o exercício das responsabilidades parentais por terceiros exercicio... · À minha irmã, ana,...

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  • O exerccio das responsabilidades parentais por terceiros

    Orientadora: Doutora Sandra Passinhas

    Dissertao apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no mbito do

    2. Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Especialidade em

    Cincias Jurdico-Forenses

    Rita Isabel Batista Barbosa

    Coimbra, 2016

  • 1

    Agradecimentos

    Coimbra, ai quem me dera

    Parar o tempo e ficar...

    Nos teus braos vejo o Mundo

    In Illo Tempore

    Aos meus pais a quem devo, mais do que a vida, tudo aquilo que sou e tudo aquilo que serei.

    Me, Pai, meus alicerces, obrigada por nunca me deixarem desanimar e por estarem sempre

    do meu lado. S com vocs faz todo o sentido celebrar conquistas, ultrapassar obstculos e

    realizar sonhos.

    minha irm, Ana, companheira de sempre e para sempre, a minha guia, o meu exemplo a

    seguir. Obrigada por nunca me abandonares, este percurso no teria sido igual se no te

    tivesse comigo em todos os momentos.

    Ao Tiago, pelo otimismo e pela motivao nos momentos mais crticos, pelo carinho e pela

    cumplicidade. Obrigada por me confortares e me fazeres acreditar sempre.

    Aos meus amigos, cujos nomes me escuso a mencionar pois eles sabem quem so, pelo

    incentivo, pela disponibilidade e pela amizade de todos os dias e todos os momentos.

    Doutora Sandra Passinhas, minha orientadora, pela disponibilidade, pelos conselhos e pela

    inspirao para a elaborao desta dissertao.

  • 2

    Resumo

    A presente dissertao surge com o intuito de estudar as vrias situaes em que, ao contrrio

    do que seria ideal e desejvel do ponto de vista do desenvolvimento equilibrado e feliz dos

    filhos, o exerccio das responsabilidades parentais compete no a ambos os progenitores,

    mas sim, por razes vrias, a terceira pessoa. E esta pode ser um familiar (v.g., av/av,

    tio/tia), uma instituio ou outra pessoa/casal (v.g., candidato a adotante ou a padrinho

    civil). Esta uma rea que tem sofrido alteraes ao longo do tempo, em parte devido

    consciencializao da realidade de tantas crianas e jovens que crescem afastadas do calor

    de um pai e de uma me e que, nesse sentido, exigem uma maior e mais eficaz proteo.

    Esta possibilidade de um terceiro vir a exercer as responsabilidades parentais em relao a

    uma criana ou jovem, corresponde ao facto de a existncia de laos biolgicos nem sempre

    corresponder capacidade parental e, por isso, nestes casos, o crescimento das crianas e

    jovens, alheios a essa incapacidade, encontra-se numa situao de perigo e, como tal, no se

    pode permitir o seu comprometimento.

    Para tal, o nosso legislador tem munido o ordenamento jurdico portugus com os meios

    necessrios para atingir essa meta. O principal objetivo desta dissertao a anlise do

    regime do art. 1907. do CC, passando pelas diversas medidas previstas na Lei de Proteo

    de Crianas e Jovens em Perigo e, finalmente, o recente e virtuoso instituto do

    apadrinhamento civil.

    Concluda essa tarefa, aponta-se que, mesmo que o caminho se faa caminhando1, h muito

    para fazer. Por um lado, o nmero de crianas e jovens institucionalizados ainda muito

    elevado e, depois, por outro lado, muitos so os candidatos a adotantes, mas o reduzido

    nmero de adoes realizadas no acompanha essa realidade. No mesmo sentido, o instituto

    do apadrinhamento civil ainda no conseguiu ter a aplicao que foi idealizada, mas isso no

    pode constituir motivo de desnimo: a semente de hoje ser o fruto de amanh.

    Palavras-chave: Superior Interesse do Menor, Exerccio das Responsabilidades Parentais

    por Terceiros, Perigo, Promoo e Proteo de Crianas e Jovens, Apadrinhamento civil.

    1 Se hace camino al andar. Verso do poema Proverbios y cantares de Antnio Machado.

  • 3

    Abreviaturas

    AA.VV. Autores Vrios

    Al(s). Alnea (s)

    Art(s). Artigo (s)

    CASA - Caracterizao Anual da Situao de Acolhimento das Crianas e Jovens

    CC Cdigo Civil

    CEJ Centro de Estudos Judicirios

    Cfr. - Confirmar

    CPCJ Comisso de Proteo de Crianas e Jovens

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    DL Decreto-lei

    I.e. Isto

    LAC Lei do Apadrinhamento Civil (Lei n. 103/2009, de 11 de setembro e alterada pela

    Lei n. 141/2015, de 8 de setembro)

    LPCJP - Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo (Aprovada pelo DL n. 147/99, de

    01 de setembro e sucessivas alteraes)

    Ob. Cit. Obra citada

    OTM Organizao Tutelar de Menores (Aprovada pelo DL n. 314/78, de 27 de Outubro

    e revogada pela Lei n. 141/2015, de 8 de setembro)

    TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

    V.g. Verbi gratia

  • 4

    ndice

    INTRODUO .................................................................................................................... 6

    PARTE I - EXERCCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ....................... 9

    1. Exerccio das responsabilidades parentais na constncia do matrimnio e quando a

    filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivam em condies

    anlogas s dos cnjuges ....................................................................................................... 9

    2. Exerccio das responsabilidades parentais fora da constncia do matrimnio ou quando a

    filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no vivem em

    condies anlogas s dos cnjuges .................................................................................... 12

    3. Exerccio das responsabilidades parentais por um dos progenitores ............................... 15

    3.1. Impedimento de um dos pais .................................................................................... 15

    3.2. Morte de um dos progenitores .................................................................................. 17

    3.3. Filiao estabelecida apenas quanto a um dos progenitores ..................................... 17

    PARTE II - EXERCCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS POR

    TERCEIROS ...................................................................................................................... 19

    1. Regime do art. 1907. do Cdigo Civil ............................................................................ 21

    2. Regime da Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo .......................................... 24

    2.1. Medidas de promoo e proteo na LPCJP ............................................................ 27

    2.2. Processo nas CPCJ .................................................................................................... 30

    2.3. Procedimentos de urgncia ....................................................................................... 31

    2.4. Processo judicial de promoo e proteo ................................................................ 32

    2.5. Durao, reviso e cessao da medida .................................................................... 33

    3. Regime jurdico do apadrinhamento civil ........................................................................ 35

    3.1. O afilhado ..................................................................................................................... 40

  • 5

    3.2. O padrinho .................................................................................................................... 43

    3.3. Processo de constituio da relao de apadrinhamento civil ...................................... 47

    3.3.1. Iniciativa ................................................................................................................ 47

    3.3.2. Designao e habilitao dos padrinhos ................................................................ 48

    3.3.3. Constituio ........................................................................................................... 53

    3.4. Dinmica da relao de apadrinhamento ...................................................................... 54

    3.5. Modificaes da relao de apadrinhamento ................................................................ 55

    CONCLUSO .................................................................................................................... 57

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 60

    Monografias, publicaes peridicas e e-books: ................................................................. 60

    Jurisprudncia ...................................................................................................................... 63

    Outras fontes ........................................................................................................................ 64

  • 6

    Introduo

    O exerccio das responsabilidades parentais termo inserido na alterao ao Cdigo Civil,

    operada pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, sintomtico do entendimento do

    compromisso dirio dos pais para com as necessidades fsicas, emocionais e intelectuais

    dos/as filhos/as e est de acordo com o princpio da igualdade, no discriminando ou

    excluindo as mes, com a designao poder paternal2 corresponde ao efeito mais

    proeminente do estabelecimento da filiao que, nos termos do art. 1878. do CC, consiste

    numa verdadeira obrigao dos pais de alimentarem e proverem segurana e sade,

    educao, sustento, representao e administrao dos bens dos seus filhos, mesmo que

    ainda nascituros. Ou seja, engloba poderes/deveres quer quanto s pessoas quer quanto ao

    patrimnio dos filhos menores, tendo sempre ou quase sempre como fito a realizao do

    superior interesse destes, suprimindo a incapacidade de exerccio de direitos por parte da

    criana3, tendo, portanto, um carcter altrusta, sendo o prprio Cdigo Civil que, no seu art.

    1874., reconhece que a filiao no estabelecida apenas no interesse dos filhos, mas

    tambm no interesse dos pais, mediante a previso de deveres mtuos entre pais e filhos de

    respeito, auxlio e assistncia. Acontece, porm, que no contexto da relao e, tendo em

    conta a especial vulnerabilidade dos filhos durante esse perodo da sua vida [a menoridade],

    os deveres dos pais apresentam uma maior densidade4.

    A consagrao desta obrigao de tamanha importncia que vem inclusivamente prevista

    na Constituio da Repblica Portuguesa.

    O seu art. 36., n. 5, consagra como princpio geral a igualdade dos pais na educao dos

    filhos e, neste sentido, independentemente da relao familiar que une os progenitores

    (matrimnio, unio de facto ou mesmo numa situao de ausncia de coabitao) e mesmo

    2 Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulao do exerccio das responsabilidades parentais nos casos de

    divrcio, 6. ed., Almedina, 2014, pg. 280. Tambm Jorge Duarte Pinheiro defende que esta alterao

    procurou afastar a ideia de que os filhos menores esto ao dispor dos pais; e de que os cuidados incumbem ao

    pai (pater). Cfr. Jorge Duarte PINHEIRO, As crianas, as responsabilidades parentais e as fantasias dos

    adultos, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, pg. 535. 3 Art. 124. do CC. 4 Rosa MARTINS, Responsabilidades Parentais no Sc. XXI: A tenso entre o direito de participao da

    criana e a funo educativa dos pais, in Lex familiae, Ano 5, n. 10, julho-dezembro 2008, pg. 40.

  • 7

    numa situao de dissociao familiar, o exerccio das responsabilidades parentais

    exercido em conjunto por ambos.

