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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS 19

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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS CLÁSSICOS

ANO LECTIVO DE 1984-85

Em cumprimento dos Estatutos, reuniu-se, em 30 de Novembro de 1984, na sala de seminário do Instituto de Estudos Clássicos, a assembleia-geral dos sócios da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, a fim de eleger a Direcção para o ano lectivo de 1984-85.

O Tesoureiro cessante, Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, apresentou o relatório das contas do ano findo, que apresentam um saldo positivo. Por unanimidade, o trabalho foi aprovado e louvado o seu autor.

Procedeu-se em seguida à eleição. Por proposta do Doutor José Geraldes Freire, que obteve geral concordância, foi reeleita a Direcção do ano anterior.

O Presidente reeleito, Doutor Américo da Costa Ramalho, agra­deceu a confiança manifestada pelos sócios e estudou, com os presentes, o programa de actividades a desenvolver ao longo do ano.

Na primeira sessão, realizada em 17 de Dezembro, o Doutor José Geraldes Freire apresentou uma comunicação sobre Factores de indi­vidualidade do Ocidente hispânico: civilização e letras. Deixando de lado a unidade e diversidade geográfica da Península Ibérica, procurou fundamentar a opinião de que a antiguidade romano-visigótica do nosso território tem de ser enquadrada em plano mais vasto, o qual abrangerá as áreas da Galécia e da Lusitânia dos Romanos, que tinham larga penetração para o interior da Hispânia. Descreveu, assim, os seguintes factores de individualidade: a cultura megalítica; as antigas línguas peninsulares; a administração romana; a organização eclesiás­tica; a diferenciação linguística do Ocidente; a obra dos escritores do Ocidente hispânico até 711. Como factores confirmativos posteriores, mencionou as "comarcas da documentação paleográfica", as estru­turas sociais de parentesco na época muçulmana e as dioceses sufra-

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gâneas de Braga, Mérida e Santiago de Compostela até ao século xiv. Observou, por último, que o Ocidente hispânico se encontra ainda hoje bem delimitado pelas grandes vias de comunicação que, de norte para sul, ligam Santander, Palência, Ávila, Salamanca, Béjar, Pla-sência, Cáceres, Truxilho, Mérida, Huelva e Cádis.

O Doutor Geraldes Freire respondeu, no final, a algumas per­guntas formuladas pelo Doutor Costa Ramalho, pelos Drs. Maria Teresa Schiappa de Azevedo e Francisco de Oliveira e pelo estudante António Pais Monteiro.

A originalidade de "Castro" de António Ferreira: novos dados foi o tema da conferência da Dr.a Nair de Nazaré de Castro Soares, lida na sessão de 11 de Janeiro de 1985. A autora procurou mostrar que, na primeira edição da Castro (1587), Ferreira tomou Séneca por modelo, mas se esforçou por dar à segunda (1598) a sobriedade e a perfeição da tragédia grega, em especial das peças de Euripides.

Intervieram no comentário final do trabalho os Doutores Costa Ramalho e Aníbal Pinto de Castro.

Em 6 de Fevereiro, o Doutor Américo da Costa Ramalho falou sobre Portugal em dois epigramas de Jorge Buchanan. Começou por mostrar que os professores que vieram de França com André de Gouveia, para ensinarem no Colégio das Artes (que abriu oficialmente em 21 de Fevereiro de 1548), se não encontraram em plena barbárie, como alguns deles esperavam, mas em um país onde o humanismo greco-latino era já conhecido. O mais famoso de todos, o escocês Jorge Buchanan, viria a ser preso pela Inquisição no verão de 1550. Uma vez em liberdade e regressado a França, crivou de epigramas satíricos o nosso país, criticando a deserção dos campos e a falta de víveres, o abandono das praças de África, a colonização do Brasil, a vida académica e social de Coimbra, o rei de Portugal e os seus títulos, etc. Mas um poema (em latim, como os restantes) em que Buchanan elogia as navegações e a expansão ultramarina dos Portu­gueses é geralmente omitido pelos que, no estrangeiro, se ocupam da obra do grande poeta novilatino. Foi com a tradução e análise desse poema que o Doutor Costa Ramalho terminou a sua comunicação,

O conferente respondeu, no final, a algumas questões levantadas pelo Doutor Sebastião Tavares de Pinho e pelo Dr. Custódio Lopes dos Santos.

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A sessão de 19 de Março foi preenchida com a audição de alguns fragmentos da ópera Les Troyens de H. Berlioz, que o Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca se encarregou de comentar.

Na sessão de 2 de Maio, o Doutor José d'Encarnaçao ocupou-se de O latim da Epigrafia. A sua comunicação subordinou-se aos seguintes tópicos: características da mensagem epigráfica; questões fonéticas e gramaticais; problemas linguísticos; linguagem epigráfica e linguagem oral; epigrafia e literatura; problemas de tradução. Na sequência dos trabalhos que tem desenvolvido, o Doutor José d'Encar­naçao pôs à consideração dos sócios o variado leque de questões, predominantemente linguísticas, que a Epigrafia levanta, assim como algumas das soluções já adoptadas, que sujeitou a discussão.

Intervieram na apreciação final do trabalho os Doutores Costa Ramalho, Walter de Medeiros e Nogueira Gonçalves, bem como o Coronel Agostinho Dias Gama.

As ruínas de Villa Cardílio e o museu de Torres Novas foram visitados na excursão do fim do ano, realizada em 26 de Junho e orien­tada pelo arqueólogo Dr. António João Nunes Monteiro.

No decurso desta excursão, os sócios da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos deslocaram-se à vila do Entroncamento, a fim de testemunharem o seu apreço e gratidão aos Drs. Maria de Deus Pinheiro e José Barata António, que —• com extraordinário zelo, com­petência e dedicação — ali têm feito prosperar uma obra admirável de desenvolvimento dos estudos clássicos e portugueses. Os visitantes foram recebidos em casa dos Drs. Barata António e gentilmente obse­quiados por estes dois classicistas e por alguns docentes e alunos for­mados ou em formação na escola de Coimbra.

