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11 UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAU- UVA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH CURSO DE HISTÓRIA Paulo Roberto Sales Neto “ANÔNIMOS” DO PEDREGAL: HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DOS MORADORES (1970-2009) Sobral/CE Junho/2012

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAU- UVA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS - CCH CURSO DE HISTRIA

    Paulo Roberto Sales Neto

    ANNIMOS DO PEDREGAL: HISTRIAS E MEMRIAS DOS MORADORES

    (1970-2009)

    Sobral/CE Junho/2012

  • 12

    UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAU- UVA Centro de Cincias Humanas - CCH

    Curso de Histria

    PAULO ROBERTO SALES NETO

    ANNIMOS DO PEDREGAL: HISTRIAS E MEMRIAS DOS MORADORES

    (1970-2009)

    Monografia apresentada ao curso de Histria da Universidade Estadual Vale do Acara UVA como requisito parcial para a obteno do grau de graduado em Histria.

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    FICHA CATALOGRFICA

    PAULO ROBERTO SALES NETO

    SALES NETO, Paulo Roberto

    Annimos do Pedregal: histrias e memrias dos moradores (1970-2009). / Paulo Roberto Sales Neto. Sobral 2012. Monografia de graduao: Universidade Estadual Vale do Acara UVA. 66p. Inclui Bibliografia

    1. Santana do Acara/CE. 2. Bairro Pedregal. 3. Memrias.

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    ANNIMOS DO PEDREGAL: HISTRIAS E MEMRIAS DOS MORADORES

    (1970-2009)

    BANCA EXAMINADORA

    Esta monografia foi julgada e aprovada em sua forma final pela orientadora e membros da banca examinadora, composta pelos professores:

    _________________________ Prof Dr. Telma Bessa Sales

    Orientadora

    _________________________ Prof. Msc. Benedito Gensio Ferreira

    (convidado)

    _________________________ Prof. Msc. Viviane Prado Bezerra

    (convidada)

    Aprovada em ____ de Junho de 2012.

    Sobral/CE Junho/2012

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos aqueles e aquelas que indiretamente e diretamente

    contriburam com esse trabalhando. Agradeo ao Laboratrio das Memrias e das

    Prticas Cotidianas LABOME, onde consegui os recursos para realizar as

    entrevistas e fazer as transcries. Aos amigos petianos: Adelmo Braga, Aline

    Mendes, Kim Souza, Fran Liberato, Thiago Rocha, Luis Carlos Lima, Gervnia

    Sampaio, Moacir Portela, Alan Jonh, Jaqueline Gomes, Daniel Taboza, Cosma Silva,

    rika Vasconcelos, Alnlia, Anderson e tutor do Programa de Educao Tutorial

    PET/Histria Prof. Carlos Augusto Pereira dos Santos, com os quais vivi uma

    temporada de intensas aprendizagens.

    Agradeo tambm aos bolsistas do NEDHIS, FUNCAP e CNPq, Llian Paiva,

    Marcos Farias, Gardnia Lins e Vera Silva pela amizade da convivncia diria.

    Agradeo ainda meus colegas de sala, em nome daqueles que durante a graduao

    fiquei mais prximo, trocando aprendizagem, experincias e nos divertindo muito,

    so eles Emdio Jonhson, Gleiciane Paulo Albuquerque, Luiza Edilia Lima e, j nos

    ltimos perodos Ana Paula dos Santos. Aos professores que durante o curso de

    Histria.

    Aos colaboradores dessa pesquisa, sem a ajuda dos quais no teria

    conseguido desenvolver esse trabalho de pesquisa. Sou muito grato ao Sr. Pedro

    Celestino Santos, Maria de Ftima Silva, Ana Carmelita do Esprito Santo, Jos

    Maria Rocha, Joo Batista do Esprito Santo Justo, Maria do Socorro Sales e

    Francisco das Chagas, a todos vocs meu muito obrigado.

    Agradeo imensamente aos professores que aceitaram participar da banca

    avaliadora, professor Benedito Gensio de Oliveira e professora Viviane Prado

    Bezerra, e com especial carinho a professora Telma Bessa Sales, que colaborou

    muito com a realizao dessa pesquisa, com sua infinita pacincia e compromisso.

    No posso esquecer-me da Unio dos Universitrios de Santana do Acara

    UNISA, que possibilita h quase trinta anos que estudantes possam se deslocar de

    Santana do Acara at Sobral, sem a existncia da mesma, esse sonho no seria

    possvel. A Luciana de Paula que fez as ltimas correes. Aos meus pais, meus

    maiores educadores, e aos meus irmos que torceram por mim durante todo esse

    percurso de quatro anos e meio.

  • 16

    ANNIMOS DO PEDREGAL: HISTRIAS E MEMRIAS DOS MORADORES

    (1970-2009) Palavras-chave: 1. Santana do Acara/CE. 2. Bairro Pedregal. 3. Memrias.

