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(...) “catador de papel-lavra coletor de opostos sintetiza-dor parabólico coração esquizofrênico intelecto esquisóide protoplasma anafilático de choque de tráfico radium poema do detrito” POEMAS DA LATA Zeca Baleiro poesia cantada VESTIBA Literatura brasileira Ed. 0 2014/15

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Papirus - a poesia em Revista nº 0 apresenta as interfaces das diversas artes com o virtus poético. Da literatura ao cinema, da música à pintura, da visão artística à pedagógica, heis aqui um painel da poiésis contemporânea. Para saber mais, leia!

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(...)“catador de papel-lavracoletor de opostossintetiza-dorparabólicocoração esquizofrênicointelecto esquisóideprotoplasmaanafiláticode choquede tráfico radium poemado detrito”

POEM

AS

DA LATA

Zeca Baleiropoesia cantada

VESTIBALiteratura brasileira

Ed. 0 • 2014/15

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Papirus – a poesia em revista – Editor Chefe Alexandre Dias Paza; Colaboradores na pseudonomia editorial: Nivaldo Verve, Prof. Cândido Paixão, Emílio Peliculano, Cecília Rosa e Alexandre Paza; Fotogra-fias divulgação; Arte e produção gráfica OUZE Editora LTDA; Comercial [email protected] Fone: (11) 5504-1951; Impressão Polo Printer Ltda.; Dis-tribuição MT LOG - Logística; Jornalista Responsável Renata Ferreira do Nasci-mento de Abreu MTB 29963 L 132 F 31 SP. Papirus é uma publicação Trimestral de Cameloteca Iconográfica Editora. Ad-ministração, comercial, assinaturas, reda-ção e arte Av. Paulista, 726 - 17º andar, Conjunto 1707 D – caixa postal 199, Bela Vista, São Paulo (SP), CEP: 01310-910, tel.: (11) 5504-1951,www.papiruspoesia.com.br issuu.com/revistapapiruspoesia.

As opiniões emitidas nas reportagens e artigos assinados não são obrigatoria-mente as da revista, podendo ser até contrárias às da Papirus – a poesia em revista. Textos de autoria de colabora-dores, consultores e convidados são de inteira responsabilidade dos mesmos. Por questões de espaço, a editora reserva o direito de resumir cartas e textos publica-dos e não é responsável por anúncios e vendas feitas pelos mesmos. É proibida a reprodução das matérias da Papirus sem autorização. Todos os direitos reservados.

Expediente:

ÍndiceEditorial

CarasdaCapa

Da Lata

Poesia na Veia

Interlúdio Na Seara dos Sentidos Quem Cancioneiro A Voz do Poeta

Se Liga

Vitaminados

Vestiba

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EditorialÉ com grata satisfação que trazemos a vocês, universitários –

com ênfase àqueles que cursam Letras – uma revista que

tem como propósitos fundamentais os de 1) estabelecer um canal

de comunicação entre os jovens poetas brasileiros, difundindo

suas obras entre os estudantes da área; 2) estimular e divulgar a

produção poética universitária; 3) fomentar projetos educacionais

tendo em vista a melhoria na qualidade leitora de estudantes em

seus diferentes níveis.

Neste sentido, Papirus – a poesia em revista Nº 0 apresenta as

diversas faces da poesia por meio de seus vários pseudônimos.

A poesia do cancioneiro contemporâneo, a poesia em sua his-

toricidade, a poesia palavra-lúdica, a poesia do cinema, a poesia

pintura-imagem, em fim, a poesia na sua potência máxima em

múltiplas linguagens exalando o virtus estético desta antiga arte

continuamente atualizada. Desejamos muito boa leitura a todos!

Prof. Cândido Paixã[email protected]

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CARASdaCAPA Luís Castañon é artista plástico, aquarelista virtuoso, com uma trajetória e uma fatura ple-namente engajada na história da arte brasilei-ra contemporânea.

Por Editorial

Com trabalhos apresentados em exposições no Brasil e no exterior desde 1981, em seu percurso, a geometria informal aparece como sua lingua-gem em composições que remetem a arquétipos universais, como consta nos textos críticos es-critos pelos mais importantes nomes brasileiros e do exterior. O artista plástico e arte-educador tem suas obras apresentadas em acervos públi-cos e privados e incluídas em várias publicações nacionais e estrangeiras. Atualmente Castañon leciona em Cursos Livres de extensão do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

A obra que trazemos aqui, na capa de Papirus, é intitulada “Acumulo 1” e pertence à série “Acúmu-lo” apresentada recentemente no MUBE – Museu Brasileiro da Escultura. Como salientou Rosa Co-hen, crítica de arte e curadora da exposição,

Sobre o poeta:O poema que dialoga com a obra de Castañon, na capa, foi composto por Alexandre Dias Paza – nosso poeta convidado para a edição nº ZERO de Papirus. Para saber mais sobre o autor, basta ler a seção “Quem” desta edição. O poema da capa pode ser lido na íntegra no livro “O Santo do Pau-Oco”. Para falar com o poeta entre em contato pelo e-mail: [email protected]

“O artista paulistano Luis Castañón experimenta a matéria poluente retirada dos túneis da cidade, para ao mesmo tempo reciclá-la e denunciá-la em sua obra. (...). Seu processo estético passou do susto sombrio dos avanços acumulados à contemplação das nuvens pictóricas, pois contrapôs ao caos satu-rado os seres dourados, diluídos das folhas de ouro.”

Para maiores informações entre em contato com o artista pelo e-mail: [email protected]

Luís Castañon é artista plástico, aquarelista virtuoso, com uma trajetória e uma fatura plenamente engajada na história da arte brasileira contemporânea.

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Os encontros da poesia com a música no diálo-go com as obras de Renato Russo, Marcelo Yuca e Zeca Baleiro

A ARTE no Poema-CANÇÃO

Os encontros da poesia e da música no diálogo com as obras de Renato Russo, Marcelo Yuca e Zeca Baleiro

Por Alexandre Paza

A relação da poesia com a música remonta à própria origem da arte poética, está no seu DNA. Mas, quando aproximamos a poesia literária de composições populares do cancioneiro contem-porâneo, nem sempre o resultado da análise é otimista. Música sem poesia e poesia sem música retratam, muitas vezes, o divórcio nessa relação.