    Tal como se depreende do art. 1882. do CC, aos pais est vedada a possibilidade de

    renunciar s responsabilidades parentais, pelo menos no lapso temporal5 que medeia o

    nascimento ou o estabelecimento da filiao e a maioridade6 ou a emancipao7.

    Excecionalmente pode-se prolongar, na medida em que seja razovel8, enquanto os filhos

    maiores ou emancipados estejam a terminar a sua formao escolar.

    Em virtude da alterao introduzida pela Lei n. 122/2015, de 1 de setembro9, com entrada

    em vigor a 1 de outubro de 2015, foi aditado o n. 2 ao art. 1905. do CC, que passou a prever

    para efeitos do art. 1880. do CC, respeitante s despesas com filhos maiores ou

    emancipados, a manuteno para depois da maioridade e at que o filho complete 25 anos

    de idade e se encontre em formao profissional, da penso fixada em seu benefcio durante

    a menoridade, exceto se o processo de educao ou formao profissional do filho se

    concluir antes dessa data, se tiver sido livremente interrompido ou se o obrigado prestao

    de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua existncia.

    A regra, na constncia do matrimnio, a da presuno do exerccio em comum das

    responsabilidades parentais (art. 1901. do CC). Numa situao de separao de facto, a par

    do que acontece em caso de divrcio em virtude da remisso do art. 1909. do CC para os

    arts. 1905. a 1908. do mesmo Cdigo, as questes de particular importncia so decididas

    por ambos os progenitores. Por seu turno, as questes relativas aos atos da vida corrente do

    filho cabem ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem

    se encontre temporariamente.

    Ainda assim, o aumento do nmero de divrcios e outras razes ponderosas resultantes do

    respeito pelo superior interesse da criana, revelam que, na prtica, nem sempre so os

    progenitores que exercem as responsabilidades parentais. Desde logo, com a alterao

    introduzida pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro cujo objetivo foi garantir um maior

    5 Art. 1877. do CC. 6 Arts. 122. e 130. do CC 7 Arts. 132. e 133. do CC 8 Art. 1880. do CC 9 Disponvel em:

    http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2421&tabela=leis&ficha=1&pagina=1& e

    consultado a 31 de dezembro de 2015.

    http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2421&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&

  • 8

    envolvimento dos pais na vida dos filhos o nosso legislador, no art. 1907. do CC,

    consagrou a possibilidade de, por acordo ou mediante deciso judicial ou por verificao de

    alguma das circunstncias do art. 1918. do CC, o filho pode ser confiado a terceira pessoa

    e a esta a quem cabem os poderes e deveres dos pais.

    No acrdo datado de 04 de fevereiro de 201010, o Supremo Tribunal de Justia concluiu

    que por mais que aceitemos a existncia de como um direito subjetivo dos pais a terem

    os filhos consigo, no entanto o denominado interesse superior da criana conceito

    abstrato a preencher face a cada caso concreto que deve estar acima de tudo. Se esse

    interesse subjetivo dos pais no coincide com o interesse superior do menor, no h

    outro remdio seno seguir este ltimo interesse.

    Neste sentido e uma vez que este estudo tem como objetivo especfico a anlise do exerccio

    das responsabilidades parentais a cargo de terceiros, debruar-nos-emos, na parte II, sobre o

    regime previsto no art. 1907. do CC, das medidas de promoo e proteo das crianas e

    dos jovens envolvidos em situaes que constituam perigo para a sua segurana, sade,

    formao, educao ou desenvolvimento, tal como vem previsto LPCJP e, finalmente, de

    forma especial, sobre o regime do apadrinhamento civil introduzido no nosso sistema

    jurdico no ano de 2009.

    10 Todas as decises judiciais que se mencionam no texto esto disponveis em http://www.dgsi.pt/ data de

    31 de dezembro de 2015.

    http://www.dgsi.pt/

  • 9

    Parte I

    Exerccio das responsabilidades parentais

    1. Exerccio das responsabilidades parentais na constncia do matrimnio e quando a

    filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivam em

    condies anlogas s dos cnjuges

    O princpio da igualdade entre os cnjuges, previsto no art. 1671. do CC, acaba tambm por

    se refletir no exerccio das responsabilidades parentais e, desse modo, no contexto do

    casamento e nos casos em que a filiao se encontra estabelecida em relao a ambos os

    progenitores que vivam em condies anlogas s dos cnjuges, como o caso da unio de

    facto, o exerccio das responsabilidades parentais compete igualitariamente a ambos os

    progenitores e de comum acordo (arts. 1901., n.s 1 e 2, e 1911. do CC).

    A igualdade dos progenitores est consagrada em legislao supranacional, como o caso

    da Conveno dos Direitos da Criana11 e dos princpios europeus do direito da famlia em

    matria de responsabilidades parentais12.

    Quanto s situaes urgentes, o legislador foi omisso, ao contrrio do que fez no art. 1906.

    do CC. Esta omisso no pode ser entendida como inteno do legislador em no permitir a

    possibilidade de exerccio apenas por um dos progenitores casados e demais situaes ali

    tratadas, pois se o permite aos pais quando estes no sejam casados nem vivam em

    condies anlogas s dos cnjuges, por maioria de razo teria de permitir aos pais que

    vivam nestas [naquelas] condies pois at de esperar que, no seio de um casamento, haja

    um maior consenso nas solues a adotar. Parece-nos que o legislador simplesmente no

    previu a possibilidade de no estarem ambos os pais disponveis para prestar o

    consentimento quando estes sejam casados, uma vez que normalmente vivem sob o mesmo

    teto13.

    11 Art. 18., n. 1. 12 Princpio 3:11. 13 Hugo Manuel Leite RODRIGUES, Questes de particular importncia no exerccio das responsabilidades

    parentais, 1. ed., Coimbra Editora, 2011, pg. 90.

  • 10

    O n. 2 do art. 1901. do CC prev, na sua parte final, que perante desacordos pontuais sobre

    questes de particular importncia para a vida do menor, qualquer dos progenitores pode

    submeter, excecional e subsidiariamente, ao tribunal14 a resoluo do desacordo, que

    procurar primeiramente a conciliao e, na eventualidade de esta no ser possvel, o tribunal

    decidir, podendo ouvir o menor antes de decidir15. Esta soluo est em consonncia com

    a ideia do menor como titular de direitos e como pessoa que se vai desenvolvendo e

    autonomizando16.

    Pese embora tenha sido vontade do legislador atribuir um mbito restrito ao conceito de

    questes de particular importncia, pois a soluo contrria resultaria num constante

    impasse para a vida do menor e comprometedora da exequibilidade deste regime, a lei no

    prev uma definio e na Exposio de Motivos do Projeto de Lei n. 509/X, que esteve na

    origem da Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, afirma-se inclusivamente que caber

    jurisprudncia e doutrina definir este mbito, esperando que estes assuntos se resumam a

    questes existenciais graves e raras17. De facto, a doutrina logrou j um elenco de situaes

    que integram sempre questes de particular importncia. o caso de intervenes cirrgicas

    de relativa gravidade, exerccio de uma atividade laboral por parte do jovem ou criana (v.g.,

    publicidade, produo de filmes), opo pelo ensino pblico ou privado18, localizao do

    14 Este processo de recurso ao tribunal j se encontrava previsto no art. 184. da OTM, agora revogada pela Lei

    n. 141/2015, de 8 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cvel), a qual prev o recurso aos tribunais

    em caso de diferendo relativamente a questes de particular importncia no seu art. 44., disponvel em:

    https://dre.pt/application/file/70215156 e consultado a 31 de dezembro de 2015. 15 Em virtude da alterao operada pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, a possibilidade de audio do menor

    deixou de estar condicionada idade mnima de catorze anos, deixando ao juiz a ponderao da convenincia

    ou inconvenincia da audio do menor em funo das circunstncias do caso concreto. Com efeito, o Regime

    Geral do Processo Tutelar Cvel prev a audio da criana com idade superior a 12 anos ou com idade inferior,

    mas com capacidade de compreenso dos assuntos em discusso, tendo em conta a sua idade e maturidade, nos

    termos dos seus arts. 4., al. c) e 5.. 16 Rita Lobo XAVIER, Recentes alteraes ao regime jurdico do divrcio e das responsabilidades

    parentais: Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, Almedina, 2009, pg. 64. 17 Exposio de motivos do Projeto de Lei n. 509/X apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido

    Socialista, p. 15, disponvel em

    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67

    774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331

    594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 18 A ttulo de exemplo acerca da qualificao da escolha pelo ensino pblico ou pelo ensino privado como

    questo de particular importncia, o entendimento do acrdo do Tribunal da Relao de vora de 19 de junho

    de 2008 (Proc. 1469/08-2), o de que a inscrio e matrcula em estabelecimento de ensino pblico constitui,

    em princpio, ato de importncia normal que, se praticado apenas por um dos progenitores, beneficia da

    presuno de acordo do outro e, por outro lado, a inscrio e matrcula em estabelecimento de ensino

    particular constitui, ao invs, ato de particular importncia que, se praticado apenas por um dos progenitores

    no beneficia dessa presuno de acordo.

    https://dre.pt/application/file/70215156http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true

  • 11

    centro de vida, sobretudo se implicar uma mudana geogrfica para local distante19,

    celebrao de casamento, exerccio do direito de queixa, etc..

    Conclui-se, com facilidade, que questes de particular importncia constitui um conceito

    indeterminado, causador de dificuldades sua aplicao prtica pois este conjunto de

    questes de particular importncia variar consoante o caso concreto e as caractersticas

    particulares de cada menor. Neste pressuposto, entende-se que um menor com necessidades

    especiais, v.g., a nvel da sade, o conjunto de questes consideradas como de particular

    importncia ser mais alargado que o da generalidade das crianas.

    Na eventualidade de apenas um dos progenitores praticar um ato que integre o exerccio das

    responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo no caso de a

    lei exigir o consentimento de ambos ou se trate de ato de particular importncia, situao

    que torna a atuao individual como ilegtima e no oponvel a terceiro de boa f, exceto

    se no for possvel presumir a aquiescncia do outro progenitor ou se o terceiro conhecer a

    oposio deste20. Trata-se de uma presuno ilidvel que admite prova em contrrio a cargo

    do progenitor que no deu o seu consentimento.