    Resumo:

    O objetivo deste trabalho compreender o processo de constituio do Bairro

    Pedregal, reconhecendo e valorizando as personagens, principalmente por meio das

    narrativas dos seus moradores. O bairro Pedregal surgiu na dcada de 1970, com

    apenas algumas moradias construdas em taipa e palha. No incio de 1980, a igreja

    catlica por meio do Movimento de Promoo Humana - MPH conseguiu junto ao

    governo do Estado financiamento para a construo de casas em regime de mutiro,

    que levou o nome de Conjunto Habitacional Luza Tvora. Depois da construo do

    conjunto habitacional, o MPH continuou por alguns anos a dar assistncia aos

    moradores por meio da realizao de projetos, tais como: chapeleiras, olarias e

    hortas comunitrias. O MPH deixou de atuar depois que o padre ficou com suas

    atividades limitadas por motivo de sade e a Associao Comunitria Beneficente do

    Bairro Pedregal passou a lutar por mais espaos para construo de novas

    moradias. Por volta do ano 2000 houve a ocupao de terrenos pertencente

    parquia e em 2006 houve nova ocupao de terrenos, desta vez de particulares,

    que ainda hoje est em litgio, mas os moradores continuam l. Dialogando com

    tericos, como PORTELLI, THOMPSON e VILANOVA pretendemos d sentido a

    nossa pesquisa compreender a dinmica da cidade.

    .

  • 17

    THE ANONYMOUS OF PEDREGAL: STORIES AND MOMORIES OF RESIDENTS.

    ( 1970 2009)

    Keywords: 1. Santanas Acara/EC. 2. Pedregal Neighborhood. 3. Memories.

    Summary:

    The objective of this study is to understand the process of formation of the Pedregal

    neighborhood, recognizing and valuing the characters, especially through the

    narratives of its residents. The Pedregal district emerged in the 1970s, with only a

    few houses built in mud and straw. In the early 1980, the Catolic Church through the

    Promotion of human Movement-MPH managed by the state government funding for

    the construction of houses under the task force that took the name of Luiza Tavora.

    After the construction of housing, the MPH continued for some years to provide

    assistance to residents through the implementation of projects, such as milliners,

    pottery and community gardens. The MPH ceased to operate after the priest stood

    with his activities are limited due to health and membership of the Community Benefit

    District Pedregal now fighting for more space to build new homes. Around the year

    2000 was the occupation of land belonging to the parish and in 2006 there was a

    new occupation of land, this time in particular, which is still in dispute, but residents

    are still there. Dialoguing with theorists such as PORTELLI, THOMPSON and VILA

    NOVA intend to make sense of our research to understand the dynamics of the city.

  • 18

    Lista de fotos

    Anexo I - Foto 1: Pe. Francisco Jos Arago e Silva falando aos moradores no dia da inaugurao. Anexo II - Foto 2: Os fogos de artifcio soltados por um morador foi parte da festa de inaugurao da COHAB Luiza Tvora. Anexo III - Foto 3: D. Luiza Tvora (1 dama do estado do CE) de braos dados com a Dona Tereza Arcanjo (1 Dama de Santana do Acara/CE) e ao seu lado o prefeito de Santana do Acara, Batista Arcanjo. Anexo IV - Foto 4: O MPH homenageia o governador do estado com uma grande faixa de agradecimentos. Anexo V - Foto 5: Logomarca do Clube dos Amigos da Natureza. Anexo VI - Foto 6: Essa uma casa que no foi demolida, existe at hoje no Bairro Pedregal. Anexo VII - Foto 7: Estudantes do Centro Educacional Municipal Joo Cordeiro, participam da inaugurao do COHAB Luza Tvora. Onde o diretor era o Pe. Arago. Anexo VIII - Foto 8: Populao participa da solenidade de Inaugurao da COHAB Luiza Tvora. Anexo VIII - Foto 09: Vista atual do Bairro Pedregal. Essa rua no faz parte das casas construdas pelo MPH. Anexo VIII - Foto10: Derrubada do Judas na Semana Santa, quando os moradores do Pedregal se renem assistir e festejar essa cultura.

  • 19

    Lista de siglas

    ACS Agente Comunitria de Sade.

    AMENCAR - Associao de Apoio Criana e Adolescente.

    CAGECE Companhia de gua e Esgoto do Cear.

    CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica.

    CNPq Conselho Nacional de Pesquisa.

    COELCE Companhia Energtica do Cear.

    COHAB Conjunto Habitacional Luza Tvora.

    EMATERCE Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Cear.

    FEBEMCE - Fundao do Bem Estar do Menor.

    FUNCAP Fundao Cearense de Apoio a Pesquisa.

