o papel do coordenador pedagÓgico na ordenaÇÃo polÍtica do...

157
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO COTIDIANO DA ESCOLA VALDELICE DE OLIVEIRA CUIABÁ/MT 2010

Upload: vandat

Post on 30-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA

ORDENAÇÃO POLÍTICA DO COTIDIANO DA ESCOLA

VALDELICE DE OLIVEIRA

CUIABÁ/MT

2010

Page 2: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

1

VALDELICE DE OLIVEIRA

O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO

POLÍTICA DO COTIDIANO DA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área Teorias e Práticas da Educação Escolar, linha de pesquisa Formação de Professores e Organização Escolar.

Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.

CUIABÁ/MT 2010

Page 4: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

2

]

O46p

Oliveira, Valdelice de.

O papel do Coordenador Pedagógico na ordenação política do cotidiano da

escola. / Valdelice de Oliveira – Cuiabá (MT): A Autora, 2010

.

153 p.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação).Universidade Federal de Mato Grosso.

Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.

In Inclui bibliografia.

1.Formação de professor. 2. Organização Escolar. 3. Coordenador

Pedagógico. I. Título.

CDU: 371.13

Page 5: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

3

Page 6: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

4

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado:

Aos meus pais

Seu Antonio “Caloi” (in memorian)

E a minha queria mãe Dona Almerinda

Exemplos de vida

Aos meus filhos

Manoel Henrique

Rafael

Ana Elisa

João Paulo

Razões da minha existência

Neta

Marília

Continuidade da vida

Ao meu esposo e companheiro

Paulo Sales

Compreensão e cumplicidade.

Page 7: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

5

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida e por todas as bênçãos e vitórias que sempre me concede.

A minha família: pai (in memorian) pelas lágrimas quando passei no vestibular; a minha mãe pela fortaleza e incentivo; irmãs, principalmente minha irmã Ivone pela ajuda em tempos difíceis, irmãos, cunhadas e cunhados, em especial a minha cunhada Luci e Edilson, pela acolhida em sua casa quando tinha aula em Cuiabá; ao Paulo Victor pela ajuda no computador e meus queridos avós, principalmente meu avô Arlindo, poeta da vida e admirador da beleza das letras e das palavras que se combinavam embaixo do pé de mangueira (saudades).

Base para ser o que sou.

Aos meus filhos: Manoel Henrique, Rafael, Ana Elisa e João Paulo pela compreensão, carinho em todos os momentos, principalmente os de ausência. Ao amigo, esposo e companheiro Paulo Sales, pelo apoio, inclusive financeiro e incentivo.

Ao professor Dr. Ademar de Lima Carvalho pela convivência, disponibilidade, paciência, amizade e profissionalismo ao partilhar conhecimentos ao longo deste trabalho.

Às professoras Drª. Ilma Passos Alencastro Veiga pela beleza das palavras no exame de qualificação, Drª Ozerina Victor de Oliveira pela exigência e contribuição por ocasião do exame de qualificação, Drª Simone Albuquerque pelas contribuições e carinho.

Aos professores do curso de Mestrado em Educação do PPGE/UFMT pelo apoio e pelas contribuições teóricas que enriqueceram esta pesquisa.

À equipe da Secretaria do Mestrado, especialmente a Luiza, Mariana e Jeison pelo carinho e eficiência no atendimento.

Aos colegas de turma, unidos pelo esforço, e em especial aos amigos de orientação Fábio pelas deliciosas contribuições por época de sua estadia em minha casa, Marimar pela cumplicidade e Anunciata pelos encorajamentos. Que nunca nos esqueçamos uns dos outros.

Aos queridos colegas da Escola Estadual Elizabeth de Freitas Magalhães pelo apoio e contribuição, em especial a minha querida amiga e companheira de todas as horas Ana Maria Lourenço.

Enfim, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram e torceram por esse momento de VITÓRIA, sobretudo as coordenadoras entrevistadas.

A todos vocês, que fizeram e fazem parte da minha vida, MUITO OBRIGADA!

Page 8: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

6

RESUMO

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa em nível de mestrado do Programa de

Pós-graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso e teve por objetivo compreender como se ordena politicamente a

prática pedagógica mediatizada pela articulação do coordenador pedagógico no

cotidiano da escola na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso em Rondonópolis.

O estudo foi realizado através da análise bibliográfica, baseando, além da literatura,

nos documentos oficiais da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso e

das escolas estudadas; além disso, recorreu-se à realização de entrevistas

semiestruturadas de abordagem qualitativa. Os resultados evidenciam que a prática

pedagógica na articulação do cotidiano da escola é focada numa concepção de

senso comum, cuja ordenação reforça aspectos da organização escolar

comprometida com a racionalidade técnica com significado normativo-burocrático em

que as estruturas formais e informais são dependentes de uma focalização avaliativa

e interpretativa e que a ordenação política dada pelo coordenador a esse cotidiano

traz marcas de cotidianidade. O estudo aponta ainda, que o trabalho pedagógico

está sendo construído na experiência do trabalho docente, e que se torna

necessária a superação da relação assistencialista presente nas práticas

desenvolvidas pela coordenação pedagógica. Os dados revelam, também, que a

formação continuada que se desenvolve na escola, através do projeto SALA DO

PROFESSOR, atende a objetivos pontuais, de caráter e atualização pontual. Mas

apontam também, que esta formação retrata que o coordenador está comprometido

não só com as rotinas, mas já sinaliza para aspectos mais emancipadores quando

estabelece a mesma como consistindo em momentos de reflexão na escola acerca

das práticas pontuais ali desenvolvidas e a experiência como sendo espaço de

aprendizagem. O estudo sugere uma formação centrada no CEFAPRO voltada para

os coordenadores pedagógicos e sugere, a retomada da reflexão que aponte

caminhos e maneiras mais significativas às políticas educacionais de formação de

professores que, centradas na escola, objetivem contribuir para o desenvolvimento

profissional dos professores e, sobretudo, para a construção da identidade do

coordenador pedagógico como ordenador/organizador da atividade educativa da e

na escola. E, mais, ainda, tenham como meta oportunizar o desenvolvimento da

aprendizagem dos alunos, finalidade própria de uma Educação democrática e de

qualidade.

Palavras-chave: Formação de professor; Organização Escolar; O papel do

Coordenador Pedagógico.

Page 9: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

7

ABSTRACT

This work is the result of research at the Masters Program Graduate Education

Institute of Education, Federal University of Mato Grosso and aimed to understand

how political orders pedagogical practice mediated by joint pedagogical coordinator

in the daily school in the State Schools of Mato Grosso in Rondonopolis. The study

was carried out through the bibliographical analysis, basing, besides the literature, on

the official documents of the General office of State of Education of Mato Grosso and

of the studied schools; besides, one resorted to the realization of semistructured

interviews of qualitative approach. The results show up that the pedagogic practice in

the articulation of the daily life of the school is focused in a conception of common

sense, which ordering reinforces aspects of the school organization made a

commitment to the technical rationality with bureaucratic-prescriptive meaning in

which the formal and informal structures are dependent of a focusing evaluative and

interpretative and which the political ordering given by the coordinator to this daily life

brings marks of cotidianidade. The study begins to appear still that the pedagogic

work is being built in the experience of the teaching work, and that the overcoming of

the relation becomes necessary assistencialista present in practices developed by

the pedagogic co-ordination. The data reveal, also, what the continued formation that

is developed in the school, through the project ROOM OF the TEACHER, pays

attention to punctual objectives, of character and punctual updating. They point to

them to me also, that this formation shows that the coordinator is compromised not

only with the routines, but more emancipadores signals already for aspects when it

establishes as same as consisting at moments of reflection of the school about the

punctual practices there developed and the experience like being a space of

apprenticeship. The study suggests a formation centered in CEFAPRO turned to the

pedagogic coordinators and it suggests, the recovering of the reflection that points to

ways and more significant manners to the education politics of teachers' formation

that, centered in the school, aim to contribute to the professional development of the

teachers and, especially, for the construction of the identity of the pedagogic

coordinator I eat ordenador/organized of the educative activity of and in the school.

And, more, still, take as a mark oportunizar the development of the apprenticeship of

the pupils, own finality of a democratic Education and of quality.

key words: Teacher's formation; School Organization; The paper of the Pedagogic

Coordinator.

Page 10: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

8

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...............................................................................................................09

I METODOLOGIA E MÉTODO NA EDUCAÇÃO.................................................................12

1.1 Opção Metodológica........................................................................................................12

1.2 Análise Documental.........................................................................................................15

1.3 Técnica de Coleta de Dados – Entrevista.......................................................................16

1.4 Dialogando com os Sujeitos da Pesquisa......................................................................19

II COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: ORGANIZAÇÃO, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EDUCATIVAS........................................................................................................................22

2.1 Da Supervisão Escolar ao Coordenador Pedagógico......................................................30

2.1.1 Da Caracterização Histórica da Coordenação na Rede Estadual de Mato Grosso...........................................................................................................................34

2.2 A Coordenação Pedagógica: Conceitos e Significados.................................................39

2.3 Ação Coordenadora: Uma Reflexão Sobre o Papel do Coordenador Pedagógico.............................................................................................................................46

2.4 Pressupostos de Ordenação Política no Papel do Coordenador Pedagógico.............................................................................................................................48

2.5 A Coordenação Pedagógica: Um Olhar Sobre e Através da Organização da Escola.....................................................................................................................................54

III A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA...............................66

3.1 O Cotidiano da Escola: Definição de Papeis............................................................69

3.2 A Escola como uma Instituição Social: a Cultura da Gestão Escolar....................................................................................................................................76

3.2.1 Escolas Democráticas: Estruturas e Processos Democráticos........................81

3.2.2 A Autoridade do Coordenador Pedagógico: As Relações de

Poder na escola......................................................................................................................84

IV O COTIDIANO DA ESCOLA: DA PRÁTICA PENSADA À PRÁTICA

REALIZADA..........................................................................................................................89

4.1 A Ordenação Política do Cotidiano da Escola: Da Ação Coordenadora

a Valores de Gestão.............................................................................................................111

4.2 Concepções e Práticas do Coordenador Pedagógico....................................................122

4.3 O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada que se Desenvolve na

na Escola..............................................................................................................................134

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................142

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................150

Page 11: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

9

APRESENTAÇÃO

Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se

descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem,

mas, sobretudo, com eles lutam.

(Paulo Freire)

A temática desta pesquisa foi proposta com o objetivo de compreender como

se ordena politicamente a prática pedagógica mediatizada pela articulação do

coordenador pedagógico no cotidiano da escola o que também pauta a

problematização nuclear deste trabalho. Sabe-se que ao coordenador cabe a

organização das rotinas da escola, acompanhamento de alunos e reuniões de pais,

eventuais substituições do diretor, e que ainda lhe pesa a responsabilidade sobre as

questões disciplinares que envolvem a relação professor- aluno/- aluno/aluno, como

também o atendimento a questões externas da escola... Tudo isso nos oportuniza a

reflexão sobre vários pontos básicos: como se estabelecem as ações

implementadas na formação continuada na escola e quais as perspectivas e as

práticas educativas refletidas na sua ação coordenadora a partir das concepções e

processos democráticos de gestão educacional.

Para o desenvolvimento desse tema apresentamos concepções importantes

com vistas a definir, delinear e contextualizar a materialidade da coordenação

pedagógica na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso. O propósito foi explorar o

entendimento desse coordenador sobre a prática pedagógica que se desenvolve

através da organização da escola, exploração essa permeada pelas seguintes

categorias de análise: concepção de educação, concepção de gestão, concepção de

escola e de formação continuada que nos parecem importantes para a definição do

papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação política se

dá ao cotidiano da escola, tudo isso entremeados pelos elementos de análise que

nos conduzam a um olhar sobre as esferas cotidianas e não-cotidianas.

A supervisão escolar percorreu uma longa trajetória histórica, desde a

formalização do ensino e a institucionalização da escola. É importante analisar neste

Page 12: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

10

contexto a importância do papel e da função do coordenador a partir dos

pressupostos da racionalidade técnica ou da racionalidade emancipatória e os

caminhos percorridos por esse papel e essa função em busca de sua materialidade

no desenvolvimento das práticas educativas que se desenvolvem na escola.

E ainda objetivamos contribuir para a prática pensada e dialogada através

dos conhecimentos e entendimentos produzidos ao longo do percurso desta

pesquisa, cujo objetivo é também, apontar caminhos que possibilitem a reflexão para

o desenvolvimento de políticas públicas que possam ressignificar o papel e a função

coordenadora nas escolas como organizadores da produção educativa, com vistas a

produzir a aprendizagem docente e dos alunos.

Este relatório de pesquisa está dividido em 04 (quatro) capítulos,

sendo os três primeiros uma revisão de literatura, onde procuramos trazer uma

compreensão teórica acerca da temática em questão. No primeiro, fazemos uma

descrição metodológica dos passos utilizados para o desenvolvimento da pesquisa e

no segundo capítulo faz-se uma caracterização dos principais elementos de análise

da pesquisa. Por estes elementos buscamos trazer uma compreensão geral acerca

do objetivo de estudo que é a discussão sobre o papel do coordenador pedagógico e

a sua delimitação histórica, a ordenação política como forma de organização da

escola e do trabalho pedagógico que ali se desenvolve, revisadas pelas concepções

elencadas. Já no terceiro, após uma leitura histórica e as considerações feitas

acerca da supervisão escolar e coordenação pedagógica, procuramos apresentar a

organização do trabalho pedagógico na escola.

Para levar-nos a um entendimento acerca dessa temática, procurou-

se, no contexto desse trabalho, discutir desde a forma de gestão, a concepção de

papeis e funções e como se desenvolvem cotidianamente. A partir, também, do

entendimento da escola como uma instituição social, donde se expressam as

estruturas e processos democráticos, entremeados por valores de gestão e das

relações de poder e ainda, afirmativamente, pelo entendimento da vida cotidiana e

suas esferas de cotidianidade e não-cotidiano que se revelam diariamente no

desenvolvimento profissional dos coordenadores pedagógicos. No quarto capítulo

está a análise dos dados levantados através dos documentos da escola: regimento e

Page 13: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

11

plano de ação das quatro coordenadoras pedagógicas das duas escolas estaduais

de Rondonópolis. E ainda, as entrevistas realizadas com estas protagonistas teve o

propósito de saber-se acerca do seu trabalho pedagógico e as condições que se

realiza, por meio da análise das concepções elencadas e ainda, pela avaliação do

conceito de cotidiano. A compreensão estabelecida a respeito de tais práticas e suas

concepções, atende ao pressuposto, também, de estudar os elementos históricos

que conferem identidade a esta função na escola, principalmente na formação

continuada que ali se desenvolve.

Page 14: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

12

I – METODOLOGIA E MÉTODO NA EDUCAÇÃO

Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra, ou teu

melhor silêncio, pois mesmo no silêncio e com o

silêncio dialogamos.

(Carlos Drummond de Andrade)

1.1 Opção Metodológica

Neste capítulo, são apontadas as concepções teóricas de abordagens da

pedagogia crítica e da pesquisa qualitativa e os procedimentos e técnicas que

possibilitam a compreensão da realidade em estudo.

Como forma de aproximarmos do estudo dessa realidade, que nos

propusemos a fazer, pautamo-nos nos princípios da dialética freiriana, corroborada

na concepção de Kosik (1995).

Pelo pensamento freiriano há possibilidade que homens e mulheres

construam sua história, e construam-na apenas na atuação das pessoas, porque o

mundo se apresenta como uma construção histórica na perspectiva do ser

inacabado, na consciência do Ser Mais e da inconclusão. Tudo isso propicia a

sedimentação da ação dialógica, do homem que se educa em comunhão,

constituinte de uma razão dialógica e permite estabelecer a humanização através

dos conceitos de ser humano, de visão política, de história, de sociedade, de escola

e de educação. Uma possibilidade de viabilização dessa proposta de humanização

do mundo e dos homens está na construção de uma nova racionalidade, que possa

superar os conflitos e as contradições existentes na educação e na sociedade. Esse

pode ser o modo de pensarmos as contradições da realidade, por considerar que

todas as coisas estão em movimento, relacionadas umas com as outras.

A racionalidade proposta por Paulo Freire na Pedagogia do Oprimido se

baseia nos seguintes princípios:

a) Amor ao mundo e às pessoas;

Page 15: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

13

b) Humildade e confiança no dialogar; c) Fé na possibilidade de construção da história e de transformar o

mundo; d) Esperança na possibilidade de uma outra realidade, construída por

meio da reflexão e ação; e) Pensar crítico que permita ver a realidade objetiva tal como se coloca e suas outras possibilidades.

Nesta perspectiva, pode-se também perceber e avaliar que a investigação

das práticas pedagógicas desenvolvidas pelo coordenador pedagógico ocorre

sempre num contexto premiado por uma multiplicidade de sentidos que, por sua vez,

fazem parte de um universo cultural que deve ser estudado pelo pesquisador.

Essa multiplicidade de sentido se justifica como uma forma de poder buscar a

interpretação do objeto e assim compreendê-lo também, como resultado de

múltiplas determinações.

Esse é o contexto para o desenvolvimento da matéria, da natureza e do

próprio homem. É uma concepção de homem, de sociedade e da relação homem-

mundo, assim, os fatos não podem ser examinados, compreendidos como

desligados do processo histórico-econômico, cultural e político da humanidade,

condição para que o homem se torne homem.

Em Kosik (1995) essa forma de pensar se apresenta na pesquisa a partir dos

seguintes entendimentos:

a) O objeto da pesquisa, assim como homem e a sociedade são resultantes de uma construção histórica;

b) Existe uma relação dialética entre a objetividade e a subjetividade;

c) A realidade é a unidade do fenômeno e da essência, sendo que para atingir a essência é preciso compreender o fenômeno, pois a atividade do fenômeno é manifesta na essência;

d) As unidades contraditórias nas quais a contradição é essencial são formadas pelas conexões íntimas existentes entre realidades diferentes;

e) A realidade consiste numa totalidade em movimento, sendo ela mesma, elemento ou parte de outra totalidade, de modo que não há ponto de partida absolutamente certo e nem problemas definitivamente resolvidos, devendo o fenômeno ser compreendido como momento do todo que tem a função de, ao mesmo tempo, definir a si e ao todo, ser produtor e produto,

Page 16: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

14

revelador e determinado, assim como conquistar o próprio significado e conferir sentido.

Direcionadas por essa forma de pensar as pesquisas possibilitam a inter-

relação entre quantidade e qualidade. Valorizam o social e o histórico, posto ser o

homem determinado pelo contexto histórico, portanto um ser de relações, capaz de

criar, intervir e transformar a realidade.

Por esta concepção, MacLaren (1995) afirma que podemos observar e

interpretar nosso objeto de estudo, não como algo estático e passivo, mas como

sendo sujeito que interage com o pesquisador mudando e sendo por ele

transformado. Segundo o autor,

A teoria dialética tenta provocar as histórias e relações de significados e aparências aceitáveis, traçando interações do contexto à parte, do sistema ao evento. Desta maneira a teoria crítica nos ajuda a concentrar simultaneamente em ambos os lados de uma contradição social. (p. 199)

Nesta perspectiva optamos pela pesquisa qualitativa como abordagem de

investigação, análise documental e entrevistas.

A pesquisa qualitativa é uma forma de compreender o mundo através de uma

visão holística, humanista, indispensável para a complexidade encontrada nos

fenômenos, sendo sensível ao contexto e às inter-relações pessoais onde ocorrem

os eventos e atenta aos fenômenos de exclusão e marginalização (Bogdan e Biklen,

1995).

Dessa forma, organizaram-se todos os dados coletados em conformidade

com as seguintes categorias de análise: Concepção de Educação, Concepção de

Gestão, Concepção de Prática e Concepção de Escola que perpassam os

elementos de análise:

Ação coordenadora (papel e territorialidade);

Estrutura e organização da escola (racionalidade e ordenação política)

Page 17: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

15

Conceitos de poder (ordenação política- autonomia)

Cotidiano escolar (Cotidiano e cotidianidade e não-cotidiano)

Desse modo, visamos identificar como o professor na investidura da função

de coordenador pedagógico atua como sujeito na ordenação política do cotidiano

escolar e qual a natureza, concepções e processos democráticos de gestão

educacional que embasam seu fazer pedagógico no dia-a-dia da escola.

1.2 Análise Documental

A análise documental serve fundamentalmente para se perceber e se ter uma

compreensão dos fios e da trajetória histórica empreendida pela supervisão

educacional até a coordenação pedagógica, na Rede Estadual de Ensino de Mato

Grosso. Esse tipo de pesquisa tem a função de ajudar na busca de informações

factuais nos documentos em casos de questionamentos que podem ser respondidos

via pesquisa empreendida em documentos específicos (LÜDKE E ANDRÉ, 1986).

Os documentos utilizados foram as normativas editadas pela Secretaria

Estadual de Educação quando da normatização do processo organizativo anual da

escola e do organograma para o funcionamento das escolas públicas do Estado de

Mato Grosso. Por estas normativas pudemos não só extrair informações acerca não

só da passagem histórica da supervisão educacional - cuja formação era centrada

apenas na pedagogia - para a coordenação pedagógica com exigência somente da

formação em nível de 3º grau - ou seja, com qualquer graduação, desde que fosse

licenciatura, alguém poderia assumir tal função na escola - bem como analisar nesta

passagem histórica a materialidade da coordenação a partir dos pressupostos legais

vigentes.

Analisamos outros documentos: os regimentos das escolas onde se realizou a

pesquisa quando tratam da questão da coordenação pedagógica e sua instituição na

escola, e os planos de ação das coordenadoras pedagógicas, com vistas a perceber

Page 18: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

16

o planejamento e a territorialidade da prática pedagógica desses sujeitos em ação

na unidade escolar.

1.3 Técnica de Coleta de Dados – Entrevista

Para o desenvolvimento deste trabalho optou-se pela pesquisa qualitativa,

utilizando-se da técnica de coleta de dados - entrevista, pois este tipo de instrumento

é adequado à realidade empírica quando considerada como sendo complexa, porém

objetiva. Entendemos que a entrevista viabilizaria melhor o desenvolvimento da

pesquisa, validando os resultados, pois imprime significado à investigação, posto

possibilitar a obtenção de dados que podem não ser encontrados em registros e,

além disso, demonstra ser um instrumento valioso para os estudos em ciências

humanas e sociais. Os dados coletados podem ser utilizados tanto em estudos de

fatos, como de caso ou de opiniões.

No presente trabalho a opinião das coordenadoras pedagógicas foi

imprescindível para promover interpretações e leituras sobre a organização do

cotidiano escolar. Tais opiniões tornaram-se ferramentas importantes para a análise

das práticas mediatizadas pela articulação do coordenador pedagógico quando da

configuração de sua prática pedagógica no cotidiano. A voz dos sujeitos na pesquisa

pareceu um instrumento extremamente valioso e singular; obviamente, não se trata

apenas de um diálogo simples. É diálogo enquanto expressão de objetivos definidos

e de uma discussão orientada. Rosa e Arnoldi (2008, p.19) explicitam que

Essas entrevistas de comunicação natural, sobre a vida cotidiana, fornecem informações relevantes de acordo com os objetivos da pesquisa, o tempo e os recursos disponíveis para a sua realização.

O fato é que a organização das experiências das coordenadoras

entrevistadas pode nos ajudar a recuperar aspectos interessantes das narrativas em

que expuseram sua rotina, suas tarefas, o nível de comprometimento profissional de

cada uma delas com a escola e a prática pedagógica que conseguem desenvolver

cotidianamente.

Page 19: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

17

Nas entrevistas procurou-se apresentar um nível adequado de subjetividade

entre entrevistador e entrevistado com vistas a transformar em dados toda e

qualquer informação que pudesse nortear os questionamentos e descrever

oralmente situações convertidas em dados relevantes para os resultados e contribuir

para o alcance de nossos objetivos. Essa forma de abordagem pode suscitar

ocorrências de duas ordens, como bem pontuam Rosa e Arnoldi (2008):

1– descrição de acontecimentos vividos pelo entrevistado e

interpretações dessas experiências através de relatos mais

profundos;

2- representação dessas vivências e experiências (p.25).

Evidentemente recomenda-se que os entrevistadores se mantenham dentro

dos limites e das regras de etiqueta em relação aos entrevistados conforme se vê

em Denzin (apud ROSA E ARNOLDI, 2008, p. 26).

Optamos pelas entrevistas semi-estruturadas, pois era importante para este

trabalho que as coordenadoras pedagógicas discorressem e verbalizassem seus

pensamentos, suas opiniões e suas reflexões sobre o tema apresentado.

Formulamos questões de forma que se oportunizasse às entrevistadas uma

dinâmica natural ao discurso proferido e ainda que se pudesse captar informações

que as mesmas trouxessem ao estudo.

Além disso, realizamos entrevistas com questões abertas e com questões

fechadas. Apresentou-se inicialmente o conteúdo das entrevistas e foram

explicitados os objetivos da pesquisa. A entrevista foi composta por quinze (15)

questões; as cinco primeiras tratavam de caracterizar melhor nossas protagonistas

quanto a suas formações, o tempo de serviço de cada uma e ainda há quanto tempo

exercem a função de coordenadoras e por qual processo passaram para galgar tal

atribuição na escola. Ao proceder assim, objetivava-se delimitar o tempo histórico da

ação coordenadora desenvolvida por elas, para delinear neste período não só a

trajetória histórica da coordenação no município de Rondonópolis, bem como

perceber a identidade e a singularidade de seu trabalho na unidade escolar. As

Page 20: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

18

outras dez questões, agora abertas, visavam a depreender a avaliação do trabalho

da coordenação e a descrição feita por elas acerca das tarefas realizadas

diariamente: (1) a forma como organizavam suas rotinas diárias; (2) como se

prepararam para assumir a coordenação da escola; (3) quais aspectos no

desempenho de sua função consideravam mais relevantes e quais, apesar de

relevantes, não conseguiam desempenhar e por qual motivo; (4) que

estabelecessem uma ordem de prioridades para a função do coordenador

pedagógico; (5) como estavam distribuídas as tarefas entre a equipe gestora e o

grau de satisfação de cada uma; (6) como se dava a organização de seus trabalhos

enquanto coordenadoras, com o trabalho do professor, inclusive na formação

continuada; (7) quais as tarefas que realizavam com os alunos; (8) quais eram os

principais problemas enfrentados pelas entrevistadas na função em pauta; (9) que

entendimento tinham sobre o papel da coordenação pedagógica, das funções

institucionais da coordenação e como as desempenhavam; e, por último, voltamos à

mesma pergunta que já lhes havíamos feito, agora procurando inserir as suas

compreensões num contexto mais amplo da instituição escolar, quando lhes

perguntamos [no contexto organizacional do trabalho pedagógico na escola]; (10)

qual seria mesmo o papel do coordenador pedagógico e, ainda, como tal se

desenvolvia naquele cotidiano.

O propósito de interrogar duas vezes sobre o papel do coordenador

pedagógico da escola atendia à intenção de se depreender, após longa conversa, se

as nossas protagonistas já conseguiam elaborar outras considerações que

pudéssemos trazer ao estudo com vistas a atender ao objetivo desta pesquisa, qual

seja, o de saber qual o papel do coordenador pedagógico na ordenação do cotidiano

da escola e ainda, na materialidade do seu papel neste cotidiano, se havia diferença

entre o papel “institucionalizado” e o que, de fato, conseguiam desempenhar na

unidade escolar. Nesse aspecto, a intenção não era estabelecer comparações, mas

objetivamente perceber a mediatização do seu trabalho na articulação do seu papel,

para enfim, avaliar qual ordenação política se dava e se dá no cotidiano escolar às

práticas educativas que ali se desenvolvem.

Page 21: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

19

1.4 Dialogando com os Sujeitos da Pesquisa

Ao pensarmos na realização desta pesquisa, estabelecemos como ponto

de partida a utilização da sensibilidade fenomenológica freiriana1 para olhar o

coordenador pedagógico como um ser preocupado com a produção da qualidade do

ensino e da aprendizagem, com a possibilidade de avaliar sua prática pedagógica,

reconhecer limites e também possibilidades para a materialização de sua função na

escola.

A proposta do estudo foi perceber, avaliar e analisar em escolas da Rede

Estadual de Ensino de Mato Grosso como a coordenação pedagógica articula e

ordena o cotidiano da escola e em quais perspectivas se faz e a partir de quais

pressupostos. Para atender este objetivo nos propusemos estudar desde a

escola como uma organização educativa até a rotina, os valores de gestão e a

prática pedagógica que ali se desenvolve.

Para a delimitação do universo a ser pesquisado, utilizamos os seguintes

critérios:

A escolha de apenas duas escolas estaduais do município de

Rondonópolis;

Que as escolas atendessem a todos os níveis da educação básica (a

escola de nove anos e ensino médio);

Escolhidas as duas escolas Estaduais, elas foram assim denominadas:

Escola Alfa (o nome deve-se ao fato de ter sido a primeira escola

visitada), localizada num bairro de trabalhadores distante 10 km do centro

da cidade de Rondonópolis e que atende aos alunos no seu entorno e

1Paulo Freire foi considerado Fenomenológico com o lançamento do seu livro Pedagogia do Oprimido cujas

ideias se aproximam dos princípios da fenomenologia que defende o homem Sujeito = fonte constitutiva do

conhecimento de todo objeto de experiência e reflexão conecta definitivamente o ser e o mundo, a essência e a

existência, o corpo e a mente. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tradução Reginaldo di Piero. Rio de

Janeiro: Freitas Bastos, 1971.

Page 22: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

20

dos bairros circunvizinhos, inclusive das aldeias e zona rural mais

próxima, acolhendo, portanto, estudantes da classe trabalhadora.

A escola denominada Escola Ômega (visitada por último) localiza-se no

centro da cidade e atende alunos da classe média e dos bairros mais

próximos ao centro.

Alfa é uma escola grande, atende aos três turnos de funcionamento e

oferece as seguintes modalidades de ensino: a escola de nove anos, ensino médio

seriado e educação de jovens e adultos para o ensino fundamental e médio, conta

com 1480 alunos com um grupo de 92 profissionais da Educação2 e com o trabalho

de 03 coordenadoras pedagógicas e 03 articuladores para o atendimento dos alunos

matriculados na escola organizada por ciclo de formação humana.

A Escola Ômega é uma das primeiras instaladas no município de

Rondonópolis, de estilo confessional3, o prédio pertence a uma congregação

religiosa que atende a 651 alunos do ensino fundamental e médio, apenas nos

períodos matutino e vespertino, dispõe de um grupo de 82 profissionais da

Educação e conta com o trabalho de 01 coordenadora pedagógica e 03

articuladores para o atender aos discentes matriculados na escola organizada por

ciclo de formação humana.

Os sujeitos desta pesquisa são quatro coordenadoras pedagógicas da Rede

Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso na cidade de Rondonópolis. Esta

conta com 33 escolas públicas estaduais e atende a um público de 30 mil alunos.

Todas as quatro coordenadoras são mulheres e com certo nível de experiência na

carreira do magistério, tendo em média 15 anos de atuação como professoras. Duas

são pedagogas com formação em docência, uma de cada escola; uma é formada

em Matemática e a outra em Letras. Todas foram eleitas pelos pares e

desempenham há pelo menos 04 anos a função de coordenadoras pedagógicas.

2 Por profissionais da Educação entendem-se todas as pessoas que atuam na escola: Diretor, coordenador,

articulador, técnico administrativo, técnico de lab. Informática, apoio a infra-estrutura, vigilante e merendeira. 3É uma escola de estilo religioso porque dão uma formação pautada em valores religiosos. O prédio da escola

pertence a uma congregação católica, mas o Estado de Mato Grosso, via SEDUC, determina toda a organização

e o processo ensino aprendizagem da escola, mantém financeira e didaticamente o corpo docente, funcionários e

discente e é responsável pela manutenção do seu espaço físico.

Page 23: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

21

Para efeito de identificação dos sujeitos do estudo, importantes para a

contribuição com a produção do conhecimento existente, no apontamento de

caminhos que informem maneiras mais significativas para o estabelecimento da

ação coordenadora, foi pedido a elas que escolhessem como gostariam de ser

identificadas neste estudo e dada a sugestão de que utilizassem uma única palavra

ou expressão que pudesse traduzir o sentimento que cada uma delas tem quando

se identificam com a coordenação ou com o trabalho que desenvolvem na

coordenação. Desta forma, as nossas protagonistas ficaram denominadas com os

seguintes codinomes: CRIATIVIDADE, LUZ, DETERMINAÇÃO E FORÇA DE

VONTADE.

E ainda para informações adicionais, quanto à caracterização da

coordenação pedagógica na pesquisa, com vistas a estabelecer uma compreensão

sobre as estruturas organizacionais da escola em Mato Grosso, entrevistamos uma

ex-conselheira do Conselho Estadual de Educação.

Page 24: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

22

II - A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: ORGANIZAÇÃO,

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai .Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

(Manoel de Barros)

De modo geral, a atuação do coordenador pedagógico nas escolas públicas

tem suscitado vários debates, propostas e reflexões, cujas inspirações vêm

marcadas por experiências adquiridas anteriormente. Este capítulo, tem por

objetivo estabelecer nossa compreensão teórica acerca do tema em questão, uma

vez que, querendo ou não essas marcas acabam por se impregnar aos referenciais

subjacentes a tais discussões vindos de teóricos que preconizaram tais debates e

reflexões, e em muitas dessas discussões suscitaram propostas que vislumbram

responder aos anseios de professores e gestores escolares; objetiva também

contribuir para a definição de políticas públicas voltadas para o (re) pensar da

organização da escola e as práticas educativas ali desenvolvidas.

Nesse contexto, observa-se que a função do coordenador pedagógico é

nova, os debates em torno do tema “educação” não o são: carregam concepções e

referenciais articulados a práticas sociais vivenciadas. Desse modo, discutir a

identidade do coordenador pedagógico e a ordenação política que ele consegue dar

ao cotidiano da escola a partir desse delineamento não só de sua identidade, bem

como da delimitação de seu papel, com foco na sua ação coordenadora e na forma

como logra desempenhar sua função, pode significar rever posições, resgatar

experiências, retomar conflitos, fazer opções, entrar em embates, enfrentar

diferenças. Assim, gostaríamos de refletir sobre o tema em questão

problematizando-o a partir de três aspectos que se imbricam: a ação do coordenador

Page 25: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

23

pedagógico na e através da organização da escola, o significado histórico da

hierarquia da função do coordenador pedagógico na instituição escolar e as

concepções que amparam sua prática cotidiana. Tais reflexões têm base no

pensamento de Paulo Freire, na pedagogia crítica desenvolvida através de seus

escritos e ainda de Vitor Paro, Ilma Passos, MacLaren e outros.

Pautamo-nos em Paulo Freire (1987), na Pedagogia do Oprimido, sobretudo

no seu pensamento acerca da dialética da relação dialógica, para afirmar nesta

pesquisa que os sujeitos da escola devem realizar o processo educativo de educar e

aprender em comunhão, e ainda, que a prática educativa realizada por meio da ação

coordenadora do professor na investidura da função de coordenador pedagógico

deve, sobretudo, fazê-lo no movimento da transitividade para a promoção de sua

própria transformação. E também procuramos olhar o coordenador pedagógico

como um ser motivado e aberto para o conhecimento e para a busca do

entendimento de sua prática, um modo de imprimir materialidade a sua função na

escola, pautado na compreensão dos princípios que regem uma Educação Cidadã

sedimentada no ideário da pedagogia crítica para a qual MacLaren (1997, p. 190)

aponta que “uma grande tarefa da pedagogia crítica tem sido descobrir e desafiar o

papel que as escolas representam em nossa vida política e cultural”.