    A previso desta presuno j remonta alterao dada ao Cdigo Civil pelo Decreto-Lei

    n. 496/77, de 25 de novembro, que se manteve inalterada depois da reviso de 2008,

    procurando evitar que a vida do menor fique em suspenso devido s diferentes

    disponibilidades dos progenitores e garantir que estes tenham confiana em que o outro aja

    da maneira que ambos agiriam.

    Hugo Rodrigues discorda desta argumentao defendendo que a opo pelo ensino privado como a opo

    pelo ensino pblico so questes de particular importncia. So questes que no se enquadram nas decises

    quotidiana e sem relevo fundamental para a vida futura do menor. Cfr. Hugo Manuel RODRIGUES, Ob. Cit.,

    pg. 154 e tambm Helena Gomes de MELO et al., Poder paternal e responsabilidades parentais, 2. ed., Quid

    Juris, 2010, pg. 146. 19 Acrdo da Relao de Lisboa de 14 de julho de 2011, Proc. 8395/10.1TBCSC.L1-7: A retirada do menor

    da convivncia com a me com quem residia e o seu afastamento para o outro pas constitui necessariamente

    uma questo de particular importncia. () A deciso unilateral do requerido, de retirar o menor da

    convivncia da me com quem este residia em Inglaterra, trazendo-o para Portugal para aqui passar a residir

    consigo, contra a vontade da me, necessariamente ilcita, por violadora do n. 2 do art. 1901. do CC.

    Tambm neste sentido, o acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 28 de setembro de 2010, Proc.

    870/09.7TBCTB.C1.S1, afirma que, mesmo quando a criana est confiada a um dos progenitores, a definio

    do local de residncia do filho impe a participao do progenitor que no tem a guarda. 20 Art. 1902. do CC.

  • 12

    2. Exerccio das responsabilidades parentais fora da constncia do matrimnio ou

    quando a filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no

    vivem em condies anlogas s dos cnjuges

    A Exposio de Motivos que acompanhou o Projeto de Lei da reforma operada pela Lei n.

    61/2008, de 31 de outubro, chama a ateno para um conjunto de transformaes na

    sociedade portuguesa a partir do incio dos anos 80, considerando que a realizao pessoal,

    no plano do casamento, traduz-se na valorizao das relaes afetivas em detrimento das

    imposies institucionais e na aposta no bem-estar individual como condio necessria para

    o bem-estar familiar.21

    Neste sentido, o legislador pretendeu dar a mo quele cnjuge que permanece casado contra

    a sua vontade e, assim, se este considerar que a manuteno da vida conjugal se tornou

    insustentvel e que a esperana mesmo sendo a ltima a morrer de reconciliao

    muito remota, ele deve pr termo relao conjugal.

    Associada a esta evoluo legislativa e evoluo social surge a diversidade de razes que

    levam os progenitores de um menor a cessar a vida marital, mas, como observam Helena

    Gomes de Melo e outros autores, esta circunstncia no pode nem deve traduzir-se numa

    separao dos filhos.22

    Posto isto, tendo como princpio vetor que o desenvolvimento harmonioso da criana

    depende de ambos os progenitores e que as relaes paterno-filiais se situam num nvel

    diferente do das relaes conjugais, o regime da Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro prev o

    ideal dois pais no casamento, dois pais no divrcio23, de modo que o art. 1906. do CC

    estabelece que, no que respeita a questes de particular importncia, a regra a do exerccio

    conjunto das responsabilidades parentais, abolindo as referncias explcitas e diretas a um

    poder paternal/maternal nitidamente identificador de um gnero predominante24, exceto

    21 Exposio de motivos do Projeto de Lei n. 509/X apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido

    Socialista, pg. 2, disponvel em

    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67

    774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331

    594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 22 Helena Gomes de MELO et al., Ob. Cit., pg. 139. 23 Jorge Duarte PINHEIRO, Ob. Cit., pg. 537. 24 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 28 de junho de 2012, Proc. 33/12.4TBBRR.L1-8.

    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true

  • 13

    quando, por juzo fundamentado do tribunal, existirem razes ponderosas para julgar que

    esse exerccio em comum contrrio aos interesses do filho, situao em que o exerccio

    atribudo em exclusivo a um dos progenitores25 (art. 1906., n. 2 do CC).

    A previso deste regime prende-se com a necessidade de co-responsabilizar e co-envolver

    ambos os progenitores na vida e educao da criana, acompanhando o seu desenvolvimento

    e crescimento. Deste modo, o que tambm se salvaguarda a proteo dos direitos da criana,

    sobretudo o da convivncia com o seu pai e a sua me, impedindo o afastamento de um deles

    da vida da criana26.

    Os atos de urgncia manifesta podem ser exercidos por qualquer dos progenitores sozinho,

    prestando informaes ao outro progenitor assim que for possvel (art. 1906., n. 1, in fine

    do CC). Esta exceo remete para situaes cuja principal caracterstica consiste, justamente,

    na urgncia e, nesse sentido, no so compaginveis com demora na execuo, entendendo-

    se como tal aquelas que, de forma evidente para a generalidade das pessoas, configuram

    situaes que no admitem qualquer adiamento ou compasso de espera27, seja por

    impossibilidade de contactar o outro progenitor para obter o seu acordo ou por ausncia de

    tempo necessrio para recorrer ao tribunal para resoluo do diferendo.

    Relativamente aos atos da vida corrente, isto , atos que se relacionam com o quotidiano do

    menor e, por isso, iniciativas de pouca importncia, frequentes e de deciso rpida28 (v.g.,

    tipo de alimentao, ocupao dos tempos livres, higiene diria, vesturio, uso do telemvel,

    etc.), o exerccio das responsabilidades parentais relativas a estes atos cabe ao progenitor

    com quem ele reside habitualmente (por ser com este com quem o menor mantm uma

    relao de maior proximidade) ou cabe ao progenitor com quem o menor se encontre

    temporariamente no decurso do perodo de visita, com a ressalva de que este no deve

    contrariar as orientaes educativas definidas pelo outro, em razo da estabilidade do prprio

    filho (n. 3 do artigo supra referido).

    25 Veja-se o que diz no sumrio do acrdo da Relao de Lisboa de 02 de dezembro de 2010, Proc.

    526/08.8TBBRR.L1-8: I O critrio concreto a ter em conta na deciso de atribuir ou repartir o exerccio das

    responsabilidades parentais o que garante o desenvolvimento harmonioso da criana ou jovem, tendo em

    conta as necessidades bem como a capacidades dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no

    meio comunitrio que os envolve. 26 Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 28 de setembro de 2010, Proc. 870/09.7TBCTB.C1.S1. 27 Helena Gomes de MELO et al., Ob. Cit., pg. 154. 28 Acrdo do Tribunal da Relao de vora de 19 de junho de 2008, Proc. 1469/08-2 e acrdo do Tribunal

    da Relao de Coimbra de 18 de outubro de 2011, Proc. 626/09.7TMCBR.C1.

  • 14

    O n. 4 deste normativo prev a possibilidade de o progenitor a quem cabe o exerccio das

    responsabilidades parentais relativas a estes atos poder exerc-las por si ou delegar o seu

    exerccio. Com esta opo o legislador pretendeu permitir que, por exemplo, quando o

    progenitor a quem cabe o exerccio das responsabilidades relativas a atos da vida corrente se

    encontra momentaneamente ausente por razes de ordem profissional e a criana ficar aos

    cuidados de uma ama ou de um familiar, estas pessoas possam exercer as responsabilidades

    parentais relativas a estes atos e a tomar as decises que lhes so inerentes. Guilherme de

    Oliveira refere que esta delegao pretende firmar a importncia do papel educativo

    assumido pelos padrastos e madrastas em situaes de reconstituio familiar29 que, em

    grande parte dos casos, desempenham papis fundamentais no cuidado, educao e formao

    das crianas. Abre-se, assim, uma janela para as novas formas de famlia.

    O mais desejvel, perante a dissoluo conjugal, ser a existncia de acordo entre os

    progenitores pois isso indiciar que estes o vo cumprir, a priori. Quando no for possvel

    atingir este acordo, as sentenas de regulao do exerccio das responsabilidades parentais

    no devem limitar-se a reproduzir a letra da lei do art. 1906. do CC em virtude do seu

    carcter imperativo, devendo, por outro lado, estabelecer que questes, no caso concreto

    daquela famlia e criana, so entendidas como de particular importncia, visto que

    praticamente impossvel a enumerao cabal destas questes.

    O art. 1909. do CC prev a aplicao deste regime (o dos arts. 1905. a 1908. do CC) para

    as situaes em que os casais, no obstante ainda se encontrarem casados, esto separados

    de facto. Em rigor, nesta situao, o regime a aplicar deveria ser o dos arts. 1901. a 1904.

    do CC por o casamento ainda no se encontrar dissolvido. Porm, essa no seria a situao

    mais aconselhvel do ponto de vista formal e, por isso, configura-se como se tivesse ocorrido

    o divrcio30.

    Por seu turno, o art. 1912. do CC remete tambm a aplicao deste regime para os casos em

    que a filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no vivem em

    condies anlogas s dos cnjuges e, desse modo, quanto ao exerccio das

    responsabilidades parentais que carea da atuao comum dos progenitores, aplicam-se os

    29 Guilherme de OLIVEIRA, A nova lei do divrcio, in Revista Lex Familiae, Ano 7, n. 13, janeiro-junho

    2010, pg. 26. 30 Jos Alberto GONZALEZ, Cdigo civil anotado, Vol. V Direito da famlia (artigos 1576. a 2023.),

    Quid Juris, 2014, pg. 340.

  • 15

    arts. 1901. a 1903. do CC e quanto ao demais tudo se passa como se estivessem separados

    de facto e, portanto, aplicam-se as regras dos arts. 1904. a 1908. do CC.