    FUNSESCE - Superintendncia da Fundao dos Servios Sociais

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

    INCRA Instituto Nacional da Reforma Agrria.

    INSS Instituo Nacional do Seguro Social.

    JAC Juventude Agrria Catlica

    JEC Juventude Estudantil Catlica

    JIC Juventude Independente Catlica

    JOC Juventude Operria Catlica

    JUC Juventude Universitria Catlica

    LABOME Laboratrio das Memrias e das Prticas Cotidianas.

    MPH Movimento de Promoo Humana.

    NEDHIS Ncleo de Estudos e Documentao Histrica.

    ONG Organizao no-governamental.

    PRODECOR - Programa de Desenvolvimento das Comunidades Rurais.

    SUDEPE Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca.

    UFC Universidade Federal do Cear.

    UNICEF Fundao das Naes Unidas para a Infncia.

    UNISA Unio dos Universitrios de Santana do Acara.

    USP Universidade de So Paulo.

  • 20

    SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................. 11

    CAPTULO I A igreja catlica e o povo 1.1. A Parquia Nossa Senhora Santana e questo da habitao ...........

    16

    CAPTULO II Os moradores do Oriente 2.1. A inveno do Pedregal: da TV para a realidade ..................................

    20

    2.2. O Movimento de Promoo Humana e a COHAB Luiza Tvora ...........

    25

    CAPTULO III Os moradores da COHAB Luza Tvora ou Bairro Pedregal 3.1 Os moradores se unem em associaes comunitrias ...........................

    38

    3.1.1 Associao dos Moradores de Pedregal ...........................................

    40

    3.1.2 Associao Comunitria Beneficente do Bairro Pedregal .................

    44

    3.1.3 Associao Santanense de Promoo Social ...................................

    46

    3.2 Festas e religies ...................................................................................

    48

    3.2.1. Lutas e resistncias na ampliao do bairro Pedregal ou Pedregal II.

    56

    CONSIDERAES FINAIS .........................................................................

    61

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ ....

    63

    ANEXOS ................................................................................................... ....

    64

    FONTES ................................................................................................... ....

    65

  • 21

    INTRODUO

    Este trabalho investiga as primeiras ocupaes de onde hoje o bairro

    Pedregal1, que comeou por volta do incio da dcada de 1970, at o ano de 2009,

    ano de inaugurao do Parque do Povo (antigo Parque de Exposio Licnia). So

    esses marcos que me ajudaram a delimitar as inquietaes em torno do tema.

    Busco ressaltar as conquistas feitas pela ao dos moradores e polticas pblicas

    desenvolvidas nas gestes dos governos que se sucederam.

    Com a colaborao de autores como PORTELLI, ROUSSO, VILANOVA e

    THOMPSON, busco, a partir da documentao e das entrevistas, construir uma

    narrativa que d conta da proposta inicial dessa pesquisa, que compreender o

    processo de constituio do Bairro Pedregal, (re)conhecendo as personagens,

    principalmente, por meio de depoimento dos seus moradores.

    Fiz vrias entrevistas, envolvendo agricultores, donas de casa,

    comerciantes, lderes e ex-lderes comunitrios, para que dessa forma pudesse

    chegar mais prximo ao que PORTELLI2 adverte, (...) no se deve esquecer que a

    elaborao da memria e o ato de lembrar so sempre individuais: pessoas e no

    grupos, se lembram. E tambm, se toda memria fosse coletiva, bastaria uma

    testemunha para uma cultura inteira; sabemos que no assim.

    Com a leitura de ROUSSO3 passei a ficar mais atento para com as

    entrevistas que realizei e problematizei. Para ele a memria incontestavelmente

    da atualidade, por assim dizer. E ainda a memria uma construo psquica e

    intelectual que acarreta de fato uma representao seletiva do passado, um passado

    que nunca aquele do indivduo somente, mas de um indivduo inserido num

    contexto familiar, social, nacional.

    A histria do Bairro Pedregal, mesmo sendo to recente (cerca de 50

    anos) concentra poucos documentos escritos e fotogrficos nas mos das pessoas

    que ajudaram na sua fundao. mais utilizada a histria oral para contar e recontar

    a trajetria que levou a fundao do mesmo.

    Tive acesso aos documentos (fotografias do dia da inaugurao, fotografias

    das antigas casas de taipa e palha, bem como ata de fundao, relatrios e projetos

    1 Pedregal um bairro do subrbio da cidade de Santana do Acara/CE. 2 PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944): mito, poltica, luto e senso comum. In. FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janana (org.). Usos e abusos da Histria Oral.. 8 ed. Fundao Getlio Vargas. (p. 127) 3 ROUSSO, Henry. A memria no mais a mesmo. In. FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO,

    Janana (org.). Usos e abusos da Histria Oral. 8 ed. Fundao Getlio Vargas. (p. 94)

  • 22

    realizados) do Movimento de Promoo Humana que esto sob a guarda do Sr.

