o caminho novo entre o arraial dos carijós e conselheiro lafaiete

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O CAMINHO NOVO ENTRE O ARRAIAL DOS CARIJÓS E CONSELHEIRO LAFAIETE Antônio Gilberto da Costa 1 O professor Antônio Gilberto Costa comentou que as fontes por ele analisadas para compor um estudo cartográfico do Caminho Novo em Conselheiro Lafaiete, trazem informações não muito claras. Apresentou uma linha do tempo iniciando no século XVII com referências textuais à aldeia de índios carijós, à freguesia de Nossa Senhora da Conceição, depois a criação da Vila Real de Queluz, e chegando a 1934 com a mudança do nome de Queluz para Conselheiro Lafaiete. Tendo dividido os documentos cartográficos em períodos, o palestrante observou que no mais antigo há indicação de ter sido extraído do mapa do Padre Cocleo, um jesuíta falecido em 1711 e que havia iniciado o trabalho do mapa em 1697. Entretanto, no documento analisado há informações posteriores à morte do Padre Cocleo, o que vem demonstrar que não se trata de uma cópia do original, mas de um trabalho de alguém que teria retrabalhado a obra daquele religioso. Considerando a hipótese de um período de vinte anos entre o início do trabalho do Padre Cocleo e a revisão por outros autores, com acréscimos diretamente sobre o original, Antônio Gilberto procurou por lançamentos que se referissem à aldeia de carijós, nada tendo encontrado. Foi projetada uma imagem com indicação dos rios Paraíba do Sul e das Velhas, sendo então recortado este trecho para estudos mais detalhados. Identificou-se o “caminho de Garcia para as Minas” e, ampliando-se a parte das minas propriamente ditas, não há indicação alguma sobre o arraial que viria a constituir Conselheiro Lafaiete. Desta forma, pode-se dizer que para o primeiro quartel do século XVIII não há referência sobre o Arraial dos Carijós, embora em documentos textuais já existissem relatos sobre eles.

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Comunicação de Antônio Gilberto da Costa no 3º Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, sobre O Caminho Novo entre o Arraial dos Carijós e Conselheiro Lafaiete.Transcrição: Nilza Cantoni. Revisão: Joana Capella.

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O CAMINHO NOVO ENTRE O ARRAIAL DOS CARIJÓS E CONSELHEIRO LAFAIETE

Antônio Gilberto da Costa 1

O professor Antônio Gilberto Costa comentou que as fontes por ele analisadas para compor um

estudo cartográfico do Caminho Novo em Conselheiro Lafaiete, trazem informações não muito claras.

Apresentou uma linha do tempo iniciando no século XVII com referências textuais à aldeia de índios carijós,

à freguesia de Nossa Senhora da Conceição, depois a criação da Vila Real de Queluz, e chegando a 1934 com

a mudança do nome de Queluz para Conselheiro Lafaiete.

Tendo dividido os documentos cartográficos em períodos, o palestrante observou que no mais

antigo há indicação de ter sido extraído do mapa do Padre Cocleo, um jesuíta falecido em 1711 e que havia

iniciado o trabalho do mapa em 1697. Entretanto, no documento analisado há informações posteriores à

morte do Padre Cocleo, o que vem demonstrar que não se trata de uma cópia do original, mas de um

trabalho de alguém que teria retrabalhado a obra daquele religioso.

Considerando a hipótese de um período de vinte anos entre o início do trabalho do Padre Cocleo e a

revisão por outros autores, com acréscimos diretamente sobre o original, Antônio Gilberto procurou por

lançamentos que se referissem à aldeia de carijós, nada tendo encontrado. Foi projetada uma imagem com

indicação dos rios Paraíba do Sul e das Velhas, sendo então recortado este trecho para estudos mais

detalhados. Identificou-se o “caminho de Garcia para as Minas” e, ampliando-se a parte das minas

propriamente ditas, não há indicação alguma sobre o arraial que viria a constituir Conselheiro Lafaiete. Desta

forma, pode-se dizer que para o primeiro quartel do século XVIII não há referência sobre o Arraial dos

Carijós, embora em documentos textuais já existissem relatos sobre eles.

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Em seguida foi projetado o Mapa das Minas de Ouro de São Paulo, posterior ao cartograma acima

referido, no qual foi possível localizar a região de Vila Rica e verificar que ali também não foi mencionada a

aldeia que deu origem à antiga Queluz.

Antônio Gilberto Costa declarou que, prosseguindo na busca cronológica de documentos, analisou o

conjunto conhecido como Cartas Sertanistas, produzidos no início do século XVIII e que se encontram

disponíveis na Biblioteca Nacional, constatando que ali também nada há sobre o Arraial dos Carijós.

Apresentou mais uma das Cartas Sertanistas para reafirmar que há de fato um vazio de informação

exatamente na região que se propôs a pesquisar.

Passado ao segundo quartel do século XVIII, surge a primeira referência a Carijós num documento

produzido pelo padre Diogo Soares, um dos dois jesuítas que vieram mapear o Brasil e são conhecidos como

os padres matemáticos. O palestrante explicou que um destes padres ficou encarregado do território que se

estendia do Maranhão ao Rio de Janeiro e o segundo mapearia daí até a Colônia do Sacramento.