ANO LECTIVO DE 1985-86

Em 28 de Novembro de 1985, reuniu-se, na sala de seminário do Instituto de Estudos Clássicos, a assembleia-geral dos sócios da A. P. E. C , a fim de eleger a Direcção para o ano lectivo de 1985-86,

O Tesoureiro cessante, Doutor Manuel de Oliveira Pulquério. apresentou o relatório das contas do ano findo, que apresentam saldo positivo. Por unanimidade, o trabalho foi aprovado e louvado o

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seu autor. Deliberou-se fazer nova tentativa, junto do Instituto Nacional de Investigação Científica, para obter deste o pagamento da cota da Associação devida à F. I. A. E. C.

Procedeu-se, em seguida, à eleição. Por proposta do Dou­tor Sebastião Tavares de Pinho, foi reeleita a Direcção do ano anterior.

O Presidente agradeceu esta renovada prova de confiança e apre­sentou sugestões para o preenchimento do programa de actividades a desenvolver ao longo do ano lectivo.

A Itália nos primórdios do Humanismo em Portugal foi o tema da comunicação de abertura, apresentada pelo Doutor Américo da Costa Ramalho. Aproveitando alguns dos textos latinos, acompa­nhados de versão portuguesa, incluídos no seu recente livro Latim renascentista em Portugal (antologia), ocupou-se do período inicial do humanismo em Portugal, caracterizado pelo contacto directo com a Itália, fonte primeira do humanismo europeu do Renascimento. Falou de portugueses que estudaram em Itália, ainda antes do final do século xv, como o bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, a cujo discurso latino em Roma (31 de Agosto de 1481) se referiu demora­damente. Tratou depois de Luís Teixeira e de seus sobrinhos Luís, Álvaro e Tristão; de Henrique Caiado; de Martim de Figueiredo e de seu sobrinho Aires Barbosa. Entre os italianos que vieram para Portugal, escolheu Cataldo Parísio, e ocupou-se também de alguns portugueses que aparecem na sua obra : o bispo de Ceuta, D. Fernando de Almeida, que em 1493 pronunciou a oração de obediência ao Papa; o segundo marquês de Vila Real, D. Fernando de Meneses, chamado no seu tempo "pai da língua latina"; seu filho, o segundo conde de Alcoutim e futuro terceiro marquês de Vila Real, que em 18 de Outubro de 1504 pronunciou a oração de sapiência na Universidade de Lisboa, perante o rei D. Manuel; D. Martinho de Castelo Branco, primeiro conde de Vila Nova de Portimão, herói do Verus Salomon Martinus; seu genro, João Rodrigues de Sá de Meneses e o seu diálogo De Plátano. Outros referidos foram ainda D. Miguel da Silva, bispo de Viseu e futuro cardeal; Salvador Fernandes, que em princípios de 1509 saudou os marqueses de Vila Real, na entrada solene que fizeram nesta cidade, em discurso incluído em Latim renascentista em Portugal. Tratou, por último, da carta de Martim de Figueiredo ao jovem rei D. João III, para concluir que vinham efectivamente de Itália a mentalidade e a

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cultura que informa esse texto humanístico, publicado em 1529 e tra­duzido também naquela antologia.

No fim da comunicação, o Doutor Geraldes Freire pediu e obteve alguns esclarecimentos complementares.

Em 7 de Fevereiro, o Dr. Vasco Gil Mantas falou sobre as Novas descobertas em Idanha-a-Velha: epigrafia e arquitectura. Em seu entender, a revisão do material epigráíico luso-romano de Idanha-a--Velha, efectuada entre 1982 e 1985, permitiu rectificar numerosas leituras e levou à descoberta de muitas inscrições inéditas (cerca de quarenta). Actualmente, era possível considerar a hipótese de a capital da Ciuitas Igaeditanorum ter sido fundada em 34 a. C. por Gaio Nor-bano Flaco, deductor da Colónia Norba Caesarina (Cáceres). Con-firmava-se a promoção da cidade ao estatuto municipal sob os Flávios e evidenciavam-se laços muito estreitos com Bobadela, em especial através dos Iulii Modesti e de Gaio Câncio Modestino, indiscutivel­mente natural de Idanha. A este último se devem atribuir, de ora avante, com toda a segurança, a construção do templo de Vénus, cujo pódio e restos do recinto ainda se conservam, e do templo de Marte, de localização incerta. A planta do primeiro corresponde à de numerosos edifícios construídos ou restaurados no último quartel do século I. Assim, tornava-se possível analisar, através de novos e valiosos testemunhos, problemas tão importantes como os que res­peitam à arquitectura, religião oficial e evergetismo em uma capital regional do interior da Lusitânia.

A comunicação foi ilustrada com projecções. O Dr. Vasco Mantas deu, no final, mais algumas informações que lhe foram soli­citadas pelos Doutores Maria Helena da Rocha Pereira e Américo da Costa Ramalho e pelo Dr. Francisco de Oliveira.

Horácio — Ricardo Reis: confluências formais foi o tema desen­volvido pelo Prof. Silva Belkior na sessão de 12 de Março. Referiu as numerosas tentativas de interpretação do heterónimo Ricardo Reis no conjunto da obra de Fernando Pessoa; as dificuldades que oferece a leitura dos manuscritos do poeta (a vulgata contém nume­rosos erros de leitura); e os subsídios, por vezes remotos, que pode oferecer o confronto com a obra do Venusino.

Intervieram na apreciação final do trabalho os Doutores Costa Ramalho e Maria Helena da Rocha Pereira.