Esse desafio posto não está apenas na consistência lógica da verificação,

mas na escolha moral a ser feita. Assim sendo entendemos ser necessário neste

projeto conceber a ação coordenadora sob a égide da pedagogia crítica. Como

resultante dessa escolha moral, parece evidente que o coordenador pedagógico, o

diretor e os professores podem não ter tão clara tal concepção, mas sob o aspecto

político esta abordagem se faz necessária, uma vez que a Escola é e sempre será

um artefato social, resultante também de práticas sociais, impregnadas de

representações legitimadas de formas individuais e coletivas de vida social, que se

estabelecem nas relações de poder que veem na escolarização uma forma de

política cultural, como enfatiza Giroux (1997).

Ainda segundo MacLaren (p.199) a “pedagogia crítica compromete-se com

formas de aprendizado e ação empreendidos em solidariedade com grupos

Page 26: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

24

subordinados e marginalizados”. Tal entendimento talvez nos leve à apreensão do

conceito da função do coordenador, numa compreensão filosófica da materialidade e

territorialidade na e através da organização da escola.

No pensamento de Paulo Freire e de Henry Giroux acerca da distinção entre

escolarização e educação, a primeira como sendo um modo de controle social e, a

última, potencial de transformação da sociedade, entenderemos o comprometimento

(ou não) e a função de um sujeito ativo e comprometido (ou não) com o aumento de

“poder pessoal e social” dentro da escola, pautados numa concepção histórico-

crítica acerca do papel social da escola, bem como dos atores ali presentes, no

paradigma de gestor e no das escolhas “morais” que estão postas no “chão” da

escola.

Neste contexto, talvez seja possível perceber que começa a se explicitar para

muitos dos envolvidos com a atuação do coordenador pedagógico que vários estilos

de coordenar os trabalhos nas escolas estão em construção.

O segundo aspecto do tema se refere ao significado histórico da hierarquia de

funções na instituição escolar, e merece ser tratado com bastante atenção, não só

pela complexidade que carrega, mas porque historicamente tem marcado com tal

intensidade os modos de fazer e pensar da educação que suas práticas acabaram

por “naturalizar-se”, de acordo com Saviani (2003, p.27),

É exatamente num contexto de maior valorização dos meios

na organização dos serviços educacionais, tendo em vista a

racionalização do trabalho educativo, que ganham relevância

os técnicos, também chamados de especialistas em educação,

entre eles, o supervisor.

Referimo-nos aos códigos e normas regulamentadores e produtores das

relações pedagógicas entre técnico, diretor, professor, aluno, chegando até as

famílias. Instauradas desde as décadas de 20 a 30, durante o processo de

institucionalização do sistema escolar, essas regras foram lentamente se

incorporando às práticas pedagógicas, criando hábitos e reestruturando

mentalidades. Assim, perderam-se de vista os fios históricos, artífices dessa “lógica

Page 27: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

25

administrativa”, que passou a ser percebida, em seus dispositivos de funcionamento,

como “natural” e intrínseca aos espaços escolares.

Vemos como sendo necessário tomarmos consciência desses fios históricos

como uma contingência que nos permita perceber a trama da fabricação de

discursos, que nos leve a pensar e formar hábitos e atitudes engendrados

historicamente, os quais perpassam pelo conceito de homem e pela concepção de

sociedade e de Educação que são produzidos. Pelo contrário, ao compreendermos

que certas regras e normas que delimitam e burocratizam nosso fazer pedagógico

foram produzidas sob contingências determinadas e por sujeitos em luta, disputando

projetos sociais bastante concretos, entendemos que nosso olhar pode ser mais livre

do que pensamos, ou seja, ao descobrirmos que tal condição pertence a

contingências históricas entendemos que é possível ensaiar novas formas de ver e

fazer (ALVES E GARCIA, 2003). A complexidade desta reflexão está no fato de que

sintetiza um longo e polêmico movimento histórico, em que as memórias registradas

pela história da educação nem sempre nos esclarecem sobre o processo pelo quais

certos projetos foram vitoriosos (RANGEL, 2001).

Assim, fomos formados e nos profissionalizamos a partir de um discurso

(paidéia e duléia) 4 uniformizante e consensual, atuando numa estrutura na qual a

lógica administrativa e racionalizadora, tomada como medida de eficiência, pode ter

extrapolado nossas possibilidades de pensar e fazer.

Com essas reflexões, num terceiro aspecto nos propomos pensar o trabalho

do coordenador pedagógico. Nossa análise se concentra no que consideramos

essencial: a importância e a singularidade da ordenação política do cotidiano escolar

a partir da ação coordenadora das práticas educativas que se desenvolvem na

escola, pautada nas experiências que estão sendo geradas a partir das diferenças

culturais de cada escola, em meio a enfrentamentos, lutas, discussões e também a

diálogos e solidariedade (FREIRE, 1987). Trata-se de um momento rico de

construção de uma territorialidade que deve ser vista e trabalhada com muita

4 Paidéia – Educação da infância – o pedagogo que supervisionava a educação das crianças da classe dominante;

e duléia, em grego, significa escravidão; daí, também, Educação dos escravos (SAVIANI, 2003, p. 17).

Page 28: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

26

perspicácia, uma vez que a retórica da autonomia e das especificidades do papel do

coordenador se faz presente em muitos textos oficiais, surgindo junto a

regulamentações burocráticas difíceis de serem superadas, infindáveis, e por isso

mesmo, inconclusivas.

Torna-se emergencial perceber a natureza da prática pedagógica do

coordenador, compreendendo essa natureza como sendo resultante de

pressupostos pedagógicos e políticos de uma concepção de educação na qual esta

pautada, e significativamente, toda a organização da Escola. Entendemos serem

várias as dificuldades e os problemas enfrentados pelos agentes da coordenação

escolar, ao transformar na prática diária as propostas teóricas e legais,

principalmente no momento em que todas as posições mais recentes em educação

ressaltam a necessidade da revisão do papel da escola; deste modo as pessoas que

determinam as mudanças e que nem sempre são as mesmas a realizá-las em ações

concretas, não podem contribuir para uma divisão de forças entre os que elaboram o

referencial teórico que embasa as mudanças necessárias e a grande maioria de

pessoas que está em contato diário com os problemas educacionais. Daí a

importância da determinação da “territorialidade” do papel do professor coordenador

pedagógico e a possível contribuição que se possa dar em melhor definir a sua

função política na unidade escolar, sobretudo no aspecto de ordenador da política

de formação pedagógica nesse espeço e, principalmente na explicitação de sua

identidade.

É necessário entender, obviamente, que nem todos os problemas são

advindos da prática pedagógica do coordenador, sendo que os históricos dilemas da

escola são conjunturais e de gestão pública. O mundo do trabalho exige de seus

trabalhadores disponibilidade e referências e o cotidiano da escola reflete o modelo

de organização da sociedade capitalista operacionalizado na divisão social do

trabalho e de classe. A organização da escola ainda está pautada nesse modelo, a

estrutura curricular ainda engessa e burocratiza a escola, que tenta sobreviver aos

pruridos cientificistas dos "diagnósticos" e "levantamentos" intermináveis,

reiteradamente, inconclusivos.

Page 29: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

27

Assim, afirma Contreras (1990, p.27) que “a escola é produto, em parte, do

próprio processo de institucionalização da sociedade que vem associado à divisão

do trabalho e à concomitante distribuição social do conhecimento”.

Assim, os problemas da escola parecem ser simplesmente aqueles que são

percebidos pelas comunidades escolares e locais, podendo ser decorrência de uma

concepção simplista de apreender a essência do cotidiano da escola. Haverá, nessa

percepção, enganos, distorções. Neste contexto deve-se indagar como a prática

pedagógica da coordenação pode estimular o professor à criticidade, a análise, a

dúvida produzindo conhecimento ou apenas se baseando numa educação livresca e

burocrática de fácil e superficial implementação. Poderia se depreender então, que

há muitas interferências alheias ao processo-ensino aprendizagem, que poderiam

explicar a dicotomização da prática educativa envolvendo tais atores.

Contreras (1990, p.40) ainda observa:

A incorporação das ciências sociais na decisão e justificação do currículo permitiu identificar a visão da sociedade estratificada por classes com sua concepção como estratificada por capacidades, justificando a primeira pela segunda, “desideologizando” assim a questão e apresentando-a como irremediável.

Por outro lado, é importante que se avalie a escola sem retirá-la histórica e

contextualmente das discussões em torno das questões dilemáticas em que está

inserida a educação, objeto de investigação da Pedagogia, um objeto inconcluso,

histórico, porque o é também o ser humano (FREIRE, 1987), que constitui o sujeito

que a constitui e é por ele constituída. Por isso, não será captada na sua

integralidade, mas o será na sua dialeticidade, no seu movimento, nas suas

diversas manifestações enquanto prática social, nas suas contradições, nos seus

diferentes significados, nas suas diferentes direções, usos e finalidades. Tal postura

encontra eco nas palavras de Kowarzik (1983, p.70) ao dissertar sobre a dialética do

diálogo libertador de Paulo Freire quando afirma que “a educação é uma

experiência basicamente dialética da libertação humana do homem, que pode ser

realizada apenas em comum, no diálogo crítico entre o educador e educando”.

Page 30: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

28

Desta forma, podemos demandar esforços para se pensar o conhecimento na

direção emancipadora e possibilitar que os atores da escola,

professor/aluno/gestores/coordenadores pedagógicos ao construírem seus saberes

o façam num espaço de profunda reflexão-ação. Para Alarcão (2003, p.38) a

assertiva se assenta na ideia que

Uma Escola reflexiva é uma comunidade de aprendizado e é um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI.

Propõe-se que essa reflexão-ação esteja no âmbito da interferência do real,

da modificação e transformação da práxis educativa, com vistas a,

substantivamente, transformar o ser humano alargando os conhecimentos que os

educadores têm de sua ação sobre a própria ação de educar, como forma de intervir

socialmente nos contextos onde se situa.

A visão aqui construída pretende apenas propiciar uma compreensão, a partir

da realidade da escola acerca da natureza do trabalho empreendido pelo

coordenador pedagógico, com base em concepções de educação e de gestão que

claramente definem qual ordenação política é dada a esse cotidiano; visando

contribuir para o repensar das práticas cotidianas desenvolvidas pela e na escola,

contribuindo, enfim, com a prática pensada e dialogada para e por nossos alunos,

razão pela qual empreendemos tanto esforço.

A prática a ser discutida aqui se insere na concepção de educação enquanto

processo dialógico entre os sujeitos, mediatizada pelos saberes imprescindíveis à

construção da prática educativa (FREIRE, 1998) por esta premissa concebe-se que

a prática educativa é feita de uma série de exigências, e dentre elas cumpre-nos

destacar a reflexão crítica sobre a prática, que Paulo Freire na Pedagogia da

Autonomia denomina como sendo o - “pensar certo -”; logo, prática alia-se ao

Page 31: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

29

conceito de saber, de pensar e o pensar sobre o fazer5, que Carvalho (2005, p.47)

classifica como sendo

Um ato político de interação entre os sujeitos no processo de construção do conhecimento, sendo, portanto, um trabalho de mediação que se expressa na prática educativa enquanto processo do conhecimento [...].

Nesta abordagem podemos pensar o ato educativo como resultante de um

processo de questionamento científico. Alarcão (2008) define aprendizagem como

sendo “... um processo transformador da experiência no decorrer do qual se dá a

construção do saber” e, por conseguinte a prática educativa se dá no movimento da

observação6, do - “pensar certo” - (FREIRE,1998) – na reflexão (SCHON,1992;

NÓVOA,1992; ALARCÃO,2008) e na ação (ALARCÃO,2008; GADOTTI,1998;

FREIRE,1998; PARO,2007; VEIGA,1995; CARVALHO,2005).

Nesta trilogia pensar certo/reflexão/ação está demonstrado o movimento da

prática: a começar pelo convite freiriano do - “pensar certo” - ou seja, uma postura

que coloca como condição que saber ensinar não é transferir conhecimento, mas sim

a possibilidade de construção do trabalho educativo; para ele uma das “bonitezas” é a

possibilidade de estar no e com o mundo como seres históricos, intervindo para

conhecê-lo e assim produzindo conhecimento. Quanto à proposta da reflexão, através

dos escritos de Schon (1992) se introduzem conceitos de prática, caracterizando-a

como sendo resultante apenas de um processo reflexivo. Com Nóvoa (1992) e

Alarcão (2008) amplia-se o conceito de professor reflexivo na intermediação da

prática; para estes autores a reflexão pode operacionalizar as transformações, de

modo sistemático, para o crescimento profissional e o desenvolvimento do ensino. Na

defesa da ação pedagógica como mola propulsora do ato educativo está Gadotti

(1998) quando propõe o rompimento com as ideologias dominantes que se apropriam

de discursos teoréticos para representar o mundo de maneira falsa e distorcida, sua

5 Abordagem utilizada na explicitação da planificação de Alarcão (2002) modelo concebido primeiramente por

Kolb (1984) 6 - Os processos de observação e reflexão são assim entendidos quando a experiência é analisada e

conceptualizada como servindo de guia para as novas experiências, o que confere à aprendizagem um caráter

cíclico, desenvolvimentista. Alarcão (2002, p.49)

Page 32: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

30

base está no desvelamento e na desocultação dos “pensamentos apócrifos”7, ou seja,

que retiram a verdade e a fé na força da construção do pensamento crítico e

coletivizado.

Com Freire (1998) a ação é proposta como um exercício de liberdade que é

inerente ao ser humano e que nos envolve em ações práticas e conceituais

resultando numa experiência dialógica singular e ímpar. Paro (2007), por sua vez

afirma que a ação é comprometimento que se estabelece em um modelo de

educação e apresenta a atualização histórico-cultural do ensino envolvendo desde

dimensões individuais e coletivas a dimensões políticas que podem afirmar ou

reafirmar a função da escola. Veiga (1995) defende a ação como forma de organizar

o trabalho pedagógico na escola; para ela a escola é local de concepção, realização e

avaliação do projeto educativo. Carvalho (2005) ao descrever os caminhos perversos

da educação propõe que a ação só pode ser impulsionada pela reflexão da prática,

reconhecendo a escola como um espaço de problematização para o repensar crítico

dessa prática.

Neste sentido, pensamos que a coordenação pedagógica deve revestir-se de

significados que a levem para além da simples orientação corriqueira e metódica, mas

na perspectiva das ações participativas, da intrínseca relação entre concepção de

construção do conhecimento e concepção do fazer pedagógico, entrelaçados pela

visão de mundo, de homem e de sociedade.

2.1 Da Supervisão Escolar ao Coordenador Pedagógico

A ideia de supervisão nasce, é importante que se diga, com a necessidade

de avaliar a organização da Escola. A supervisão educacional é, portanto, contributo

necessário para a ideia, também, da construção de uma escola de qualidade.

Nestes termos, vemos que a ideia de supervisão é mediadora da ação coordenadora

7 O termo "apócrifo" foi cunhado por Jerônimo, no quinto século, para designar basicamente antigos documentos

judaicos escritos no período entre o último livro das escrituras judaicas, Malaquias e a vinda de Jesus Cristo. São

livros que não foram inspirados e que não fazem parte de nenhum cânon. São também considerados apócrifos os

livros que não fazem parte do cânon da religião que se professa. http://pt.wikipedia.org/wiki/Livros_ap%C3%B3crifos

Page 33: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

31

que historicamente passa da condição de função para a de profissão. Pode-se

afirmar que a função supervisora nasce nas sociedades primitivas, nas quais o

ambiente, o meio social e relações múltiplas empreendidas pelo ser humano

determinavam um modo de organização e neste modo e em comunidade se

educavam as pessoas. A Escola nasce com o conceito de organização das polis,

onde frequentar a Escola era um privilégio somente para os que tinham direito ao

ócio, isto é, a quem detinha o direito de não trabalhar, os que não precisavam

trabalhar, os ricos, portanto. Saviani (2003, p.16) explica que “a palavra escola,

como se sabe, deriva do grego e significa, etimologicamente, o lugar do ócio”.

A partir da sociedade antiga, a partir do direito à propriedade, a escola

também se dividiu: uma dominante – para a classe que não precisa trabalhar e outra

– para escravos, servos, feudos que representa o processo de trabalho. Neste

contexto, Saviani (2003, p.16), a “função supervisora [...] vai assumir claramente a

forma de controle de conformação, de fiscalização e, mesmo, de coerção expressa

nas punições e castigos físicos”.

A função do supervisor traz em si duas configurações: do pedagogo que

supervisionava a educação (Paidéia) das crianças das classes dominantes e do

capataz que supervisionava a educação (duléia) da classe trabalhadora (Idem,

2003).

Na época moderna a necessidade da generalização da escola impõe sérias

exigências para a estruturação e organização escolar. Neste processo, ao se

garantir a acessibilidade a uma parte maior de cidadãos, indiscriminadamente, torna-

se necessária também a disseminação dos códigos formais. Com esse processo de

institucionalização generalizada da educação, percebe-se o esboçar da ideia de

supervisão educacional. Tal ideia vai ganhando materialidade à medida que a escola

vai se organizando, passando pela manifestação religiosa nos séculos XVI e XVII, à

qual se somam as propostas de Lutero, Calvino e Milanchtton, com Comenius, os

Jesuítas e os lassalistas, nos séculos XVIII e XIX; passa também pelas propostas de

organização de sistemas estatais e nacionais, de orientação laica, até as amplas

redes escolares instituídas no século atual (SAVIANI, 2003, p.19).

Page 34: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

32

A partir desse momento histórico, com a ideia de supervisão já bastante

sedimentada, novos passos são dados na direção de se conferir uma concepção

identitária a este profissional: neste modelo de organização escolar era preciso

separar a “parte administrativa” da “parte técnica”, separação que é condição sine

qua non para o surgimento do supervisor educacional, com função distinta da do

diretor e do inspetor. Como afirma Saviani:

Momento de maior valorização dos meios na organização do trabalho educativo, tendo em vista a racionalização do trabalho educativo onde os técnicos ganham relevância, também chamados de especialistas em educação, entre eles, o supervisor (2003,p.27).

Já em 1969, temos a edição do Parecer 252, com ele reformulam-se os

cursos de Pedagogia em quatro habilitações: Administração, Inspeção, Supervisão e

Orientação. Não se pode perder de vista que o modelo organizativo da Escola

pautou-se pela e na pedagogia tecnicista, cujo objetivo mais premente era garantir a

eficiência e a produtividade do processo educativo. Esses fios condutores históricos

nos levam a compreender por que talvez seja tão complicado, ainda hoje, entender e

delimitar a territorialidade da ação educativa do coordenador pedagógico. Para

Saviani (2003) se o supervisor não se dá conta de que cumpre uma função política,

tampouco tem consciência de qual função é essa e, menos ainda, sabe explicitá-la.

Se nos anos 60 e 70 a supervisão como especialidade pedagógica deve

garantir a efetividade – eficiência dos meios e eficácia dos resultados - das práticas

educativas desenvolvidas na escola, pode-se ver que se espera desta figura dentro

do modelo tecnicista o que nos diz Rangel (2003, p.71) “Sonha-se com a supervisão

que acompanha, controla, avalia, direciona as atividades da escola, evitando

„desvios‟ na direção do seu sucesso”.

Na década de 80 a Universidade do Estado do Rio de Janeiro reformula seu

curso de Pedagogia, retirando a formação do supervisor, sendo que essa formação

específica transpõe-se para a pós-graduação a qual nesse momento, acredita-se ser

espaço para sua ressignificação, “no sentido de reconceituá-la e o de revalorizar a

Page 35: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

33

sua formação e ação, reconhecendo seus aspectos gerais, básicos e sua

especificidade” (RANGEL, 2003, p.74).

Novamente os estudos acerca da questão voltam-se para a ação supervisora,

pensando-se a supervisão a partir do seu nome como atributivo identitário, numa

perspectiva de que a designação está diretamente ligada ao pensamento de que o

significado do nome é igual ao significante da função. Rangel (2003, p.76) apresenta

vários significantes da função supervisora, como forma de dar identidade à função

do supervisor educacional:

a) Supervisão se constitui pela articulação das atividades específicas da escola. (super) perspectiva de ângulo de visão, para o supervisor possa olhar o conjunto de elementos e seus elos articulados.

b) Supervisão educacional situa no que diz respeito às questões e serviços da educação, a ação supervisora. Aspectos macros, aspectos estruturais, sistêmicos da educação.

c) Supervisão escolar serviços administrativos, de funcionamento geral como também pedagógicos.

d) Orientação pedagógica – designa, parcialmente, uma das atividades supervisoras;

e) Coordenação – designativo que se atribui a uma das condutas supervisoras;

f) Coordenação de turno – refere-se à organização das atividades de cada turno escolar;

g) Coordenação de área ou disciplina – função integradora de conteúdos e métodos de ensino no âmbito de determinada disciplina ou área de estudo;

h) Supervisão pedagógica – refere-se à abrangência da função (coordenar e orientar).

Ainda pensando na designação nominativa, as representações em torno da

figura do supervisor são remissivas, no Brasil, ao capataz e à ditadura. Em seu bojo,

traz consigo para o interior da escola a divisão social do trabalho, deixando clara a

forma de hierarquização do trabalho na escola. Em função dessa origem, nada

nobre aos pensamentos de hoje e que se apresenta como sendo ligada ao poder e

ao autoritarismo, há a necessidade, agora, de o COORDENADOR PEDAGÓGICO

assumir uma postura diferenciada: conquistar a confiança dos professores

(VASCONCELLOS, 2006, p.86).

Page 36: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

34

2.1.1 Caracterização Histórica da Coordenação na Rede Estadual de Mato

Grosso

Os caminhos percorridos pelas estruturas organizativas da Rede Estadual de

Ensino de Mato Grosso somente permitiram, até 1995, que ocupassem essa função,

ainda denominada supervisão escolar, o professor com habilitação em Pedagogia, a

que se considerava como “habilitação específica na área”. Por essa época ainda

existia no quadro da carreira do magistério a função de administrador educacional.

Na Instrução Normativa 002/95/SEE/MT8 de 15 de janeiro de 1995, pode-se

observar o seguinte texto no seu artigo 5º § 1º: “Só poderá integrar a equipe

Técnico-pedagógica profissional com habilitação específica na área”.

A novidade é que pela primeira vez, na Alínea A do Artigo 6º da mesma

Instrução Normativa aparece a possibilidade de que inexistindo um profissional

habilitado na área possa assumir essa função como coordenador pedagógico um

professor de outra área. Tem-se, inicialmente, que: a habilitação específica

correspondia ao supervisor educacional e quando aberta a outras licenciaturas à

coordenação pedagógica. A referida Instrução Normativa ainda previa como critério

de escolha um teste seletivo pelo qual passariam os candidatos.

No Diário Oficial do Estado de Mato Grosso de 28 de dezembro de 1995, na

página 88, naquele mesmo ano, portanto, é editada outra Instrução Normativa, a de

nº 006/95/SEDUC/MT, que dispõe também sobre os critérios para a organização e

reestruturação do quadro de pessoal das escolas públicas estaduais. O texto do

Artigo 2º tem a seguinte redação:

As atribuições de coordenação pedagógica na escola serão exercidas por coordenador pedagógico, escolhido através de critérios de conhecimento, dentre os professores efetivos, estáveis ou contratados temporariamente, com formação na área de educação.

No parágrafo primeiro lê-se: 8 SEE/MT- Secretaria de Estado de Educação, no mesmo de ano, em 1995 a Instituição passa a ser denominada

SEDUC – Secretaria Estadual de Educação e Cultura.

Page 37: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

35

Ficam desativadas as funções de Supervisor Escolar,

Administrador e orientador Educacional.

No parágrafo segundo lê-se:

Os atuais Supervisores Escolares continuarão no exercício de

suas funções até a seleção dos coordenadores pedagógicos.

Nessa Instrução Normativa a Secretaria de Estado de Educação traz uma

definição da prática educativa político-administrativa e pedagógica do coordenador:

a coordenação pedagógica é revestida de uma concepção de prática educativa, o

que sugere a configuração de um ser responsável por esse trabalho na escola.

Então para as atribuições da prática de coordenação do trabalho pedagógico na

escola recorre-se à instituição do Coordenador Pedagógico. Determinam-se no

artigo 3º, em 4 alíneas, as atribuições desse Coordenador Pedagógico:

a) Coordenar e subsidiar a construção do Plano Político da Escola; b) Acompanhar e avaliar a execução do Plano Político pedagógico; c) Articular a formação continuada dos professores e membros do

Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar; d) Viabilizar as estratégias e ações necessárias à garantia da

qualidade do ensino.

Em 30 de janeiro de 1996 é editada a Instrução Normativa 001/SEDUC/MT,

(um mês após a edição da já mencionada Instrução Normativa 006 de 28 de

dezembro de 1995), na substituição do Secretário Walter Albano pelo Secretário

Carlos Alberto Maldonado, revogando a 006/95; porém, o novo texto não se refere

mais à Supervisão Escolar e reforça ainda mais a institucionalização da função de

Coordenação Pedagógica. No seu Artigo 3º, tem-se a seguir: “As escolas poderão

possuir coordenação pedagógica, atendendo a seguinte proporção [...]” No

Parágrafo 2º e 3º, lê-se:

Os coordenadores pedagógicos serão professores efetivos,

possuidores de qualificação profissional em nível de 3º grau,

Page 38: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

36

escolhidos pelo conjunto dos professores em exercício na

unidade escolar.

Em caso de inexistência no quadro da Escola de professores

habilitados a nível de 3º grau, a escolha deverá recair naqueles

que estejam cursando o 3º grau, ou, se persistir a ausência,

naqueles que possuam habilitação a nível de 2º grau.

Nota-se, então, a extinção do termo supervisor educacional. A

coordenação pedagógica estava, enfim, institucionalizada e a exigência de formação

para isso, era apenas que fosse em nível de 3º grau, podendo ser, portanto, de

qualquer licenciatura. No caput do artigo 4º, temos, então, a definição do papel a ser

desempenhado pelo coordenador pedagógico, uma compilação do texto revogado

da Instrução Normativa 006/95/SEDUC/MT, agora com 5 alíneas:

a) Coordenar e subsidiar a construção do Plano Político Pedagógico da escola;

b) Desempenhar papel integrador das práticas pedagógicas na escola;

c) Acompanhar e avaliar a execução do Plano Político Pedagógico; d) Articular a formação continuada dos professores e membros do

Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar; e) Viabilizar as estratégias e ações necessárias à garantia de

qualidade do ensino.

Um pouco antes dessas medidas, mais especificamente em 1994, o

Estado de Mato Grosso dá terminalidade aos cursos de Magistério que eram

oferecidos na rede pelas Escolas Estaduais autorizadas para esse fim. E, ainda

neste mesmo período, a UFMT9 promove reforma na estrutura curricular do curso de

Pedagogia, deixando de ofertar em nível de graduação a formação para Supervisão

e Administração Escolar, formações então elevadas em nível de pós-graduação.

Tudo isso culmina por trazer ao “chão da escola” uma série de lutas, que

resulta numa nova configuração na carreira do magistério a partir da promulgação

da Lei 9394/96, que corrobora com esta ideia. Ainda mais, em Mato Grosso é

aprovada, mediante luta empreendida pelo SINTEP/MT10, a LC11 50 de 01/10/1998,

9 UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso.

10 SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública de Mato Grosso.

11 LC 50/MT – Lei Complementar de nº 50 do Estado de Mato Grosso.

Page 39: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

37

implantando a Carreira dos Profissionais da Educação Básica de Mato Grosso e,

depois, a LC04 de 22/01/2002, que altera a LC50 dando-lhe nova redação. Temos,

enfim, a caracterização de profissionais da educação atribuída a todos os atores da

escola, não mais, apenas, aos docentes.

A partir da implementação dessas leis no estado, todos os profissionais

da Rede Estadual de Ensino precisaram realizar um novo enquadramento na

carreira. Obrigou-se que os professores que tivessem concurso de 1ª a 4ª série, mas

não fossem habilitados em Pedagogia executassem a partir dessa data suas

funções de acordo com sua formação em nível de 3º grau. Assim, professores

concursados para as séries iniciais, mas que estavam por aquela época (1998) já

formados em Letras, por exemplo, deveriam ministrar aulas de 5ª a 8ª séries; o que

valia não mais eram seus concursos, mas as suas habilitações, mantidos apenas os

professores com Magistério sem formação superior. Todo esse movimento

produzido na Rede Estadual de Ensino provocou uma série de transtornos, mas

também uma profícua reflexão acerca do papel da escola e consequentemente do

papel do professor e, ainda, sobre o professor na investidura da função de

coordenador pedagógico.

Torna-se claro também que certa angústia acompanhou essas experiências

singulares. Sente-se, por um lado, a necessidade de “definir a identidade do

coordenador pedagógico” cujo espaço parece não estar assegurado e, portanto,

ameaçado por outras formas de poder e necessidades (PARO). Por outro, é possível

apreender um movimento criativo e inventivo em que, a despeito da não

“institucionalização” de fato da função, ou talvez por isso mesmo, existe um

processo de conquista de uma “territorialidade própria.” Neste último sentido, é

preciso decorrer um tempo para a acomodação de conquistas, pois não há,

felizmente, uma tradição ou modelos que condicionem tais práticas. Elas estão se

fazendo mediante um aprendizado local, com indagações e buscas de respostas a

problemas gerados no cotidiano das escolas.

Page 40: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

38

Essas indagações e buscas parecem querer se explicitar nos encontros de

coordenadores pedagógicos promovidos pelo CEFAPRO/MT12 e nas trocas de

experiências que os coordenadores promovem entre si e que passam a ter um

significado especial, já que a escuta do outro também adquire um sentido de

aprendizado.

Outro espaço aberto nas escolas, para que tais indagações vicejem são as

discussões e as reflexões que brotam da (re) discussão acerca da identidade

docente, a partir das reflexões do projeto SALA DO PROFESSOR13 que se tem

desenvolvido nas unidades escolares. Sob o ponto de vista do alcance político-

pedagógico, pode-se dizer que há uma oportunidade histórica se construindo em

relação ao trabalho do coordenador pedagógico. Torna-se imperioso, portanto, a

busca de definição de sua função. O movimento talvez se faça a partir e no interior

das relações travadas no dia-a-dia da escola; são caminhos e atalhos a serem

construídos/seguidos.

A esse contexto é importante acrescentar as atuais políticas de valorização da

ação coordenadora nas escolas de Mato Grosso quando se define, com amparo na

Lei Complementar 206/2004, que dispõe critérios sobre a dedicação exclusiva a

instituição também da gratificação aos coordenadores e, ainda, a aprovação no

Congresso Nacional da Lei 11.301/2006, promulgada pelo Presidente da República

e que permite ao professor na função de direção e coordenação o mesmo direito à

aposentadoria especial. Isto potencializa a conquista de uma “territorialidade

própria”.

A Rede Estadual de Ensino em foco tem deflagrado uma política que orienta a

formação centrada na escola, o que nos levou a refletir sobre as condições em que

se dá o trabalho do Coordenador Pedagógico da escola pública estadual a despeito

de todas as considerações anteriormente feitas. O coordenador pedagógico passa

agora a ser anunciado como um ator em potencial do processo formativo na escola,

papel antes de competência e gerenciamento dos CEFAPROS - Centros de

12

CEFAPRO/MT – Centro de Formação de Professores do Estado de Mato Grosso. 13

SALA DO PROFESSOR – Projeto do Formação Continuada do Estado para ser desenvolvido nas horas-

atividades das Escolas Estaduais do Estado.

Page 41: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

39

Formação dos Professores, para além de sua já consolidada ação como

organizador/mediador da proposta educativa da escola.

LUCK (2006, p. 23-24) Observa que

A gestão emerge para superar, dentre outros aspectos, carência: a) de orientação e de liderança clara e competente, exercida a partir de princípios educacionais democráticos e participativos; b) de referencial teórico-metodológico avançado para a organização e orientação do trabalho em educação; c) de uma perspectiva de superação das dificuldades cotidianas...

2.2 Coordenação pedagógica: Conceitos e Significados

Para compreender o sentido e o significado da coordenação pedagógica no

contexto da educação escolar no Brasil, fez-se necessário percorrer a trajetória

história da supervisão escolar e sua passagem para uma nova configuração de

ordenação pedagógica na escola, denominada de coordenação pedagógica.

Percorrido o trajeto, pensamos ser necessário perceber agora, como está

estabelecida essa nova configuração a partir dos conceitos e significados

produzidos.

Para efeito de nosso entendimento, torna-se imprescindível perceber não só

a natureza da prática educativa do coordenador pedagógico, empreendida político-

pedagogicamente nesse contexto, bem como perceber também, suas imbricações

conceituais e os significantes produzidos e construídos na busca da significação ou

ressignificação dessa função no contexto do desenvolvimento profissional

(SACRISTAN, 1995) que se desenvolve na escola.

Nestes termos, tomamos por base as palavras de Ademar de Carvalho que se

encontram num artigo apresentado na Anped – CO 2008, que assim define o

coordenador pedagógico:

Page 42: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

40

Em nossa realidade a coordenação pedagógica é ocupada por um professor que desempenha atividade docente na escola. Isso significa dizer que o coordenador é um professor que deve comprometer-se como o trabalho pedagógico de sua escola. (2008, p.135)

Para isso, simultaneamente, é preciso explicitar uma conceituação, que tem

sido o cerne de diversas compreensões acerca do mesmo assunto: o papel social da

Escola, sendo portanto, indissociável dos significados produzidos historicamente em

torno da coordenação pedagógica, para só então, a partir dessa contextualização,

melhor compreender e apreender os conceitos e significados que circundam a

questão.

Vitor Paro (2008) faz um estudo acerca desse assunto e nos traz duas

formas de se visualizar conceitualmente a educação. A primeira é denominada por

ele como sendo a concepção do senso comum. Nesta, a educação é entendida

como sendo “a simples passagem de conhecimentos de quem sabe para quem não

sabe” (p.20), também definida por Paulo Freire como sendo “Educação Bancária”.

Por esta concepção, a Coordenação Pedagógica é, então, ou se torna, uma mera

organizadora das rotinas da escola, sejam elas de qualquer natureza. Numa

linguagem mais simplista ainda, são “bombeiros a apagar os diferentes focos de

incêndio na escola, e no final do dia vem o amargo sabor de que não se fez nada de

muito relevante [...]” (VASCONCELLOS, 2006, p. 85). O mesmo autor explicita que é

grande a esfera de atuação e preocupação do coordenador pedagógico, abarcando

elementos, tais como currículo, construção do conhecimento, processo ensino-

aprendizagem, relações interpessoais, ética, disciplina, avaliação de aprendizagem

e institucional, relacionamento com os pais, recursos didáticos, e tantos mais; que se

faz necessário reiterar que nosso olhar se estabelece no momento em que ele deve

dar uma ordenação política a toda essa esfera de atuação e preocupações

infindáveis. Neste emaranhado de situações com as quais se lida no dia-a-dia na

concepção do senso comum pode ocorrer uma série de distorções no que se

concebe por educador e por educando, evoluindo das atividades-fins (o processo

pedagógico) para as atividades-meio (direção, coordenação), que por sua vez são

desenvolvidas de forma a não dar oportunidades de decisão aos envolvidos no

trabalho da escola. Vitor Paro (2008, p.9) pontua ainda que,

Page 43: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

41

No senso comum, educação e ensino são tidos por sinônimos: ambos se reduzem a passagem de conhecimentos- ainda que se trate de valores ou atitudes. O importante é sempre o conteúdo, o educador é o simples provedor de conhecimentos e informações; e o educando, o mero receptáculo a tais conteúdos.

