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OS CÍRCULOS DE SOLIDARIEDADE DE ALAIN SUPIOT E SEUS REFLEXOS NA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS Paola Flores Serpa 1 Antônio Leonardo Amorim 2 Profª. Drª. Ynes da Silva Félix 3 Resumo: O presente trabalho retrata os Círculos de Solidariedade abordado na obra “O Espírito da Filadélfia”, do renomado jurista francês Alain Supiot, publicada no Brasil em 2014, e sua ligação direta com a construção do conceito e aplicação da Justiça Social. Para a análise seqüente, é apresentado um panorama histórico e jurídico-cultural da aplicação do Princípio da Solidariedade no âmbito do direito internacional dos direitos humanos, através do conceito construído pelo referido autor, bem como sua influência direta e importância na aplicação e efetividade dos direitos humanos sociais, como valor básico e essencial para garantia da perpetuação humana. Assim, para o desenvolvimento da presente pesquisa foi utilizado o método dedutivo com base em uma pesquisa exploratória, descritiva, bibliográfica e documental, com intuito de apresentar a existência e a construção do Princípio da Solidariedade e sua importância frente aos desafios impostos para a efetividade da Justiça Social. Entre os resultados apurados durante a pesquisa, chegou-se a conclusão que o Princípio da Solidariedade não se refere apenas ao altruísmo individual, mas proporciona o prevalecimento do interesse coletivo sobre o interesse individual, e o interesse dos membros do grupo sobre o dos estranhos ao grupo, meio pelo qual os Estados devem continuar sendo os garantes dessa aplicação, principalmente quando se refere à solidariedade nacional. Todas as instituições que se apóiam nesse princípio estão em busca da formação de um interesse comum efetivo para a dinâmica da sociedade, em constante reformulação frente aos desafios atuais que cercam a comunidade internacional e a soberania dos Estados: os círculos de solidariedade. Palavras-chave: Solidariedade; Alain Supiot; Justiça Social; Direitos Humanos Sociais. 1 Mestranda em Direitos Humanos pelo programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Endereço eletrônico: [email protected] 2 Mestrando em Direitos Humanos pelo programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UFMS). Endereço eletrônico: [email protected] 3 Professora Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e professora permanente Pós-Graduação Stricto Sensu- Mestrado em Direito - da UFMS. Endereço eletrônico: [email protected] Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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OS CÍRCULOS DE SOLIDARIEDADE DE ALAIN SUPIOT E SEUS

REFLEXOS NA CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SOCIAIS

Paola Flores Serpa1

Antônio Leonardo Amorim2

Profª. Drª. Ynes da Silva Félix3

Resumo: O presente trabalho retrata os Círculos de Solidariedade abordado na obra “O

Espírito da Filadélfia”, do renomado jurista francês Alain Supiot, publicada no Brasil em

2014, e sua ligação direta com a construção do conceito e aplicação da Justiça Social. Para a

análise seqüente, é apresentado um panorama histórico e jurídico-cultural da aplicação do

Princípio da Solidariedade no âmbito do direito internacional dos direitos humanos, através

do conceito construído pelo referido autor, bem como sua influência direta e importância na

aplicação e efetividade dos direitos humanos sociais, como valor básico e essencial para

garantia da perpetuação humana. Assim, para o desenvolvimento da presente pesquisa foi

utilizado o método dedutivo com base em uma pesquisa exploratória, descritiva, bibliográfica

e documental, com intuito de apresentar a existência e a construção do Princípio da

Solidariedade e sua importância frente aos desafios impostos para a efetividade da Justiça

Social. Entre os resultados apurados durante a pesquisa, chegou-se a conclusão que o

Princípio da Solidariedade não se refere apenas ao altruísmo individual, mas proporciona o

prevalecimento do interesse coletivo sobre o interesse individual, e o interesse dos membros

do grupo sobre o dos estranhos ao grupo, meio pelo qual os Estados devem continuar sendo

os garantes dessa aplicação, principalmente quando se refere à solidariedade nacional. Todas

as instituições que se apóiam nesse princípio estão em busca da formação de um interesse

comum efetivo para a dinâmica da sociedade, em constante reformulação frente aos desafios

atuais que cercam a comunidade internacional e a soberania dos Estados: os círculos de

solidariedade.

Palavras-chave: Solidariedade; Alain Supiot; Justiça Social; Direitos Humanos Sociais.