    Maria Clara Sottomayor do entendimento que a atribuio do exerccio das

    responsabilidades me, quando os pais no vivem em unio de facto, confere mais

    estabilidade vida da criana. Uma lei que obriga a me a um acordo com um progenitor

    ausente, para a tomada de decises de particular importncia, torna a mulher e a criana

    dependentes da obteno de um consentimento de um progenitor que no se interessa por

    esta e que tender, ou a no exercer os seus direitos-deveres, criando impasse na organizao

    da vida da famlia monoparental, ou a exerc-los de forma abusiva, como se fosse o

    proprietrio da criana31. Rita Lobo Xavier questiona como se poder acreditar que,

    atravs da imposio legal da partilha das responsabilidades parentais, seja possvel obter

    o envolvimento do progenitor masculino na vida de um filho que, presumivelmente, no quis

    ter e, provavelmente, foi obrigado a reconhecer?32-33

    3. Exerccio das responsabilidades parentais por um dos progenitores

    3.1. Impedimento de um dos pais

    Alm de admitir que apenas um dos progenitores pode praticar um ato que integre as

    responsabilidades parentais, o legislador previu a hiptese de um dos progenitores ou de

    ambos, independentemente de culpa, se encontrarem numa situao que no lhes permita o

    exerccio dessas responsabilidades sobre o seu filho menor.

    31 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 302. 32 Rita Lobo XAVIER, Ob. Cit., pgs. 69-70. 33 Tendo em conta que a relao entre me e filho muito mais forte, em virtude, sobretudo, do processo

    gestacional, do que a relao entre o filho e o progenitor que no coabita com a me nem com a criana, pensa-

    se que deve ter sido por este motivo que o legislador alemo, no 1626 a) do Brgerliches Gesetzbuch (BGB)

    disps que, no sendo os progenitores casados um com o outro, o exerccio das responsabilidades parentais

    pertence a ambos apenas quando o declarem em comum acordo nesse sentido ou quando contraiam casamento.

    Nos restantes casos, o exerccio das responsabilidades parentais cabe em exclusivo me.

  • 16

    Assim, o art. 1903. do CC prev que, quando por ausncia, incapacidade ou outro

    impedimento decretado por tribunal34, o exerccio das responsabilidades parentais caber ao

    outro progenitor35 ou, se tambm este se encontrar impedido, a algum familiar de qualquer

    um dos progenitores, desde que o tenham acordado previamente e com validao legal,

    rectius judicial.

    Em virtude da publicao da Lei n. 137/2015, de 7 de setembro36 - com entrada em vigor a

    1 de outubro de 2015 este preceito foi alterado e, na nova redao, foi acrescentada uma

    ordem preferencial (art. 1903., n. 1, als. a) e b) do CC) a quem caber o exerccio das

    responsabilidades parentais na eventualidade de ambos os progenitores se encontrarem

    impedidos: a) ao cnjuge ou unido de facto de qualquer dos pais; b) a algum da famlia de

    qualquer dos pais. De facto, este regime inovador, mas residual pois, no fundo, uma

    terceira via: necessrio que, face a uma criana, um dos progenitores esteja impedido do

    exerccio das responsabilidades parentais e, nesse sentido, ser ao outro que cabe este

    exerccio, que, agora, se v tambm ele impedido. S nesta situao que o cnjuge ou unido

    de facto, ou qualquer familiar, dos progenitores podem vir junto dos tribunais pugnar por

    uma relao prxima dos pais.

    Ou seja, tal como j tinha acontecido outrora em 2008, o legislador preocupou-se em

    responder aos desafios que vo surgindo no contexto sociofamiliar, atualizando o Cdigo

    Civil, mas sempre com o mesmo objetivo: a satisfao do superior interesse da criana.

    A preocupao desta nova lei a de assegurar a supremacia das relaes que a criana vai

    construindo ao longo da vida e inscreveu o cnjuge ou unido de facto os pais de afeto

    de qualquer dos progenitores por se entender que estas so as pessoas que constroem

    vnculos afetivos mais fortes e duradouros, resultante de um convvio mais regular, nos

    ltimos anos, com a criana.

    34 Ana Sofia Gomes defende entender-se por ausncia como a falta de contacto com o domiclio legal, sem

    que do ausente se saiba parte e a incapacidade pode envolver diversas situaes, v.g., cegueira, alcoolismo,

    toxicodependncia, prodigalidade (desde que no haja uma declarao de inabilitao ou interdio.

    Finalmente, outro impedimento decretado por tribunal refere-se aos previstos no art. 1913. do CC. Cfr. Ana

    Sofia GOMES, Ob. Cit., pgs. 33 e 34. 35 A ttulo de exemplo, no acrdo da Relao de vora de 13 de outubro de 2011 (Proc. 2364/09.1TBSTR.E1),

    decidiu este douto tribunal afastar o regime do exerccio comum das responsabilidades parentais relativas s

    questes de particular importncia, em virtude do pai da criana se encontrar incontactvel e no lhe ser

    conhecido o seu paradeiro, atribuindo o exerccio unilateral dessas responsabilidades me. 36 Disponvel em: https://dre.pt/application/conteudo/70196964 e consultado a 31 de dezembro de 2015.

    https://dre.pt/application/conteudo/70196964

  • 17

    3.2. Morte de um dos progenitores

    Na eventualidade de um dos progenitores falecer, o exerccio das responsabilidades parentais

    ficar a cargo do progenitor sobrevivo. Assim o determina o atual n. 1 do art. 1904. do CC,

    cujo contedo se poderia extrair por extenso em decorrncia do estabelecido no artigo

    1903. do CC.

    O seu n. 2 aditado pela lei supra mencionada remete para a aplicao do n. 1 do art.

    1903. do CC. Isto , na morte de um dos progenitores e se o outro se encontrar impedido,

    tambm nesta situao o cnjuge ou o unido de facto de qualquer dos pais, ou um familiar

    destes, pode requerer que lhe seja atribudo o exerccio das responsabilidades parentais, no

    obstante o tribunal dever ter em conta a disposio testamentria do falecido onde designe

    tutor para a criana, podendo aceitar ou no, mas ter sempre de atender a esta ltima

    vontade do progenitor falecido.

    importante ainda referir o preceituado no art. 1908. do CC, de acordo com o qual, sempre

    que, verificada alguma das hipteses descritas no art. 1918. do CC (perigo para a segurana,

    sade, formao moral e educao do menor), o tribunal pode decidir que, se o progenitor a

    quem o menor foi entregue falecer, a guarda pode no ser automaticamente atribuda ao

    progenitor sobrevivo, devendo designar-se a pessoa a quem o menor ficar provisoriamente

    confiado at a definio da sua situao, atendendo ao seu superior interesse37.

    3.3. Filiao estabelecida apenas quanto a um dos progenitores

    37 Merecedora de louvor a deciso do Tribunal de Famlia e Menores e de Comarca de Cascais, de 6 de julho

    de 2010, na qual se atendeu ao interesse da criana, em detrimento dos ideais biologistas, atribuindo av

    materna a guarda e cuidados da menor, situao que j se verificava desde o seu nascimento, uma vez que a

    sua me falecera cerca de dois anos mais tarde e a convivncia com o pai revelou-se penosa. Cfr. AA.VV.,

    Responsabilidades Parentais, 5. Bienal de Jurisprudncia - Direito da Famlia, Centro de Direito da Famlia,

    Coimbra Editora, 2013, pgs. 34 a 37.

  • 18

    Tal como vem descrito na Exposio de Motivos do Projeto de Lei n. 786/XII38, por maioria

    de razo, este novo regime tambm aplicvel, com as devidas adaptaes, na circunstncia

    de a filiao se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos progenitores. Esta a letra

    do atual art. 1903., n. 2 do CC.

    Em rigor, esta situao j existia uma vez que possvel a adoo dos filhos do cnjuge ou

    do unido facto do adotante (art. 7. da Lei n. 7/2001, de 11 de maio e arts. 1979., n. 2 e

    1980., n. 1 do CC).

    Como fora do casamento39 no se aplica a presuno legal de paternidade (pater is est quem

    nuptiae demonstrant)40, quando a filiao se encontra estabelecida apenas relativamente a

    um dos progenitores, o exerccio das responsabilidades parentais cabe, obviamente, ao

    progenitor que conhecido41.

    38 Disponvel em:

    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67

    774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67

    324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 39 Mesmo quando a mulher casada pode afastar a entrada em funcionamento da presuno de paternidade,

    nos termos do art. 1832. do CC, declarando que o filho cujo nascimento pretende registar no pertence a quem

    era seu marido no perodo legal da conceo ou no instante do nascimento. Esta situao pretende abranger os

    casos em que, por exemplo, a mulher casada, separada de facto do marido, tem um filho j fora da constncia

    do seu casamento. 40 Art. 1826. do CC 41 Art. 1910. do CC

    http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=true

  • 19

    Parte II

    Exerccio das responsabilidades parentais por terceiros

    Por imposio constitucional art. 36., n. 6 da CRP (garantia de no privao dos filhos)

    s excecionalmente e perante situaes srias devidamente comprovadas que o tribunal

    deve no entregar o filho aos pais, mas sim a terceira pessoa. A realidade mostra-nos que

    nem sempre a procriao biolgica corresponde capacidade para o exerccio de todas as

    responsabilidades inerentes.

    As restries a este direito (dos pais) esto sob reserva da lei, uma vez que a esta que

    compete o estabelecimento dos casos em que os filhos podero ser separados dos pais, ou

    sob reserva de deciso judicial, no caso de se tratar de separao forada. De facto, o Cdigo

    Civil nos seus arts. 1915. (inibio do exerccio das responsabilidades parentais) e 1918.

    (perigo para a segurana, sade, formao moral e educao do filho) determina os casos em

    que o tribunal pode confiar os filhos a terceira pessoa ou a estabelecimento de educao ou

    assistncia.