A educação “bancária” apresentada por Paulo Freire consiste apenas em

transmitir conteúdos de forma verbalizada, oral ou escrita, de conhecimento e

informações, de quem educa para quem é educado. Quanto à gestão, nesta

concepção tradicional, a convivência acontece apenas de uma forma: pela

dominação, ou seja, quando uma das partes reduz ou anula a subjetividade da outra

com a capacidade de determinar o comportamento de outros.

Quanto à segunda conceituação, que é a concepção crítica da educação,

Paro (2008, p.27) assim explicita:

Para a educação, a principal implicação dessa condição do humano diz respeito ao tipo de sociedade que se tem em mente em termos políticos e, por conseguinte, ao tipo de homem político que se pretende formar.

A educação consiste na apropriação da cultura, porque interfere na natureza

ao criar suas próprias condições de existência, interfere socialmente quando atualiza

a história e a sua cultura, enfim, interfere na formação de si próprio e de outrem,

como ser social e político. Consideramos interessante ressaltar que nosso foco jaz

sobre a configuração, a partir desses contextos, do papel do coordenador

pedagógico na escola. Por este viés, deve ser entendido, no pensamento de

Carvalho (2008),

que o papel fundamental do coordenador reside na capacidade de mobilizar os professores, alunos e comunidade para a constituição e concretização do projeto político pedagógico da escola. (p. 139)

Page 44: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

42

Logo, o coordenador é um ordenador da atividade educativa na escola, é “o

que consegue reunir à sua condição de especialista a sua condição de político”

(Idem, 2008, p.138).

Mas é preciso ter um entendimento histórico acerca da “configuração” dessa

função na escola. E ao buscar na história tal configuração, podemos perceber que

grande parte dos problemas acerca da identidade do coordenador pedagógico,

denominação atualmente dada ao supervisor pedagógico, decorre também dos

vários caminhos que a escola em sua forma organizativa foi tomando ao longo do

tempo; nisto se encontram desde aspectos culturais significativos e multifacetados,

até as nuances tayloristas, das quais a Escola ainda não conseguiu se desvencilhar.

Investigando-se a organização das atividades educativas no Brasil a partir dos

Jesuítas, mais especificamente do Padre Manuel da Nóbrega, tem-se a formulação

do Plano de Ensino da Educação Jesuítica, o qual traz em seu bojo a ideia de

supervisão. Após a morte de Nóbrega, o Ratium Studiorum é o documento mais

original a formular e institucionalizar tal concepção, sendo constituído por um

conjunto de regras que procuram normatizar todas as atividades das pessoas

ligadas ao ensino, institucionalizando, enfim, a supervisão pedagógica. Neste

postulado a função supervisora é destacada das demais funções educativas

(SAVIANI, 2003). E só tempos depois, com as aulas régias, que tal função perde sua

materialidade ao ficar diluída na função do diretor geral.

Na década de 20, os “profissionais da Educação” dão significado ao

aparecimento dos técnicos em escolarização com a criação da Associação Brasileira

de Educação em 1924 essa ideia ganha força e forma. A partir daí, uma série de

eventos históricos conflui sobremaneira para a composição da natureza da

supervisão escolar como forma de conceber a organização da escola, entre eles o

Parecer 252/69 donde se extraem os requisitos básicos para se conferir à

supervisão escolar o status de profissão, ou seja, a caracterização da sua

necessidade social. Ao curso de Pedagogia é atribuída a função de formador de um

profissional com perfil de gerenciamento, com a especificação das características

que se exigem para uma ordenação desta profissão, que segundo Saviani (2003,

Page 45: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

43

p.31) o curso foi reaparelhado para formar, entre os vários especialistas, o

supervisor educacional.

Enquanto isso, por conta de um processo de urbanização acelerado no país e

com o crescimento da indústria brasileira, a escola recebe, também no aspecto

social, várias incumbências. Parte destas está na necessidade de formação de mão-

de-obra qualificada. Em consequência disso, passa-se a exigir também qualificações

intelectuais específicas. Neste contexto, vê-se que a coordenação pedagógica

reveste-se de alguns pruridos a que nos referimos anteriormente. Para Saviani

(2003) o trabalho dominante do homem coincidirá com a função supervisora, a

atividade de controlar e comandar o trabalho pedagógico na escola. Nisto se

configura a divisão social do trabalho: de um lado, os que pensam, mandam e

decidem e, de outro, os que executam, caracterizando-se uma expropriação do

saber do professor, colocando-se entre este e o seu trabalho a figura do técnico

(VASCONCELLOS, 2006).

Neste contexto, ao se definir o papel do coordenador pedagógico tal definição

apresentar-se-ia de forma negativa, pois os termos recorrentes que o adjetivam são:

“dedo-duro, fiscal, pombo-correio, faz-tudo, quebra-galho, tapa-buraco e ainda

burocrata”, devido aos infindáveis relatórios, gráficos, levantamentos, diagnósticos

sem fundamentos práticos e inconclusivos, uma fonte inesgotável de técnicas vazias

e generalistas que quase sempre não levam e nem se chega a lugar algum, de

acordo com Vasconcellos (1995). Mas, também segundo o autor, caracterizando-o

de forma positiva é possível compreendê-lo por articulador do projeto político-

pedagógico, através da reflexão, da participação e da fomentação dos meios

necessários para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem.

Alarcão (2001), por sua vez, alerta que do ponto de vista institucional, ponto

central da atividade pedagógica, é importante e necessário desfocar tal atividade da

figura do coordenador e focá-la na função coordenadora que se desenvolve na

escola, podendo ser assim compreendida:

Um processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro

Page 46: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

44

professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional (p.13).

Se a coordenação pedagógica começa encontrar sua territorialidade, há que

se perceber, então, em qual ou quais perspectivas isso acontece. Alarcão (2001,

p.15) afirma, a propósito da questão:

[...] na perspectiva de desenvolvimento profissional do professor e de desenvolvimento profissional em situação de trabalho e no coletivo dos profissionais, a supervisão começa a assumir características de coordenação de projetos de investigação-ação [...].

Ao mesmo tempo, vê-se que para o atendimento de necessidades tão

diversas e para o desenvolvimento de práticas num contexto de tamanha

contradição e conflitos como o é, concebidamente, o espaço escolar. Para a escola

urge a necessidade do desempenho intenso de um conjunto de funções, que vão

desde o ensinar ao gerir recursos, gerir e avaliar projetos, implementar e

desenvolver ações sócioeducativas (como se lhe fora um atributivo) até a questões

externas ao clima escolar, como a violência e outras.

Para que o supervisor/coordenador possa dar conta de sua função, assentada

nesse contexto, Alarcão (2001) postula que o seu papel seja reflexivo para e numa

escola reflexiva, que fundamentalmente se estabeleça em dois níveis:

1. Na formação e no desenvolvimento profissional dos

agentes de educação e a sua influência no

desenvolvimento e na aprendizagem dos alunos e;

2. No desenvolvimento e na aprendizagem organizacional e a

sua influência na qualidade da vida das escolas. (p. 50)

Mas é importante ressaltar que o papel do coordenador não está apenas nos

limites da escola; há que observá-lo no âmbito da administração e das políticas

educacionais, políticas públicas então, donde se depreende que, ao mesmo tempo

em que ele gere é gerido.

No que toca a Lei 9.394/96, nossa LDB, no seu artigo 64 estabelece que

Page 47: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

45

A formação de profissionais da educação para a

administração, planejamento, inspeção, supervisão

e orientação educacional para a educação básica,

será feita em cursos de graduação em pedagogia

ou em nível de pós-graduação [...] garantida, nesta

formação, a base nacional comum.

Cabe ao coordenador, assim, ser portador de uma formação centrada na

efetivação curricular da base nacional comum, isto posto fica claro no texto da Lei a

ausência de questionamentos acerca de quais são as finalidades do exercício das

práticas profissionais desses coordenadores e como estas deverão ser

desenvolvidas.

Para que se perceba a importância do trabalho do coordenador pedagógico,

há também que se explicitar os conceitos de política, planejamento, gestão e

avaliação que compreendem a administração da educação (FERREIRA, 2001).

Em síntese, a reflexão aqui desenvolvida, levou-nos a compreender que ao

longo dos tempos, a coordenação pedagógica, apesar das dificuldades conceituais e

de territorialidade, da legislação, da história e, ainda, do cotidiano e da organização

escolar, teve uma configuração pouco valorizada na escola. A coordenação

pedagógica é aqui entendida como uma atividade de natureza político-pedagógica e

social que perpassa a construção de uma relação desde intra e interpessoal até a

relação escola-comunidade, visando a formação do sujeito coletivo e ao

desenvolvimento profissional dos professores, traduzida em ações programáticas

voltadas para a formação continuada que se desenvolve na escola e na

implementação do projeto político pedagógico como mecanismo de reflexão coletivo

e também voltados para o fomento de espaços de interação, nestes contextos

formativos (ALARCÃO, 2008), tomando como foco central da ação coordenadora a

ordenação do pedagógico.

Page 48: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

46

2.3 Ação Coordenadora: Uma Reflexão sobre o Papel do Coordenador

Pedagógico

Nesta seção procuramos fazer algumas considerações acerca do trabalho do

coordenador pedagógico tentando compreender seu campo de atuação e seus

significantes nominativos uma vez que segundo afirmação de Gadotti (1998, p. 107)

“Não adianta mudar o vocábulo [substituir “supervisão escolar” por “coordenação

pedagógica”] se não for mudada a ideologia”.

Fique entendido que, ao tratar da acepção da ideologia presente nessa

afirmação, o autor põe em discussão as origens históricas, as quais já nos

reportamos aqui, pois se trata do entendimento de que a supervisão escolar nasce

no ideário da fiscalização, da correta execução dos objetivos empreendidos e

eficiência dos resultados, contudo apesar de já se ter ultrapassado essa concepção

fiscalizadora para uma mais coordenadora não se pode propriamente dizer que se

tenha mudado de ideologia: pelo princípio da cotidianidade, a prática do

coordenador ainda continua reprodutivista, uma vez que traz as marcas das

regulamentações, das atividades rotineiras, do pragmatismo e se encontra

impregnadas do modelo organizativo voltado para a ação, ou seja, determinada por

regras repetitivas. Gadotti (1998, p. 108) ainda salienta que a seu ver “uma

supervisão libertadora deveria se aproximar do sentido que dá Antonio Gramsci ao

intelectual, isto é, o organizador da produção e da cultura”.

Nestes termos, o coordenador pedagógico seria um organizador da produção

na escola. Assim, estaria organizando a aprendizagem e as relações de produção

da mesma atuando com valores éticos, sociais e políticos, entre outros, isto é,

trataria das relações humanas, decorrentes de um trabalho coletivo e acolhedor,

inclusive de forma afetiva. Se a educação está para a promoção do homem, então o

coordenador pedagógico deveria também estar a serviço da promoção humana.

Pensamos que o coordenador trabalha com a produção do professor, com a

avaliação do processo pedagógico, ordenando a política de formação e construindo

o projeto político-pedagógico na escola.

Page 49: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

47

Com esta premissa, consideramos que a prática educativa, como função

transformadora mediatizada pela prática pedagógica, é a efetivação da

transformação dos sujeitos para o Ser Mais, atuantes, enfim, da transformação da

prática social (FREIRE, 1987).

Para caracterizar a ação coordenadora tem-se por base a singularidade do

enfoque e a ênfase sobre o processo didático pelo qual o currículo se implementa na

escola e sobre a necessidade de formação para acompanhá-lo e atualizá-lo no

cotidiano da escola, aqui entendido como dia-a-dia escolar. Seu sentido está nas

relações pessoais e na relação didática, imprescindíveis para se contrapor à

linearidade e à verticalidade, nas quais se pautam as relações funcionais, cerne do

autoritarismo. Isso nos faz lembrar a perspectiva foucaultiana, que recomenda o

olhar crítico na percepção das formas de controle sobre o corpo e a mente.

Contrapor significa associar liberdade com responsabilidade para a conquista da

autonomia de opções e decisões.

Rangel (2001, p. 63) aponta como sendo atributos do papel do coordenador

pedagógico:

Acompanhar a atualização pedagógica e normativa, com especial atenção, em ambos os casos, aos fundamentos;

Propiciar oportunidades de estudo e interlocução dos professores, em atividades coletivas, que reúnam professores que desenvolvem um mesmo conteúdo nas diversas séries e níveis escolares;

Propiciar oportunidades periódicas de reavaliação de currículo e programas;

Propiciar oportunidades de estudo e decisões coletivas sobre material didático.

Neste elencário tem-se ainda como atributivo do papel do coordenador a

descrição de métodos e técnicas de ensino e também evidenciar princípios,

conceitos e atribuição de significados ao processo avaliativo, inclusive institucional,

da escola como um todo.

Page 50: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

48

2.4 Pressupostos de Ordenação Política no Papel do Coordenador Pedagógico

Nesta seção, nosso objetivo é indicar mais claramente quais pressupostos

caracterizam a ordenação política como uma forma organizativa do trabalho do

coordenador pedagógico no uso de suas atribuições e funções desempenhadas

cotidianamente na escola, a partir do conceito de uma racionalidade emancipatória

voltada para as atividades educativas que ali se desenvolvem, inferindo que esta

racionalidade propõe que os sujeitos que atuam se supõem mutuamente, forma de

contraposição a uma racionalidade técnica na qual pode estar assentada a

administração escolar. Na concepção, a partir de uma matriz sociológica, que

concebe a escola como uma organização educativa, os pressupostos ordenativos,

com base em Lima (2001) pautam-se na existência de modelos caracterizadores das

formas organizativas escolares, por estes pressupostos a ordenação política

mediatizada pelo coordenador pedagógico dá-se de duas formas: uma normativista,

voltada para a regulação das rotinas e para o controle direcionado à ação educativa;

e outra, que é fruto da reflexão sobre e na ação educativa, ambas embutidas num

conceito de racionalidade, que depende de como se compreendem as práticas

educativas que se exercem na escola e, sobretudo, para quem tais procedimentos

se endereçam e com quais propósitos se estabelecem no espaço escolar.

Nosso ponto de partida está em afirmar que não basta somente mudar as

regras formais para que se mude a escola, que não são apenas os modelos

normativistas que influenciam as práticas de gestão, no caso em específico, o

coordenador pedagógico. Essas influências são um composto de fatos, objetivos,

interesses, circunstâncias que podem se refletir no entendimento que esses atores

tem da escola e da materialidade do trabalho que ali se desenvolve.

A ordenação política em cuja compreensão nos baseamos tem seus

fundamentos no ideário da construção social da escola e do conceito de

racionalidade política e emancipatória, baseado nos pensamentos de Freire (1987),

Veiga (1995, 2003), Gadotti (1998), Lima (2001), Paro (2008) e Carvalho (2008). Por

ela entende-se que os modelos organizacionais são plurais, contraditórios,

diversificados e, sobretudo, dinâmicos, de caráter dualista, ou seja, dependendo da

Page 51: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

49

produção (interpretação social e política), produtos da reflexão crítica e/ou da

reprodução (pragmatismo e racionalidade) produtos da alienação14 as quais

coexistem na administração escolar, mas podem ser construídas e/ou reconstruídas

pelo coordenador pedagógico, estando no âmbito da possibilidade, condição para a

materialidade do racionalismo emancipatório preconizado por Paulo Freire. Para

pensar a escola, é preciso repensar a ação do homem em sociedade e essa busca

só é possível a partir dos homens em entendimento na ação dialógica, forma de

responder à manipulação por meio da organização.

O coordenador pedagógico, ao ordenar politicamente o cotidiano escolar na

esfera de sua atuação, vive de forma dilemática as ações da escola, posto que ele

pode reproduzir ou criar ou recriar estruturas organizacionais a partir dessas ações

empreendidas. Ele pode até mesmo ocultar, a bem do exercício de sua função, as

estruturas globais e as regras formais da racionalidade técnica e apresentá-las ou

sob a retórica do formalmente instituído, ou sob a paráfrase das regras dos modelos

decretados (normas), isto é, num processo de releitura analítico-interpretativa.

Esse viés, constroi-se por dois referenciais: o conceito de gestão e o conceito

de escola, donde se pode afirmar que num espaço de gestão democrática, apesar

das regras, há maior possibilidade de recriação e contraposição ao modelo

impositivo e burocrático das normas determinadas pela administração central

(Secretaria de Estado de Educação/MEC), a que se chama modelo decretado (Leis,

resoluções, portarias, etc.). Nesta visão, a ordenação política segue o que preceptua

os modelos orientativos das ações organizacionais, cuja evidência se dará na forma

e no tipo de organização em que o coordenador poderá lançar mão dos preceitos da

análise/reflexão para a interpretação coletiva, pautada na racionalidade política,

portanto, emancipadora (LIMA, 2001).

Ordenação, aqui, entende-se como uma forma de organizar a ação educativa

da escola, a partir de um encadeamento de prioridades em ascendência, em termos

14

Alienação: termo retomado pela Teoria do Cotidiano como forma de explicar o processo reprodutivo das

atividades desenvolvidas sem serem submetidas a um processo avaliativo e reflexivo para superação da

cotidianidade. (DUARTE, 2007).

Page 52: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

50

valorativos. A pretexto dessa ordenação política há que se considerar um quadro de

práticas possíveis para as ações possíveis, Lima classifica que,

No quadro de certas regras e de certos arranjos

estruturais, morfológicos e de poder, mas também,

indubitavelmente, como fatores de criação e de

recriação permanentes, de outras regras e de

outras estruturas igualmente possíveis mais

inventável e manejável (2001, p.114).

No pressuposto da acepção política esse processo de ordenação

possibilita uma co-construção ou uma produção participativa e coletivizada, o

que concretiza a gestão democrática da escola entendida como instituição e

local de trabalho (SILVA JUNIOR, 1990) e não como meros instrumentos.

A este pensamento, queremos agregar a análise da negação assentada na

cultura do positivismo, que renega a natureza política da escola,pois está

comprometida com a racionalidade técnica, um dos pressupostos da ordenação da

qual pode estar impregnada a ação do coordenador pedagógico, sendo imperioso

que se desenvolva uma racionalidade emancipadora (FREIRE,1987) e sobretudo

libertadora baseada na busca de um novo sentido para a atividade educativa através

da democratização dialogada do sistema escolar.

A escola enquanto construção humana precisa, por meio do diálogo, entender

a reelaboração da racionalidade como uma exigência para a transformação da

humanidade, de natureza inconclusiva, na concepção do ser inacabado, cerne então

da reinvenção e da transformação (idem,1987). Assim a racionalidade técnica

encontrada na administração escolar por meio de previsão, controle das ações

educativas e controle do comportamento alheio, como ação estratégica, pode dar

lugar à participação coletiva e a metáforas de ordenação/organização

reconceptualizadas nos pressupostos da concepção freiriana de que o mundo não é

só resultado de forças pautadas em rígidos padrões de qualidade e embrenhadas

nos pruridos do pragmatismo e normativismo, mas na atuação das pessoas. Se o

mundo não o é, mas está sendo, pode-se concluir que poderá ser de outra maneira.

Page 53: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

51

O processo dialético está mais no limite das possibilidades do que propriamente das

dificuldades (FREIRE,1987).

Se essa ordenação mediatizada pela atuação do coordenador pedagógico

está na esfera do político, talvez seja importante ressaltar que o modelo político é o

que se preocupa em realçar a diversidade de interesses e de ideologias,

impossibilitando a existência de objetivos consistentes e prévios, posto estarem em

permante construção e reconstrução e em partilhamento, estando também, na

valorização do poder com foco no respeito à coletividade, na luta por uma sociedade

livre, ou seja, capitaneada na direção de uma prática pedagógica que não oculte o

conflito, mas sobretudo desoculte-o. Este é um tipo de racionalidade, a racionalidade

política. Há que se considerar que tal racionalidade não seja fácil de se implementar

na escola, uma vez que a mesma está controlada centralmente pelo Estado através

dos efeitos de socialização para a conformação, o qual mobiliza os interesses que

ele defende em detrimento da mobilização de interesses de todos os sujeitos da

escola, conforme alerta Gadotti (1998).

Para Lima (2001), o modelo político coaduna com o modelo social; neste, os

processos educacionais são apreendidos como fenômenos espontâneos, ou seja,

valoriza-se especialmente a forma de organização informal, análise sincrônica e

analógica do que está subtendido, em oculto, pois a escola é uma organização

complexa composta de relações formais e informais. No modelo burocrático ou da

organização burocrática temos o tipo mais puro do modelo racional e nele se

acentua a importância das normas abstratas e das estruturas formais. Neste viés, há

maior controle sobre os processos de planejamento e de tomada de decisões, na

proposição e consistência dos objetivos, com maior ênfase no produto do que no

processo, nos fins do que nos meios, postulados intencionalmente nos

procedimentos racionalizadores.

É importante ressaltar que, ao se tratar da questão da racionalidade

emancipatória e dialógica proposta por Freire (1987) e da qual nos apropriamos, é

preciso explicitar que a escola tem em sua composição dois tipos de estruturas: as

estruturas administrativas e as pedagógicas, nosso campo de estudo. Nas primeiras

Page 54: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

52

está a gestão dos recursos humanos, físicos e financeiros; e nas estruturas

pedagógicas se encontram as interações políticas do processo ensino-

aprendizagem e de currículo. De acordo com Veiga (1995, p.25),

A análise da estrutura organizacional da escola visa identificar quais estruturas são valorizadas e por quem, verificando as relações funcionais entre elas. É preciso ficar claro que a escola é uma organização orientada por finalidades, controlada e permeada pelas questões do poder.

Segundo a autora uma forma de ordenação política das práticas cotidianas da

escola está na perspectiva da construção do projeto político-pedagógico da unidade

escolar como fomentador intencional, coletivo, no sentido de definir as práticas

educativas a serem desenvolvidas nesse espaço, fortemente sedimentadas nas

características que se fizerem necessárias para o cumprimento de seus propósitos e

intencionalidades.

Por outro lado, Veiga (2003;) num artigo intitulado Inovações e Projeto

Político-Pedagógico: Uma relação regulatória ou emancipatória15 adverte que:

O projeto político-pedagógico, na esteira da inovação regulatória ou técnica, está voltado para a burocratização da instituição educativa, transformando-a em mera cumpridora de normas técnicas e de mecanismos de regulação convergentes e dominadores. (p.272)

E, ainda, que

O projeto político-pedagógico e a avaliação nos moldes inovadores das estratégias reformistas da educação são, portanto, ferramentas ligadas à justificação do desenvolvimento institucional orientada por princípios da racionalidade técnica, que acabam servindo à regulação e à manutenção do instituído sob diferentes formas. (p.272)

Mas nele, também, se consolida um processo constituinte e democrático das

tomadas de decisão, sendo necessário e imperioso o refutar das relações

15

Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

Page 55: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

53

“competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando

impessoal e racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior da

escola” (Veiga, 1995, p.14), como resultado de uma ampla mobilização interna que

permita o aprender a pensar e a realizar a ação educativa no e com o outro de forma

coerente.

No mesmo artigo, Veiga (2003, p.275) salienta que:

A inovação emancipatória ou edificante é de natureza ético-social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos processos formativos sob a exigência da ética. A inovação é produto da reflexão da realidade interna da instituição referenciada a um contexto social mais amplo.(p.275)

Para que tais ações reflexivas se efetivem, Veiga (1995, p.16-19) propõe alguns

princípios que nortearão essa abordagem do projeto político-pedagógico:

a) Igualdade: ponto de chegada com e para todos; b) Qualidade: a formal e a política, uma pela habilidade de manejar

meios e a política em favor do fazer da história humana; c) Gestão democrática: racionalidade emancipatória,participação de

todos; d) Liberdade: ideia de autonomia; e) Valorização do magistério: condições de trabalho, valorização dos

profissionais da educação, valorização da formação continuada.

A autora ainda pondera que, para além da importância desses princípios para

garantir sua operacionalização nas estruturas da escola, está a garantia que tudo

isto seja recorrente no cotidiano escolar, marcadamente na dinâmica real e concreta

de tal cotidiano. Tais palavras ganham maior dimensão quando assim explicitadas:

A elaboração do projeto político-pedagógico sob a perspectiva da inovação emancipatória é um processo de vivência democrática à medida que todos os segmentos que compõem a comunidade escolar e acadêmica participam dela, tendo compromisso com seu acompanhamento e, principalmente, nas escolhas das trilhas que a instituição irá seguir. Dessa forma, caminhos e descaminhos, acertos e erros não serão mais da responsabilidade da direção ou da equipe coordenadora, mas do todo que será responsável por recuperar o caráter público, democrático e gratuito da educação estatal, no sentido de atender os interesses da maioria da população. (idem,p.279)

Page 56: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

54

2.5 A Coordenação Pedagógica: Um Olhar Sobre e Através da Organização da

Escola

É importante ressaltar neste ponto, que a emergência nessa problemática em

torno da coordenação pedagógica se dá também no tocante à organização e

estruturação da escola, posto serem dilemáticas as concepções que permeiam as

ações escolares, e tal verificação ocorre também no contexto dos fios condutores

que perpassam as reformas pedagógicas, que dão à escola uma configuração que a

caracteriza como sendo um espaço de conceituações normativas, propostas nas

reformas centradas mais nos problemas do que propriamente nas soluções.

Neste momento abrimos breve espaço para contextualizar a organização da

escola nas amarras produzidas pelas Reformas da Educação, sem, no entanto nos

determos mais especificamente no exame das mesmas; apenas tecermos breves

considerações a esse respeito, por entender ser importante compreender tais

postulações na construção, ao longo da história, da compreensão que se deva ter

acerca do desenvolvimento do ensino do Brasil e à sua institucionalização. Desde

os primórdios as reformas se caracterizam por ser um dispositivo de regulação

social com vistas a criar, de tempos em tempos, novas regras para o viver social,

assim, acaba por alterar os modos de organizar o tempo, o espaço e o saber

escolar, sugerem modos de pensar/fazer educação e estabelecem outros padrões

de comportamento (MATE, 2006, p.72).

Pensando que através da organização da escola pode-se olhar os fios

condutores que regem as ações e as práticas ali desenvolvidas, não seria de outra

forma depreender que daí não sairia incólume a prática educativa da coordenação

pedagógica. Ainda nos embrenhando por tais fios, vemos o direcionamento que

essas proposituras vão tomando ao longo do tempo e ao sabor das concepções que

enredam cotidianamente as ações da escola.

Retornando à década de 20, vemos as reformas do ensino organizando este

como um conjunto de conhecimentos sobre educação centrados na figura do

professor que o promove como agente redentor, ou seja, aquele que assume o

Page 57: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

55

papel de redimir o aluno de sua condição de “não-civilizado” fundamentado numa

concepção de Educação que se identifica com a educação bancária definida por

Paulo Freire, com a perspicácia que tão bem lhe é conferida. Torna-se necessário

enfatizar que tais postulações se estabelecem no ideário da Escola Nova, formação

da nacionalidade e preparação para a sociedade produtiva, com a exclusiva

preocupação nos conhecimentos que dessem conta de definir o porquê da escola.

O espaço escolar de então era concebido e organizado com base na divisão

(disciplinas), com critérios de seriação e de avaliação pautados na

fabricação/formação de um modelo de professor que se ajustasse a essas

exigências postas. Subjacente a isto, havia o ideário de que novos métodos e os

programas deveriam trazer os modos de pensar a disciplina, o conteúdo, a

educação, o aluno, o espaço escolar como forma de criar verdades nas quais o

professor deveria construir sua prática (idem, p.74).

Todavia, Carvalho (2005, p.130) considera que a escola precisa ser

entendida “como um espaço de trabalho, na perspectiva de evidenciar as diferentes

funções postas no seu interior, bem como elas se articulam na ação pedagógica no

cotidiano da sala de aula”. Com esta compreensão fica mais evidenciado como se

apresenta a atual organização do trabalho da escola, a qual espelha os modos

como se determina e controla a prática do professor e também torna mais visíveis

as formas como a escola reage a tais controles. Neste contexto poder-se-ia

evidenciar qual a função do coordenador no processo de organização do trabalho

pedagógico.

Por esta perspectiva, a escola é vista como um espaço de trabalho e se

compreende que ela deve atentar para a sua função política (idem, p.130). Para o

autor em pauta,

A reflexão acerca da função política da escola tem a finalidade de contribuir com a busca de novas alternativas pedagógicas diante das contradições da escola atual.

O mesmo acrescenta ainda que

Page 58: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

56

A escola é uma instituição social que se articula à história, ao movimento social e que, ao mesmo tempo em que expressa de modo amplo os projetos políticos e econômicos da sociedade a que pertence, adota uma postura crítica diante da realidade social. Entendida aqui como o lugar onde o professor e alunos vivem juntos a aventura de educar-se [...] (ibidem, p. 130)

Desta forma, é imprescindível a apropriação desses fios condutores históricos

para se compreender a escolarização como um fenômeno histórico e desse modo

entendê-la na concepção critica da indagação do como e por que a escola adquiriu

as nuances que tem hoje, quanto à lógica do currículo, à formação inicial e

continuada do professor, à organização espaço-temporal das práticas educativas

que se desenvolvem na mesma. Talvez isto dê mais visibilidade a esse processo de

“naturalização” que se fundamenta na desapropriação do saber, na criação e no

reforço de práticas individualistas e formais, na imposição de programas à revelia

das discussões coletivas, na organização burocrática do tempo e horários, enfim, na

hierarquia das funções. Investigando o contexto da função da coordenação

pedagógica, na busca da verdade dessa função parece-nos importante considerar

que o trabalho do coordenador pedagógico possa estar condicionado ao contexto

descrito na fala de Mate (2006, p. 75):

A questão se torna controversa pois entende o espaço do PCP (professor coordenador pedagógico) como uma responsabilidade que não é unicamente da função mas de todo um funcionamento em que se interpenetram formas de poder de professores, administradores, funcionários cujas práticas muitas vezes reproduzem relações autoritárias que os discursos da atual reforma pretendem criticar.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de nº

9394/96, vem proporcionar base legal para outorgar certa autonomia à gestão da

escola, quando destaca como sendo função desta proposição a execução de uma

proposta pedagógica, bem como administrar pessoal, recursos materiais e

financeiros. Nesta direção se implementam algumas ações desenvolvidas pelo MEC

através de um conjunto de programas, a saber: repasse de recursos para a

manutenção das escolas, educação à distância; TV ESCOLA; programa de

Page 59: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

57

informática na educação (TICs16) criado pela Portaria nº 522/MEC/1997; PCNs

(artigo 22 LDB/96); descentralização e extensão da merenda escolar, implantadas

pelo Decreto 37.106/1955 e pela Lei 8.913/1994, que regulamenta a

descentralização dos recursos; Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),

regulamentado pela Lei 11.525/2007; e transporte escolar (PNTE), instituído pela Lei

10.709/2003.

Todos esses programas são colocados como formas de resolver a situação

educacional, provocando melhora nos indicadores educacionais. São

encaminhamentos legais lançados para promover a universalização do ensino,

garantindo assim o acesso e a permanência escolar. No entanto, não se perceberam

significantes transformações na educação brasileira, não se garantiu o sucesso

escolar e, notadamente, a infra-estrutura das escolas, apesar alguma melhora,

apresenta um nível ainda precário. O mais notável em tudo isso, é que o tratamento

usual dessa questão tem, na maioria das vezes, um viés tecnicista. (AGUIAR, 2004)

Ainda encontramos escolas estruturadas com séries/fases diversificadas

numa mesma turma, vários turnos de atendimento, o que proporciona tempo

insuficiente de atenção pedagógica, escancarando graves problemas de

aprendizagem; encontram-se alunos com cinco ou mais anos de escolaridade que

ainda não sabem ler e escrever. Convém lembrar, a propósito da questão, que tais

programas passaram a exigir da gestão das escolas racionalidade na utilização dos

recursos (com valor sempre atrelado ao censo escolar do ano antecedente e aos

alunos de 06 a 14 anos), maior eficiência, portanto. As unidades escolares para

conseguir administrar minimamente as suas necessidades com estes recursos,

veem-se obrigadas a superlotar as salas de aula, sem, no entanto, terem melhorado

ou ampliado seus espaços físicos e instalações, agravando ainda mais a questão

pedagógica e o trabalho do coordenador pedagógico.

Outras medidas legais vão incidir significativamente na educação: a criação

do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério (FUNDEF) e o Plano Nacional de Educação. E também

16

TICs – Tecnologia de Informática e Comunicações para uso pedagógico nas escolas.

Page 60: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

58

instrumentos de avaliação como o SAEB e o ENEM que acabam por aumentar o

poder regulador do Estado. Para além dos alardeados progressos da educação

brasileira a caminho da democratização do acesso e da permanência escolar, um

grande dilema continua a perseguir as políticas educacionais do Governo Federal: a

precariedade pedagógica dessa expansão que mantém o país nos últimos lugares

de qualquer comparação internacional a ser feita. O desempenho dos alunos

brasileiros continua ainda muito limitado, conforme denuncia Aguiar (2004).

Tecidas tais considerações, vemos a escola como uma organização educativa

marcada pelos fios condutores históricos de regulação social, efetivada por meio de

políticas educacionais que determinam as múltiplas dimensões do trabalho

pedagógico e administrativo da escola, posto serem múltiplas, também, as estruturas

que compõem a organização da mesma. Destacamos inicialmente a dimensão

racional, centrada no pragmatismo e na racionalidade técnica; a dimensão política

focada na percepção da diversidade de interesses, das ideologias, dos pólos de

poder, dos conflitos; e o modelo social, que trata os processos organizacionais como

fenômenos, acentuando, neste viés, o caráter adaptativo, ou seja, as formas de

proporcionar aos sujeitos integração, acomodação, constituindo, portanto, o aceite

do que está posto, admitindo a existência do consenso. Este último postula-se

exatamente no ponto que Paulo Freire se colocou contrário, quando defende a ação

educativa como um processo dialético, portanto em constante movimento dialógico,

considerando necessário e imperioso investir contra esse clima organizacional

taylorista da e na Escola.

Acerca deste problema Lima afirma que

As organizações são vistas como formas de realização de objetivos e de preferências, numa visão instrumental centrada na orientação para a tarefa e na importância das estruturas organizacionais. Deste modo, a ação organizacional é entendida como sendo o produto de uma determinada decisão claramente identificada, ou de uma escolha deliberada, calculada, em suma, racional (2001, p.21).

Pode-se considerar, então, que a burocracia seja resultante de um tipo

apurado de dominação: o legalismo burocrático presente no cotidiano escolar, na

Page 61: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

59

materialidade dos diagnósticos e dos instrumentos de gerenciamento da escola

(PDE17), nos moldes administrativos da efetividade que preceptua a eficiência e a

eficácia no ato de educar e de conduzir a gestão da escola. O maior risco que se vê

na concepção racionalista é considerar possível estabelecer um comportamento

rigoroso e formal na seleção dos objetivos, na implementação dos programas, no

claro estabelecimento das metas a serem alcançadas, avaliando sua realização,

sem considerar as contradições e desarmonia entre o que propõe a instituição

escolar e o que dela se espera.