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Na sessão de 15 de Abril, o Doutor Jorge Alves Osório apresentou uma comunicação sobre O diálogo no humanismo português. Começou por afirmar que a forma dialógica do discurso literário foi amplamente utilizada pelos autores humanistas. Não se tratava, em termos rigo­rosos, de retomar a disputatio medieval, mas de instituir as condições retóricas para que o texto se revestisse das características de verosi­milhança histórica e psicológica a que os humanistas tanta importância atribuíam. Cícero foi, naturalmente, o modelo seguido, já que a suges­tão do "realismo" no discurso dialogado encontrava nele uma auto­ridade de fácil imitação. Acrescentou que, no caso português, fora sobretudo a partir dos anos trinta do século xvi que se pôde observar a emergência de obras em forma dialogada (João de Barros, Francisco de Holanda, Heitor Pinto, etc., em língua vulgar; Luísa Sigeia, Jeró­nimo Osório, etc., em latim). Registou, por último, que não fora numerosa, entre nós, a literatura dialógica. Quanto às razões do facto, haveria que buscá-las no estudo cuidadoso de cada autor e na observação do contexto cultural português na época de Quinhentos.

O Doutor Jorge Osório respondeu, no rim, a questões levantadas pelos Doutores Costa Ramalho, Aníbal Pinto de Castro e Sebastião Tavares de Pinho.

A guerra e a paz nas "Suplicantes" de Euripides foi o tema desen­volvido pelo Doutor José Ribeiro Ferreira na sessão de 5 de Maio. Analisou a distinção que o poeta faz, nesta tragédia, entre guerra justa e guerra injusta; realçou a ideia do sofrimento que a guerra provoca, explorado nesta peça e em outras de tema semelhante; e concluiu que, no tratamento desse tema, Euripides foca os acontecimentos, de um modo geral, pela perspectiva dos vencidos, sobretudo as mulheres e as crianças — seres inocentes e indefesos sobre os quais recaem as consequências mais gravosas.

Formularam perguntas, a que o Doutor Ribeiro Ferreira respon­deu, os Drs. Francisco de Oliveira e Paulo Cunha.

Na sessão de 24 de Junho, o Doutor Sebastião Tavares de Pinho apresentou uma comunicação sobre a Correspondência latina de D. Jeró­nimo Osório : o ponto da situação e alguns aspectos do seu humanismo. Começou por lembrar certos problemas que levanta a constituição e organização do corpus da epistolografia latina de D. Jerónimo Osório, resultantes em parte da falta de identificação de alguns dos seus expe-

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didores e destinatários e, sobretudo, do desaparecimento de um número considerável de peças da sua correspondência. Acrescentou que, apesar disso, era possível reunir actualmente um conjunto de mais de sessenta cartas trocadas entre o que foi «le plus achevé des huma­nistes portugais» (para usar a expressão de quem melhor o estudou no nosso tempo) e cerca de vinte das mais proeminentes figuras do humanismo em Portugal e, em particular, no estrangeiro. Daí a importância do estudo desta faceta da actividade literária do maior prosador novilatino português de todos os tempos, pela soma de infor­mações de carácter histórico, biográfico, cultural e ideológico que a sua correspondência propicia sobre o ambiente humanístico europeu do século xvi. A leitura e tradução de alguns extractos epistolares ofereceu, por fim, a oportunidade de apreciar o estilo osoriano e de avaliar as preocupações maiores que preenchiam a vida e o coração dos homens do Renascimento, como o amor do saber, o culto da amizade, o reconhecimento do mérito alheio e a correspondência na gratidão.

Intervieram no comentário final do trabalho o Doutor Costa Ramalho e o Dr. Carlos Alberto Louro Fonseca.

A habitual excursão de encerramento das actividades do ano lectivo teve por meta a visita das ruínas de Egitânia e do museu arqueo­lógico de Castelo Branco. Orientaram a excursão o Doutor José Geraldes Freire e o arqueólogo Dr. Vasco Mantas.

A comitiva da A. P. E. C. foi recebida pelo Senhor Dr. Joaquim Mourão, presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, que obsequiou os visitantes com um almoço regional.

W. M.

O HUMANISMO PORTUGUÊS 1500-1600

PRIMEIRO SIMPÓSIO NACIONAL

Numa organização da responsabilidade da Academia de Ciências de Lisboa, decorreu, de 21 a 25 de Outubro de 1985, o Primeiro Sim­pósio Nacional subordinado ao tema O Humanismo Português 1500-1600.

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As actividades deste simpósio (para além dos actos sociais) divi-diram-se em conferências, que se realizaram em Coimbra (Biblioteca Joanina e Arquivo da Universidade), Lisboa (Academia das Ciências) e Évora (Universidade); exposições bibliográficas (Biblioteca-Geral da Universidade de Coimbra, Academia das Ciências de Lisboa e Palácio Ducal de Vila Viçosa) e uma exposição documental no Arquivo da Universidade de Coimbra. Finalmente, a encerrar a sessão final, houve um recital de música renascentista pela cravista Cremilde Rosado Fernandes.

A sessão de encerramento teve a presidi-la o Presidente da Aca­demia de Ciências de Lisboa, Prof. Doutor José Pinto Peixoto, que representava também o Presidente da República, e contou, entre outras personalidades, com a presença do Presidente do Conselho de Admi­nistração da Fundação Calouste Gulbenkian, Dr. Azeredo Perdigão, e, em representação do Reitor da Universidade de Coimbra, da Prof. Doutora Maria Helena da Rocha Pereira.

Entre os vários aspectos positivos deste Simpósio, julgamos dever salientar a grande variedade temática que foi abordada pelo conjunto dos conferencistas, com particular realce para os temas direc­tamente relacionados com os textos em latim, que foram alvo de um tratamento privilegiado, e ainda o bom nível da maior parte das con­ferências proferidas e a boa qualidade das exposições patentes aos simposistas.

Com vista, sobretudo, a futuras realizações semelhantes, não pode­mos também deixar de fazer alguns pequenos reparos: o primeiro diz respeito à fraca divulgação dada a este Simpósio, de tal maneira que algumas pessoas interessadas em participar só tiveram conheci­mento da sua realização alguns dias antes do seu início ou, o que é bem pior, quando ele já ia a meio; a segunda refere-se à sobrecarga de conferências diárias: pensamos que os trabalhos seriam muito mais proveitosos se houvesse menos conferências e mais tempo para debate no final de cada uma.