    Como j se teve oportunidade de referir neste trabalho, o critrio norteador na regulao das

    responsabilidades parentais o superior interesse da criana que, tendo em conta a sua

    natureza e gravidade, pode suplantar o j supramencionado direito subjetivo dos pais para

    o exerccio das responsabilidades parentais42 e, uma vez que a lei tambm no esclarece o

    que entende por interesse superior da criana, tratando-se por isso de um conceito que s em

    concreto se materializa, urge a indicao de critrios objetivos e funcionais para a boa

    deciso da questo. Neste sentido, perante uma situao de ponderao entre o vnculo

    biolgico de parentalidade e a chamada paternidade scio-afetiva, haver que determinar

    com quem que a criana mantm uma relao afetiva mais profunda e quem , para a

    42 Acrdo do TEDH Pontes v. Portugal, n. 19554/09, 75, disponvel para descarregamento em lngua

    portuguesa em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-119146 e consultado a 31 de dezembro de 2015.

    http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-119146

  • 20

    criana, a figura primria de referncia (ou Primary Caretaker43-44), sendo esta aquela com

    quem a criana mantm uma relao afetiva recproca e estvel, quem lhe presta os cuidados,

    que a ama e protege, quem lhe proporciona condies para o seu desenvolvimento fsico e

    psquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda45.

    Ou seja, o desrespeito pela relao afetiva estabelecida entre a criana e a pessoa de

    referncia provoca naquela o dano da separao, gerador de instabilidade, uma vez que

    coloca em perigo a sua sade e desenvolvimento e, por conseguinte, colide com o seu

    superior interesse, sendo, portanto, de evitar. neste sentido que deve ser interpretada a

    noo de perigo prevista no art. 3. da LPCJP, no qual se encontra uma enumerao

    exemplificativa.

    Por exemplo, com o propsito de responder questo relativa ao direito de visita a favor do

    padrinho da menor, com quem estabeleceu uma relao prxima filiao, o acrdo da

    Relao de Coimbra de 20 de junho de 2012 fundamenta que no se extrai da aludida norma

    [o art. 1887.-A do CC], ou de qualquer outra, que distintas relaes, outros afetos, ainda

    que relativos a terceiros, no possam merecer relevo regulatrio no momento da deciso

    incidente sobre o exerccio das responsabilidades parentais nem esta expresso

    (parentais) nos deve afastar desta concluso j que exprime apenas o ncleo e a origem do

    instituto e no fala da felicidade e dos interesses da criana, que tudo dominam46.

    43 Este critrio foi utilizado pela primeira vez pelo Supremo Tribunal de West Virginia (caso Garska v. McCoy,

    68, 278, S.E. 2d, 1981), de acordo com o qual o Primary Caretaker aquele progenitor que tem a

    responsabilidade pelo desempenho inter alia dos seguintes deveres de cuidado e sustento de uma criana: 1)

    preparao e planeamento de refeies; 2) banho, higiene, vesturio; 3) compra, limpeza e cuidado com as

    roupas; 4) cuidados mdicos, incluindo enfermagem e transporte para os mdicos; 5) planos para interao

    social com amigos depois da escola, por exemplo, transportar a criana para a casa dos amigos ou para

    encontros de escuteiros; 6) planeamento de cuidados alternativos, i.e., babysitting, infantrios, etc.; 7) deitar a

    criana na cama noite, atender criana a meio da noite; acord-la de manh; 8) disciplina, i.e., ensino de

    boas maneiras e de hbitos de cuidados pessoais; 9) educao religiosa, moral, social e cultural, etc.; 10) ensino

    de capacidades elementares, i.e., ler, escrever e contar. Disponvel em http://law.justia.com/cases/west-

    virginia/supreme-court/1981/14962-3.html e consultado a 31 de dezembro de 2015. 44 Este foi tambm o critrio que o Tribunal da Relao de Coimbra utilizou recentemente para justificar que,

    hodiernamente, as mulheres assumem uma maior participao no mundo do trabalho e, por isso, ser de afastar

    o critrio da preferncia maternal e aplicar o [critrio] do progenitor que possa assumir o papel de maior

    protetor do filho e seja para ele a figura primria de referncia Primary Caretaker , e/ou que com ele

    mantenha e possa manter uma relao afetiva referencial e propiciadora de um desenvolvimento estvel, so,

    harmonioso, e familiar e socialmente abrangente (critrio da figura primria de referncia). Acrdo do

    Tribunal da Relao de Coimbra de 06 de outubro de 2015, Proc. 3079/12.9TBCSC.C1. 45 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 07 de maio de 2012, Proc. 758/04.8TBVFR-B.P1. 46 Acrdo do Tribunal da Relao de Coimbra de 20 de junho de 2012, Proc. 450/11.7TBTNV.A.C1.

    http://law.justia.com/cases/west-virginia/supreme-court/1981/14962-3.htmlhttp://law.justia.com/cases/west-virginia/supreme-court/1981/14962-3.html

  • 21

    A par disso, Maria Clara Sottomayor relembra que os Tribunais devem ter em conta que as

    crianas no so adultos em miniatura. As crianas, ao contrrio dos adultos, no so capazes

    de lidar com as incertezas da vida atravs da razo. As suas atividades so comandadas pelo

    lado irracional da mente humana47.

    1. Regime do art. 1907. do Cdigo Civil

    Do preceituado no n. 1 do art. 1907. do CC retira-se que, mediante acordo entre os pais,

    por deciso judicial ou ainda porque se verificou alguma das circunstncias previstas no art.

    1918. do mesmo diploma, o menor pode ser confiado a terceiro, isto , a algum que no

    seja progenitor, que recebe os poderes e deveres que forem indispensveis para o adequado

    desempenho das suas funes e ao tribunal cabe decidir em que termos os progenitores

    exercem as responsabilidades parentais relativamente parte no atribuda ao terceiro (n.s

    2 e 3).

    No mbito da ao de formao Regulao do exerccio das responsabilidades parentais48,

    organizada pelo CEJ, Rui Amorim49 defende que, tendo em conta o estatudo no n. 2 do art.

    1907. do CC, a concluso a de que se deve atribuir ao cuidador o poder-dever de deciso

    sobre questes de particular importncia, sempre que a situao concreta o justifique. Para

    sustentar esta posio, apresenta, como exemplo, que parece evidente, que no caso de uma

    criana com problemas de sade, carente de tratamentos hospitalares semanais, as decises

    relativamente a esta situao devem ser entregues terceira pessoa que a acompanha sob

    pena de ser, desse modo, colocada em perigo. Por seu turno, nada impede que os progenitores

    cheguem a acordo com o cuidador acerca da transmisso de determinados poderes-deveres

    e, nesse caso, desde que no seja prejudicial para a criana o que parece um contrassenso

    pois quem cuida da criana e com ela convive diariamente saber o que melhor para ela

    o tribunal dever homologar esse acordo. No obstante, tambm o respeito pelo superior

    interesse da criana pode reclamar que o poder decisrio seja atribudo ao terceiro cuidador.

    47 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 82. 48 CEJ, A tutela cvel do superior interesse da criana - Tomo I, 2014, pgs. 524 e ss., disponvel em

    http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf e

    consultado a 31 de dezembro de 2015. 49 Procurador da Repblica na Procuradoria-Geral Distrital do Porto.

    http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf

  • 22

    Em todo o caso, alerta o orador que a deciso de regulao do exerccio das

    responsabilidades parentais, que confie a criana a terceira pessoa tem de elencar quais os

    poderes-deveres que lhe so atribudos, de forma a se compreender a extenso desses

    poderes e tambm para delimitar a competncia residual dos progenitores.

    Poder-se-ia levantar o problema da inconstitucionalidade do art. 1907. do CC face ao art.

    36., n. 6 da CRP. A este propsito, mister salientar que, apesar deste normativo

    constitucional findar com a sua exceo, tambm o art. 18., n. 2 da Constituio fixa que

    as restries (devem) limitar-se ao necessrio para salvaguardar outros direitos ou

    interesses constitucionalmente protegidos que, no caso, se trata da prossecuo do superior

    interesse da criana.

    A este propsito, Maria Clara Sottomayor afasta a tese da inconstitucionalidade defendendo

    o direito da criana continuidade das vinculaes afetivas precoces, visto que nos

    conflitos entre pais biolgicos, que no exercem o poder paternal nem cuidam da criana, e

    terceiros com a guarda de facto50, o critrio decisivo resulta da perspetiva da criana em

    relao situao e do seu interesse em no ser separada da famlia afetiva, que de facto se

    responsabiliza por ela 51. Em muitos casos, o interesse do menor aponta claramente para a

    sua confiana a uma terceira pessoa e os decisores no devem ter receio de aplicar esta

    soluo52.

    No acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 10 de abril de 2014, o Tribunal, apesar de

    julgar parcialmente procedente a apelao relativamente omisso de fundamentao do

    julgamento de facto, manteve em tudo o resto a deciso recorrida que consistia na

    autorizao para o menor se ausentar para o Brasil com a av materna, uma vez que esta se

    deslocou do Brasil para Portugal, pretendendo assumir a responsabilidade sobre o neto,

    tirando-o da instituio onde se encontrava devido ao facto de a progenitora ter reconhecido

    que no tinha condies para continuar a responsabilizar-se pelo filho, por se encontrar

    descompensada e perturbada psicologicamente e o progenitor estar a cumprir pena de priso,

    com termo previsto para o ano de 2016 e, como no dispe de ttulo de residncia, ser

    50 A figura da guarda de facto vem definida no art. 5., al. b) da LPCJP como a relao que se estabelece entre

    a criana ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funes essenciais prprias

    de quem tem as responsabilidades parentais. 51 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pgs. 78 e 79. 52 AA.VV., Responsabilidades Parentais, 4. Bienal de Jurisprudncia - Direito da Famlia, Centro de Direito

    da Famlia, Coimbra Editora, 2008, pg. 209.

  • 23

    conduzido para o Servio de Estrangeiros e Fronteiras para ser expulso para o seu pas de

    origem (Angola):

    O menor tem um relacionamento efetivo com a av materna e no com

    qualquer dos progenitores e tem sido a av materna a cuidar do menor

    nos ltimos anos, de tal maneira que esta voltou a Portugal

    exclusivamente para retirar o menor da instituio em que este se

    encontrava, passando a cuidar do mesmo. Sendo certo que a av materna

    revela possuir as necessrias competncias parentais, o mesmo no

    podendo dizer-se dos progenitores, nem sequer se prefigurando qualquer

    projeto de vida desta criana com os progenitores ().53

    Neste sentido, com a entrada em vigor da Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, o art. 1907.,

    n. 1 do CC passou a prever expressamente a salvaguarda dos interesses dos menores sem

    necessidade de verificao do perigo a que alude o art. 1918. do CC, ao passo que na

    vigncia do regime anterior, perante a impossibilidade de os progenitores proverem

    segurana, sade, formao moral ou educao do menor, em resultado de um

    comportamento ativo ou omissivo, impunha-se a regulao do exerccio do poder paternal,

    de modo a atribuir a terceira pessoa a guarda e cuidado, mediante a propositura de ao

    prpria.