    Joo Batista do Esprito Santo Justo4. A documentao da extinta Associao dos

    Moradores de Pedregal que se encontra aos cuidados do ex-presidente (de 1988 at

    a sua extino em 1992), Sr. Jos Maria Rocha. A documentao da Associao

    Beneficente do Bairro Pedregal, nica associao que se encontra ativa, est nas

    mos da atual diretoria, que tem como presidente em exerccio o Sr. Jos Gerardo

    Rodrigues.

    Consideramos relevante um trabalho de coleta de entrevistas e depoimentos,

    por meio de filmagem e fotografia, dos mais diferentes espaos de sociabilidade do

    bairro, (da religiosidade, do esporte, da poltica, do associativismo etc.) para o

    registro da histria local. Muitas das pessoas idosas que conheceram e viveram na

    poca da fundao, ou j faleceram ou esto idosas demais para (re)lembrar suas

    trajetrias.

    Pesquisar a histria do bairro onde nasci e moro at hoje, foi ao mesmo tempo

    um desafio e um prazer. Tive que aprender a me distanciar em alguns momentos e a

    me aproximar em outros dos fatos que j conhecia (por ter presenciado ou por ter

    ouvido de algum). A histria local se apresentou para mim como um grande

    desafio, pois como sugere SAMUEL:

    A histria local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nvel de desenvolvimento nacional e d ao pesquisador uma ideia mais imediata do passado. Ela encontrada dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado, ler seu grafite nas paredes, seguir pegadas nos campos.5

    Com a histria oral possvel articular passado e presente com os sujeitos

    que presenciaram e participaram da histria oral e local. Para VILANOVA, a fonte

    oral uma fonte viva, uma fonte inacabada, que nunca ser exaurida, e, portanto,

    que a histria bem feita que queremos fazer uma histria inacabada.6

    Consideramos ainda que importante tambm para a comunidade

    acadmica, alm do prprio municpio de Santana do Acara, visto que, a cidade 4 lder comunitrio no Bairro Pedregal desde 1981, foi um dos fundadores do Movimento de

    Promoo Humana. Tambm participou do Movimento de Educao de Base MEB Sobral. 5 SAMUEL, Raphael. Histria local e histria oral. In. Revista Brasileira de Histria. V. 9, n 19, set.

    1989 / fev. 1990. 6VILANOVA, M. Pensar a subjetividade: estatsticas e fontes. In: MORAES, M. (Org.) Histria Oral.

    Rio de Janeiro: DPDOC, 1994.

  • 23

    um espao inesgotvel de acontecimentos e, sempre haver campo para infindveis

    pesquisas. Alm de que a histria local sempre partiu das elites, nasceu no centro

    da cidade por meio de uma histria oficial e religiosa e chegou aos bairros e distritos.

    Vejo agora uma possibilidade de escrita ao inverso, partindo das camadas menos

    favorecidas para juntar-se a histria j popularizada entre a populao.

    O Bairro Pedregal pode ser considerado um bairro modelo se comparado

    aos outros bairros suburbanos do municpio, devido a presena de vrias instituies

    de cunho social e cultural. Existiram e ainda existem diversas associaes projetos

    como o Movimento de Promoo Humana, o Projeto Criana Esperana, mantido

    pela Associao Santanense de Promoo Social, alm de funcionar uma creche

    mantida pela Prefeitura Municipal e diversas associaes, tendo em funcionamento

    atualmente a Associao Comunitria Beneficente do Bairro Pedregal, fundada em

    1990.

    A pesquisa apresenta a metodologia da histria oral. Os entrevistados foram

    escolhidos dentre aqueles que estiveram ou ainda esto frente como lideranas ou

    pessoas que moram no bairro antes mesmo dele existir de fato. Ouvir essas

    experincias foi importante para perceber como a memria passa a ser

    (re)construda a partir das indagaes do presente, como uma narrao infinita,

    onde a arte de narrar

    Deve envolver narrador e ouvinte numa cadeia singular de temporalidade: o tempo vasto, o ritmo lento e a cadncia revela a dimenso coletiva da reposio dos hbitos, dos costumes e da memria. Pela voz do narrador, o passado restaurado no presente. Os elementos da tradio so resguardados pela oralidade, transmitida interminavelmente de pai para filho, durante vrias geraes. A narrao no tem fim, no promete uma explicao. 7

    Nossa primeira entrevistada foi dona de casa e aposentada, Maria do

    Socorro Sales, 56 anos. Ela veio com seu esposo e seus filhos de uma localidade da

    zona rural localizada ao P do Serrote das Rolas. Reside no Bairro Pedregal desde

    antes de 1975, sua famlia foi umas das que trocou a casa de taipa por uma de

    alvenaria em 1984, no Conjunto Habitacional Luza Tvora. Ainda hoje mora na

    mesma casa que recebeu na 3 etapa do Conjunto.