No número dos conferencistas convirá registar a participação dos investigadores do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, Profs. Doutores Américo da Costa Ramalho, Maria Helena da Rocha Pereira, Jorge Alves Osório, Sebastião Tavares de Pinho e Dr.a Nair de Nazaré Castro Soares. Foi a organização, aliás, quem ao Centro atribuiu um lugar de destaque e pôs em relevo o importante e meritório papel que por ele tem sido desempenhado,

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bem como pelo Instituto de Estudos Clássicos;, na investigação sobre o Humanismo Português, quer pelo realce dado às conferências do Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho — que, de maneira brilhante, teve a honra de inaugurar o ciclo de lições deste Simpósio — e da Prof. Doutora Maria Helena da Rocha Pereira que encerrou a sessão inaugural, quer pelas palavras de estímulo e de franco louvor que lhes foram endereçadas na apresentação do Simpósio pelo Prof. Doutor José V. de Pina Martins e pelo Dr. José Hermano Saraiva na sessão de encerramento.

E, já que falámos na apresentação do Simpósio, seja-nos permitido relembrar o apelo feito pelo Prof. Doutor Pina Martins ao Senhor Reitor da Universidade de Coimbra no sentido de ser. restaurada a Imprensa da Universidade que tantos e tão bons serviços prestou à cultura portuguesa.

Entre as conclusões deste Simpósio algumas há que nos parecem merecedoras de uma menção especial: em primeiro lugar, o reconhe­cimento do latim como língua de cultura, não apenas no que se refere à época quinhentista, mas também, e sobretudo, nestes nossos tempos em que tantas tribulações tem sofrido, com a consequente proposta de lhe ser dado o devido relevo nos curricula do ensino oficial (esta proposta encontrou, aliás, eco assinalável em artigos de alguns jor­nais e não queremos deixar de salientar um artigo da autoria de Raul Rego, publicado no Jornal de Notícias de 5 de Novembro de 1985, com o título «Contra ventos e marés: os tempos de latim», que de uma maneira brilhante faz a defesa do Latim e do Humanismo); ficou também planeada a realização do II Simpósio para o ano de 1987 — (Coimbra será o principal centro de actividades, mas haverá algumas realizações nas cidades de Braga, Porto, Guimarães e Lisboa) e a efec­tivação de um ciclo de conferências dedicado a Erasmo no ano de 1986.

Não poderíamos terminar sem dirigir palavras de franca congra­tulação ao principal mentor deste I Simpósio, Prof. Doutor Pina Martins, pelo notável esforço e empenho postos nesta organização e fazer votos para que muito em breve sejam publicadas as actas, as quais facultarão a todos os que se interessam pelos estudos do Humanismo a possibilidade de apreciarem o muito — e muito importante — que durante este Simpósio foi dado a público.

JOãO MANUEL NUNES TORRãO

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300 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

O FESTIVAL DE TEATRO CLÁSSICO DE ATENAS,

NO VERÃO DE 1986

Atenas viveu, este ano, mais um festival de teatro clássico, que decorreu entre 17 de Junho e 14 de Setembro, e teve por cenário o Odéon de Herodes Ático. A reposição de alguns dos mais famosos textos dramáticos da Grécia clássica, repartidos pelos géneros trágico e cómico, esteve a cargo de vários grupos teatrais, que desenvolvem actualmente uma importante actividade no sentido de divulgar, dentro e fora do país, as peças de Esquilo, Sófocles, Euripides e Aristófanes.

O programa iniciou-se com duas representações, feitas pela com­panhia japonesa Waseda Sho-Gekijo, que, sob a orientação do seu director T. Suzuki, tem pretendido salientar, da tragédia grega, temá­ticas que sensibilizem o espectador actual pela modernidade do seu conteúdo. Assim, para além de Troianas de Euripides, que desenvolve, na opinião de Suzuki, 'um drama fundamental do nosso tempo, a ansie­dade perante o desastre iminente', a Waseda Sho-Gekijo apresentou Clitemnestra, um original inspirado nos tratamentos que Esquilo, Sófo­cles e Euripides deram ao mito de Agamémnon. Esta produção procu­rou ir ao encontro de uma problemática vital nos nossos dias, 'o isola­mento cada vez maior a que é forçado o ser humano, obrigado a viver num estado de caos espiritual. Tal facto torna-se patente através da desintegração da família, que é o núcleo fundamental da sociedade'.

O programa de tragédia prosseguiu com a apresentação de Electra de Sófocles, pela Companhia de Teatro Experimental, vocacionada para o encorajamento de novos talentos, sob a direcção de M. Rialdi. Algumas tentativas curiosas têm sido feitas por este grupo, no sentido de uma escolha criteriosa dos locais de representação, como um ele­mento essencial à expressividade do espectáculo. Antigas mansões, instalações fabris ao abandono, e outros cenários igualmente marcados pela excentricidade, proporcionam o ambiente duro e agreste, onde o abandono e a decadência constituem o envolvimento mais conveniente para a recriação de uma tragédia. Assim, a Electra de Sófocles havia sido enquadrada no recinto de uma velha produtora de gelo, ou mesmo nas hoje abandonadas minas do Láurion, que pareceram a Rialdi proporcionar condições excelentes de dramatismo. Ainda que adaptada ao cenário próprio do Odéon de Herodes Ático, esta peça tornou-se um êxito no repertório do Teatro Experimental, já por várias vezes consagrado fora da Grécia.

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NOTICIAS E COMENTAMOS 301

Esquilo reviveu através de Euménides, na interpretação do Amphi--Teatro. Finalmente Euripides coroou o repertório trágico: o Teatro Estatal da Grécia do Norte, responsável por uma acção cultural proe­minente, sediada em Tessalonica, apresentou Suplicantes. Coube ao Teatro Nacional ocupar-se de Electra de Euripides e, deste modo, prosseguir a concretização dos objectivos para que foi criado: o de retomar fielmente a tradição do teatro clássico, tendo sempre em vista a necessidade de explorar as potencialidades formais e interpretativas que cada peça proporciona. Dentro destas condicionantes — tradi­ção e criatividade —, a Companhia de Teatro Nacional tem empreen­dido um trabalho de rara qualidade e obtido um êxito superior às expectativas mais optimistas. Euripides encerrou a série trágica com Medeia, pela Associação Intelectual e Artística 'Desmi'. A vasta experiência que este grupo de escritores e artistas possui, na divul­gação, de forma ampla e acessível, do teatro clássico junto das grandes massas, contribuiu para uma bem sucedida representação da tragédia que atingiu a inconformada esposa de Jasão.

