas são acompanhadas por música, um pandeiro e uma sanfona dão o

compasso da dança, os músicos ficam ao lado do “Arco” próximos ao santo e os “guias”

organizam as colunas com gestos e gritos de comando. O numero de jornadas depende da

promessa, Raimunda que fez a promessa para seu esposo pagar nos conta que serão 7 [sete]

jornadas. Cada uma delas compõe cerca é definida pelo guia que puxa uma quantidade de

voltas que a roda deve desempenhar, ou seja, uma jornada pode ser composta por [n] número

de voltas, ao termino de cada jornada estouram foguetes.

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Imagem 8 – Sr. Cosme pagando a promessa. Foto: Marluce Morais

Durante as 7 [sete] jornadas Cosme, que foi agraciado por São Gonçalo fica ao lado

do “arco” ou altar, na última jornada ele se ajoelha e toma o santo em uma das mãos e na

outra uma vela acessa, finalizando o pagamento da promessa.

Em seguida outras pessoas que desejam pagar promessa ao santo se colocam próximo

ao altar e o “guia” realiza mais uma jornada em agradecimento ao santo violeiro.

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Imagem 9- reverencia ao santo. Foto: Marluce Morais

Após o pagamento das promessas, as colunas compostas por homens e mulheres

seguem fazendo uma reverencia ao santo, cada dupla ajoelha-se em frete ao “arco” ou

altar e reverencia, coloca moedas para o santo e são acompanhadas pelos ‘guias’ que

compõem versos, parecidos com emboladas, caracterizando a dupla e a devoção dos

presentes.

Ao termino da parte religiosa, inicia-se a parte profana com um leilão, muitos dos

vizinhos levam uma “joia” para ser leiloada. Esse segunda parte segue até se findarem as

joias, todos costumam aguardar a mais preciosa: o arco de São Gonçalo. Quando o arco

vai ser leiloado a joia do meio é entregue ao “guia” e em seguida arrematada por quem

der mais geralmente é a joia mais cara. O dinheiro arrecadado no leilão ajuda nas

despesas da festa, pois é servida comida a todos os presentes.

Considerações finais

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A dança de São Gonçalo ou a ação de ‘Tirar’ São Gonçalo é realizado pelos

moradores do Bairro Flor do dia como um ex-voto nesse sentido ela não se realiza de

outra forma devoção que Alceu Maynard Araújo caracteriza como um ‘ex-voto imaterial’

devido o pagamento ser realizado através da dança feita somente na frente do santo,

caracterizando a imaterialidade ex-voto diferente dos ex-votos simples, antropomorfos,

zoomorfos e especiais7.

A devoção dessas pessoas simples é marcada pelo pagamento de promessas e

obediência aos santos de devoção, assim como ao São Gonçalo o reisado e as praticas de

reza de cura e de morte [incelências e benditos] permeiam as vivências religiosas de

indivíduos que balizam sua vida na fé e devoção aos santos. Manifestações de caráter

imaterial e material que permeiam todo o Brasil e principalmente o nordeste brasileiro,

locais onde as tradições vem sendo resignificadas devido os confrontos com um tempo

presente que muitas vezes oprime manifestações populares ou as cristaliza em uma

perspectiva folclorizada.

7 Alceu Maynard Araujo caracteriza os ex-votos em cinco categorias, os antropomorfos são aqueles que representam o corpo humano [madeira, fotografia, esculturas,desenhos]; os zoomorfos representam animais, os simples representam por exemplo uma fita na medida do pescoço ou outra parte do corpo; os especiais ou de valor constituem de gado, aves, frutas ofertadas ao divino e os ex-votos imateriais como as danças de são Gonçalo. C.f.ARAUJO, Alceu Maynard. Folcore nacional III. São Paulo: ed. Melhoramentos. 2 ed. 1967.

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Referências

ARAUJO, Alceu Maynard. Folcore nacional III. São Paulo: ed. Melhoramentos. 2 ed. 1967. ______. Documentário folclórico paulista e instrumentos musicais e implementos. Revista do arquivo municipal. Vol. CLVII, 1954. Disponível em:< www.jangadabrasil.com.br/outubro14/fe14100c.htm >acessado em: 01 de março de 2013 ARAUJO, José Luis Lopes. O rio Longá e o povoamento do Norte do Piauí. HISTÓRIA REVISTA - Revista da Faculdades de História do Programa de Pós-Graduação UFGO. Goiás, 2009 < disponível em: www.revistas.ufg.br/index.php/história/article/view/9556/6610>. Acesso em 1o jan. 2013. Entrevista com Antonio Pereira da Silva concedida a Marluce Lima de Morais e Maria do Amparo Holanda em julho de 2010, Alto Longá - Piaui GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Ressonância, materialidade e subjetividade: as culturas como patrimônio. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, n. 23, ano 11, jan/jun 2005. MORAIS, Marluce Lima de. Em cada conta um lamento: incelências, benditos e rezas [Alto Longá, Piauí 1980-2011] 2013. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2013 PELEGRINI, Sandra C. A; FUNARI, Pedro Paulo. O que é patrimônio cultural imaterial. São Paulo: brasiliense, 2001. PINHEIRO, Aurea. Senhores de seu oficio: arte santeira do Piauí. Teresina: Superintendência do IPHAN no Piauí, 2009. VAUCHEZ, Andre. A espiritualidade na Idade Média Ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.p.4