    7BORELLI, S. H. S., Memrias e temporalidades: dilogo entre Walter Benjamin e Henri Bergson. Margem. Narradores e Intrpretes. Cincias Sociais. PUC, EDUC, n. A, 1992.

  • 24

    Outro entrevistado foi o Sr. Jos Maria da Rocha, comerciante e agricultor,

    tem 66 anos de idade, reside no bairro Pedregal com sua famlia desde 1982,

    quando recebeu sua casa na 2 etapa do Conjunto. Veio da localidade gua

    Salgada, zona rural do municpio e viu na oportunidade de mudar para a sede a

    possibilidade de oferecer uma educao formal para os filhos, visto que, onde

    morava no existiam escolas.

    Joo Batista do Esprito Santo Justo, funcionrio pblico, 68 anos. Nunca

    morou no Bairro Pedregal, trabalhou ao lado do Pe. Arago desde a fundao do

    Movimento de Promoo Humana e a construo do Conjunto Habitacional, e

    frequenta o bairro diariamente, onde coordenador de um projeto que atende

    crianas e adolescentes.

    Maria de Ftima Silva, 54 anos, dona de casa, aposentada, reside no Bairro

    Pedregal desde 1967, quando seus pais vieram do bairro Joo Alfredo, tambm em

    Santana do Acara, que por sua vez vieram da localidade de Carvueiro, zona rural

    de Marco/CE. Ela, juntamente com seus irmos e amigos, batizou o povoado onde

    moravam com o nome de Bairro Pedregal.

    Pedro Celestino Santos, 62 anos, reside na fazenda Aurora, que fica dentro

    do Assentamento de Alva Goiabeira, fronteira com o bairro Pedregal. O Sr. Pedro

    nunca residiu no Bairro Pedregal, mas participou, juntamente com sua esposa,

    Filomena Maria Santos, da Associao Beneficente do Bairro Pedregal, assumindo

    cargos de liderana comunitria. Foi na gesto deles que a associao cresceu em

    nmero de scios e a participao nas reunies aumentou. Tambm na sua gesto

    foi ocupado e loteado terrenos entre scios que no possuam casa no ano de 2006.

    Outro colaborador dessa pesquisa foi o Sr. Francisco das Chagas Santos,

    76 anos, aposentado. Mora na fazenda Aurora, que fica fronteira com o bairro

    Pedregal, onde foi lder religioso e professor por muitos anos.

    Ana Carmelita do Esprito Santo, 40 anos, casada, Agente Comunitria de

    Sade h 14 anos no Bairro Pedregal. Foi professora de creche durante muitos anos

    e animadora de quadrilha junina.

    Sem a disponibilidade dos colaboradores certamente esse trabalho estaria

    mais incompleto ainda. Foi com o auxlio de suas falas que pude, aos poucos, ir

    compreendendo a documentao escrita e ainda h muito que se estudar, pesquisar

    e entender das experincias dos moradores do Bairro Pedregal, esse apenas o

    primeiro, mas no ser o ltimo trabalho sobre essa comunidade.

  • 25

    Este trabalho est divido em trs captulos. No captulo I - A igreja catlica e

    o povo, e no seu subttulo A parquia Nossa Senhora SantAnna e a questo da

    habitao. Buscamos entender o contexto da Igreja Catlica nos anos 1960 e as

    dcadas seguintes, com as mudanas trazidas pelo Conclio Vaticano II e Teologia

    da Libertao, para que no Captulo II Os moradores do Oriente, possamos

    adentrar nas aes que a Igreja Catlica de Santana do Acara realizou para

    diminuir o dficit habitacional no municpio, com transformaes que se espelhava

    nas aes que a igreja estava passando em todo o mundo. J no captulo III Os

    Moradores da COHAB Luza Tvora ou Bairro pedregal, tentei priorizar as aes dos

    moradores do bairro Pedregal, suas articulaes e mobilizaes nas associaes de

    moradores, nas lutas por novos espaos para construo de moradias, as crenas,

    as festas e o lazer.

  • 26

    CAPTULO I

    A IGREJA CATLICA E O POVO

    1.1 . A Parquia N. Senhora Santana: apoio na luta por habitao em Santana do Acara

    As primeiras questes surgidas no incio desse trabalho eram relacionadas

    s intervenes da igreja catlica em Santana do Acara, que tinha frente o

    Cnego Francisco Jos Arago e Silva. Nossas reflexes estavam relacionadas

    presena e ao da igreja ao se preocupar com uma populao pobre de um

    povoado meio urbano, meio rural na periferia da cidade de Santana do Acara/CE,

    onde no se tinha acesso gua potvel, luz eltrica e viviam basicamente dos

    trabalhos na roa, nos finais dos anos de 19708.