1Mestranda em Direitos Humanos pelo programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

(UFMS). Endereço eletrônico: [email protected] 2 Mestrando em Direitos Humanos pelo programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato

Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

(UFMS). Endereço eletrônico: [email protected] 3 Professora Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e professora permanente

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1. INTRODUÇÃO

O conceito de solidariedade acompanha a evolução histórica da humanidade, e

permitiu influenciar, modificar, moldar e solidificar os rumos da civilização através de seu

aparato moral e ético. A ideia principal da importância do conceito de solidariedade está

presente no cerne do trabalho do renomado jurista francês Alain Supiot, o qual retrata os

Círculos de Solidariedade abordado na obra “O Espírito da Filadélfia”, publicada no Brasil

em 2014, e sua ligação direta com a construção do conceito e aplicação da Justiça Social.

Para essa análise, é apresentado um panorama histórico e jurídico-cultural da

aplicação do Princípio da Solidariedade no âmbito do direito internacional dos direitos

humanos, através do conceito construído pelo referido autor, bem como sua influência direta e

importância na aplicação e efetividade dos direitos humanos sociais, como valor básico e

essencial para garantia da perpetuação humana.

Na Constituição Federal Brasileira de 1988, já no Preâmbulo, é estabelecido que a

função do constituinte é de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício

dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,

com a solução pacífica das controvérsias.

Preconiza o artigo 1º da Constituição Federal, que a República Federativa do Brasil

é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a

dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo

político, como o estabelecimento assim de um terreno fértil para aplicação do Princípio da

Solidariedade.

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Dessa forma, é apresentado ao longo do artigo, a existência e a construção do

Princípio da Solidariedade e sua importância frente aos desafios impostos para a efetividade

da Justiça Social, com sua influência direta no ordenamento jurídico interno e seus reflexos na

sociedade contemporânea.

2. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

A palavra solidariedade sempre expressou o melhor lado do ser humano. O conceito

de tal palavra sempre foi associado ao sentimento de fraternidade e de caridade, solidificando

um significado que teve muito peso ao longo da história, seja na sua influência direta na base

das maiores religiões do mundo, como o cristianismo, seja no seu entrelaçamento natural

relacionado aos direitos inerentes ao homem. Atualmente, é impossível imaginar a

consolidação da justiça social sem uma consolidação reflexa do princípio da solidariedade nos

tratados internacionais, e até mesmo no ordenamento jurídico interno de cada país.

Ocorre, que o conceito de solidariedade tal qual conhecemos hoje também teve seus

percalços, e como é da natureza humana, na eterna dicotomia entre o bem e o mal, acabou por

servir de alavanca para certos interesses específicos daqueles que detinham o poder. A palavra

solidariedade em relação à religião esteve sempre correlacionada com o conceito de caridade.

Conforme acentua Cláudio de Oliveira Ribeiro (2010), o termo caridade, como

tradução da expressão bíblica do amor humano, ativo e solidário, de fato, acabou por ser

desgastadas devido às conhecidas práticas de assistencialismo na história das igrejas e dos

grupos influenciados por essa perspectiva. No Brasil, em especial pela concepção autoritária e

verticalista presente na cultura popular e das elites, o clientelismo ou as práticas desprovidas

de análises mais críticas prevaleceram em relação ao funcionamento da sociedade.

Todavia, a confluência do aumento dos níveis de pobreza e de desigualdades

sociais com as reflexões em torno das incertezas quanto ao processo social

fez com que novas práticas e concepções surgissem. Nessa perspectiva,

multiplicaram-se os movimentos e os grupos de solidariedade, com os mais

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diferentes matizes e planos de ação. Tais iniciativas, de forma deliberada ou

não, tendem a mobilizar setores amplos da sociedade, não se restringindo aos

eclesiásticos, por vezes sem capacidade para superar as práticas meramente

assistencialistas. A tradição bíblico-teológica cristã apresenta a experiência

de diakonia como síntese entre as ações humanas destituídas de interesse

político objetivo (como a caridade bíblica) e aquelas que, por serem

globalizantes e com ênfase na alteridade, sinalizam a compreensão utópica

do Reino de Deus (como as ações de solidariedade). Enquanto a

solidariedade caracteriza-se por ter o seu horizonte de resultados no tempo

presente, a diakonia, como ação comunitária e participativa, inclui e

ultrapassa a solidariedade, pois o seu horizonte de resultados encontra-se no

tempo utópico (RIBEIRO, 2010).

