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PROCESSO PENAL SÉRIE Norberto Avena Coordenação Misael Montenegro Filho SÃO PAULO 6. a edição revista, atualizada e ampliada MATERIAL SUPLEMENTAR

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Texto Complementar - Processo Penal

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Page 1: NORBERTO AVENA - Processo Penal

PROCESSO PENAL

SÉRIE Norberto Avena

Coordenação Misael Montenegro Filho

SÃO PAULO

6.a edição revista, atualizada e ampliada

MATERIAL SUPLEMENTAR

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NOTA DO AUTOR

Os comentários que seguem têm por objetivo apresentar aos leitores de nosso livros, Processo Penal Esquematizado (3ª Edição) e Processo Penal Série Concursos Públicos (6ª Edição), um panorama geral da Lei n.º 12.403, de 04 de maio de 2011, que introduziu modifi cações ao Código de Processo Penal no que concerne à prisão processual e liberdade provisória, agregando, ainda, a disciplina das medidas cautelares diversas da prisão.

Evidentemente, dada à intensidade das mudanças legislativas operadas e aos seus refl exos na jurisprudência, nova edição de cada uma destas obras será necessária para que se possa esgotar os referidos temas.

A propósito, diante dos questionamentos recebidos, cabe esclarecer que referidas edições ainda não foram publicadas por entendermos pertinente aguardar o pronunciamento dos Tribunais sobre pontos polêmicos que so-bressaem da novel legislação, o que interessa não apenas aos pretendentes a concursos públicos, como aos profi ssionais da área jurídica e estudantes de Direito. Não obstante, já havendo, agora, diversas manifestações preto-rianas envolvendo a aplicação das mudanças determinadas pela nova lei, em breve estarão os livros atualizados sendo disponibilizados, incorporando estes entendimentos.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS MUDANÇAS DETERMINADAS PELA LEI 12.403/2011

1. A LEI 12.403, DE 04 DE MAIO DE 2011: ASPECTOS GERAIS ................... 51.1 Noções introdutórias sobre as alterações determinadas pela Lei 12.403/2011 ... 51.2 Outras alterações ....................................................................................................... 141.3 O direito intertemporal ........................................................................................... 16

2. MEDIDAS CAUTELARES (PRISÃO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISÃO): CARACTERÍSTICAS, PRINCÍPIOS INFORMADORES E REQUISITOS DE APLICAÇÃO ..................................................................................................... 202.1 Características: jurisdicionalidade, provisoriedade, revogabilidade, excepciona-

lidade, substitutividade e cumulatividade ............................................................... 202.2 Princípios informadores: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido

estrito (art. 282, I e II) ............................................................................................. 242.3 Requisitos das medidas cautelares em geral .......................................................... 302.4 A aplicação do art. 282 à prisão temporária .......................................................... 31

3. MEDIDAS CAUTELARES (PRISÃO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRI-SÃO): TEMPO, LEGITIMIDADE, PROCEDIMENTO CONTRADITÓRIO, RECURSOS E IMPUGNAÇÕES .......................................................................... 343.1 Oportunidade ............................................................................................................... 343.2 Legitimidade ............................................................................................................... 363.3 Procedimento contraditório ........................................................................................ 383.4 Recursos e impugnações ............................................................................................ 40

4. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO (ARTS. 319 E 320) ............. 434.1 Regras gerais de aplicação ........................................................................................ 43

4.1.1 Aplicação restrita a infrações punidas com pena privativa de liberdade ... 434.1.2 Aplicação das medidas cautelares diversas da prisão: caráter autô-

nomo, ou em substituição à prisão preventiva, ou como obrigação decorrente da liberdade provisória ........................................................... 44

4.1.3 Aplicação isolada ou cumulativa ................................................................ 46

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4.1.4 Legitimidade e contraditório ....................................................................... 464.1.5 Descumprimento das obrigações impostas4.1.6 Revogação e substituição ............................................................................ 48

4.2 Medidas em espécie .................................................................................................. 494.2.1 Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fi xadas

pelo juiz, para informar e justifi car atividades (art. 319, I) .................... 494.2.2 Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando,

por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusa-do permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações (art. 319, II): ............................................................................... 50

4.2.3 Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (art. 319, III): ............................................................ 52

4.2.4 Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (art. 319, IV): ............................................................................................................... 53

4.2.5 Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fi xos (art. 319, V): ................................................................................................ 56

4.2.6 Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais (art. 319, VI): .................................... 56

4.2.7 Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do CP) e houver risco de reiteração criminosa (art. 319, VII): .......................................................... 58

4.2.8 Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustifi cada à ordem judicial (art. 319, VIII): ................. 61

4.2.9 Monitoração eletrônica (art. 319, IX): ....................................................... 63

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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS MUDANÇAS DETERMINADAS PELA

LEI 12.403/2011

1 A LEI 12.403, DE 04 DE MAIO DE 2011: ASPECTOS GERAIS

Publicada em 05 de maio de 2011 e com vigência a partir de 04 de julho do mesmo ano, a Lei 12.403 alterou substancialmente a disciplina relativa à prisão e à liberdade provisória, antes estabelecida no Livro I, Título IX, do Código de Processo Penal.

Ao longo deste texto faremos uma breve apresentação das novas regras.

1.1 Noções introdutórias sobre as alterações determinadas pela Lei 12.403/2011

Na disciplina do Código de Processo Penal de 1941, duas eram as condições a que poderia estar submetido o agente no curso da investiga-ção criminal e no decorrer do processo penal: sob prisão provisória ou em liberdade.

Com as reformas introduzidas pela Lei 12.403/2011, este sistema foi abandonado, dando lugar a outro, polimorfo, que se caracteriza pela multi-cautela na medida em que submete o imputado a um terceiro status, que não implica prisão e, ao mesmo tempo, não importa em liberdade total: trata-se da sua sujeição às medidas cautelares diversas da prisão, que, listadas nos arts. 319 e 320 do CPP, consistem:

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Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I – Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fi xadas pelo juiz, para informar e justifi car atividades; II – Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infra-ções; III – Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fi xos; VI – Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes pra-ticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o compa-recimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustifi cada à ordem judicial; IX – Monitoração eletrônica.

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fi scalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Em síntese, correto deduzir que, após a vigência da reforma processual ditada pela Lei 12.403/2011, o indivíduo submetido a uma investigação criminal ou que responde a um processo judicial poderá estar sujeito a três tratamentos distintos: sujeição a medidas cautelares diversas da prisão (arts. 319 e 320), prisão provisória ou aguardar em liberdade o desiderato da demanda criminal.

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Observe-se que o art. 319 CPP, quando elenca as nove medidas caute-lares alternativas, rotula-as de medidas cautelares diversas da prisão. Este dispositivo, assim como o art. 320 (que trata da proibição de ausentar-se do País) está incorporado ao Capítulo V do Título IX, que trata das outras me-didas cautelares (note-se que os Capítulos III e IV versam, respectivamente, sobre a prisão preventiva e a prisão domiciliar como forma de cumprimento da prisão preventiva). Assim, em termos legais, fi ca evidente que a reforma determinada pela Lei 12.403/2011 consagrou a natureza da prisão proces-sual como a de uma medida cautelar como, aliás, já era há muito tempo reconhecido em nível de doutrina e jurisprudência. Isto é importante porque referenda, de uma vez por todas, a exigência dos requisitos das medidas cautelares em geral para a prisão processual, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, o primeiro traduzindo o risco à efetividade do

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processo penal causado pela liberdade plena do réu em face da ordem pú-blica ou econômica, da conveniência à instrução criminal e da aplicação da lei penal; e, o segundo, a existência de indícios sufi cientes de autoria e de prova da existência do crime1.

Ainda em relação à prisão provisória, outro aspecto a considerar refere-se ao fato de que a Lei 12.403/2011 pôs fi m à possibilidade de ser alguém mantido preso em razão do fl agrante delito. Logo, para que permaneça o fl agrado sob segregação, deverá o juiz converter a prisão em fl agrante em uma prisão preventiva, desde que presentes os requisitos que autorizam essa medida e que não seja adequada ou sufi ciente a aplicação das demais medidas acautelatórias não privativas da liberdade estipuladas nos arts. 319 e 320 (art. 310, II). Ora, se o fl agrante prende, mas não é hábil a manter o indivíduo preso, defl ui-se que, no atual sistema, perdeu ele a natureza de prisão cautelar2, subsistindo como tal, no sistema processual penal, apenas, as seguintes:

1) a prisão preventiva, já que possibilita a manutenção do indivíduo sob segregação, independentemente do trânsito em julgado de sentença conde-natória, tendo como o objetivo lato sensu de garantir que se concretize o resultado fi nal da demanda; e

2) a prisão temporária, modalidade de prisão provisória disciplinada na Lei 7.960/1989 à qual também se agrega natureza cautelar em face de seu objetivo de tutela das investigações criminais quando constatado que a segregação do investigado é imprescindível para a realização de diligências consideradas necessárias ao êxito do inquérito.

Não obstante estas conclusões, é certo que, no momento compreendido entre a voz de prisão que decorre do fl agrante e o recebimento, pelo Juiz, do respectivo auto de prisão existe uma segregação e, inegavelmente, esta decorre da prisão em fl agrante. Na busca de explicar a natureza jurídica da prisão em fl agrante nesse intervalo, correntes opostas surgiram na doutrina, alguns compreendendo tratar-se de uma cautelar provisória ou efêmera, subsistente apenas até o momento em que o Juiz receber o auto de prisão em fl agrante, já que, nessa ocasião, obriga-se ele a adotar uma das provi-dências rotuladas no art. 310 do CPP; e outros, ao contrário, vislumbrando o fl agrante, no referido interregno, como uma forma de prisão precautelar,

1 Parcela da doutrina opta por substituir estas expressões, em sede de processo penal, por periculum in libertatis e fumus comissi delicti

2 O que é uma prisão cautelar? Como o próprio nome sugere, é aquela ditada pela “cautela”. Lato sensu, possui o objetivo de tutela da persecução criminal (investigação criminal e inquérito policial). Stricto sensu, sua defi nição está relacionada à fi nalidade de sua decretação. Assim, a prisão tem-porária, enquanto prisão cautelar, tem a fi nalidade de tutelar as investigações policiais. Já a prisão preventiva, seja decretada na fase do inquérito ou do processo, como provimento cautelar visa a resguardar a aplicação da pena, a efetividade da colheita de provas e a proteção da sociedade ou da ordem econômica.

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com duração limitada no tempo a um acontecimento previsto em lei que, no caso, é o recebimento do respectivo auto de prisão pelo juiz e subsequente adoção das medidas consagradas no art. 310, entre as quais se encontra a prisão preventiva – esta sim, com natureza de prisão cautelar. Trata-se da posição que adotamos.

Não fi cam aí, porém, as modifi cações advindas. Vão muito além. Neste bordo, conforme veremos oportunamente, a Lei 12.403/2011:

− Disciplinou a excepcionalidade da prisão preventiva frente a outras medidas cautelares que não impliquem privação da liberdade. Logo, antes de de-cretar a prisão cautelar, deverá o juiz verifi car se, porventura, são cabíveis quaisquer das medidas cautelares diversas da prisão arroladas no Código de Processo Penal (art. 282, § 6º).

− Estabeleceu que, ressalvados os casos de urgência ou de inefi cácia da medida a ser imposta, será exigida a observância do contraditório como condição prévia para que o Juiz determine as medidas cautelares de natureza pessoal. Evidentemente, a exigência desse contraditório requer compatibilidade com

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a medida, não sendo razoável, por exemplo, cogitá-lo diante da decretação de uma prisão preventiva ou temporária (art. 282, § 3º).

− Coibiu o decreto de medidas cautelares de ofício na fase das investigações, seja a prisão preventiva, sejam as demais medidas diversas da prisão. Des-tarte, apenas na fase do processo judicial é facultado ao Juiz decretar estas medidas por sua própria iniciativa (arts. 282, § 2º e 311).

− Possibilitou ao assistente de acusação o requerimento de medidas cautelares de natureza pessoal. Na esteira da jurisprudência pacífi ca dos Tribunais Superiores, os poderes do assistente, na ação penal pública, eram restritos àqueles previstos no art. 271 do CPP. Logo, não lhe assistia, na disciplina anterior às alterações determinadas pela Lei 12.403/2011, requerer a prisão preventiva. Agora, tal faculdade encontra-se prevista, expressamente, no art. 311 do CPP, sendo extensiva, também, às demais cautelares diversas da prisão por força do art. 282, § 2º. Veja-se que, muito embora este disposi-tivo não mencione, expressamente, a legitimidade do assistente para tanto (refere-se às “partes”), o § 4º do mesmo dispositivo é expresso ao dispor que o assistente, no descumprimento das obrigações impostas por ocasião da imposição das cautelares não privativas da liberdade, pode requerer a sua substituição, cumulação ou decretação da prisão preventiva. Ora, sendo-lhe assegurada esta possibilidade, é lógico que, também lhe é facultado o pedido de aplicação das cautelares restritivas diversas da prisão. Mesmo porque não seria razoável que pudesse ele postular a prisão preventiva e não essas cautelares quando, por força de comando expresso, tal prisão apenas pode ser decretada quando não cabíveis as demais cautelares alternativas (art. 282, § 6º).

− Modifi cou, embora não integralmente, o sistema adotado pelo Código de Processo Penal no tocante às infrações que admitem a prisão preventiva. Doravante, admite-se esta forma de segregação:

• Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos (art. 313, I): Hipótese inovadora acrescentada pela Lei12.403/2011, estabelecendo a regra de que a prisão preventiva será cabível nos crimes dolosos a que cominada pena máxima superior a 4 anos. Note-se que, para este fi m, não importa se a pena é de reclusão ou de detenção, modifi cando-se, portanto, a disciplina do CPP antes da vigência da citada Lei em que, ressalvadas exceções legais, permitia-se esta custódia tão somente nos crimes apenados com reclusão.

• Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (art. 313, II): Trata-se do permissivo à prisão preventiva do indivíduo a quem se reconheça a condição de reincidente em crime doloso. Nesta situação, como não há qualquer restrição quanto à pena máxima do crime, é evidente que não incide o limite estabelecido no art. 313, I. Portanto, admite-se a sua preventiva ainda que se trate de crime sujeito a apenamento máximo igual ou inferior a 4 anos. Tratando-se de crime doloso, não importa , igualmente, se a pena imposta é de detenção ou reclusão.

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• Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, crian-ça, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com defi ciência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (art. 313, III): Antes das alterações impostas pela Lei 12.403/2011, esta hipótese encontrava-se parcialmente prevista no revogado art. 313, IV, que, combinada com a redação do caput desse dispositivo, contemplava a prisão preventiva nos crimes dolosos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Ora, na atual disposição do inc. IV não há qualquer referência ao caráter doloso do crime, nada referindo, outrossim, o caput do art. 313. Com isto a nova redação distinguiu-se da normatização anterior e, também, da redação dos incisos I e II do art. 313, pois estes fazem referência à natureza dolosa dos crimes a que se referem. Neste contexto, indaga-se quanto a ter sido intenção do legislador a de permitir, na hipótese do inc. III, a decretação da prisão preventiva também em relação a crimes culposos. Independen-temente desta interpretação inicial que se pode extrair do dispositivo, entendemos que, mesmo nas situações nele previstas, a prisão preventiva não se compatibiliza com a prática de crimes culposos, inclusive pela referência à prática de crime que envolver violência doméstica e familiar contra as pessoas arroladas. Sinale-se, ainda, que o móvel da restrição cautelar, aqui, é o de garantir a execução das medidas protetivas de urgência aplicadas, denotando-se então, no mínimo, a potencialidade de descumprimento, pois do contrário, não haveria a necessidade de aplicar a medida. Ora, tal recalcitrância do agente em cumprir a determinação judicial não se compatibiliza com a conduta culposa, que se fundamenta na negligência, imprudência ou imperícia, mas sim com o comportamento intencional, ou seja, doloso.

• Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos su-fi cientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identifi cação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (art. 313, parágrafo único). Trata-se de forma de segregação destinada a viabilizar a identifi cação da pessoa investigada. Tendo em vista o caráter excepcional da prisão preventiva, sua decreta-ção exige que tenham sido executadas outras diligências visando a essa identifi cação, sendo elas inexitosas. De acordo com o art. 313, parágrafo único, fi ne, uma vez realizada a identifi cação, deve a custódia ser ime-diatamente revogada, salvo se outro motivo determinar a manutenção judicial da medida.

• A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumpri-mento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 312, parágrafo único e 282, § 4º). Conforme se infere dos arts. 312, parágrafo único e 282, § 4º, ambos do CPP, o descumprimento injustifi cado das medidas acautelatórias diversas da prisão autoriza o juiz a substituí-las ou cumulá-las por outras medidas alternativas, ou, não sendo isto possível, na decretação da prisão preventiva do indiciado ou acusado. Há orientações divergentes quanto à possibilidade desta conversão

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quando se tratarem de medidas cautelares impostas em situações que, por não estarem estipuladas no art. 313, não ensejam, em tese, decretação da prisão preventiva. Apesar de respeitados entendimentos no sentido oposto, compreendemos que a desobediência não previamente justifi cada às cautelares impostas autoriza, em qualquer hipótese, sua conversão em prisão preventiva (desde que não seja possível aplicar outra medida alter-nativa em substituição ou cumulação), ainda que não se trate de situação arrolada no art. 313, sob pena de sua imposição, eventualmente, resultar inócua (ver item 4.1.5).

− Instituiu a prisão (preventiva) domiciliar, consistente no recolhimento do indiciado ou do acusado em sua residência, como forma de cumprimento da prisão preventiva (arts. 317 e 318). Esta forma de prisão é cabível quando o agente for:

• Maior de 80 (oitenta) anos; • Extremamente debilitado por motivo de doença grave; • Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos

de idade ou com defi ciência; • Gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto

risco.

− Determinou à autoridade policial a obrigação de comunicar a prisão em fl agrante de qualquer pessoa e o local onde se encontre, não apenas ao Juiz e à família do preso ou pessoa por ele indicada, conforme já se previa na legislação anterior, mas também ao Ministério Público (art. 306).

− Estabeleceu a possibilidade de condicionamento da liberdade provisória às medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP (art. 321). Observe-se que, não obstante a remissão expressa que faz o art. 321 ao art. 319, é evidente que a medida cautelar de proibição de afastamento do País, prevista no art. 320, também pode ser imposta como uma condicionante da liberdade provisória, dada à sua simetria com o provimento do art. 319, IV, que estabelece a proibição de afastar-se da Comarca. Afi nal, se o Juiz pode limitar a capacidade ambulatória do indivíduo à região da Comarca como condição para a concessão da benesse legal, por que não o poderia ao contexto do País?