Posteriormente, ao se constatar o imenso território a ser considerado, foi feita uma revisão e redução da

área a ser mapeada para apenas entre o Rio de Janeiro e a Colônia do Sacramento. Os dois padres

trabalharam durante um período de dez a onze anos e Diogo Soares levantou principalmente a região que

vai do centro das minas até o Jequitinhonha.

O mapa apresentado por Antônio Gilberto Costa tem 1734-35 como data considerada de produção

e, conforme apurou com outros conhecedores do assunto, é a primeira referência cartográfica a Carijós de

que se tem notícia.

Na segunda metade do século XVIII surgem documentos fazendo referência a Carijós como o Mapa

de uma parte do continente na América Portuguesa, localizado entre 20 e 25 graus de latitude sul. Este

cartograma é acompanhado por uma relação de moradores e é datado de 1760, havendo nele a indicação

do traçado do Caminho Novo ainda denominado “estrada do Garcia”. O Arraial dos Carijós é o número 25 no

mapa, Ouro Branco é o 26 e 27 é a marca do Arraial do Deus Te Livre, a serra que era ultrapassada pelo

caminho. Como curiosidade, Antônio Gilberto informou que raramente há indicação de chiqueiros em

documentos cartográficos como acontece neste exemplar.

O documento cartográfico apresentado a seguir foi Carta Geográfica da Comarca do Rio das Mortes

de 1766, produzido por ocasião da visita do Governador, que também traz indicação de chiqueiros, da

passagem da serra após Ouro Branco e do Arraial dos Carijós. Também interessante é um documento do

Termo de Vila Rica que traz a identificação de Carijós, destacando-se o fato de que, apesar de não pertencer

a Vila Rica, está muito mais próxima dali do que do Rio das Mortes. Tal situação sugere que a ligação era

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muito maior com Ouro Preto do que com São João del Rei. Este segundo documento também demonstra

que a estrada cruzava a serra de Ouro Branco, diferentemente do que faz a propaganda do Instituto Estrada

Real, a qual modifica o traçado do Caminho Novo, fazendo-o contornar a dita serra por Itatiaia.

Da mesma época é a Carta Geográfica de Minas Gerais e Partes Confinantes na qual também há

referência a Carijós e acrescenta Bandeirinhas, localidade da qual partiria o passeio cultural dos

pesquisadores que foi realizado no dia seguinte ao ciclo de palestras. O palestrante ressaltou que a ideia

inicial era preparar um trabalho que começasse em Bandeirinhas e terminasse na Estalagem do Lourenço, ou

seja, seguindo o traçado do Caminho Novo que cruzava a parte central do que é hoje Conselheiro Lafaiete. O

projeto deixou de ser cumprido conforme planejado, por não existir material cartográfico suficiente, sendo

esta Carta Geográfica de Minas Gerais e Partes Confinantes uma das poucas antigas a contar com referências

ao percurso que de Bandeirinhas passa por Santo Amaro e Carijós.

Em seguida foram projetados o Mapa da Capitania de Minas e o Mapa da Comarca do Rio das

Mortes, ambos de José Joaquim da Rocha, que fecham o século XVIII e a partir daí a referência não será mais

Carijós, mas a Vila Real de Queluz. Importante esclarecer que este documento foi feito com base em

cartografia do outro padre matemático, o jesuíta Domingos Cabassi, que acompanhou o Diogo Soares.

Um mapa de 1804, cuja base é certamente o trabalho de José Joaquim da Rocha, não apresenta

novidades. Já o Guia dos Caminhantes, de 1816, não registra a Vila Real de Queluz. Para marcar este

período, o professor Antônio Gilberto destacou uma descrição de Saint Hilaire, que passou por Queluz e

escreveu:

Essa pequena vila, que faz parte da comarca do Rio das Mortes, construída sobre uma crista elevada, seria bastante agradável se não fosse tão deserta; a rua que atravessa a estrada é larga e bem traçada, mas o mato ali cresce por todos os lados; casas bastante lindas nos pareciam estar abandonadas, e quase todas estavam mal conservadas e a ponto de cair em ruínas.

O palestrante esclareceu que a rua e a estrada mencionadas pelo viajante eram a mesma coisa e a

seguir projetou iconografia já da época do Império que retrata uma das escaramuças ocorridas durante a

Revolução Liberal, na qual está indicado o Caminho Novo e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição.

Já para o final do século XIX o professor Antônio Gilberto escolheu um mapa que fazia parte do

projeto Cruz Machado que não foi aprovado e que apresenta uma conformação de Minas Gerais diferente

do que é atualmente. Apesar disso, o documento serve aos propósitos de demonstrar a referência a Queluz

e Santo Amaro, bem como Ouro Branco.

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Antônio Gilberto da Costa 4

A próxima imagem apresentada foi extraída do Álbum Corográfico Municipal de Minas Gerais, de

1927, que foi objeto da comunicação que se seguiu à de Antônio Gilberto da Costa. Depois a plateia foi

direcionada para os dias atuais através de imagem do Google na qual foram destacadas as localidades

referidas na palestra e, principalmente, o Caminho Novo.

Concluindo, o palestrante mostrou que o que ainda existe de fato do Caminho Novo entre

Bandeirinhas e a serra de Ouro Branco, é um pequeno trecho próximo da Estalagem do Lourenço que

deveria ser preservado.