    Fomos percebendo que as aes da igreja catlica em Santana do Acara

    estavam contextualizadas com o restante do mundo, assim, caminhando numa

    mesma direo da igreja no mundo todo. Ao analisar a Igreja catlica assinala

    LWI:

    Tratava-se de um conjunto de reflexes e prticas que questionam a injustia social, e se traduzem no compromisso de cristos membros do clero, mas, sobretudo leigos, organizados em comunidades eclesiais de base (CEBs) (...), com a luta pela emancipao dos pobres. A questo da pobreza , tradicionalmente, uma preocupao fundamental para a Igreja Catlica; mas agora o enfoque muda de forma radical; j no se trata de considerar o pobre como objeto de ajuda, proteo ou caridade, mas como sujeito histrico, como ator de sua prpria libertao9.

    A Igreja Catlica com essas preocupaes tentava aproximar o povo igreja

    e escritura bblica, num sentido mais comunitrio e menos dogmtico, o que a

    tornar uma igreja povo. A igreja povo vai se colocar contra aquela sociedade

    que vivia um perodo de represso a democracia, aos direitos humanos e vida.

    Se no primeiro momento a igreja catlica passou a apoiar o golpe de 1964,

    com o passar dos anos e as denncias de tortura denunciadas e ficando cada vez

    8 Essas questes todas nos perseguiram at o ltimo semestre do curso de histria, na disciplina de

    Histria do Brasil IV, ministrada pela professora Viviane Prado Bezerra. medida que amos trabalhando textos que se relacionavam ao contexto da Igreja Catlica no perodo da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), conhecendo a Teologia da Libertao, o Conclio Vaticano II (1962-1965), e a II Conferncia Geral do Episcopado latino-americano, reunida em Medellin em 1968. 9 Lwi, Michael. As esquerdas na ditadura militar: O cristianismo da libertao. In.: RED, Daniel

    Aaro. FERREIRA, Jorge. Revoluo e democracia 1964. Rio de Janeiro. Civilizao brasileira, 2008.

  • 27

    mais evidentes, a mesma igreja vai tomando novas posturas, agora de denncia, de

    proteo queles perseguidos, sendo a nica voz audvel contra a ditadura militar.

    Com a formao de uma esquerda no interior da prpria igreja e o incentivo

    a formao das Comunidades Eclesiais de Base,

    (...) ajudaram a gerar uma nova conscincia dos problemas fundamentais da sociedade brasileira, modificando assim a forma com que muitos lderes e instituies percebiam a sociedade. Politizaram os problemas sociais conscientes das injustias h geraes, tornando o clero progressista mais consciente das injustias sociais e da necessidade da Igreja de dedicar-se a elas.10

    Com a realizao do Conclio Vaticano II, a Igreja Catlica passou a refletir

    sobre si mesma, sobre sua postura at ento conservadora e autoritria. E foi

    possvel perceber que a igreja, aps a realizao do conclio, queria uma nova forma

    de agir, uma igreja mais prxima dos fiis, onde a sua voz fosse mais inteligvel e

    que as suas aes fossem de maior alcance. Durante o conclio ventilava uma viso

    mais aberta da Igreja, que teve fortes repercusses aps seu trmino.11

    Assim como o Conclio Vaticano II, a II Conferncia Geral do Episcopado em

    Medellin trouxe, principalmente para a Amrica Latina, grande reflexo para uma

    mudana dentro da igreja, que a transformava numa posio de opo preferencial

    pelos pobres.

    A Declarao de Medellin denominada por um chamamento presena mais intensa e renovada da Igreja na atual transformao da Amrica Latina. Reconhecendo o momento como decisivo, aponta para a necessidade de conhecer o homem latino-americano, para poder agir com a audcia do Esprito e o equilbrio de Deus.12

    No Brasil surgiu o catolicismo militante que atravs da Ao Popular criou

    espaos de participao em diferentes espaos sociais, envolvendo, sobretudo os

    jovens. A constituio da Juventude Agrria Catlica JAC; Juventude Estudantil

    Catlica - JEC; Juventude Independente Catlica - JIC; Juventude Operria Catlica

    JOC e Juventude Universitria Catlica JUC, alm das Comunidades Eclesisias

    10

    MAINWARING, Scott. A Igreja Catlica e a poltica do Brasil (1916-1985). Traduo Helosa Braz de Oliveira Prieto. So Paulo: Brasiliense, 2004, p. 25. 11

    SILVA, Vera Lcia. Um osis dos menos favorecidos da sorte: A experincia do Servio de Promoo Humana SPH, Camocim CE (1967-1972). Monografia apresentada em 2011, na Universidade Estadual Vale do Acara UVA. 12

    SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experincias, falas e lutas dos trabalhadores da Grande So Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 152.