Neste espaço organizativo da gestão da escola, cabe o papel de garantir a

retórica da rigidez dos regulamentos, a valorização da hierarquia de onde emana o

poder, a organização formal da estruturação dos papeis e das tarefas individualistas,

departamentalizadas e especializadas de que tenta se apropriar a escola enquanto

organização educativa. É neste espaço que se insere o coordenador pedagógico,

neste mesmo contexto jazem os conflitos organizacionais, a definição problemática

dos objetivos, a informalidade (currículo oculto) e a improvisação. Segundo Lima

(2001, p. 31) talvez o que se tem seja mais a imagem de uma desorganização do

que propriamente de organização. O autor, ainda em suas considerações ,

avaliadas as questões já anteriormente tratadas, explicita que coexistem na escola

duas formas de organização, que por vezes se contradizem. Uma trata do plano das

orientações para ação organizacional, e a outra, do plano da ação organizacional.

Na primeira se consideram as estruturas formais e informais; as formais provêm

das orientações normativas advindas das administrações centrais

(SEDUC/MEC/CEE-MT18) e tem caráter impositivo por se estruturar e se inspirar em

regras formais-legais (normas), com linguagem jurídica (Resoluções, Portarias,

Decretos, etc.), que periodicamente são substituídas, alteradas, modernizadas sem

no entanto perder em sua natureza e objetividade. Temos, assim, neste modelo de

organização, a forma PARA A ORGANIZAÇÃO , posto serem estruturas apenas

atribuidoras de significado normativo, mero modelo racional-legal, dando

consistência ao modelo burocrático.

17

PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola. 18

CEE/MT – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso.

Page 62: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

60

Quanto às estruturas informais, trata-se objetivamente das estruturas

ocultas (CURRÍCULO, CULTURA, ENCAMINHAMENTOS DAS ASSESSORIAS

PEDAGÓGICAS19,CDCES20), altamente dependentes de um tipo de “focalização

interpretativa” (p.52); são regras menos visíveis, circuntanciais (não são uniformes, e

de aplicação obrigatória), por isso mesmo, referenciadas e localizadas, do tipo semi-

estruturadas, baseadas em falas (às vezes são escritas), orientações a grupos,

comunicações internas, de alcance um pouco mais limitado e podem ser

interpretações das regras formais. Consideramos importante observar que essas

regras (semiestruturadas ou não estruturadas) não tem sua circulação de forma

aberta na organização da escola, o que requisita reflexão e interpretação. Essas

regras podem estar de posse da equipe diretiva, ou apenas do diretor da escola, fato

que lhe poderia garantir um certo grau de autonomia possível e, mais ainda,

legítima, do ponto de vista formal, um meio de resolver problemas, estabelecer um

tipo de regulação e de funcionalidade, que pode até ser contraditório em relação às

estruturas formais; não propriamente ilegal, mas amoral, antiético e autoritário.

Aqui devem se considerar, também, as estruturas informais quanto à

organização dos conteúdos curriculares e à avaliação dos alunos (Conselhos de

classe) ponto assim visto por Lima ( 2001, p.55):

A avaliação dos alunos em conselho de turma é, de resto, uma das áreas em que tem sido possível encontrar uma grande expressão das regras não-formais, mesmo através de documentos produzidos nas escolas, que contemplam formas de organizações processuais, sugestão e comportamentos que não encontramos fixados por nenhuma orientação fomal-legal.

Neste espaço, devemos partilhar da ideia de que o debate acerca da

problemática que envolve a organização do trabalho da escola, sobretudo o do

coordenador pedagógico, exige reflexão, com vistas a compreender seu fazer

pedagógico e motivá-lo a embrenhar-se na luta através deste fazer, vendo a escola

como partícipe das lutas e também como resultado, como produto desta luta na

apropriação dos meios de produzir uma escola de qualidade para todos. Através da

19

Assessorias Pedagógicas – são braços da administração Central sediada nos municípios do Estado de Mato

Grosso. 20

CDCE- Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar.

Page 63: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

61

ordenação do trabalho pedagógico da unidade escolar mediatizado pela articulação

do coordenador pedagógico, o coletivo dessa escola pode ter mais possibilidade de

perceber “ a relação existente entre a organização da escola e o processo de

produção da sociedade e as suas determinações pedagógicas no cotidiano da sala

de aula” (CARVALHO,2005, p.130).

Neste contexto de organização do trabalho pedagógico na escola, o

coordenador exerce uma função significativa na dimensão da ordenação do

pedagógico da formação do professor, visando a melhoria da qualidade da docência

e do ensino aprendizagem. Haverá neste aspecto, um pouco da natureza dos

professores, mas sobretudo da equipe diretiva, e mais ainda, do papel do

coordenador pedagógico.

No tocante à segunda forma de organização escolar, a saber, a referente ao

plano da ação organizacional, é importante considerar que a unidade escolar não

pode ser apenas um locus de reprodução; vista dessa forma há que ser considerar

que a escola seria mera reprodutora dos aspectos formais e não-formais da

estrutura organizacional, o espaço da escola sob um olhar verticalizado que avaliaria

e reduzidiria a sua atuação simplesmente como uma mera subestrutura. A Escola

também é um locus de produção neste modelo de organização, arvorando para si a

produção de regras (não-formais e informais); ela pode se contrapor ao processo

reprodutivo e interpretar a ação organizacional com a possibilidade teórico-prática da

produção de outros tipos de regras, considerando neste contexto a discussão

coletiva. Neste sentido, a escola assumiria e desenvolveria uma “focalização

descritiva”, de acordo com Lima (2001): estruturas manifestas e efetivamente

atualizadas. Nesta forma, pode-se até negar um certo determinismo burocrático da e

na organização da escola.

Nesta forma de organização também, segundo Lima (2001), poder-se-ia

considerar e contrapor com uma infidelidade normativa, mas é necessário ter-se

claro que esta última e a fidelidade normativa coexistirão na forma de organização

da escola, e por isso seus atores precisam ter claro qual pespectiva deve ser melhor

focalizada, avaliada, interpretada, discutida e implementada na escola. Talvez a

maior força neste campo contraditório da concepção da escola enquanto

Page 64: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

62

organização educativa não esteja na capacidade de produção de regras por seus

atores, sim na sua capacidade de se proteger da submissão às regras o que

constitui um poder, o poder construído nas bases do conhecimento e da

competência, isto é, que traz a seu favor certas vantagens das regras formais, como

forma de assegurar a igualdade de tratamento e defender-se de possíveis

arbitrariedades.

A partir destas considerações fica patente que não se admite apenas um

modelo de organização da escola, como prevê a perspectiva normativo/pragmática,

mas uma síntese das perspectivas analíticas e interpretativas, cerne dos

...modelos teóricos constituem referências potenciais, alternativas implícitas ou explícitas nos processos de construção dos modelos organizacionais da escola enquanto configurações e modos de ação. (LIMA, 2001:97)

Essas referidas construções teóricas, uma forma de analisar os modelos

organizacionais da escola, são capazes de distinguir dois tipos de modelos

organizacionais: o primeiro corresponde aos modelos analíticos e interpretativos;

neles se distinguem os modos de focalizar e interpretar os fenômenos organizacionais

donde se permite a realização de “leituras e ensaios interpretativos das realidades

organizacionais escolares” (idem, p.98), que circulam inicialmente num quadro de

referência e conceitos os quais permitem o estudo que destaca elementos

particulares, teóricos e empíricos como forma de apreensão dos fenômenos

organizacionais.

Já o segundo tipo de modelos organizacionais consiste nos modelos

normativistas/pragmáticos, nos quais se encontram as imagens da escola como

burocracia, locus político, cultura dominante, sistema articulado etc., amparadas por

métodos e técnicas de organização e administração que instrumentalizam e

operacionalizam as ações da escola. São teorias e doutrinas que sistematizam a

gestão, a partir de ideologias organizacionais e administrativas, fortemente marcada

pelo pragmatismo e pelo normativismo, claramente sustentada pelas concepções de

Page 65: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

63

Frederick Taylor.21 Predominan aqui os atos mensuráveis e comparativos

objetivando-se a efetividade através da eficácia e da eficiciência pautadas na

concepção mecanicista e instrumental de organização escolar. Esta natureza

normativista entende que existe apenas ação política e administrativa, postulado

que emana das instâncias educativas centrais, o que se poderia chamar de império

da racionalidade técnico-burocrática. De acordo com Lima (2001, p.102) neste

modelo,

A síntese, ou a paráfrase, de um decreto-lei considerado estruturante, ou até mesmo o recurso a um organograma da escola onde metodicamente se encontram dispostos e fixados os diversos órgãos, e representadas hierarquicamente as suas relações, constituem alternativas frequente de caracterização.

Para o autor a escola, dentro desse modelo, é apenas uma imagem

refletida, uma cópia fiel, pois as estruturas e as formas já estão predefinidas.

Em contrapartida, no âmbito dos modelos organizacionais de escola como

construção teórica o modelo analítico e interpretativo entende que a estrutura formal-

legal não é a única existente, pois há outros modelos para além das circunscrições

normativistas. Tem materialidade a dimensão política e estratégica da ação

organizada, as contraposições à racionalidade, as tensões e conflitos de interesses.

Aqui se dão as atuações do SINTEP/MT22 na discussões acerca das políticas de

organização da escola e do papel dos trabalhadores da educação neste processo,

bem como a implantação da LC 50/98, nossa LOPEB/MT23, fruto de um radicalismo

sindical e de uma forte articulação da categoria dos professores e funcionários da

rede pública estadual, que culminaram numa carreira fortalecida pelo ideário de

profissionais da educação construído pelo Sindicato e seus sindicalizados, isto é,

não apenas entre os atores centrais (SEDUC/MT24) e períféricos (escola), mas

21

Frederick Taylor- é considerado o pai da Administração científica por propor a utilização de métodos

científicos cartesianos na administração de empresas. Seu foco era a eficiência e a eficácia operacional na

administração industrial. (WWW.wikipédia.org – consultado em 15 de julho de 2009). 22

SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores na Educação Pública de Mato Grosso. 23

LOPEB – Lei Orgânica dos Profissionais da Educação Básica de Mato Grosso. 24

SEDUC/MT – Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

Page 66: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

64

também pelas instituições que gravitam no contexto das estruturas organizacionais

da escola, como os sindicatos, por exemplo.

Na concepção da construção social dos modelos organizacionais da escola

vê-se como possível admitir que as forças pragmatistas (elementos externos à

escola) podem ser contestadas e/ou contrariadas (elementos internos à escola).

Por um lado o modelo organizacional da escola de orientação para a ação do

ponto de vista jurídico-normativo regula a organização e o funcionamento escolar

sob a égide dominante do “modelo de gestão” que direcionam a administração e sua

forma de hieraquização e define seus papeis e funções, como as normativas anuais

da Seduc/MT que determinam o funcionamento das escolas, desde o calendário

escolar, lotacionograma até a constituição do corpo diretivo, como os coordenadores

e articuladores do I , II e III ciclos de formação humana, a periodicidade da

gratificação de função desses atores.

Por outro lado, esses procedimentos trazem por referência a recusa ao

descentralizar e, principalmente, ao proporcionar um certo poder a estes atores,

produzindo dentro da escola até mesmo uma desconfiança endêmica de que, diante

de tais prescrições, este ou aquele ator pode não ser capaz de desempenhar sua

função, e aqui fazemos o recorte para o sujeito em questão, o coordenador

pedagógico. O - “Diário Oficial” - parece ser o locus identitário das ações cotidianas

da escola. Mas também é nesse locus que no momento que as ações se tornam

públicas e ganham visibilidade social. Aquelas regras são lidas, comentadas,

criticadas, e assim, tornam-se objeto de variadas formas de recepção e

interpretação, que podem originar uma série de outras ações, tais como,

esclarecimentos, representações ou contrarepresentações jurídicas,etc.

Sendo assim, é possível que os modelos de organização analíticos e

interpretativos entrem em ação, viabilizando que se deem aos mesmos atos

normativos outra significação, captem-se outros sentidos, chame-se a atenção para

certos elementos e, partir daí, abram-se novos horizontes, talvez não previstos nem

coincidentes com o pensado pelo legislador. Também é importante salientar que,

Page 67: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

65

neste processo de recriação orientado para a ação e para a produção (modelos

analíticos e interpretativos), não obstante se reconheçam os efeitos do processo de

reprodução (modelo normativo/pragmático) - que em várias circunstâncias assumem

o mesmo caráter – tais efeitos podem ser limitados e pontuais, ou seja, nem sempre

se anda literalmente sob o decretado. Quando se estabelem as regras para a

elaboração dos horários, para a gestão financeira, para o funcionamento da

coordenação pedagógica, para a hora de trabalho coletivo, para a hora-atividade,

para a formação continuada na escola, nestas ações é possível a recriação de um

modelo decretado e a produção de regras alternativas, o que poderia se denominar

modelo recriado e que pode ser constituinte de uma autonomia parcial da qual é

possível lançar mão. Trata-se, desta forma, de modelos interpretados, subjacentes,

enfim, aos modelos orientados para a ação organizacional.

Ainda na construção social dos modelos organizacionais de escola tem-se os

modelos organizacionais praticados ou em ação advinda do processo de seleção

das normas que a escola no ato de interpretar os atos legais, consegue na

efetivação da sua prática diária atualizar, estabelecendo articulações para propor

novas soluções, por vezes até mais criativas, a partir de ações que ela própria já

produziu, de interpretações anteriores já praticadas e reavaliadas, sem que os atores

lhes tivessem atribuído, conscientemente, o estatuto de regras (LIMA, 2001, p.111).

Page 68: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

66

III - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou

um ser condicionado, mas, consciente do

inacabamento, sei que posso ir mais além dele.

(Paulo Freire)

Neste capítulo, busca-se caracterizar o trabalho pedagógico que se

desenvolve na escola e os modos como as estruturas organizativas da escola se

processam e se estabelecem na definição de papeis e no desenvolver das práticas

pedagógicas que se interpõem nas relações mediatizadas pelo coordenador

pedagógico. A partir dos elementos de análise: cotidiano e cotidianidade e não-

cotidiano, procura-se compreender em quais condições essa tarefa diária se

desenvolve e quais princípios são basilares para a ação pedagógica que se realiza

na escola. Além do entendimento de prática desenvolvido a partir do conceito de

cotidiano, outros conceitos permeiam e agregam-se ao campo explicativo que

gravitam em torno da organização do trabalho pedagógico da escola, como a

concepção de prática e de escola. Por fim, delineada a compreensão, acerca desses

conceitos, pretendem-se discutir as práticas pedagógicas empreendidas pelo

coordenador no cotidiano da escola.

De início retomamos a ideia de que o trabalho do supervisor educacional

estava diretamente ligado ao objetivo de alcançar resultados, e resultados altamente

“positivos”, num processo de adestramento, de técnicas, que Lima (2001) classifica

como sendo “modelo decretado”, um dos princípios da racionalidade técnica que se

coloca a serviço do processo de desenvolvimento econômico em detrimento do

sóciocultural. Neste contexto o supervisor escolar carrega para si adjetivos como

repressor, inspetor, monitor e outros. Tão logo consiga se desvencilhar da pecha

negativista de seu redor, supervisão ainda é sinônimo de técnica, apesar de que,

outros termos já se agregam a esse campo administrativo-pedagógico, a saber,

Page 69: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

67

promoção e coordenação dos processos pedagógicos, com referência à formação

que se realiza na escola. Em termos valorativos, o principal objetivo da coordenação

deve ser a promoção da qualidade de ensino.

A partir desses pressupostos pode-se entender como se desenvolvem as

tarefas da escola e de que forma devem ser organizadas para se cumprir,

necessariamente, o que preconiza Carvalho (2007, p.72), ao tratar das questões da

educação nas imagens e representações do Imaginário e a Ausência:

[...] a educação de qualidade social exige a configuração de uma nova escola, comprometida com a busca de inovadora prática organizativa, associada a necessidade e ao desejo de encontrar e construir caminhos reais que possibilitem, nesse cotidiano escolar, nova reconfiguração da prática administrativa, pedagógica e avaliativa, de caráter democrático e, principalmente, emancipador.

Neste sentido, é possível se inferir, em conformidade com o pensamento

freiriano, na busca do caráter democrático, mas, sobretudo, emancipador, que tanto

a humanização como a desumanização são possibilidades humanas, porém

somente a primeira pode e deve ser entendida como integrando as “vocações

humanas”, caráter que indica que receitas normativas não dão conta da realidade

escolar, a qual tem no seu âmago a diversidade. Essa é a base para a consolidação

do diálogo da participação coletiva, da reflexão, do trabalho formativo e de

elaboração de seus modelos explicativos através da necessidade de emancipação

(ALARCÃO, 2003 p.38).

Tendo como fundamento essa premissa, podemos considerar que a

organização do trabalho da escola, num contexto de cotidianidade (que se guia pela

analogia) ou de não-cotidianidade (que se guia pela (re) elaboração da experiência),

característica sociopolítica da prática pedagógica sedimentada na compreensão do

trabalho docente e pedagógico que se desenvolve diariamente na escola, tanto pode

ser negada na injustiça, na violência do opressor, como também pode ser afirmada

no desejo de liberdade, na luta do oprimido para recuperar a sua humanização

perdida (FREIRE, 1987).

Page 70: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

68

O conceito de não-cotidiano entende-se por uma escolha moral; “quanto mais

valores permite realizar e quanto mais intensa e rica é a relativa esfera de

possibilidade” (HELLER, 2008 p. 25). Mas, segundo a autora desta citação, ninguém

consegue o tempo todo desligar-se da cotidianidade ou viver tão somente nela,

porque os homens participam da vida cotidiana (composta por subcotidianos, que

são fragmentos ou partes de um mesmo cotidiano) com toda a sua individualidade e

personalidade, ou seja, a experiência com a vida cotidiana coloca em funcionamento

todos os seus sentidos, seus sentimentos, suas ideologias e todas as suas ideias

(p.31), donde se depreende o conceito de cotidiano no contexto das esferas

cotidianas e não-cotidianas.

Duarte (2007, p.40) considera que pensar a partir desta perspectiva significa

defender que a prática pedagógica vise, a enriquecer o indivíduo e, também, propor

que ela objetive produzir no indivíduo carecimentos não-cotidianos, isto é, voltados

para a sua objetivação mediada pela formação e pelo nível de comprometimento

com essa formação.

Carvalho (2005, p.135) contribui para que se compreenda a questão

afirmando que

[...] a construção de um projeto educativo enquanto

instrumento teórico-metodológico determina os princípios e finalidades políticas da escola, que articula a ação do professor no cotidiano da sala de aula. O projeto da escola deve ser entendido como um plano construído de forma participativa (...) no sentido da indissociabilidade entre a dimensão política e pedagógica [...]

Entendido assim, o trabalho pedagógico da escola é visto como forma de

engajamento, de participação histórica, coletiva, político-pedagógica e contributiva

para a construção de uma prática social cidadã. Carvalho (2005) e Veiga (1995)

defendem a implementação do projeto político-pedagógico como pólo articulador

central da reflexão da prática e da construção coletiva de uma nova prática

educativa que promova a superação do determinismo reprodutivista da e na

Page 71: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

69

organização do trabalho da escola, destacando a importância da atuação do

coordenador pedagógico como articulador desse projeto.

Outra questão a ser considerada consiste em que, se a escola é o locus, os

protagonistas são os profissionais da educação, assim reconhecidos e identificados

ideologicamente, por se colocarem nesta relação que envolve empoderamento, na

perspectiva de cooperação e participação ativa no trabalho cotidiano da escola, sem

omitir o caráter político das relações pedagógicas.

3.1 O Cotidiano da Escola: Definição de Papéis

O processo de transformação do país, na sedimentação de processos

democráticos e, principalmente, na transformação da escola em uma escola de

massas, foi determinante para que os professores fossem tendo seus valores e suas

práticas sendo colocados em xeque e levando a profissionalidade docente

(SACRISTAN, 1995) - pressionados por um cotidiano reprodutivista e por vezes

sectário - ao campo da reinvenção. Essas alterações na dinâmica social da escola e

da sociedade como um todo requererem um novo sentido para a escola e para o

trabalho docente e reforça-se, então a necessidade da definição de papéis para o

desenvolvimento da atividade educativa.

A expressão profissionalidade docente aqui tomada tem sua definição em

Sacristan (1995, p.65):

Entendemos por profissionalidade a afirmação do que é

específico na ação docente, isto é, o conjunto de

comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e

valores que constituem a especificidade de ser professor.

Ao situarmos o trabalho educativo do coordenador pedagógico num contexto

de cotidianidade, torna-se mais premente defender que, em função da realidade

social e histórica que se coloca frente a frente à ação coordenadora, promova-se

constante (re) elaboração, para permitir que as práticas que se desenvolvem na

Page 72: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

70

instituição escolar sejam um conjunto de práticas expressivas da atividade

profissional do coletivo da escola.

Quando se fala de cotidianidade, fala-se do contexto, do locus para as

esferas da vida cotidiana. Segundo Heller (2008) todas as atividades educativas são

resultados de escolhas morais a partir de uma escala de valores históricos e sociais;

assim sendo, para que haja possibilidade de desenvolvimento profissional na

perspectiva da ação docente é preciso espaço para a reflexão e avaliação acerca

dessas escolhas morais e dos valores e comportamentos selecionados como

importantes para conduzir e provocar o desenvolvimento profissional do coletivo da

escola. Todavia, para que isso aconteça, o coordenador pedagógico precisa se

colocar como o organizador das atividades educativas como expressão maior do que

seja prática profissional (SACRISTAN, 1995, p.66)

É possível até se afirmar que o cotidiano escolar pode ser feito do resultado

de um processo de massificação, numa avaliação apressada e em nível de senso

comum. Observamos o cotidiano da escola a partir do contexto da limitação dos

espaços físicos, abarcando uma série de programas socioeducativos; tem-se um

grande número de alunos que precisam obrigatoriamente estar matriculados e

frequentando a escola para garantir o direito à Bolsa Família, PETI25 e outras ações

sociais complementares. A escola, que antes representava meio de ascensão

econômica e social, tem seu “clima” posto no campo do dever, como uma imposição

legal. Essa nova situação marca o cotidiano da escola com alterações de motivação

e de disciplina. Arroyo (2007, p.12) assim se expressa: “As crianças e adolescentes

em seus rostos violentos ou em seus gestos indisciplinados, mais do que revelar-se,

revelam o lado destrutivo da civilização”.

Neste mesmo contexto, a demanda por professores determina que vários

profissionais integrem o trabalho docente, de maneira transitória, enquanto se

esperam alternativas profissionais. Como bem pontuou Ademar de Carvalho em

25

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Page 73: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

71

recente palestra aos recém admitidos aos bancos universitários da UNEMAT26, no

curso de Pedagogia,

A realidade da busca da qualificação técnico-científica no mundo globalizado e complexo traz para as agências formadoras de professores novos desafios, novas preocupações que se conflitam com os limites institucionais. Além dos desafios presentes na ação pedagógica, um ascendente menosprezo pela experiência cultural não escolar dos estudantes soma-se a esta questão, como também a desconfiguração da razão de ser professor, sobretudo da desagregação e isolamento do pertencimento como parte do sistema de educação, do ensino.

Enquanto isso, a evolução científica e tecnológica também coloca em xeque

o papel da escola. A esse mesmo contexto agrega-se, também, a diminuição das

responsabilidades da família, repassadas invariavelmente ao professor e ao

coordenador pedagógico e, ainda um número sempre excessivo de alunos na sala

de aula, aumentando a relação numérica de alunos e de turmas por professor. A

esse fenômeno soma-se a intensificação do trabalho dos docentes e coordenadores

pedagógicos da escola, com um acúmulo de tarefas diárias e sobrecarga de

atividades. Esse dia-a-dia escolar, então, determina a forma como se tem

desenvolvido a profissionalização dos professores e o trabalho da equipe diretiva

com profundas marcas de cotidianidade, ou seja, marcas da reprodução da

sociedade baseada na divisão do trabalho, o que quase sempre resulta na

desqualificação do seu trabalho e das condições em que o desenvolvem, a partir dos

aspectos que caracterizam o conceito de Cotidiano, assim definido por Lefebvre

(1991 apud Duarte 2007, p.46): “O Cotidiano é a soma de insignificâncias e de

pequenos episódios repetitivos; porém, é na vida cotidiana que se situa o núcleo

racional revelador da riqueza escondida na trivialidade”.

O termo cotidiano aqui será tomado não como os atos discriminativos do dia-

a-dia, das rotinas diárias desenvolvidas pela escola e seus atores, mas a partir do

conceito em Agnes Heller (2008), que define a vida cotidiana como o conjunto de

atividades que caracterizam a reprodução dos homens singulares. Para distinguir as

26

UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso.

Page 74: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

72

atividades que fazem parte das esferas cotidianas e não-cotidianas, tem-se como

referência a dialética entre reprodução da sociedade e reprodução do indivíduo.

Dessa forma, o coordenador pedagógico, num contexto de cotidianidade,

muitas vezes nem percebe a relação imediata entre pensamento e ação. No

desenvolver da ação coordenadora, muitas decisões diferentes e diversas precisam

ser tomadas, microdecisões precisam ser executadas num curto espaço de tempo e

o mais rápido possível, não há tempo para analisar todos os aspectos de todos os

casos, nem os casos que demandariam melhor e maior atenção. Assim, resolve-se

por analogia: busca-se em situações já vividas pontos semelhantes, tornando

possível a tomada de decisão, o que Heller (2008) classifica como sendo juízos

provisórios, meros exemplos de uma ultrageneralização. Agnes Heller (2008, p.56),

ao conceituar o que nomina como sendo vida cotidiana, cotidiano ou cotidianidade,

pondera que “não há vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo,

economicismo, andologia, precedentes, juízo provisório, ultrageneralização, mimese

e entonação”. Sabendo que se o cotidiano se efetiva por e através de analogias, um

dos tipos de ultrageneralização, o mesmo pode estar fadado ou ao sucesso ou ao

fracasso, em conformidade com a opção feita, o que poderá promover alterações

nas novas avaliações a serem realizadas. Importa considerar como se realizam

essas avaliações. Se o cotidiano escolar está marcado por escolhas pedagógicas e

administrativas, elas deveriam estar norteadas por uma escala de valores. De

acordo com Heller (2008, p.70),

Quanto maior o compromisso pessoal e profissional com a opção feita, tanto mais as decisões se elevam acima da cotidianidade, porquanto fogem de esquemas determinados e repetitivos.

No campo da avaliação e da reflexão, a autora a considera como “um meio

de superação dialética parcial ou total da particularidade [...]”, possibilitando, assim,

a intervenção na cotidianidade. O cotidiano da escola está composto na prática

educativa. Essa realidade escolar feita de regulamentos, atividades rotineiras,

hábitos e procedimentos confere um ritmo próprio à intervenção pedagógica,

impondo a homogeneidade de comportamento como a prática estabelecida no

pragmatismo e revelando a orientação para as atividades cotidianas. Para a

Page 75: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

73

superação ou transformação desse contexto, Duarte (2007, p.30) preconiza:

“Defendemos uma concepção de educação escolar como mediadora, na formação

do indivíduo, entre a esfera da vida cotidiana e as esferas não-cotidianas da

objetivação do gênero humano”.

Diante do exposto, poderíamos depreender, então, que estamos aprisionados

neste cotidiano, tendo pouca chance e tempo para a reflexão (ALARCÃO, 2008).

Contudo, lembramos que Paulo Freire ao considerar a dialética e a escola como um

espaço de contradição recoloca a discussão no campo das possibilidades, uma vez

que renega os aspectos deterministas e reprodutivos das cercanias dos estudos

acerca das práticas desenvolvidas na escola. Nesse caso, vemos também que

Heller (2008, p.61) afirma:

A ordenação da cotidianidade é um fenômeno nada cotidiano: o caráter representativo, “provocador”, excepcional, transforma a própria ordenação da cotidianidade numa ação moral e política.

E ainda pontua que, “Quanto mais ´em movimento‟ está uma classe, quanto

maiores são suas possibilidades de uma práxis efetiva” (p. 73).

Entendemos que a prática educativa da escola no espaço da contradição nos

coloca no campo das possibilidades; nelas, deve estar contida a análise das

relações existentes, e pode-se encontrar valores, símbolos e significados a serem

transmitidos, advindos das relações reveladas na interação subjetiva entre o coletivo

da escola. Assim sendo, tem-se uma clara definição dos papéis a serem

desenvolvidos na escola e, ainda mais, como e para quem tais papéis de fato se

direcionam.

Gadotti (2002) ao tratar dos vários papéis dentro da escola e da importância

de sua atuação, chama atenção para a necessidade da autoafirmação na profissão

docente, quer seja na sala de aula, na direção, na coordenação pedagógica, enfim,

como profissional e da educação é preciso ter-se claro em qual concepção está

sedimentada sua atuação, e quão firme são seus propósitos na construção de sua

identidade, naquilo que o autor chama de “Boniteza de um sonho” parafraseando a

palavração freiriana. Ainda para o autor, é preciso estar atento ao compromisso

Page 76: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

74

político-pedagógico a ser assumido para alcançar o claro objetivo de educar uma

nova geração.

A partir dessa visão social dos papeis a serem desenvolvidos na escola -

professor, aluno, pais, gestores - Gadotti (2002) convida-nos a refletir acerca da

seguinte constatação acerca do professor:

Nesse sentido, no contexto atual, podemos identificar e confrontar duas concepções opostas da profissão docente: a concepção neoliberal e a concepção emancipadora. A primeira, amplamente dominante hoje, concebe o professor como um profissional lecionador, avaliado individualmente e isolado na profissão (visão individualista); a segunda considera o docente como um profissional do sentido, um organizador da aprendizagem (visão social), uma liderança, um sujeito político. ( p.15)

E ainda acrescenta que,

Numa concepção emancipadora da educação, a profissão docente tem um componente ético essencial. Sua especificidade está no compromisso ético com a emancipação das pessoas. Não é uma profissão meramente técnica. A competência do professor não se mede pela sua capacidade de ensinar – muito menos “lecionar” – mas pelas possibilidades que constrói para que as pessoas possam aprender, conviver e viverem melhor. (p. 16)

Nesta perspectiva, compreendemos que a escola tem uma rede de papeis no

composto de suas estruturas organizativas, que não se pode perder de vista sua

relação com a comunidade e que é o coordenador pedagógico, “antenado” ao que

postula Gadotti (2002) ao definir sua função e determinar como sendo seu papel um

organizador da aprendizagem, que devem organizar, nesta perspectiva

emancipadora, a aprendizagem docente e a aprendizagem do aluno. Os vários

papéis no interior da escola devem, sobretudo, tomar para si a preocupação com a

melhoria da qualidade da docência e do ensino-aprendizagem, mediatizada pela

ação do coordenador pedagógico.

Por fim destacamos o argumento de Gadotti de que:

Page 77: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

75

A noção de qualidade precisa mudar profundamente: a competência profissional deve ser medida muito mais pela capacidade do docente estabelecer relações com seus alunos e seus pares, pelo exercício da liderança profissional e pela

atuação comunitária, do que na sua capacidade de passar conteúdos. (p.15)

Neste ponto, explicitada nossa compreensão conceitual acerca do cotidiano,

torna-se importante ressaltar que entenderemos que a educação escolar assume um

papel importante na luta pelas transformações das relações sociais, tendo o papel

de conduzir os indivíduos no processo de apropriação do conhecimento. Portanto a

definição de papeis na escola passa, sobretudo, pelo entendimento de que a

educação, através das práticas pedagógicas ali desenvolvidas é mediadora entre as

atividades cotidianas e as não-cotidianas, o que pode não ter o poder de, por si só,

produzir a superação da alienação do indivíduo, mas evidencia dois aspectos

interessantes: a compreensão acerca dos papeis a serem desempenhados na

escola e o entendimento da educação escolar mediada para e através da prática

pedagógica. Nesse contexto, o conceito da prática pedagógica pode ser entendido

como um trabalho: o trabalho educativo (Saviani, 1991).

Heller (2008) analisa o trabalho educativo enquanto atividade, na qual

coexistem as esferas cotidianas e não-cotidianas, pois quando reproduz o indivíduo,

reproduz a sociedade. Por esta razão ao tratarmos da ordenação política do

cotidiano escolar mediado pela atuação do coordenador pedagógico nos remetemos

ao fato de que sobre este recai o papel de mediar a atividade pedagógica na escola,

e passa a ser de sua responsabilidade provocar a reflexão do coletivo da escola

para o cumprimento do seu objetivo social, qual seja o de promover a identificação

dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos para que se

tornem cada vez mais humanos e mais conscientes do seu inacabamento. Dessa

forma, cabe ao coordenador pedagógico buscar no conhecimento historicamente

produzido e na experiência do trabalho educativo acumulado aspectos que o

auxiliem no desenvolvimento de sua prática pedagógica, sobretudo na ordenação

política desse cotidiano. Pois no cotidiano também se faz história, não na

perspectiva das esferas cotidianas, ou seja, não como modelos a serem imitados

e/ou reproduzidos, mas na perspectiva da reelaboração do construído. Sobre isso,

Heller (2008, p.12) escreveu que

Page 78: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

76

A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura social.

Assim sendo, podemos concluir que ao coordenador pedagógico, através do

seu trabalho educativo como um organizador das práticas pedagógicas

desenvolvidas no espaço escolar cabe, assertivamente, o compromisso de

encaminhar ao coletivo da escola a reflexão para o entendimento de que “no

decurso da história está o processo de construção de valores, justamente neste

ponto, estão as esferas cotidianas e não-cotidianas, ou seja, ou da degenerescência

e acaso desse ou daquele valor” (Idem, p.14). A mediação neste ponto está na

possibilidade de perceber sua condição de ser inconcluso para ter claro por qual

indivíduo e por qual sociedade o coordenador pedagógico empreende sua ação

coordenadora.

3.2 A Escola como uma Instituição Social: a Cultura da Gestão Escolar

Nesta seção, o intuito é o de fazer uma breve conceituação de escola como

uma instituição social e também explicitar, neste viés, a cultura de gestão aí

implementada. Parte-se do princípio de que “a dimensão social dos objetivos da

escola se sintetiza na educação para a democracia”27 (Paro, 2007, p.17),

extremamente comprometida com a formação democrática, porque se volta para o

cumprimento social de seu papel: capacitar e encorajar educadores e educandos,

numa relação dialógica, para que exerçam ativamente sua cidadania na construção

de uma sociedade melhor.

Para caminhar nessa vertente passa-se necessariamente pelo conceito de

qualidade de ensino; nisto está contida a essência da relevância social do papel da

escola como instituição social, sendo de vital importância a análise dessa

reconceptualização como forma de fugir dos paradigmas tradicionais e

27

Grifo nosso.

Page 79: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

77

conservadores da educação. Essa análise traz, também necessariamente, todas as

questões acerca da qualidade do trabalho educativo da escola para o campo da

análise das políticas públicas que se efetivam objetivando o desenvolvimento da

escola como uma forma de garantia do sucesso da escola, objeto nuclear da

educação.

Para compreendermos tais aspectos, tomamos por base a concepção de que

a educação não é apenas informação, contida nos currículos e nos conteúdos

selecionados; a educação é uma atualização histórico-cultural28, supondo-se assim,

de modo mais profundo seus componentes de formação. A escola, nesse campo de

visão, é o veículo por onde a assimilação de valores, preferências, comportamentos,

hábitos e posturas e a apreensão de conhecimentos, aptidões, convicções e

expectativas são mediadas pela educação. Paro (2007, p.23), contudo, alerta:

Mas, para que isso, é imprescindível a maior clareza possível sobre aquilo que se quer e sobre aquilo que se considera individual e socialmente válido. Daí a constante atualidade da discussão a respeito do mais rigoroso dimensionamento possível da qualidade da educação escolar, por meio do exame e discussão dos objetivos necessários à configuração dessa qualidade.