    O art. 1918. do CC regula a situao de limitao das responsabilidades parentais quanto

    pessoa do filho. Quando perante uma situao que no seja caso de inibio do exerccio

    das responsabilidades parentais (a qual tratada pelo art. 1915. do CC) e se verifique que

    a segurana, a sade, a formao moral ou a educao de um menor se encontre em

    perigo54, mediante um requerimento do Ministrio Pblico ou de qualquer parente do menor

    ou outra pessoa a quem ele esteja confiado, de facto ou de direito, ao tribunal que cabe a

    deciso das providncias adequadas ao caso concreto, nomeadamente a confiana a terceira

    pessoa ou a estabelecimento de educao ou assistncia, sendo fixado um regime de visitas

    53 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 10 de abril de 2014, Proc. 21150/09.2T2SNT-D.L1-1. 54 Importa frisar que, alegado o perigo, urge fazer dele prova, de modo a que no se contrarie a

    constitucionalidade desta norma, em virtude de a separao dos filhos de seus pais ser excecional (art. 36., n.

    6 da CRP).

  • 24

    aos progenitores, a no ser que, excecionalmente, o interesse do filho o desaconselhe (art.

    1919., n. 2 do CC).

    Ou seja, perante uma situao de comprovado perigo, a preferncia ser, ou dever ser, pelas

    medidas limitativas, i.e., no obstante os progenitores conservarem a titularidade das

    responsabilidades parentais (que nunca iro perder), eles deixam de as poder exercer

    normalmente porque, por exemplo, o filho menor passou a residir com uma tia materna e,

    nesse sentido, conservam o exerccio na medida em que possa concorrer razoavelmente com

    a providncia decretada.

    Helena Bolieiro e Paulo Guerra, metaforicamente, referem-se s responsabilidades parentais

    como um elstico que deixar de ser esticado na sua totalidade quando os pais tm atitudes

    para com o filho suscetveis de o colocar em perigo. Nessa eventualidade, o exerccio das

    responsabilidades parentais a cargo de ambos os progenitores ou apenas de um deles pode

    ser limitado e, sendo reversvel, o elstico tornar a esticar na sua totalidade, aquando do

    levantamento da limitao55.

    Como se v, a inibio das responsabilidades parentais fica relegada para as situaes mais

    graves, em virtude de ser tambm interesse dos menores manter a sua relao com os

    respetivos pais.

    Finalmente, a providncia pode ser revogada ou alterada a todo o tempo, pelo mesmo

    tribunal que a proferiu, a requerimento do Ministrio Pblico ou de qualquer dos pais (art.

    1920.-A do CC).

    2. Regime da Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo56

    Tanto a sociedade civil como o Estado tm o dever de proteger a famlia, de modo a assegurar

    a realizao pessoal de todos os seus membros57. Reconhecendo que a criana, para o

    55 Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criana e a Famlia: Uma Questo de Direito(s) - Viso Prtica

    dos Principais Institutos do Direito da Famlia e das Crianas e Jovens, 2. ed., Coimbra Editora, 2014, pg.

    297. 56 Lei n 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n 31/2003, de 22 de agosto e pela Lei n. 142/2015, de 8

    de setembro. 57 Art. 67., n. 1 da CRP

  • 25

    desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em

    clima de felicidade, amor e compreenso58. Compreende-se que o Estado e a sociedade civil

    tenham o especial dever de tomar as medidas necessrias de proteo da criana59, desde

    logo dada a particular fraqueza inerente aos menores perante as adversidades do mundo e,

    alm disso, tambm porque as crianas mudam constantemente de um estdio de

    desenvolvimento para outro, precisando, por isso, da estabilidade das condies externas da

    sua vida para ultrapassarem com sucesso cada um dos estdios de desenvolvimento60.

    Quando o modelo de proteo61 em vigor data entrou em crise e acabou mesmo por ser

    abandonado, surgem novos modelos de justia de menores que visam no s a proteo da

    infncia, mas tambm a promoo e proteo dos direitos das crianas e dos jovens,

    culminando com a publicao no ordenamento jurdico portugus da LPCJP que visa

    garantir a promoo dos direitos e a proteo das crianas e dos jovens em perigo, por forma

    a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, at que perfaam dezoito anos ou,

    quando solicitada a continuao da interveno, at aos vinte e um anos62, em complemento

    ou em substituio da ao dos pais ou de quem competente pela sua proteo. Tendo em

    conta o mbito de proteo que esta lei pretende atingir, esta aplicar-se- a todas as crianas

    ou jovens, com nacionalidade portuguesa, ou no, desde que residam ou se encontrem,

    mesmo que temporria e provisoriamente, em territrio nacional63.

    Para efetivar esta proteo, no necessrio que o ambiente em que a criana se insere e no

    qual se deve sentir protegida e integrada a coloque em perigo, basta, por isso, a criao de

    um real ou muito provvel perigo, ainda longe de dano srio64, resultante de ao dos pais,

    do representante legal ou de quem tenha a guarda de facto que ponha em perigo a segurana,

    a sade, a formao, a educao ou o desenvolvimento da criana ou do jovem, ou quando

    58 Prembulo da Conveno sobre os Direitos da Criana, adotada pela Assembleia Geral nas Naes Unidas

    em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990. 59 Assim o determina o art. 69., n. 1 da CRP. 60 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 81 apud Joseph GOLDSTEIN, Anna FREUD e Albert J.

    SOLNIT, No interesse da criana?, (traduo brasileira de Beyond the best interests of the child, Free Press,

    1979), So Paulo, 1987, pg. 18. 61 Baseado, fundamentalmente, na Lei de Proteo Infncia de 27 de maio de 1911 e pela primeira

    Organizao Tutelar de Menores, surgida em 1962. 62 Arts. 1. e 5., al. a) da LPCJP 63 Art. 2. da LPCJP 64 Tom dAlmeida RAMIO, Lei de Proteco de Crianas e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 3.

    ed., Quid Juris, 2004, pg. 26

  • 26

    o perigo resulte da ao ou omisso de terceiros ou da prpria criana ou do jovem a que

    aqueles no se oponham de modo adequado a remov-lo65.

    Estas aes sero capazes de influenciar negativamente o bem-estar e o desenvolvimento da

    criana ou do jovem de tal modo que, para evitar avaliaes erradas e constrangimentos

    futuros, de afastar o critrio do homem mdio, prevendo a lei uma enumerao, ainda que

    exemplificativa, no n. 2 do art. 3. da LPCJP de vrias situaes enquadrveis como

    situaes de perigo. o caso, por exemplo, de abandono, de maus tratos fsicos ou psquicos

    e, tambm, comportamentos que afetem o seu bem-estar fsico, psquico ou emocional.

    A verificao de qualquer uma dessas situaes, ou de outra, legitima o processo de

    interveno previsto na LPCJP, tendo como base o conjunto de princpios orientadores

    previsto no seu art. 4., cujo objetivo a garantia dos direitos da criana ou do jovem.

    Encabeando esta lista, surge o princpio do interesse superior da criana e do jovem. A

    opo pela previso deste princpio imediatamente como o primeiro permite concluir que

    constitui o critrio prioritrio e prevalente relativamente adoo de medidas tendentes ao

    afastamento do perigo, apresentando-se como objetivo ltimo a realizao desse interesse,

    tal como j se teve oportunidade de referir neste trabalho a propsito da regulao das

    responsabilidades parentais.

    Todos os demais princpios so concretizaes deste. Assim, o momento de interveno deve

    ser logo que se conhea a situao de perigo (al. c)), respeitando sempre a privacidade da

    criana ou do jovem, a sua imagem e a reserva da sua vida privada (al. b)), na medida que

    se revelar proporcional, isto , necessria e adequada situao de perigo em que a criana

    ou o jovem se encontram (al. e)), procurando que os pais continuem a exercer os seus deveres

    (al. f)), a manuteno das relaes afetivas estruturantes (al. g)) e a prevalncia em famlia

    mediante a adoo de medidas que privilegiem a integrao na sua famlia biolgica ou outra

    forma de integrao familiar estvel (al. h)). A criana ou o jovem, os pais, os representantes

    legais ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto, tm direito a ser informados dos seus

    direitos, do motivo da interveno e do modo como esta se processar e a ser ouvidos e a

    participar nos atos e na definio da medida a aplicar (als. i) e j)). Por ltimo, a interveno

    deve ser exercida pelas entidades e instituies cuja ao seja indispensvel para a efetiva

    promoo dos direitos e proteo da criana e do jovem em perigo (al. d)) e em observncia

    65 Art. 3., n. 1 da LPCJP

  • 27

    do princpio da subsidiariedade (al. k)) que determina um critrio sequencial, de acordo com

    o qual a interveno no judiciria deve ser prioritria em virtude dessas entidades as

    entidades com competncia em matria de infncia e juventude66 (arts. 5., al. d) e 7. da

    LPCJP) e as comisses de proteo de crianas e jovens (art. 8. da LPCJP) disporem de

    agentes com uma maior ligao e proximidade comunidade, recorrendo apenas em ltima

    instncia aos tribunais (art. 100. da LPCJP).

    Isto , de acordo com este ltimo princpio, a interveno das comisses de proteo de

    crianas e jovens tem lugar quando no seja possvel s entidades com competncia em

    matria de infncia e juventude atuar de forma adequada e suficiente a remover o perigo em

    que se encontram, caracterizando-se, deste modo, esta interveno como preventiva. Assim

    se l no art. 8. da LPCJP. A interveno judiciria, por seu turno, ocorre quando se verificar

    alguma das eventualidades previstas no art. 11. da LPCJP.