  • 28

    de Base CEBs, que segundo Frei Beto13 chegou a 80 mil, congregando cerca de

    dois milhes de pessoas em todo o Brasil em 1981, foi uma resposta dos religiosos

    e dos fiis a esse novo momento para a Igreja Catlica.

    Com o Golpe de 1964, as iniciativas que nasciam com grande fora no seio

    da Igreja foram surpreendidas pela perseguio e pelas denncias, trazendo para os

    movimentos de base grandes perdas. Para SADER,

    O efeito imediato do golpe militar de 1964 sobre a Igreja foi o de amortecer as iniciativas mais populares. De um lado, a represso se abateu sobre os ncleos militares da Ao Catlica e mesmo o MEB e sindicatos rurais. De outro, no interior mesmo da hierarquia catlica, os setores conservadores desbancaram os renovadores e abandonaram prpria sorte os grupos ento perseguidos.14

    Assim, a represso recaiu, sobretudo sobre o povo de Deus, que lutava

    pela reforma agrria, pelo direito a terra, por melhores condies de vida. Foi a

    populao engajada nos movimentos catlicos que a represso veio sufocar. O

    catolicismo militante ajudou a construir uma populao mais esclarecida e mais

    crtica, cobrando dos representantes pblicos melhores condies de vida e no

    lugar do pedido de um favor apareceram s reclamaes de um direito. Essa

    condio de cidado nasceu dentro dos debates das comunidades catlicas.

    Embora no seja possvel identificar na documentao do Movimento de

    Promoo Humana - MPH, em Santana do Acara, aes populares realizadas pela

    igreja catlica no sentido que a populao se tornasse sujeitos de sua prpria

    histria, possvel perceber a interferncia dos lderes catlicos para com a

    populao mais pobre, com aes mais voltadas para o assistencialismo do que

    para a conscientizao e a promoo dos mesmos.

    O Movimento de Promoo Humana foi fundado em 1982 por pessoas

    ligadas igreja catlica, mas que pertenciam a famlias de bons status sociais da

    cidade. Em sua ata de fundao percebemos apenas a presena de um nico

    morador do bairro Pedregal, mas que sua atuao nas aes da instituio no so

    visveis ao decorrer do tempo. Apenas os diretores aparecem como figuras que

    tomavam as decises e buscavam, junto ao Governo do Estado do Cear,

    senadores e instituies governamentais e no governamentais, financiamento para

    projetos. A populao era apenas a receptora das boas aes da igreja.

    13

    BETTO, Frei. O que comunidade eclesial de base. Brasiliense, 1981, p. 17. 14

    SADER, Op. Cit., p. 150.

  • 29

    Mesmo no sendo possvel identificar a participao dos moradores do

    bairro Pedregal nas decises do Movimento de Promoo Humana15, possvel

    supor que essa foi semente para que surgisse no bairro, anos depois, vrias

    associaes de moradores, agora criadas e dirigidas pelas pessoas que habitavam o

    bairro Pedregal. Deixando o assistencialismo e a passividade de lado, tornam-se

    agente de luta do lugar onde habitam.

    Sem a presena de uma instituio externa ao bairro Pedregal, os

    moradores j atentos as desigualdades impostas pelo sistema que estavam imersos

    renem-se em pequenos grupos de moradores para continuar a luta por condies

    estruturais melhores para o bairro.

    A primeira associao surge em 1988 para suprir uma necessidade urgente

    das famlias que tinham crianas e precisavam se cadastrar num programa do

    Governo Federal para receber leite. Com o fim do programa a associao tambm

    termina seus dias de atuao. Os moradores percebendo que o leite no era a nica

    melhoria que as famlias precisavam formaram uma nova associao.

    A Associao Comunitria Beneficente do Bairro Pedregal surge em 1990

    como uma instituio que vai buscar junto s lideranas melhores infra-estrutura

    para o bairro, como calamento, rede de esgoto, iluminao pblica, e tambm

    lutando para atender famlias em particular, como aquelas que no possuam

    banheiros, casa prpria etc.

    No decorrer da existncia das associaes evidente a busca de parcerias

    com agentes externos para auxiliar na resoluo dos diversos problemas que eles

    identificam. As parcerias se mostram tanto com agente pblicos como tambm com

    empresas privadas.

    Essas mobilizaes coletivas que ocorrem no bairro at os dias de hoje so

    entendidas como uma conseqncia de uma atitude implantada pelos religiosos

    catlicos, que ao longo do tempo foram incorporadas pela populao local, que

    aprendeu a seu modo continuar as lutas. Percebemos, e no decorrer da pesquisa

    fica bastante evidente, que as lutas veem dando resultados satisfatrios, a custa de

    muitas reunies, de cobranas e at de atitudes consideradas radicais.

    15

    No tivemos acesso a outras atas fora a da fundao. Pode ser que nas outras atas seja possvel perceber a voz dos moradores do Pedregal.