Trata-se, portanto, de uma caracterização do papel da escola contida na

compreensão da educação a partir de seu caráter ético-político, com ênfase na

dimensão social dos seus objetivos. Considerando-se de antemão, também, que os

objetivos da escola passam necessariamente pela ideia de que a prática escolar e a

efetiva realização dos seus objetivos estão condicionadas às relações organizativas

didático-pedagógicas e à estrutura administrativa da escola, sendo, então, de vital

importância compreender-se a ação desses condicionantes.

Postulando o aspecto histórico, uma vez considerada a educação como

sendo um processo de mediação entre o indivíduo e a sociedade, tal acepção se

coloca no campo do estatuto de cientificidade da pedagogia, aliada a outros campos

28

Paro define a Atualização histórico-cultural como sendo um processo em que, quanto mais se apropria da

cultura, mais se humaniza porque se impregna da história. No momento em que nascemos, somos todos pura

natureza, o que nos proporciona desenvolvimento social é a história da sociedade em que nascemos, no momento

seguinte, cada indivíduo se apropria da cultura socialmente produzida historicamente atualizando-se como ser

histórico. (PARO, 2002, p.21).

Page 80: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

78

do saber como a filosofia, a sociologia e a antropologia, basilares do pensamento

crítico acerca das concepções de homem, de indivíduo e de sociedade.

Libâneo (2005), ao postular o estatuto de cientificidade da pedagogia, amplia

o conceito de educação: para ele as práticas educativas não se restringem apenas à

escola ou à família, mas ocorrem em outros contextos, onde os homens, seres de

relações, desenvolvem práticas educativas classificadas por ele como sendo

educação informal, de modo institucionalizado ou não; são os saberes produzidos

nos processos e modos de ação coletivos de modo não intencional. O autor também

destaca, na configuração de educação não formal, já com certo nível de

intencionalidade e sistematização, as práticas educativas realizadas em instituições

não convencionais, tais como as que se verificam nas organizações profissionais,

nos meios de comunicação, nas agências formativas para grupos específicos. E, por

fim, as práticas educativas com elevados graus de intencionalidade, sistematização

e institucionalização, que são as que se realizam na escola ou outras instituições de

ensino, compreendendo o que Libâneo denomina de educação formal.

A educação assim compreendida e conceituada, que se verifica no âmbito

escolar, demanda que se estudem as práticas educativas produzidas nesse espaço,

mediatizadas pelas práticas pedagógicas ali realizadas, com vistas a explicitar

finalidades, objetivos sociopolíticos e formas de intervenção pedagógica. Essas

práticas não são isoladas do contexto sociopolítico e econômico; as injustiças, os

conflitos, o antagonismo social e a exploração estão ali presentes, de modo que a

construção e o fortalecimento dos princípios democráticos estejam fortemente

construídos e protagonizados no chão da escola.

Pontuadas todas as questões acerca do conceito de educação, certamente

tudo isso está associado a uma concepção diferente de organização, de gestão e

desenvolvimento dos processos educacionais. E, acima de tudo, demanda a

participação ativa de sujeitos conscientes e dinamizadores desses processos nas

instituições em que atuam: falamos da gestão democrática, e, sobretudo falamos de

novos paradigmas no pensar e agir, paradigmas estes que sejam mobilizadores de

estratégias articuladas para o desenvolvimento profissional de todos.

Page 81: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

79

Quanto à concepção de prática educativa, ou prática pedagógica, ficamos

com a definição de Gadotti (1998), para quem a questão pedagógica está

diretamente relacionada à questão do poder. O autor descreve o que chama de

“tradição pedagógica brasileira” e, nesta vertente, teoriza que por tempos se ignorou

esta natureza, isto é, havia se negado a necessidade de uma revisão crítica da

tarefa de educar. Para romper este pensamento, o autor acredita ser mediante a

consciência de classe que se possibilitaria a apropriação de uma ideologia

libertadora, um conscientizador, portanto. Ao conceito de educador agrega-se o

conceito de prática pedagógica, aqui entendida como sendo o locus onde o

educador se educa; o verbo e sua ação têm vigência concomitante e atemporal, e

negar isto é negar o caráter dialético de educação. Por prática da educação, Gadotti

entende como sendo a possibilidade de recriar a teoria, questionar suas análises e

rever a sua própria prática, para o autor tudo isso tem uma finalidade: “Chegar a

Escola única29, intelectual e manual, igual para todos” (idem, p.81).

Para a efetivação desse pensamento, há que se promover alterações

pedagógicas que oportunizem o aparecimento de um novo educador que coloque o

ato educativo e a prática pedagógica no campo de reinvenção, “clima” para uma

educação democrática e comprometida com um novo projeto social e político e

também para, uma sociedade democrática.

Nesta mesma visão de escola e de prática pedagógica, temos as palavras de

Alarcão (2008, p.38):

Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI.

Finalmente, no ponto de vista de Paulo Freire (1987), a escola é o local que

possibilita o processo de hominização, porque colabora com o processo de

construção do homem comum, é o local de reconhecimento da consciência, o

29

Grifo do autor.

Page 82: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

80

reencontro e reconhecimento de si mesmo, porque a educação conscientiza sobre

as contradições do mundo humano.

Conceituando educação e o papel da escola na perspectiva reprodutivista,

Freire (1987, p. 34) assim descreve:

a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição; g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Ele aponta possibilidades de rompimento com essa visão desumanizadora

do ser humano e aponta a relação dialógica como fomentadora de uma

educação libertadora das consciências humanas quando propõe:

Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens. (idem, p. 46).

Neste viés, a escola deve negar a função de impor a cultura dominante

quando oculta e sonega a transmissão de ideias, ela deve sugerir a crítica, que vai

para além da preparação para o trabalho, a qual, embora sob a égide da Escola

para todos promove a classificação, a exclusão e a não-participação social; a escola,

enfim, no uso de suas atribuições, deve utilizar o conhecimento para entender

melhor os mecanismos de socialização. Sendo assim, a gestão da escola pauta-se

na ruptura do modelo técnico-linear, no ideário freiriano, que postula o papel da

Page 83: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

81

escola numa gestão de racionalidade emancipadora. Acredita-se que a procura por

essa racionalidade político-emancipadora venha ganhando corpo, contudo, o que se

pode observar ainda na escola, é que a racionalidade administrativa ainda força

certo distanciamento da emancipação dos sujeitos nas salas de aula.

Todas as dimensões da escola, quer administrativas, quer pedagógicas,

precisam estar mobilizadas para não reduzir o pensamento e a ação educativa às

perspectivas técnicas de gestão. Isto constitui uma forma de superar a

desvinculação entre as atividades-fins (processo educativo) e as atividades-meio

(diretor, professores, coordenadores e funcionários administrativos). É preciso

transformação e Paulo Freire (1991) alerta: essa transformação precisa ser feita em

conjunto.

3.2.1 Escolas Democráticas: Estruturas e Processos Democráticos

Nesta seção intencionamos explicitar melhor o conceito de democracia aliado

ao conceito de escola, acerca do qual já fizemos algumas considerações na seção

anterior, baseados no conceito de Apple e Beane (2001, p.14) segundo os quais “[...]

A ideia de democracia provavelmente tem a função crucial de julgar os eventos e as

ideias”.

É, portanto, o princípio fundamental das relações sociais e políticas, apesar

de todas as dissonâncias dos governos e políticos e das nações acerca de tal

pensamento. Caracterizando o sentido ambíguo que por vezes assoma nas

conceituações do que venha a ser democracia, observa-se que tal postura acomete

desde o senso comum até ao pensamento mais elaborado. É embaraçoso tratar de

democracia num espaço onde jazem riqueza e pobreza, domínio e dominado,

oprimido e opressor. Onde há maior riqueza e poder, as ambiguidades ligadas ao

conceito de democracia evidenciam claramente o beneficiamento de algumas

pessoas mais do que de outras.

Se for temerário falar em democracia no seu sentido etimológico, como sendo

força/poder do povo, tratemos então, no mesmo espaço de ambiguidade e de

contradição, o conceito de escolas democráticas. Para Apple e Beane (2001, p.17)

Page 84: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

82

nas escolas a democracia depende dos “fundamentos de vida democrática”. Os

autores prescrevem as condições consideradas importantes para que as escolas se

configurem democráticas:

1. O livre fluxo das idéias, independentemente de sua popularidade, que permite às pessoas estarem tão bem informadas quanto possível;

2. Fé na capacidade individual e coletiva de as pessoas criarem condições de resolver problemas;

3. O uso da reflexão e da análise crítica para avaliar as idéias, problemas e políticas;

4. Preocupação com o bem-estar dos outros e com “o bem comum”; 5. Preocupação com a dignidade e os direitos dos indivíduos e das

minorias; 6. A compreensão de que a democracia não é tanto um “ideal” a ser

buscado, como um conjunto de valores “idealizados” que devemos viver e que devem regular nossa vida enquanto povo;

7. A organização de instituições sociais para promover e ampliar o modo de vida democrático.

É importante destacar também que no exercício da democracia nas escolas

estão presentes as tensões e as contradições, sendo, portanto, um espaço de luta.

Por sempre existir a possibilidade da ilusão de democracia, quando se trata das

tomadas de decisão podem-se abrir possibilidades para ideias antidemocráticas,

como a manutenção de desigualdades históricas na vida escolar, censuras e

sansões.

De acordo com Apple e Beane (2001), as estruturas e os processos

democráticos são marcados pela participação geral e coletiva, que consiste na

participação nas questões administrativas através dos colegiados, conselhos e

assembleias, nos planejamentos participativos compostos por uma “engenharia de

unanimidade”, tentativa de superação das ilusões de democracia. Esta superação

está na valorização da diversidade, do currículo democrático, está na cooperação,

em detrimento das competições promovidas através de notas, dos programas, etc. O

compromisso com escolas democráticas é resultante do empreendimento de

pessoas democráticas ou pelo menos, mais abertas ao processo de avaliar e refletir

sobre as contradições e os conflitos encontrados num espaço de heterogeneidade e

autonomia parcial. Segundo os autores, “Uma experiência democrática se constroi

Page 85: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

83

mais pelo meio de seus esforços contínuos de fazer a diferença”. O empreendimento

não é nada fácil; é cheio de contradições, conflitos e controvérsias (idem, p.25).

De igual modo, é preciso estar atento ao papel social da escola, a partir da

compreensão crítica do papel da educação. Para o entendimento desse papel são

necessárias algumas considerações: o homem pode intervir sobre a natureza e

sobre a sociedade, sobre a primeira para torná-la útil; e sobre a segunda para

transformá-la em cultura; de forma mais abrangente, a escola vai caracterizando a

intervenção do homem sobre o homem, configurando o ato pedagógico. No

desenvolvimento de sua função, agregado ao conceito de escola democrática, há

que se perceber a serviço de quem, e na construção de que tipo de homem, a

escola constroi sua identidade. Se ela for comprometida com a ação transformadora

suas ideias estão vinculadas a raízes sociais. Mas, para que isso aconteça, essa

ação deve, sobretudo, estar arraigada no homem tomado coletivamente, ressalta

Gadotti (1998). O autor ainda considera que

A ideologia não suprime a individualidade, mas lhe dá força,

cimentando-a à massa, aos outros. Pelo sentido que damos à

ideologia, não é o homem que transforma, que faz a história,

mas a massa de homens, isto é, os homens juntos (p. 68).

Para Gadotti o conceito de democracia está diretamente ligado ao conceito de

ideologia e ao papel da escola, ficando entendida qual ideologia o autor defende: a

da luta de classes, ou seja, a operacionalização da mesma para uma ética coletiva.

Certamente, neste atributivo, uma educação voltada para ação transformadora a

partir de perspectivas sociais, observadas suas contradições e conflitos, cumpre o

papel não de alimentar tais contradições e conflitos, mas sim, de desvelá-las e

evidenciá-las com vistas à sua superação. Escolas democráticas, então, formam

consciência crítica acerca de si e da sociedade, porque estão comprometidas “não

apenas com o conteúdo e a forma do que pretende ensinar, mas com o contexto no

qual ensina” (idem, 1998, p.72).

Page 86: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

84

Não é possível, portanto, separar o político do pedagógico, pois o ensino

precisa ser contextualizado historicamente, mas esse contexto não deve ser visto de

outra maneira senão a partir do conceito de homem e de sociedade. Politizar o

ensino significa lhe dar sentido e lhe possibilitar ideologicamente o compromisso

com o homem na formação do próprio homem, ou, digamos, dos seres humanos em

formação, ressaltando a dialética da formação de Paulo Freire de que os homens se

educam em comunhão.

A escola é então local de trabalho (SILVA JUNIOR, 1990) e local de debates

(GADOTTI, 1998), ambos os conceitos resguardam o aprofundamento das questões

sociais e políticas.

3.2.2 A autoridade do Coordenador Pedagógico: As relações de poder

na Escola

Entendemos que os sistemas de ensino existem como instrumentos que

garantam a continuidade da ação educativa sistematizada e que, por isso, todas as

suas ações têm como meta possibilitar que as escolas cumpram suas finalidades.

A(s) escola(s) é (são) múltiplo(s), conjuntos, sistemas - o que requer “competências

administrativas” para traduzir essa complexidade dos sistemas em benefício ao

atendimento da finalidade que a Escola tem; de acordo com Alves e Garcia (2003, p.

133), ”a escola é, portanto, o espaço/tempo de encontro de múltiplas redes

relacionais e de conhecimento.”

A Escola em si é complexa. A finalidade que busca não é fácil de ser

conseguida. Precisa da contribuição de vários profissionais especializados -

professores/direção/coordenação pedagógica/equipe de apoio, que passa

necessariamente pelo exercício do poder. Neste sentido buscamos as noções de

poder e educação refletidas cotidianamente no espaço escolar, com vistas a

perceber também o que se concebe neste espaço por democracia, autonomia,

currículo e formação de professor.

Page 87: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

85

Paro (2008, p.51), tratando da matéria diz, que “[...] só tendo conhecimento

da intenção ou interesse de quem detém o poder é possível constatar se seu poder

está de fato sendo exercido.”

Faz-se necessário o entendimento de como esses conceitos permeiam a

prática educativa que se desenvolve na escola e na inter-relação desses como

valores produzidos ou reproduzidos culturalmente. Neste momento, intentamos

perscrutar como os conceitos de poder e educação estabelecem-se no chão da

escola, quando da organização e implementação de políticas públicas do e no fazer

cotidiano da educação. A sala de aula é determinada pelo que a circunda para além

de suas paredes - e, em certa medida, interfere para além dessas paredes. Como é

durante a aula que se dá a essência da Educação Escolar, é para ela que devem

convergir as várias competências dos profissionais da Escola - o que não significa

que todos atuarão na sala de aula!; o que não significa, também, que nela só atuam

os professores; nem que as equipes pedagógicas e de apoio só atuam fora dali!;

não sendo, também, que somente ali atuarão. Enfim, a organização da Escola é

coletiva e requer o concurso de especialistas que atuem coletivamente. Neste

contexto, buscamos o entendimento da exigência da formação centrada na escola,

na relação entre o administrativo e o pedagógico e também o entendimento da

natureza dessa relação.

A partir dos pontos já levantados na seção anterior, com base nos estudos de

Gadotti (1998) nos reportamos à postura do educador numa sociedade em conflito.

Para o empreendimento da postura a qual o autor se refere como questão

pedagógica, tem-se a questão do poder. Se a tradição pedagógica brasileira ignorou

tal questão, de outra forma há que se pensar na questão do poder como condutor da

ação pedagógica, no contexto de educar se educando. Isso não exime o

coordenador da função básica de - “dirigente político” 30 - da ação pedagógica na

escola, de outro modo se negaria o caráter dialético da educação. O autor acredita

que uma das formas de empreender uma nova postura frente à educação de

contradição e conflitos está na perspectiva da memória histórica, ou seja, de um

30

“Dirigente político” é um termo usado por Gadotti para determinar a função do coordenador pedagógico (p.

76).

Page 88: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

86

momento não só de atualização bem como de correção de equívocos ou mesmo de

desvelamento histórico da pedagogia do colonizador, evidenciando as contradições

do passado e do presente; outra forma é não ignorar “os prolongamentos políticos

do ato pedagógico” (p.78).

Não evidenciando tais contradições, a escola assume uma tarefa: a de

legitimar o poder totalitário, um empecilho para a construção de uma sociedade

democrática.

A compreensão do conceito de poder tomado neste trabalho evidencia-se nas

relações estabelecidas na escola; independentemente da concepção de educação aí

presente, ele demonstra o modus operandi daquelas relações. Paro (2008)

caracteriza dois tipos de poder: o poder que serve a dominação, denominado poder-

sobre e o poder que reforça a condição de sujeito do outro, o poder-fazer.

Todo o processo educativo está envolvido pelas relações de poder; seja em

estado potencial, seja em estado atual. O poder em estado potencial entende-se

como uma possibilidade do exercício desse poder (WEBER apud PARO 2008, p. 36)

“poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação

social, mesmo contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento dessa

probabilidade”. E ao poder atual fica entendido como o seu exercício de fato

(FOUCAULT apud PARO 2008, p. 36). “o poder não se dá, não se troca nem se

retoma, mas se exerce, só existe na ação”.

Assim, ambos os estados do poder pautam as relações da seguinte maneira:

o primeiro para quem tem o poder e o segundo para quem o exerce. Maior ou menor

obediência às ordens de quem detém o poder remete aos conceitos de poder

estabilizado e de poder institucionalizado. A sua compreensão é necessária para a

explicação e o entendimento do conceito de autoridade31, assim definido por Paro

(2008, p.39): “a autoridade é um tipo especial de poder estabilizado denominado

„poder legítimo‟, ou seja, aquele em que a adesão dos subordinados se faz como

resultado de uma avaliação positiva das ordens e diretrizes a serem obedecidas”.

31

Grifo do autor.

Page 89: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

87

Por autoritarismo entende-se o poder estabilizado quando é utilizado em

prejuízo da condição de sujeito daquele que obedece. Nele, as relações de poder se

fazem pela coerção, modo caracterizativo da forma atual, que no seu exercício

através da manipulação caracteriza a forma potencial (ocultação, informações

distorcidas, doutrinamento etc.); já a persuasão, presente na forma potencial bem

como na atual, tanto pode conceber liberdade de opiniões como levar os sujeitos a

determinada doutrinação, de acordo com interesses. Paro (2008, p.54) assim a

definiu:

Assim entendida, a persuasão exibe uma aparência de extrema fragilidade, pois nunca se pode estar certo de que poder potencial que se julga ter venha a se confirmar no poder atual que se exerce. Por isso a educação é sempre uma possibilidade, não uma certeza.

Compreende-se aqui o poder estabilizado como o poder continuativo e

“naturalizado” por todos os envolvidos, ou seja, um poder institucionalizado, de

modo que a escola, professores, coordenadores e equipe possuam funções

definidas e coordenadas de maneira estável e aceitas institucionalmente. A isto se

pode chamar estabilidade.

A autoridade do coordenador pedagógico, como poder estabilizado e

institucionalizado leva-nos a refletir acerca da autoridade na escola, como poder

legítimo. Tal reflexão se dá no momento em que se avalia o desenvolvimento de

uma prática pedagógica democrática, a bem da verdade diretamente relacionada à

concepção de educação anteriormente explicitada, ou pela percepção e

consideração dos desejos coletivos, ou pela imposição arbitrária.

Por prática democrática e escolar deve-se entender, assim, que o termo não

se refere apenas à sala de aula. As relações de poder estão presentes nas questões

curriculares, nas normas tácitas e integradas ao dia-a-dia de todos, ao currículo

oculto: são aquelas normas, valores e crenças não declaradas e transmitidas de

forma subjacente no seio da escola.

Page 90: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

88

Enfim, estudar a prática pedagógica do coordenador na perspectiva das

relações de poder amplia nossa compreensão do conceito de autoridade e ao

mesmo tempo oferece um horizonte para uma prática educativa voltada para a ação

humana para e por um ser humano emancipado, no fortalecimento mútuo das

subjetividades (idem, p.72).

Page 91: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

89

IV - O COTIDIANO DA ESCOLA: DA PRÁTICA PENSADA À PRÁTICA

REALIZADA

Mire, veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as

pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas –

mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.

Verdade maior. E o que a vida me ensinou. Isso me alegra,

montão.”

(Guimarães Rosa)

Neste capítulo de análise, procuramos explicitar nosso entendimento sobre o

papel do coordenador pedagógico mediatizado por sua ação coordenadora na

articulação e ordenação política do cotidiano da escola, avaliando as condições e

direcionamento de suas tarefas diárias, através também, das contribuições dos

teóricos que subsidiam esta pesquisa.

Na presente seção discutimos a prática mediatizada pelo coordenador

pedagógico, com foco no que é pensado e no que é realizado, por meio das

estratégias planejadas e formalmente constituídas nos documentos e planos de

ação, na perspectiva do que se pensa e do que efetivamente se consegue colocar

em prática no cotidiano da escola.

Os dados coletados através dos documentos recolhidos nas duas escolas

públicas da rede estadual de ensino de Rondonópolis apontam, a priori, a forma

como estão formalmente organizadas as escolas pesquisadas. Tem-se inicialmente,

que utilizam como técnica para a formalização do trabalho da coordenação a

metodologia do estabelecimento de metas e ações. Obedecidas essas

formalizações, os planos de ação das coordenadoras estão organizados da seguinte

forma: em primeiro lugar descrevem as metas gerais do trabalho a ser desenvolvido

pela escola e em seguida essas metas se desdobram em ações que pontuam as

tarefas e as atividades para serem realizadas, estrategicamente, em conformidade

com o prescrito em linhas gerais.

Page 92: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

90

O plano de ação das coordenadoras da Escola Alfa está pautado por

algumas considerações que a escola considera importantes, por isso utiliza como

justificativas para a materialização do projeto e desenvolvimento de suas práticas

educativas as considerações assim elencadas:

Considerando que a educação é um processo de construção permanente dentro de um contexto que é relevante à junção de todos os segmentos educacionais, a coordenação pedagógica representa um dos caminhos para se efetivar o conhecimento por meio do envolvimento de pais, alunos, professores, enfim, toda a comunidade escolar;

O trabalho pedagógico inclui disciplina, organização, criação, acompanhamento e ênfase no aprendizado do aluno. Desse modo, a teoria e a prática necessitam ser refletidas e construídas, com base na realidade da escola, para garantir o acesso dos alunos ao processo ensino-aprendizagem e ainda a organização do trabalho docente. A intervenção pedagógica sinaliza atingir a qualidade total;

Com os propósitos apresentados ressalta-se a importância de organizar o trabalho da coordenação pedagógica para o mesmo alcance o professor, o aluno e a eficácia do ensino. (Fonte: Plano de ação

das coordenadoras da Escola Alfa, sem numeração de página).

Este plano de ação, para a referida escola, de periodicidade anual, é

composto por 04 metas:

Meta 1 – Organizar anualmente o fazer pedagógico coletivo da escola, através da implementação de projetos, atividades diferenciadas e do planejamento participativo;

Meta 2 – Coordenar o processo de organização das pessoas no interior da escola, buscando a convergência dos interesses dos seus vários segmentos e a superação dos conflitos decorrentes deles;

Meta 3 – Colaborar na mudança de atitudes do professor para o desempenho satisfatório do papel do educador, em função das transformações que se operam na sociedade;

Meta 4 – Ser um instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação dos caminhos a serem perseguidos. (Fonte: Plano de ação das coordenadoras da Escola Alfa)

Para o cumprimento dessas metas, no plano de ação da coordenação da

Escola Alfa, estão descritas 41 Ações com suas respectivas justificativas, as

metodologias a serem trabalhadas e os resultados esperados. Na entrevista uma

das coordenadoras pesquisadas ainda complementou explicando que essa forma de

Page 93: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

91

construir o plano de ação é pautada no modelo enviado pela Assessoria Pedagógica

do Estado.

O plano de ação da coordenação da Escola Ômega, diferentemente da

outra unidade escolar, não está construído em separado como um projeto: segue

uma sequência da escrituração do Projeto Político-Pedagógico, não apresentando

então justificativa geral do plano, apenas das ações.

Na Escola Ômega o plano de ação da coordenação está assim

especificado, como segue abaixo, sendo que com diagramação diferenciada,

descrevem as metas e logo em seguida descrevem-se as ações:

1- Orientações pedagógicas a professores, funcionários e alunos, com 05 ações;

2- Orientar/coordenar/subsidiar as atividades relacionadas à construção/elaboração/execução e avaliação dos projetos que visem à melhoria do processo educativo e administrativo, as relações humanas, solidárias e éticas. (Fonte: PPP da Escola Ômega)

Essas duas primeiras metas vêm acompanhadas da descrição de 20 ações,

onde se descrevem desde os projetos a serem desenvolvidos, até as ações a serem

implementadas.

A terceira meta está assim descrita no plano de ação da Escola Ômega:

3- Coordenar a elaboração, acompanhar e avaliar a realização do Planejamento da Proposta Curricular, bem como os processos e quadro administrativo.

Essa meta vem acompanhada de 03 ações a serem desenvolvidas no

calendário letivo.

A quarta meta que vem acompanhada de apenas 01 ação para ser

desenvolvida, está descrita da seguinte forma:

4- Participar dos projetos de formação desenvolvidos na rede com vista ao aperfeiçoamento de sua função: cursos, seminários, encontros com coordenadores e reuniões pedagógicas.

A quinta meta vem assim descrita no plano de ação:

Page 94: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

92

5- Promover a integração de todos os segmentos da escola

Essa meta é composta por 06 ações a serem desenvolvidas para o alcance

do que objetiva o trabalho pedagógico. (Fonte: PPP da Escola Ômega)

Apesar de utilizar a mesma metodologia de projetos para a construção do

plano de ação da coordenação pedagógica, as duas escolas se diferenciam quanto

a metodologia de apresentação de seus planos, a escola central, não seguiu o

modelo da Secretaria, contido no Projeto Político da Escola, segue a sequência do

mesmo. Já a escola do bairro, o fez como um projeto em separado. Ambas se

utilizam da expressão “coletiva da escola” em vários pontos do plano, referindo-se à

participação de todos nas metas e ações referenciadas no projeto da coordenação.

Tais considerações, de nossa parte, não vinculam a nenhuma das escolas atribuição

de valor quanto à metodologia utilizada para a escrituração de seus projetos.

Em relação à natureza formal dos projetos, metodologicamente, estão

construídos de forma diferenciada: um está construído em forma de projeto e, o

outro, como decorrência do Projeto Político-Pedagógico da escola. Em termos

valorativos, a partir do conceito de racionalidade política, não afirmamos que a

natureza de um seja diferente do outro. Quando chegamos às escolas, ambos os

planos estão reservados em lugar próprio, distante da mesa das coordenadoras,

distante,portanto, do coletivo da escola. Olhando para este contexto Veiga (2003)

afirma que “o desenvolvimento do projeto implica a existência de um conjunto de

condições, sem as quais ele poderá estar condenado a tornar-se apenas mais um

„formulário administrativo‟” (p.276).

No que concerne à rotina de trabalho, o dia-a-dia de todas as entrevistadas

é muito parecido, no tocante ao acompanhamento dos projetos da escola, no

acompanhamento da formação continuada, o Sala de Professor, e no

acompanhamento administrativo da escola, diferindo, quanto à formação continuada,

no seguinte aspecto: na escola Alfa existem grupos de estudos interdisciplinares,

enquanto na escola Ômega além desta forma organizativa, ainda realizam um

encontro, a que denominam „hora de trabalho coletivo‟, realizado sempre

mensalmente e aos sábados e cujo objetivo é a implementação de atividades

Page 95: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

93

coletivas de reflexão da prática e desenvolvimento coletivo de práticas pedagógicas,

classificadas pelas coordenadoras dessa escola, como sendo uma forma mais

democrática.

O pensado através dos escritos das duas escolas, colhidos dos

regimentos e dos planos de ação, quando trata do trabalho da coordenação

pedagógica, reflete uma estrutura de natureza normativista, constituída por um

quadro que gravita em torno dos objetivos da organização para a organização,

atribui significado normativo à ação organizacional, institui uma hierarquia formal e

distribui atribuições e competências, ainda que palavras como “democracia”,

“reflexão” e “coletivo” sejam recorrentes. É claro que para analisar regimentos, em

termos de procura de racionalidade, obviamente que se está perante o modelo

racional-legal, e pode-se ver que este tipo de documento tem por natureza e por

referência, a priori, a racionalidade técnica. Lima (2001, p. 51) verifica, a propósito,

que

As regras formais obrigam a um desempenho em conformidade, tendo como bases predominantes de legitimação a normatividade, o cumprimento da lei e dos regulamentos, passível de controle e de fiscalização.

E assim se faz, desde a caracterização do que venha a ser coordenador

pedagógico até a determinação das atribuições desse coordenador. Os verbos

utilizados nos regimentos e nos planos de ação são colocados sempre no infinitivo e

revelam muito da natureza lógico-formal dos significados em que tais ações devem

se configurar: coordenar, manter, auxiliar, orientar, analisar, avaliar, concluir,

colaborar, organizar, dinamizar, acompanhar, propor, divulgar, promover. Essas

palavras ganham tal envergadura que Lima (p.51) comenta:

[...] a focalização normativa, mais dependente do estudo do que deve ser do ponto de vista da administração do que propriamente daquilo que os atores possam entender que deve ser e, ainda, daquilo que é.

É de se observar que tanto os Regimentos das escolas quanto seus

respectivos planos são submetidos à apreciação das Assessorias do Estado no

município de Rondonópolis/MT. Os regimentos são submetidos, inclusive, à

Page 96: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

94

avaliação do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso – CEE/MT quando do

processo de Credenciamento32 das escolas. No período de 2007 a 2008, todas as

escolas estaduais do município tiveram que realizar seus respectivos

credenciamentos, donde se pode concluir que todos os documentos oficiais das

escolas estão em conformidade com os doutrinamentos oficiais dos órgãos

reguladores oficiais.

Veiga (2003) aponta ser de vital importância perceber o que se entende, avalia

e desenvolve na escola com vistas a alcançar e produzir inovação, quando da

reformulação dos regimentos, dos planos e até do projeto político pedagógico da

escola, pois se tratam de proposituras que incorrem na caminhada de fora para

dentro, para o instituído, da organização para a organização:

Se tomarmos os elementos constitutivos desta concepção de inovação, percebemos, então, que toda inovação se articula em torno da novidade, reforma, racionalidade científica, aplicação técnica do conhecimento, de fora para dentro, ou seja, instituída. Há ritualização e padronização do processo investigativo. De forma geral, as idéias de eficácia, normas, prescrições, ordem, equilíbrio permeiam o processo inovador (p.270).

É certo que, mesmo com a frieza das palavras incrustadas nos regimentos e

nos planos, acaba por se revelar muito da natureza empreendedora da escola,

mesmo na busca dos resultados, na otimização do tempo do coordenador para dar

conta de todas as ações fossilizadas nos artigos dos regimentos e cristalizadas nas

metas e ações dos planos dos coordenadores pedagógicos. Nas entrevistas, das

quais nos ocuparemos a seguir, pode-se perceber através das narrativas que com

sofreguidão e exagero as coordenadoras aspiram, notadamente, a por em prática

todas as prescrições contidas nos documentos em epígrafe externando certa

contrariedade quando não conseguem realizar todas as ações programadas. Como

fica caracterizado nas falas das coordenadoras,

Os maiores problemas que vejo é porque a gente

tem o plano de ação, ainda bem que ele é flexível,

32

Credenciamento é uma exigência do CEE/MT amparado pela Resolução 232/CEE/MT que determinou o

Credenciamento de todas as escolas públicas para as suas respectivas autorizações de funcionamento como

instituições educativas.

Page 97: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

95

muitas vezes tem a elaboração do PDE, então tem

as vezes tantas programações que foge do trabalho

do plano de ação. (LUZ)

São tantas outras coisas que não são

especificamente da função do coordenador, a gente

tenta ficar nele, mas não consegue. (FORÇA DE

VONTADE)

Quando são colocadas as angústias dos

professores aí você percebe o quanto você ainda

não fez e aí o tempo que você não tem pra fazer,

essa é uma grande dificuldade que eu encontro.

(CRIATIVIDADE)

Se no pensado as ações obedecem a uma ordem cronológica, a um

redimensionamento das pessoas, donde se extraem os vários papéis, no realizado

não é o que se pode observar.

Nas narrativas das entrevistadas, ao avaliarem a estrutura organizacional das

escolas em que trabalham, quando interrogadas, sobre as tarefas que realizam

diariamente no espaço escolar, elas assim se expressaram:

Primeiramente a acolhida com os professores no momento de oração, receber os alunos [...] posteriormente alguns encaminhamentos que são necessidades de ofício, de alguns pedidos da Assessoria, vamos fazendo conforme vai acontecendo os fatos na escola, também conforme a necessidade, a urgência nós vamos resolvendo [...] certos momentos também com os alunos, tem momento atendendo ao pai, tem momento atendendo aos professores, conforme a necessidade, conforme o problema vem surgindo. (DETERMINAÇÃO)

Tirando as que não são da coordenação, que é ajudar resolver os problemas dos alunos, resolver os problemas com professores, resolver tudo de uma forma geral, a gente prepara o Sala do Professor, dá assistência à direção. (FORÇA DE VONTADE)

Me preocupo com a indisciplina, eu tenho estado ao lado da direção numa tentativa de solucionar esses problemas, me preocupado muito com a questão do aluno que é colocado pra fora porque não quer acompanhar o conteúdo [...] (CRIATIVIDADE)

Page 98: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

96

Olha, as tarefas é auxiliar a direção no trabalho junto aos professores e também junto com os alunos [...] então eu acompanho os alunos se estão chegando no horário, se estão uniformizados e se não estão pelo corredor. Eu auxilio assim os professores nessa questão da organização dos alunos. (LUZ)

Se no pensado a escola está sujeita a uma administração burocrática, nos

sentidos já referidos aqui, no realizado trata-se de outra perspectiva no mesmo

plano de ação organizacional; nele se focalizam outros tipos de estruturas e de

regras, menos visíveis (LIMA, 2001, p. 52) que são as estruturas informais,

designadas também por ocultas, ou seja, as múltiplas e diversas práticas que são

realizadas diferentemente das programadas e pensadas oficial e formalmente.

O que se percebe nas narrativas das coordenadoras é que há de fato uma

dicotomia entre o pensado e o realizado, uma vez que as regras informais raramente

serão detectadas por meio de documentos escritos, pois há certo tipo de regulação e

de funcionalidade que pode contrariar os requisitos formalmente estabelecidos, ou

de outro formo, reafirmá-los, porém num contexto menos ordenado formalmente e,

ainda, com outros objetivos, talvez menos planejados, ou planejados ao sabor das

circunstâncias impostas pelo cotidiano da escola. Lima (2001, p. 58) avaliando tal

situação assim descreve:

De um ponto de vista racional-legal, nas escolas opera-se por referência a estas orientações normativas; um problema é resolvido a partir do momento em que lhe é conferida solução formal.

A partir daí, avaliando os planos de ação, os regimentos e em seguida as

entrevistas, pode-se perceber uma evidente separação entre a concepção proposta

nos documentos e a execução do que de fato se consegue por em prática.