Há momentos felizes, entretanto. A música popular brasileira tem um cardápio significa-tivo de grandes poetas que fizeram história. E, ainda mais. Para além dos ícones consagrados, é possível perceber o talento de jovens poetas produzindo canções, seja em grupos de rock ou em carreira solo. Tratar do alinhamento ou re-alinhamento entre a arte poética e a música, neste caso, pode ser bastante interessante.

Para um início de conversa, vale lembrar aqui do famoso poema-canção de Renato Russo que, num lance intertextual, fundiu a lírica de Camões, famoso poeta português do século XVI, à Epistola de São Paulo aos Coríntios – texto bíblico que exalta o amor puro e idealizado –, tudo num rearranjo feito pelo poeta de modo a construir um mosaico poético.

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mas mais do que isso, traçou uma aproximação entre distintas formas poéticas de maneira que nos dá uma medida para que possamos compreender os meandros de um bom poema-canção em que as fronteiras estéticas ficam rompidas.

No fragmento abaixo podemos evidenciar o contraste entre o rigor métrico camoniano, com suas rimas bem assentadas, e a indeterminação de versos livres e brancos. Também o con-

traste entre o paradoxo como condição do amor e os sentidos e sentimentos de quem, no contemporâneo, vê um mundo dormente ou cego diante da perenidade de verdades indeléveis.

Assim, o amor carnal se vê subjugado para poder sublimar a dor e fazer o ser transcender ao nível do idealizado de modo que algo típico da

cultura cristã do século III aglutine-se ao imaginário pós-moderno.

“É um estar-se preso por vontadeÉ servir quem vence o vencedor;É um ter com quem nos mata lealdadeTão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem,Todos dormem, todos dormemAgora vejo em parteMas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amorQue conhece o que é verdade”

Mas Renato Russo já está mais que laureado e, por ora, isso nos basta para que possamos en-trar no universo contemporâneo da poesia pós-moderna.

Aqui encontramos os poemas-canção de Zeca Baleiro que, com seus trocadilhos assonantes e aliterados compõe torpedos poéticos de verve paradoxal, em que ironia e profundidade lírica se

A bricolagem foi um sucesso,

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alinham e invadem repentinamente a lisura de sua poética. São como partes paratáticas que se destacam do todo de cada obra como fosse um SMS sonoro que irrompe no andamento do poema-canção feito um soco em caixa-alta, cri-ando – numa condição estética muito particular – um relevo musical com o qual Zeca trata de temas universais tais como o amor e as relações amorosas num contexto bastante contemporâ-neo e, no sentido em que o termo foi cunhado por Zig Baumann, líquido.

Em Meu Amor, meu bem, me ame, temos surpreendentemente um conjunto de versos que se destacam na canção:

“Meu amor ele é demaisNunca de menosEle não precisaDe camisa-de-vênusOuça o que eu vou dizerMeu bem me ouçaO que ele precisaÉ de uma camisa-de-força”

Do mesmo modo, em Alma Nova temos o belís-simo trocadilho:

“E eu digoCalma alma minhaCalminha!Ainda não é horaDe partir...”

Já numa outra vertente, os poemas-canção de Marcelo Yuca trazem uma sonoridade tão seca

e truculenta quanto a realidade que represen-tam, sem no entanto, que esse fato extraia o teor lírico de seus versos e rimas. A simpli-cidade dá o tom, porém, de forma não menos paradoxal, vemos surgir metáforas de grande vitalidade desenhando a complexidade social in-trincada nas relações de poder e força com que nossa sociedade periférico-global está orienta-da. Neste sentido, a poeticidade de Yuca pode ser entendida numa perspectiva em que o con-teúdo ético modela a plástica vocabular dando forma vigorosa a uma retórica antiga e gasta que nessa engenharia se regenera e se fortalece como discurso prenhe de uma verdade sensível às pequenas grandes tragédias cotidianas que embalam a existência tupiniquim. Resquícios de ditaduras e calvários escravocratas, a poesia de Yuca soa nas entranhas da brasilidade.

Na composição de Me deixa encontramos:

“Podem os homens “vir” que não vou me abalar Os cães farejam medo, logo não vão me encontrar Não se trata de coragem Mas meus olhos tão distantes Me camuflam na paisagem Dando um tempo pra cantar”

E em Minha Alma, temos:

“A minha alma tá armada e apontadaPara cara do sossego!Pois paz sem voz, paz sem vozNão é paz, é medo!”

É com traços desta natureza que o repertório da poesia brasileira vai se compondo por obras como as de Baleiro e Yuca, dois jovens talentos que ainda prometem muito. Poesia da lata!

Lendo poesia você acessa e expande sua rede mental.

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Trazer o espírito da poesia impregnado no corpo é coisa de poeta que viveu sua obra com intensi-dade tal que, como resultado, deslinda-se para o mundo a arte produzida nesse fervor.

Gregório de Matos e Augusto dos Anjos, embo-ra tenham vivido em períodos históricos muito distintos (há quase três séculos de distância entre eles) trazem em suas obras algo em co-mum: a intensidade com que viveram, na vida, as suas respectivas obras poéticas. E já estava plantado ali o espírito do rock’n roll e do punk rock na verve destes poetas.

Ambos tiveram como palco histórico o nordeste brasileiro: Gregório baiano e Augusto paraiba-no. E podemos encontrar, nestes poetas, obras que os caracterizam de forma semelhante: o desajuste psicológico, a anti-religiosidade e a definição estética podem estar no cerne deste encontro. Entretanto, suas identidades estão muito bem definidas e distintas em cada uma

A poesia de Gregório de Matos e Augusto dos Anjos aqui são reveladas pela aproximação com a cultura juvenil de nossos dias

Vozes d’outrora que ainda ressoam contemporâneas

Por Cecília Rosa

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dessas mesmas características. Talvez se pos-sa dizer que Gregório está mais para o rock’n roll enquanto dos Anjos esteja mais para um cer-to tipo de punk rock sorumbaticamente gótico.