A solidariedade nada mais é que um valor ético-moral, e no âmbito jurídico ela é

considerada um princípio. De acordo com a professora Dra. Elza Antônia Pereira Cunha

Boiteux (2010, p. 20), da Universidade de São Paulo, todo valor se funda num dever ser, mas

este dever ser não é dirigido à vontade de alguém, é um dever ser puro e ideal. Cita ainda

Miguel Reale, no qual o pensamento clássico não fez a distinção entre valor e fim. O valor é

sempre bipolar porque a um valor se contrapõe um desvalor, por exemplo: ao bom se

contrapõe o mau; ao belo, o feio; ao nobre, o vil, de forma que o sentido de um exige o do

outro, são assim entidades vetoriais que apontam para um determinado ponto reconhecível

como fim. Assim, o fim é o dever ser do valor reconhecido racionalmente como o motivo do

agir. Portanto, tudo aquilo que vale, vale para alguém. Outros definem a solidariedade como

um sentimento, isto é, algo que pertence à ordem da existência, é uma relação concreta entre

coisas.

Este tipo de conhecimento não se dá pela razão, mas nos é dado pela

intuição. Assim, a solidariedade como sentimento está ligada a valores que

se aprendem intuitivamente. Segundo Pascal, os sentimentos podem ser

negativos ou positivos, mas são apreendidos por meio do espírito da finesse.

Por exemplo, a indiferença consciente é um sentimento negativo (é o

desprezo), mas a generosidade é um sentimento positivo. Este raciocínio foi

retomado por Adam Smith, no século XVIII, vinte anos antes de escrever a

Riqueza da Nação. No livro Teoria dos sentimentos morais; ele funda a ética

no conceito de simpatia (BOITEUX, 2010, p. 20).

Em concordância com Maria Luiza Milani (2004, p. 372), sempre existiu uma

relação intrínseca entre os fundamentos do humanismo com os princípios inerentes da

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solidariedade, e destaca que durante o processo sócio-histórico, nem sempre os homens se

preocuparam com as questões inerentes aos fundamentos do homem, porém, interagiam sob

os princípios da solidariedade através da ajuda mútua, como valor básico para a sobrevivência

da própria espécie, ou seja, partiam de um princípio individual em busca de um bem comum.

A reflexão sobre solidariedade foi retirada, inicialmente de autores clássicos,

com posições político-ideológicas divergentes. Pedro Alejovitch Kropotkine

(1842-1921), nascido em Moscou, Rússia, contemporâneo de Emile

Durkheim (1988) (Alemanha) e Karl Marx (Alemanha). A seu modo cada

um dos três concebe uma posição sobre o princípio da solidariedade.

Kropotkine escreve “Ajuda Mútua”, baseado no instinto cooperativo

observado entre os siberianos. Durkheim trata do direito, onde mostra a

solidariedade mecânica e a orgânica e Karl Marx, em sua teoria social

produzida sobre a sociedade burguesa capitalista, destaca a luta de classes

onde a solidariedade se explicita entre os integrantes de uma mesma classe.

Posteriormente, os referenciais para entender a solidariedade no contexto

contemporâneo, foram recorridos às obras atuais que versam sobre o tema.

Vale destacar que os novos debates sobre solidariedade renascem no final da

década de 90, mais precisamente no ano de 2000 em diante, revelando que

por longo período este conceito não merece atenção por parte dos

intelectuais e ideólogos.

O filósofo francês Comte-Sponville (apud BOITEUX, 2010, p. 20) aproxima a

solidariedade à compaixão e à simpatia, mas vai além de Adam Smith para explicar que a

compaixão significa sofre com, enquanto simpatia caracteriza-se pelo sentir com. Os

sentimentos não representam o destino imodificável, não são deveres que possam ser

impostos, mas o ser humano pode ser educado e aprender a senti-los. Os sentimentos não

representam o destino imodificável, não são deveres que possam ser impostos, mas o ser

humano pode ser educado e aprender a senti-los.

A solidariedade seria, portanto, uma força que unifica os seres humanos, mas não

leva a uma comunidade universal que decorre da unidade do gênero. A Declaração Universal

dos Direitos do Homem foi a primeira tentativa de construção de uma comunidade universal

ao afirmar em seu artigo 1º, “que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e

direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros em

espírito de fraternidade”.