No capítulo teórico afirma-se que a escola é um artefato social, e que o seu

papel social foi engendrado numa lógica administrativa, herança histórica dos

códigos e normas regulamentadoras e (re) produtoras das relações pedagógicas,

Page 99: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

97

instauradas desde as décadas de 20 e 30 (SAVIANI, 2003). Por esta razão, essa

mesma lógica tomada como medida de eficiência extrapolou as possibilidades de

pensar e fazer.

A realidade é também experiência. E esta, pode oportunizar às escolas

uma reflexão maior sobre a multiciplidade de objetivos, o estabelecimento de uma

quantidade excessiva de metas que se desdobram numa sequência de ações. É

momento rico de construção de uma territorialidade do trabalho do coordenador

pedagógico; ao refletir sobre as disposições das normatizações e regulamentações

do seu trabalho, podem-se gerar, certamente, dúvidas e incertezas em relação à

qualidade do trabalho desenvolvido. Consideramos esse momento de crise como o

ponto ideal para que neste espaço de contradições, de diferenças, usos e

finalidades possam-se enfim, abrir espaços para a reflexão-ação, sobre a qual

observa Alarcão (2008, p.45)

Se a capacidade reflexiva é inata ao ser humano, ela necessita de contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade. [...] a reflexão é tida em consideração a dificuldade que os participantes revelam em por em prática os mecanismos reflexivos. É preciso vontade e persistência.

Contudo, há que se considerar a trilogia do pensar certo (FREIRE, 1998)

reflexão (SCHON,1992; NÓVOA,1992; ALARCÃO, 2008) e ação (ALARCÃO, 2008;

GADOTTI,1998; FREIRE,1987; PARO,2007; VEIGA,1995; CARVALHO,2005) com a

qual se possa afirmar que a escola é o lugar de organizar o trabalho pedagógico, até

mesmo pautado numa racionalidade técnica de inovação regulatória (VEIGA, 2003),

mas local também de concepção, realização e avaliação do projeto educativo.

Os princípios da racionalidade técnica estão para provocar a separação e

um distanciamento entre os “superiores” e os “subordinados”, e neste sentido,

quanto mais as políticas educativas são decididas de forma centralizadora, maior

predomínio haverá para uma concepção burocrática. O coordenador ao ser

responsabilizado pelo funcionamento da escola assume de fato o papel de gestor,

Page 100: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

98

no sentido administrativo, um cumpridor de tarefas meramente pragmáticas e

oficiais. Nesta perspectiva, efetivamente, as relações se verticalizam.

Assim, veem-se contradições entre pensamento e ação. Isso revela muito

do que Lima (2001) descreve como sendo o princípio de planejar ensejado num

plano para a ação organizacional, em que as práticas educativas são pensadas a

partir da rigidez, da departamentalização e da especialização, sem tradição de

autonomia e com poder burocrático. Contudo, acreditamos que isso possa ser

rompido e pensado em outra perspectiva, na do contra-poder, ou seja, na

mobilização, na luta e no enfrentamento. Estes se fazem necessário por tudo na

escola ser passível de controle, mediação e racionalização, o ser humano quase que

desaparece, reduzindo-se a um ponto imaginário em que várias funções são

“amarradas”, sem, no entanto, haver consistência e preparação, inclusive

pedagógica, para tal empreendimento.

Ainda na análise dos documentos e das entrevistas, percebe-se que nos

primeiros aparece a ordenação do cotidiano escolar na relação ORGANIZAR PARA,

e nas entrevistas, na relação ORGANIZAR EM, ambos os instrumentos, apesar de

se endereçarem para o mesmo objetivo - configurar o trabalho educativo -, realizam-

no sob perspectivas diferentes. A primeira relação trata da escola como um local de

reprodução dos aspectos formais da estrutura organizacional postulados nas

instâncias centrais, focados no ORGANIZAR PARA ORGANIZAR a prática cotidiana

da escola, ao passo que a segunda apresenta uma mesclagem entre o significado

normativo, burocrático e as estruturas informais dependentes de uma focalização

interpretativa a que Lima (2001) classifica como sendo estruturas manifestas

(normas e prescrições dos documentos) e atualizadas (interpretações e formulações

de regras informais das e nas práticas cotidianas).

Lima (2001) contribui para o entendimento da questão apontando a

possibilidade de negação, pelo menos parcial, de certo determinismo burocrático de

organização escolar. Tal perspectiva se dá no PLANO DA AÇÃO

ORGANIZACIONAL, neste, o conceito de educação alia-se aos de “fé” e de

“esperança” (FREIRE, 1987), donde se pode extrair sentido para o trabalho

Page 101: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

99

pedagógico. Neste viés o conceito de educação nos encaminhamentos e nas

estruturas e processos democráticos empreendidos pela e na escola pode

evidenciar a ação política do coordenador pedagógico, sabendo, este, contra o que

e a favor de quem tem sentido sua prática. A perspectiva está, sobretudo, na

construção do projeto político-pedagógico em que o conceito de educação se

confunda com o conceito de humanização, de hominização traduzido nas palavras

de Paulo Freire. O realizado por este prisma não descarta a organização, nem o

planejamento: a diferença está, principalmente, na forma e no conceito que permeia

as relações na escola.

Analisando esse mesmo contexto pelo princípio da racionalidade

emancipatória,

o sentido não advém de uma esfera transcendente, nem da imanência do objeto ou ainda de um simples jogo lógico-formal. É uma construção do sujeito! Daí falarmos em produção. Quem vai produzir é o sujeito, só que não de forma isolada, mas num contexto histórico e coletivo [...]. Ser professor, na acepção mais genuína, é ser capaz de fazer o outro aprender, desenvolver-se criticamente. (VASCONCELLOS apud GADOTTI, 2002 p.46)”.

Nesta perspectiva, tanto o pensado quanto o realizado andam na mesma

direção; podem até estar em mãos diferentes, todavia andam realmente na mesma

direção que é o diálogo, na perspectiva dialética freiriana. Esta considera o ser

humano como um ser inacabado, que precisa ter consciência de sua inconclusão,

pois essa é a possibilidade da educação, uma vez que a consciência do seu

inacabamento torna o ser humano educável. Para Freire o diálogo é a abertura

respeitosa ao outro, e tal abertura é imprescindível para a experiência fundante do

ser inacabado, nesta perspectiva de saber-se inacabado seria impossível não se

abrir para o mundo, para a procura de respostas às múltiplas indagações.

O pensado que se encontra nos planos de ação do coordenador, para além

da natureza lógico-formal pautada no modelo racional-legal, revela muito do

cotidiano dessas escolas e, como já observamos nos capítulos anteriores, nosso

conceito de cotidiano não trata das discriminações feitas no organograma das ações

Page 102: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

100

e metas presentes nestes projetos, mas do que representam as diversas e múltiplas

atividades realizadas diariamente que influenciam e determinam as ações dos

indivíduos na escola. Estas ações constituem as rotinas, os hábitos, as escolhas, os

juízos de valor de que lançamos mão todo dia para a realização e desenvolvimento

de nossa vida. Daí depreende-se com qual conceito de homem, sociedade,

educação, aluno e escola escolhemos trabalhar diariamente na escola.

Acerca da organização de suas rotinas diárias nas escolas, as coordenadoras

assim a descreveram em suas falas:

A gente tem todo um plano de trabalho pra desenvolver, então

a gente se reúne e sempre que necessário a gente se reúne,

ás vezes semanalmente, às vezes quinzenalmente e a gente

tem assim todo um cronograma de trabalho dos projetos que

estão sendo desenvolvidos na escola e também todo o trabalho

diário de tudo aquilo que vem pra gente fazer, de acompanhar

[...] (LUZ)

Primeiramente eu me preocupo em receber bem meus colegas,

a quem chega na escola, seja do apoio, seja da secretaria, seja

os meus colegas articuladores, a direção. [...] procuro organizar

de uma forma que não seja também metódica, eu vou só fazer

só isso, eu não vou fazer mais conforme a necessidade, eu

procuro atender as necessidades da escola, mas pensando no

pedagógico. (DETERMINAÇÃO)

Bom, como eu passo a maior parte do tempo na escola né,

ontem eu comentei que eu trabalho em casa e moro na escola

né, eu cumpro os três períodos por quatro dias na semana,

mas essa rotina é organizada assim: eu chego, a gente já vê

assim o que tem de imediato pra se fazer, pra se pesquisar, a

preocupação maior é com o sala do professor, o que a gente

vai fazer, o que a gente vai discutir, aí vai pro computador, vai

pesquisar, vai abrir e-mails das sugestões que vem com o

Page 103: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

101

pessoal do Cefapro, vai sentar com as outras coordenadoras

para gente checar o que vai fazer [...] e aí as coisas vão

acontecendo e a gente vai agindo e tudo. (FORÇA DE

VONTADE)

Na verdade não dá muito pra você organizar, você planeja, de

repente você chega na escola e já tem toda uma situação

pronta, você acaba entrando, você participa e a sua rotina

acaba, então você fica mais assim de acordo com o que

acontece na escola, e a rotina da gente sempre fica pra

próxima semana. (CRIATIVIDADE)

O que se percebe é que as rotinas destas escolas, e consequentemente

destas coordenadoras, estão seriamente comprometidas pela cotidianidade. Neste

contexto, muitas vezes não se percebe a relação imediata entre pensamento e ação,

não há tempo. No cumprimento das rotinas, múltiplas decisões precisam ser

tomadas, microdecisões precisam ser executadas num curto espaço de tempo e o

mais rápido possível, não se tem o tempo necessário para analisar todas as

especificidades dos casos, nem aqueles que demandariam melhor e maior atenção.

Assim sendo, torna-se necessário buscar e utilizar-se de informações ou

situações já vivenciadas para tornar possível a tomada de decisão. Agindo desse

modo, todas essas atitudes se colocam no campo das escolhas e das opções. O

cotidiano, desta forma, efetiva-se por e através de analogias, que de acordo com a

opção escolhida, poderão promover alterações às novas avaliações a serem

realizadas. A vida cotidiana está, como se pode perceber, carregada de alternativas,

às esferas cotidianas corresponde às esferas não- cotidianas.

Entende-se que a coordenação pedagógica pode escolher avaliar melhor seu

cotidiano e que para todas as escolhas há uma escala de valores morais e éticos.

Heller (2008, p. 39) afirma, sobre a questão:

Quanto maior é a importância da moralidade, do compromisso

pessoal, da individualidade e do risco (que vão sempre juntos)

na decisão acerca de uma alternativa dada, tanto mais essa

Page 104: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

102

decisão eleva-se acima da cotidianidade e tanto menos se

pode falar de uma decisão cotidiana.

Embora toda escolha seja conflituosa, por vezes contraditória e incorra em

consequências, a execução da escolha e a vinculação consciente com a situação

escolhida demandam que, ao observar a questão por um determinado olhar,

suspendamos a possibilidade de olhá-la de outra maneira. Assim, o ritmo fixo, a

repetição, a rigorosa regularidade da vida cotidiana se expõem como uma das

características dominantes da cotidianidade que é o espontaneísmo, ou seja, a ação

sem o engendramento da reflexão, portanto, sem atividade crítico-consciente. Heller

(p. 49) observa que “o pensamento cotidiano orienta-se para a realização de

atividades cotidianas e, nessa medida, é possível falar de unidade imediata de

pensamento e ação na cotidianidade”. Nessa visão não se pode caracterizar a

prática cotidiana como práxis educativa, por não se verificar uma atividade humana

reflexiva para a ação consciente, mas uma atividade apenas reprodutiva, portanto

absolutamente pragmática, sendo as esferas cotidianas as que mais se prestam à

alienação.

O que está entendido e subentendido nas narrativas das coordenadoras é

o fato de que há na escola uma série de subcotidianos, fundamentada numa

hierarquia de atividades, a partir de uma “territorialidade”, a saber: o cotidiano da

escola, do ponto de vista organizacional, que envolve a gestão administrativa

(direção) e a gestão administrativo-pedagógica (coordenação); o cotidiano da sala

de aula, já definido, Paulo Freire, como sendo o de “uma educação bancária”, com

base na compreensão de que alguém sabe e ensina, outro não sabe e aprende; e o

cotidiano da implementação das práticas pedagógicas (a hora atividade e a

formação continuada que se desenvolve na escola).

Esses subcotidianos se expressam na prática pedagógica das

protagonistas quando afirmam:

Eu tenho estado ao lado da direção num tentativa

de resolver os problemas me preocupando com a

Page 105: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

103

questão do aluno que é colocado pra fora, então a

gente perde do tempo neste aspecto, depois disso

a gente participa da sala de professor, participa da

hora atividade, participa da elaboração dos projetos

da escola. (CRIATIVIDADE)

Eu auxilio a direção, sou coordenadora do período

matutino, eu acompanho os alunos se estão

chegando no horário, auxilio o professor na questão

dos alunos. (LUZ)

Tirando as que não são da coordenação, que é

resolver os problemas dos alunos, resolver os

problemas com professores, resolver tudo de forma

geral, prepara o sala do professor e dá assistência

a direção e até algumas questões da secretaria.

(FORÇA DE VONTADE)

Vamos fazendo conforme vai acontecendo os fatos

na escola também e conforme a necessidade, a

urgência nós vamos resolvendo (...) procurando

estar sempre com os professores ,certos momentos

também com os alunos, tem momento que

atendendo ao pai,tem momento que atendendo aos

professores,conforme a necessidade,conforme o

problema vem surgindo.(DETERMINAÇÃO)

Todos esses subcotidianos aparentam estar desconectados da ação do

coordenador, parecem ilhados, parecem não pertencer ao mesmo mundo, todos

aparentam ter natureza própria com necessidades urgentes e singulares que

acabam por subtrair uma grande quantidade de energia desse coordenador. Pode-

se depreender, então, que pode haver efetivamente, uma série de ações díspares

na configuração do papel do coordenador pedagógico na escola justamente quando

ele deveria dinamizar e organizar todo o processo formativo e pedagógico da escola.

Page 106: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

104

Assim sendo, para discutir a prática mediatizada e articulada pela ação do

coordenador pedagógico na ordenação do cotidiano escolar no desenvolvimento das

práticas, das atividades, das rotinas e tarefas diárias constituintes do seu fazer,

independemente do formalmente constituído - o que invariavelmente nos remete a

um conceito de prática e de práxis educativa - é preciso discutir os vários papeis que

se desenvolvem na escola e também os dilemas que estão postos quando se

percebe o desenvolvimento de uma prática cotidiana que não só espelha a

dicotomia em relação ao pensado e ao realizado, em nível de planejamento, mas

que, sobretudo, revela o distanciamento entre ORGANIZAR PARA e ORGANIZAR

EM, quando se efetiva essa ordenação no cotidiano da escola.

De fato, quando avaliamos a ordenação política dada ao cotidiano nas

escolas pesquisadas, observamos a presença de modelos organizacionais plurais,

contraditórios, diversificados e, principalmente, dinâmicos. Essa dinamicidade traz

remissivamente a questão do tempo. De caráter dualista, o tempo se apresenta para

estas coordenadoras de forma pragmática, impedindo-as de estabelecer uma

relação mais dialógica com os problemas, isto é, impossibilitando-lhes estabelecer

uma aproximação maior com esses problemas com vistas a reavaliá-los ou

transformá-los em atividades profissionais resultantes de um trabalho educativo

produzido e pensado pelo coletivo da escola. Desta forma, poderiam deixar de

responder à manipulação por meio do seu trabalho na organização escolar.

Toma-se, neste trabalho, a escola como um espaço de relações sociais e,

ainda mais, humanas, credo principal de Paulo Freire. Precisa ficar entendido

também, segundo a palavração freiriana, que a escola é um dos locais onde

acontece o processo de hominização dos seres humanos inconclusos, conscientes

do seu inacabamento, tendo a escola, não apenas como espaço aprendente, mas

como instituição social importante para a transformação da sociedade.

Reconhecidamente, nem todos os problemas são próprios da escola só por

serem vivenciados por ela, e assim ela não pode mudar tudo nem mudar a si mesma

sozinha, porque se encontra interligada à sociedade, portanto dependente de que a

transformação desta ocorra de forma que possa também transformá-la.

Page 107: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

105

Paulo Freire (1998, p.67) propunha ainda que a escola não se separasse da

ética, pois a mesma revela a “boniteza de ser gente”. Para ele, “ensinar e aprender

não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”, e por

consequência, a “boniteza” da escola como espaço de/em formação. O autor

considera “uma pedagogicidade indiscutível na materialidade dos espaços” (p. 50). A

escola pode e deve ser vista como espaço cultural, político, de formação e como

espaço de esperança, enfim: como escola cidadã. Este é o conceito de escola e o

conceito de educação que perpassa o âmbito das discussões e da realidade em

debate neste estudo. Por esta premissa pode-se considerar que o trabalho do

coordenador pedagógico deva ser visto como uma atividade, que tem por fim a

qualidade do tanto do desenvolvimento profissional dos professores, como do ensino

para os alunos.

Quando perguntamos sobre quais aspectos consideram relevantes para o

desempenho da função de coordenador pedagógico, as entrevistadas dizem:

Eu acho que é relevante para o coordenador esse tempo com o

professor, que hoje é muito difícil porque você praticamente só

tem esse tempo na sala de professor e no projeto Sala do

Professor você já tem outra proposta de trabalho; o que eu

considero relevante seria ter tempo com os meus professores e

é o que eu não tenho. (CRIATIVIDADE)

Bom, na função do coordenador pedagógico o que seria

importante era a gente ter tempo para se ater à preparação do

que é a função que nós temos que trabalhar o Sala do

Professor, preparar nós teremos que ter mais tempo pra sentar

com as outras coordenadoras, estudar, discutir e tempo

realmente a gente não tem. (FORÇA DE VONTADE)

Um dos aspectos importante que eu considero muito relevante,

mas não depende da minha função é trabalho coletivo. [...]

outra questão que eu vejo assim que hoje a escola ela está

Page 108: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

106

fazendo muito mais que o papel social de você acontecer

coisinhas às vezes simples que o professor poderia até tá

resolvendo na sala, mas aí ele manda que a coordenação

resolva aí eu digo: - Gente o que pode resolver na sala tenta

resolver aí. [...] Esse acompanhamento é mais social do que

educativo. (DETERMINAÇÃO)

Olha, eu assim eu gosto muito do trabalho que eu faço junto

aos alunos, conversar com os alunos, a gente chama,

aconselha, quando a gente vê os alunos não ta tendo um bom

desempenho que a gente faz conselho de classe

bimestralmente. [...] a gente acaba às vezes ficando frustrado

porque a gente não consegue ajudar mais o professor, o

professor a gente deveria ajudar. Uma professora me pediu

pra olhar os relatórios e dar sugestões, e tem três dias que os

relatórios estão na minha gaveta. (LUZ)

Os dramas diários presentes nos relatos das coordenadoras levam-nos a

perceber, em primeiro lugar, qual é o conceito de escola e de educação que aparece

nas falas de nossas protagonistas. O conceito de educação marcadamente presente

nas narrações de suas atividades diárias revelam certa conformação com o que está

posto; além disso, evidencia-se que seus comportamentos de certa forma cooperam

para o não engajamento do coletivo da escola. Ao trazerem para si todos os

problemas da sala de aula e da escola como se fossem apenas seus, retiram deste

coletivo a oportunidade da reflexão e da conquista de autonomia por parte dos

professores, além de exaustivamente trabalharem, guardando para si, sempre, a

sensação do nada feito, do nada produzido. Vê-se que impera a improvisação e a

utilização apressada de escolhas e alternativas como solução a estes problemas, as

quais, reiteradamente, apontamos serem reprodutivistas, característica profunda da

cotidianidade.

Page 109: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

107

Em segundo lugar, observamos que a articulação presente mediada por

estas coordenadoras não se encontra no nível do pensamento que Vasconcellos

(2006, p. 87) propõe:

O núcleo de definição e de articulação da supervisão deve ser,

portanto, o pedagógico (que é o núcleo da escola, enquanto

especificidade institucional) e, em especial, os processos de

ensino-aprendizagem.

É preciso lembrar, antes de tudo, que a coordenação é exercida por um

educador, e por este viés entenderemos que o mesmo deve estar no combate a tudo

que contribua para desumanizar a escola. Nestes relatos é notório que as

coordenadoras até sofrem, pelas limitações impostas por esta rotina tão estafante e

até certo ponto vazia, sem o engendramento, da provocação, do questionamento, do

ânimo coletivo, uma vez que fica patente o descontentamento e a angústia dessas

coordenadoras por saberem e terem clareza de que poderiam estar fazendo

diferente. Tal descontentamento e angústia vem dessa consciência do não estar e

não ser que Paulo Freire (1983) relembra em seu livro A pedagogia como Prática de

Liberdade afirmando que a vocação humana do Ser Mais, é vocação ontológica do

ser humano, que é a sua humanização.

Entenderemos que a coordenação pedagógica, a partir da função social da

escola, deve ser a mediadora das relações, como articulação entre as atividades-fim

e as atividades-meio, encaminhando-se para a abertura de outros paradigmas de

uma supervisão para uma coordenação, pois se percebe na fala das protagonistas

que a coordenação não é ou não está sendo, mas deveria ser. A projeção de suas

ações a um futuro do pretérito com ação condicional atribui à visão das mesmas um

ângulo de ação remissivo, como possibilidade de efetivação. Pode-se ver isto, por

exemplo, no uso das formas verbais: “seria”; “ter tempo” (CRIATIVIDADE); “o que

seria importante” (FORÇA DE VONTADE); “o professor poderia”

(DETERMINAÇÃO); “ a gente deveria” (LUZ).

Page 110: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

108

O que as coordenadoras reclamam acerca do tempo reafirma o número

excessivo de tarefas, causado por inúmeros problemas vivenciados no dia-a-dia

para organizar o planejamento e a execução do trabalho coletivo na escola, e isso

implica na existência de um sentido oculto que precisa ser interpretado e acerca do

qual discorremos, ligeiramente, no final desta seção. Por meio da mediação das

relações e da concretização de seu plano de ação,e entenderemos que apesar do

fator tempo, está reservado ao coordenador pedagógico, como um de seus

atributos, o de instrumentalizar o grupo para gerir os conflitos, favorecendo a

construção da autonomia e a emancipação dos indivíduos, para que assim a escola

possa cumprir o seu papel e que estes indivíduos ao efetuar suas demandas e

dinâmicas pessoais, deem vida à escola.

Conforme temos reiterado, portanto a prática pedagógica é sempre política,

isso dá a ela empoderamento para alguma coisa. É indispensável que o

coordenador pedagógico tenha uma razoável clareza sobre as reais funções que o

capital desempenha em relação ao seu trabalho; por este caminho deverá entender,

que a reflexão na e sobre a prática pedagógica não pode ficar alheia aos vínculos

entre trabalho e educação. (CARVALHO, 2005, p. 133).

Na perspectiva pensada e proposta por Veiga (2003) o projeto político

pedagógico pode ser o elo aglutinador entre as diversas práticas desenvolvidas pela

escola. A autora, porém, adverte que este projeto não deve de modo algum ser

utilizado e construído com base no conceito do “pronto e acabado”, cumprindo

objetivos meramente técnicos e burocráticos, corroborando os princípios da

racionalidade técnica, reforçando o poder de alguns em detrimento de outros. A

educadora considera, igualmente, que os conceitos de inovação e inventividade que

devem pertencer à natureza do projeto político-pedagógico precisam estar

entrelaçados aos conceitos de autonomia e emancipação. Ela acrescenta que

A inovação emancipatória ou edificante é de natureza ético-social e cognitivo-instrumental, visando à eficácia dos processos formativos sob a exigência da ética. A inovação é produto da reflexão da realidade interna da instituição

Page 111: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

109

referenciada a um contexto social mais amplo. (VEIGA, 2003, p. 275)

E, ainda, que

Organizar as atividades-fim e meio da instituição educativa, por meio do projeto político-pedagógico sob a ótica da inovação emancipatória e edificante, traz consigo a possibilidade de alunos, professores, servidores técnico-administrativos unirem-se e separarem-se de acordo com as necessidades do processo. (Idem, p.275)

E por fim, voltamos à questão do tempo, da qual se apropriaram todas as

coordenadoras envolvidas na pesquisa, quando justificaram o não-ser em suas

práticas pedagógicas. Paulo Freire adverte que é preciso cultivar uma inteligente e

inquieta paciência histórica, para que, junto com o coletivo da escola, possa se estar

atento e não haja quebra dos processos pessoais e sociais da humanização. E

quando falo do tempo, não se pode caracterizar que elas não se dedicam ao

trabalho, ao contrário disto se desdobram excessivamente sobre o trabalho como

bem aponta pelos menos duas das quatro coordenadoras. FORÇA DE VONTADE

relata que

Eu passo a maior parte do tempo na escola, ontem

eu comentei que eu trabalho em casa e moro na

escola, eu cumpro os três períodos por quatro dias

na semana.

Da mesma forma a coordenadora LUZ relata

Às vezes eu tenho que ficar além do meu horário

pra eu conseguir realizar.

Repensar essa jornada exaustiva e essa quantidade exorbitante de tarefas e

de responsabilidades não nos parece somente uma questão de organização do

trabalho educativo na escola, parece-nos, outrossim, uma questão de saúde do

trabalhador.

Page 112: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

110

Segundo Paulo Freire ao tempo reserva-se o tempo da esperança e das

utopias, configuração do não-ser que está sendo, para o que deve ser, isto é, ele

constitui o espaço da produção, a possibilidade de transformação da escola e da

transformação do mundo. Ao assenhorarem-se do tempo histórico, na sua prática

cotidiana, num movimento político e emancipador, a coordenação para o exercício

qualitativo de sua função, deve se revestir de uma consciência histórica traduzida na

percepção preconizada por Freire (1987, p. 41):

O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era percebido, se “destaca” e assume o caráter de problema, portanto, de desafio. A partir deste momento, o “percebido destacado” já é objeto da “admiração” dos homens, e, como tal, de sua ação e de seu conhecimento.

Logicamente que, ao tratar o tempo nestes termos talvez possa entendê-lo

apenas por uma questão semântica, mas essa consciência histórica deve,

invariavelmente, nos remeter a uma avaliação dessas rotinas e a uma revisão da

ordem de prioridades estabelecidas na relação entre as múltiplas atividades

desenvolvidas pelo coordenador pedagógico. Avaliando os tipos de práticas

docentes Freire (1998, p.44) externou assim seu pensamento

Quanto melhor faça esta operação, tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade [...] quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica.

Page 113: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

111

4.1 A ordenação Política do Cotidiano da Escola: Da Ação Coordenadora a

Valores de Gestão

A partir do conceito de gestão e dos pressupostos de ordenação, numa

acepção política do papel a ser desempenhado pela coordenação pedagógica, com

vistas a propor uma racionalidade também política e emancipadora, torna-se

pertinente saber qual de fato é a ordenação que o coordenador pedagógico deve ou

consegue dar ao cotidiano da escola. Buscamos realizar este objetivo percebendo

quais valores de gestão embasam sua prática cotidiana e entendendo que a sua

função tem a ver com a organização do trabalho produtivo da escola, cujo objetivo a

ser alcançado deve ser a qualidade de ensino, através da valorização da prática

educativa do professor e do reforço às estruturas e processos democráticos na

escola.

Pensando nas estruturas e nos processos democráticos da escola,

perguntamos às entrevistadas sobre a forma como são distribuídas as tarefas pela

equipe gestora (direção e coordenação) e como organizam o seu trabalho com o

trabalho do professor e o aluno, ao que prontamente responderam:

Nós dividimos as tarefas por período, nós somos três

coordenadoras, cada uma cuida de um período, eu cuido da

tarde, eu estou satisfeita [...] uma certa forma de você não está

interferindo no horário da outra, no trabalho da outra, você está

se responsabilizando pelo seu trabalho e dentro do seu período

você pode estar criando diversas alternativas de trabalho,

diversos projetos, diversos eventos para a escola.

(CRIATIVIDADE)

Por sermos três coordenadoras cada uma assumiu um período:

a do matutino a questão do matutino, vespertino e eu no

noturno, então é satisfatório porque a gente está fazendo, está

trabalhando no período que gosta, apesar de, como eu falei,

passar boa parte do tempo na escola e em outros períodos e

auxiliar as outras, a gente está sempre junto, a gente trabalha

sempre juntas [...] (FORÇA DE VONTADE)

Page 114: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

112

É como eu disse, a gente achou por bem direcionar um pouco,

mais por período, então eu sou mais responsável pelo período

matutino, mas isso não engessa meu trabalho, eu trabalho à

tarde, venho à noite, então a gente é uma equipe, uma sempre

ajuda a outra, então, mas, a gente procura distribuir até no

acompanhamento de alguns projetos, a gente procura distribuir

as tarefas, mas a gente se reúne e quando está precisando de

mais ajuda a outra está disposta. [...] (LUZ)

[...] na nossa reunião da equipe gestora que nós costumamos

fazer quinzenalmente, a gente procura deixar os papeis

definidos de cada uma, só que não tem como falar assim: eu

vou até aqui, o outro até ali. [...] sabe pra trabalhar um ajuda o

outro, um tá precisando o outro tá pronto. [...]

(DETERMINAÇÃO)

Em seus relatos acerca da organização de suas tarefas, é inegável que o

desenho organizacional da escola, os arranjos organizacionais e as suas estruturas

formais se predeterminam, atendem a um modelo uniformizado para todos, mesmo

na ordenação pedagógica, na formulação do currículo da escola, etc.,

independemente de ser a escola Alfa ou Ômega. É óbvio que toda estrutura requer

uma organização, uma ordenação, e ao que se observa, as equipes diretivas tentam

minimizar o impacto de um amontoado de tarefas que se avolumam, se interpõem

rotineiramente no dia-a-dia da escola. Para dar conta deste grande número de

atividades, torna-se de vital importância a divisão das tarefas e, até certo ponto, esta

forma de ordenação parece ser um mal necessário.

Porém, ao vislumbrar a participação coletiva, consideradas apenas as

relações entre as próprias coordenadoras, tal conceito se restringe apenas a uma

“ajuda” que uma dá a outra. Observa-se, então, a mesma hierarquia curricular,

baseada na divisão do ensino em disciplinas, na departamentalização, enfim na

divisão social do trabalho, modelo taylorista e de racionalidade técnica. Assim, o que

se vê é que as coordenadoras, por mais bem intencionadas e vocacionadas para o

trabalho como deveras são, acabam por desenvolver o que Lima (2001) classifica

Page 115: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

113

como sendo o plano das orientações para a ação organizacional, em detrimento de

um plano da ação organizacional, ou seja, os regulamentos e as orientações só

servem formalmente para a organização da escola, cerne do modelo decretado, e

acontecem sempre de forma vertical. Já o plano da ação organizacional, ocorre de

forma horizontal, prevê a participação e a avaliação de outrem. Pelo fato de essas

coordenadoras reduzirem a sua ordenação a uma única orientação: a da divisão do

trabalho de forma muito pontual, pode-se classificar, a priori, a escola como uma

organização burocrática. Gadotti (1998, p. 20) acredita haver nesse momento uma

dissociação entre o homem e sua função, e para ele

Esta dissociação é reforçada pela importância e o crédito atribuído atualmente às estruturas, às suas leis, ao seu funcionamento. A escola está mergulhada na sociedade. São os sistemas sociais, políticos, econômicos que determinam os sistemas educativos e são esses sistemas que se exprimem através dos educandos.

Por esse viés, a reflexão crítica e de fato coletiva voltada para o entendimento

da importância do papel da coordenação pedagógica, poderia mudar o curso das

coisas e a maneira como se estabelece tal função na escola. Isto contaria mais do

que a capacidade de organizarem-se umas com as outras.

E ainda no mesmo entendimento obtivemos as seguintes respostas, ao

interrogarmos as coordenadoras sobre a organização do seu trabalho com o do

professor:

A gente tem reuniões de replanejamento, pra está

acompanhando o plano de ação do professor, pra tá sugerindo

e nós temos o laboratório de informática, então a gente procura

estar sempre buscando sugestões pra eles de maneiras para

eles trabalharem. (LUZ)

Bom, lá em questão de organização o meu trabalho com o

trabalho do professor, eu, a gente, procura auxiliá-lo com

material didático, agora mesmo nós tivemos uma idéia de

trabalhar, de enfatizar a leitura e a produção de texto em toda a

Page 116: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

114

EJA, por exemplo, e nós estamos correndo atrás de material,

montei uma caixa de material onde tem revistas, textos,

organizei tudo, tá, em pastas, os textos, as revistas, para os

professores utilizarem, então a gente tenta assim auxiliar na

medida do possível. (FORÇA DE VONTADE)

Nosso trabalho com o professor é o feito assim, na medida do

possível, de acordo com a disponibilidade do professor, porque

hoje eles participam da formação do CEFAPRO, de outras

formações, porque eles também estão preocupados com a

questão da contagem de ponto, de acordo com a pontuação,

então eles estão buscando suas formações. (CRIATIVIDADE)

Bom, é o trabalho com o professor, eu digo que é no cotidiano

é no dia-a-dia.[...] estamos reunidos no Sala do Professor com

os professores do período matutino e das 17:30 às 20:00 nós

estamos com os professores do vespertino. (DETERMINAÇÃO)

Neste ponto, queremos retomar o conceito gramsciano de que o professor é

um “organizador da cultura”, que atualizado por Gadotti, assevera ser o coordenador

pedagógico o “organizador da aprendizagem docente e discente”, pois, para ele a

educação é “essencialmente ato”, e daí depreende-se que educação é práxis, posto

ser um espaço de luta por liberdade, luta que deve prosseguir para além da prática

pedagógica, para além da escola. Gadotti (2002, p.8) reforça esse pensamento

afirmando que

Em resumo, poderíamos dizer que o professor se tornou um aprendiz permanente, um construtor de sentidos, um cooperador, e, sobretudo, um organizador da aprendizagem. Se falamos do professor de adultos e do professor de cursos a distância, esses papéis são ainda mais relevantes. De nada adiantará ensinar, se os alunos não conseguirem organizar o seu trabalho, serem sujeitos ativos da aprendizagem, auto-disciplinados, motivados.

Page 117: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

115

Como organizadora da aprendizagem, a coordenação não deve ser

entendida como assistencialista e domesticadora, conforme se observa nas falas

das coordenadoras pesquisadas, ao determinarem que ordenação conseguem dar

ao cotidiano escolar: são recorrentes os termos e as ideias de “assistência”, “ajuda”,

“auxílio”, “apoio”. Para se aproximar do sentido proposto por Gramsci, é necessário

que o coordenador seja aquele que organiza a produção na escola. Essa produção é

aprendizagem, é ensino; mediado pelas relações de produção da aprendizagem,

portanto, pautada nas relações humanas. A coordenação não pode ser concebida

por sua natureza puramente técnica, mas pelos seus fundamentos políticos,

portanto, libertando-se de seu ranço capitalista historicamente construído. Referindo-

se a ela, Gadotti (1998, p. 109) teoriza:

Por isso, como estratégia eu começaria pela própria formação do supervisor. Seu curso é um curso sem teoria, isto é, sem sólida visão da realidade educacional. [...] isso implicaria uma orientação básica que seria alargar substancialmente o âmbito da supervisão escolar, para que ela não seja apenas “escolar”.