O desajuste psíquico nos dois, no entanto, dá-nos um retrato desta possibilidade de leitura na tentativa de aproximá-los de nossos dias e de nossa juventude. Gregório de Matos, tam-bém conhecido como o Boca do Inferno – pela maledicência com que revestia seus versos sem-pre investindo contra a sociedade escravocrata e corrupta daquele período – não titubeava em apresentar-se como um boêmio incorrigível em que a devassidão e a lascívia cínicas zombam ironicamente dos poderosos e dos pudicos.

“A cada canto um grande conselheiro, que nos quer governar cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um freqüentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia.”

Em Augusto dos Anjos, é o espírito sorumbático e mórbido somado a um cientificismo racionalis-ta o que lhe impregnava a alma poética também numa condição sempre muito irônica em relação à sociedade de seu tempo.

“Vês! Ninguém assistiu ao formidávelEnterro de tua última quimera.Somente a Ingratidão - esta pantera -Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!O Homem, que, nesta terra miserável,Mora, entre feras, sente inevitávelNecessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!O beijo, amigo, é a véspera do escarro,A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,Apedreja essa mão vil que te afaga,Escarra nessa boca que te beija!”

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No aspecto anti-religioso já se percebem diferen-ças significativas. Enquanto Gregório manifesta em seus poemas uma grande aversão aos hábi-tos hipócritas próprio da religiosidade experimen-tada por muitos em seu tempo, sobretudo pelos poderosos, em Augusto dos Anjos é o desejo de estar inscrito em um mundo moderno e civiliza-do que o coloca na esteira de um materialismo científico opondo-se ao cunho metafísico da reli-giosidade tacanha da ex-colônia.

A Jesus Cristo Nosso Senhor

“Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,Da vossa alta clemência me despido;Porque, quanto mais tenho delinqüido,Vós tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,A abrandar-vos sobeja um só gemido:Que a mesma culpa, que vos há ofendido,Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobradaGlória tal e prazer tão repentinoVos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa glória.”

Gregório de Matos

Psicologia de um Vencido

“Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundississimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância...Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsiaQue se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme -- este operário das ruínas --Que o sangue podre das carnificinasCome, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frieldade inorgânica da terra!”

Augusto dos Anjos

Quanto à definição estética destes poetas já se pode perceber que enquanto Gregório faz uso dos conceptismo e cultismo próprios de seu tempo – embora também trabalhe com formas bastantes distintas, caracterizando-lhe uma polivalência formal –, em dos Anjos será a predileção pelos sonetos decassílabos o que predominará em sua obra.

E, a despeito de tudo o que já se disse quanto a esses fatos sobre ambos os poetas, o que se pode destacar é sempre o primor estético e a for-ça espirituosa que atuam em seus versos e que lhes confere status de grandes poetas. E estes nos deixaram como legado a poesia na veia.

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ConceptismoCultismoCultismo

onceptismo&

Do SonetoDo Soneto

• Cultismo ou gongorismo - valorização de forma e imagem, jogo de palavras, uso de metáforas, hipér-boles, analogias e comparações. Manifesta-se uma expressão da angústia de não ter fé.

“ Ofendi-vos, Meu Deus, é bem verdade,É verdade, Senhor, que hei, delinqüidoDelinqüido vos tenho...”

Gregório de Matos

• Conceptismo ou quevedismo - valorização do con-teúdo/conceito, jogo de idéias através do raciocínio lógico. Há o uso da parábola com finalidade mística e religiosa, às vezes isso aparece de forma irônica.

“Se uma ovelha perdida e já cobradaGlória tal e prazer tão repentinoVos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarradaCobrai-a e não queirais, Pastor Divino,Perder na Vossa ovelha a Vossa glória.”

Gregório de Matos

Soneto, nome derivado do italiano – soneto –, que significa pequena canção ou, literalmente, pequeno som, é um tipo de poema de forma fixa, composto por catorze versos e que podem ser distribuídos de dife-rentes formas. Três destas formas de distribuição dos versos são clássicas. São elas:• Soneto italiano ou petrarquiano: distribuídos os ver-sos em quatro estrofes: dois quartetos (quatro versos) e dois tercetos (três versos), como aqueles apresenta-dos na caracterização da obra de Augusto dos Anjos.

• Há também o chamado Soneto inglês ou Shakes-peariano: que é distribuído em três quartetos e um dístico (estrofe de dois versos); ou ainda o chamado Soneto monostrófico, ou seja, soneto composto com uma única estrofe de 14 versos.

• Do mesmo modo, há chamado Soneto estrambótico, em que o poeta acrescenta mais uma estrofe irregular ao final dos 14 versos. Este último foi muito utilizado por Miguel de Cervantes. No Brasil há um poeta con-temporâneo que se dedica à produção de sonetos, seu

nome é Glauco Matoso, poeta que apresenta carac-terísticas também muito próximas às de Gregório de Matos – daí o sobrenome artístico Matoso.

Vozes da Morte

“Agora, sim! Vamos morrer, reunidosTamarindo de minha desventura,Tu, com o envelhecimento da nervura,Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!E a podridão, meu velho! E essa futuraUltrafatalidade de ossatura,A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!E assim, para o Futuro, em diferentesFlorestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,Pelo muito que em vida nos amamos,Depois da morte, inda teremos filhos!”

Augusto dos Anjos

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Na literatura, ou em qualquer leituranecessariamente mais apurada, o leitor deve ser capaz de mergulhar no texto para além das linhas

A Leitura e o texto literário:um trabalho hermenêutico

Por Prof. Cândido Paixão Fotos: Divulgação

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Um sábio educador brasileiro, um senhor chama-do Paulo Freire, em seu livro “A importância do ato de ler” (São Paulo: Cortez, 1989, p.9) ao enfatizar a relevância da ação leitora, e numa citação autobiográfica, relatou que em sua ex-periência leitora fez um circuito muito interes-sante. Disse ele: “[...] Primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”. Assim, daí tirou a lição – sobre a importância da educação para o povo brasileiro – que é pela leitura que se constrói um cidadão, primeiro pela leitura do mundo imediato, depois pela leitura de textos e por fim pelo retorno à leitura de mundo, agora com uma visão política. E se assim acreditarmos, portanto, podemos dizer que é por meio da leitura que o homem se apropria do mundo que o cerca e dele participa.