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Em relação ao Princípio da Solidariedade como terceira dimensão dos Direitos

Fundamentais, aqueles advindos da Fraternidade, Carla Sofia Pereira (2010) destaca trecho da

obra de Paulo Bonavides (2003, p. 570), o qual cita o jusfilósofo colombiano Etiene-R.

Mbaya:

O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto ao Estado como indivíduos,

segundo assevera o próprio Mbaya, o qual acrescenta que relativamente a

indivíduo ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação

adequada. Admite que a descoberta e a formulação de novos direitos são e

serão sempre um processo sem fim, de tal modo que quando „um sistema de

direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade

que devem ser exploradas‟. Com base nessa constatação, proclama o jurista

adequação e a propriedade da linguagem relativa ao reconhecimento de três

gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.

Ainda em relação a ligação existente entre solidariedade e fraternidade, Elza Antonia

Pereira Cunha Boiteux (2010, p. 20) afirma que após a Revolução Francesa, o recurso à

fraternidade serviu para restabelecer a unidade nacional de modo a isolar a moderação do

extremismo e não comprometer a dimensão humanística e totalizante da República. Dessa

forma afirma-se que a fraternidade é a solidariedade horizontal entre cidadãos livres e iguais,

a qual seria a manifestação mais completa da virtude como renúncia ao interesse privado, e

fez com que a ética revolucionária interligasse entre a virtude como sacrifício de si e

fraternidade como solidariedade direcionada ao próprio grupo de referência.

Durkheim (1988 apud Boiteux, 2010, p. 20) mostrou que a solidariedade

característica das sociedades modernas é a chamada “solidariedade orgânica” ou

“solidariedade devida a divisão do trabalho social” em que a coesão social é fundada sobre as

diferenças e nas semelhanças que completam reciprocamente. Quanto mais os membros de

um grupo se distinguem, mais eles são indispensáveis uns aos outros. O fortalecimento da

individualidade corresponde exatamente ao fortalecimento da unidade social.

Em consonância com Luciana Poli (2015, p. 217), através do pensamento crítico de

Honneth, o processo de solidariedade caracteriza-se como a estima social em Hegel e George

Mead, sendo determinadas por fatores socioculturais do grupo, como um conjunto de valores

considerados superiores, presentes em determinados indivíduos do grupo.

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A solidariedade está ligada ao pressuposto de relações sociais de estima

simétrica entre sujeitos individualizados (e autônomos); estimar-se

simetricamente nesse sentido significa considerar-se reciprocamente à luz de

valores que fazem as capacidades e as propriedades do respectivo outro

aparecer como significativas para a práxis comum. Relações dessa espécie

podem se chamar solidárias porque elas não despertam somente a tolerância

para com a particularidade individual da outra pessoa, mas também o

interesse afetivo por essa particularidade: só na medida em que eu cuido

ativamente de que suas propriedades, possam se desdobrar, os objetivos que

nos são comuns passam a ser realizáveis (HONNETH, 2003, p. 210-211

apud DANTAS & FERREIRA, 2015 p. 307).

Em comparação no mundo social, a solidariedade não decorre do instinto, mas de

uma ideia racional, segundo a qual a sobrevivência do todo depende da relação de todos os

cidadãos entre si ou da sociedade, tomada aqui como o conjunto de cidadãos, com qualquer

deles. De acordo com Celso lafer (2008, p. 33), existe um parâmetro entre solidariedade e

amizade, como condição para a paz universal, e conseqüente relação amistosa entre as nações:

Neste sentido, o espírito da fraternidade consagrado no artigo I da

Declaração Universal exprime uma postura que aprofunda a noção clássica

da amizade- a de filia- a ela agregando a aspiração da solidariedade

horizontal. Neste sentido o espírito da fraternidade consagrado no artigo I

contesta a relação política concebida como uma relação amigo/inimigo e é

uma instigação ao “desenvolvimento das relações amistosas entre as nações”

(LAFER, 2008, p. 33 apud BOITEUX, 2010, p. 22).

A solidariedade humana, na complexidade de seu conceito, acaba por refletir a

própria natureza humana, sendo sua utilidade para a comunidade internacional de grande

valia, quase uma ponte que liga as nações com o objetivo de um bem comum, mesmo que em

sociedades que possuem valores diferentes, e este é o grande triunfo desse princípio.