− Modifi cou critérios para defi nição de afi ançabilidade e inafi ançabilidade (arts. 323 e 324). Com efeito, sob a égide da legislação anterior, estabelecia-se como afi ançáveis, por interpretação contrária do art. 323, I, do CPP, os delitos cuja pena mínima cominada fosse igual ou inferior a dois anos. Na atualidade, o parâmetro pena deixou de ser um vetor para a defi nição de uma infração como afi ançável ou não. Em razão disso, infere-se que, em tese, será possível a concessão de liberdade provisória independente da pena mínima prevista ao delito no tipo penal incriminador. Assim, levando-se em consideração aspec-tos relacionados ao crime, não será concedida fi ança apenas nos delitos de racismo, nos crimes de tortura, tráfi co ilícito de entorpecentes e drogas afi ns, terrorismo e nos defi nidos como crimes hediondos e nos crimes cometidos

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por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 323). Também não poderão ser benefi ciados com a fi ança os que, no mesmo processo, tiverem quebrado fi ança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 3273 e 3284 do CPP; os que se encontrarem sob prisão civil ou militar; e aqueles a que se reconheça presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

− Possibilitou ao Delegado de Polícia arbitrar fi ança nas hipóteses em que a pena máxima cominada ao crime não seja superior a quatro anos (art. 322), aban-donando, com isso, o critério anterior que, levando em consideração a natureza da pena estabelecida, facultava à autoridade policial conceder fi ança unicamente em relação às infrações apenadas com detenção ou prisão simples.

− Readequou os parâmetros de fi xação e os valores pertinentes à fi ança (art. 325, I e II). Assim, com pena máxima cominada não superior a quatro anos de prisão, valor da fi ança deve ser arbitrado entre os limites de 01 a 100 salários mínimos. Contudo, se a pena máxima do crime for supe-rior a 4 anos, o valor deve ser fi xado no patamar entre 10 e 200 salários mínimos. Não obstante, circunstâncias atinentes à situação econômica do réu podem conduzir à dispensa da fi ança (art. 325, § 1º, I), redução em até 2/3 (art. 325, § 1º, II) ou aumento em até 1000 vezes (art. 325, § 1º, III). Observe-se que esta possibilidade de aumento de até 1000 vezes incidente sobre máximo de 200 salários mínimos pode levar à fi xação do valor da fi ança em R$ 109.000.000,00 (cento e nove milhões de reais). Este quantum, embora, por um lado, revele-se fora da realidade brasileira, por outro se justifi ca para determinados crimes graves que antes da Lei 12.403/2011 eram inafi ançáveis em face de seu apenamento mínimo supe-rior a dois anos5 e que, agora, passaram à condição de afi ançáveis tendo em vista à abolição do critério quantidade de pena como fator para que se considere afi ançável ou não a infração penal. Além disso, cabe lembrar que tanto a redução quanto a elevação da fi ança são balizadas pela situação econômica do afi ançado (art. 325, § 1º). Destarte, a inalcançável cifra de R$ 109.000.000,00 para a grande maioria do povo brasileiro, pode assim não signifi car para o acusado em um determinado processo criminal em face da sua própria condição econômica e do lucro auferido com a prática delituosa. Mais: não se pode esquecer, também, que, dentre os objetivos da fi ança, está a reparação do dano causado à vítima, para onde deve ser destinada parte do valor pago após o trânsito em julgado da condenação (art. 336). Neste contexto, infere-se que, com esta nova quantifi cação que lhe foi conferida, ganhou força a fi ança, revigorando-se este instituto no âmbito do processo penal brasileiro.

3 Art. 327. A fi ança tomada por termo obrigará o afi ançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fi ança será havida como quebrada.

4 Art. 328. O réu afi ançado não poderá, sob pena de quebramento da fi ança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.

5 Redação do art. 323, I, do CPP, antes da Lei 12.403/20

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1.2 Outras alterações

Além dos aspectos mencionados, que se referem, primordialmente, à decretação das medidas cautelares de natureza pessoal, outras alterações relevantes foram determinadas pelas Lei 12.403/2011:

• Separação obrigatória entre os presos provisórios e os presos defi nitivos: Antes da entrada em vigor da Lei 12.403/2011, estabelecia o art. 300 do CPP que “sempre que possível, as pessoas presas provisoriamente fi carão separadas das que já estiverem defi nitivamente condenadas”. Na atualidade, a ressalva sempre que possível foi suprimida do texto legal, passando a dispor o precitado artigo que as pessoas presas provisoriamente fi carão separadas das que já estiverem defi nitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal. Ora, a referência à Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) concerne ao que preceitua o art. 84 dessa norma, dispondo que “o preso provisório fi cará separado do condenado por sentença transitada em julgado”.

Como se vê, devido aos termos cogentes do art. 300, a colocação dos presos provisórios e dos presos defi nitivos em celas separadas deixou de ser uma

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opção na hipótese da inexistência de vagas ou de estrutura carcerária, para ser uma obrigação do Estado. Não sendo possível cumprir este comando, a prisão provisória não poderá ser executada sob pena de implicar constrangi-mento ilegal ao indiciado ou acusado. Tendo em vista que essa manutenção da liberdade do agente poderá implicar risco à efetividade que se espera da persecução criminal, pensamos que, em tais casos a prisão domiciliar pode se apresentar como uma solução possível, muito embora não se trate esta de uma hipótese autorizada pelo art. 318 do CPP. Considerando, porém, que tal situação é causada pela omissão do próprio Estado em prover os estabelecimentos prisionais das vagas necessárias para abrigar os presos provisórios, a este caberá não apenas a vigilância da pessoa que deveria estar segregada como também a responsabilidade, inclusive sob a ótica civil, por todas as consequências dos atos e fatos danosos realizados pelo indivíduo que deveria estar custodiado e que, por defi ciência estatal, não o está.

• Revogação expressa do art. 393 do CPP: Estabelecia este artigo, como efeitos da sentença penal condenatória recorrível, “ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafi ançáveis, como nas afi an-çáveis, enquanto não prestar fi ança” (inc. I), bem como “ser o nome do réu lançado no rol dos culpados” (inc. II).

Relativamente a este último aspecto – inclusão do nome do acusado nos registros pertinentes aos réus condenados pelo Poder Judiciário -, desde a Constituição Federal de 1988 não havia qualquer controvérsia no sentido de que a regra afrontava a garantia da presunção de inocência inscrita no art. 5º, LVII daquela Carta6.

O mesmo, contudo, nem sempre ocorreu em relação à prisão ex lege7 determinada no art. 393, I, relativamente à qual coexistiam correntes opostas, alguns considerando-o inconstitucional em face do princípio da presunção de inocência, enquanto outros se posicionavam em sentido oposto. Independentemente desta diversidade de orientações, a verdade é que, nos últimos tempos era visível a crescente inclinação da doutrina e da jurisprudência em considerar inconstitucional a execução provisória da pena subsequente à aplicação do art. 393, I, entendendo-se que tal execução apenas poderia ter início por motivo de prisão preventiva de-cretada ou mantida após a condenação, nos termos do art. 387, parágrafo único, do CPP. Note-se que, se essa posição representava apenas uma tendência, tornou-se ela amplamente majoritária a partir do julgamento do Habeas Corpus n.º 84.078/MG, levado a efeito pelo Pleno do Supre-mo Tribunal Federal, quando foi deliberado que “ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de

6 Art. 5º, LVII, da CF: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

7 Considera-se prisão ex lege aquela determinada por lei, independente da verifi cação de sua efetiva necessidade, à luz das circunstâncias próprias do caso concreto, pelo Poder Judiciário.

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prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP”8.

Neste contexto, andou certo o legislador em afastar do mundo jurídico o art. 393, pois evidente sua inconstitucionalidade frente à garantia da pre-sunção de inocência inserta ao art. 5º, LVII, da CF. Afi nal, contemplava, como regra, a prisão do réu consecutiva à sentença penal não transitada em julgado, estabelecendo, ainda, nas mesmas condições, o lançamento de seu nome no rol dos culpados.

• Extinção da prisão especial para os jurados: O art. 439 do CPP dispunha que “o exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento defi nitivo”. Agora, suprimida esta última parte do dispositivo, limita-se a regrar que “o exer-cício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral”. Cabe salientar, entretanto, a existência de posição doutrinária entendendo que ainda persiste a prisão especial ao jurado, pelo fato de que não modifi cada, pela L. 12.403/2011, a regra do art. 295, X, do CPP, que assim determina. Com a devida vênia, pensamos que esse último dispositivo restou tacitamente revogado com a modifi cação operada no precitado art. 439.

• Revogação expressa do art. 595 do CPP: Referia o artigo 595 do CPP que a fuga do réu após ter apelado acarretava deserção do seu recurso. Também neste enfoque inseria o Código de Processo Penal norma que afrontava a Constituição da República, em especial a garantia do duplo grau de jurisdição que decorre dos termos dessa Carta. Não é por me-nos, aliás, que, em 29.04.2008, editou o Superior Tribunal de Justiça a Súmula 347, preceituando que o conhecimento do recurso de apelação do réu independe de sua prisão, afastando, assim, a aplicabilidade do precitado art. 595. Logo, a revogação expressa do mencionado disposi-tivo pela L. 12.403/2011 vem ao encontro da ordem constitucional em vigor.

1.3 O direito intertemporal

O surgimento de uma lei nova, no âmbito do processo criminal, inva-riavelmente produz controvérsias em relação às situações preexistentes a ela. Muitas vezes, formam-se correntes opostas, alguns defendendo a aplicação imediata a todos os casos, enquanto outros, ao contrário, buscam excluir de sua incidência processos que se encontravam em tramitação no tempo da sua entrada em vigor ou aqueles relativos a crimes cometidos na vigência da lei anterior.

8 STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJ 26.02.2009.

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Não há dúvidas de que, em se tratando de normas processuais, a regra de incidência é defi nida pelo princípio tempus regit actum. Isto im-porta dizer que estas normas não possuem aplicação retroativa, incidindo apenas em relação aos fatos praticados após sua vigência, não importando, para tanto, se benéfi cas ou não ao réu. Trata-se, enfi m, da previsão do art. 2º do CPP, ao dispor que a lei processual penal será aplicada desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Já as normas materiais, por outro lado, na medida em que objetivam assegurar direitos ou garantias, possuem efeitos retroativos no aspecto em que visam a benefi ciar o réu, jamais retroagindo para prejudicá-lo. Neste bordo, prevê o art. 5º, XL, da Constituição Federal que a lei penal não retroagirá, salvo para benefi ciar o réu.

Ora, a aplicação destes critérios seria bastante simples não fosse a existência de normas heterotópicas, assim entendidas aquelas que, apesar de inseridas em diplomas com uma determinada natureza, possuem, na verdade, conteúdo distinto. Assim, há dispositivos que, a despeito de in-corporados a leis processuais penais, inserem um conteúdo material, razão pela qual devem retroagir para benefi ciar o réu. Em outras situações, estas regras encontram-se incorporadas a leis materiais, mas, em sua natureza, possuem conteúdo processual, devendo reger-se pelo critério tempus regit actum. Logo, infere-se que não é a circunstância do diploma em que se encontra inserida a norma legal que defi ne o critério de sua aplicação no tempo e sim a sua essência.

• Exemplo de norma heterotópica prevista no Código de Processo Penal, porém com um conteúdo material: O art. 186 do CPP, ao contemplar o direito ao silêncio, está tutelando o privilégio de que ninguém é obrigado a se autoincriminar, o que decorre do art. 5º, LXIII, da CF.

• Exemplo de norma heterotópica prevista na Constituição Federal, po-rém com um conteúdo processual: O art. 109, ao estabelecer normas de competência da Justiça Federal, está inserindo conteúdo nitidamente processual.

No que concerne, especifi camente, às modifi cações introduzidas pela Lei 12.403/2011, entendemos que os dispositivos relativos à prisão e liberdade provisória possuem natureza material, a despeito de inseridos em diploma que modifi ca o Código de Processo Penal, uma vez que dizem respeito à garantia constitucional da liberdade. Trata-se, enfi m, de dispositivos hetero-tópicos. Tanto, aliás, que a própria Carta da República, ao tratar dos direitos fundamentais do indivíduo, inseriu, no seu art. 5º, diversas regras pertinentes à prisão e à liberdade provisória do investigado ou imputado (incisos LXI a LXVIII).

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O mesmo raciocínio, ainda, é aplicável às medidas cautelares diversas da prisão, já que estas, nos termos do art. 282, § 6º do mesmo diploma, devem ser aplicadas com preferência à decretação da prisão preventiva.

Esta conclusão, na prática, em termos de confl ito de leis no tempo, produz consequências relevantes, pois implica na retroatividade dos novos comandos unicamente nos aspectos em que benefi ciarem o investigado ou acusado, mas não para prejudicá-lo.

Assim, um indivíduo que se encontrava preso preventivamente sob a égi-de da lei anterior, poderá, em tese, ter essa prisão substituída pelas medidas cautelares diversas da prisão arroladas na L.12.403/2011. Exemplo:

Imagine-se que, no curso de processo por crime de homicídio, antes da Lei 12.403/2011, tenha o Juiz determinado a prisão preventiva do réu fundamentada na conveniência da instrução criminal, tendo em vista referências existentes nos autos de que, por diversas vezes, havia ele tentado manter contato com a testemunha presencial do fato. Com a vigência da referida Lei, poderá o Ma-gistrado analisar, no caso concreto, a possibilidade de substituir a custódia pela medida cautelar do art. 319, III, do CPP, consistente em proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante.

Por outro lado, alguém que já se encontrava recolhido preventivamente e que, hoje, pelas novas regras, não esteja sujeito à prisão preventiva, segundo pensamos, deverá ser posto em liberdade. Exemplo:

Considere-se que um indivíduo, plenamente identifi cado, primário e que responde a processo criminal por cárcere privado, na forma simples (art. 148, caput, do Código Penal), esteja preso preventivamente. Com a vigência da Lei 12.403/2011, a revogação de sua custódia é impositiva, haja vista que a pena máxima cominada in abstrato a esse delito é três anos de reclusão e, nos termos da nova redação do art. 313, I, do CPP, será admitida a decretação da prisão preventiva [...] nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. No caso, a nova lei deve retroagir para alcançar a decisão anterior que havia decretado a custódia.

Tenha-se em mente, agora, a situação da pessoa que, na disciplina anterior à Lei 12.403/2011, não pudesse estar sujeito à prisão preventiva, mas que, diante das mudanças introduzidas por esse diploma, possa estar submetido àquela custódia. Ora, é evidente que não poderá ela ter decretada sua prisão simplesmente porque, hoje, a lei nova assim possibilita, ressalvado o sur-gimento de outros motivos que autorizem esse decreto à luz da disciplina vigente. Exemplos:

1) Imagine-se que antes da Lei 12.403/2011, o Ministério Público, fundamen-tando-se na garantia da aplicação da lei penal, tivesse requerido a prisão

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preventiva da ré primária, acusada de infanticídio, sendo esta indeferida pelo juízo em vista da ausência de amparo legal para a custódia, já que o art. 313, I do CPP, em sua redação anterior, não admitia, nessa hipótese a prisão preventiva no caso de crimes punidos com detenção, como é o caso em análise. Ora, não será o fato da vigência dos novos termos legais, não distinguindo se é detenção ou reclusão a pena cominada ao crime e, com isso, não mais obstando a prisão preventiva da infanticida, que poderá con-duzir o juiz a modifi car sua decisão anterior, decretando a prisão preventiva antes indeferida. Se assim procedesse o Juiz, estaria ele conferindo efi cácia retroativa à nova redação do art. 313, I, do CPP, isto é, fazendo-o incidir sobre a sua decisão anterior e, com isso, prejudicando a acusada, o que é vedado em dispositivos de natureza material.

2) Suponha-se, que, no caso anterior, novo pedido de custódia seja realizado pelo Ministério Público objetivando, desta vez, à conveniência da instru-ção criminal (fundamento novo), em face da notícia de que testemunhas estariam sendo ameaçadas pela ré. Aqui, como se vê, outro motivo está concorrendo para o pedido de custódia provisória. Nesta hipótese, desde que não cabível a substituição da medida por outra cautelar diversa da prisão, poderá a preventiva ser decretada pelo juízo em relação à ré acusada do infanticídio, com base na nova lei. Isto porque não se trata de incidência dos termos dessa lei sobre a decisão anterior de modo retroativo, mas sim de outros fatos que, por sua vez, produziram novos fundamentos do pedido de prisão provisória.

Outra hipótese: depreende-se da redação conferida ao art. 310, II, do CPP pela L. 12.403/2011 que o fl agrante, por si, não é sufi ciente para manter o indivíduo sob custódia. Para este fi m, impõe-se que o Juiz, analisando os requisitos da prisão preventiva, decrete, fundamentadamente, esta forma de prisão. Neste contexto, indaga-se: esta alteração da Lei Processual Penal alcança a situação dos indivíduos que, em 04 de julho de 2011, encontravam-se mantidos presos apenas por força do fl agrante homologado judicialmen-te? Cremos que sim, em face do caráter material das normas que regem a prisão. Logo, nestes casos, é necessária analise pontual, realizando o Juiz a conversão da prisão em fl agrante em preventiva, desde que presentes os requisitos que autorizam esta segregação e, ainda, condicionando-se a que se revelem inadequadas ou insufi cientes as medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 6º).

Como se vê, a questão relacionada à aplicação das regras introduzidas pela Lei 12.403/2011, no que toca às situações defi nidas anteriormente a sua vigência, se resolve, fundamentalmente, pela consideração de que, na espécie, não estamos tratando de normas puramente processuais, e sim de normas heterotópicas, vale dizer, regras que estão situadas em diploma processual e que se revestem de aparência processual, mas que, não obstante, por dizerem respeito a garantia tutelada na Constituição Federal (a garantia da liberdade), sustentam-se sobre premissas materiais, exigindo, portanto, análise

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diferenciada à luz dos princípios que regem a aplicação no tempo das normas materiais e das circunstâncias próprias do caso concreto.