Para tanto, a leitura deve se tornar um hábito no cotidiano de qualquer pessoa que pretenda com-preender e interpretar sua posição e condição no mundo, de modo tal que se torne uma com-petência existencial, ou seja, de modo que se torne impraticável abdicar deste condicional durante o período de existência de um indivíduo. E neste sentido, a poesia se apresenta como um material estético fabuloso na preparação e no desenvolvimento de habilidades que capacitam e habilitam o leitor.

E mais, para sairmos deste âmbito técnico-intelectivo (cognitivo), a leitura de poemas per-mite abrir alguns dos caminhos que constituem as subjetividades individuais, logo, a poesia só pode ser um interferente muito significativo na formação humana.

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Mas então por que a popularidade da poesia decaiu nos últimos dois séculos? Talvez porque tenha existido um descompasso entre o desen-volvimento estético da poesia e o desenvolvi-mento cognitivo dos leitores, de tal modo que a poesia foi se tornando um objeto de difícil compreensão até o ponto de um quase abando-no por parte dos leitores em geral, tornando-se um nicho de poucos especialistas ou de poucos simpatizantes. Pensar que ela já foi tão popu-lar quanto o “rock’n roll” num tempo em que a juventude burguesa compunha uma cultura romântica, ou seja, revolucionária ou ainda, no mínimo, rebelde. Quem consegue imaginar o movimento romântico sem poesia? Poesia era o trivial do movimento.

E o que se deve fazer hoje em relação a esse problema, talvez seja difundir tanto a poesia quanto suas estratégias de criação estética.

Quem sabe, mais ainda! Difundir estratégias de leitura, próprias do percurso gerativo de sentidos, como chamou Eni Orlandi. E é isso que faremos aqui. Assim, acompanhemos as ideias e as téc-nicas aplicadas na leitura de um texto em prosa, mas com estrutura absolutamente poética, de Carlos Drummond de Andrade.

Da Leitura

À leitura compreenda-se aqui como sendo todo o processo de produção de sentidos e/ou signifi-cação que, no âmbito hermenêutico, empreende esforço que vai da decodificação à interpreta-ção. Neste sentido, tomamos em conta que aí estão, segundo Orlandi¹, três níveis, a saber: o inteligível, o compreensível e o interpretável.

“a) o inteligível: ao que se atribui sentido atomiza-damente (codificação);

b) o compreensível: é a atribuição de sentidos, considerando o processo de significação no contexto de situação, colocando-se em relação enunciado/enunciação (coesão);

c) o interpretável: ao que se atribui sentido, levando-se em conta o contexto linguístico. ” (Orlandi:1991:73)

¹Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi – escritora e doutora em Linguística pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade de Paris / Vincennes (1976) – Aqui fazemos referência a seu texto publicado em “O in-teligível, o interpretável e o compreensível.” In: ZILBER-MAN, R.(org.) Leitura, perspectivas interdisciplinares. São Paulo: ática, 1991.

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e as técnicas aplicadas na leitura de um poema de Carlos Drummond de Andrade.(colar material que está pronto.)

Ao tomarmos estes níveis de leitura como referência para descrição do processo de lei-tura (da leitura textual à leitura de mundo), en-tendemos que nossa proposta teórica parte de um campo morfo-semântico para, no sintagma, recuperar os sentidos sígnicos que a realidade nos propõe e, assim, observar que o texto se descortina a partir de certo percurso:

a) Neutralidade: em que vemos os signos fora de seu contexto (evidenciando-os em seu eixo paradigmático);

b) Reflexo/refração: onde observamos as rela-ções entre signos, e as possibilidades de signifi-cação que vão ganhando, ou ainda o que chama-mos de entrelinhas discursivas, a fim de garantir coesão textual;

c) Encadeamento (ideologia/crença): Aqui obser-vamos o eixo sintagmático de modo a podermos inferir pressupostos ou subjacências discursivas, ou ainda o que chamamos de para-além-das-linhas do discurso (contextualização).

A título de exemplificação tomemos o texto de Drummond: Desta água não beberás que, em-bora seja prosáico, possui estrutura altamente poética – síntese sintática para explorar uma amplitude de sentidos, ou seja, escrever pouco para querer dizer muito; divisão paragrafal semelhante à divisão estrófica; estruturação de períodos como fossem versos, sonoridade prosa-ica típica das opções poéticas drummondianas; ritmo poético; chave de ouro; etc.

Desta água não beberás

“– Por que Demétrio não se casa? Era a inda-gação geral! Demétrio namorava, noivava, não casava. Sete dias antes do casamento, olha aí Demétrio fugindo. As versões eram múltiplas. A noiva é que o despedira. Tiveram uma briga feia. Gênios incompatíveis. Mal secreto. Intrigas.

Demétrio continuava a namorar, noivar e não casar. Não lhe faltavam noivas, pois era agradável, tinha status. Quanto mais se desmanchavam seus projetos de casamento, mais apareciam mulheres dispostas ao desafio, exclamando:– A mim ele não deixa na porta do Mosteiro de São Bento. Deixava. E quanto mais deixava, mais seu prestígio crescia. Concluiu-se que era sua ma-neira de afirmar-se.Então Livaniuska decidiu enfrentá-lo. Noivou com ele e, uma semana antes do casamento, deu-lhe o fora solene. Demétrio quis reagir, ex-plicou à repórter social que ele é que tomara a iniciativa, mas a mentira foi patente. Livaniuska foi contratada como atriz por uma emissora de TV e ficou célebre.

Daí por diante ela repetiu a carreira de Demé-trio, noivando e desmanchando com inúmeros cavalheiros. No fim de cinco anos, Livaniuska e Demétrio casaram-se para sempre, como era fácil de prever mas ninguém previu.”

(ANDRADE, Carlos Drummond. In: Carlos Drummond de Andrade. Prosa e Poesia,

volume único. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p.1258 ).