    Recorrendo a uma figura piramidal, cabe s entidades com competncia em matria de

    infncia e juventude o primeiro patamar de interveno, s comisses de proteo de

    crianas e jovens o segundo patamar e, no topo, os tribunais.

    Qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma das situaes de perigo previstas no art.

    3. da LPCJ pode proceder respetiva denncia, mas esta reveste carcter de obrigatoriedade

    quando essa situao seja suscetvel de colocar em risco a vida, a integridade fsica ou

    psquica ou a liberdade da criana ou do jovem (art. 66., n.s 1 e 2 da LPCJP). Tambm as

    entidades policiais, as autoridades judicirias e as entidades com competncia em matria de

    infncia e juventude tm a responsabilidade de proceder comunicao da situao de perigo

    quando dela tiverem conhecimento (arts. 64. e 65. da LPCJP). O destinatrio da denncia

    pode ser as entidades com competncia em matria de infncia ou juventude, as entidades

    policiais, as comisses de proteo, a autoridade policial e at mesmo o tribunal.

    2.1. Medidas de promoo e proteo na LPCJP

    66 o caso, por exemplo, das autarquias, das instituies particulares de solidariedade social, linha SOS

    Criana, hospitais, etc

  • 28

    No rol de definies previstas no art. 5. da LPCJP, a al. e) diz respeito s medidas de

    promoo dos direitos e de proteo, nos termos da qual estas consistem na providncia

    adotada pelas comisses de proteo de crianas e jovens ou pelos tribunais, nos termos do

    presente diploma, para proteger a criana e o jovem em perigo.

    Da leitura conjunta desta definio e do art. 38. do LPCJP retira-se que est expressamente

    vedada a possibilidade de as entidades com competncia em matria de infncia e juventude

    aplicarem qualquer uma das medidas mencionadas no art. 35. da LPCJP. Por seu turno, a

    aplicao de medida de promoo e proteo de confiana a pessoa selecionada para a

    adoo, a famlia de acolhimento ou a instituio com vista adoo (al. g) do art. 35. da

    LPCJP) da competncia exclusiva dos tribunais67.

    A aplicao de uma medida de promoo e proteo, seja esta definitiva ou provisria, tem

    como finalidade68, desde logo, o afastamento do perigo que originou a sinalizao da criana

    ou jovem, proporcionar as condies necessrias para proteger e promover a segurana,

    sade, formao, educao, bem-estar e desenvolvimento integral das crianas ou jovens e

    garantir a recuperao fsica e psicolgica das crianas ou jovens vtimas de qualquer forma

    de explorao ou de abuso.

    Quando a gravidade da situao reclamar uma interveno em tempo til, ou seja, em

    situaes de emergncia, considerando-se como tal situaes de perigo atual ou iminente

    para a vida ou integridade fsica da criana ou do jovem ou enquanto se procede ao

    diagnstico da situao da criana e definio do seu encaminhamento subsequente, as

    comisses podem aplicar, provisoriamente, qualquer medida de promoo e proteo pelo

    prazo mximo de seis meses, devendo ser revistas no prazo mximo de trs meses (arts. 5.,

    al. c) e 37. da LPCJP).

    Estas medidas de promoo e proteo vm previstas nos arts. 35. e ss. da LPCJP,

    tipificadas de forma taxativa, inviabilizando a possibilidade de aplicao de qualquer outro

    projeto e esto organizadas em dois tipos de medidas.

    O primeiro medidas a executar no meio natural de vida , por motivos bvios, so de

    aplicao prioritria69, cujo mbil para a aplicao o regresso famlia biolgica. J o

    67 Art. 38., in fine da LPCJP 68 Art. 34. da LPCJP 69 Em virtude da previso do princpio da prevalncia da famlia, previsto no art. 4., al. h) da LPCJP.

  • 29

    segundo grupo as medidas de colocao so medidas alternativas70 aplicveis apenas

    quando se esgotarem as possibilidades de manter a criana no seu meio natural, pelo menos

    a curto e mdio prazo.

    i) Medidas a executar no meio natural de vida:

    i.i) Apoio junto dos pais: Consiste em proporcionar criana ou ao jovem

    apoio psicopedaggico e social e, se necessrio, financeiro (art. 39. da LPCJP). Embora seja

    omissa, tendo em conta o esprito da lei, tambm se deve estender ao representante legal ou

    a pessoa que tem a guarda de facto;

    i.ii) Apoio junto de outro familiar: A criana ou o jovem ficaro sob guarda

    de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, proporcionando, igualmente, apoio

    psicopedaggico, social e, eventualmente, financeiro (art. 40. da LPCJP);

    A aplicao destas duas medidas pode ser complementada com programas de educao

    parental e pode estender-se ao agregado familiar visando o melhor exerccio das funes

    parentais (arts. 41. e 42. da LPCJP).

    i.iii) Confiana a pessoa idnea: Aqui, a criana ou o jovem ficaro guarda

    de uma pessoa com quem tenha estabelecido relao de afetividade recproca, mesmo no

    sendo seu familiar. Pode ser tambm acompanhada de apoio psicopedaggico, social e

    financeiro, se se mostrar necessrio (art. 43. da LPCJP);

    i.iv) Apoio para a autonomia de vida: Proporcionar ao jovem com idade

    superior a 15 anos apoio econmico e acompanhamento psicopedaggico e social, de modo

    a o habilitar e lhe permitir viver por si s, adquirindo progressivamente autonomia de vida.

    Pode tambm ser aplicada a mes com idade inferior a 15 anos, quando assim se revelar

    aconselhvel (art. 45. da LPCJP);

    70 Aline Cardoso Siqueira e Dbora Dalbosco DellAglio defendem, a propsito do impacto da

    institucionalizao na infncia e na adolescncia, que o ambiente institucional no se constitui no melhor

    ambiente de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto ndice de criana por cuidador, a falta

    de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo so alguns dos aspetos relacionados

    aos prejuzos que a vivncia institucional pode operar no indivduo, vide Aline Cardoso SIQUEIRA e Dbora

    Dalbosco DELLAGLIO, O Impacto da Institucionalizao na Infncia e na Adolescncia: Uma reviso da

    literatura. In Psicologia & Sociedade, vol. 18, n. 1, pgs. 71-80, disponvel em http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n1/a10v18n1.pdf e consultado a 31 de dezembro de 2015.

    http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n1/a10v18n1.pdf

  • 30

    i.v) Confiana a pessoa selecionada para a adoo: Quando se verificar

    alguma das situaes enumeradas no art. 1978. do CC, com a aplicao desta medida a

    criana ou o jovem so colocados confiana de candidato a adotante selecionado pelo

    competente organismo de segurana social (art. 38.-A, al. a) da LPCJP).

    ii) Medidas de colocao:

    ii.i) Acolhimento familiar: A criana ou o jovem so entregues a uma pessoa

    singular ou a uma famlia, de modo a proporcionar a sua integrao em meio familiar e a

    prestao de cuidados adequados s suas necessidades e bem-estar e a educao necessria

    ao seu desenvolvimento integral (art. 46. da LPCJP)71;

    ii.ii) Acolhimento residencial: A criana ou o jovem ficam aos cuidados de

    uma entidade que disponha de instalaes e equipamento de acolhimento permanente e de

    uma equipa tcnica que lhes garantam os cuidados adequados para satisfazer as necessidades

    fsicas, psquicas, emocionais e sociais das crianas e jovens, promovendo a sua educao,

    bem-estar e desenvolvimento integral (art. 49. da LPCJP);

    ii.iii) Confiana a famlia de acolhimento ou a instituio com vista adoo:

    Tambm perante a verificao de alguma das situaes do art. 1978. do CC, a criana ou o

    jovem podem ser colocados guarda de famlia de acolhimento ou de instituio com vista

    a futura adoo (art. 38.-A, al. b) do LPCJP).

    2.2. Processo nas CPCJ

    Depois de corrido todo o processo na CPCJ72, mediante a realizao de todas as diligncias

    necessrias a fim de comprovar os factos de que teve conhecimento atravs da comunicao

    que lhe foi feita por qualquer das entidades supra referidas quanto denncia ou atravs da

    solicitao da criana ou do jovem, dos seus pais, representante legal ou das pessoas que

    tenham a sua guarda ou por sua iniciativa relativamente a situaes de que teve

    conhecimento no exerccio das suas funes (art. 93. da LPCJP), a comisso restrita reunir,

    71 Os arts. 14. e ss. do DL n. 11/2008, de 17 de Janeiro estabelecem os requisitos da famlia de acolhimento. 72 Arts. 97. e ss. da LPCJP

  • 31

    no mnimo, quinzenalmente, salvo no caso das situaes de urgncia j referenciadas,

    eventualidade em que poder reunir independentemente da hora e do dia73 e pode decidir

    arquivar o processo, quando a situao de perigo no se confirmar ou j no subsistir ou

    decidir aplicar a medida que se apresentar como mais adequada para aquele caso concreto74.

    Se, no prazo de seis meses aps a comunicao ainda no tiver sido proferida qualquer

    deciso, a CPCJ dever comunicar esta situao ao Ministrio Pblico75, legitimando a

    interveno judicial, como prev o art. 11., al. g) da LPCJP.

    2.3. Procedimentos de urgncia76

    Dada a gravidade da situao em que a criana muitas vezes se encontra, pode exigir uma

    interveno rpida, em tempo reduzido que no compatvel com o decurso de um processo

    judicial.

    A interveno de urgncia exige a existncia de um perigo que deve ser atual ou iminente

    para a vida ou de grave comprometimento da integridade fsica ou psquica da criana ou

    jovem. Alm disso, pressuposto dos procedimentos de urgncia a manifestao da oposio

    interveno por parte dos que detm as responsabilidades parentais ou de quem tenha a

    guarda de facto.