Ser este organizador da produção educativa constitui um dos maiores

desafios da coordenação pedagógica, realizar um trabalho que tenha significado

relevante para professores e alunos, enquanto sujeitos autônomos fundamentados

na construção do pensar para agir e do pensar e agir. Para tanto, sua ajuda deve ter

o sentido de rever sua rotina, repensar sua prática, romper com o formalismo. A

ressignificação da função coordenadora do coordenador pedagógico passa pela

construção de sua identidade profissional, a partir da opção por um quadro de

valores, da reflexão coletiva e da posição de enfrentamento ao que está posto, no

sentido de negar a fragmentação do trabalho do coordenador, a individualização que

restringe sua atuação político-pedagógica no espaço escolar.

O trabalho desse coordenador deve estar comprometido com a proposta

geral da escola, onde atua, refutando o modelo decretado pelas políticas públicas de

isolamento, de controle formal e burocrático a que está submetida a escola. As

palavras de Paulo Freire (1987, p. 43) confirmam esse argumento:

Esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na

Page 118: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

116

solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos.

Ao exercer uma função mais “assistencialista” o coordenador reveste-se de

uma concepção de educação tradicional que retoma os significados de supervisão

desde Ratium Studiorum, que se perpetuam e coexistem com os pensamentos mais

elaborados, críticos e reflexivos da atualidade.

Ao analisar que ordenação o coordenador consegue dar ao cotidiano da

escola, pode-se verificar com Carvalho (2005, p. 124), que

Os caminhos perversos da educação estão presentes na lógica da organização escolar, na forma de transmissão do conhecimento que desconsidera a realidade do estudante, neste universo de luta dos contrários, onde de um lado se faz presente o aluno com seu desempenho individual, e de outro lado estão os determinantes sociais.

Por fim, diante da pergunta acerca da organização de seu trabalho

pedagógico no desenvolvimento de suas tarefas com os alunos, as coordenadoras

responderam:

As tarefas de acompanhamento da aprendizagem isso é

semanalmente, no nosso Sala do Professor mensalmente,

bimestralmente, semestralmente, anualmente. [...] reuniões em

sala de aula pra ver o que está faltando, porque de tal

comportamento, porque hoje os adolescentes estão muito, falo

mais do período da manhã, eles estão muito agressivos e há

necessidade da fazer um trabalho diferenciado com eles.

(DETERMINAÇÃO)

Olha, por incrível que pareça uma das atividades que eu mais

realizo com o aluno é chamá-lo para a direção, é cuidar desse

aluno que tá fora da sala e perguntar por que chegou atrasado,

[...] por que veio sem uniforme, a parte burocrática, a cobrança

mesmo da escola. São raros os momentos que nós podemos

sentar com esse aluno discutir os problemas que normalmente

Page 119: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

117

existe a prática que pós conselho de a gente está chamando os

alunos que estão com dificuldades. (CRIATIVIDADE)

Bom, na verdade, com os alunos a gente acaba assim ficando

na questão só de resolver os problemas que aparecem, aqui é

um ou outro, até aluno que procura pra pedir auxílio, pra pedir

orientações, um termo do conteúdo lá dele, alguma coisa

nesse sentido, mas fora isso a gente não tem muito acesso,

muito contato nesse sentido, não. (FORÇA DE VONTADE)

Além de acompanhar, é por causa dessa divisão da

responsabilidade por período, então a gente acompanha mais

de perto a questão mesmo da organização do período e

também o acompanhamento do desempenho dos alunos,

sempre a gente faz é o conselho de classe, a gente chama os

pais, [...] e também o próprio desempenho dele, a gente passa

de sala em sala, a gente conversa, sensibiliza e mostra pro

aluno a quantidade de disciplina que ele não está tendo bom

desempenho. (LUZ)

É óbvio que na realidade presente nas narrativas das coordenadoras está

espelhada a atual estrutura organizacional da escola e tomada esta como uma

instituição formal e responsável pela formação do aluno que tem funcionado

predominante como mecanismo de controle e seletividade. Esta perspectiva de

educação contribui sobremaneira para a expulsão dos discentes, esse cotidiano

retratado tem conseguido a expropriação do conhecimento acumulado

historicamente. Desta forma, a ação coordenadora se apresenta desvinculada da

vida social e intelectual de nossos alunos e essa neutralidade pedagógica

relacionada às aproximações entre o trabalho educativo e a aprendizagem parece

marcar a prática do coordenador pedagógico.

Porém, mesmo num espaço de tanta contradição, o desafio colocado para o

coordenador pedagógico é encontrar a educabilidade do seu trabalho a partir do

Page 120: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

118

empreendimento de uma práxis educativa para a escola. Para além da

operacionalização do modelo de organização baseado na divisão social do trabalho

e de classe, a organização do trabalho pedagógico, via papel do coordenador, deve

conduzir para uma aprendizagem na qual se possam prever dúvidas, perguntas,

conflitos, porém alicerçada numa convivência respeitosa e fraterna. A fraternidade

tratada aqui não se refere a nenhum tipo de sublimação, mas pauta-se na relação

dialógica freiriana em que os dialogantes, apesar de ora se oporem, ora se

aproximarem, admiram um mesmo mundo, onde a consciência pode se abrir para a

infinitude das múltiplas relações. Vemos em Carvalho (2005, p. 71) que,

Enfim, a relação pedagógica que prima pela transformação, prescinde e deve ser tratada como uma situação dialógica, visto que sua finalidade é problematizar e ativar a “curiosidade epistemológica” do educando e educador, como enfatiza Paulo Freire.

Assim, os valores da gestão pedagógica do ensino revestem-se da

atribuição de certo empoderamento a todos os papéis desenvolvidos na escola,

desde a autoridade do professor em sala de aula, a autoridade administrativa e

pedagógica constituída através de um poder institucionalizado e estabilizado, na

medida em que “a escola e os professores possuem funções definidas e

coordenadas de maneira estável e aceitas institucionalmente” (PARO, 2008, p. 57).

Mas é importante lembrar que as relações de poder são sempre relações

pedagógicas, e estas, por sua natureza são sempre políticas; por esta visão, Paulo

Freire defendia que o ponto de vista deve ser sempre o ponto de vista do oprimido.

Pode-se perceber, contudo, que as coordenadoras acabam por relegar para

segundo plano a organização do trabalho pedagógico traduzido na ação

coordenadora voltada para as tarefas que desenvolvem com os alunos. Acredita-se

que esta ação não deva estar apenas revestida de caráter punitivo, e autoritarismo e

de distanciamento em relação à qualidade do trabalho pedagógico voltado para os

escolares. Freire (1998, p. 104) convida-nos a entender que “a autoridade

coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe

Page 121: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

119

na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na

dúvida que instiga, na esperança que desperta”.

Aqui ainda cabe aprofundar a análise desta questão, já levantada e discutida

também anteriormente, que é a questão das relações de poder na escola. A

finalidade de tudo já exposto é que escola cumpra seu papel, mas essa parece uma

tarefa nada fácil nem simples de ser conseguida, pois, como já afirmamos a escola é

complexa. Nesse ambiente as coordenadoras precisam ordenar seu próprio

trabalho, ordenar o seu trabalho com o trabalho do professor em sala de aula,

ordenar o seu trabalho com a formação continuada na escola e ordenar o seu

trabalho com o trabalho do aluno em situação de aprendizagem (dentro da sala de

aula) e em situação extraclasse (fora da sala de aula), sob dois aspectos:

intervenção pedagógica e indisciplina. Para a efetivação dessa grande quantidade

de tarefas e responsabilidades é preciso se admitir uma postura frente a tudo isso, e

tal postura passa obviamente pelas relações de poder na escola. Pois todo o

processo educativo está envolvido por essas relações de poder. O que se revela na

fala das entrevistadas é que, em determinado momento, quando da ordenação de

todas essas tarefas, elas exercem um poder, classificado por Paro (2008) de poder-

sobre, principalmente quando está em questão a indisciplina dos alunos.

Na fala da coordenadora CRIATIVIDADE tem-se que “[...] uma das

atividades que mais realizo com o aluno é chamá-lo para a direção, vê porque está

pra fora da sala e porque chegou atrasado”. A coordenadora LUZ também revela

que parte do seu trabalho com o aluno está relacionada à indisciplina e ainda ao

aconselhamento ao ocorrer baixo desempenho.

Para estes casos, Paro avalia que as coordenadoras podem estar sob a

anuência do poder estabilizado utilizado em prejuízo da condição de sujeito daquele

que obedece e no qual as relações de poder se fazem também pela coerção, modo

característico da forma atual, sendo que o exercício por meio da doutrinação

caracteriza a forma potencial, já com a persuasão presente tanto na forma potencial

(possibilidade de exercício do poder) quanto na forma atual (o exercício de fato),

Page 122: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

120

tanto se pode conceber a liberdade de opinião, como levar os sujeitos a determinada

doutrinação.

Isso fica evidente nos vocábulos utilizados pelas coordenadoras: forma

potencial – “saber por que você está sem uniforme”, “saber por que chegou

atrasado”, “por que está pra fora da sala” – forma atual – “aconselho”, “sensibilizo”,

“auxilio”. Como se vê, quando se trata de indisciplina, elas utilizam-se do poder

potencial, e quando a questão é o desempenho do aluno elas recorrem mais ao

poder atualizado. Paro afirma que esta característica está fortemente ligada ao

conceito de educação do qual se apropriam os atores da escola, e vemos com

clareza tudo isso traduzido nas suas palavras,

O entendimento da educação como exercício do poder, do modo como vimos examinando, ajuda a compreender o processo pedagógico em si, mas deve trazer maior clareza também à compreensão da prática escolar em geral e à concepção de uma organização escolar que favoreça a realização mais democrática dessa prática (PARO, 2008, p. 69)

Ainda avaliando a questão da autoridade no contexto da ordenação do

trabalho educativo, percebe-se que as entrevistadas exercem um poder estabilizado,

que é aquele “naturalizado” como poder continuativo, reconhecido por todos os

envolvidos na escola, tornando-se legítimo. Por outro lado, o que se pode constatar

nas falas das mesmas é que essa “estabilização” e essa “institucionalização”

exercem um poder inverso no coletivo da escola, pois todos os envolvidos passam a

direcionar todo e qualquer problema a este coordenador, como se fora ele o único

responsável ou com poder suficiente para resolver todas as questões da escola.

Esta realidade fica patente nas narrativas das coordenadoras quando dizem:

A gente tenta auxiliar com tudo na medida do

possível [com o professor]. A gente fica na

questão só de resolver os problemas que

aparecem aqui [com os alunos]. (FORÇA DE

VONTADE)

Page 123: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

121

A gente procura sempre estar buscando

sugestões e maneiras para eles [professor]

trabalharem. A gente aconselha os alunos

sobre seu desempenho. [...] tem um

atendimento aos pais [...] acompanha algum

conflito em sala de aula, chama para

conversar. (LUZ)

Nosso trabalho com o professor é o feito na

medida do possível de acordo com a

disponibilidade do professor, muitos estão

preocupados com a contagem de pontos, o

que mais discutimos é a questão da avaliação

e da indisciplina. O que mais realizo com os

alunos é chamar para direção pra cuidar por

estar fora da sala, a parte burocrática, a

cobrança mesmo e ainda discutir os

problemas das dificuldades dos alunos.

(CRIATIVIDADE)

Enfim, o que está posto é que, embora ao estudar a ordenação do cotidiano

da escola mediatizada pelo coordenador pedagógico, sobretudo no aspecto político,

observe-se que muitos entraves ainda precisam ser superados, a nosso ver a escola

nunca precisou tanto da institucionalização da coordenação pedagógica e da

materialidade do seu trabalho como garantia da funcionalidade das rotinas

escolares. O que é preciso, agora, é que na perspectiva das relações de poder isto

possa se ampliar, oferecendo um horizonte para uma prática educativa voltada para

a ação humana; todavia sabemos que isto não cabe apenas ao coordenador

pedagógico: esse poder-sobre, delegado pelos pares, precisa ser repensado, tudo

no espaço escolar deve ser responsabilidade de todos. Todo o coletivo da escola

precisa do que Paulo Freire apontou em muitos dos seus escritos, segundo

escreveu Guareschi (2008, p. 165), neles Freire afirma não acreditar numa

autolibertação, pois a libertação é sempre social e coletiva:

Page 124: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

122

Mesmo quando você se sente, individualmente, mais

livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se

você é capaz de usar sua liberdade recente para ajudar

os outros se libertarem através da transformação da

sociedade, então você só está exercitando uma atitude

individualista no sentido do empowerment ou da

liberdade.

Segundo Guareschi (2008), esse conceito de empoderamento aparece

pela primeira vez no livro Medo e Ousadia, escrito na parceria de Paulo Freire

com Ira Shor (1986). O termo deve ser tomado não no sentido de dar poder a

alguém e o outro receber, numa perspectiva individualista, mas sim

intimamente ligado à conscientização, como ato social e político (Idem, p. 165).

Tal é a perspectiva política que se deve dar a esta função pelo coletivo da

escola.

4.2 Concepções e Práticas do Coordenador Pedagógico

Esta seção tem o intuito de demonstrar qual prática que fato tem sido

desenvolvida cotidianamente na escola, a partir das descrições feitas nas narrativas

das coordenadoras. Procuramos dar aqui um significado histórico da hierarquia de

sua função e, também, trazer um entendimento sobre as concepções e as práticas

educativas empreendidas pelo coordenador pedagógico.

Se desde a sociedade antiga a função do supervisor assumia claramente a

forma de controle e de conformação, na época atual, quando se exige da escola

estruturação e organização, a supervisão educacional vai ganhando materialidade.

Esses fios condutores históricos nos levam a compreender porque não é tão fácil

determinar a territorialidade da função e do papel do coordenador pedagógico. No

percorrer desses fios, quando o termo supervisor é substituído por coordenador

Page 125: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

123

pedagógico, duas lógicas se interpõem: a primeira diz respeito à questão da

formação de professores para atuarem na administração e supervisão escolar, e a

segunda, concerne à questão do papel do coordenador pedagógico nesta outra

lógica de formação e de organização da escola. No que diz respeito à formação,

destacam-se no Brasil as reformulações do curso de Pedagogia, a partir do Parecer

252/69, que vai provocar ações desencadeadas de reformulações culminando com a

transposição da formação do supervisor para a pós-graduação.

Para melhor entendimento desta questão, retomamos o conceito de educação

que se vê em Libâneo e Pimenta (2006, p.33), que a concebe como sistemas

educacionais para além da formal institucionalização da escola, pois prevê atuação

profissional nos vários campos sociais da educação, decorrentes de novas

necessidades e demandas sociais a serem reguladas profissionalmente. Por isso

mesmo, não se pode conceber que a pedagogia tenha como objetivo apenas a

formação docente.

Na questão do papel do coordenador na perspectiva da formação docente, o

que se observa é que, quando houve, por meio de reformulações dos cursos de

formação da Pedagogia, a separação entre trabalho pedagógico e trabalho docente -

porque o trabalho pedagógico não se resume apenas às atividades de sala de aula -

pode se verificar certa dificuldade em compreender na escola o fenômeno educativo.

Libâneo sobre o assunto assim se manifesta:

Dessa forma, o que nos parece problemático são os

seguintes aspectos: a) o caráter “tecnicista” do curso e o

consequente esvaziamento teórico da formação,

excluindo o caráter da pedagogia como investigação do

fenômeno educativo; [...] c) a fragmentação excessiva de

tarefas no âmbito das escolas; d) a separação no

currículo entre os dois blocos, a formação pedagógica de

base e os estudos correspondentes às habilitações.

(2006, p.19-20)

Page 126: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

124

Em Mato Grosso, nas décadas de 80 e 90, vários fatores de mudança

se verificaram ao mesmo tempo: houve a reformulação dos cursos de

Pedagogia na UFMT; o Estado deixou de ofertar o curso de Magistério na sua

rede de ensino; parou de existir a função de supervisor educacional, que só

poderia ser exercida na escola por profissional formado em Pedagogia,

passando a haver então, a coordenação pedagógica, ocupada agora por um

profissional formado em qualquer habilitação, desde que licenciatura.

Curiosamente, a realidade que se apresenta, é que das quatro coordenadoras

entrevistadas duas são pedagogas, com formação para a docência, e duas de

outras habilitações, Matemática e Letras, e não aparece diferença alguma entre

o trabalho pedagógico desempenhado pelas mesmas. Todas elas se

ampararam nas suas experiências como professoras da rede básica há pelo

menos 15 anos, sendo que este foi o item equalizador das atividades

profissionais desenvolvidas por elas no exercício de suas funções como

coordenadoras. Daí o que se depreende, é que a identidade da coordenação

pedagógica se assenta na experiência e na história acumulada desde a

supervisão escolar, e o que está ajudando na construção de sua identidade de

coordenador é que a mesma está sendo construída e sedimentada na relação

histórica, para além de suas contradições históricas, também.

Para Gadotti (1998), supervisão e coordenação podem ser apenas

uma questão de nomes; o que precisa ficar claro é em qual ideologia estão

amarrados política e socialmente esses termos.

Para evidenciar o papel do Conselho Estadual de Educação de

Mato Grosso acerca da matéria em estudo, entrevistamos também uma ex-

conselheira estadual de educação quanto à atuação do CEE/MT sobre a

coordenação pedagógica. A mesma destacou que

As normativizações das questões da escola, não é

para questões do pedagógico, mas ele não influi na

ação do professor, ele influi na ação pedagógica, o

Conselho Estadual de Educação acaba agindo

indiretamente no resultado do pedagógico, no

Page 127: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

125

resultado da educação em si do que a educação

propõe.

Por isso ressaltamos que essa atuação é apenas verificadora, se a

escola está em conformidade com o que está preconizado por todas as leis,

resoluções do CNE – Conselho Nacional de Educação e da própria SEDUC/MT

– Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso, uma vez que foi esta

Secretaria a institucionalizadora da coordenação pedagógica, bem como, quem

determinou o perfil de gestão da função, quando da sua implantação em MT,

através das Instruções Normativas 006/95/SEDUC/MT e Instrução Normativa

001/96/SEDUC/MT e também é quem define em Portarias anuais de lotação as

atribuições dessa função na escola.

A partir dessa institucionalização a coordenação pode ser exercida na

escola por um portador de qualquer habilitação, desde que seja para a

docência e se colocou como critério básico para o professor na investidura da

função a eleição pelos pares; a partir de 2000 começou ser cobrada, como

critério para o coordenador pedagógico ser avaliado pelos colegas, a

apresentação de um plano de ação, também estudado nesta pesquisa, e,

ainda, todas as escolas tiveram que colocar em seus Regimentos a definição

do trabalho e das tarefas a serem desenvolvidas pela coordenação

pedagógica.

Se a hierarquia dessa função ainda cumpre uma lógica

administrativa e ainda traz os ranços do passado, também já estudados, por

outro lado, já começa a se desenhar, nesse mesmo período, um prenúncio de

formação para os coordenadores pedagógicos via CEFAPRO, o qual se atribui

responsabilidade de preparar melhor esses profissionais eleitos nas escolas

públicas do Estado. O que se vê é que essas formações ainda são incipientes

e não tem conseguido seduzir os coordenadores pedagógicos, que são cada

vez mais compelidos a permanecer na escola com seus afazeres. O

CEFAPRO, segundo a coordenadora LUZ, envia uma programação, sugerida

Page 128: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

126

como proposta de atividades para as formações que as coordenadoras

precisam desenvolver na escola através do projeto SALA DO PROFESSOR.

Assim, buscando entender melhor o trabalho pedagógico desse

coordenador fazemos algumas indagações, não só para atingir essa

compreensão, mas, também, através de suas narrativas, avaliar a questão da

organização desse seu trabalho e em quais condições ele se desenvolve.

Dessa forma, quando indagadas acerca do papel do coordenador

pedagógico, as coordenadoras entrevistadas caracterizaram-no da seguinte

maneira:

É, o papel da coordenação pedagógica é auxiliar diretamente o

trabalho do professor na elaboração dos planos de aula, na

elaboração de planos de ação seja bimestral, seja semestral, é

apresentar sugestões, acompanhar se o planejamento está

batendo, a teoria dele tá batendo com a prática e a gente tem

procurado fazer tudo isso assim da melhor maneira. (LUZ)

A responsabilidade de que se assumiu uma coordenação é que

acho que a chave maior disso é o trabalho com o Sala do

Professor, formação, então a gente é como eu falei, não tem

assim, mas a gente faz das tripas coração. [...] mas isso não

dá pra ser feito porque a gente se envolve com outras

atividades na escola. (FORÇA DE VONTADE)

Olha, eu acho que o papel da coordenação pedagógica é você

tá buscando essa coisa didática, esse trabalho com os

professores, esse saber fazer de forma que o aluno possa ser

o maior beneficiado e que o professor não sinta tão fora do

processo como eu percebo. (CRIATIVIDADE)

Bom, o papel da coordenação pedagógica é acompanhar o

processo de ensino-aprendizagem, avaliar e buscar junto com

Page 129: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

127

os professores alternativas para sanar as dificuldades, para

que o aluno possa conseguir aprender. (DETERMINAÇÃO)

Verifica-se que as coordenadoras trazem o conceito de prática como

resultante de um trabalho pedagógico. Como afirma Veiga (1992, p. 16), a prática

pedagógica é “[...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e

conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma

dimensão da prática social [...]”. Ora, é sabido que a prática social está imbuída de

contradições e de características socioculturais predominantes na sociedade.

Neste contexto, desenvolver o exercício da participação é um desafio para

os próprios docentes e pesquisadores envolvidos no projeto. A participação ocorre

quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e quando existe

liberdade e respeito entre os envolvidos. É um exercício de aprendizagem constante,

do saber falar, ouvir, propor, contrariar e complementar e acreditamos que a

informação e o desenvolvimento de conhecimentos científicos são fatores

impulsionadores da participação nas atividades escolares – no campo da prática

pedagógica e da gestão da escola.

Conforme se pode verificar neste ponto da exposição, o debate que está

posto versa sobre a educação escolar traduzida pela função e pelo papel do

coordenador pedagógico como organizador da aprendizagem docente a partir dos

fundamentos, apresentados nestas objetivações, do pensamento dialético entre

indivíduo e sociedade e também dos conceitos de cotidiano e não-cotidiano e da

prática pedagógica como sendo uma dimensão da prática social. Se a educação

podemos conceber como atividade mediadora para esta prática social, por prática

pedagógica podemos entender uma possibilidade de transformação dessa prática

pela mediação da transformação dos sujeitos da e na prática social. Para o assunto

Saviani (1986, p. 76) propôs a seguinte definição:

[...] A prática social referida no ponto de partida [...] e no ponto de chegada [...] é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade

Page 130: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

128

da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica: e já que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria se alterou qualitativamente.

A efetivação de uma prática pedagógica que gere nos sujeitos que dela

participam, as transformações contributivas para sua atuação como sujeitos

transformadores da prática social, cuja decorrência está na construção e execução

de sua função, é a transmissão do saber acumulado historicamente. Para que tal

aconteça é imprescindível e necessário que essa historicização seja

indubitavelmente, na esfera crítica. Se, potencialmente, o trabalho das

coordenadoras não está direcionado a esta concepção de prática, é importante,

contudo, considerar alguns aspectos que sobressaem quando as mesmas

demonstram e reconhecem a extrema necessidade de oportunidade para mudar o

direcionamento do que fazem.

Quando a coordenadora DETERMINAÇÃO estabelece como papel do

coordenador pedagógico acompanhar o processo ensino-aprendizagem, ela entende

e concorda com todas as definições discutidas aqui. O que merece nossa reflexão,

também, talvez seja que o coletivo da escola deva conferir uma identidade ao

coordenador, avaliando como sendo importante a oportunização do tempo para que

ele possa estudar, propor e organizar o trabalho educativo. Se de um lado temos as

coordenadoras trazendo para si todos os problemas da escola, de outro temos

outros atores (professores, direção, alunos) impingindo-lhes tal responsabilidade.

No momento em que a coordenadora CRIATIVIDADE fala da didática e do

trabalho do professor voltado para o compromisso com o aluno, ela recoloca o

debate acima do conceito de cotidianidade, ou seja, refuta aspectos mais

reprodutivistas e reforça a formação do indivíduo como possibilidade de

emancipação. Por este foco, a coordenadora resgata o papel da escola e a

possibilidade de que a construção dos saberes se faça num espaço de profunda

reflexão-ação, convém lembrar que segundo Alarcão (2008, p. 41),

Page 131: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

129

A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência

da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza

o ser humano como criativo e não como mero reprodutor

de ideias e práticas que lhe são exteriores.

Tanto as coordenadoras LUZ e FORÇA DE VONTADE corroboram ser

primordial o foco no trabalho do professor, notadamente que se reforce a

profissionalidade docente, que se potencialize a natureza educativa do professor;

entretanto, há que se reforçar a identidade do coordenador pedagógico para além de

ajudador, de auxiliar e de coadjuvante no desenvolvimento das práticas educativas

que se desenvolvem na escola. Pelo conceito de prática de que nos apropriamos, a

coordenação pedagógica, nesta noção profissional, nas situações profissionais,

tantas vezes incertas e imprevistas, deve atuar de forma inteligente e flexível,

situada e reativa (idem, ibidem). Doutra forma, o modelo burocrático baseado no

princípio da racionalidade técnica tende ainda mais a desconfigurar a sua atuação

no contexto escolar, isolá-la e reduzi-la ao que comprovadamente se tem observado

no espaço das escolas: atividades diretamente voltadas para a reprodução do

indivíduo, quando minimizam a atuação dos vários papéis na escola, contribuindo,

igualmente, para a reprodução da sociedade. Dessas configurações apresentadas

nas narrativas em estudo, parte delas são consideradas atividades cotidianas.

Pelo conceito de cotidiano baseado nos escritos de Heller (2008) e Duarte

(2007) as coordenadoras não estão promovendo somente o distanciamento entre as

teorias sobre a escola e a realidade do dia-a-dia das escolas; estão, sim,

distanciando a educação escolar e a vida extraescolar dos indivíduos, pois “A

atividade escolar é vista como algo que não faz parte da vida cotidiana do indivíduo”

(DUARTE, 2007, p. 37).

Reforçamos, apenas, que não se trata de descaracterizar o ardoroso trabalho

das coordenadoras, mas, sobretudo, avaliar em quais perspectivas se coloca, no

espaço da escola, o papel da coordenação pedagógica. Duarte (2007), ao defender

uma concepção de educação como mediadora na formação do indivíduo, propõe

que a objetivação do ser humano seja posta na perspectiva das esferas não-

Page 132: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

130

cotidianas; esta perspectiva exige participação e permite o enfrentamento dos

complexos problemas da sociedade.

Em outras palavras, não basta apenas formar indivíduos, é preciso saber

para qual tipo de sociedade e, sobretudo, para qual prática social, aliada ao tipo de

prática pedagógica, a coordenação empreende sua ação coordenadora como

elemento fundante para a construção da profissionalidade docente, através de

dinâmicas direcionadas para a construção do saber pelos próprios coordenadores,

num contexto de ação educativa e numa lógica de epistemologia da prática

coletivamente construída e aprofundada, condição para sua “territorialidade”.

Quando recorremos ao termo identidade profissional, colocamos as

discussões sobre a profissionalidade docente como parte integradora dos debates

acerca das práticas do sistema escolar. Sacristan (1995, p.65) aborda

profissionalidade do seguinte modo:

O conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado em função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar; em suma, tem de ser contextualizado.

Ao analisarmos qual a natureza da prática pedagógica que se desenvolve na

escola, a partir da realidade em estudo e, mais propriamente, como a coordenação

dessa escola apresenta-se num contexto de profissionalidade, percebe-se um

comportamento profissional marcado pelas rotinas, pelas crenças e pelos

conhecimentos (re)produzidos que acabam por se traduzir na produção de um

conhecimento técnico legitimador das práticas ali desenvolvidas e reportam,

também, aos valores culturais alçados à categoria de importantes e prioritários.

Por esta razão, falamos também em profissionalidade considerando a

coordenação pedagógica, percebendo as estruturas organizativas que circundam

sua territorialidade na escola, pois levamos em conta a prática docente como bem

aponta Sacristan (1995, p. 71), “depende de decisões individuais, mas rege-se por

normas coletivas [...] e por regulações organizacionais”. Por outro lado, é importante

ressaltar que a prática tem uma relação de dependência do meio social organizado,

Page 133: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

131

portanto lugar de conflitos, e por esta razão nem sempre todas as exigências

coincidem com as interpretações individuais; neste contexto, observa-se que a

resistência às determinações do trabalho docente fica mais evidente quando há

margem para a reflexão coletiva. O autor ainda considera que diversas ações e

programas precisam incidir nos contextos em que a prática docente se configura,

descritos a seguir:

- O professor e a melhoria, ou a mudança das condições de aprendizagem e das relações sociais na sala de aula; - O professor participando ativamente no desenvolvimento curricular deixando de ser mero consumidor; - O professor participando e alterando as condições da escola; - O professor participando na mudança do contexto extra-escolar. (p.77)

Confirmam-se de alguma forma o argumento acima ressaltado que,

quando perguntamos qual era mesmo o papel do coordenador pedagógico, nossas

protagonistas responderam da seguinte forma:

Como eu disse anteriormente, a gente sabe que o papel do

coordenador é não seria tá gerenciando problemas com os

alunos, a gente sabe que seria é bem voltado mesmo ao

acompanhamento do professor. [...] Além do nosso plano,

muitas vezes eu vou fazer tais e tais coisas, chego aqui às

vezes e têm tantas outras pra fazer. (LUZ)

Na escola como um todo seria dá auxílio por parte do material.

[...] o professor do primário vem te procurar, você procura

auxiliar, do fundamental vem, o do ensino médio, conforme a

gente é solicitada a gente vai correndo atrás. (FORÇA DE

VONTADE)

Eu vejo que eu estou misturada no meio, eu gostaria de estar à

frente, auxiliando meus professores, organizando

verdadeiramente o pedagógico, até porque eu vejo o

pedagógico é tão pouco discutido na escola. (CRIATIVIDADE)

Page 134: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

132

Bom, eu penso que o trabalho pedagógico na escola já está

direcionado, já até por algumas leis que fala a questão das

horas e dos dias letivos, das horas a serem cumpridas. [...] A

coordenação tá direcionando quanto à questão da distribuição

dos horários, e se essas aulas estão ministradas. [...] Você tem

que coordenar tudo, você tem que estar “antenada” o tempo

inteiro. (DETERMINAÇÃO)

Veem-se deste modo, reiteradas pelas coordenadoras as considerações

aderentes ao conceito de prática pedagógica como resultante de um determinismo

contextual que envolve cotidianamente seu fazer. Sua ordenação lógico-formal

reduz a atuação das mesmas à solucionadores de problemas pontuais, e esses

esquemas subsidiados por valores e ideias dão base à articulação ação-

pensamento, ou seja, quanto menor o tempo disponibilizado ao coordenador, mais

os modelos racionalizadores surgem para justificar e explicar as suas ações no

contexto das esferas cotidianas (HELLER, 2008).

Outra questão a ser considerada, encontra-se no fato de que se percebe a

necessidade da prática profissional da coordenação pedagógica mais como um

controle da prática educativa, a fim de assegurar os princípios e finalidades da

educação tradicional de caráter lógico-formal inerente à racionalidade técnica,

levando-se em conta, inclusive, que a coordenação tem suas origens na

administração e era responsável pelo controle entre o planejado e o executado.

Contudo, há aspectos, de todo modo, bastante singulares no entendimento que as

coordenadoras têm acerca do seu papel na escola e também na ordenação que

conseguem dar ao seu cotidiano. Revelam compromisso com o trabalho que

desenvolvem, aspiram à qualidade no ensino ofertado por suas escolas e

demonstram reconhecer contradições importantes nesse cotidiano.

A coordenadora CRIATIVIDADE, interpretando sua prática, admite a

importância do pedagógico, avalia e traz reflexões acerca do conceito do que

acredita ser o papel do coordenador pedagógico: ainda que ligado ao conceito de

auxiliador, ajudador, sinaliza para o conceito de organizador do pedagógico.

Page 135: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

133

Já a coordenadora FORÇA DE VONTADE fala da coordenação e da questão

dos saberes, quando se refere aos níveis de ensino e suas especificidades das

quais o coordenador deve dar conta, uma vez que no exercício de sua profissão

recorre ao estabelecimento de uma pluralidade de saberes (TARDIF apud ANDRÉ e

VIEIRA, 2006). São saberes advindos do processo de escolarização, dos cursos de

formação, da instituição escolar, das relações interpessoais e da experiência da

profissão. André e Vieira (2006, p. 17) afirmam acerca desta questão que

Ao desempenhar suas funções, o coordenador busca, em última instância contribuir para a efetivação do processo de ensino e aprendizagem, o que exige a mobilização de uma série de saberes.

Do mesmo modo, a coordenadora LUZ segue acreditando na configuração da

coordenação pedagógica mais assistencialista, uma vez que o foco de sua prática

continua sendo a prática educativa do professor com todas as implicações já

analisadas neste estudo.

Finalmente, a coordenadora DETERMINAÇÃO, apesar de assenhorar-se de

princípios racionalizadores pautados no modelo decretado, confia que as leis sejam

suficientes para conferir às estruturas organizativas da escola um princípio

emancipador. Mas afirmou que o trabalho que realiza é bastante coletivo,

principalmente na formação continuada que desenvolve na escola, uma vez que

conseguiu garantir que todos participem mensalmente de um encontro coletivo para

a hora de trabalho pedagógico coletivo – HTPC, espaço de reflexão e avaliação da

escola e das práticas empreendidas.

Em síntese, a função do coordenador pedagógico no imaginário de nossas

protagonistas apresenta-se como práticas isoladas, assistencialistas e fortemente

amparadas nos princípios da racionalidade técnica; diante do pedagógico elas

assumem a posição do “faz-tudo”, de “cuidadores” e não conseguem atribuir

significado ao seu papel na escola como organizadores da produção educativa.

Apesar de serem extremamente dedicadas ao trabalho e de realizarem uma série de

Page 136: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

134

atividades e projetos pontuais, realizam-nos em nível do senso comum. A ação

coordenadora e a ordenação dada ao cotidiano são lampejos do que efetivamente

gostariam que fosse, quando expressam estar conscientes do que deveriam estar

fazendo e não estão. A projeção do que fazem apresenta limites, pois se afastam do

conceito de educação problematizadora e emancipatória, e estão distantes de

conseguir refutar os princípios da racionalidade técnica a que estão submetidas e

fortemente determinadas nas escolas, inclusive pelas determinações dos

organismos centrais (Assessorias Pedagógicas e SEDUC/MT) e pela implementação

de uma série de programas que requer ainda mais tempo dessas coordenadoras,

que também precisam seguir algumas programações realizadas pelo CEFAPRO.

4.3 O Coordenador Pedagógico e a Formação Continuada que se

Desenvolve na Escola

Ao lado do conceito de prática, já discutido neste estudo, e do conceito de

profissionalidade docente, também já avaliado, está o conceito de formação de

professor. Este pensamento é o condutor para uma reconsideração da função do

coordenador pedagógico que contribui para uma mudança da conceptualização

teórica da sua formação, bem como do processo do seu desenvolvimento prático.

Por formação continuada entende-se, numa perspectiva crítico-reflexiva

defendida por Nóvoa (1991, p. 25), como sendo a

Que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios com vista à construção de uma identidade, que é também identidade profissional.

O autor defende que a formação não se constroi por acumulação de cursos

ou conhecimentos, mas sim por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre

as práticas e de (re) construção permanente de sua identidade pessoal.