O calendário de verão do teatro de Herodes Ático contemplou ainda duas comédias de Aristófanes: o Teatro da Arte representou As mulheres que celebram as Tesmofórias, com a qual, no ano de 411 a .C, Aristófanes empreendeu uma caricatura de fôlego da produção trágica de Euripides; a companhia Proscenium, sob a direcção de A. Solomos, apresentou Lisistrata, a peça que, também em 411 a.C, fez uma sabo­rosa reflexão sobre a urgência de obter a paz entre os Gregos. A exi­bição de comédias nos festivais de teatro clássico da actualidade, na Grécia, remonta aos últimos trinta anos. Foi em 1956 que o público moderno pôde saborear as criações do mais popular comediógrafo da Antiguidade, através de uma representação de Mulheres no Parlamento, pelo Teatro Nacional da Grécia; este espectáculo restabeleceu a tra­dição de uma forma dramática, que justamente recuperou uma par­ticipação regular nos festivais e uma tradicional popularidade.

Empenhados no objectivo comum de preservarem e dignificarem o património teatral da Grécia clássica, as várias companhias pro­porcionaram a um público misto de gregos e estrangeiros momentos inesquecíveis de arte; do seu trabalho recolheram o melhor galardão: a adesão entusiástica e o aplauso vibrante de muitos milhares de espectadores.

MARIA DE FáTIMA SOUSA E SILVA

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302 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

III CONGRESSO INTERNACIONAL

DE ESTUDOS PESSOANOS

Em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, de 2 a 4 de Dezem­bro de 1985, desenrolou-se o III Congresso Internacional de Estudos Pessoanos. Algumas dezenas de estudiosos de Pessoa, nacionais e estrangeiros, redisseram muitas coisas de maneira, por vezes, nova, e outras nec noua nec noue. Poucas as autênticas novidades.

Uma das iniciativas mais interessantes do Colóquio foi a exposição «Fernando Pessoa, coração de ninguém», organizada pela Professora Teresa Rita Lopes, da Universidade Nova de Lisboa. Aí podiam ver-se em mostruários alguns daqueles pedaços de papel e folhas soltas em que Pessoa lançava as suas congeminações poéticas.

Em uma delas esquemas, tirados certamente de um livro inglês da época, da ode sanca e da ode alcaica de Horácio. Em outra, a tradução da ode «Ad Pyrrham» (I, v), em verso e em inglês, datada de 9 de Maio de 1904, portanto da fase final de Durban. Esta impor­tante documentação encontra-se na p. 83 do catálogo da exposição.

Para um melhor conhecimento dos estudos pessoanos de Latim, teve igualmente muito interesse a conferência do professor brasileiro Silva Belkior, «Horácio-Ricardo Reis, confiuências formais» que pude ouvir só em Coimbra, repetida para a Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, em Março de 1986. Foi então que tive conheci­mento de dois livros seus que Silva Belkior ofereceu à biblioteca do Instituto de Estudos Clássicos: Fontes latinas de Fernando Pessoa e. correcção ao texto das Odes de Ricardo-Reis. Rio de Janeiro, 1983, 88 pp.; e Horácio e Fernando Pessoa; o amor, as mulheres e os poemas eróticos censurados. Rio de Janeiro, 1982, 92 pp.

AMéRICO DA COSTA RAMALHO

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COLLOQVIUM TVLLIANVM ANNI MCMLXXXVI

Na bela cidade turística de Merano, entre paisagens alpinas ainda com restos de neve, realizou-se, de 18 a 20 de Abril de 1986, o coló­quio em epígrafe. O programa foi, como a cidade, bilingue, e teve por tema «Cicerone e il Ciceronianismo nel mondo cultural di lingua tedesca» ou «Cicero und der Ciceronianismus in dem deutschsprachigen Kulturbereich».

O Colloquium foi promovido pelo Centro di Studi Ciceroniani a que preside o Ministro Giulio Andreotti, a quem agradeço o honroso convite para estar presente. Tem como vice-presidente o Professor Scevola Mariotti.

Na sessão inaugural falou o presidente da República de Itália, ido expressamente de Roma, enquanto pairava no ar a ameaça dos fogue­tões líbios. O Presidente Francesco Cossiga elogiou o papel do Latim na universalidade de Roma e a figura de Cícero como expoente da História da Civilização. Depois dele, o Ministro Giulio Andreotti abundou nos louvores do Arpinate e da sua projecção na Cultura do Ocidente.

As comunicações sobre Cícero na Cultura Alemã sucederam-se, com particular relevo para a História do Humanismo, pois quase tantas vezes como o próprio Cícero, foi mencionado Filipe Melanchton, figura máxima do ciceronianismo alemão. A este respeito, uma das melhores comunicações foi a de Gioachino Chiarini, professor da Uni­versidade Pisa, que falou sobre «Melantone e i suoi amici. Per una storia dei Ciceronianismo in Germânia».

Outra conferência de muito interesse foi a de Michael D. Reeve, da Universidade de Cambridge, que falou em italiano sobre «Codici tedeschi di Cicerone».

Entre as mais vivas, e seguidas com maior interesse, esteve a de Wilfried Stroh, da Universidade de Munique, que dissertou em latim «De Ciceronis Demosthenisque eloquentia quid critici Germani iudi-cauerint quaeritur». O Professor Stroh tivera o cuidado de distribuir previamente o seu texto latino que a assistência pôde seguir numa leitura expressiva, polvilhada de comentários à margem. A partir de um epigrama em alemão de Gottlieb Conrad Pfeffel (n. 1790), que

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o conferente traduziu em dois dísticos elegíacos, e cuja origem dilucidou, foi analisado o conceito germânico de que em Cícero estava a beleza oratória e em Demóstenes a sua eficiência.