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Como é possível observar, temos, no campo dos códigos, a necessidade de certas observa-ções que considerem:

a) o nome das personagens e seus possíveis atributos (Demétrio origem grega e Livaniuska origem Russa);

b) o uso dos verbos designando sentidos especí-ficos de tempos (pretérito imperfeito do indica-tivo para ações de Demétrio e pretérito perfeito do indicativo para as ações de Livaniuska – do ponto de vista dos códigos há que se saber das relações do imperfeito como ações inconclusas e, o perfeito, ao contrário, ações concluídas, o que define textualmente a personalidade das personagens a que se referem;

Estes dois aspectos nos revelam o caráter her-menêutico da decodificação e seus níveis de profundidade. Reconhecer os códigos significa já colocá-los em um campo de interpretação. Neste nível pode-se observar no texto elemen-tos que nos remetem a uma investigação do contexto lingüístico na trilha da coesão que o texto apresenta. Vale dizer que saímos da neu-tralidade morfológica para adentrarmos em um campo de relações semânticas que nos passa a desvelar as subjacências do sentido:

a) a referência grega do nome Demétrio nos joga para uma possibilidade interpretativa que coloca em jogo valores que refletem historica-mente o potentato masculino, a tradição patri-arcal que se desdobrou através dos tempos; enquanto o indício revolucionário presente no substantivo próprio Livaniuska revela valores de transformação, revolução que desloca po-deres e estabelece uma nova ordem;

b) Para justificar tal transformação nas rela-ções, os verbos, de modo coeso, garantem uma certa lógica interna na qual a figura de Demé-trio aparece debilitada em sua capacidade de tomar decisões, sujeito indeciso e conformado, imóvel e redundante, além de previsível, está refletido no pretérito imperfeito do indicativo apontando suas ações. Já Livaniuska apresen-ta um caráter forte, mulher decidida que age com propósito de transformação e o pretérito perfeito é aquele que expressa isso muito bem. É o caráter psicológico das personagens que aí se desenvolvem (na trama da articulação verbal) e se revelam diante da coesão textual. Se o verbo reflete a condição psicológica das personagens, por outro lado refrata tais ações garantindo a transformação social que inten-cionalmente o texto pretende evidenciar.

Podemos então compreender as idéias em seu processo de contextualização, no campo de encadeamento sintagmático, ou seja, nas relações que se estabelecem entre o texto e seu contexto:

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a) Demétrio como representação do domínio masculino sobre o mundo patriarcal vê seu reinado desmoronando diante da revolução promovida por Livaniuska. A fábula drummon-diana faz referência às transformações sociais pelas quais a sociedade passou, e passa ainda. A tomada de espaços da mulher no mundo contemporâneo revela-se, senão como uma revolução no seu sentido mais profundo (muito ainda há que mudar, os espaços foram ora con-quistados, ora cedidos, etc.), como um sinal de grandes modificações éticas. Da técnica es-tética (no domínio formal da língua, no estilo, etc.), o texto nos conduz a um campo valorativo que procura empreender um esforço de reflexão sobre tal processo;

b) É pelo aspecto ético que se pode com-preender a imaturidade das ações de Demétrio que representa, um tanto, o próprio modo como o homem foi conduzido da ascensão à “queda”. Dos valores fundadores e tradicionais, herança grega, resta apenas um turbilhão que passa por sobre um sujeito de ações indefinidas e irresponsáveis. Ao mesmo tempo indica uma mulher, representada em Livaniuska, que, pela necessidade, coloca-se na condição determi-nada e determinante da revolução. A fábula aí de novo é pontual: se o hábito faz o monge, o desejo modifica o rito.

E já então podemos compreender a lógica que regula o texto. É a organização macro estru-tural do texto se articulando e revelando seu

caráter coerente tanto da produção artístico-literária, quanto da produção de sentido ne-cessária para se embarcar em tal viagem. Do inteligível ao compreensível, da neutralidade ao encadeamento, da estética à lógica, há um es-paço de produção que deve ser explorado.

Aqui ainda muito mal-traçadamente se esboça um desenho de tal tentativa. E acompanhar este desenho pode permitir ao leitor realizar, na leitura de poemas ou de quaisquer textos de na-tureza literária, um percurso que gera sentidos, ou seja, que promovem um entendimento pro-fundo dos sentidos expressos na arte literária e poética.

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Papirus nº0 apresenta poemas de Alexandre Dias Paza. Poeta, contista, ensaísta e professor de teo-ria literária.

Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, já publicou os livros de poesia O Santo do Pau-Oco, Outras Barrocagens e Tiros a esmo, to-dos pela Cameloteca Iconográfica, selo do autor.

Recebeu menção honrosa no XII Prêmio de Poe-sia Asabeça 2012 com o Livro “A velha poesia novinha em folha” no projeto que iniciou e que nomeia “Toda a poesia fora da gaveta”.

Foi editor responsável pela R_e-m_L Revista e-mail Literário – que circulou pela Internet (via e-mail) durante o ano de 2008 com 1.500 en-vios e 5 seções – total de 7.500 distribuições para poetas, artistas, professores e alunos de literatura no Brasil.

Atua em três áreas – que para ele se inter-relac-ionam: literatura, ciência e formação profissional.

É criador e editor chefe de Papirus – a poesia em revista.

Conheça os poemas e leia o que pensa o poeta sobre sua produção aqui na seção Interlúdio.

Alexandre Dias Paza tem publicados, na área literária, os seguintes títulos:

• Um dia de sol. São Paulo: Editora Vozes da Infância, 1984. • Caminhos da Poesia. São Paulo: Editora do autor, 1997.• O Santo do pau-oco, outras barrocagens e tiros a esmo – Poemas. São Paulo: Ed. Cameloteca Iconográfica, 2006/07.• O Santo do Pau-oco – Poemas. São Paulo: Editora Cameloteca Iconográfica, 2012.• A velha poesia novinha em folha. São Paulo: Editora Cameloteca Iconográfica, 2013 (menção honrosa no XII Prêmio Asabeça de Poesia - no prelo)

Saiba um pouco do nosso poeta em destaque

Interlúdio Apresentao Poeta Alexandre Dias Paza

Por Editorial

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Pa laPa la vraPa la toPa la di noPa la cia noPa la fi taPa la le la Pa la çoPa la vrãoPá la!! DeixaPa lá!