3. A SOLIDARIEDADE NO ÂMBITO JURÍDICO E A BUSCA PELA JUSTIÇA

SOCIAL

A Constituição Federal Brasileira preconiza, em seu art. 3º, que constituem objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e

solidária. O princípio da Solidariedade é fundador do Direito da Seguridade Social, inclusive

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o Direito Previdenciário, especialmente em um sistema de Repartição Simples como o adoto

no modelo brasileiro.

Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo (2007), a solidariedade como categoria ética e moral

a qual de projetou no mundo jurídico, significa um vínculo de sentimento racionalmente

guiado, limitado e autodeterminado que se compele à oferta de ajuda, e apóia-se a certos

interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. A

solidariedade cresce de importância na medida em que permite a tomada de consciência da

interdependência social.

É possível também interpretar a solidariedade com sentido contrário a gratuidade.

Enquanto a Gratuidade é o ato de se dar algo ou prestar ajuda sem esperar nada em troca, sem

interesse ou vantagem, a solidariedade é completamente diferente, esta busca readequar o

egoísmo de cada cidadão, que na sua vida privada visa sempre obter vantagem. Dessa forma

entende Eduardo Koetz (2016):

Por outro lado, o princípio da Solidariedade lhe promete apoio em caso de

necessidade, sendo que se este indivíduo sair de uma condição financeira

estável e normal para uma condição que sua atividade laboral esteja

prejudicada por algum risco social, a Seguridade Social irá lhe proteger

fornecendo apoio necessário para tratar sua saúde e prover suas necessidades

básicas. Diferentemente do que se pensa em um primeiro momento, a

Solidariedade não é apenas um altruísmo individual, mas sim um sistema de

conciliação de egoísmos privados em busca de interesse comum.

Nesse mesmo sentido, Martinez (1998) afirma:

Solidariedade quer dizer cooperação da maioria em favor da minoria, em

certos casos, da totalidade em direção a individualidade. Dinâmica a

sociedade, subsiste constante alteração dessas parcelas e, assim, num dado

momento, todos contribuem, e noutro, muitos se beneficiam da participação

da coletividade. Nessa ideia simples, cada um também se apropria do seu

aporte. Financeiramente, o valor não utilizado por uns é canalizado para

outros.

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De acordo com Machado Segundo (2009, p. 60), ao relacionar positivismo com a

natureza humana, cita um trecho da obra de Alain Supiot, o qual acredita que o erro profundo

dos juristas que acham realista expulsar as considerações de justiça da análise do Direito é

esquecer que o homem é um ser bidimensional, cuja vida social se desenvolve a um só tempo

no terreno do ser e do dever-ser.

(...) O Direito não é revelado por Deus nem descoberto pela ciência, é uma

obra plenamente humana, da qual participam aqueles que se dedicam a

estudá-lo e não podem interpretá-lo sem levar em consideração os valores

por ele veiculados. A obra jurídica atende à necessidade, vital para toda

sociedade, de compartilhar um mesmo dever-ser que a preserve da guerra

civil. As concepções de justiça mudam, evidentemente, de uma época para

outra e de um país para outro, mas a necessidade de uma representação

comum da justiça em certo país e época não muda. O Direito é o lugar dessa

representação, que pode ser desmentida pelos fatos, mas confere um senso

comum à ação dos homens (SUPIOT, 2007, p. 24 apud MACHADO

SEGUNDO, 2009, p. 61).

A questão é muito mais complexa quando falamos da solidariedade no âmbito

jurídico. Segundo Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux (2010, p. 22) a questão é relacionada

com a obrigação solidária dos contratos no direito civil, a qual assim se caracteriza quando,

havendo vários devedores, todos são obrigados à mesma prestação. Ou quando cada devedor,

isoladamente, deve a totalidade da obrigação. Em ambos os casos, o que importa não é a

comunhão de fins, mas o fato de que os devedores estejam obrigados no mesmo grau, de

forma que a prestação de um aproveita a todos os outros em face do devedor. Assim, se não

existe entre as obrigações igual graduação ou igual valor não haverá obrigação solidária,

apesar da identidade de interesse do credor.

A solidariedade é, portanto, um princípio jurídico que diz respeito à relação dos

integrantes de um conjunto entre si, e da relação do todo com cada uma das suas partes. Este

princípio foi integrado a Constituição brasileira em vários dispositivos, de forma que Fábio

Konder Comparato (2006, p. 577-581) afirma ser a solidariedade “o fecho da abóbada do

sistema de princípios éticos, pois complementa e aperfeiçoa a liberdade, a igualdade e a

segurança”.

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4. OS CIRCULOS DE SOLIDARIEDADE DE ALAIN SUPIOT

A obra “O Espírito de Filadélfia- A Justiça Social diante do Mercado Total”, do

grande jurista Alain Supiot, foi lançado na França em 2010, e no Brasil foi publicado em

2014. Conforme acentua Deisy Ventura (2015), esta obra despontou como uma espécie de

lança-chamas, cujo alvo é o que Supiot denomina de dogmática ultraliberal que domina as

políticas nacionais e internacionais há trinta anos, e ainda no plano econômico, como a

doutrina colocada em prática pelos governos Reagan e Margaret Thatcher, a qual engloba o

desmantelamento do Estado-Providência e a restauração da “ordem espontânea do mercado”:

(...) no plano internacional, ela se manifesta pelo neoconservadorismo, um

messianismo que pretendia estender esta ordem ao mundo inteiro, se

necessário pelas armas (p. 27). Provocador, Supiot compara o

ultraliberalismo a diferentes tipos de totalitarismo, entre eles o nazista e o

stalinista, desafortunadamente implementados tanto por governos de direita

como de esquerda (VENTURA, 2015, p. 690).

Entre as características das obras de Supiot, encontra-se uma forte crítica aos

elementos que fortalecem os problemas ligados ao mau uso dos trabalhos e ideias científicas,

como podemos percebe no trecho de sua obra “Homo Juridicus: ensaio sobre a função

antropológica do Direito” (2007):

Sob o império do cientificismo, o próprio ocidente veio a acreditar que a

única realidade do Homem era de natureza biológica, e que a personalidade

jurídica, era, portanto, uma pura técnica de que se podia dispor à vontade.

Mas os horrores do nazismo acabam, de mostrar que essa redução do

Homem ao seu ser biológico redundava em fazer da sociedade um mundo

darwiniano submetido apenas à lei do mais forte (SUPIOT, 2007, p. 237).

Na obra aqui estudada, Supiot (2014) apresenta o panorama dos textos da ordem

jurídica internacional do pós-guerra, através da “Declaração referente aos fins e objetivos da

Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, a qual foi adotada na Filadélfia pela 26ª

reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 10 de maio de 1944, poucos dias após

o desembarque dos Aliados nas praias da Normandia, mais conhecida como a Declaração de

Filadélfia, converteu-se em anexo da Constituição da OIT, adotada em Montreal, em 1946.

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O jurista também possui importante influência na Europa. Conforme destaca Nilton

Ken Ota (2014, p. 53), foi coordenador do grupo que concluiu o chamado “Rapport Supiot”, o

qual propôs a categoria de “état profissionnel”, que visava englobar todas as modalidades de

trabalho exercidas por uma pessoa durante sua vida. Nesse relatório foi estabelecido a

diferença entre “atividade” e “trabalho”, e permitiu uma demarcação prática de certo modo

independente das relações sociais mais orgânicas que, em grande parte, determinam as

“situações” analisadas, uma das características mais evidentes do regime discursivo

instaurado pelo primado da categoria política do sofrimento social.

O Relatório Supiot surge das análises jurídicas, sociológicas, econômicas, políticas,

culturais, das transformações do trabalho ocorridas no seio da sociedade, mais precisamente

do rompimento da tradicional categoria de relação laboral existente no mercado de trabalho,

individualizada pelo binômio subordinação-poder. Ressalta Anna Stephanie de Brito Pessoa

(2013), que essa relação laboral, característica do modelo fordista-taylorista e paradigma de

proteção pelo Direito do Trabalho em grande parte do mundo, perde espaço para novas

formas de trabalho, a exemplo do teletrabalho, sem significar, contudo o desaparecimento das

formas antigas, refletindo também as alterações constantes no Direito do Trabalho em toda a

Europa.

O Relatório Supiot foi o primeiro estudo encomendado pela Comissão

Europeia. Após a sua publicação outros estudos foram realizados

isoladamente pelos governos dos países europeus e ainda, por órgãos da

própria Comissão Europeia, a exemplo do estudo empreendido pelo

professor Adalberto Perulli para a própria Comissão e ainda, os estudos de

Roberto Pedersini e Diego Colleto46. Os pesquisadores contratados são da

confiança dos governos contratantes e, normalmente, mais ou menos

seguidores da ideologia desses governos, quer dizer, representam os

interesses políticos e ideológicos desses países, que em sua maioria, são

adeptos da ideologia neoliberal (PESSOA, 2013, p. 36).

A necessidade de regular o mercado ou de preservar os mais fracos dos seus efeitos

negativos está na base do consenso internacional de Filadélfia, o qual afirma a ideia de

regulação internacional do econômico e do social. Sem deixar de reconhecer que a história do

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pós-guerra é uma “era de extremos”. Essa obra de Supiot, em concordância com Antonio

Casimiro Ferreira (2011), traduz o otimismo quanto ao “horizonte dos possíveis”, às sempre

limitadas oportunidades de afirmação de uma sociedade mais justa e digna onde o trabalho é

indissociável dos princípios de liberdade real, de igualdade material e de produção do

bem-estar.

Proteger e enfatizar tutela ao trabalho humano é uma das razões axiais para o

surgimento do Direito do Trabalho, que visa a dar resposta normativa às difíceis questões

colocadas pelo reconhecimento de que o modo de trabalhar construído na contemporaneidade.

Sayonara Silva (2008), ao elaborar duas notas sobre novas tutelas laborais no multifacetado

desenho do mundo do trabalho contemporâneo, aduz que a modernidade implica

subordinação de um homem à vontade do outro, e de que a constatação acerca do

envolvimento da própria corporalidade do trabalhador na relação de emprego faz surgir uma

indagação concernente aos motivos pelos quais constrói o Direito do Trabalho, um ramo

jurídico que aspira a ser um direito tutelar e, portanto, amparar e defender o trabalhador em

uma relação hierárquica e de poder.

A tese defendida na obra é de que a globalização econômica levou o mundo ao

extremo oposto do espírito de Filadélfia: “sob a dupla influência da contrarrevolução

ultraliberal anglo-americana e da passagem dos países comunistas à economia de mercado, o

objetivo de justiça social foi substituído pelo da livre circulação de capitais e de mercadorias”

(SUPIOT, 2014, p. 23).

E ainda, conclui Deisy Ventura (2015, p. 693), em lugar de indexar a economia às

necessidades dos homens e a finança às necessidades da economia, indexa-se a economia às

exigências da finança, e tratam-se os homens como „capital humano‟ a serviço da economia. A

mesma ideia defendida em “O Espírito da Filadélfia”, também aparece em sua obra “O direito

do trabalho ao desbarato no “mercado das normas” (SUPIOT, 2005), onde Supiot também

defende que as relações econômicas acabam moldando as estruturas jurídicas e culturais, com

reflexo direto ao efetividade dos direitos sociais:

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Alain Supiot (2005, p. 134) mostra-se particularmente crítico em relação aos

que defendem a supremacia dos mercados, em particular dos objetivos

financeiros que determinam as regras do jogo e condicionam ou pressionam

a intervenção dos Estados. Para aqueles, segundo o mesmo autor, “as

relações econômicas comandam a vida em sociedade e produzem as

“superestruturas” jurídicas e culturais. (…) Em vez de ser a livre

concorrência que se baseia no Direito, é o Direito que deve basear-se na livre

concorrência.” (DOLGNER & COSTA, 2010)

A relação direta interposta com o direito do trabalho reside no fato de que este não

acolhe as mudanças da descentralização economia. Conforme defende Barros Júnior (2014, p.

13-14), a descentralização não significa necessariamente uma preferência pela categoria dos

trabalhadores a domicílio, que tem no Brasil (art. 6º CLT) e em vários países, os mesmos

direitos do empregado a tempo integral e por tempo indeterminado. A descentralização do

lugar de trabalho torna a ação sindical mais difícil, mas pouco influencia a solidariedade entre

os trabalhadores.