Enfim, um belo e bem organizado congresso, levado a efeito no ambiente confortável do Grand Hotel Bristol, de Merano, num con­vívio civilizado e estimulante de classicistas de duas dúzias de paízes diferentes.

A, C. R.

SIÁMO TUTTI LATINISTI

No Verão de 1986, em Agosto, saiu em Itália um livro de Cesare Marchi, conhecido criador de programas de televisão sobre a língua italiana. O subtítulo de Siamo tutti latinisti é Divagazioni e istruzioni per l'uso dette 500 parole che ogni giorno prendiamo ai latino senza saper lo. Dell'autorre di Impariamo L'Italiano. Esta última obra alcançou já dez edições, para o que contribuiu certamente a populari­dade televisiva do autor.

Em Siamo tutti latinisti, cada palavra ou expressão latina, colocada por ordem alfabética, é objecto de uma pequena explicação que lembra os Adagia de Erasmo, mas neste caso em italiano.

Com inegável imaginação e muitas vezes por meio de inesperadas associações de ideias, estes comentários, cheios de humor, abordam aspectos da vida, desde a Antiguidade Clássica aos nossos dias, e são particularmente ricos em matéria de anedotário político e social de Itália.

A terminar esta breve nota, sobre um livro que li com muito gosto, uma tradução dos períodos finais, dedicados à expressão Ex Libris: «O ex-libris servia também para recordar aos esquecidos o nome do proprietário do livro emprestado e o dever de restituí-lo. Coisa que raramente acontece. Por isso, quando lhe pedirem que empreste um livro, seja generoso: ofereça-o. O resultado final é o mesmo e, o que é mais, fará boa figura.»

A. C. R.

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MARIA BELLONCI (1902-1986)

Faleceu este ano uma romancista que era, ao mesmo tempo, como historiador, um dos melhores conhecedores das personagens e dos acontecimentos do Renascimento italiano. Famosa desde a publi­cação de Lucrezia Borgia (1934), traduzido hoje em muitas línguas, os livros seguintes não fizeram senão aumentar a sua fama.

Li estas férias grandes (1986) em Itália, o seu último livro, Rinas-cimento Privato (romanzo). Publicado em 1985, em Julho de 1986 saía a 6.a edição.

Trata-se de um daqueles romances históricos que, como pretendia Alexandre Herculano, reconstituem melhor uma época do que as sábias e indigestas disquisições de muitos historiadores.

O período abrangido em Rinascimento Privato é o da especialidade de Maria Bellonci, e o romance apresenta-se como uma imaginária autobiografia de Isabel de Este (m. 1539), marquesa de Mântua: uma Este de Ferrara, casada com um Gonzaga.

Os meandros políticos desse período agitado de Itália, invadida por espanhóis, franceses e alemães, são tratados com a mestria de quem domina a documentação do final do século xv e das primeiras décadas do século xvi, como poucos. Depois, a intuição psicológica e um estilo vivo e atraente tornam este livro um daqueles, cuja leitura, uma vez iniciada, dificilmente pode ser interrompida.

A. C. R.

AMATO LUSITANO EM ANCONA

Durante uma pesquisa feita em Fermo, na Biblioteca Comunale, conheci pessoalmente o Professor Mario Santoro, «Reggente dello Studio Firmiano delPAntica Università».

A Biblioteca Comunale, considerada a mais importante das Marcas, encontra-se instalada no Palazzo degli Studi onde funcionou a antiga Universidade, instituída por Bonifácio IX, em 1398. Hoje o Studio

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Firmiano organiza congressos anuais de «Studi Storici deli'Arte Medica e delia Scienza».

Mais tarde, na sua residência, o Professor Santoro teve a ama­bilidade de ler-me trechos do livro a publicar a respeito do médico João Rodrigues de Castelo Branco (Amato Lusitano).

Baseando-se em informações do Comentário a Dioscórides e das Centúrias de Amato, o Prof. Santoro consegue traçar um sugestivo quadro da vida social de Ancona, nos anos em que aí viveu o médico português. Com efeito, Amato Lusitano, cuja competência pro­fissional e sociabilidade lhe permitiam o acesso a todas as casas sem distinção, em nada obstando a circunstância de ser judeu, foi médico de grandes e pequenos, e até de eclesiásticos de todos os níveis sociais, e de conventos de freiras. Com uma visão larga do mundo, tornou-se um comentador de rara perspicácia da vida que o rodeava.

Aguardo, por isso, com expectativa e vivo interesse o aparecimento do livro do Prof. Mario Santoro.

A. C. R.

COLÓQUIO INTERNACIONAL

LE LIVRE DANS L'EUROPE DE LA RENAISSANCE (1455-1620)

No verão de cada ano, o Centre d'Études Supérieures de la Renais­sance de Tours organiza um colóquio dedicado ao Humanismo renas­centista.

De 1 a 11 de Julho de 1985, realizou-se o Vingt-huitième Colloque International d'Etudes Humanistes sobre o livro na Europa do Renas­cimento (1455-1620), sob a direcção do famoso especialista da história do livro em França, Henri-Jean Martin, da École National des Chartes e de Pierre Aquilon, de Tours.

Abrangeu este colóquio uma vasta temática, que incidiu sobre aspectos gerais e específicos da concepção do livro: formato, caracteres e ilustração, produção e venda, controle e difusão, conteúdo ideológico e importância não só na expressão dos valores clássicos — com a edi-

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ção das obras dos autores da Antiguidade, quer no original, quer em tradução — mas também de uma mentalidade e cultura florescentes com as suas particularidades próprias.

Esta enunciação genérica fica naturalmente muito limitada pela falta de individuação temática e contributo pessoal que cada comuni­cação trouxe para a história do livro no século xvi, tanto na Europa Ocidental como Oriental, e para história das ideias desta época. Esta limitação poderá ser suprida pela leitura das Actas do colóquio, a publicar pela livraria Vrin, de Paris.