Sem embargo destas considerações, é preciso atentar que a matéria relativa à natureza material ou processual das normas inseridas pela L. 12.403/2011 enseja divergências. No âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, afi rmou a 9ª Câmara de Direito Criminal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 0099250-26.2011.8.26.0000, o caráter processual das regras inerentes à Lei n.º 12.403/2011. Na oportunidade, enfatizou que “a lei processual penal deve ser aplicada desde logo (Cód. Proc. Pen., art. 2º, 1ª parte), ou seja, tão logo entre em vigor. No caso em foco, sessenta dias após a data de sua pu-blicação ofi cial (Lei nº 12.403/11, art. 3º), que ocorreu em 04/05/2011. Mas, aplicando-se a lei nova aos processos em andamento, os atos nele realizados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos (Cód. Proc. Pen., art. 2º, ‘in fi ne’). A lei processual penal não é retroativa, porquanto não implica em criminalização de conduta, caso em que fi caria submetida a outros prin-cípios. A lei processual, em regra, não atinge direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada (Const. Fed., art. 5º, inc. XXXVI; L. Intr. Cód. Civ., art. 6º, caput). Com efeito, o ato processual realizado na vigência da lei antiga (= revogada) é válido. Não precisa ser refeito. Somente o ato posterior será praticado conforme a lei nova, ainda que a forma do ato anterior não seja melhor para o acusado”. A propósito, foi a partir destas premissas que a mesma Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo asseverou, em outra oportunidade, que, muito embora a prisão em fl agrante deva ser convertida em preventiva para que a custódia subsista (art. 310, II, do CPP), o fato de ter ocorrido na vigência da lei processual anterior confere-lhe validade, independente de tal conversão, por decorrência do princípio do efeito imediato consubstanciado no postulado tempus regit actum9.

2 MEDIDAS CAUTELARES (PRISÃO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISÃO): CARACTERÍSTICAS, PRINCÍPIOS INFORMADORES E REQUISITOS DE APLICAÇÃO

2.1 Características: jurisdicionalidade, provisoriedade, revogabilidade, excepcionalidade, substitutividade e cumulatividade

As medidas cautelares de natureza pessoal, assim compreendidas a pri-são preventiva (ainda que cumprida sob a forma de prisão domiciliar nos

9 “Com o fi m da autonomia da prisão em fl agrante, exige-se a sua conversão em preventiva para que a custódia cautelar subsista (inc. II do art. 310 do Cód. Proc. Pen. com a redação dada pelo art. 1º da Lei nº 12.403/11). No caso, porém, a prisão em fl agrante se deu na vigência da lei processual anterior, que lhe confere validade (art. 2º, in fi ne). Princípio do efeito imediato (tempus regit actum).” TJSP, Habeas Corpus n.º 0111070-42.2011.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Penteado Navarro, DJ 28.07.2011.

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termos dos artigos 317 e 318) e as demais medidas diversas da prisão10, apresentam as seguintes características:

1) Jurisdicionalidade: Devem ser impostas pelo Poder Judiciário, exce-tuando-se desta regra apenas o disposto no art. 322 do CPP, que possibilita à autoridade policial arbitrar fi ança nos crimes cuja pena máxima não seja superior a quatro anos de prisão. Lembre-se que, na literalidade do art. 319, VIII, do CPP a fi ança também possui natureza de medida cautelar.

2) Provisoriedade: Como se vê do art. 282, I, do CPP, norteia a aplicação das medidas cautelares a necessidade. Daí se infere que devem elas vigorar ape-nas enquanto perdurar a situação de urgência que justifi cou sua decretação.

O atributo da provisoriedade ainda se encontra implícito em determi-nadas medidas, como é o caso do art. 319, IV, do CPP dispondo sobre a proibição de se ausentar o agente da Comarca quando a sua permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. Ora, no momento em que esta disponibilidade na sede da comarca deixar de ser necessária, a medida deverá ser revogada em face da cessação das razões que a motivaram. É o caso, por exemplo, de já ter esclarecid a versão dos fatos, que se mostrava contraditória frente às conclusões da perícia técni-ca; ou, então, quando já realizados os atos processuais para os quais sua presença mostrava-se imprescindível (v.g. reprodução simulada do crime, reconhecimentos, acareações etc.).

O mesmo pode ser detectado, também, no art. 319, VI, prevendo a sus-pensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Se, por qualquer razão, revelar-se superada a situação que determinou a aplicação da medida cautelar, impõe-se a cessação da restrição imposta, com o restabelecimento da situação anterior.

3) Revogabilidade: É característica coligada à provisoriedade, corporifi -cando-se no art. 282, § 5º, 1ª parte, do CPP ao dispor que o juiz poderá revogar a medida cautelar quando verifi car a falta de motivo para que subsista.

Na verdade, é preciso considerar que, em se tratando das medidas cautelares de natureza pessoal, sua decretação condiciona-se à análise dos princípios da necessidade e adequação consagrados art. 282, I e II do CPP, e dos requisitos das cautelares em geral consubstanciados no periculum in mora e no fumus boni iuris.

Ora, se para a imposição das medidas cautelares tais elementos de-vem estar presentes, é intuitivo que apenas podem elas subsistir enquanto os mesmos elementos persistirem. Tal situação atende aos postulados da cláusula rebus sic stantibus, que pode ser lida como “enquanto as coisas estiverem assim”.

10 A prisão temporária encontra-se regulada na Lei 7.960/1989.

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Veja-se que a cláusula rebus sic stantibus norteia as decisões cautelares no processo civil e tem aplicação inequívoca no âmbito criminal. Isto quer dizer que a sentença cautelar criminal refl ete a situação fática e jurídica existente no momento em que proferida, impondo-se a persistência do comando a ela inserido enquanto esse mesmo contexto se mantiver. Se, porém, o reverso ocorrer, desfazendo-se o cenário que justifi cou a determinação das providências emergenciais, caberá ao Poder Judiciário, então, revogá-las, restabelecendo a situação anterior à decretação11.

4) Excepcionalidade: As medidas cautelares devem ser aplicadas em hipóteses emergenciais, com o objetivo de superar situações de perigo à sociedade, ao resultado prático do processo ou à execução da pena. Portanto, é certo que sua utilização no curso da investigação ou do processo deve ocorrer como exceção, mesmo porque implicam, em maior ou menor grau, restrição ao exercício de garantias asseguradas na Constituição Federal.

Especifi camente em relação à prisão preventiva, o atributo da excepciona-lidade deve ser visto sob dois ângulos: excepcionalidade geral, signifi cando que, assim como as demais cautelares, deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação12; e, ainda, excepcionalidade restrita, isto é, aquela relacionada a sua supletividade diante das demais providências cautelares diversas da prisão, em face do que dispõe o art. 282, § 6º no sentido de que “a prisão preventiva será determinada (apenas) quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.

5) Substitutividade: Esta característica decorre do art. 282, § 4º, 2ª parte, facultando ao juiz, no caso de descumprimento de medida cautelar imposta, substituí-la por outra; e, também, do § 5º do mesmo dispositivo, conferindo a mesma faculdade ao juiz quando verifi car a falta de motivo para que sub-sista a providência cautelar antes aplicada. Note-se que a própria decretação da prisão preventiva contemplada art. 282, § 4º como decorrência da deso-bediência a qualquer das providências do art. 319 satisfaz a característica da substitutividade, já que tal segregação também se classifi ca como uma medida cautelar de natureza pessoal.

6) Cumulatividade: Estabelece o art. 282, § 1º que as medidas cau-telares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. Esta faculdade encontra-se prevista, ainda, no § 4º do mesmo dispositivo, pois, ao tratar do descumprimento injustifi cado de providências aplicadas, possibilita ao juiz tanto substituí-la como impor outra em cumulação.

11 No julgamento do Habeas Corpus n.º 0079096-84.2011.8.26.0000, a 16.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo denegou a ordem sob o fundamento de que “conquanto a prisão processual seja revestida do caráter rebus sic stantibus, não há fato novo capaz de ensejar a cessação do suporte da prisão, de sorte que sua manutenção é de rigor” (Excerto do Voto Des. Newton Neves, j. 09.08.2011)

12 STJ, Habeas Corpus n.º 192.107/TO, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 17.08.2011.

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Observe-se, contudo, que, em qualquer caso, deve ser observada a necessidade e adequação das medidas aplicadas em face dos fi ns visados (art. 282, I e II), bem como a compatibilidade lógica das providências cumuladas

Exemplos:

• O recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V) apresenta-se logicamente compatível com o monitoramento eletrônico (art. 319, IX), caso aplicados conjun-tamente.

• Por outro lado, o mesmo monitoramento eletrônico (art. 319, IX) não apresenta, em tese, compatibilidade lógica com a suspensão para o exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira (art. 319, VI), pois o objetivo desta última medida é afastar o agente do cargo, emprego ou função ocupado, do qual poderia se prevalecer para a prática de novas infrações.

Evidentemente, a averiguação desta compatibilidade não pode levar em consideração, apenas, a natureza das medidas aplicadas, mas sobretudo as peculiaridades do caso concreto sob apreciação judicial.

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2.2 Princípios informadores: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (art. 282, I e II)

Conforme já dissemos, no sistema determinado ao Código de Processo Penal pela Lei 12.403/2011, a prisão e as demais providências diversas da prisão constituem medidas cautelares, mais precisamente medidas cautela-res de natureza pessoal, embora não utilizada essa nomenclatura pela nova disciplina legal. Afi nal, destinam-se à pessoa do indiciado ou do acusado, em oposição àquelas que incidem sobre o seu patrimônio (sequestro, arresto e hipoteca legal – arts. 125 a 144 do CPP), denominadas de medidas asse-curatórias, mas que, ao fi m e ao cabo, consistem em verdadeiras medidas cautelares de natureza real.

Outro aspecto a atentar é o de que estas medidas cautelares de natureza pessoal estão reguladas conjuntamente no Título XI do Livro I do Código de Processo Penal, a elas incidindo, então, a regra do art. 282, que assim dispõe:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a ins-trução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Quis o legislador, dessa forma, que tanto para a prisão como para as demais medidas cautelares diversas da prisão fossem observadas a necessidade e a adequação como critério norteador de sua aplicação. Tais elementos, portanto, são impostos pela norma a título de princípios e devem nortear e fundamentar a decisão do Juiz sobre aplicar ou não as providências cautelares, bem como eleger qual delas se mostra cabível ao caso concreto. Observe-se:

Art. 282, I – Necessidade para aplicação da lei penal, para a inves-tigação ou para a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.

Consagra-se, aqui, o risco verifi cado no caso concreto, enquanto se aguarda o provimento judicial defi nitivo por meio do trânsito em julgado da sentença. Conforme se infere da redação do dispositivo, esse perigo do qual resulta a constatação da necessidade da medida guarda estreita correspondência com os fundamentos que justifi cam a decretação da prisão preventiva, previstos no art. 312 do CPP. Observe-se:

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• Necessidade para aplicação da lei penal: trata-se do risco de fuga. Neste caso, a aplicação do princípio informador rotulado no artigo 282, I confunde-se com um dos fundamentos dessa forma de segregação con-templado no art. 312, consistente no objetivo de assegurar a aplicação da lei penal.

• Necessidade para a investigação ou para a instrução criminal: é nítido o objetivo de garantir a efetividade da colheita de provas, seja na fase que antecede a instauração do processo criminal, seja no curso da instrução processual penal. O princípio guarda evidente simetria com outro funda-mento da prisão preventiva previsto no art. 312, qual seja, a conveniência da instrução criminal.

• Necessidade para evitar a prática de infrações penais, nos casos ex-pressamente previstos: a fi nalidade de evitar a prática de novas infrações penais, quando se tratar de prisão preventiva, corresponde ao fundamento da garantia da ordem pública assegurado no art. 312. Matéria que poderá conduzir a interpretações equivocadas, refere-se ao que consta no art. 282, I, do CPP no sentido de que a decretação de medidas cautelares para evitar a reiteração criminosa apenas poderá ocorrer nos casos ex-pressamente previstos. Com efeito, uma exegese apressada pode trazer a ideia de que pretendeu a Lei, com isto, limitar a decretação da prisão preventiva sob o enfoque da preservação da ordem pública. Na verdade, sob pena de obrar em uma incoerência indescritível e de referendar a reiteração delitiva nas hipóteses em que houver indícios sufi cientes de que, em liberdade, o indivíduo poderá praticar novos crimes, não parece ter sido esta a intenção do legislador. Pensamos, isto sim, que os casos expressamente previstos sejam exatamente aqueles em que haja uma regra, ainda que de incidência geral, que permita a decretação da custódia para evitar a continuidade na prática de crimes, tal como ocorre em relação à prisão preventiva, relativamente à qual há a possibilidade de ser de-terminada para a garantia da ordem pública. Enfi m, a garantia da ordem pública é um caso expressamente previsto e, nesta órbita, não ocorreu qualquer alteração no sistema preexistente.

A bem da verdade, na medida em que tanto à prisão preventiva quanto às outras medidas alternativas se aplica o disposto no art. 282, I, parece clara, neste ponto, a falta de técnica com que obrou o legislador na Lei 12.403/2011 quando manteve, no art. 312, os fundamentos da prisão preven-tiva já existentes na disciplina anterior, a um, porque, praticamente, repetem, desnecessariamente, o que já dispõe o art. 282, I; a dois, porque incorpora a garantia da ordem econômica sem que, no art. 282, I, haja esta previsão; a três, porque menciona tão-somente a conveniência da instrução criminal, o que lembra processo em curso, sem referir a investigação policial, tal como mencionado no art. 282, I.

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Art. 312 do CPP(Disciplina anterior à

Lei 12.403/2011)

Art. 312 do CPP(Disciplina posterior à Lei

12.403/2011)

Art. 282, I, do CPP(Disciplina posterior à

Lei 12.403/2011)

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garan-tia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício sufi ciente de autoria.

Art. 312. A prisão preventiva po-derá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para asse-gurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existên-cia do crime e indício sufi ciente de autoria.Parágrafo único. A prisão preven-tiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impos-tas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamen-te previstos, para evitar a prática de infrações penais.II – [...]

De qualquer forma, considerando que as alterações determinadas pela Lei 12.403/2011 estão em vigor, resta, apenas, aplicá-las, interpretando-se os respectivos dispositivos em face do que parece ter sido a intenção do legislador.

Nesta linha, conclui-se que, relativamente ao princípio da necessidade, tanto a prisão preventiva quanto as medidas cautelares alternativas dos arts. 319 e 320 poderão ser aplicadas quando, efetivamente, revelarem-se necessá-rias para a aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e para evitar a prática de novas infrações penais, tal como externado no art. 282, I, do CPP.

Note-se que, relativamente à prisão preventiva, os mesmos elementos do art. 282, I se repetem no art. 312, constituindo-se os fundamentos dessa custódia, muito embora se agregue a possibilidade de sua decretação para a garantia da ordem econômica.

Já no que toca às medidas cautelares alternativas dos arts. 319 e 320, não havendo dispositivo específi co quanto aos respectivos fundamentos, depreende-se que os nortes serão apenas aqueles elencados no citado art. 282, I. Em decorrência, resta incabível a determinação autônoma de medidas cautelares alternativas visando a garantia da ordem econômica, para hipóteses que não admitem a prisão preventiva (art. 313, contrario sensu), visto que tal situação está contemplada, unicamente, no art. 312 e não no art. 282, I.

Observe-se que, de acordo com parcela da doutrina, nestes mesmos casos (hipóteses alheias às previstas no art. 313 do CPP), também seria descabida a imposição de medidas cautelares alternativas com o fi m de evitar a prática de novas infrações penais. Isso porque, consoante dispõe o art. 282, I, fi ne, tal

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motivação é possível apenas nos casos expressamente previstos. Segundo essa linha de pensamento, como não há expressa previsão, em qualquer dispositivo, de que medidas cautelares diversas da prisão sejam decretadas para garantia da ordem pública, sendo esta fundamentação inerente à prisão preventiva, apenas esta última medida poderia ser aceita em casos tais. Discordamos, contudo, dessa orientação, pois entre as medidas cautelares diversas da prisão algumas possuem explícito o objetivo de evitar a prática de novas infrações penais. É o caso, por exemplo, do provimento contemplado no art. 319, II, consistente na proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações e da medida es-tipulada no mesmo art. 319, VI, relativa à suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Além destas, o próprio recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fi xos (art. 319, V) e a monitoração eletrônica (art. 319, IX), implicitamente, trazem o mesmo fi m. Logo, cogitar da impossibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão em hipóteses não elencadas no art. 313 do CPP quando o objetivo for evitar a prática de novas infrações penais implica limitar a utilização do art. 319, frustrando os objetivos decorrentes da L. 12.403/2011.

Art. 282, II – Adequação da medida à gravidade do crime, circuns-tâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado

Concerne a adequação à pertinência abstrata da medida em face do cri-me sob apuração e do indivíduo que deverá cumpri-la. Não haveria sentido, por exemplo, na aplicação de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga (art. 319, V) cumulada com monitoração eletrônica (art. 319, IX) a quem se atribua a autoria de diversos crimes de estelionato por meio da internet, quando o objetivo visado com a imposição cautelar, simplesmente, seja evitar a reiteração da conduta criminosa.

Outro exemplo: No julgamento de Habeas Corpus impetrado por indi-víduo preso em fl agrante em face de violência doméstica praticada contra ex-companheira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, impôs a proibição de se aproximar o agente da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; a proibição de manter contato estas pessoas por qualquer meio de comunicação; a obrigação de comparecimento bimestral a juízo; e, por fi m, o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, esta última sob o fun-damento de que, em tais períodos, havia maior probabilidade de encontrar-se o agente com a vítima. Como se vê, todos estes provimentos, além de necessários (art. 282, I) no caso concreto, relacionam-se abstratamente (art.

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282, II) com os interesses que se objetiva tutelar – na espécie, a integridade da ofendida e o resultado do processo13.

Art. 282, II – Proporcionalidade em sentido estrito

Não obstante o art. 282, I e II, do CPP tenha estabelecido, como princípios informadores das medidas cautelares, apenas a necessidade e a adequação, a verdade é que, ínsita às alterações da Lei 12.403/2011, encontra-se, também, a proporcionalidade em sentido estrito, consistente no juízo de ponderação entre os danos causados com a aplicação da medida cautelar restritiva e os resultados que com ela serão auferidos, a fi m de, com isto, verifi car se o ônus imposto é proporcional à relevância do bem jurídico que se pretende resguardar14.