Aqui uma seleção de 7 poemas deAlexandre Dias Paza – poeta convidado

Poemas de Alexandre Dias Paza

Herança pós-medievo (ou: se Belo...) GÜELA (in allegro andante)(M’olhai c’olírio dos Campos)

ah, meu verso é coxo e não comporta o novo, é turvo e curto trocadilho gasto espaço exíguo estorvo estético repuxo

o qual repete o dito e tal compele o viço carne de pescoço in poemeto sucursal

Imagem na PoesiaConstrução mental evocada pelo poema ou parte dele e que somada às sugestões inusitadas do imaginário humano compõem visualmente a percepção, a compreensão e a interpretação que os indivíduos leitores realizam no contato com a poesia, seja ela de que natureza for. Num mundo em que a imagem abunda teleologizada, e no excesso se lambuza em banalização, na poesia a inteligência se vê estimulada em pura imagem-imaginação.

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(Para Alice Ruiz)

Ai... ...CaisGramaticais

Ihaja feitohaja ditohaja visto

IIhaja granahaja orelhahaja vista

British sonetelho (a Augusto dos anjos)

eus, trindade carboníferabeatificada no silíciopotência mnemônicade maquinóico helicoidalentre vermes carnívocos evírus digitativos consumimo-nosem sub-extratos porosos anti líquidos e hídrios plásticos humores assim, pela Desarte tecnológico-designmergulhamos full gases nabusca da sintaxe redentora quepor meio de pixels e bits, componentes e circuitos, reveler-se-á autofágica como uma esfinge edipiana

Poema em LCD

Que poesiaquando da-boaé híbrida linguagem

Na melodiado verbo flutuaescaneando a imagem

Já bem fundadamaquina a imaginaçãoe luminosa, inundada,reverbera um refrão

antigo mas reformadolitúrgico e desengonçadopropedêutico, sem-vergonhosapo demonho

de que limbo não sei:“Meu pai foi rei!”

Musicalidade poéticaSonoridade composta verbalmente, na poesia, a música emana de letras, palavras, estruturas sintáti-cas, arranjos poéticos com ou sem versos de modo a embalar rítmica ou arritmicamente a construção dos sentidos percorridos na leitura de poemas. Contemporaneamente, é no conflito entre a assonân-cia e o dissonante, a harmonia e o ruído que se pode sentir a revitalização do verso. “Não mais o verso como essência poética, mas o verso como potência expressiva do verbo à disposição da imagem sonoriza-da na poesia”.

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Eulírico, presbiruta (a Ferreira Gullar)

O eu líricoNão cabe maisNo poema

n U poemaNão cabe o [ sujeitimNão cabe o liris{ }mim

ocO poema ] s{ó} [com porta ]sua cova cínica e sinistraseu corpo ] decomposto e pútridonosso ex-pelho ] trincadentro e desformante

O poema, senhores, já fé de já Che ira

Ética para a poesia contemporâneaO poeta expressa em sua arte percepções e juízos do humano atuando em seu mundo. A mensagem poética anuncia valores. Por isso, posicionamento é o termo que define a ética necessária para a poesia hoje. Posi-cionamento em relação ao mundo, posicionamento em relação à arte, posicionamento em relação a si e aos outros, posicionamento em relação a tudo. Assim como não há signo neutro, não pode haver arte neu-tra. Sem posicionamento não há ponto de vista por onde observar e construir valores. Eis a relatividade ética da poesia!

Estética contemporânea Maneira pela qual os poemas – ou outra expressão artística – são organizados a fim de imprimirem sen-sações que a preencherão de sentido especial, fora do comum, de modo a estabelecer o valor artístico. Contemporaneamente, a arte poética possui tendên-cia a se organizar por meio da parataxe, de formas mosaicas, caóticas, repetitivas ou por expressões decompostas, cada qual promovendo sentidos dife-rentes para aquilo que se quer dizer na obra esteti-camente construída. Também há uma valorização em buscar atualizações das formas utilizadas em épocas passadas compondo novos sentidos para a memória artística em sua historicidade, o que se nomeia, gros-so modo, de arte retrô.

Aparência perceptiva da poiésis do mundoTudo aquilo que, aos olhos dos artistas ou poetas, ganham um sentido expressivo digno de se tornar tema ou assunto (mote) de suas obras ou poemas. É na existência perceptiva do contato com o mundo que os poetas encontram motivos para produzirem. O olhar dos poetas, como os de um fotógrafo, per-cebem o mundo de modo tal que podem traduzir sua percepção em expressões poéticas as quais são es-teticamente organizadas para permitirem aos outros reconstruírem a experiência pela leitura ou pela inte-ração com tal obra poética.

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Filme Noir

O tema é recorrente.Na poesia tudo recorreEscorre pela parede.Mas o que sucede É a grande bunda do mundoQue passou inda pouco por mimComo um ser ectoplásmicoSorrindo e se insinuandoEm um balanço cadenciado de samba

Ela, a grande bunda do mundo,Passou por mimE não pude deixar de me excitarCom sua insinuaçãoEntumeci e ponto!

As suas carnes eram vísceras purasEmbora moscadas no-em-redorDe sua putrefação fétidaCor-de-sujo-carmimSuas ancas deixaram tesoEu, moribundo nefasto e nefando,Daqui das réstias-terras-tupiniquins

Eu moribundo, ela pútria carneO fedor era o mesmo-igual-dos-doisFedíamosE nos amamos ali no Mau cheiroQue exalava em alma que fomosTornando-se vapor aspirável para todo o resto

Eu e a Bunda do MundoO que fizemos não foi carnaval. Não! Foi carnificina que se espalhou em fluído Malcheiroso se misturando ao odor do bom-mundo-mauE tudo numa flatulência sóAssim trac!Pronto nos amamosEu e a Bunda do MundoAli rodopiandoEntre os vermes de D’os AnjosQue aplaudiam efusivosEnquanto o onanismo vigoravaComo pedido de bis praqueleamortodo

E no fim, como gás venenoso solfejandoUma canção vagabunda de filme-B-do-outro-lado, Vieram os créditosMuito bem creditadosNa conta dum filhodaputaqualquer em banco suíço.