    Para este efeito, a primeira iniciativa para a proteo imediata da criana cabe s comisses

    de proteo, ou s entidades com competncia em matria de infncia e juventude, que

    tomaro as medidas consideradas como necessrias e solicitam a interveno do tribunal, a

    fim de ser desencadeado o processo previsto no art. 92. da LPCJP, ou das autoridades

    policiais quando no possvel acionar o procedimento judicial ou se revelar necessria a

    73 Art. 22. da LPCJP 74 Quando a medida aplicada tiver como consequncia a separao da criana ou do jovem dos seus pais,

    representante legal ou das pessoas que tenham a sua guarda de facto, o art. 68., al. e) da LPCJP determina que

    deve ser comunicada ao Ministrio Pblico a aplicao dessa medida. 75 Art. 68., al. d) da LPCJP. No obstante, esta comunicao no implica nem impe a remessa ao Ministrio

    Pblico, devendo o processo continuar a sua tramitao (art. 71., n. 1 da LPCJP e ponto 3 Diretiva Conjunta

    Procuradoria-Geral da Repblica e Comisso Nacional de Proteo de Crianas e Jovens em Risco de 23 de

    junho 2009, disponvel em

    http://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/Directiva%20Conjunta%20PGR%20CNPCJR.pdf e consultada a 31 de

    dezembro de 2015). 76 Arts. 91. e 92. da LPCJP

    http://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/Directiva%20Conjunta%20PGR%20CNPCJR.pdf

  • 32

    adoo de medidas mais drsticas como a retirada da criana do local em que se encontra e

    a coloca em perigo, caso em que a proteo desta ser assegurada em casa de acolhimento

    (v.g., um CAT Centro de Acolhimento de Temporrio), nas instalaes das entidades com

    competncia em matria de infncia e juventude ou noutro local que se mostrar adequado a

    essa finalidade. Alm disso, como Antnio Clemente Pinto defende, tendo em conta o

    carcter de persuaso sobre os cidados, qualquer deslocao com vista a uma interveno,

    dever ser acompanhada de agentes das autoridades policiais, prevenindo at situaes em

    que pode ocorrer alguma violncia, decorrente do consumo de lcool ou outros estados de

    impulsividade/agressividade77.

    Nos termos do art. 92. da LPCJP, o procedimento judicial de urgncia tem incio a

    requerimento do Ministrio Pblico e, depois de tomadas as diligncias necessrias, a

    deciso, que vir tornar solene uma deciso j anteriormente tomada por uma entidade

    externa ao poder judicial, no dever ultrapassar o prazo mximo de quarenta e oito horas.

    2.4. Processo judicial de promoo e proteo

    Relativamente ao processo judicial de promoo e proteo, visto por algumas Comisses

    como um fracasso per se78, da competncia das seces de famlia e menores da instncia

    central do tribunal de comarca e, nas reas no abrangidas por estas seces de famlia, cabe

    s seces cveis da instncia local79. A iniciativa processual80 cabe ao Ministrio Pblico,

    tal como descrito no art. 73. da LPCJP81 e os pais, o representante legal, as pessoas que

    tenham a guarda de facto e a criana ou jovem com idade superior a 12 anos, tm tambm

    legitimidade quando, decorridos seis meses aps o conhecimento da situao pela CPCJ, no

    tenha sido proferida qualquer deciso.

    77 Antnio Clemente PINTO, Guia de Procedimentos do Processo de Promoo e Proteco, 3. ed.,

    Almedina, 2011, pgs. 86 e 87. 78 Ana Rita ALFAIATE e Geraldo Rocha RIBEIRO, Sistema de Promoo e Proteco de Crianas e Jovens.

    Debate com as Comisses: Relatrio (2008 e 2009), in Lex Familiae, Ano 7, n. 13, Coimbra Editora, janeiro-

    junho 2010, pg. 136. 79 Art. 101. da LPCJP 80 Art. 105. da LPCJP 81 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 16 de novembro de 2006, Proc. 9237/2006-6: 4 Assim, a

    iniciativa do processo judicial de promoo dos direitos e de proteo por parte do Ministrio Pblico depende

    taxativamente da verificao de alguns dos requisitos enunciados no artigo 73 da Lei 147/99.

  • 33

    Encerrada a instruo, que no deve exceder o prazo de quatro meses82 e depois de ouvido

    o Ministrio Pblico, o juiz adotar uma de trs atitudes possveis: i) decide pelo

    arquivamento do processo83; ou ii) pela designao de data para conferncia para obteno

    de acordo de promoo e proteo que, se obedecer s formalidades exigidas pelo art. 113.

    da LPCJP, homologado por deciso judicial84; ou iii) quando considerar manifestamente

    improvvel uma soluo negociada, determina o prosseguimento do processo para realizao

    de debate judicial85. Finda a prova, o juiz concede a palavra ao Ministrio Pblico e aos

    advogados para alegaes86, assim concluindo todos os trmites processuais deste debate. O

    tribunal decide por maioria de votos, votando primeiro os juzes sociais (por ordem crescente

    de idade) e, por fim, o juiz presidente87.

    A deciso composta por quatro partes88: i) relatrio (que consiste na identificao da

    criana ou jovem, os seus pais, representante legal, ou a pessoa que tem a guarda de facto e

    uma descrio sucinta da tramitao do processo), ii) fundamentao (na qual consta a

    enumerao dos factos provados e no provados, assim como da sua valorao e exposio

    das razes que sustentam a deciso tomada), iii) dispositivo (i.e., conjunto de normas

    jurdicas aplicveis) e, por ltimo, iv) a deciso final a aplicar no processo.

    Posto isto, o processo judicial terminar ou no na fase dos recursos, admitida nos termos

    dos arts. 123. a 126. da LPCJP.

    2.5. Durao, reviso e cessao da medida

    A aplicao de uma das medidas a executar no meio natural de vida ter o prazo estabelecido

    no acordo89 ou na deciso judicial, no podendo ter durao superior a doze meses, ou

    dezoito meses em caso de prorrogao, se o interesse superior da criana ou do jovem assim

    o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e acordos legalmente exigidos,

    82 Art. 109. da LPCJP 83 Arts. 110., n. 1, al. a) e 111. da LPCJP 84 Arts. 110., n. 1, al. b) e 113. da LPCJP 85 Arts. 110., n. 1, al. c) e 114. da LPCJP 86 Art. 119. da LPCJP 87 Art. 120. da LPCJP 88 Art. 121. da LPCJP 89 Arts. 5., al. f) e 36. da LPCJP

  • 34

    assim como, excecionalmente, a medida de apoio para a autonomia de vida pode ser

    prorrogada at aos 21 anos de idade90.

    J quanto s medidas de colocao, estas tm a durao prevista no acordo ou na deciso

    judicial91. Se no for estabelecido qualquer limite temporal, deve ter-se como limite mximo

    os 18 anos ou 21 anos, conforme decorre da al. a) do art. 5. da LPCJP. Em derrogao deste

    regime, o art. 62.-A da LPCJP, relativamente apenas medida de confiana a pessoa

    selecionada para adoo, a famlia de acolhimento ou a instituio com vista a adoo,

    determina que esta durar at ser decretada a adoo.

    No que respeita reviso das medidas92, com o intuito de avaliar a situao atual da criana

    ou do jovem e os resultados da execuo da medida, a regra geral dita que sero revistas

    findo o prazo fixado no acordo ou na deciso judicial ou decorridos no mais de seis meses

    aps a aplicao da medida. Excecionalmente, a reviso pode ocorrer antes de decorrido o

    prazo previsto de reviso, desde que ocorram factos que a justifiquem, oficiosamente ou a

    requerimento dos pais, do representante legal, da pessoa que tenha a guarda de facto, do

    menor com idade igual ou superior a 12 anos e do Ministrio Pblico93. O art. 62.-A da

    LPCJP comea por prever que a medida de confiana a pessoa selecionada para adoo, a

    famlia de acolhimento ou a instituio com vista a adoo no est sujeita a reviso, a no

    ser que o projeto de vida da criana ou do jovem se altere, seja porque, por exemplo, a

    medida foi substituda ou porque atingiu a idade limite para a adoo e esta no se tenha

    concludo entretanto (n. 2).

    Facilmente se afere que da reviso da medida pode suceder a sua cessao94 mediante a

    verificao de qualquer uma das circunstncias do art. 63. da LPCJP, a sua substituio por

    90 Art. 60. da LPCJP 91 Art. 61. da LPCJP 92 Art. 62. da LPCJP 93 Art. 72. da LPCJP 94 No se pode deixar de considerar que, embora possa parecer contraditrio com a sua finalidade, ao

    estabelecer um prazo mximo de durao das medidas de promoo e proteo cuja verificao causa a

    cessao destas, o legislador f-lo em observncia do interesse da criana e do jovem, uma vez que, o que o

    legislador pretende obstar a que as prorrogaes ad infinitum criem a iluso de uma interveno promotora

    do interesse do menor onde apenas se verifica impotncia, inadequao ou inrcia. Por isso o legislador assinala

    um prazo que entendeu bastante. Pugnar pelos interesses do menor, em tal situao, deve levar as autoridades

    envolvidas a agir proactivamente na anlise da situao, o que diverso de prolongar a medida. Assim foi o

    entendimento do Tribunal da Relao de Lisboa, no Acrdo de 27 de maro de 2014, Proc. 2333/11.1

    TBTVD.L1-6.

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    outra medida mais adequada ou a continuao ou prorrogao da execuo da medida. Em

    qualquer destes casos deve ser fundamentada de facto e de direito95.

    Em jeito de concluso, em cumprimento de todos os princpios que subjazem interveno

    para a promoo dos direitos e proteo da criana e jovem, nos termos da LPCJP e dos

    quais sobressai o do interesse superior da criana e do jovem, de forma a no agravar a

    situao de perigo que fundamenta aquela interveno, importa definir com a brevidade

    possvel um slido projeto de vida daqueles, assegurando assim a estabilidade que qualquer

    ser humano sobretudo em fase de definio de personalidade necessita.

    3. Regime jurdico do apadrinhamento civil96

    Uma das apreciaes feitas ao regime da adoo no Relatrio das audies efetuadas no

    mbito da avaliao dos sistemas de acolhimento, proteo e tutelares de crianas e jovens,

    a de que aquele carece de dinamizao, essencialmente porque o empate na ponderao

    entre adoo e reunificao familiar, provoca prolongamento de permanncia em instituio

    sem que o seu projeto de vida seja definido em tempo til. Conclui, assim, pela necessidade

    de pensar e (re)criar outras formas de acolhimen