Em outras palavras, é por força da proporcionalidade em sentido estrito que não se deve admitir seja o acusado submetido, no curso do processo, a gravame superior ao que poderá estar sujeito no caso de eventual provimento condenatório15.

Isto, a propósito, fi ca bem claro quando o legislador, no art. 282, II, relacionou a adequação da medida à gravidade do crime, estabelecendo, subliminarmente, a verifi cação das penalidades que previsivelmente estará ele sujeito ao fi nal da demanda criminal como um condicionante para a decretação da cautelar.

Foi, também, inspirado no princípio da proporcionalidade em sentido estrito que o Código de Processo Penal, alterado pela L. 12.403/2011, estabeleceu a regra de que prisão preventiva do réu primário apenas poderá ser decretada quando se tratar de crimes cuja pena máxima for superior a 4 anos (art. 313,

13 Excerto do Voto do Relator: “[...] No caso em tela, não se verifi ca a hipótese legal de admissibilidade da prisão preventiva previstas no inciso I do art. 313 do CPP, pois, embora o crime envolva a prática de violência familiar, não houve a decretação anterior de medida protetiva, ou seja, a prisão, in casu, é desproporcional, pois não tem como fundamento garantir a execução de medida protetiva de urgência, não funcionando como a ultima ratio.

Afi gura-se, assim, sufi ciente para o caso destes autos, antes da decretação da prisão preventiva do paciente, a adoção das seguintes medidas protetivas: proibição de o paciente se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, tendo como 500 m o limite mínimo de distância entre estes e o paciente, bem como a proibição de o paciente manter contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.

Atento, ainda, às condições deste caso, e presentes os requisitos do art. 282 do Código de Processo Penal, aplica-se, como medida cautelar: o comparecimento bimestral do paciente em juízo, para informar e justifi car suas atividades, bem como o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, tendo em vista que neste período há maior probabilidade de o paciente encontrar a vítima. [...]” (TJSP, Habeas Corpus n.º 0120967-94.2011.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. João Morenghi, j. 10.08.2011)

14 Alberto Silva Franco ensina que “o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de pon-deração sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)” (Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, RT, 2001, vol. 1, p. 14)

15 No julgamento do RHC 20.471/RS, aplicando o princípio da proporcionalidade ao thema, compreendeu o Superior Tribunal de Justiça que, no caso concreto, a prisão provisória harmonizava-se “com o princípio da proporcionalidade, considerando que, além de necessária e adequada, não impõe ao recorrente, em princípio, gravame superior ao decorrente de eventual provimento condenatório”.

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I). Afi nal, sendo a reprimenda máxima igual ou inferior a esse patamar, o resultado esperado do processo não é a prisão, ex vi do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal, que determina o regime aberto ao condenado, em tais casos.

Note-se que a composição necessidade x adequação x proporcionalidade em sentido estrito não foi incorporada por acaso ao Código de Processo Penal pela Lei 12.403/2011. Juntos, compõem o princípio da proporcionalidade lato sensu, que, em sede de prisão e liberdade provisória, há muito vem sendo utilizado pelos Tribunais Superiores como fundamento de acórdãos, relacionado ao chamado mandamento da proibição de excesso, no intuito de evitar o cometimento de abusos pelos Órgãos a que afeta a Jurisdição Penal16.

E mais: importante que se diga que esta não é a primeira vez que o princípio da proporcionalidade lato sensu aparece norteando as reformas ao Código de Processo Penal. Por ocasião da Lei n.º 11.690/2008, alterando dispositivos concernentes à disciplina da prova criminal, o art. 156, I, do CPP dispôs que, na produção de provas ex offi cio pelo Juiz na fase anterior à instrução criminal, deve este observar critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade da medida. Nessa ocasião, porém, obrou o legislador com maior técnica na medida em que consignou, explicitamente, a proporcio-nalidade em sentido estrito, o que não fez no âmbito das alterações ditadas, agora, pela Lei 12.403/2011 (muito embora, como dissemos, seja possível vislumbrá-lo implicitamente nos termos ditados pela referida Lei).

16 A propósito, pertinente o magistério de Antônio Scarance Fernandes: “A afi rmação do princípio foi no sentido de garantir o indivíduo contra os excessos dos órgãos detentores do poder, buscando encontrar a medida adequada, necessária e justa. Não se trata de impedir a existência ou atuação de norma restritiva ou de fazer imperar sempre o princípio mais favorável ao acusado, mas de fazer atuar certa regra ou prevalecer determinado princípio de maneira equilibrada” (Processo Penal Constitucional, São Paulo, RT, 2002, p. 56)

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2.3 Requisitos das medidas cautelares em geral

Tratando-se a prisão preventiva e as medidas alternativas dos arts. 319 e 320 do CPP de provimentos de natureza cautelar, é intuitivo que a sua decretação vincula-se, também, à demonstração do periculum in mora e do fumus boni iuris.

O periculum in mora (ou periculum libertatis) corresponde à efetiva demonstração de que a liberdade plena do agente (sem qualquer restrição, obrigação ou condicionamento) poderá colocar em risco a aplicação da pena que venha a ser imposta, o resultado concreto do processo ou a própria segurança social. Este requisito confunde-se com os vetores a que estão vinculados o princípio da necessidade, consagrado no art. 282, I, do CPP, os quais consistem na necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Especifi camente em relação à prisão preventiva, coliga-se aos fundamentos previstos no art. 312, 1ª parte, do CPP, quais sejam, a garantia da ordem pública ou econômica, a con-veniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal.

Já o fumus boni iuris (ou fumus comissi delicti) traduz o juízo ex ante, ainda que no campo das probabilidades, de que a pessoa contra quem se dirige a medida cautelar possa ter sido o autor da prática delituosa sob apuração, viabilizando-se, assim, uma futura ação penal (na hipótese de a medida ter sido postulada na fase das investigações) ou uma posterior sentença de condenação (no caso de o pleito ter sido realizado no curso do processo). Muito embora não haja uma disciplina geral acerca dos elementos que compõem o fumus boni iuris, é certo que este requisito corresponde aos indícios sufi cientes de autoria e à prova da existência do crime, tal como previsto, aliás no art. 312, 2ª parte, do CPP especifi camente em relação à prisão preventiva.

Tocante à prova da existência do crime nas infrações que deixam vestí-gios, parte da doutrina fl exibiliza a demonstração deste requisito quando se trata de medidas cautelares diversas da prisão preventiva (arts. 319 e 320 do CPP), sustentando sua imprescindibilidade apenas para a decretação da prisão preventiva. Divergimos, em parte, desta orientação. Concordamos, en-fi m, que o exame de corpo de delito não é imprescindível para a imposição das medidas cautelares diversas da prisão, mas pensamos que sua ausência também não é um óbice intransponível para a decretação da prisão preven-tiva, assim como não para o recebimento da denúncia e nem mesmo para um veredicto condenatório.

Na verdade, tudo se passa pelo exame das regras dos arts. 158, 167 e 564, III, b, do CPP que, no conjunto, dispõem sobre a obrigatoriedade do exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígio, ressalvando,

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contudo, na inviabilidade de sua realização, a possibilidade de suprimento pela prova testemunhal (ou, como se entende na concepção atual, por qualquer outra prova lícita, exceto a confi ssão, pois ressalvada no art. 197 do CPP ao exigir que seja corroborada por outras provas).

Logo, se a infração deixou vestígio e se é possível a realização do exame de corpo de delito, este é necessário sim, quer para a decretação da prisão preventiva, quer para as demais medidas cautelares alternativas . Agora, se os vestígios desapareceram e, por isto, resta inviável a realização da prova pericial, deve-se verifi car a possibilidade de suprimento da mencionada perícia por outros meios de prova, seja para a prisão, seja para os demais provimentos cautelares. O que não aceitamos é que os requisitos destinados à comprovação da materialidade sejam distintos, conforme se trate de preventiva ou de outra medida não privativa de liberdade a cautelar imposta, mesmo porque estas últimas, se descumpridas, podem implicar em conversão na primeira a teor dos arts. 282, § 4º e 312, parágrafo único, ambos do CPP.

2.4 A aplicação do art. 282 à prisão temporária

Até meados de 2008, cinco formas de prisões provisórias coexistiam no processo penal brasileiro, todas incorporando natureza cautelar, não apenas pelas suas fi nalidades precípuas como também pela legitimidade para manter, per si, o indivíduo sob segregação: prisão preventiva, prisão em fl agrante, prisão temporária, prisão da pronúncia e prisão da sentença condenatória recorrível – as duas últimas, de manifesta inconstitucionalidade.

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Com a vigência da Lei 11.689, de 09.06.2008, alterando o procedimento de apuração dos crimes dolosos contra a vida, deixou de subsistir no orde-namento processual a prisão da pronúncia, antes contemplada na antiga redação do art. 408 do CPP. Este artigo autorizava o juiz, por ocasião da pronúncia, a decretar a imediata prisão do réu para que aguardasse preso a data do julgamento pelo júri, salvo se primário e de bons antecedentes. Assim, na atualidade, o regramento adotado pelo Código é o constante no art. 413, § 3.º, o qual, embora ainda faculte ao magistrado manter ou or-denar a prisão do acusado por ocasião da pronúncia, determina que o faça fundamentadamente. Veja-se que o art. 413 refere-se às medidas previstas no Título IX do Livro I do Código de Processo Penal. Ora, entre estas medidas, apenas a prisão preventiva possui aptidão para privar ou manter o agente privado da liberdade.

Por outro lado, entrando em vigor a L. 12.403/2011, esta revogou, ex-pressamente, o art. 393 do CPP, que, em seu inciso I, contemplava a chamada prisão da sentença condenatória recorrível. Dispunha esse artigo, como efeito da sentença condenatória recorrível, ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafi ançáveis, como nas afi ançáveis, enquanto não prestar fi ança. Assim, na atualidade, a disciplina em vigor é a do art. 387, parágrafo único, do CPP, segundo a qual a prisão que pode ser imposta na sentença condenatória recorrível é a preventiva, quando presentes os requisitos legais.

Por fi m, tocante à prisão em fl agrante, também foi atingida pela L. 12.403/2011, pois teve suprimida a sua autonomia para manter o fl agrado sob custódia, exigindo, para este fi m, sua conversão em preventiva, ex vi do que dispõe o art. 310, II, do CPP. Logo, a esta forma de prisão, não se pode mais atribuir natureza cautelar, assumindo um caráter meramente precautelar frente à prisão preventiva.

Neste contexto, a conclusão que se chega é a de que no sistema atual restam como prisões cautelares, em sua própria essência, apenas a prisão pre-ventiva e a prisão temporária, esta última regulamentada na Lei 7.960/1989, e, no caso de crimes hediondos, no art. 2º, § 4º, da Lei 8.072/1990. Sendo assim, cabe indagar: diante das alterações introduzidas pela Lei 12.403/2011, a decretação da prisão temporária também passou a estar condicionada à verifi cação da necessidade (para a investigação) e da adequação segundo os parâmetros estabelecidos no art. 282, I e II, do CPP?

Cremos que não, em que pese respeitadas vozes em sentido oposto já se tenham levantado a respeito deste tema.

Como argumento inicial de nosso ponto de vista, trazemos a literalidade do art. 282, caput, ao limitar a aplicação dos requisitos atinentes à neces-sidade e adequação às “medidas cautelares previstas neste Título”, nada havendo, pois, que conduza à necessidade de interpretação extensiva desta regra e que a faça alcançar os ditames da Lei 7.960/1989, que disciplina a prisão temporária.

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Em segundo lugar, ressaltamos as peculiaridades dessa modalidade de segregação, que, a despeito das três hipóteses de seu cabimento, tem sido mais utilizada, na prática, como expediente voltado ao êxito das investigações policiais nos crimes nela contemplados (art. 1º, I e III, da Lei 7.960/1989). Trata-se, enfi m, da prisão temporária fundamentada na imprescindibilidade para as investigações policiais.

Deste modo, relativamente à necessidade, esta é sim uma condicionante para a decretação da prisão temporária. Não, porém, a necessidade prevista no art. 282, I, do CPP, mas sim a necessidade para as investigações policiais enquanto sinônimo de imprescindibilidade, um fundamento natural da prisão temporária decretada com base no art. 1º, I, da Lei 7.960/1989.

Situação semelhante ocorre no tocante à adequação. Diante de representa-ção pela prisão temporária, sem dúvida, deverá o Juiz examinar a pertinência da medida ao caso concreto, verifi cando se estão presentes os pressupostos legais que a autorizam. Isto, contudo, deve ser feito à luz dos mandamentos insertos à Lei 7.960/1989 e não dos elementos constantes do art. 282, II, do CPP – gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado – que relevam unicamente às medidas cautelares de caráter pessoal previstas no CPP. Note-se, inclusive, que, segundo a corrente majoritária, a prisão temporária é cabível apenas em relação aos crimes referidos no art. 1º, III, da Lei 7.960/1989 e desde que presentes um dos requisitos contemplados nos incisos I ou II do mesmo dispositivo. Sendo assim, o elemento gravidade da infração penal já está objetivamente previsto na lei por meio da previsão dos crimes que permitem essa forma de custódia. De outra sorte, tocante às circunstâncias do fato, muitas vezes são desconhecidas e consistem, exatamente, no motivo pelo qual se pretende o decreto da prisão temporária, não sendo, por isso mesmo, razoável que integrem o juízo cognitivo do Juiz no momento de decretar ou não a prisão temporária do investigado.

E quanto à regra do art. 282, § 6º, estabelecendo que a prisão preven-tiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar? Esta disciplina se aplica à prisão temporária? O art. 282, § 6º, estabelece a subsidiariedade da prisão preventiva frente às medidas cautelares diversas da prisão. Decorre daí que a prisão preventiva não será decretada se houver a possibilidade de serem utilizados os provimentos cau-telares alternativos que não impliquem segregação.

Ora, tangente à prisão temporária, na medida que tem por fi nalidade, modo geral, assegurar o êxito das investigações policiais, é evidente que seu caráter deve se revestir de maior excepcionalidade do que a própria prisão preventiva, cujo objetivo, já vimos, é a proteção da sociedade, a garantia do resultado prático do processo e a própria execução da pena. Veja-se que para a decretação da prisão temporária não são exigidos os mesmos requisitos da preventiva – indícios sufi cientes de autoria e prova da existência do crime,

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razão, pois, do estabelecimento de prazos máximos para sua duração17-18, ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva.

Neste contexto, se a despeito das três hipóteses de cabimento da prisão temporária previstas no art. 1º da Lei 7.960/1989, ao fi m e ao cabo essa segregação se lastreia na imprescindibilidade para as investigações policiais, é evidente, até por uma questão de bom senso, que havendo outra forma de serem os fatos elucidados, não será ela decretada.

Portanto, é lógico que, sendo possível evitar a decretação da prisão tem-porária e, no seu lugar, impor uma das medidas restritivas do art. 319, assim deve proceder o Juiz. Não, porém, por força da regra do art. 282, § 6º, do CPP, que reputamos não aplicável à prisão temporária, pelos motivos já examinados e sim porque esta forma de custódia, efetivamente, apenas deve ser decretada nas situações de imprescindibilidade para as investigações, ou seja, quando não se afi gurar viável outra solução que não implique privação da liberdade.

3 MEDIDAS CAUTELARES (PRISÃO E MEDIDAS DIVERSAS DA PRISÃO): TEMPO, LEGITIMIDADE, PROCEDIMENTO CONTRADITÓRIO, RECURSOS E IMPUGNAÇÕES

3.1 Oportunidade

No aspecto relativo à oportunidade em que podem ser decretadas as medidas cautelares de natureza pessoal, duas regras devem ser consideradas: a primeira, de caráter geral, aplicada tanto à prisão preventiva como às demais medidas caute-lares diversas da prisão, consubstanciada no art. 282, § 2º, do CPP; e, a segunda, norma específi ca para a prisão preventiva, inscrita no art. 311 do CPP.

NORMA GERAL APLICÁVEL À PRISÃO PREVENTIVA E ÀS MEDIDAS CAUTELA-

RES DIVERSAS DA PRISÃO

NORMA ESPECÍFICA APLICÁVEL À PRISÃO PREVENTIVA

Art. 282, § 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requeri-mento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requeri-mento do Ministério Público.

Art. 311. Em qualquer fase da investiga-ção policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do que-relante ou do assistente, ou por representa-ção da autoridade policial.

17 Art. 2° da Lei 7.960/1989 - A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

18 Art. 2º, § 4º, da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) - A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

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A leitura destes dispositivos não deixa dúvidas acerca do cabimento da prisão preventiva e das demais medidas cautelares de natureza pessoal tanto na fase das investigações policiais quanto no curso do processo judicial. Afi nal, o art. 311, relativo à prisão preventiva, é de explicitude inequívoca neste sentido. Já o art. 282, § 2º, refere-se à decretação das medidas caute-lares a partir de requerimento das partes – terminologia esta própria da fase judicial. Relativamente à dedução dos provimentos cautelares na fase anterior ao processo judicial, o dispositivo utiliza a semântica investigação criminal, o que abrange, logicamente, a fase da investigação policial.

Logo, podem surgir questionamentos na hipótese de a decretação da medida cautelar envolver investigação criminal que não possua natureza de investigação policial, muito especialmente aquelas presididas pelo Minis-tério Público.

Ora, não temos a menor dúvida de que, no âmbito destes procedimentos, desde que regularmente instaurados pelo promotor, é plenamente possível a decretação de medidas cautelares diversas da prisão. Veja-se que, seins-taurados para apurar a prática de infrações penais, tais expedientes possuem o caráter de investigação criminal, ajustando-se à hipótese de incidência do art. 282, § 2º, do CPP.

Tratando-se, contudo, de prisão preventiva, a situação é tormentosa em face da literalidade do art. 311 do CPP, que prevê sua admissão em qualquer fase da investigação policial ou do processo criminal. Cabe ressaltar, inclusi-ve, que este dispositivo teve alterada sua redação no tocante à terminologia utilizada, já que antes das alterações determinadas pela Lei 12.403/2011, dispunha sobre o cabimento da custódia nas fases do inquérito policial ou da instrução criminal. E, nesta alteração redacional, deixou de inserir a semântica investigação criminal, à semelhança do que fez na regra geral do art. 282, § 2º, preterindo-a em prol da nomenclatura investigação policial.

Art. 311 do CPP(Antes da Lei 12.403/2011)

Art. 311 do CPP(Depois da Lei 12.403/2011)

Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.

Art. 311. Em qualquer fase da investi-gação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Pois bem. Independentemente desta limitação da prisão preventiva, na fase que antecede à instauração do processo criminal, ao momento da investigação policial, cremos que isto não obsta o seu decreto judicial no

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bojo de expedientes investigatórios presididos pelo Ministério Público. E isto por duas razões: a uma, porque não seria razoável a Constituição Federal legitimar o Ministério Público a realizar diligências investigatórias (art. 129, incisos VI e VIII)19 se, para assegurar o êxito destas investiga-ções, ou a segurança social, ou a execução da pena, não pudesse o parquet postular ao juiz a decretação da prisão preventiva do investigado, inclusive demonstrando, se for o caso, a inadequação ou insufi ciência das cautelares do art. 319 do CPP, e, a duas, porque, fosse possível ao Órgão do Minis-tério Público que preside o expediente investigatório apenas requerer, no âmbito deste expediente providências restritivas dentre as elencadas nos arts. 319 e 320 do CPP, restariam estes provimentos inócuos na hipótese de descumprimento pelo investigado, já que não poderiam ser eles convertidos em preventiva (art. 282, § 4º).

A par de tudo o que foi dito, ressaltamos que as alterações intro-duzidas pela Lei 12.403/2011 não modifi caram o entendimento que já adotávamos no sentido de que a prisão preventiva, e, agora, também as demais medidas cautelares dos arts. 319 e 320, não podem ser decreta-das no âmbito de procedimentos outros que não possuam a conotação específi ca de investigação criminal ou processo penal, tais como comis-sões parlamentares de inquérito, processos administrativos, sindicâncias, inquéritos civis etc.

3.2 Legitimidade

De acordo com o art. 282, § 2º, do Código de Processo Penal, as me-didas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. Já o § 4º do mesmo dispositivo, tratando da desobediência a estas cautelares, preceitua que, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.

Especifi camente no que toca à prisão preventiva, refere o art. 311 que, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

A partir destas regras, inferem-se as seguintes conclusões no que con-cerne à legitimação para as medidas cautelares de natureza pessoal tratadas

19 STJ, AgRg no REsp 1013039/SE, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 09.05.20

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no Título IX do Livro I do CPP, seja a prisão preventiva, sejam as demais elencadas nos arts. 319 e 320:

1) O Juiz não possui legitimidade para decretar medidas cautelares ex offi cio no curso das investigações policiais. Nesta fase, a atuação do juiz está condicionada ao requerimento do Ministério Público ou à representação da autoridade policial, ex vi dos arts. 282, § 2º e 311 do CPP.

2) A proibição de o juiz decretar ex offi cio medidas cautelares na fase das investigações, a nosso ver, não implica dizer que não possa ele converter o fl agrante em medidas alternativas ou até mesmo em prisão preventiva quando aquelas providências não se revelarem adequadas ou sufi cientes, nos termos autorizados pelo art. 310, II, do CPP. Afi nal, a hipótese difere daquela em que, diante de uma investigação em andamento, o juiz, ex offi cio, resolve impor medidas cautelares ao indiciado por entender presentes os respectivos requisitos. Isto é o que, agora, restou proibido em face da literalidade dos arts 282, § 2º e 311 do CPP. Na hipótese do art. 310, com efeito, o que se tem são providências obrigatórias que devem ser adotadas pelo juiz ao receber o auto de prisão em fl agrante, sob pena de constrangimento ilegal passível de habeas corpus. Logo, não há rompimento do sistema acusatório na conduta do magistrado que adota ofi ciosamente qualquer das soluções inseridas aos incisos do art. 310, ainda que seja a conversão do fl agrante em medidas cautelares alternativas, ou, na impossibilidade, na própria prisão preventiva, pois apenas estará ele cumprindo o que a lei determina, não sendo razoável, ademais, que permaneça na dependência de prévia repre-sentação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público para assim decidir. A questão, todavia, é controvertida, existindo orientação no sentido de que até mesmo a conversão ex offi cio pelo Juiz do fl agrante em preventiva está vedada.

3) No curso do processo judicial, o juiz poderá decretar as medidas cau-telares tanto ex offi cio como a requerimento do Ministério Público, do querelante e do assistente de acusação. Neste aspecto, a alteração intro-duzida pela Lei 12.403/2011 em relação à disciplina anterior do Código de Processo Penal ocorreu apenas para o assistente de acusação, que, antes, não possuía legitimidade para requerer a prisão preventiva e agora tem. Lembre-se, por oportuno, que as fi guras do querelante e do assistente do Ministério Público só existem na fase do processo judicial, não se podendo contemplá-los no momento que antecede este interregno. Afi nal, querelante, assim compreendido o ofendido, seu representante legal ou, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, é o autor da ação penal privada. Já por assistente do Ministério Público consideram-se as mesmas pessoas que na ação penal privada podem fi gurar como querelantes (art. 268). A diferença reside no fato de que o assistente apenas habilitar-se-á na ação penal pú-blica, salientando-se que essa habilitação pode ocorrer após ter sido esta regularmente instaurada e antes do trânsito em julgado da decisão nela proferida (art. 269).

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3.3 Procedimento contraditório

O art. 282, § 3º, do Código de Processo Penal preceitua que, “ressal-vados os casos de urgência ou de perigo de inefi cácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo”.

Como se vê, tratando-se de hipótese em que houve pedido de aplicação de provimento cautelar de natureza pessoal levado a efeito pelos legitimados contemplados em lei, o dispositivo prevê um procedimento contraditório para a imposição destas medidas, exigindo, como regra, que seja previamente inti-mada a parte contra quem está sendo requerida a providência, a qual deverá, também, receber cópia do requerimento e das peças necessárias (certamente quis referir-se o legislador, aqui, aos documentos importantes que instruem o pedido de aplicação da medida).

Veja-se que, nos termos do art. 282, § 2º, do CPP, este pedido de aplicação das medidas cautelares será realizado sob a forma de represen-tação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente de acusação. Pois bem. Levando-se em conta os termos do § 3º do mesmo artigo, depreende-se que não importa a na-tureza da manifestação realizada ao Juiz, vale dizer, se uma representa-ção do Delegado de Polícia na fase das investigações policiais ou se um requerimento dos demais legitimados nessa mesma fase ou no curso do

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processo, pois a respeito de qualquer delas, bem como dos documentos que as acompanharem deverá o agente ser intimado a se pronunciar previamente à deliberação judicial.

Não obstante esta disciplina, excetuou o art. 282, § 3º da necessidade de contraditório prévio as hipóteses de urgência na apreciação da medida, bem como aquelas em que a prévia ciência pelo agente possa implicar perigo de inefi cácia do provimento judicial. Absolutamente pertinente esta ressalva legal. Com efeito, a exigência de contraditório prévio deve exigir compatibi-lidade em relação à natureza da medida cautelar e às circunstâncias do caso concreto, pois é inequívoco que, em determinadas hipóteses, a prévia ciência do acusado pode vir a frustrar os objetivos pretendidos com a aplicação da medida. E não se diga que, em tais casos, haverá prejuízo à ampla defesa ou ao contraditório visto que, nestas situações, o exercício de tais garantias é postergado para momento posterior à deliberação judicial. Não há, enfi m, uma privação ao contraditório e à ampla defesa, mas sim uma postergação plenamente justifi cada pelas circunstâncias próprias do caso submetido à apreciação do juízo.

Exemplos:

• Não é possível, cogitar de contraditório prévio para a imposição de medida cautelar de prisão, seja qual for o motivo pelo qual esteja sendo requerida a custódia, por razões óbvias.

• Deve ser decretada inaudita altera partes a internação provisória do indiví-duo (art. 319, VIII) que, acusado de crime com violência ou grave ameaça, era comprovadamente inimputável à época do fato e apresenta, agora, sério risco de reincidir na prática delituosa.

Quanto ao modo como será exercido o contraditório postergado ou di-ferido em casos tais, na ausência de um modelo legal, deverá ser realizado por meio das formas clássicas atinentes à praxe forense – petição ao juiz, a qualquer tempo, no sentido da revogação da medida ou de sua substituição por outra que importe menor sacrifício ao agente, impetração de habeas cor-pus ou, até mesmo, se verifi cada hipótese de error in procedendo, dedução de pedido de correição parcial.

Questões controvertidas:

O contraditório a que se refere o art. 282, § 3º, do CPP deve ser ins-taurado, também, quando se trata de medidas cautelares de natureza pessoal determinadas “ex offi cio” pelo Juiz? Como já vimos, com as alterações ditadas pela Lei 12.403/2011 a possibilidade de o Juiz determinar estas me-didas de ofício fi cou restrita à fase judicial. Isto, a propósito, alcança tanto a prisão preventiva quanto as medidas cautelares diversas da prisão, conforme exegese dos arts. 311 e 282, § 2º, respectivamente. Ora, considerando que

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o legislador exigiu a prévia intimação do agente acerca dos provimentos cautelares quando há pedido realizado pelos interessados, ressalvando, uni-camente, as hipóteses de urgência e de perigo de inefi cácia da medida, não vemos razão plausível para que a mesma regra não seja utilizada na hipótese de determinação de ofício. Afi nal, em uma e outra situação, a necessidade de audiência do interessado acerca da medida que poderá restringir-lhe a liberdade possui o mesmo lastro, qual seja, as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

De acordo com o art. 282, § 4º, do CPP, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventi-va. Regra idêntica está contemplada no art. 312, parágrafo único, do CPP. Nesta hipótese, deve ser exigido, igualmente, o contraditório prévio? Em que pese respeitadas vozes em sentido oposto, compreendemos que, nestas hipóteses, não é necessário o contraditório prévio. Veja-se que o art. 282, § 4º cuida de quem já se encontra sob certo grau de restrição em sua liberdade e, nesta condição, deixa de cumprir o comando judicial. Ora, em casos tais, o agente, devidamente admoestado por ocasião da imposição do provimento cautelar, já tem o prévio conhecimento das consequências de sua omissão, cabendo a ele, portanto, o ônus de comunicar ao juízo, a ele comparecer ou fazer-se representar no intuito de justifi car a situação de impedimento quanto ao cumprimento da obrigação imposta. Muito diferente, pois, a situação em exame daquela tratada no art. 282, § 3º, em que o agente ainda não se en-contra sob medida cautelar em face da infração penal pela qual se pretende a aplicação do provimento restritivo.

3.4 Recursos e impugnações

Nada dispuseram as alterações introduzidas pela Lei 12.403/2011 acerca das impugnações cabíveis em relação às decisões que deferem ou indeferem as medidas cautelares de natureza pessoal – prisão preventiva e provimentos diversos da prisão.

Relativamente à prisão preventiva, a decisão que indeferi-la enseja recurso em sentido estrito, conforme dispõe o art. 581, V, do Código de Processo Penal. Já o deferimento, na sistemática do CPP, não enseja recurso em sentido estrito, permitindo apenas a impetração de habeas corpus, que possui natureza de ação autônoma de impugnação.

Tocante às medidas cautelares diversas da prisão não há previsão de qualquer recurso na legislação. Não obstante, contra o respectivo inde-ferimento, reputamos possível a utilização do mesmo recurso em sentido estrito cabível no caso de indeferimento da cautelar de prisão preventiva, por interpretação extensiva do art. 581, V. Trata-se, enfi m, de permitir, em

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caráter excepcional, o manejo do RSE contra uma decisão que, apesar de não expressamente arrolada no art. 581 do CPP entre suas hipóteses de cabimento (indeferimento de cautelar distinta da prisão), é conceitualmente muito próxima a outra para a qual a lei admite sua dedução (indeferimento da cautelar de prisão). A propósito da interpretação extensiva como critério de verifi cação do cabimento do recurso em sentido estrito, sugerimos a leitura do Capítulo 14, item 14.7.1 da nossa obra Processo Penal Esque-matizado.

Agora, relativamente ao deferimento das cautelares diversas da prisão, é preciso distinguir duas situações:

A. Trata-se de cautelares deferidas em hipóteses nas quais pode incidir o art. 313 do CPP, que contempla os casos em que se admite a prisão preventiva: Neste caso, não há dúvidas quanto ao cabimento do habeas corpus. Afi nal, o deferimento, aqui, poderá implicar, no caso de transgressão, em decisão judicial de conversão na prisão preventiva (art. 282, § 4º e 312), privando-se, assim, o indivíduo de sua liberdade de locomoção.

B. Trata-se de cautelares deferidas em casos que não admitem a decreta-ção da prisão preventiva (art. 313 do CPP, “contrario sensu”): Nesta situação, é preciso mencionar a existência de duas correntes opostas acerca da possibilidade ou não de conversão das medidas cautelares descumpridas em prisão preventiva. Dependendo da corrente adota-da, a via impugnativa cabível para o insurgimento contra a decisão deferitória da medida cautelar diversa da prisão será o mandado de segurança ou o habeas corpus. Observe-se:

• 1ª Corrente: Tratando-se de medidas cautelares alternativas deferidas em hipóteses alheias às previstas no art. 313 do CPP, não será possível a sua conversão em prisão preventiva caso restem descumpridas. Segundo esta linha de pensamento, o deferimento das mencionadas cautelares jamais implicará risco de prisão, não podendo, via de consequência, ensejar a impetração habeas corpus. Neste contexto, para que não reste sem im-pugnação a decisão deferitória da cautela nesses casos, resta aceitar a dedução do mandado de segurança, que se apresenta, inclusive em termos constitucionais, como sucedâneo natural do habeas corpus nos casos em que preenchidos seus pressupostos de cabimento20.

• 2ª Corrente: As condições de admissibilidade do art. 313 do CPP não são exigidas para a decretação da prisão preventiva na hipótese de descumpri-mento das medidas cautelares alternativas. Cogitar o contrário implicaria em

20 Art. 5º, LXIX, da CF – “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”

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deixar o cumprimento das obrigações impostas por força destes provimentos à mercê da vontade do agente, pois, de qualquer modo, não poderia ser forçado a tanto. Destarte, havendo a possibilidade de conversão em prisão da cautelar alternativa também nesta hipótese, deve-se reconhecer o habeas corpus como remédio cabível em relação à decisão judicial que as deferir. Trata-se da posição que adotamos.

Observe-se, por oportuno, que o delegado de polícia não possui legiti-midade, quer para interposição de recursos, quer para a dedução de habeas corpus. Logo, se indeferida sua representação visando à imposição de me-didas cautelares de natureza pessoal, eventual recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, apenas (lembre-se que, na fase das investigações policiais, não se pode falar em querelante ou assistente de acusação, que são os demais legitimados contemplados no art. 282, § 2º, já que tais sujeitos somente intervém quando há processo judicial).

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4 MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO (ARTS. 319 E 320)

4.1 Regras gerais de aplicação

Consoante examinamos nos tópicos anteriores, as medidas cautelares de natureza pessoal obedecem a determinados princípios, consistentes na necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, os quais se infere muito especialmente do art. 282, I e II, do CPP (item 2.2).

Além destes princípios, devem ser observados os requisitos atinentes às medidas cautelares em geral, traduzidos no periculum in mora e no fumus boni iuris, o primeiro caracterizando os riscos à sociedade, à efetividade do processo e à aplicação da pena que podem decorrer da liberdade plena do agente, assim entendida não apenas a liberdade em si, como também a liber-dade sem restrições de qualquer natureza; e, o segundo, consubstanciado nos indícios sufi cientes de autoria e na prova da existência do crime (item 2.3).

Ora, é certo que tais elementos são exigidos tanto para a prisão preventiva quanto para as medidas alternativas diversas da prisão. Independentemente dessa normatização, que é comum a essas duas formas referidas de medidas cautelares de natureza pessoal, a Lei 12.403/2011 estabeleceu uma disciplina específi ca para as medidas cautelares diversas da prisão, que deve ser ob-servada como condição para que sua aplicação não importe constrangimento ilegal ao indiciado ou acusado.

Consistem, pois, estas regras:

4.1.1 Aplicação restrita a infrações punidas com pena privativa de liberdade

Art. 283 [...]§ 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente comi-nada pena pri-vativa de liberdade.

Infere-se do art. 283, § 1º, do CPP que as medidas cautelares de natureza pessoal, aí incluídas tanto a prisão preventiva como os provimentos cautelares diversos da prisão apenas poderão ser decretados em relação a crimes a que cominada pena privativa de liberdade isolada, cumulativa ou alternativamente. Logo, descabida, por exemplo, a imposição de tais medidas nas hipóteses dos arts. 303 e 304 da Lei 4.737/1965 (Código Eleitoral)21, visto que se tratam de infrações a que cominada, apenas, pena de multa.

21 Art. 303. Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à realização de eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, impressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral. Pena – pagamento de 250 a 300 dias - multa.

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Veja-se que esta previsão vincula-se intrinsecamente ao disposto no art. 282, II, do CPP, que, referindo-se ao princípio da adequação das cautelares, estatui a gravidade do crime como um dos parâmetros de verifi cação. Ora, inequivocamente, o condicionamento de que se tratem de crimes sujeitos a pena privativa da liberdade aqueles sujeitos à aplicação das referidas medidas vem a ser um critério mínimo de gravidade do crime, abaixo do qual os provimentos cautelares não podem ser admitidos. Isto ocorre não apenas em face das restrições que os provimentos dos arts. 319 e 320 impõem, por si, aos indiciados ou acusados (algumas dessas medidas apresentam reduzido grau de lesividade), mas também em razão das consequências que podem advir na hipótese de seu eventual descumprimento, entre as quais a decretação da prisão preventiva (art. 282, § 4º e 312, parágrafo único).

4.1.2 Aplicação das medidas cautelares diversas da prisão: caráter autônomo, ou em substituição à prisão preventiva, ou como obrigação decorrente da liberdade provisória

Art. 282 [...]§ 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua subs-tituição por outra medida cautelar (art. 319).

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preven-tiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.

As medidas cautelares alternativas podem ser aplicadas no sistema pro-cessual vigente sob três óticas distintas:

1) Aplicação autônoma, sem o caráter substitutivo da prisão preventi-va: Considere-se que um indivíduo, primário e que não aceitou a proposta de suspensão condicional do processo do art. 89 da Lei 9.099/1995, encontra-se respondendo a processo criminal por furto simples, sujeito, portanto, a uma pena de até 4 anos de prisão. Não sendo reincidente em crime doloso, descabe, para ele, a prisão preventiva, ainda que presentes os respectivos fundamentos, ex vi do que dispõe o art. 313, I e II, do CPP. Se, no curso deste processo, entender o juiz necessária e adequada a aplicação de qualquer das medidas

Art. 304. Ocultar, sonegar açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato. Pena – pagamento de 250 a 300 dias – multa.

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estipuladas no art. 319 e 320 do CPP, nada obsta que o faça, podendo agir ex offi cio ou provocado por qualquer dos legitimados legais (art. 282, § 2º, do CPP). Poderá, por exemplo, aplicar o provimento de comparecimento periódico para informar e justifi car suas atividades a juízo (art. 319, I); ou, então, impor esta medida cumulada com a de proibição de contato com o ofendido (art. 319, I e III).

Note-se que, no exemplo, a imposição judicial não teve o objetivo prin-cipal de substituir a prisão preventiva, já que o crime, em face da sua pena máxima e da condição pessoal do acusado de não reincidente em crime doloso não é sujeito a esta forma de custódia (art. 313, I e II do CPP).

E se, neste mesmo caso, o acusado descumprir a condição imposta? Em que pese a existência de correntes opostas, aderimos ao entendimento no sentido de que o descumprimento das obrigações decorrentes das medi-das cautelares sempre autoriza a decretação da prisão preventiva, ainda que não se trate de hipótese contemplada no art. 313. De resto, encaminhamos o leitor ao item 4.1.5, abaixo.

2) Aplicação em caráter substitutivo da prisão preventiva (art. 282, § 6º): Suponha-se que, no curso da investigação policial ou do processo criminal, instado pelos legitimados do art. 311, constate o juiz, a presença inequívoca dos pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventi-va. Em tal caso, por força do que reza o art. 282, § 6º, do CPP, caberá ao juiz examinar a possibilidade de aplicação, quer isoladas, quer cumuladas umas com as outras, das medidas previstas no art. 319 e no art. 320, já que estas, por força de lei, possuem natureza substitutiva da prisão preventiva nas hipóteses que autorizam esta custódia (art. 313). Neste diapasão, apenas será facultado ao juiz decretar a prisão preventiva se, fundamentadamente, demonstrar a impossibilidade de substituí-la, efi cazmente por outro provi-mento alternativo dentre os previstos nos mencionados arts. 319 e 320.

3) Aplicação vinculada ao benefício da liberdade provisória (art. 321): Estabelece o art. 310 do CPP que, ao receber o auto de prisão em fl agrante, o juiz deverá, fundamentadamente, relaxar a prisão ilegal (inc. I), converter a prisão em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 e se revelarem inadequadas ou insufi cientes as medidas cautelares diversas da prisão (inc. II), ou conceder liberdade provisória, com ou sem fi ança (inc. III).

Neste contexto, depreende-se que a defi nição de liberdade provisória concerne à de instituto relacionado à prisão em fl agrante, quando, não sen-do ilegal esta prisão, também não se encontram presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Pois bem, como se infere do art. 321, ao conceder tal liberdade, poderá o juiz impor, como obrigações, qualquer das medidas do art. 319 (e agrega-mos: também a do art. 320, omitida no art.321).

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4.1.3 Aplicação isolada ou cumulativa

Art. 282 [...]§ 1º – As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativa-mente.

O art. 282, I e II, do CPP estabelece que as medidas cautelares serão aplicadas em atenção aos critérios da necessidade e da adequação. Pois bem. Estes mesmos critérios, examinados diante do caso concreto, podem levar o juiz a concluir tanto pela imposição de apenas uma medida cautelar isola-da, como pela conveniência de aplicá-la cumulativamente com outra ou até mesmo com mais de uma.

Considere-se, por exemplo, um processo criminal por crime de estelio-nato, em que imputado a acusado primário a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de diversas vítimas, ao longo de várias ações cometidas em determinado período de tempo. Considerando a natureza do crime, voltado a induzir em erro inúmeras pessoas de boa-fé mediante artifício, ardil ou fraude, poderia o juiz, levando em conta a necessidade (para evitar a prática de novas infrações penais) e a adequação (à gravidade do crime e circuns-tâncias do fato), impor ao agente as medidas de comparecimento periódico a juízo para informar e justifi car suas atividades e a proibição de ausentar-se da Comarca, previstas no art. 319, I e IV, respectivamente. Dependendo das dimensões do fato, nada impediria, ainda, a aplicação do recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V), visando, com isso, difi cultar a prática de novas infrações.

4.1.4 Legitimidade e contraditório

Art. 282 [...]§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a reque-rimento das partes ou, quando no curso da investigação cri-minal, por re-presentação da autoridade policial ou mediante requeri-mento do Ministério Público.§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de inefi cácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, deter-minará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças neces-sárias, permanecendo os autos em juízo.

Os temas pertinentes à legitimidade e ao contraditório já foram enfrentados nos tópicos 3.2 e 3.3, respectivamente. Assim, para evitar inútil repetição, a eles nos reportamos, encaminhando o leitor.

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4.1.5 Descumprimento das obrigações impostas

Art. 282 [...]§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impos-tas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Públi-co, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

Art. 312 [...]Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4.º).

Como já dissemos em mais de uma oportunidade, três são as possibilidades que assistem ao juiz se vierem a ser desobedecidas, injustifi cadamente, pelo indiciado ou acusado, as obrigações decorrentes das medidas acautelatórias diversas da prisão:

1) Substituição por outra medida não privativa da liberdade, podendo inclusive ser mais de uma.

2) Cumulação da medida já imposta com outra ou outras que se mostrarem necessárias e adequadas ao caso concreto.

3) Nada disto sendo possível (o art. 282, § 4º, refere-se “em último caso”), a decretação da prisão preventiva do indiciado ou acusado renitente.

Sem embargo da aparente simplicidade da regra, duas questões dela de-correm e exigem análise: uma, relativa à necessidade de contraditório prévio; e, duas, pertinente à possibilidade de conversão da cautelar descumprida em prisão preventiva, nos casos alheios às hipóteses previstas no art. 313 do CPP (dispositivo que elenca os casos em que essa forma de custódia é admitida).

Ora, relativamente à necessidade de ser instaurado contraditório prévio à substituição, cumulação ou conversão em preventiva da cautelar descumpri-da, por analogia ao disposto no art. 282, § 3º (que exige o mesmo contraditório como regra para a imposição das cautelares em geral, ressalvados os casos de urgência ou de risco de inefi cácia da medida), reputamos desnecessário, pois o art. 282, § 4º, ao tratar das mencionadas substituição, cumulação ou conversão de medidas cuida de quem já se encontra sob certo grau de restrição em sua liberdade e, nesta condição, deixa de cumprir o comando judicial. Ora, em casos tais, o agente, devidamente admoestado por ocasião

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da imposição do provimento cautelar, já tem o prévio conhecimento das consequências de sua omissão, cabendo a ele, portanto, o ônus de comunicar ao juízo, a ele comparecer ou fazer-se representar no intuito de justifi car a situação de impedimento quanto ao cumprimento da obrigação imposta. Muito diferente, pois, a situação em exame daquela tratada no art. 282, § 3º, em que o agente ainda não se encontra sob medida cautelar em face da infração penal pela qual se pretende a aplicação do provimento restritivo.

De outra banda, quanto ao segundo impasse, pertinente à viabilidade ou não de conversão em prisão preventiva das cautelares não cumpridas, quando estivermos diante de situação que, isoladamente, não admita a decretação da custódia, há duas linhas de pensamento:

1ª Corrente: Não é possível aplicar a regra dos arts. 282, § 4º, fi ne e 312, parágrafo único e, em decorrência, converter a medida não cumprida em prisão preventiva, já que a hipótese é alheia ao art. 313 do CPP, que contempla os casos em que esta custódia é admitida. Resta ao juiz, então, substituir a medida descumprida por outra, ou estabelecer nova medida em cumulação, nos termos do art. 282, § 4º, 1ª e 2ª partes.

2ª Corrente: As limitações do art. 313 do CPP não se aplicam aos casos de descumprimento das obrigações impostas por força de medidas cautelares alternativas, sob pena de o indiciado ou acusado cumpri-las, apenas, se o quiser. Trata-se da posição que acolhemos, mesmo porque o art. 282, § 4º estabelece uma regra geral para o descumprimento destes provimentos, sendo esta disciplina localizada, topografi camente, em Capítulo anterior ao que regulamenta a prisão preventiva e no qual se contemplam as infrações que permitem esta forma de segregação. Lembre-se, porém, que tal conversão, nos termos explícitos do referido § 4º, é cabível tão somente quando não for possível determinar a substituição ou cumulação da medida descumprida por outra – “ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312)”.

4.1.6 Revogação e substituição

Art. 282 [...]§ 5º - O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando veri-fi car a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifi quem.

Trata-se de atributo semelhante ao previsto no art. 316 para a prisão preventiva, onde consta que “o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verifi car a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifi quem”. Em verdade, uma e outra situação estão intimamente relacionadas à característica da pro-visoriedade, que é ínsita a qualquer medida cautelar. Como já abordamos o tema, sugerimos ao Leitor a leitura do item 2.1, retro, relativo aos atributos da provisoriedade e da revogabilidade dos provimentos cautelares.

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4.2 Medidas em espécie

As medidas cautelares diversas da prisão elencadas nos arts. 319 e 320 do Código de Processo Penal implicam restrições às garantias e liberdades individuais. Logo, deve-se considerar taxativo o rol apresentado naqueles dispositivos, sendo vedada a sua ampliação por critérios de interpretação extensiva.

Consistem tais medidas nas seguintes:

4.2.1 Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fi xadas pelo juiz, para informar e justifi car atividades (art. 319, I):

Trata-se de provimento cautelar que atende a duas fi nalidades básicas: cientifi car o juízo de que o acusado permanece a sua disposição para a prática dos atos que se fi zerem necessários à persecução penal, e, também, mantê-lo informado quanto às atividades que vêm sendo por ele exercidas no interregno entre as apresentações.

A medida em exame assemelha-se à prevista no art. 89, § 1º, IV, da Lei 9.099/1995, que, tratando da suspensão condicional do processo, estabelece, como uma das condições a ser cumprida pelo acusado durante o período de prova, o seu comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justifi car suas atividades. Dela se diferencia, contudo, em especial pelas seguintes razões:

a) Para a suspensão condicional do processo, determina a Lei 9.099/1995 que as apresentações do acusado sejam mensais. Em se tratando da cautelar contemplada no art. 319, I, do CPP, não é estabelecida periodicidade, fi cando ao encargo do Juiz estabelecer o lapso de tempo a ser observado pelo acusado entre uma e outra apresentação. Destarte, ao aplicar a medida, deve o magistrado, de plano, predeterminar esse período.

b) Ao contrário do art. 89 da Lei 9.099/1995, não refere o art. 319, I, do CPP a comparecimento pessoal do acusado a juízo. É evidente, porém, que a omissão decorreu de lapso legislativo, impondo-se que tal comparecimento a juízo seja pessoal sim. Afi nal, as medidas cautelares destinam-se à pessoa do investigado ou do acusado, não sendo razoável, obviamente cogitar da possibilidade de seu cumprimento por meio de interposta pessoa, inde-pendentemente de quem seja o terceiro, da forma de representação e da natureza da medida imposta.

Note-se que, uma vez imposta a medida cautelar, para que se tenha esta como efetivamente cumprida não é sufi ciente o simples comparecimento do acusado em juízo, informando as suas ocupações no período. É preciso,

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também, que justifi que as atividades lícitas que vem desenvolvendo, isto é, comprove-as, se possível documentalmente. Não sendo viável realizar esta comprovação, deverá, então, o acusado relatar esta situação ao servidor do cartório, narrando a ele os meios de que dispõe para fazer a prova que lhe compete. Certifi cada esta situação no âmbito cartorário e conclusos os autos ao Juiz, caberá a este verifi car a eventual necessidade de realizar audiência para ouvir o acusado e, se julgar necessário, facultar-lhe a apresentação das provas de que dispõe quanto a sua ocupação, inclusive prova testemunhal.

4.2.2 Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações (art. 319, II):

A medida tem lugar na hipótese em que constatar o juiz, pelas circuns-tâncias do fato que se atribui ao indiciado ou acusado, que a sua presença em determinados lugares pode ser um fator propício à reiteração de infrações penais.

Sua aplicação não pode ser dúbia. Logo, ao impor o provimento cautelar, deve o juiz especifi car, de forma clara, a natureza dos lugares que o acusado não pode acessar ou frequentar. Evidentemente, não é necessário nominar este ou aquele estabelecimento, podendo fazê-lo pela natureza da atividade desenvolvida desde que não restem dúvidas quanto ao seu enquadramento ou não vedação, v.g., proibição de acesso ou frequência a bares onde haja venda de bebidas alcoólicas, a praças e parques onde haja atividades desportivas, a estádios de futebol, a parques infantis etc.

A medida do art. 319, II , do CPP é simétrica às previstas no art. 78, § 2º, do Código Penal (sursis), no art. 132, § 2º, da Lei de Execuções Penais (livramento condicional), no art. 22, III, c, da Lei 11.340/2006 (medidas protetivas de urgência) e no art. 89, § 1º, II, da Lei 9.099/1995 (suspensão condicional do processo). Note-se: simétrica sim, igual não. Com efeito, em todas as situações mencionadas a título de comparação, o condicionamento imposto por lei é, simplesmente, o de proibição de frequentar determinados lugares. Já no art. 319, II, existem dois outros fatores que não aparecem nas hipóteses contempladas naqueles diplomas. Consistem:

a) O dispositivo insere, também, a proibição de acesso, que se agrega à proibição de frequência. Ora, frequentar produz a ideia de “ir mais de uma vez”, ao contrário de acessar, que pode ocorrer, inclusive, com apenas uma parada ou estada em certo local. Portanto, a obrigação do art. 319, II, do CPP apresenta maior rigor do que a condição assemelhada que aparece nos dispo-sitivos citados do Código Penal, Lei de Execuções Penais e Lei 9.099/1995,

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importando a sua aplicação em proibição da presença física do agente no local objeto da restrição judicial, ainda que a título meramente eventual.

b) Muito embora seja notório que alguns lugares, em razão de sua natureza, localização, horário de funcionamento, público frequentador e até mesmo em face das opções de lazer que oferece (jogos, música etc.) facilitam a prática de infrações penais, na hipótese do art. 319, II, do CPP não será apenas este fator, objetivamente considerado, que poderá conduzir à imposição da medida cautelar em exame. A proibição, com efeito, deverá estar relacionada às cir-cunstâncias do fato.

Exemplos:1) Imagine-se que esteja o agente sendo investigado em inquérito policial ou

acusado em processo penal por crime de lesões corporais graves, em face de desentendimento havido no decorrer de um jogo de futebol em estádio (sem evidências de que estivesse alcoolizado), não sendo esta a primeira vez que responde por fatos desta natureza. Ora, nesta hipótese, totalmente justifi cada a aplicação da medida em tela no intuito de proibir seu acesso e frequência a estádios e congêneres, evitando-se, assim, o risco de reiteração desta ordem de conduta.

2) Suponha-se, agora, que, em decorrência desse mesmo fato, proibisse o juiz a sua frequência a bares e restaurantes em que haja venda de bebidas alcoólicas. Nesta hipótese, a medida restaria despropositada, em face da ausência de relação entre as circunstâncias do fato sob apuração e o pro-vimento cautelar determinado pelo juízo.

3) Considere-se que o réu responde a processo criminal por lesões corporais graves cometidas contra sua esposa e fi lhos, fato este cometido em estado de embriaguez. Correta, neste caso, a aplicação da medida de proibição de frequentar estabelecimentos em que haja venda de bebidas alcoólicas, tendo em vista a congruência desta cautelar com as circunstância do fato – agressão das vítimas em estado de embriaguez.

4) No julgamento de Habeas Corpus impetrado contra decisão que indeferiu postulação de liberdade provisória a pessoa acusada de tráfi co de drogas, salientou o Tribunal de Justiça de São Paulo descabimento da medida de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares em relação a tal espécie de crime. A propósito, consta do acórdão que o requisito inovado pela Lei 12.43/2011, dando nova redação ao art. 282, § 6.º, do Código de Processo Penal ‘a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)’ acha-se perfeitamente cumprido, porque, “in casu”, nenhuma das outras medidas cautelares teria cabimento, e aqui nenhuma delas seria efi caz para o fi m previsto pelo legislador. Ou se iria imaginar que a ré, acusada de envolvi-mento com o tráfi co ilícito de drogas, iria atender à ordem de recolhimento domiciliar, ou de proibição de acesso a certos lugares, por exemplo?22

22 TJSP, Habeas Corpus n.º 0073059-41.2011.8.26.0000 2ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Antônio Luiz Pires Neto, j. 08.08.2011.

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A doutrina, modo geral, tem questionado a efi cácia desta cautelar sob o argumento de que sua fi scalização será difícil, para não dizer impossível diante da realidade brasileira. Ora, considerando que, evidentemente, nas grandes metrópoles esta difi culdade ou impossibilidade de fi scalização poderá frustrar os objetivos de sua imposição, revela-se aconselhável, então, a im-posição de outra medida cautelar alternativa em cumulação (por exemplo, a monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX) ou em substituição, ou, não sendo isto possível, a própria decretação da prisão preventiva do indiciado ou acusado, nos termos contemplados pelo art. 282, § 6º, do CPP. Agora, em Comarcas compostas de municípios menores e pequenas cidades, onde se costuma dizer que “todos se conhecem”, compreendemos que a medida do art. 319, II, do CPP poderá ser positiva, bastando ao juiz, por exemplo, ao aplicar o provimento cautelar, determinar sua comunicação à Policia Civil, ao comando local da Brigada Militar e aos ofi ciais de justiça que atuam na comarca, solicitando que, caso constatado o descumprimento da ordem judicial, seja comunicado o juízo.

4.2.3 Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (art. 319, III):

O provimento cautelar do art. 319, III, do CPP mantém correspondência com a previsão já existente no art. 22, III, b, da Lei 11.340/2006 (Lei Ma-ria da Penha), ao estabelecer como medida protetiva de urgência destinada ao agressor, na hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher, a proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.

Apesar de a regra inscrita no Código de Processo Penal não ser expressa, referindo-se apenas à proibição de contato com pessoa determinada, en-tendemos que sua aplicação não tem a fi nalidade de restringir unicamente o contato do indiciado ou acusado com o ofendido, podendo alcançar, também, eventuais corréus e todas as pessoas que estejam sujeitas a intimidações no intuito de frustrar ou prejudicar o aparecimento da verdade dos fatos, como é o caso das pessoas que presenciaram o evento criminoso e que já foram ou poderão ser arroladas e ouvidas como testemunhas no inquérito policial ou no processo criminal.

Lembre-se, porém, que a proibição deve justifi car-se em circunstâncias relacionadas ao fato. Neste bordo, não pode o juiz, por exemplo, deferir a cautelar em análise no intuito de evitar constrangimentos pelo réu a um perito nomeado para atuar no processo, pois este seu comportamento, se ocorrente, não teria origem nas circunstâncias do fato, mas sim no objetivo de prejudicar a instrução criminal. Tal situação, em verdade, enseja decre-

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tação de preventiva, já que nenhuma outra medida cautelar alternativa, em tese, amolda-se à vertente.

Outro aspecto importante refere-se à expressão proibição de manter contato incorporada ao texto legal. Não olvidamos que a redação do art. 319, III, referindo-se à pessoa de que deva o indiciado ou acusado perma-necer distante, sugere tratar-se proibição de contato pessoal. Sem embargo, compreendendo que a medida tem por fi nalidade não apenas proteger a in-tegridade da pessoa em prol de quem é aplicada (ofendidos e testemunhas, principalmente), mas também evitar o comprometimento da prova em razão de atitudes do agente, e tendo em vista que o seu comportamento intimida-tório pode se externar não somente pelo contato direto, mas também através de outros meios de comunicação, reputamos que nada impede, inclusive em face da leitura do dispositivo análogo existente na Lei 11.340/2006 (art. 22, III, b), que ao impor a medida cautelar restritiva do art. 319, III determine o magistrado a proibição de qualquer tipo de contato com a pessoa protegida, isto é, não apenas o contato direto e pessoal como também aquele externado por outros meios – telefone, e-mail, correspondência etc.-, os quais devem ser explicitados na decisão judicial. Trata-se, enfi m, de conferir efetividade à tutela prevista na legislação.

A proibição de contato autoriza o magistrado a fi xar limites métricos de aproximação da pessoa protegida? Entendemos possível. A propósito, existe previsão desta cautelaridade no art. 22, III, a, da Lei 11.340/2006, quando estabelece, para as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, a possibilidade de impor o juiz, a título de medida protetiva de urgência, a proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fi xando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor. Certo que não há esta literalidade no art. 319, III, do CPP. No entanto, o dispositivo refere-se à proibição de contato e justifi ca esta vedação na necessidade de que o indiciado ou acusado permaneça distante de pessoa determinada por circunstâncias relacionadas ao fato. Ora, distância é algo que pode ser mensurado e, no caso concreto, a plena efi cácia da medida cautelar pode exigir esta providência. Imagine-se, pois, que o acusado, pessoa de reduzidas condições econômicas, e a vítima, da qual deva ele se manter afastado, residam na mesma rua. Não havendo como determinar o juiz que o réu mude de endereço, resta a ele fi xar um limite mínimo, em metros, a ser observado pelo réu em relação à ofendida, proibindo-o, ainda, de realizar qualquer forma de contato com ela.

4.2.4 Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (art. 319, IV):

Objetiva-se impor ao indiciado ou acusado a obrigação de permanecer no distrito da culpa. Em consequência, eventuais mudanças de endereço

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que impliquem deslocamento para outra Comarca deverão ser precedidos de autorização prévia do Juízo que aplicou a medida cautelar, sob pena de conversão em prisão preventiva, ex vi do art. 282, § 4º, do CPP.

Note-se que, aplicada a obrigação, fi ca vedado ao agente qualquer afasta-mento da Comarca, não importando o tempo do deslocamento. Difere, pois, a medida cautelar da previsão incorporada ao art. 328 do CPP que, tratando do réu em liberdade mediante pagamento de fi ança, exige prévia comunicação à autoridade processante quanto ao local onde será encontrado apenas quando se tratar de afastamento por lapso superior a oito dias.

E quando se trata de mudança de endereço entre as cidades que com-põem a mesma Comarca? É situação comum uma Comarca jurisdicionar mais de um município. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Comarca de Caçapava abrange os municípios de Caçapava e Jambeiro; já a Comarca de Capivari responde pelos municípios de Capivari, Elias Fausto, Mombuca, Fafard e Monte Mór. Considerando que o provimento cautelar do art. 319, IV tem por objetivo assegurar a presença do indiciado ou do acusado à dis-posição da autoridade que preside o inquérito policial ou do juiz que conduz o processo criminal, a fi m de que possa ele ser localizado para a prática dos atos para os quais sua presença for necessária ou conveniente, parece-nos evidente que, mesmo as mudanças de endereço que ocorram entre as cidades que integram a mesma Comarca devem ser comunicadas ao juízo que impôs a medida cautelar, apesar de, neste caso, ser desnecessária uma autorização prévia. Basta, enfi m, a comunicação. Este ponto de vista ainda se justifi ca porque, como vimos, a medida em exame também visa a facilitar as inves-tigações policiais (e não apenas a instrução criminal), sendo que o fato de uma Comarca abranger vários municípios não signifi ca, necessariamente, que não haja, em cada um deles, delegacia de polícia própria com incumbência para investigar os fatos que ocorram dentro da sua circunscrição.

E quanto a mudanças de endereço dentro da mesma cidade? Em que pese haja doutrina em sentido oposto, compreendemos que a aplicação da medida do art. 319, IV, do CPP não restringe mudanças de endereço dentro da própria cidade. Com efeito, o dispositivo é claro ao referir-se à proibição de ausentar-se da Comarca. Em razão dos motivos já expostos, entendemos viável interpretá-lo extensivamente para o fi m de estender seu comando à proibição de ausentar-se, sem comunicação ao juízo, de uma das cidades que integra a Comarca para residir em outra. Agora, daí a ampliar seu alcance para restringir a mudança de endereço residencial dentro da mesma cidade há uma grande diferença, implicando isto em uma exegese aberta em um tema que exige interpretação restritiva, pois versa sobre direitos e garantias individuais. Na verdade, pretendendo evitar a perda de contato com o agente em face de mudança de residência no âmbito do município, deve o juízo cumular a medida de proibição de ausentar-se da comarca (art. 319, IV) com a de comparecimento periódico a juízo para informar e justifi car suas ativida-

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des (art. 319, I), visto que, por força desta última, a cada apresentação, pode captar o endereço atualizado do indivíduo. Claro que, também não pode o agente desonerar-se completamente. Sabendo que há uma apuração criminal contra si, é do seu interesse manter o juízo informado quanto ao seu endereço atualizado, a fi m de possibilitar a efetivação dos atos processuais pertinentes ao processo. Mesmo porque não se pode olvidar que, eventual mudança de endereço no âmbito do município sem comunicação ao juízo quando já exis-te, imposta, a obrigação do art. 319, IV, eventualmente pode ser confundida com transgressão da medida cautelar e ocasionar a decretação de sua prisão preventiva. Neste caso, para obter a revogação da custódia, estará obrigado a fazer a prova de que não violou a medida imposta, o que poderia ter feito antes, evitando, assim, o constrangimento provocado pela segregação.

Cabe ressaltar, que a aplicação da medida cautelar em análise não pode ser decorrência da simples instauração de uma investigação criminal ou de um processo penal contra o agente. É preciso, com efeito, que se atenha o Juiz à efetiva presença do pressuposto específi co que a autoriza, qual seja, a efetiva necessidade ou conveniência para a investigação criminal ou instrução processual penal (art. 319, IV, fi ne), condição esta que se con-funde com o princípio geral das cautelares consubstanciado na necessidade para a investigação ou instrução criminal (art. 282, I). Isto ocorre quando a natureza do fato, as circunstâncias do caso concreto ou a prova até então produzida na investigação ou na instrução indicarem a necessidade de per-manecer o indiciado ou acusado à disposição das autoridades competentes para a eventual produção de outros elementos que se fi zerem necessários para o esclarecimento da infração.

Em termos de jurisprudência, a medida tem sido aplicada com frequên-cia no intuito de assegurar a presença do acusado no curso do processo a fi m de prestar a sua versão dos fatos, bem como viabilizar a realização de diligências para as quais sua presença seja imprescindível (reconhecimentos, reconstituições, acareações etc.). Não raro, inclusive, vem cumulada com monitoração eletrônica (art. 319, IX, do CPP)23.

Independente, é importante lembrar que a previsão da cautelar in exa-men não revoga o privilégio nemo tene tenetur se detegere, supedâneo do princípio de que ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si

23 No julgamento do Habeas Corpus n.º 0076728-05.2011.8.26.0000, impetrado por indivíduo acusado de homicídio doloso cometido na direção de veículo automotor (dolo eventual), extrai-se do Voto do Relator a imposição de provimentos acautelatórios nos seguintes termos: “[...] pagamento de fi ança que, nos termos do artigo 325, inciso II, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, fi xo em cem salários-mínimos, que devem ser depositados em conta vinculada ao juízo, sendo que nos termos do artigo 319, § 4º, aplico-lhe cumulativamente as medidas cautelares consistentes em: IV proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária à instrução, sem que tenha ordem judicial para tanto; e IX monitoração eletrônica, principalmente para fi ns de controle efetivo de eventual proibição de dirigir veículo automotor, já que pelo GPS há possibilidade de identifi car trajetos”. (TJSP, a 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan, j. 11.08.2011).

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mesmo – até porque este princípio tem embasamento constitucional. Logo, se, a despeito da imposição da medida, a produção da prova que se preten-de com o seu deferimento depender de comportamento ativo do indiciado/acusado e se isto implicar em prejuízo à sua condição jurídica, não estará ele, de modo algum, obrigado a participar da diligência.

4.2.5 Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fi xos (art. 319, V):

Trata-se de medida cautelar que pressupõe três requisitos básicos, sem os quais não pode ser deferida:

1) Residência fi xa;2) Atividade laboral fi xa;3) Ocorrência de noites sem ocupação laboral e de dias de folga.

Com efeito, tanto a residência como a atividade laboral fi xas deverão ser devidamente comprovados. Não sendo possível a prova documental (v.g. pela ausência de vínculo trabalhista na ocupação exercida), essa comprova-ção pode ser realizada em audiência aprazada pelo juiz, na qual poderão ser ouvidos o indiciado/acusado e eventuais testemunhas.

Ainda, é necessário que a atividade laboral seja integralmente ou, ao menos parcialmente, exercida no período diurno, existindo, ainda, dias de folga. Do contrário, revela-se impossível a aplicação da medida, tendo em vista os termos explícitos da lei que se refere a recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga.

Quanto à possibilidade de conferir interpretação extensiva ao art. 319, V, do CPP e aplicá-lo, também, a quem exerce atividade à noite, permi-tindo, destarte, seu recolhimento domiciliar no período diurno, entendemos impossível, já que estamos diante de norma que impõe limite à garantia da liberdade e, assim, deve ser interpretada restritivamente.

Em que pese tenhamos procurado abstrair o ceticismo no exame das reformas introduzidas pela Lei 12.403/2011, buscando, dentro do possível, en-xergar pontos positivos na disciplina introduzida, a verdade é que, na previsão do art. 319, V, do CPP, não logramos vislumbrar a mínima efi cácia. Bom, se cumulada com a cautelar de monitoração eletrônica (art. 319, IX), pode, quem sabe, o provimento produzir resultados positivos no sentido de evitar a prática de infrações penais – única fi nalidade imaginável de sua imposição.

Por derradeiro, sinale-se que esta cautelar não possui medida correspondente na legislação, muito embora possa guardar alguma semelhança com a pena restri-tiva de direitos de “limitação de fi nal de semana” (arts. 43, VI e 48 do CP).

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4.2.6 Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou fi nanceira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais (art. 319, VI):

Conforme se infere do art. 319, VI, do CPP, a medida é cabível nas hipóteses em que fundadas razões gerem o convencimento de que, se per-manecer no cargo ou no exercício da atividade econômica ou fi nanceira, o agente poderá se prevalecer desta condição para continuar praticando infra-ções penais. Naturalmente, trata-se de cautelar destinada, primordialmente, aos funcionários públicos, nos crimes contra a administração pública, tais como peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, bem como aos agentes de crimes contra instituições econômicas ou fi nanceiras, como os delitos previstos nas Leis 7.492/1986 (crimes contra o sistema fi nanceiro), 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária) e 9.613/1998 (lavagem de capitais), entre outras.

Sua aplicação requer a existência de uma relação entre a prática crimi-nosa sob apuração e a função pública ou a atividade econômica ou fi nanceira desenvolvida pelo agente, não se autorizando que seja imposta quando a infração penal objeto da persecução não apresentar este vínculo. Em outras palavras, a prática do crime não basta. É necessário que haja indicativos de que o agente se utilizou das prerrogativas ou vantagens de sua função ou da atividade que exerce para a prática do delito ou, pelo menos, para realizá-lo com maior facilidade, com maior lucratividade ou com a certeza de que, nesta condição, serão menores as chances de ser descoberto24.

Observe-se que a medida do art. 319, VI, do CPP assemelha-se com a previsão do art. 56, § 1º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Precita-do artigo dispõe que, o juiz, ao receber a denúncia pelos crimes dos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37, poderá determinar o afastamento cautelar do funcionário público de suas atividades, quando a este forem imputadas tais condutas. Diferem, contudo, uma da outra pelo fato de que, na situação prevista na Lei de Drogas, a medida não pode ser decretada no curso das investigações policiais, exigindo-se, para tanto, que tenha sido recebida a inicial acusatória.

Outro aspecto a atentar é o de que a cautelar in examen não se con-funde com o efeito específi co da sentença penal condenatória previsto no art. 92, I, do Código Penal, relativo à perda do cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo

24 Embora introduzida no Código de Processo Penal apenas a partir da entrada em vigor da L. 12.403/2011, a medida de afastamento da função pública já era aplicada pela jurisprudência, em determinados casos. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por exemplo, chegou-se a decidir que Decorrendo do exercício funcional o crime em tese praticado, embora realmente a prisão impeça a continuidade de eventuais ilícitos o mero afastamento da função já será sufi ciente para o mesmo fi m e - inquestionavelmente - com muito menores efeitos danosos (TRF4, Habeas Corpus nº 0032446-58.2010.404.0000, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, j. 26/10/10)

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igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; e quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos. Com efeito, nesse caso, como referimos, há um efeito da sentença penal condenatória, que pode ser aplicado apenas depois do seu trânsito em julgado, condicionando-se, ainda, à observância do binômio natureza do delito x tempo de pena pelo qual condenado o réu. Já na hipótese do art. 319, VI, do CPP há a previsão de um provimento cautelar, que tem o obje-tivo de evitar a continuidade de infrações penais relacionadas ao exercício da função pública ou da atividade econômica ou fi nanceira exercida pelo agente, sendo que a respectiva aplicação, uma vez preenchidos os requisitos gerais e específi cos exigidos, pode ser feita desde logo, isto é, no curso da investigação criminal ou do processo penal.

Evidentemente, tratando-se de suspensão do exercício da função pública ou da atividade econômica ou fi nanceira, e não uma perda da função ou do cargo (como ocorre no caso do art. 92, I, do CP), não deverá fi car o agente, no período da suspensão, privado dos respectivos vencimentos – mesmo por-que, ao fi nal da ação penal, pode ocorrer de ser ele absolvido da imputação, caso em que o provimento liminar antes deferido deverá ser cassado, ex vi do art. 386, parágrafo único, II, do CPP25. Veja-se, além disso, que a medi-da cautelar em comento é ditada pela cautela, não se podendo afi rmar que, permanecesse em atividade, realmente praticaria o agente as novas infrações penais que, com o seu afastamento, se buscou evitar.

4.2.7 Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do CP) e houver risco de reiteração criminosa (art. 319, VII):

A internação compulsória prevista no art. 319, VII, do Código de Pro-cesso Penal veio suprir, parcialmente, a lacuna existente no processo penal brasileiro desde a revogação, pela Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), dos arts. 378 a 380 do CPP, os quais contemplavam a medida de segurança provisória, assim compreendida aquela aplicada antes do trânsito em julgado da sentença. Atente-se que essa revogação não foi expressa e sim tácita, operando-se por meio do disposto nos arts. 171 e 172 da LEP, que passaram a exigir o trânsito em julgado da sentença como condição para aplicação da medida de segurança.

A impossibilidade jurídica de aplicação da medida de segurança provisória nos tempos que se seguiram à vigência da LEP impôs ao Poder Judiciário a

25 Art. 386, parágrafo único – “Na sentença absolutória, o juiz: [...] II - ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;”

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necessidade de socorrer-se de analogia a dispositivos legais potencialmente aplicáveis para submeter à internação em hospital psiquiátrico ou estabeleci-mento congênere o indivíduo que, inimputável ou semi-imputável ao tempo da ação ou omissão, ostentasse quadro de insanidade no curso do processo, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva.

Ora, é evidente que tal indivíduo, não se encontrando na plenitude de suas faculdades mentais, não poderia ser recolhido a presídio, impondo-se, devido à insanidade total ou parcial, sua internação. A que título, porém, realizava-se essa internação? Não havendo previsão legal, decretava-se a sua preventiva e convertia-se esta em internação, por analogia ao disposto no art. 150, caput (internação do indivíduo preso para efeitos de ser periciado em incidente de insanidade mental) e no art. 152, § 1º (internação do acusado a quem sobrevém a incapacidade após a prática do fato criminoso), ambos do CPP. Em suma, prenchia-se, a partir desses artigos, uma lacuna existente na lei em face da revogação tácita, pela LEP, dos dispositivos que tratavam da matéria. Note-se que, na ausência de outra solução que, ao mesmo tempo conciliasse a preser-vação da sociedade, do processo e da aplicação da lei penal com a necessidade de evitar constrangimento ilegal ao acusado, a jurisprudência entendia correta esta medida, entendendo que a prisão preventiva é a medida adequada para assegurar que o acusado, doente mental, fi que segregado, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como na hipótese, uma vez que não existe em nosso ordenamento jurídico, desde a reforma penal de 1984, a medida de segurança provisória26.

Na atualidade, como dissemos alhures, o impasse foi parcialmente resol-vido. Diz-se “parcialmente” porque, ignorando tratar-se de questão forense frequente, no art. 319, VII, do CPP estabeleceu o legislador uma solução limitadíssima, na medida que restringiu a aplicação da medida ali prevista a que se trate de crime cometido mediante violência ou grave ameaça, impondo, ainda, que haja risco de reiteração.