Manuela Corradi Carneiro Dantas e Carla Cristine Ferreira (2015, p. 312) enfatizam

que Alain Supiot em sua obra “Revister lês droits d`action collective” (SUPIOT, 2001),

identifica alguns dos grandes desafios da ação coletiva sindical na atualidade e afirma que se

deve buscar romper com o antigo modelo de sindicalismo de massa, que agregava

coletividades homogêneas, rígidas e disciplinadas, substituindo-o por uma estratégia de

coordenação de unidades de representação diversificadas, de acordo com o novo perfil de

trabalhador existente desde a década de 2000, heterogêneo, disperso e flexível.

(...) Há interesses não mais apenas dos trabalhadores masculinos

qualificados de grandes empresas de países desenvolvidos, mas também de

trabalhadores precários e a tempo parcial, das mulheres, dos desempregados,

dos aposentados, dos 4 Como alternativa, sugere Alain Bhir (1999) que o

movimento operário deve se preocupar mais com o que se passa além das

empresas e se unir aos demais movimentos sociais, tentando desfazer a

rotineira separação que, popularmente, se faz entre movimento sindical puro

e “novos movimentos sociais”. 312 assalariados subcontratados de países

pobres, dos semi-autônomos, etc. (SUPIOT, 2001, p. 23).

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Assevera Marie-Claude Blais (2007, p. 330 apud VENTURA, 2013) que um dos

riscos do uso atual da expressão “solidariedade”, pelos Estados, que ameaça reduzi-la a um

slogan vazio, é sua desconexão de um quadro concreto de aplicação. Dessa forma ao evocar

os direitos sociais, entre os quais se encontra o direito à saúde, Alain Supiot recomenda que se

passe da “solidariedade negativa”, que hoje prevalece nas relações entre os Estados, à

“solidariedade positiva”, que instituiria objetivos comuns de trabalho decente e de justiça nas

regras internacionais de comércio, criando, ainda, meios para que fosse possível a efetividade

dessas medidas.

A obra de Supiot tem como principal objetivo ressuscitar o espírito de Filadélfia e

propor a sua retomada como baliza da ordem jurídica, tanto internacional como interna.

Conforme a professora da Universidade de São Paulo, Deisy Ventura (2015) narra, a grande

contribuição do jurista francês com esse livro foi direta para a multidão de pregadores de

direita ou de esquerda que cultua cotidianamente o ultraliberalismo, uma crítica severa ao

modo de controle do mercado econômico, o qual através de seus interesses utiliza-se de

mecanismos de controle totalmente adversos dos princípios derivados da Solidariedade.

5. CONCLUSÃO

Entre os resultados apurados durante a pesquisa, chegou-se a conclusão que o

Princípio da Solidariedade não se refere apenas ao altruísmo individual, mas proporciona o

prevalecimento do interesse coletivo sobre o interesse individual, e o interesse dos membros

do grupo sobre o dos estranhos ao grupo, meio pelo qual os Estados devem continuar sendo

os garantes dessa aplicação, principalmente quando se refere à solidariedade nacional. Todas

as instituições que se apóiam nesse princípio estão em busca da formação de um interesse

comum efetivo para a dinâmica da sociedade, em constante reformulação frente aos desafios

atuais que cercam a comunidade internacional e a soberania dos Estados: os círculos de

solidariedade.

A partir desse entendimento, conclui-se que a solidariedade é o conceito que melhor

define o processo de reconhecimento da comunidade de valores dos indivíduos entre eles

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próprios e entre a comunidade. A forma de consolidação do mercado econômico acabou por

influenciar diretamente o mercado de trabalho, impondo novos desafios ao Direito do

Trabalho.

O desenvolvimento social foi severamente ameaçado durante todos os anos de

desenvolvimento industrial e econômico, uma vez ser possível assim como afirma Supiot em

sua obra, uma manipulação concreta desses valores ao puro interesse econômico, muitas

vezes de uma minoria concentrada e com alta renda, e que não reflete as necessidades da

justiça social como um todo.

Nesse contexto, é perceptível o raciocínio de Supiot ao longo de sua obra, e que se

reflete de uma forma completa, por coincidência ou por intuito, exatamente no capítulo sobre

os Círculos de Solidariedade. Resta evidente, que a crítica pesada de sua obra reside no fato

de sobrepor a “solidariedade negativa”, que hoje prevalece nas relações entre os Estados, à

“solidariedade positiva”, que instituiria objetivos comuns de trabalho decente e de justiça nas

regras internacionais de comércio, criando, ainda, meios para que fosse possível a efetividade

dessas medidas, e assim a concretização da Justiça Social.

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