Com um programa preenchidíssimo, contou com mais de meia centena de conferencistas das muitas cidades universitárias francesas e das mais diversas proveniências: Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda, Hungria, Inglaterra, Israel, Itália, Jugoslávia, Portugal.

Uma exposição organizada pela Biblioteca Municipal de Tours ilustrou a história do livro em França e apresentou exemplares pre­ciosos desta época. A riqueza da Biblioteca Municipal de Loches, em livros renascentistas, foi motivo da sua visita.

Com uma organização primorosa, este colóquio honrou o pres­tígio do Centre d'Études Supérieures de la Renaissance de Tours e pôs à prova a eficiência e dotes intelectuais e humanos de Pierre Aquilon, jovem professor deste centro anfitrião.

NAIR DE NAZARé CASTRO SOARES

JORNADA DE ESTUDO INTERNACIONAL

PIERRE DE LA RAMÉE

Teve lugar no Centre National de Recherche Scientifique, em Paris, no dia 7 de Dezembro de 1985, uma jornada de estudo sobre Pierre de la Ramée, organizada pelo Centre d'Études Supérieures de la Renaissance de Tours (Prof. J. C. Margolin) e o Centre d'Histoire des Sciences et des Doctrines (Prof. A. Robinet).

Apresentaram comunicações, seguidas de debate, os professores e especialistas : Pierre Magnard (Poitiers) ; Kees Meerhoff (Amsterdam) ;

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Nelly Bruyère (Tours); Lisa Jardine-Hare (Cambridge); Wilhelm Risse (Sarrebriicken); Sylvain Mathon (Paris); Cesare Vasoli (Firenze). Os temas abordados foram os seguintes : a concepção ramista da «ratio studiorum»; Ramus e Cícero; o estatuto da invenção na dialéctica de P. de la Ramée; o humanismo pragmático de Gabriel Harvey e Pierre de la Ramée; a importância de Aristóteles na formação filosófica e no pensamento de P. de la Ramée; o confronto La Ramée-Char-pentier a propósito de Aristóteles ; temas e razão da polémica em torno de Aristóteles, de Pierre de la Ramée a Francesco Patrizi.

Apesar de nenhum conferencista se ter debruçado particularmente sobre António de Gouveia e o papel relevante que teve a sua defesa de Aristóteles, perante os ataques que lhe foram movidos por Pierre de la Ramée, a importância do humanista português foi realçada no debate final, em que tivemos a oportunidade de intervir. O mesmo se dirá dos famosos comentários a Aristóteles dos Conimbricenses e sua importância na orientação filosófica da segunda metade do século xvi, ligada sobretudo ao magistério da Companhia de Jesus.

N. N. C. S.

JORNADAS INTERNACIONAIS JOURNÉES ERASME: ÉLOGE DE LA FOLIE — COLLOQUES

O Centre Culturel Suisse, em Paris, e a Universidade de Bâle, com o concurso da Maison des Sciences de l'Homme (Paris), organi­zaram as Jornadas Erasmo, comemorativas do 450° ano da morte do humanista de Roterdão.

Decorreram durante dois dias, 11 e 12 de Abril de 1986, no Centre Culturel Suisse, em Paris, com a participação de prestigiosos inves­tigadores franceses e estrangeiros.

No primeiro dia, sob a presidência do Prof. Robert Aulotte (Sor-bonne), foram apresentadas as comunicações seguintes:

— M. Fumaroli (Sorbonne) : «L'éloquence de la folie» ; — M. Tetel (Duke University): «Éloge de la folie: captatio bene-

volentiae»;

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— E. Kushner (Mc Gill University) : «Le Colloque et l'inscription de l'Autre dans le discours»;

— J.-Cl. Margolin (Tours): «Culture, rhétorique et satire dans l'Echo» ;

— M. À. Screech (All Souls College, Oxford): «L'Éloge de la Folie: folie ou manie?»;

— Ch. Bene (Grenoble) : «Echos d'un colloque controversé, Le Naufrage» ;

Sob a presidência de M. A. Screech, tiveram lugar, no segundo dia, as comunicações:

— A. Godin (C.N.R.S.): «Erasme et le sacré: Peregrinatio reli-gionis ergo.»;

— Fr. Bierlaire (Liège): Les ecclésiastiques dans les Colloques»;

— J. Chomarat (Sorbonne): «L'amour dans l'Éloge de la Folie et dans les Colloques»;

— R. Hoven (Liège) : «Le Conflictus Thaliae et Barbariei, un colloque d'Erasme?»;

— J. V. de Pina Martins (Lisboa) : «Présence du Moriae encomium et des Colloquia dans l'humanisme portugais»;

— A. Chastel (Collège de France): «L'ennemi de la magnificence». Cada comunicação foi seguida de debate, o que preencheu inte­

gralmente estes dois dias de sessões. As conclusões ficaram a cargo do Prof. J.-Cl. Margolin que, com

a finura e a elegância habituais, apresentou, de forma leve mas pro­funda, o arranjo floral que a interligação e a ordenação dos temas sugeriu.

N. N. C. S.

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ÉRÁSME DE ROTTERDAM (1536-1986). COLLOQUE

INTERNATIONAL D'ÉTUDES HUMANISTES. UNIVERSIDADE

DE TOURS, CENTRE D'ÉTUDES SUPÉRIEURES DE LA

RENAISSANCE, 1-5 DE JULHO DE 1986

Em 1967 Marcel Bataillon notava que nos numerosos títulos da produção, toda em latim, de Desidério Erasmo de Roterdão, não se encontrava o nome da Europa, ao contrário do que se verificava em outros autores humanistas anteriores. E aduzia a afirmação do pró­prio Erasmo: «ego mundi ciuis esse cupio». Todavia, e como já anotava o erasmista e hispanista que nos deixou Erasmo y Espana, dificilmente se encontraria figura mais simbolizadora do mundo europeu, nesse ponto de cruzamento entre o legado histórico-cultural e a reali­dade histórico-geográfica que passou a ser a cultura europeia a partir do humanismo e da imprensa tipográfica.