Page 137: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

135

A compreensão de formação continuada tomada aqui é a de que seu eixo

fundante seja uma formação centrada na escola em que “assenta tanto a reflexão-

na-ação, que analisa o conhecimento-na-ação, como a reflexão sobre a ação e

sobre a reflexão-na-ação” (GÓMEZ, 1992, p.111).

Dessa forma, ao serem interrogadas acerca da formação que se desenvolve

na escola, todas as coordenadoras falaram sobre o projeto implementado pelo

CEFAPRO, denominado SALA DO PROFESSOR e idealizado pela Secretaria

Estadual de Educação de Mato Grosso - SEDUC/MT sob o gerenciamento do

Centro de Formação de Professores. Em seus relatos as coordenadoras assim se

expressaram sobre o assunto em questão:

[...] na formação continuada nós temos aqui o Sala do

Professor e nós procuramos abordar assim assuntos que a

gente percebe o professor tem dificuldade, e os assuntos que

nós mais temos discutido é a questão da avaliação e da

indisciplina, embora quanto mais a gente discute, mais a gente

descobre que tem que buscar mais e mais alternativas.

(CRIATIVIDADE)

Ah, então, na formação continuada é como eu falei, a gente

senta se organiza, discute o que vai ser discutido naquela

semana, o que a gente vai trabalhar naquela semana no Sala

do Professor com sugestões do pessoal do Cefapro. (FORÇA

DE VONTADE)

Nós dividimos dois grupos pra essa formação continuada,

então a gente se subdivide, pra acompanhar esses grupos e

uma vez por semana a gente se reúne, a gente pode discutir

textos inclusive sugeridos pelo Cefapro e a gente discute

também o dia-a-dia da sala de aula, a gente assiste filme, é

uma programação que o Cefapro sugere [...] mas a gente

coloca também a nossa criatividade junto. (LUZ)

Nossa formação acontece nas terças-feiras no Sala do

Professor, nós temos uma formação continuada aos sábados,

Page 138: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

136

um sábado por mês. Mais pertinente a cada ciclo, a cada

realidade, tem temática que aborda um tema assim geral que

serve para todos e a nossa formação continuada com outros

temas que vem mais pra nossa formação humana.

(DETERMINAÇÃO)

O princípio norteador do projeto de formação continuada da SEDUC/MT

gerenciado pelo Cefapro, o SALA DO PROFESSOR, é o de uma formação centrada

na escola. Em primeira análise, depreenderíamos ser este, então, um princípio

importante para conferir autonomia às escolas no deferimento das ações apontadas

pelas reflexões coletivas da unidade escolar. Isto poderiam dar sentido e fortalecer a

prática pedagógica dos coordenadores através de pressupostos mais democráticos,

entre os quais a construção de um projeto político que validasse as práticas

pedagógicas desenvolvidas pela escola, um espaço de conflitos e contradições,

porém democrático. Para Apple e Beane (2001, p.18),

Os educadores profissionais, assim como os pais, os ativistas comunitários e outros cidadãos têm o direito de estar bem informados e de ter uma participação crítica na criação das políticas e programas escolares para si e para os jovens.

O pensamento construído aqui não concebe a formação de professores

como um instrumento produtor de milagres na escola, mas comunga da ideia de que

a formação continuada centrada na escola pode, sim, fomentar debates que

confiram à mesma um espaço permanente de reflexão.

Em segunda análise, vê-se, porém, que este projeto contribuiu para o

isolamento das ações fomentadas na escola e ainda passou a ser utilizado para

reflexões pontuais com o intuito de resolver problemas também pontuais, como a

indisciplina dos alunos, por exemplo. Garcia (1995) conceitua a formação contínua

ou em serviço na perspectiva do desenvolvimento profissional dos professores, a

qual pressupõe uma abordagem que valorize o seu “caráter contextual,

organizacional e orientado para a mudança” (p.137), pois não afeta somente os

docentes da escola, mas sim todo processo educativo. Por esta perspectiva estão

Page 139: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

137

em debate e investigação ou estudo: a escola, o currículo, o ensino, os alunos e os

professores. O autor apresenta a afirmação de que

[...] o conceito de desenvolvimento profissional reside no fato de pretender superar a concepção individualista e celular das práticas habituais de formação permanente. Quer isso dizer que o desenvolvimento do professor não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento organizacional e curricular. (DILON-PETERSON apud GARCIA, 1995, p.139)

Assim, os apontamentos feitos pelas coordenadoras pesquisadas se

direcionam para o que em Garcia classifica como reciclagem, cujo caráter pontual e

de atualização pontual, constitui-se meramente em aspectos específicos do

aperfeiçoamento de professores, como uma ação específica de treino intensivo “que

ocorre quando o conhecimento que o professor tem de uma matéria se torna

obsoleto [...] ou quando se reconhece que existe uma lacuna crítica na formação de

professores” (LANDSHEERE apud GARCIA, 1995, p.137).

Na vertente da formação continuada como atributivo para o desenvolvimento

profissional e para o desenvolvimento da escola, torna-se de extrema importância a

presença do que Garcia (1995) caracteriza como liderança instrucional, papel do

coordenador pedagógico como impulsionador de mudanças e inovações, pautadas

na existência de uma cultura de colaboração, de participação coletiva e garantidas

por uma gestão democrática e participativa. Estes são, para o autor, os princípios

básicos para que tal desenvolvimento aconteça.

Em seus escritos Nóvoa (1992) aponta que “a formação de professores pode

desempenhar papel importante na configuração de uma „nova‟ profissionalidade

docente, estimulando a emergência de uma cultura profissional no seio do

professorado e de uma cultura organizacional no seio da escola” (p.24). Desta

forma, cabe-nos reconhecer que a agência formadora e responsável pelo projeto

SALA DO PROFESSOR, o CEFAPRO, ausentou-se do debate e da

responsabilidade de trazer para si a condução desse processo na escola.

Acreditamos que seja importante avaliar que a coordenação como se estabelece na

escola, tendo como critérios apenas a formação em 3º grau e a eleição pelos pares,

Page 140: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

138

indica a necessidade de uma formação continuada e permanente voltada para os

coordenadores pedagógicos.

Quanto ao assunto em foco, mediante a pergunta sobre qual o tipo de

preparação que tiveram para assumir a coordenação, obtivemos das entrevistadas

as seguintes respostas:

Não tem receita, não tem manual, „faz assim ou faz assado e

vai dar certo‟. Como eu disse, é no cotidiano, ajuda com os

outros profissionais que já tinham experiência, até mesmo em

outra rede como trabalhar, como fazer, o que propor, porque é

um grande desafio, você sai da sala de aula, você tem 30; você

vem pra coordenação, você tem 600, 700, 800 alunos, mais

meus colegas de trabalho, mais a direção, mais os pais, todo

mundo cobra assim que eles têm você como referência.

(DETERMINAÇÃO)

O curso que eu fiz não tem muito a ver com coordenação, mas

como a gente trabalha na escola há muito tempo, então a

gente exerce o cargo mais pela prática do que propriamente

pela teoria do que a gente estudou. [...] quando assumi a

coordenação, eu procurei assim é estar ao máximo cumprindo

o plano de trabalho que a gente tem traçado, só que muitas

vezes a rotina diária acaba, a gente pré-planeja uma coisa pra

um dia, a gente não consegue realizar. (LUZ)

Na verdade é a gente acha que nunca está preparada, então

você vai, você assume uma função nova e você vai

aprendendo, no dia-a-dia, o dia-a-dia te ensina a fazer as

coisas, é, você de repente se acha assim: Será que nós vamos

dar conta de tudo?. Mas as coisas vão aparecendo, você vai

fazendo, o que vai aparecendo, você vai realizando. (FORÇA

DE VONTADE)

Então na verdade foi assim: quando assumi a coordenação, eu

procurei me lembrar das outras coordenadoras com as quais já

Page 141: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

139

havia trabalhado, procurei observar como elas tinham

desenvolvido o seu trabalho, buscando assim um perfil,

lembrando como elas faziam o que elas buscavam, a partir

disso procurei ler também o que era o coordenador, mas toda

vez que a gente assume a coordenação é bem diferente causa

medo, porque você vê tantas situações na escola que você não

está preparado. (CRIATIVIDADE)

Nesse ponto da pesquisa, queremos pontuar algumas considerações importantes

acerca das falas dessas coordenadoras pesquisadas. Um dos pontos a ser

levantado e já delineado neste capítulo de análise, é a questão da experiência vista

como elemento básico para a constituição identitária da coordenação quando

reforçam que buscaram tal identidade na experiência vivenciada por outros

profissionais que já estiveram na mesma função na escola, ou mesmo nas

conversas com outras coordenadoras, quando das reuniões e encontros promovidos

pelo CEFAPRO. Estes momentos tornam-se potenciais espaços de troca de

experiência e aprendizagem. Contudo há que se considerar que deve existir uma

sistemática mais permanente de formação para os coordenadores, principalmente

aos ingressantes nesta função.

Outro ponto diz respeito à prática desenvolvida por estas coordenadoras,

que tem muito a ver com a máxima do “aprender em serviço”, ou seja, elas

aprendem ao sabor das circunstâncias provocadas pelo trabalho que efetivamente

se apresenta todos os dias, principalmente quando da formação continuada que se

desenvolve na escola, ainda que esta seja de caráter pontual e de atualização

pontual (Garcia, 1995). Se o cotidiano ensina, podemos então, observar para se ter

uma visão de coordenação o que tem peso neste cotidiano é a tradição, sendo

necessário, portanto, procurar neste cotidiano marcas que as coloquem acima da

cotidianidade, isto é, possibilidades de ir além das tradições.

A coordenadora LUZ apresenta um depoimento impressionante em suas

palavras finais:

Page 142: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

140

Eu tô aposentando no ano que vem, mas

como eu estava na coordenação, optei por

não pedir, creio que seria injusto com meus

colegas que votaram em mim eu abandonar o

barco no meio do caminho, optei por terminar

o ano letivo. Eu tenho clareza até pelos

relatórios que tenho na minha mesa para ler,

que alguma coisa fica a desejar, mas do

ponto de vista pedagógico alguém tem que

ajudar a diretora. Eu já fui diretora, já fiquei

anos como professora e acho gratificante ter

minha carreira nessa função e tenho feito o

máximo para colaborar com meus colegas.

Quando ressaltamos a experiência como um fator identitário para o

coordenador observamos neste depoimento que os pares a reconhecem como

importante para se estar na coordenação e que a possibilidade da vivência, do

aprendizado acumulado historicamente traz perspectivas ao coletivo da escola.

Nas palavras de CRIATIVIDADE também percebemos esse mesmo

apelo identitário, quando relata em suas considerações finais:

Que as pessoas possam entender que antes

de ser coordenador nós também somos

professores, profissionais da educação [...]

Ademais, pode-se observar que o debate em torno da identidade de

trabalhador ou de profissional retorna frequentemente às falas das entrevistadas, ao

explicitar a busca de um sentido para a atividade docente, o que significa que, à

configuração do trabalho pedagógico subjaz a configuração de sua identidade

profissional.

Como se vê, as professoras alçadas à função e para o papel de

coordenadoras pedagógicas não obtiveram nenhum tipo de “preparação” além de se

espelharem nas experiências e nas tradições, todos os conhecimentos dos quais

Page 143: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

141

lançam mão são meramente empíricos. E ainda fica patente o distanciamento entre

elas e os organismos formadores, inclusive o Cefapro e a própria Secretaria de

Estado de Educação de Mato Grosso, como responsáveis pelas políticas públicas

que se devem desenvolver nas escolas. Acrescida a isto, vemos a participação do

SINTEP/MT – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública de Mato Grosso,

com relativa ausência e omissão a este debate.

Goméz (1992, p.111) aponta que no modelo de formação de professores

reflexivos, a prática “adquire o papel central de todo o currículo, assumindo-se como

lugar de aprendizagem e de construção do pensamento prático do professor”. O

autor concorda que o pensamento prático para a construção da prática como

desenvolvimento profissional adquire-se nos espaços de reflexão e de troca de

experiência; contudo, diferentemente do que apresentam as coordenadoras

pesquisadas, essa experiência não é empírica, é construída na comunhão entre a

teoria e a prática, e para tanto recomenda a colaboração das universidades nesse

projeto de formação continuada dos professores.

Por fim, quando as coordenadoras LUZ, DETERMINAÇÃO, CRIATIVIDADE

e FORÇA DE VONTADE expõem seus pensamentos sobre a formação que se

desenvolve na escola, confirmam-se dois aspectos bastante singulares desta

formação desenvolvida pelas escolas estaduais de Mato Grosso; o primeiro deles é

que esta formação continuada precisa se identificar mais com o desenvolvimento da

escola, para se constituir identitariamente como um processo de formação na

perspectiva do desenvolvimento profissional. E o outro aspecto, diz respeito ao

entendimento que se tem acerca do que seja identidade docente, a perspectiva que

se percebe tem a formação continuada como um prolongamento da formação inicial,

quando isso não se efetiva no cotidiano escolar, ela é vista como um tempo mal

aproveitado e sem inovação, com serventia apenas para garantir certificação para a

contagem de pontos a cada final de ano letivo.

Page 144: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de

segundos, mas com tamanha intensidade, que se

petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

(Carlos Drummond de Andrade)

Iniciei esta pesquisa querendo saber qual o papel do coordenador

pedagógico na ordenação do cotidiano da escola. O propósito de ampliar meus

conhecimentos e oportunizar aos meus pares uma reflexão mais aprofundada sobre

as nossas próprias angústias na investidura da função perseguiu-me enquanto

prosseguia neste estudo. Estive na coordenação por quatro anos e por seis na

direção de escola e esse conhecimento acumulado integrou-se à minha formação

em Letras com habilitação em língua portuguesa e suas literaturas, da qual a prática

distanciou-me, aproximando-me do trabalho de gestão da escolar.

Então, o primeiro passo era potencializar melhor minha experiência

acumulada nestes dez anos, lidando, discutindo e conversando sobre educação. O

segundo era distanciar-me o suficiente do contexto de minha prática, para estudá-la

e assim poder estabelecer algumas considerações acerca dessa função na escola.

Os elementos de análise elencados para o estudo: a concepção de educação, de

escola, de gestão, de prática, de formação continuada e de cotidiano sendo

inumeráveis, tornou o mesmo, uma empreitada difícil e arriscada, porém

extremamente importante para quem deveria mergulhar na teoria como forma de

entender a prática. Todavia, há que se considerar também que “a reflexão crítica

sobre a prática se torna exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode

ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 1998 p. 24).

Para estabelecer uma compreensão teórica acerca do tema percorri longo

caminho, que se iniciou com a busca de estabelecer uma compreensão acerca da

coordenação pedagógica a partir de sua organização, concepções e práticas

educativas. Neste viés, coube olhar atentamente esta função, num processo

reflexivo em que se imbricariam três aspectos: a ação do coordenador pedagógico

Page 145: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

143

na e através da organização da escola, o significado histórico da hierarquia de sua

função e as concepções que amparam sua prática cotidiana. Tais reflexões tinham

por base o pensamento de Paulo Freire, na pedagogia crítica constante em seus

escritos e de Vitor Paro, Ilma Passos, MacLaren, Alarcão e outros.

Isto posto, a fim de apreender as imbricações conceituais e os

significados construídos, era preciso colocar essas discussões sob a égide do

desenvolvimento profissional (SACRISTAN, 1995), como forma de provocar um

entendimento sobre o papel social da escola e do trabalho educativo como atividade

social e profissional, possibilitando a associação entre os significados historicamente

produzidos em torno da coordenação pedagógica.

O estudo sobre a ação coordenadora na e através da organização da

escola ressaltou aspectos da racionalidade técnica e marcas de cotidianidade,

questões essas que se tornaram imprescindíveis para uma análise mais

aprofundada acerca das práticas pedagógicas ali desenvolvidas, e de qual tipo de

ordenação foi possível se desenvolver. A investigação evidenciou a complexidade e

a dinâmica da função dos coordenadores pedagógicos, em que a reflexão ocupa um

papel essencial para os avanços da prática pedagógica, sobretudo através da

formação continuada que se desenvolve na escola.

No espaço escolar é essencial que o coordenador pedagógico esteja atento à

complexidade do seu trabalho, considerando os múltiplos fatores e condições

geradoras de situações singulares nas quais ele intervém com sua ação diária,

principalmente no estabelecimento e quantificação de objetivos, metas e ações.

Nesse contexto, ressalta-se a importância de compreender a dinâmica do cotidiano

da escola na procura dos aspectos relevantes desse trabalho para melhor

entendimento da prática educativa com seus significados políticos e ideológicos.

O estudo dos documentos das escolas que dão materialidade à função do

coordenador pedagógico revela uma ORGANIZAÇÃO PARA A ORGANIZAÇÃO, ou

seja, que cumpre o papel que se deve cumprir segundo tais postulações, feitas

quando do estabelecimento de critérios para ser, das regulamentações para ser, do

Page 146: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

144

discricionamento de objetivos para ser. Licínio (2001) caracteriza esta situação como

sendo resultante de um modelo de organização da escola a que ele denomina de

modelo decretado ou racional, em que os fenômenos organizacionais têm uma

focalização normativa, e, então, requer-se a constituição de planos de orientação

para as ações organizacionais. De acordo com o autor

Constituem um quadro construído e fixado em torno dos objetivos oficiais da organização (para a organização), são atribuidoras de significado normativo à ação organizacional, instituem uma hierarquia formal e distribuem atribuições e competências (p.51)

Entendo que tais documentos teriam como natureza própria a lógica do

organizar para, mas tal enfoque só pode ser e é verdadeiro se desprendido da

avaliação e distanciado da interpretação. Porém, segundo o autor em pauta,

eventuais “desvios e disfunções” ocorrem por meio de uma focalização descritiva

(estruturas manifestas e regras efetivamente atualizadas);

Neste sentido se recusa, de um ponto de vista teórico, uma abordagem de tipo determinista, que elegeria a ordem burocrática da conexão e das orientações formais-legais como exclusivas. Pelo contrário, admite-se a existência de outras ordens concorrentes e a produção organizacionalmente localizada de outros tipos de regras. (p.56)

Avalio ainda, que nem os regimentos escolares, nem tampouco os planos de

ação conseguem dar ao cotidiano e ao trabalho educativo do coordenador a

dinamicidade que a prática requer. Como Paulo Freire (1998), acredito que a

dinâmica da vida é sempre grande demais para ser aprisionada; segundo ele, “onde

há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se

tornou consciente”, completa o autor.

Faço esta avaliação também por considerar que o cotidiano escolar tem

dinâmica própria, a ser mais explorada a fim de se aproximar, cada vez mais,

questões teóricas e práticas pedagógicas. É no âmbito da análise do cotidiano da

experiência escolar como planejamento, organização diária, microdecisões,

sequência de atividades, encontros pedagógicos, opções pedagógicas e

Page 147: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

145

administrativas que se deve buscar entender melhor as ações e relações dos

sujeitos que movimentam a escola. É a análise desse cotidiano que pode revelar a

prática educativa nos aspectos históricos e sociais.

Já nas entrevistas detectei a forma organizacional ORGANIZAR EM como

forma de ordenação do cotidiano da escola, uma mesclagem entre o significado

normativo, burocrático e as estruturas informais dependentes de uma focalização

interpretativa. Essa ordenação aparece então como as faces de uma mesma moeda:

de um lado as normas e prescrições dos documentos e, de outro, as atualizadas

interpretações e formulações de regras informais das e nas práticas cotidianas a que

Lima (2001) classifica como sendo estruturas manifestas. A ocorrência de uma não

anula a existência da outra, elas podem ser coexistentes.

O estudo acerca da ordenação do cotidiano mediatizado e articulado pelo

papel do coordenador pedagógico nos remete à questão do significado histórico da

hierarquia da função desse coordenador na instituição escolar e aponta que

nenhuma das coordenadoras das escolas pesquisadas, LUZ, DETERMINAÇÃO,

CRIATIVIDADE e FORÇA DE VONTADE obteve qualquer tipo de preparação para

assunção ao cargo: todas elas buscaram na própria experiência e na de outrem

subsídios para o desenvolvimento de seu trabalho pedagógico.

Por esse viés, trazem o conceito de prática como resultante de um trabalho

pedagógico. Convém lembrar que, como afirma Veiga (1992, p. 16), a prática

pedagógica é “[...] uma prática social orientada por objetivos, finalidades e

conhecimentos, e inserida no contexto da prática social. A prática pedagógica é uma

dimensão da prática social [...]”. Resultante, portanto, dos aspectos históricos e

culturais construídos socialmente. No contexto do desenvolvimento profissional,

torna-se importante considerar a constante reelaboração desses aspectos

construídos, a qual permita que as práticas que se desenvolvem na escola

constituam um conjunto de práticas expressivas da atividade profissional do coletivo

escolar.

Page 148: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

146

À luz desse entendimento a coordenação pedagógica deve apresentar-se

como organizadora da atividade educativa na escola, seja ela de qualquer natureza.

Pelo conceito de emancipação, a educação consiste na apropriação da cultura,

sendo que o homem interfere também na natureza ao criar suas próprias condições

de existência e interfere socialmente quando atualiza a história e a cultura (PARO,

2008). Os sentidos adquiridos historicamente, quando da institucionalização da

escola, eram de que a supervisão escolar era necessária para a organização da

escola. Já o Parecer 252/69, além de conferir à supervisão status de profissão, ainda

lhe possibilitou uma caracterização de necessidade social, mas não suficiente por si

só para concebê-la como um trabalho educativo importante no trabalho pedagógico.

Nem tampouco a Lei 9.394/96 a LDB garante efetivamente a materialidade da

função do coordenador pedagógico como finalidade para cumprir o exercício das

práticas profissionais que não apenas as docentes, ou seja, traz apenas a garantia

do cumprimento da base nacional comum.

Em Mato Grosso a partir do momento em que a coordenação passa a ser

exercida por um portador de qualquer formação docente em nível superior e as

agências formadoras, tais como a UFMT, passam a centrar sua formação apenas no

trabalho docente, acaba-se por contribuir para dificultar a apreensão do fenômeno

educativo, quando da separação entre trabalho pedagógico e trabalho docente

(LIBÂNEO e PIMENTA, 2006), trata-se de uma questão polêmica. A propósito dessa

questão, ressalte-se que o estudo apontou que o trabalho pedagógico está sendo

construído na experiência do trabalho docente, uma vez que todas as

coordenadoras pesquisadas desenvolveram seu trabalho de forma equalizada,

independentemente de sua formação inicial, pois 50% delas são formadas em

pedagogia para a docência, e 50% em habilitações específicas.

Esse processo pode ser definido por uma epistemologia a que Paulo Freire

(1998) chama de boniteza do pensar certo, pautada na premissa de que

O processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagrar no

Page 149: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

147

aprendiz uma curiosidade crescente, que pode torná-lo mais e mais criador (p.27).

Quando avalio o trabalho dessas coordenadoras como impondo uma carga

excessiva de tarefas e responsabilidades a cumprir, verifico uma transferência

“natural” de poder que me parece escapismo docente, forma de se esquivar de um

empoderamento coletivo, pois me parece mais fácil delegar do que assumir

responsabilidades coletivas. Penso que para encarar esses enfrentamentos diários a

ordenação mediatizada e articulada pelo coordenador pedagógico deva ser

permeada por uma “curiosidade epistemológica” para reforço e sedimentação de

uma epistemologia da prática. Freire defende que isto garante autenticidade ao

trabalho pedagógico a ser desenvolvido, independemente do locus das muitas

práticas que se desenvolvem na escola. Essa defesa está presente na Pedagogia da

Autonomia, na perspectiva do Pensar certo:

Quando vivenciamos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (1998, p. 26)

Foram analisadas, também, concepções que situam a prática cotidiana do

coordenador pedagógico no contexto das esferas cotidianas e não-cotidianas. O

estudo apontou que a ação coordenadora traz em seu interior um conjunto de

relações, circunstâncias complexas e diversificadas que exigem ações singulares e

contextuais e que, por isso, a formação intencional deve possibilitar o

desenvolvimento do coordenador como pessoa, como profissional e como cidadão.

Esta perspectiva se torna possível através da e na escola e na formação continuada,

pois, como forma de reagir ao referido modelo das ações organizacionais e de

elevar-se acima da cotidianidade, é preciso ir se desenvolvendo uma série de

buscas, reflexões e pesquisas que tenham o objetivo de construir um novo conceito

de formação continuada, numa lógica oposta à racionalidade técnica. Segundo

Nóvoa (1991, p.25), “a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva,

que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as

dinâmicas de autoformação participada”.

Page 150: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

148

Esse espaço de reflexão e avaliação do cotidiano da escola deve pautar-se

numa visão que supere a cotidianidade, transcendendo interesses particulares e

tendo em vista realizações genéricas33, tal como Heller (2008) propõe.

É a partir de uma concepção mais voltada para o processo de construção,

desconstrução e reconstrução do conhecimento que se precisa trabalhar com os

coordenadores pedagógicos em consonância com os princípios da racionalidade

emancipatória de que podem emergir outros padrões para o trabalho pedagógico

pautado no exercício profissional e, sobretudo, nas experiências. Acrescente-se que

a formação continuada que se apóia na reflexão sobre a prática, além de propiciar

ao coordenador um aprofundamento das temáticas educacionais, promove um

processo constante de autoavaliação e de avaliação coletiva.

Ao se apontar neste estudo o coordenador pedagógico como organizador

do trabalho educativo na escola, é preciso que se tenham claros alguns aspectos

históricos vinculados à função, que o tornaram alvo de críticas e discussões. De

acordo com Rangel (2001), todavia, uma concepção atual de supervisão passa de

escolar para pedagógica, cujo principal objeto é o processo ensino-aprendizagem.

Dessa forma, defendo a coordenação pedagógica como sendo uma forma

de garantir a melhoria da qualidade da docência e do mencionado processo ensino-

aprendizagem, uma vez que nas entrevistas percebo as coordenadoras LUZ,

CRIATIVIDADE, FORÇA DE VONTADE e DETERMINAÇÃO preocupadas e

altamente comprometidas com o seu trabalho, para além de todos os aspectos já

estudados aqui. É preciso, evidentemente, fomentar a superação desse clima

assistencialista, cuidador e ajudador presente nas práticas desenvolvidas por elas,

mas tal superação depende do coletivo da escola, uma vez que o entendimento

geral tem sido o de tratar-se de um “poder” delegado.

É preciso investir na formação continuada dos coordenadores pedagógicos;

considero que o CEFAPRO deva assumir essa tarefa e ter uma boa política de

formação assentada no contexto no desenvolvimento profissional, levando em conta

33 Realização genérica supõe atividade cooperativa e estabelecida por metas e valores para que os fins humanos sejam atingidos e ampliados

(HELLER, 2008).

Page 151: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

149

que como diz Sacristan (1992, p.67), “a imagem da profissionalidade ideal é

configurada por um conjunto de aspectos relacionados com os valores, os

currículos, as práticas metodológicas ou a avaliação”.

Enfim, após todas essas considerações nos remetemos à síntese do presente

estudo, principalmente no que se refere à ordenação política do cotidiano no

contexto da vida cotidiana, consciente ou não, é o resultado de uma escolha: a de

ser ou não dialógico, de ser progressista. Uma escolha que exige de cada um de

nós a busca pela coerência tão difundida por Paulo Freire, pois, se escolhemos

trabalhar em prol da ação dialógica, da colaboração, união, organização e síntese

cultural do povo e dos nossos alunos, razão maior da existência da escola, temos de

nos esforçar para aumentar, o quanto pudermos, a unicidade entre pensamento e

ação.

E por fim, reacendo o debate em torno da questão dos cursos de pedagogia

reduzidos à docência, posso acreditar que tal princípio reafirma também a

separação entre trabalho pedagógico (especialista) e trabalho docente (docência).

Acaso não seria esse o ponto para qualificar ainda mais o trabalho do coordenador

pedagógico como organizador da atividade pedagógica e educativa da e na escola?

E quanto às projeções futuras, apoiada numa provocação feita por Duarte

(2007) alio-me ao seguinte questionamento para posteriores respostas: Podemos

considerar a relação entre educação escolar e prática social do indivíduo como

sinônimo da relação entre educação escolar e vida cotidiana do indivíduo?

Page 152: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aguiar, M. Â. A reforma da Educação Básica e as condições materiais das escolas. In: M. Â. Aguiar, Retrato da Escola no Brasil (pp. 119-139). Brasília: CNTE, 2004

Alarcão, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva (6ª ed.). São Paulo: Cortez Editora, 2008

Almeida, L. R. O coordenador pedagógico e questões de contemporaneidade (2ª ed.). São Paulo: Edições Loyola, 2007 André, Marli E.D.A e Vieira, Marili M. Silva da. O coordenador pedagógico e a questão dos saberes. In: Placco, V.M.N.S e Almeida, L. R (org.). O coordenador pedagógico e a questão da contemporaneidade. (PP. 11-24) São Paulo: Edições Loyola, 2007

Apple, Michael & Beane, Jame. O argumento por escolas democráticas. In: M. A. Beane, Escolas Democráticas (2ª ed., pp. 7-40). São Paulo: Cortez, 2001 Arroyo, Miguel G. Imagens Quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007

Bogdan, R. C.; Biklen, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994

Bruno,E.B.G et al. O coordenador pedagógico e a formação docente (7ª ed.). São Paulo: Edições Loyola, 2006

Carvalho, Ademar. L. O imaginário e a ausência. In: Costa, W.A (org.) Estigma e diferenças na Educação: a necessidade de uma educação inclusiva. Cuiabá, 2007.

________.Os caminhos perversos da educação: a luta pela apropriação do conhecimento no cotidiano da sala de aula. Cuiabá: EdUFMT, 2005

________.O Projeto Político Pedagógico: A Concepção do Coordenador. (pág. 135 – 151) Anped- Centro Oeste. Brasília, 2008. CD

Contreras, Domingos J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 1990

Danilo R.Streck e Euclides Redin, J. J. Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

Duarte, N. Educação Escolar, Teoria do cotidiano e a Escola de Vigotski (4ª ed.). Campinas:São Paulo: Autores Associados, 2007

Ferreira, N. S. Supervisão Educacional para uma escola de qualidade (4ª ed.).

São Paulo: Cortez Editora, 2003

Freire, P. Educação como prática da liberdade (18ª ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983

_________ . Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987

Page 153: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

151

________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998

________ . Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido (7ª ed.). São Paulo: Paz e Terra, 2000

Gadotti, M. Concepção Dialética da Educação: Um estudo introdutório (14ª ed.). São Paulo: Cortez, 2003

_________ . Educação e poder: Introdução à pedagogia do conflito (11ª ed.). São Paulo: Cortez Editora, 1998 _________ . Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. São Paulo: Cortez, 2002

Garcia, C. M. Formação de Professores: Para uma mudança educativa. In: C. M. Garcia, Formação de professores:Para uma mudança educativa (I. Narciso, Trad., pp. 137-145). Porto, Portugal: Porto, 1995

Giroux, H. A. Os professores como intelectuais: Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto alegre: Artes Médicas, 1997 Goméz, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: A formação do professor como profissional reflexivo. In: Nóvoa, Antonio. Os professores e a sua formação. (PP.95-113). Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1992

Gramsci, A. Os intelectuais e a organização da cultura (9ª ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995 Guareschi, Pedrinho. Empoderamento. In: Streck, Danilo (Coord). Dicionário Paulo Freire. (PP 165-166).Belo Horizonte: Autêntica, 2008 Heller, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução Carlos Coutinho e Leandro Konder. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008 Instrução Normativa 002/95/SEE/MT Instrução Normativa 006/95/SEDUC/MT Instrução Normativa 001/96/SEDUC/MT

Japiassu, H. Nascimento das ciências Humanas. In: H. Japiassu, A pedagogia das Incertezas (pp. 99-130). Rio de Janeiro: Imago, 1983

Kosik, K. A Praxis. In: K. Kosik, Dialética do Concreto (2ª ed., pp. 217-248). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

________. O mundo da pseudoconcreticidade e a sua destruição. In: K. Kosik, Dialética do Concreto (2ª ed., pp. 13-39). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

Libâneo, J. C. Pedagogia e Pedagogos, para quê? (8ª ed.). São Paulo: Cortez, 2005 _________ e Pimenta, Selma Garrido. Formação dos profissionais da educação: Visão crítica e perspectivas de mudança. In: Pimenta, Selma Garrido (Org.). Pedagogia e pedagogos: Caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2006

Lima, L. C. A escola como organização educativa:Uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez, 2001

Lück, H. Concepções e processos Democráticos de Gestão Educacional (Vol. II). Rio de Janeiro: Vozes, 2006

Page 154: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

152

_______ . Gestão Educacional (Vol. I). Rio de Janeiro: Vozes, 2006 Lüdke, M.; André, M.E.D.A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Epu, 1986 MacLaren, P. Pedagogia Crítica:Uma visão geral. In: P. MacLaren, A vida nas Escolas: Uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da Educação (L. P. zimmer, Trad., 2ª ed., pp. 189-225). Porto Alegre: Artes Médicas, 1997 Mate, Cecilia H. O coordenador pedagógico e as reformas pedagógicas. In:Bruno e Et All,O coordenador pedagógico e a formação docente.7ª Ed (p.71-76),São Paulo: Edições Loyolas, 2006 Nóvoa, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In: Os professores e a sua formação. (p. 15 – 33) Lisboa: publicações Dom Quixote, 1992

Paro, V. H. Educação como exercício do poder: Crítica ao senso comum em educação. São Paulo: Cortez, 2008

_________ . Gestão escolar,democracia e qualidade de ensino. São Paulo: Ática, 2007

Pimenta, S. G. De professores, pesquisa e didática. São Paulo: Papirus, 2002 Placco, V. M. O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola (4ª ed.). São

Paulo: Edições Loyola, 2006 Rangel, Mary (org). Supervisão Pedagógica:Princípios e práticas (5ª ed.). São

Paulo: Papirus, 2001 __________. Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação. In: Supervisão Educacional para uma escola de qualidade. Ferreira, Naura S. C. (org.). 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2003 Rosa, Maria V.F.P. C & Arnoldi, Marlene A.G.C. A entrevista na pesquisa qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

Sacristan,J. Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: A. Nóvoa. Profissão Professor (I. L. Mendes, Trad., pp. 63-88). Porto, Portugal: Porto, 1995 Saviani, D. Escola e Democracia (13ª ed.). São Paulo: Cortez, 1986 __________. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da ideia. In: Supervisão Educacional para uma escola de qualidade. Ferreira, Naura S. C. (org.). ( 4ª Ed.pp. 13-38) São Paulo: Cortez, 2003 ________________. Pedagogia Histórico-Crítica:primeiras aproximações. 2ª Ed. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1991

Silva, N. S. Supervisão Educacional: Uma reflexão crítica (12ª ed.). Petrópolis:

Vozes, 1987

Vasconcellos, C. D. Coordenação do Trabalho pedagógico: Do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula (7ª ed.). São Paulo: Libertad, 2006

Veiga, Ilma Passos A. (org.). Projeto Político-pedagógico da Escola: Uma construção possível. São Paulo: Papirus, 1995

Page 155: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

153

________. Inovações e Projeto Político-Pedagógico: Uma relação regulatória ou

emancipatória. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dezembro 2003. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> Wolfdietrich, Shmied-Kowarzik. Pedagogia dialética de Aristóteles a Paulo Freire. Brasiliense. 1983

Page 156: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 157: O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA ORDENAÇÃO POLÍTICA DO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp130506.pdf · papel do coordenador pedagógico, bem como saber-se qual ordenação

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo