nefropatia cães

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NEFROPATIAS E DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS EM CÃES * 1. Introdução Os rins desempenham importante papel na manutenção da homeostase do meio interno através de fino controle do volume e composição dos líquidos corporais, que se dá através da regulação do equilíbrio hidroeletrolítico, regulação da osmolalidade e concentrações de eletrólitos nos líquidos corporais e regulação do equilíbrio ácido-base. Além disto realizam outras funções não menos importantes, tais como: excreção de produtos de degradação do metabolismo (uréia, creatinina), excreção de substâncias químicas estranhas (fármacos), regulação da pressão arterial, secreção, metabolização e excreção de hormônios (eritropoietina, gastrina, renina, vitamina D 3 ) e gliconeogênese. O rim é capaz de realizar suas funções de regulação em situações normais através de três processos básicos seqüenciados compreendidos em ultrafiltração glomerular, reabsorção tubular seletiva e secreção tubular ativa. Em situações de insuficiência renal, as funções de regulação estão ausentes ou diminuídas, o que leva rapidamente ao aparecimento de anormalidades na composição e volume dos líquidos corporais, podendo haver acúmulo de íons potássio, ácidos, produtos do metabolismo nitrogenado, água e outras substâncias capazes de levar a óbito o animal acometido em poucos dias. O sistema urinário já era motivo de curiosidade e estudo dos gregos em 130 a.c., quando Cláudius Galen, um médico grego demonstrou que a urina era formada nos rins e transmitida à bexiga através dos ureteres. Já em 1210 d.c., William de Salicet explicou a hidropsia renal, uma descrição precoce de nefrite crônica. Marcello Malpighi descreveu em 1662 o corpúsculo de Malpighi, hora chamado de glomérulo. William Bowman descobriu a cápsula que circunda o glomérulo e se continua como túbulo renal em 1842. Carl Ludwig propôs em 1844 que a formação da urina começa com a separação de um ultrafiltrado livre de proteínas do plasma pelo glomérulo. A chamada “teoria moderna” de formação da urina foi proposta por Arthur Cushny em 1917, onde a ultrafiltração ocorre no glomérulo e à reabsorção tubular de água e outros constituintes * Seminário apresentado na disciplina BIOQUÍMICA DO TECIDO ANIMAL do Programa de Pós- Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela aluna SIMONE WOLFFENBÜTTEL, no primeiro semestre de 2004. Professor responsável pela disciplina: Félix H.D. González. 1

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Os rins desempenham importante papel na manutenção da homeostase do meio interno através de fino controle do volume e composição dos líquidos corporais, que se dá através da regulação do equilíbrio hidroeletrolítico, regulação da osmolalidade e concentrações de eletrólitos nos líquidos corporais e regulação do equilíbrio ácido-base. Além disto realizam outras funções não menos importantes, tais como: excreção de produtos de degradação do metabolismo (uréia, creatinina), excreção de substâncias químicas estranhas (fármacos), regulação da pressão arterial, secreção, metabolização e excreção de hormônios (eritropoietina, gastrina, renina, vitamina D3) e gliconeogênese.O rim é capaz de realizar suas funções de regulação em situações normais através de três processos básicos seqüenciados compreendidos em ultrafiltração glomerular, reabsorção tubular seletiva e secreção tubular ativa. Em situações de insuficiência renal, as funções de regulação estão ausentes ou diminuídas, o que leva rapidamente ao aparecimento de anormalidades na composição e volume dos líquidos corporais, podendo haver acúmulo de íons potássio, ácidos, produtos do metabolismo nitrogenado, água e outras substâncias capazes de levar a óbito o animal acometido em poucos dias.

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  • NEFROPATIAS E DISTRBIOS ELETROLTICOS EM CES*

    1. Introduo

    Os rins desempenham importante papel na manuteno da homeostase do meio

    interno atravs de fino controle do volume e composio dos lquidos corporais, que se

    d atravs da regulao do equilbrio hidroeletroltico, regulao da osmolalidade e

    concentraes de eletrlitos nos lquidos corporais e regulao do equilbrio cido-base.

    Alm disto realizam outras funes no menos importantes, tais como: excreo de

    produtos de degradao do metabolismo (uria, creatinina), excreo de substncias

    qumicas estranhas (frmacos), regulao da presso arterial, secreo, metabolizao e

    excreo de hormnios (eritropoietina, gastrina, renina, vitamina D3) e gliconeognese.

    O rim capaz de realizar suas funes de regulao em situaes normais

    atravs de trs processos bsicos seqenciados compreendidos em ultrafiltrao

    glomerular, reabsoro tubular seletiva e secreo tubular ativa. Em situaes de

    insuficincia renal, as funes de regulao esto ausentes ou diminudas, o que leva

    rapidamente ao aparecimento de anormalidades na composio e volume dos lquidos

    corporais, podendo haver acmulo de ons potssio, cidos, produtos do metabolismo

    nitrogenado, gua e outras substncias capazes de levar a bito o animal acometido em

    poucos dias.

    O sistema urinrio j era motivo de curiosidade e estudo dos gregos em 130 a.c.,

    quando Cludius Galen, um mdico grego demonstrou que a urina era formada nos rins

    e transmitida bexiga atravs dos ureteres. J em 1210 d.c., William de Salicet explicou

    a hidropsia renal, uma descrio precoce de nefrite crnica. Marcello Malpighi

    descreveu em 1662 o corpsculo de Malpighi, hora chamado de glomrulo. William

    Bowman descobriu a cpsula que circunda o glomrulo e se continua como tbulo renal

    em 1842. Carl Ludwig props em 1844 que a formao da urina comea com a

    separao de um ultrafiltrado livre de protenas do plasma pelo glomrulo. A chamada

    teoria moderna de formao da urina foi proposta por Arthur Cushny em 1917, onde a

    ultrafiltrao ocorre no glomrulo e reabsoro tubular de gua e outros constituintes

    * Seminrio apresentado na disciplina BIOQUMICA DO TECIDO ANIMAL do Programa de Ps-Graduao em Cincias Veterinrias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela aluna SIMONE WOLFFENBTTEL, no primeiro semestre de 2004. Professor responsvel pela disciplina: Flix H.D. Gonzlez.

    1

  • do plasma. As concepes atuais reconhecem a filtrao glomerular, a reabsoro

    tubular seletiva e a secreo tubular ativa.

    O sistema de contra-corrente multiplicador foi proposto por Werner e Kuhn em

    1942, o que explica a capacidade do rim de concentrar a urina. De acordo com Smith

    em 1951, o rim felino tem cerca de 200.000 nfrons e o canino tem cerca de 400.000

    nfrons, enquanto o rim humano tem cerca de 1.000.000 de nfrons.

    2. Anatomia dos rins

    Os rins esto localizados no espao retroperitoneal, em sua face medial encontra-

    se o hilo renal por onde passam a artria renal, a veia renal, o ureter, os vasos linfticos

    e o suprimento nervoso. Quando secionado transversalmente possvel observar a

    regio cortical que contm os glomrulos e os tbulos proximais e distais e a regio

    medular que contm a ala de Henle e a poro final dos ductos coletores. A artria

    renal penetra no rim e se ramifica em artrias lobares artrias interlobares artrias arqueadas artrias interlobulares arterolas aferentes capilares glomerulares arterola eferente capilares peritubulares veias interlobulares veias arqueadas veias interlobares veia renal (Figura 1). Em virtude de possuir dois leitos capilares, o rim tem circulao nica; a presso hidrosttica nos capilares glomerulares

    da ordem de 60 mmHg, o que resulta na rpida filtrao de grande quantidade de

    lquido, em contrapartida a presso hidrosttica nos capilares peritubulares muito

    baixa, da ordem de 13 mmHg, o que favorece a reabsoro rpida de lquido. Assim ao

    ajustar a resistncia das arterolas aferente e eferente, o rim regula a intensidade de

    filtrao glomerular e/ou rebasoro tubular de acordo com a necessidade homeosttica

    do organismo.

    O fluxo sanguneo renal (FSR) de cerca de 20% do dbito cardaco, sendo que

    90% do FSR na cortical, 9% na medular externa e 1% na medular interna, predispondo

    assim esta ltima h hisquemia e hipxia mais rapidamente que as outras regies.

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  • Figura 1. Anatomia dos rins.

    A unidade funcional do rim o nfron e este pode ser de dois tipos, de ala

    longa ou curta, de acordo com a localizao do glomrulo que pode ser justamedular ou

    cortical respectivamente (Figura 2). Nas diferentes espcies as propores de nfrons de

    ala curta ou longa so diferentes de acordo com a necessidade de reter gua em maior

    ou menor grau, no co, quase a totalidade dos nfrons so de ala longa, j no homem,

    85% so nfrons corticais e 15% so nfrons justamedulares, enquanto que nos gerbilos

    que vivem em regies desrticas possuem 33% de nfrons justamedulares . Isso se deve

    ao fato de que o nfron justamedular tem a capacidade de absorver cerca de 25% a mais

    de gua que o nfron cortical.

    Cada nfron formado por um glomrulo, um tbulo proximal, uma ala de

    Henle, um tbulo distal e um ducto coletor, que leva ento a urina formada at a pelve

    renal e ento atravs do ureter at a bexiga, onde fica armazenada at a prxima mico.

    Cada regio do nfron tem funes especficas dentro do mecanismo de formao da

    urina.

    O glomrulo responsvel pela ultrafiltrao do plasma, deixando-o

    praticamente livre de protenas dentro do espao de Bowman. Para que isso ocorra o

    plasma deve passar atravs da membrana de filtrao formada pelo endotlio capilar,

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  • membrana basal e epitlio viceral. Esta membrana possui poros com dimetro de 4 a

    14 nanmetros e cargas negativas, eis porque a albumina com dimetro de 3,6

    nanmetros muito pouco filtrada. A intensidade de filtrao glomerular tambm

    depende da presso hidrosttica e coloidosmtica do plasma na arterola aferente.

    Cabe ainda ressaltar, que se a barreira de filtrao fosse livremente permevel s

    protenas e considerando o volume de plasma filtrado por dia em um homem adulto por

    exemplo, teramos 11,9 kg de protenas filtradas por dia! Se considerarmos que a

    capacidade de sntese protica do fgado gira em torno de 30 a 40 g de protenas por dia,

    teramos uma situao incompatvel com a manuteno da vida.

    No co so filtrados cerca de 4,0 ml plasma/minuto/kg, e 99% deste filtrado

    reabsorvido pelos tbulos. O ultrafiltrado constitudo de gua, eletrlitos, glicose,

    protenas de baixo peso molecular e produtos do metabolismo segue ento atravs do

    tbulo proximal, ala de Henle e tbulo distal, sendo que, cada segmento desta extensa

    rede de tbulos possui caractersticas diferentes e realiza diferentes transportes de

    substncias, com graus variados de intensidade (Figura 3).

    Figura 2. Glomrulo renal.

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  • Figura 3. Sistema tubular renal.

    3. Funo tubular

    Os tbulos renais reabsorvem e secretam substncias seletivamente ao longo de

    seu trajeto a fim de manter o balano zero, ou seja, a quantidade excretada de qualquer

    substncia deve ser igual quantidade ingerida, mantendo assim a homeostase do meio

    interno, de outro modo teramos acmulo ou depleo da mesma no organismo. Os

    diferentes solutos passveis de excreo renal so regulados de forma independente dos

    demais. O rim to eficiente em regular o balano zero de gua que pode gerar

    variaes no volume urinrio de 0,6 L 16 L urina/dia, bem como variar a

    osmolaridade urinria de 50 mOsm/L 1.300 mOsm/L.

    As figuras a seguir mostram valores normais de um homem adulto de 70 kg .

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  • As membranas celulares de modo geral, so muito mais permeveis ao on

    potssio do que ao on sdio, devido a este vazamento passivo de potssio, ocorre a

    separao de cargas eltricas, tornando-se o interior das clulas negativo em relao ao

    meio extracelular. Gera-se portanto uma diferena de potencial eltrico entre os meios

    intra e extracelulares que favorece a entrada passiva de sdio na clula. Esta diferena

    de potencial estabiliza-se em um valor prximo ao do potssio se este fosse o nico on

    do sistema, por isso tambm conhecido como potencial de difuso do potssio.

    Presente em todas as clulas mais conhecido como potencial de membrana, e em

    condies de repouso de aproximadamente 70 mV.

    Com relao ao epitlio, existem os que no so especializados em transporte,

    como o da pele, onde o seu funcionamento semelhante em toda sua extenso e suas

    clulas so simtricas do ponto de vista eltrico. Porm ao considerar um epitlio do

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  • tipo transportador, como o dos tbulos renais ou o epitlio intestinal, suas clulas so

    assimtricas, com bombas de Na+:K+:ATPase confinadas membrana basolateral e

    membrana luminal altamente permevel ao Na+, isto garante a polaridade destas

    clulas que responsvel pelo fluxo resultante de sdio desde o lmen tubular at o

    espao intersticial no caso dos rins. Em virtude da alta permeabilidade ao sdio da

    membrana luminal, o potencial de membrana nesta regio menos negativo, ou seja,

    despolariza a membrana luminal.

    Todas as clulas transportadoras apresentam essa configurao bsica, no

    entanto as clulas tubulares renais apresentam muitas diferenas entre si, conforme o

    segmento do nfron, no que diz respeito : natureza e magnitude dos sistemas apicais de

    transporte de Na+; densidade de bombas de Na+:K+:ATPase na membrana basolateral;

    as propriedades das junes intercelulares; e permeabilidade gua.

    So estas diferenas ao longo dos 14 segmentos de tbulos renais que conferem

    ao rim sua capacidade de concentrao e diluio urinria atravs de formao da

    poro intersticial medular hipertnica em relao ao fludo do ducto coletor, chamado

    de mecanismo de multiplicao por contracorrente, gerado pela ala de Henle com

    formato de U e aumento da permeabilidade do ducto coletor gua em presena do

    hormnio antidiurtico.

    Tbulo proximal: apresenta epitlio de vazamento, simples, adaptado

    absoro macia de gua e eletrlitos atravs da membrana apical com borda em

    escova, presena de canais de gua (aquaporinas), com baixa resistncia eltrica

    intercelular e membrana basolateral rica em bombas de Na+:K+:ATPase que favorece a

    manuteno de baixos nveis de sdio intracelular. A reabsoro de gua est

    intimamente acoplada do sdio nesta regio, assim a concentrao de sdio no fludo

    tubular no se altera e a absoro dita isotnica. Ocorre ainda co-transporte de sdio-

    glicose, bem como com aminocidos, fosfato inorgnico, sulfatos, cloretos e cidos

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  • orgnicos. Bases orgnicas podem ser transportadas em associao com o sdio e

    cloretos. Nesta regio tambm tem importncia significativa a secreo de H+ que

    resulta no contra-transporte de sdio e acidificao urinria. Alm disso, essa contnua

    secreo de H+ para a luz tubular associada grande quantidade de ons HCO3- no fludo

    tubular proveniente da filtrao glomerular e presena de grande quantidade de enzimas

    anidrase carbnica na borda em escova, leva absoro de NaHCO3. A intensa

    absoro de gua e sdio neste segmento leva absoro indireta de potssio, clcio,

    magnsio e uria. Compostos endgenos e frmacos ligados s protenas plasmticas

    so secretados por contra transporte com o sdio, como por exemplo, o cido rico,

    cido acetil saliclico, antibiticos e diurticos. O tbulo proximal responsvel pela

    reabsoro de 2/3 da gua e do sdio filtrados pelo glomrulo. Dois tipos de diurticos

    agem neste segmento: osmticos (ex: Manitol) de mdia potncia causadores de

    hipocalemia e indicados no tratamento de edema cerebral e IRA causada por anemia

    hemoltica ou diminuio do dbito cardaco; e os inibidores da anidrase carbnica (ex:

    acetazolamida) de fraca potncia, indicados no tratamento de glaucomas.

    Ala de Henle: possui trs pores com caractersticas prprias bem definidas,

    sendo estas a poro fina descendente, poro fina ascendente e a poro espessa. As

    pores finas so constitudas por epitlio baixo, pobre em mitocndrias e bombas de

    Na+:K+:ATPase, o que o torna pouco adaptado ao transporte intenso de gua ou solutos.

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  • A poro descendente permevel gua (reabsorve 20 % do filtrado glomerular) e

    pouco permevel aos solutos, j a poro ascendente bastante permevel aos solutos

    mas no gua. Estes dois segmentos formam a urina hipertnica atravs do mecanismo

    de contracorrrente multiplicador. Nos ces a poro mais profunda da medula pode

    chegar a 2.400 mOsm/L.

    A poro espessa ascendente da ala de Henle pouco permevel gua, e

    muito permevel aos eletrlitos. Suas clulas so altas e altamente capacitadas ao

    transporte macio de NaCl (cerca de 25 % do NaCl filtrado), esta caracterstica faz com

    que tambm seja reconhecido como segmento diluidor do nfron. Possui grande

    quantidade de bombas de Na+:K+:ATPase na membrana basolateral, co-transportadores

    de Na+/K+/2Cl- , e contratransportadores de Na+/H+, alm de complexos juncionais

    permitindo a difuso passiva de sdio, potssio, clcio e magnsio. Nesta regio cerca

    de 10 % da carga filtrada de bicarbonato que no foi reabsorvida no tbulo proximal,

    ento recuperada. Atuam nesta regio os diurticos de ala, como a furosemida que

    inibe o co-transportador Na+/K+/2Cl- ATPase. Outros exemplos de diurticos de ala

    incluem a bumetamida e o cido etacrnico. So ditos diurticos de alta potncia,

    causam severa hipopotassemia, aumentam a secreo de H+ e podem levar a alcalose

    metablica. Seu uso est indicado em edemas pulmonares agudos de origem cardaca e

    na sndrome nefrtica.

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  • Tbulo distal: Pode ser dividido em duas partes com caractersticas

    transportadoras diferentes. O segmento inicial ou convoluto do tbulo distal pouco

    permevel a gua e uria e apresenta na sua membrana apical um co-transportador

    Na+/Cl-, que promove transporte eletroneutro. Os complexos juncionais no permitem a

    passagem de ons, e a membrana basolateral apresenta bombas de Na+:K+:ATPase.

    Tambm chamado de segmento diluidor do nfron semelhana do ramo ascendente

    espesso da ala de Henle. Nesta regio atuam os diurticos tiazdicos, de mdia potncia

    como a hidroclorotiazida e a clortalidona. Eles inibem o co-transportador Na+/Cl-,

    especfico desse segmento. Provocam perda menos acentuada de potssio que os

    diurticos de ala, raramente causando hipopotassemia. Seu uso est indicado em casos

    de hipertenso arterial sistmica.

    O segmento final do tbulo distal tem caractersticas transportadoras bastante

    semelhantes s do tbulo coletor, como veremos a seguir.

    Tbulo coletor: Dois tipos celulares coexistem, as clulas principais, que

    reabsorvem ons sdio e gua e secretam ons potssio, e as clulas intercaladas que

    reabsorvem ons potssio e secretam ons hidrognio. Nesta regio ocorre o ajuste fino

    na secreo de potssio por difuso passiva nos espaos intercelulares e absoro ativa

    que ocorre nas clulas intercaladas atravs da bomba H+:K+:ATPase, acionada em

    situaes de carncia de potssio. No tbulo coletor tambm ocorre o ajuste fino da

    excreo de sdio. O sdio entra na clula por diferena de potencial eletroqumico

    favorvel atravs de canais especficos, depois bombeado para o interstcio por uma

    bomba Na+:K+:ATPase. A fim de compensar a eletroneutralidade, ocorre pequena

    absoro de ons cloreto atravs das junes intercelulares que aqui apresentam alta

    resistncia eltrica. Esta alta resistncia eltrica eleva o gradiente de potencial

    eletroqumico, que acaba por diminuir a nveis insignificantes a concentrao de sdio

    intraluminal. Associando-se a isto o fluxo limitado de cloreto pelas junes

    intercelulares, ocorre secreo de potssio por ser o on intracelular mais abundante e a

    10

  • diferena de potencial eltrico favorvel evaso de potssio na membrana apical,

    alm da presena de canais de potssio.

    A absoro de gua nestes segmentos dissociada da absoro de sdio, e

    depende criticamente da presena do hormnio antidiurtico. A aldosterona atua nesta

    regio favorecendo a conservao de sdio e a espoliao de potssio. Os diurticos que

    agem nesta regio so ditos poupadores de potssio e podem ser de dois tipos:

    Bloqueadores do canal luminal de sdio (amiloride), que promove a natriurese e limita a

    excreo de potssio, tendo seu uso indicado em associao com a furosemida para

    atenuar as perdas de potssio. Os antagonistas da aldosterona como a espironolactona,

    podem diminuir a secreo de H+ e levar acidose metablica. Tambm podem causar

    hiperpotassemia, agravar a Insuficincia renal crnica e a nefropatia diabtica.

    Em resumo, os distrbios nas concentraes endgenas dos eletrlitos sdio,

    potssio e cloreto esto intimamente associados s disfunes tubulares, e estas se

    devem diretamente insuficincia renal que pode ser em funo do tempo de

    estabelecimento aguda ou crnica.

    4. Insuficincia renal aguda (IRA)

    As insuficincias renais agudas podem ser classificadas conforme sua origem em

    pr-renais, renais ou ps-renais. De modo geral observam-se alteraes na funo renal

    quando 2/3 dos nfrons encontram-se afuncionais.

    IRA pr-renal

    Estabelece-se quando o fluxo sanguneo renal est fortemente diminudo devido

    a desidrataes pronunciadas, choque hipovolmico hemorrgico, queda do dbito

    cardaco relacionado insuficincia cardaca, hipoadrenocorticismo ou cirrose heptica.

    O que se observa a diminuio acentuada da filtrao glomerular. Se o choque

    11

  • circulatrio persistir e se agravar, passa a imperar a lgica de garantir prioridade de

    perfuso ao crebro e miocrdio, aumentando a vasoconstrio renal que leva

    isquemia e hipxia do parnquima. Esta condio determina a passagem de IRA pr-

    renal IRA renal, sendo esta uma complicao bastante freqente.

    Os achados laboratoriais mais freqentes nesta fase de IRA pr-renal incluem:

    fluxo urinrio reduzido gravemente, concentrao urinria de sdio muito baixa, assim

    como a excreo fracionada de sdio (< 1 %), relao sdio/potssio urinrio < 1, pois o potssio continua sendo secretado pelo ducto coletor, osmolalidade urinria alta,

    aumento pronunciado da uria srica e elevao da creatinina srica inversamente

    proporcional magnitude da queda no ritmo de filtrao glomerular. A relao

    uria/creatinina srica costuma ser > 40. O tratamento requer correo da hipovolemia e do distrbio primrio.

    IRA renal

    Ocorre por leso primria ao parnquima renal. Est relacionada ocorrncia de

    glomerulopatias, necrose tubular aguda (70 % a 90 % das insuficincias renais agudas)

    12

  • ou leso mista, tbulo-intersticial. Os mecanismos de leso podem ter sua origem em

    uma IRA pr-renal agravada, efeitos txicos diretos sobre o rim provocados por certos

    medicamentos (aminoglicosdeos, anti-fngicos, contraste radiogrfico iodado,

    AINES,...), pigmentos endgenos (hemoglobina, mioglobina), peonhas (cobras,

    abelhas, aranhas,...), ou ainda processos infecciosos (leptospirose, erliquiose,...). A

    insuficincia renal aguda de origem renal pode ainda ser classificada quanto ao fluxo

    urinrio em oligrica ou no oligrica, sendo que esta ltima representa um prognstico

    menos desfavorvel.

    Na IRA renal oligrica os achados laboratoriais mais freqentes so: fluxo

    urinrio prximo de zero, concentrao de sdio na urina bastante elevado,

    concentrao urinria de potssio baixa, osmolalidade da urina semelhante do plasma,

    excreo fracionada de sdio (>1 %), relao sdio/potssio urinrio > 1, relao uria/creatinina srica costuma ser < 40.

    Na IRA renal no oligrica os achados laboratoriais mais freqentes so: fluxo

    urinrio elevado, entretanto o ritmo de filtrao glomerular permanece baixo,

    concentrao de sdio na urina bastante elevado, concentrao urinria de potssio

    baixa, osmolalidade da urina semelhante do plasma, excreo fracionada de sdio (>1 %), relao sdio/potssio urinrio > 1, relao uria/creatinina srica costuma ser < 40.

    13

  • A explicao das diferenas de fluxo urinrio entre a IRA renal oligrica e no

    oligrica mais aceita nos dias de hoje refere-se s extensas reas de necrose encontradas

    nos tbulos, onde as clulas aparecem necrosadas ou at ausentes, restando em alguns

    segmentos apenas a membrana basal, o que permite o vazamento puro e simples do

    filtrado de volta ao interstcio, levando a um fluxo urinrio que pode ser inferior a 100

    ml/dia em um homem adulto (normal = 600 a 1.500 ml/dia). Isto se deve ao fato de

    que a hipxia celular uma vez instalada leva ao rpido consumo das reservas energticas

    das clulas (ATP), antes voltadas para a manuteno das funes celulares bsicas como

    o volume e da integridade do citoesqueleto, que uma vez destrudo causa despolarizao

    e perda de assimetria celular, caractersticas destes epitlios transportadores. As clulas

    acabam por perder o seu ancoramento matriz extracelular e podem desgarrar-se do

    epitlio invadindo a luz tubular. Esta deposio de restos celulares associadas

    presena de integrinas e de protenas de origem tubular (Tamm-Horsfall), contribui para

    a formao de cilindros que acabam por obstruir a luz tubular (microobstruo tubular).

    Com tudo, as clulas que no se desgarrarem permanecem vivas, podendo recuperar-

    se se houver reoxigenao do tecido, esta recuperao da integridade dos tbulos

    demora de 2 a 4 semanas. Se, no entanto os estoques de ATP ao serem consumidos

    14

  • gerarem grande acmulo de adenosina e seu metablito hipoxantina, no momento da

    reoxigenao toda esta hipoxantina pode ser rapidamente transformada em xantina,

    cido rico, superxido e hidroxila, sendo os dois ltimos radicais livres citotxicos. O

    xido ntrico sintetizado pelas clulas renais normalmente tem efeito vasodilatador,

    modulando o efeito vasoconstritor da angiotensina II e das catecolaminas. Nas situaes

    de hipxia e reperfuso, pode exibir efeito altamente txico ao se combinar com grandes

    quantidades de superxido presentes, formando o nion peroxinitrito, mais txico que

    seus precursores.

    IRA ps-renal

    Ocorre por obstruo das vias urinrias devido a urolitase, tampes uretrais,

    neoplasias, trauma ou causas neurolgicas. O tratamento visa a remoo do agente

    causador da obstruo e conseqente restabelecimento do fluxo urinrio. Se a obstruo

    persistir, poder ocorrer a instalao de necrose tubular aguda.

    Figura 4. Rim de gato com peritonite infecciosa felina.

    5. Manifestaes clnicas na IRA

    A queda abrupta da filtrao glomerular faz com que os catablitos dos

    compostos nitrogenados como a uria, se acumulem no organismo, provocando

    disfunes em vrios rgos (leso endotelial, hematemese, melena, ulceraes orais).

    Na IRA oligrica com leso renal grave, o rim perde a capacidade de eliminar escrias e

    regular o balano de gua e sdio, o que leva a formao de hipertenso e edema

    pulmonar agudo. Se o balano de gua predominar em relao ao de sdio, pode ocorrer

    hiponatremia e edema intracelular, que traz graves conseqncias neurolgicas. A

    excreo de outros eletrlitos tambm est comprometida, sendo a reteno de potssio

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  • a mais grave, visto que pode causar arritmias cardacas graves e at mortais. Por fim, as

    funes endcrinas tambm esto comprometidas, podendo levar a anemia e distrbio

    no metabolismo do clcio. Usualmente encontra-se hipocalcemia, hiperfosfatemia e

    hipermagnesemia que no necessitam correo.

    6. Distrbios do potssio

    O potssio o on mais importante do espao intracelular, sendo o principal

    responsvel pela manuteno do volume intracelular, da mesma forma que o sdio

    constitui o principal ction do espao extracelular. Tem crucial importncia na

    fisiologia celular ao gerar potenciais de membrana e por sua interao com o on

    hidrognio, pequenas alteraes do potssio intracelular afetam o pH intracelular

    profundamente. Para manter os nveis de potssio normal necessrio que o organismo

    consiga manter nulo o balano externo (quantidade ingerida x quantidade perdida) e o

    balano interno (movimento dirio de potssio entre os compartimentos intra e extra

    celulares).

    Balano externo

    Cerca de 90 % do potssio removido do organismo pela excreo urinria, os

    demais 10 % se devem s perdas fecais. Em situaes de vmito e ou diarria intensa as

    perdas de potssio podem ser to significativas a ponto de causar balano externo

    negativo. Em situaes de perda tubular excessiva (ex: uso de furosemida, anfotericina

    B) tambm causam balano negativo. Por outro lado, em situaes de excreo urinria

    deficiente, instala-se um balano externo positivo do on. A excreo renal o nico

    modo de ajuste fino na excreo do on visto que a perda fecal no pode ser regulada.

    Os fatores que levam ao aumento da secreo do potssio pelos tbulos distal e coletor

    so: Aumento da concentrao tubular de sdio, aumento do fluxo intraluminal de

    fludo, aumento da produo de aldosterona pelas supra-renais, presena de nions no

    absorvveis na luz tubular distal (sulfatos, bicarbonato resultante de alcalose metablica,

    penicilinas,...). Em situaes de sobrecarga na ingesto diria de potssio, a taxa de

    excreo renal pode chegar a 50 % do potssio filtrado. J em situaes de carncia,

    diminui a secreo tubular e aumenta a absoro pelas clulas intercaladas, contudo,

    parte do potssio escapa absoro, podendo causar balano negativo em situaes de

    depleo extrema do on.

    16

  • Balano interno

    basicamente regulado pelos nveis de insulina (promove a entrada de potssio

    nas clulas), catecolaminas (promovem a entrada de potssio nas clulas), aldosterona

    (no clon promove secreo de potssio e absoro de sdio, semelhantemente ao que

    ocorre no nfron, j no msculo parece promover a entrada de potssio nas clulas),

    podendo ainda ser profundamente afetado por alteraes do equilbrio cido-base

    (alcalose metablica aumenta a entrada do on nas clulas e a perda renal, instalando a

    hipocalemia) e da tonicidade do meio extracelular (quando a hipertonicidade se instala

    de forma abrupta, como na cetoacidose diabtica, provoca a desidratao do meio

    intracelular e conseqente arrasto do potssio).

    O rim o principal responsvel pela reteno de potssio a ponto de gerar

    balano externo positivo. O rim pode diminuir a excreo do on por reduo global de

    sua funo ou alteraes especficas da funo tubular. Indivduos com insuficincia

    renal aguda esto fortemente propensos a apresentar deslocamentos abruptos do on do

    espao intra para o extracelular em decorrncia de hemlise, rabdomilise, catabolismo

    aumentado ou acidose metablica. Estes pacientes tem grande risco de desenvolver

    hiperpotassemia grave, devendo ser freqentemente monitorados. Tratamentos

    quimioterpicos de neoplasias, especialmente linfomas e leucemias podem causar

    hipercalemias em funo da grande destruio celular e liberao do on para o espao

    extracelular. Amostras de sangue hemolisadas podem resultar em falsas hipercalemias.

    Outras causas de hipercalemias so intoxicaes com digitlicos, exerccios exaustivos

    (ex: maratona) e relaxantes musculares despolarizantes como a succinilcolina.

    As manifestaes clnicas de hipercalemia incidem basicamente sobre o corao,

    onde pode ocorrer aumento do automatismo cardaco e bloqueios de conduo, que

    levam ocorrncia de severas arritmias cardacas, fibrilao ventricular, parada cardaca

    e at mesmo o bito. Por essa razo, as hiperpotassemias requerem tratamento imediato.

    Administrao de gluconato de clcio para antagonizar o efeito eletrofisiolgico do

    potssio; alcalinizao do meio interno atravs da aplicao intravenosa de bicarbonato

    faz com que aumente o movimento do on no sentido intracelular; aplicao de insulina

    e glicose tambm facilita a entrada de potssio nas clulas. O uso de -adrenrgicos

    pouco recomendado.

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    NEFROPATIAS E DISTRBIOS ELETROLTICOS EM CES*