Desidério Erasmo morreu há 450 anos, na noite de 11 para 12 de Julho de 1536, em Basileia, no centro desse mundo de que desejava ser unicamente cidadão. Mas esse seu mundo, essa Europa que ainda tanto fazia depender a sua política da bacia mediterrânica, estava já dividida em duas grandes obediências religiosas. Durante largos anos Erasmo esforçara-se por persuadir os principais mentores de um e outro a encontrarem a coincidência minimamente unificadora no sentido e valor teológico das palavras e dos textos, persuadido, como sempre esteve, de que o núcleo de tão grave questão residia precisa e exclusivamente aí. Mas as humaniores litterae ou os studia humani-tatis, ainda que cristianizados pela pietas Christiana, mais do que para unificar os opositores, serviam sobretudo para os diferenciar. Seja como for, independentemente da posição ocupada por Erasmo na história tumultuosa da doutrina religiosa e das correntes espirituais da primeira metade do séc. xvi, a verdade é que a figura do humanista de Roterdão se avoluma hoje graças a uma investigação intensa e fecunda, bem patenteada na iniciativa da publicação de uma edição crítica (ASD), que, após a setecentista de Leida (LB), marcará por muitos anos a história dos estudos erasmistas.

Dentre as iniciativas que, na Europa de 1986, se realizaram para assinalar os 450 anos passados sobre a morte do autor do Enchiridion

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NOTICIAS E COMENTÁRIOS 311

Militis Christiani, do Encomium Moriae, dos Colloquia Familiaria, do Ecclesiastes, de que falava, no fim da vida, ao português Damião de Góis, referimos aqui o «Colloque Érasme» que, entre 1 e 5 de Julho, teve lugar no Centre d'Études Supérieures de la Renaissance de Tours, instituição que possui hoje uma larga experiência de investigação sobre diversíssimos aspectos do humanismo europeu do séc. xvi.

O programa anunciava 33 títulos de comunicações; aquelas que efectivamente foram apresentadas — e foram-no quase todas — ocupa­ram as oito sessões dos cinco dias do encontro.

Nesse contexto tornou-se possível assistir à apresentação de novas análises e explorações temáticas sobre pontos obscuros — e no caso de Erasmo tantos são ainda! —, as quais nos conduziram desde a subtil e sugestiva análise de J. Chomarat sobre as razões que terão levado Erasmo a abraçar e, depois, procurar abandonar o monacato, com as repercussões (psicológicas, mas não só) que foram ficando dissemi­nadas pela sua obra e pelas atitudes dos seus contemporâneos, («Pour­quoi Erasme s'est-il fait moine?»), até às relações do Roterodamês com os homens do seu tempo (A. Godin, «Erasme, Aléandre: une étrange familiarité»; G. Marc'Hadour, «William Tyndale entre Erasme et Luther»; J. Pendergrass, «François Cassander, un correspondant d'Erasme»), desde perspectivas sobre algumas das suas obras (L.-Halkin, «Erasme et Y Eloge de la Folie» ; P. Bientenholz, « «Simulatio» : Erasme et les interprétations controversées de Galates 2, 11-14»; A. Jolidon, «Erasme et Rodolphe Agrícola, traducteurs du Coq de Lucien»; I. Backus, «Quelques remarques sur la version inédite de la Pafaphrasis in Evangelium Johannis (1523?)»; E. Kinowaki, «Erasme et sa para­phrase de YÉpître de Jacques, 1520»; A. Weiler, «La Consultatio de bello Tufcico, une oeuvre de piété politique»; Mann Phillips, «Erasme et les Adages»), até facetas da sua atitude perante o mundo e a época (Ch. Béné, «Le Commentaire du Psaume XIV, testament spirituel d'Erasme»; S. Seidel-Menchil, «Erasme devant l'Inquisiteur»; J. Weiss, «Erasme et Mélanchton d'après la Vita Erasmi (1557) de Mélanchton» ; K. Garber, «Erasme et l'utopie de la paix dans l'humanisme européen»), desde a projecção da obra erasmiana no séc. xvi e nos tempos pos­teriores (L. Gualdo Rosa, «Quelques notes sur l'accueil en Italie de VInstitutio principis Christiani dans la premiere moitié du xvie siècle» ; J.-C. Margolin, «Erasme à l'époque des «Lumières»: une traduction française inédite du De contemptu mundi», que nos revelou quanto urge investigar o modo de 1er textos de Erasmo em épocas tão contro-

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312 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

versas como o séc. xvm; M. Knops, «L'humaniste allemand Eber-hardus Tappius et les Adages d'Erasme»; M. A. Screech, «Erasme et Rabelais mythographe»), desde aspectos do seu pensamento (J. Hirs-tein, «Erasme, Egnazio et l'Histoire Auguste»), até perspectivas sobre a sua expressão literária (A. Michel, «La parole et la beauté chez Erasme»; J. A. Osório, «Enoncé et dialogue dans les Colloques d'Erasme»), desde problemas da recepção do texto erasmiano (J. Céard, «Erasme censuré: l'édition tridentine des Adages»; M. de La Garan-derie, «Erasme et l'épreuve des textes de Saint-Jean»), até pontos particulares da sua formação humanista (D. Kinney, «Erasmus and the Latin Comedians») ou da imagem dele próprio na sua obra (J. P. Van-den Branden, «Erasme et son «corpusculum» »).

Erasmo cidadão do mundo, não propriamente no sentido que a expressão possui hoje, impensável para o humanista — e basta notar que praticamente não se referiu ao Novo Mundo, o que não quer dizer que a sua influência não tivesse chegado lá —, mas no sentido europeu. Como símbolo dessa cultura europeia, que privilegia o escrito, Erasmo é hoje estudado no Novo Mundo; o «Colloque Érasme» reflectiu também essa nova sensibilidade, através do contributo não só de especialistas americanos, mas também de um investigador japonês, prova de que o desejo de ser mundi ciuis expresso por Erasmo antes de 1536 comportava uma carga semântica suficiente para estimular, em 1986, um interesse também mundial pela sua obra. Como disse o seu amigo John Colet, «Nomen Erasmi nunquam peribit» !

JORGE A. OSóRIO