Errou o legislador neste estabelecimento. Errou uma vez, ao vincular o deferimento da cautelar apenas a crimes

cometidos com violência ou grave ameaça. Com efeito, a medida deveria ter sua aplicação prevista em qualquer delito punido com pena privativa de liberdade e relativamente ao qual se constatasse, em incidente de insanidade mental, ser o acusado inimputável ou semi-imputável à época do fato. Lembre-se que, nestas hipóteses, de acordo com o art. 151 do CPP, o processo penal não fi ca paralisado, devendo prosseguir com a presença de curador.

E errou pela segunda vez, ao condicionar a imposição da medida ao risco de reiteração na prática das aludidas infrações. Imagine-se que não haja indicativos quanto ao risco de cometimento de novas infrações penais com violência ou grave ameaça. Considere-se, porém que o acusado, ates-

26 STJ, RHC 22.666/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 13.10.2008.

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tado como inimputável ou semi-imputável à época do fato e cujo processo encontra-se em andamento com curador na forma do art. 151 do CPP, esteja ameaçando, com sua conduta, a instrução criminal. Suponha-se, ainda, que este mesmo acusado, insano ao tempo da ação ou omissão, permaneça com a saúde mental alterada, a ponto de entender o juiz inadequado ou insufi ciente aplicar a ele outras medidas alternativas não privativas da liberdade dentre as previstas no art. 319. Neste caso, resta, unicamente, a decretação da prisão preventiva, desde que se trate de hipótese que a autorize entre as previstas no art. 313. Contudo, em face do seu estado mental, será necessário converter esta preventiva em internação, alcançando-se, via de consequência, o mesmo resultado previsto na cautelar do art. 319, VII, apenas por via transversa (analogia aos arts. 150, caput e 152, § 1º) já que legislador deixou de prever a conveniência da instrução criminal como motivo para a mesma medida. A situação, como se vê, beira o absurdo.

Outro equívoco do legislador, ditado pela sua cautela extrema, mas que, ao fi m e ao cabo, veio em prejuízo do agente, foi destinar o provimento em questão, unicamente, ao acusado no curso do processo criminal. Logo, não se pode considerar a possibilidade da internação provisória a que alude o art. 319, VII em relação ao indiciado durante a fase das investigações policiais, opostamente ao que se previa no art. 378, II, do CPP, ao tempo em que vigorava o instituto da medida de segurança provisória (antes de sua revogação pela LEP). Neste caso, pergunta-se: levando em conta que o incidente de insanidade mental também pode ser instaurado no curso do inquérito policial (art. 149, § 1º) e considerando que, eventualmente, pode este exame concluir no sentido da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do investigado à época do fato, qual deve ser a providência adotada pelo juiz na hipótese de se encontrar o agente nas condições que ensejam sua prisão preventiva, muito especialmente se a insanidade mental ainda for persistente nessa fase (do inquérito)? Ora, independente de se tratar ou não de infração cometida com violência ou grave ameaça, na impossibilidade de adoção de qualquer das providências cautelares alternativas (art. 282, § 6º), só restará ao juiz decretar a preventiva (se incidirem os permissivos do art. 313) e, ato contínuo, convertê-la sim em internação – não, porém, a internação provisória do art. 319, VII, pois esta o legislador proibiu na fase das investigações, mas sim a outra, já examinada alhures, imposta desde os tempos da revogação tácita dos arts. 373 a 380 do CPP por força de cons-trução jurisprudencial na ausência de outra medida a ser aplicada: analogia aos arts. 150, caput e 152, § 1º, do CPP.

Em derradeiro, cumpre sinalar que a medida cautelar de internação provi-sória prevista no art. 319, VII tem sua aplicação restrita aos acusados de crimes cometidos com violência ou grave ameaça que tiveram apurada sua inimputabi-lidade ou semi-imputabilidade ao tempo da infração penal e que, no curso do processo criminal contra eles ajuizado (art. 151 do CPP), demonstraram o risco

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de reiteração provocado, muito especialmente, pela periculosidade decorrente da persistência da doença mental. Detecta-se tal limitação em face da alusão, no art. 319, VII, ao art. 26 do Código Penal, que se refere, especifi camente, à doença mental, à perturbação da saúde mental e ao desenvolvimento mental incompleto ou retardado ao tempo da ação ou omissão.

Logo, o art. 319, VII não se aplica às hipóteses de incapacidade su-perveniente (doença mental posterior à prática do crime) mesmo porque, para tal situação, que implica suspensão do processo até o restabelecimento do acusado ou a prescrição do crime, existe dispositivo legal aplicável con-sistente no art. 152, § 1º, do CPP, prevendo a possibilidade de internação independente da natureza do crime perpetrado. Claro que essa internação exige justifi cativa (não é, portanto, automática), a qual, reputamos, sejam as mesmas que autorizam o decreto da prisão preventiva.

Observe-se, por oportuno, que existe orientação doutrinária compreen-dendo que precitado art. 152, § 1º não fora recepcionado pela Carta Repu-blicana de 1988. Aduzem os defensores desta posição que este dispositivo, ao viabilizar a internação do indivíduo a quem sobreveio a incapacidade até que ele se restabeleça, estaria consagrando a possibilidade de uma privação da liberdade ad eternum, sem que tenha ocorrido julgamento, em franca violação ao princípio da presunção de inocência. Máxima vênia, não concor-damos com este entendimento, aderindo à linha de pensamento que entende possível interpretar o dispositivo conforme a Constituição Federal, bastando que se determine a internação nele prevista, não pelo tempo necessário ao restabelecimento do indivíduo, mas enquanto perdurar a sua periculosidade, limitada, de qualquer sorte, à prescrição da pretensão punitiva do Estado. Após isto, eventual internação somente poderá ocorrer na esfera cível, por meio do procedimento cabível. A propósito, consignou o Superior Tribunal de Justiça em relação à aplicabilidade do art. 152, § 1º, do CPP que tal dispositivo processual não estabelece período máximo para a internação do acusado no manicômio judiciário que, como no caso dos autos, poderá permanecer por anos inserido nessa medida. Na hipótese de nunca apresentar melhora em seu quadro clínico, a internação do réu se encerrará, tão-somente, com a prescrição da pretensão punitiva estatal27.

4.2.8 Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustifi cada à ordem judicial (art. 319, VIII):

À exceção das infrações que a legislação processual penal e a Consti-tuição Federal, expressamente, afastam a possibilidade de fi ança, as demais serão, todas, afi ançáveis.

27 STJ, Habeas Corpus n.º 120.554/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 08.06.2009.

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Na atualidade, a regra, portanto, é a afi ançabilidade, com ressalva dos casos previstos. Observe-se que não subsiste mais o fator quantidade de pena como óbice à fi ança, tal como era previsto no Código de Processo Penal antes das alterações determinadas pela Lei 12.403/2011, quando se entendia inafi ançáveis as infrações cuja pena mínima fosse superior a dois anos de reclusão.

Quanto às situações de inafi ançabilidade, o art. 323 do CPP foi ao encontro do texto inscrito no art. 5º, XLII, XLIII e XLIV da Constituição Federal, estabelecendo que não será concedida fi ança nos crimes de racis-mo; nos crimes de tortura, tráfi co ilícito de entorpecentes e drogas afi ns, terrorismo e nos defi nidos como crimes hediondos; e nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Pois bem, nas hipóteses em que não houver vedação legal à fi ança, es-tabelece o art. 319, VIII, do CPP que esta poderá ser concedida para atender uma das seguintes fi nalidades:

• Assegurar que o agente compareça a todos os atos do processo: este objetivo não é, propriamente, uma inovação. Com efeito, o Código de Processo Penal, no art. 327, já previa (e assim continua dispondo), para o afi ançado, a obrigação de comparecer a todos os atos do inquérito e da instrução criminal sempre que intimado pela autoridade. A propósito, exatamente em razão desta previsão incorporada ao art. 327 é que não há sentido na restrição feita pelo art. 319, VIII no sentido de que a fi ança tem por objetivo assegurar o comparecimento a atos do processo, sendo evidente que a medida pode ser imposta com o mesmo fi m em relação a obrigação de fazer-se presente o indiciado a atos do inquérito.

• Evitar que obstrua o seu andamento: refere-se a qualquer ato praticado pelo agente que possa prejudicar o regular andamento do processo, por exemplo, retardando diligências a seu cargo. Imagine-se a hipótese em que nenhuma das testemunhas arroladas pela defesa tenham sido localizadas nos endereços fornecidos. Assim, não foram intimadas e, consequentemente, deixaram de comparecer à audiência de instrução. Comprometendo-se o réu, no curso da solenidade, a trazê-las na próxima data designada independentemente de intimação, suponha-se que, nessa nova data, mais uma vez frustre-se o ato devido à desídia do acusado, que não logrou honrar a obrigação assumida. Diante da insistência do advogado em que outra data seja aprazada em face da relevância dos testemunhos, poderá o juiz proceder ao arbitramento de fi ança visando a evitar novas atitudes protelatórias de parte do acusado, advertindo-o de que, se novamente frustrar-se, injustifi cadamente, a realização da audiência, operar-se-á o quebramento da fi ança, perdendo ele a metade do valor pago, sem prejuízo da possibilidade de outras medidas cautelares serem a ele impostas (arts. 341 e 343 do CPP). Evidentemente, no exemplo, a prova destinava-se à defesa. Não poderia, obviamente, o Juiz impor fi ança para constranger o réu, por exemplo, a fornecer material genético visando a comprovar a materialidade de crime imputado contra ele e, desse modo,

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prosseguir a demanda, pois tal implicaria no fornecimento de prova contra si, violando-se o princípio nemo tenetur se detegere.

• No caso de resistência injustifi cada à ordem judicial. Relativamente a essa fi nalidade da fi ança, as dúvidas surgidas decorrem mais da redação do dispositivo do que, propriamente, do comando a ele inserido. Está claro: neste caso, o objetivo da fi ança é evitar que o agente resista, injustifi cada-mente, a determinações judiciais, as quais, inclusive, poderão ser aquelas que tiverem aplicado outras medidas cautelares.

Cabe ressaltar que o legislador conferiu autonomia à fi ança. Assim, desde que se trate de crimes afi ançáveis, poderá ela ser aplicada de forma isolada ou cumulada com outras cautelares (art. 282, § 1º e 319, § 4º), podendo, ainda, ser ou não crimes que admitam a prisão preventiva (art. 313). Tratando-se, porém, de infração que admita a decretação da prisão preventiva, é claro que a aplicação da cautelar de fi ança, a exemplo dos demais provimentos cautelares alternativos, terá preferência em relação à decretação da custódia, nos termos exatos do art. 282, § 6º, do CPP. Também, a prestação de fi ança, assim como as demais cautelares alternativas, poderá ser uma das condições para a concessão de liberdade provisória, ex vi do art. 321 do CPP (esta, aliás, a hipótese atual de sua aplicação que se identifi ca com a previsão de cabimento existente antes da Lei 12.403/2011).

Oportuno esclarecer que esta natureza autônoma atribuída à fi ança ganha relevância se comparado o modelo atual com a disciplina incorporada ao Código de Processo Penal antes da vigência da Lei 12.403/2011. Isto porque, naquela época, ao contrário do que agora ocorre, a fi ança encontrava-se diretamente relacionada à prisão em fl agrante. Em verdade, agregava-se ela a uma das formas de liberdade provisória previstas em lei – a chamada liberdade provisória permitida com fi ança, sendo esta pertinente, apenas, à hipótese do fl agrado, não sendo possível, sob nenhuma hipótese, concebê-la como um instituto autônomo.

4.2.9 Monitoração eletrônica (art. 319, IX):

Trata-se de forma de controle judicial dos movimentos do indivíduo, realizada no curso das investigações policiais ou durante o processo criminal, podendo ser feita, por exemplo, por meio de pulseiras ou tornozeleiras. O expe-diente é simétrico àquele autorizado pela Lei 12.258/2010, com a diferença de que este se destina aos réus já condenados por decisão transitada em julgado, nos casos de saída temporária no regime semiaberto e de prisão domiciliar.

Este sistema poderá ser bastante útil, não apenas às autoridades a que in-cumbe a persecução penal, como também aos próprios indiciados ou acusados, já que pode substituir a fi scalização direta (pessoal), muitas vezes realizada por agentes da polícia e, principalmente, a própria prisão preventiva.

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Em que pese a existência de opiniões contrárias, a medida não implica, a nosso ver, qualquer atentado ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois desde que o agente se submeta corretamente às condições do monito-ramento, não sofrerá ele restrições maiores do que as decorrentes do uso de um aparelho eletrônico que pode fi car oculto sob suas roupas. Além do mais, ainda que se possa cogitar da ocorrência de alguma forma de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana com tal monitoramento, é óbvio que o grau de lesividade daí decorrente é bem inferior àquele que advém, por exemplo, de uma prisão preventiva, ainda mais se levarmos em conta a realidade de nosso sistema prisional.

A monitoração eletrônica é medida cautelar que, se devidamente im-plantada, poderá contribuir para a efi cácia de outros provimentos alternati-vos à prisão. Assim, como exemplo pode ser imposta com as medidas de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares (art. 319, II), de proibição de ausentar-se da Comarca (art. 319, IV) e com a obrigação de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V), auxiliando na respectiva fi scalização. Cabe ressaltar que sua aplicação tem sido frequente nas hipóteses de crimes de trânsito, quando, no curso do inquérito ou processo, tem o agente suspensa a habilitação do agente para dirigir veículo automotor. No julgamento do Habeas Corpus n.º 0076728-05.2011.8.26.0000, o Tribunal de Justiça de São Paulo, além de aplicar as medidas de fi ança e de proibição de ausentar-se da Comarca ao agente, im-pôs, também, a monitoração eletrônica, principalmente para fi ns de controle efetivo de eventual proibição de dirigir veículo automotor, já que pelo GPS há possibilidade de identifi car trajetos28.

Uma vez aplicada a monitoração, deverá ser advertido o indiciado ou acusado acerca das consequências de eventual violação dos fi ns pelos quais imposto o controle de seus movimentos, bem como de eventuais procedimentos de retirada desautorizada do equipamento. No primeiro caso, frustrando o agente os objetivos da monitoração (v.g., frequentando lugares a que estava proibido), poderá o juiz, dependendo das circunstâncias do caso, aplicar outra medida em substituição ou cumulação antes de decretar a preventiva (art. 282, § 4º). Contudo, na hipótese de retirada do aparelho de monitoração pelo próprio agente pensamos que a medida correta a ser adotada pelo juízo é a imediata decretação da sua prisão preventiva, já que a atitude revela a fi rme intenção em não se submeter à fi scalização imposta por determinação judicial.

11.4.2.10 Proibição de ausentar-se do País (art. 320):

Estabelece o art. 320 do Código de Processo Penal que “a proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de

28 TJSP, 5ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. João Damião Pinheiro Machado Cogan, j. 11.08.2011.

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fi scalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas”.

Muito embora não integre a relação do art. 319, trata-se a proibição de ausentar-se do País, sem dúvida, de mais uma medida cautelar introduzida pela Lei 12.403/2011. Mais: Considerando que o art. 320 integra o Título IX do Livro I do CPP, infere-se que a ela são aplicáveis todos os comandos do art. 282, muito especialmente:

1) Observância dos princípios da necessidade e adequação (caput); 2) Possibilidade de sua aplicação isolada ou cumulada com outra medida (§

1º);3) Legitimidade do juiz para decretá-la ex offi cio, apenas, no curso do pro-

cesso, quando, também, poderá ser requerida pelo Ministério Público, pelo querelante ou pelo assistente de acusação. No decorrer das investigações policiais, sua aplicação exige representação da autoridade policial ou re-querimento do Ministério Público (§ 3º);

4) Não atendida, injustifi cadamente, a intimação para entrega do passaporte no prazo estipulado (24 horas), poderá o juiz, a nosso ver, decretar incon-tinenti a prisão preventiva do agente. Afi nal, ressalvadas peculiaridades do caso concreto, é certo que a natureza da medida imposta e o subsequente comportamento do agente (não efetuando a entrega do passaporte apesar de intimado para esse fi m) afastam, em tese, a cogitação quanto à possi-bilidade de substituição ou da cumulação da medida com outra nesse caso (§§ 4º).

Cabe ressaltar, outrossim, que esta medida, a exemplo das demais cau-telares alternativas, também possui preferência de aplicação em relação à prisão preventiva. Esta observação é necessária tendo em vista que o art. 282, § 6º, quando refere a excepcionalidade dessa forma de custódia, faz remissão expressa apenas às cautelares do art. 319, silenciando em relação ao art. 320. Isto, porém, deve-se a evidente lapso do legislador, mesmo porque não haveria sentido em determinar o legislador que outras medidas, como a proibição de ausentar-se da Comarca, sejam aplicadas previamente à prisão do indivíduo apenas por se encontrarem no rol do art. 319 e que a mesma regra não seja aplicável à proibição de ausentar-se do País, provimento este que, de certo modo, até pode se revelar de maior efi cácia em face da reten-ção do passaporte.

E quanto à exigência de contraditório prévio, nos termos disciplinados pelo art. 282, § 3º? Não é compatível a instauração do contraditório pré-vio com a natureza do provimento incorporado ao art. 320, já que este, ao fi m e ao cabo, objetiva minimizar o risco de fuga. Veja-se da leitura desse artigo que, uma vez aplicada a medida, deve o juiz comunicá-la incontinenti às autoridades que fi scalizam a fronteira, procedendo, então, à intimação do agente para que entregue seu passaporte. O contraditório, portanto, será

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diferido, ou seja, realizado após a intimação do indiciado ou acusado para entrega do passaporte, momento em que o risco de evadir-se ele do território nacional já estará reduzido em face do deferimento da mencionada cautelar e de sua comunicação às autoridades competentes.

Por fi m, cabe ressaltar que, diante da previsão incorporada ao art. 320 do CPP, parece prejudicada a orientação jurisprudencial, há muito tempo fi rma-da no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da ilegalidade da apreensão de passaporte do indivíduo benefi ciado pela concessão de liberdade provisória. Ora, este entendimento alicerçava-se, sobretudo, no argumento de que tal providência afrontava a garantia do art. 5º, II, da Carta Republicana ao preceituar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 29. Considerando, porém, que agora existe lei dispondo sobre o thema, espera-se a revisão desse entendimento pelo STJ, passando essa Corte a aceitar a aplicação da medida restritiva. Pelo menos sob a ótica do Princípio da Legalidade, não haverá entraves.

29 STJ, HC 103.896/RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 21.03.2011.

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