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O que pensa o poeta sobre sua própria criação.

A voz do poeta

Gosto de explorar as fronteiras entre a sintaxe e a parataxe. O resultado disso me permite produzir muitos jogos com a linguagem. Por exemplo, um conjunto de três versos pode funcionar como um desvio de trilhos brincando com a possibilidade do choque entre trens (a imagem é cinematográfica na poesia também!). Assim, atuando no interior do poema, eles desviam ou resgatam, chocam ou dispersam os sentidos de acordo com minhas intenções. Isto cria a perspectiva de brincar com o poema de modo tal que posso, mantendo o mesmo jogo sintático, provocar mudanças de sentidos até beirar a vertigem ou a desorientação, provocando o leitor, de um lado, e, de outro, ampliando a potencialidade poética de um tema qualquer.

Deslocar a ideia da parataxe até os limites da morfologia a fim de desconstruir e/ou reconstruir palavras é coisa que trago comigo como herança concreta. E da morfologia vou à pontuação e à simbologia subvertendo tudo de modo a obter efeitos sinestésicos cada vez mais radicais. Vertigem e desorientação aqui são intencionais. Provocação pura, a ideia é essa. E com um pouquinho de esforço cognitivo e perceptivo, de brinde, o leitor leva o rompi-mento com a obviedade dos discursos que cir-culam insistentemente no mundo. Basta mudar um ponto para a afirmação tornar-se dúvida!

Poesia é música e minha orientação é essen-cialmente musical. A sonoridade das palavras

e das sentenças cria constantes situações em que me divirto e me desvirtuo quebrando

ritmos ou, ao contrário, sincopando frases de modo a obter, sempre, o efeito sonoro

desejado, seja ele de quebra ou de construção, de desarranjo ou de harmonização.

Venho de uma formação essencialmente romântica. Fui educado por românti-cos resistentes no interior de uma ditadura. Isso deixou sequelas irreparáveis. Tenho que me esforçar muito para romper com ideias tais quais: sujeito, nacionalismo, dialética, liber-dade, igualdade

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li aMusicalidade poéticaVeja aqui os concursos e prêmiospromovidos por Papirus

Por Editorial

Papirus – a poesia em Revista tem como uma de suas missões a de revelar os talentos ocultos pelas universidades brasileiras. Para tanto, estamos lançando dois concursos muito importantes para que estes jovens talentosos espalhados por esse Brasilzão possam

mostrar ao que vieram neste mundo. Trata-se do 1º Prêmio Poesia Revelação Papirus que irá publicar as obras vencedoras conforme esclarecido em edital e do 1º Brasil Projetos – Leitura em Foco, que premiará projetos didáticos de alunos ou grupos de alunos de universidades brasileiras em que se desenvolvam estratégias de ensino para aprimorar ou aproximar alunos do ensino fundamental e médio da literatura brasileira, tudo de acordo com o edital. Assim, jovens artistas e jovens professores terão a oportunidade de apresentar ao país seus projetos e colaborar para fomentar ações que vão dinamizar a cultura juvenil universitária e, do mes-mo modo, estimular ações de melhoraria na qualidade do ensino da língua e da literatura maternas.

Acesse nosso site e saiba como participar:www.papiruspoesia.com.br issuu.com/revistapapiruspoesia

e fraternidade, entre outras tantas próprias da velha modernidade. Mas um certo messianismo, de qualquer forma, permanece na lógica com que construo minha visão de mundo. A reboque disso creio que fica a necessidade de me posicionar no mundo. E é dessa ironia subjetiva que verte toda a ironia poética e paradoxalmente cética presente no meu trabalho. Acabo achando que essa réstia romântica é um mal necessário.

Poesia é som, poesia é imagem: poesia é filme feito com palavras paraum cinema mental.Leia Camões!

Qualquer tema na minha pena ótica e pan-óptica ganha um caráter beligerante. A ideia

de Quixote se apresenta como um “atrator estranho” no interior de minhas subjetividades identitárias. E isso define uma característica

poética aparentemente engajada numa luta insana e sem fim. Estou sempre lutando com

algo e meus poemas refletem esse fenômeno, o que é, no mínimo, esquizofrenia herdada dos

velhos românticos, meus mestres escolares.

Um dos meus esforços está concentrado em me manter alinhado com a nossa história literária e poética. Penso que a história aqui está posta num sentido benjaminiano: o passa-do, o presente e o futuro coabitando o mesmo centro gravitacional. É assim que outros poetas dialogam comigo. Gregório de Matos e Augusto dos Anjos são os que mais me perseguem.

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V itaminados

Apresentamos aqui algumas das muitas faces da poesia. É só escolher e saborear.

Toda a arte está sempre elevada à potência poética

Por Emílio Peliculano

A Poesia Audiovisual

- O Carteiro e o Poeta

Não é apenas o enredo e o título que fazem de O Carteiro e o Poeta um poema audiovi-sual liricamente produzido. Filme dirigido por Michael Radford sobre a amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda (Philippe Noiret) e um humilde carteiro (MassimoTroisi) que deseja aprender a fazer poesia, esta obra de arte cinematográfica transborda plasti-cidade poética, seja na música (vencedora do Oscar), na fotografia, na temática ou na paisagem de uma certa ilha italiana. Sem dúvida, temos aqui uma primazia estética pra lá de vitaminada.

- Meia noite em Paris

Se entendermos que o imaginário se apre-senta como a grande fonte geradora de toda a produção poética, seja lá em que linguagem ela se materialize plasticamente, poderemos compreender de que forma a produção de Woody Allen tem composto um vasto mate-rial poético audiovisual. Entretanto, o mestre se supera. Meia noite em Paris pode ser lido em muitas perspectivas e em todas elas a poesia rutila. Podemos destacar aqui as belís-simas imagens de uma Paris chuvosa ao som do clarinetista Sidney Bechet – ingrediente que, seja para quem conhece ou para quem nunca esteve por lá, recheia o imaginário de sonhos – e as lições de história da arte que o filme apresenta de maneira muito peculiar, com sucessivas viagens no tempo num tom de realismo fantástico surpreendente. Com Owen Wilson, Rachel McAdams e Michael Sheen, o filme é vitamina pura.

Poesia Plástico-visual - Metabiótica

Alexandre Órion, em seu trabalho Metabiótica, pro-duz uma série de imagens-poema inusitada e reve-ladora. O artista plástico nos apresenta um painel criativo em que pintura – uma espécie de grafite rupestre, uma vez que está inscrita num ritual do cotidiano coletivo, interagindo com este – e foto-grafia, concomitantemente artística e jornalística, criam um campo imaginário de interferência na reali-dade apontando a tenuidade, a instantaneidade e a efemeridade com que nossas vidas se imprimem no tempo. Visite o site http://www.alexandreorion.com e confira mais esse vitaminado.

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Poesia Literária

- Vastas emoções e pensamentos im-perfeitos

Para o gênero poesia em prosa, este número de Papirus destaca a obra de Rubem Fonseca Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Romance policial composto por um jogo de histórias que se imbricam desenhando uma série de situações inusitadas, o livro imprime um circuito ficcional no qual a fantasia e a realidade se experimentam poeticamente. Numa lógica de hiperlinks, os capítulos con-duzem o leitor por labirintos que desafiam a imaginação sensível numa ambientação simultaneamente grotesca e lúdica. Rubem Fonseca, o cara é vitaminadão.

- Dois ou + corpos no mesmo espaço

Sim, na poesia tudo é possível. Arnaldo An-tunes, com o seu livro de poemas Dois ou + corpos no mesmo espaço, põe por terra as suposições simplistas do imaginário científico determinista e traz para o gênero poético o es-pírito relativista pós-moderno que povoa nos-sos tempos. Imagem poética e poesia imagé-tica vitaminam o silêncio e o branco a partir da herança concreta mesclada a um certo clima punk rock com os quais o poeta reveste este trabalho. E eis a obra que inscreveu Antunes na história da literatura de forma definitiva e clássica: por meio de um livro – apesar do CD que o acompanha.

Sonoridade Poética

- Samba do Lado

Poesia reversa ou reciclagem poética é aqui-lo que se pode sentir ao ouvir Chico Science e Nação Zumbi tocando Samba do Lado. A mistura sonora, a vitalidade musical e a alucinação rebelde, provocações puras para nossa sensibilidade estética, são marcas vi-síveis – ou audíveis – da renovação musical proposta em afrociberdelia, CD preciosís-simo no repertório de obras primas nacionais e, em Samba do Lado, isso fica “negritado”. Aí, se vitamina com essa!

Cyberpoesia

- Cronópíos

Insolitamente poético, o portal Cronópíos se apre-senta como um painel contemporâneo das artes em geral. O portal recebe material de novos escritores, lança textos inéditos, estabelece links com a galera que produz poesia e arte, apresenta ensaios e ainda tem uma TV todinha dedicada às artes poéticas e literárias. Quer mais vitamina:acesse: http://www.cronopios.com.br .

Vitaminados fica por aqui. Aproveite para acessar nosso site e comentar suas opiniões sobre a revista e também relatar o que viu de novo com as nossas dicas vitaminadas. www.papiruspoesia.com.br

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Veja aqui dicas de como driblar as famosas pegadinhasdo vestibular

Pegadinhas nunca mais!

Por Prof. Cândico Paixão

Embora muitos leitores já tenham passado por esta etapa na vida, certamente temos outros tantos que ainda devem se submeter ao ENEM e aos vestibula-res do mundo. Foi pensando neles que Papirus abriu esta seção com a finalidade de dar uns toques para ajudar a melhorar a performance destas criaturas. E faremos isso discutindo algumas estratégias para que vocês, que estão nessa condição, possam refletir com mais cautela quando o assunto é poesia.

Normalmente, as questões desta natureza ficam concentradas em torno de três aspectos muito es-pecíficos sobre os poemas. As perguntas são formu-ladas ou em relação ao entendimento do texto – ou seja, qual a compreensão e/ou a interpretação que o candidato foi capaz de realizar ao ler um poema; ou se referem à identificação de figuras de linguagem; ou ainda sobre características que, presentes no po-ema, descrevem ou identificam as escolas literárias.

Nessa edição, falaremos um pouco sobre o primeiro caso: a compreensão e interpretação de textos.Embora sejam questões de natureza fácil, elas con-fundem bastante e pegam o candidato desprevenido. São as famosas pegadinhas. E como elas são estru-turadas ou organizadas?

O mais comum é que apresentem um enunciado perguntando algo sobre o entendimento do texto e cinco alternativas das quais apenas uma é a correta. Sendo assim, quatro das alternativas virão tratando de bobagens, absurdos contextualizados para formu-lar equívocos da leitura.

Para esse tipo de questão é fundamental que você leia o poema e faça a compreensão e interpretação

dele independentemente das alternativas. Talvez até sem sequer passar os olhos por elas para não se deixar influenciar na leitura que fará. Se você não tem problemas com a compreensão e interpretação dos códigos poéticos não terá maiores dificuldades.

Uma vez que já tenha lido e entendido a mensagem do poeta, então leia as alternativas identificando pa-lavras ou frases que criam o absurdo da questão e, por eliminatória, vá fechando a resposta em torno da alternativa que não apresenta nenhuma dessas aberrações. Se você praticar um pouco esse tipo de estratégia, poderá realizar a tarefa com maior rapidez e seguran-ça. Acesse os links indicados aqui ou no nosso site e resolva questões deste tipo como uma das formas de treinamento. E lembre-se: se sair bem no vestibular é uma questão de persistência.

Sites indicados:

http://aprovadonovestibular.com/category/simulado

http://www.passeiweb.com/vestibular/provas/

http://www.mundovestibular.com.br/

http://questoesconcursos.blogspot.com/

No próximo número, abordaremos o tema Figuras de Linguagens. Até lá! E não deixe de fazer seus comen-tários sobre a matéria apresentada e sobre suas ex-pectativas em relação a esse assunto.

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