  • 30

    CAPTULO II

    OS MORADORES DO ORIENTE 2.1. A inveno do Pedregal: da TV para a realidade

    A partir das entrevistas e das leituras tericas sobre memria e histria oral,

    fomos aos poucos nos convencendo do que GRELE16 fala em seu artigo, de que

    (...) a histria oral passou a servir de meio para recriar a histria daqueles que

    haviam sido ignorados no passado e ROUSSO17 adverte: (...) energicamente que a

    histria pertence, sobretudo queles que a viveram e que ela um patrimnio

    comum que cabe ao historiador exumar e tornar inteligvel aos seus

    contemporneos. Conforme esse autor , com essas pessoas que buscamos

    conhecer sua histria, suas contribuies, participaes, interaes com o meio em

    que viveram e vivem.

    Selecionamos alguns moradores que nos forneceram subsdios para que em

    conjunto com a documentao que tivemos acesso, possibilitam uma narrativa com

    problemticas abrangentes, embora saibamos que no daremos conta de trabalhar

    exaustivamente com todas elas.

    Para JANOTTI,

    ao contar sua trajetria de vida e expor suas opinies, ao conferir sentido aos gestos, o ator se torna sujeito dos seus prprios atos e percebe seu papel singular na totalidade social em que est inserido.18

    Por volta da dcada de 1950 algumas poucas famlias habitavam uma

    regio ao norte da sede do municpio de Santana do Acara, considerada zona rural,

    prxima a uma fazenda de nome Oriente. Na mesma propriedade tinha um aude

    onde as famlias se abasteciam e viviam do sustento da roa nos perodos de

    inverno. No havia luz eltrica, nem escolas e nem hospitais nas proximidades, alm

    do acesso ao centro da cidade ser feito em estrada de terra, onde durante o inverno

    a lama e no vero a poeira eram os maiores obstculos durante os deslocamentos.

    16

    GRELE, Ronald J. Pode-se confiar em algum com mais de 30 anos? Uma crtica histria oral. In. FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janana (org.). Usos e abusos da Histria Oral. 8 ed. Fundao Getlio Vargas. (p. 271) 17

    ROUSSO, Henry. A memria no mais a mesmo. In. FERREIRA, Marieta de Moraes. AMADO, Janana (org.). Usos e abusos da Histria Oral. 8 ed. Fundao Getlio Vargas. (p. 98) 18

    JANOTTI, M, L. M. O desafio da histria oral. In: Negros brasileiros. Encarte Especial. Cincia Hoje, CNPq, vol. 8, n. 48, p. 35, 1998.

  • 31

    Essas famlias foram chegando de vrias localidades da zona rural do

    prprio municpio de Santana do Acara, mas tambm de outros municpios que

    com a permisso do vigrio construam suas moradias. O Sr. Jos Maria Rocha

    morava na localidade gua Salgada, zona rural do municpio e veio residir no

    Pedregal em 1982, a Sr. Maria de Ftima Silva, que nasceu em Carvueiro,

    municpio de Marco/CE veio com seus pais em 1967, Sr. Maria do Socorro Sales,

    veio das proximidades do Serrote por volta de 1975.

    As moradias construdas de taipa e de palha no ofereciam conforto para as

    famlias e ofereciam risco aos mesmos de abrigos de animais e insetos venenosos,

    como cobras e escorpies. Esse cenrio existiu desde os finais dos anos de 1970

    at os anos de 1984, quando a igreja local toma a iniciativa de interferir naquele

    espao e passa a captar recursos federais e estaduais para a construo de casas

    de alvenaria.

    Aqueles moradores que tinham suas casas de taipa e palha foram

    indenizados e ainda receberam uma nova casa, de alvenaria. O recibo em nome do

    Sr. Jos Aparecido dos Santos mostra que ele recebeu da parquia a quantia de

    50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros), em 26 de setembro de 198319.

    A moradora Maria de Ftima Silva lembra que as casas de taipas foram

    substitudas pelas de tijolos, que eu saiba teve gente que trocou a casa, deu a casa

    velha e ainda recebeu a, a... uma gratificao 20.

    O nome do bairro foi idealizado por antigos moradores do Oriente, inspirados

    num recanto que fazia parte do enredo da novela, Ovelha Negra, exibida em 1975,

    pela Rede Tupi, de autoria de Walter Negro21. Nos anos de 1970 havia poucos

    televisores na cidade, no Oriente no havia nenhum e os moradores se deslocavam

    ao bairro vizinho, conhecido por Bairro Jeric, para assistir a citada novela e, ao

    retornarem as suas casas falavam que estavam indo para o Pedregal. A novela

    terminou, mas o nome permaneceu no imaginrio dos moradores e, ainda hoje

    19

    Recibo da parquia Nossa Senha SantAna, datado de 26/09/1983. Arquivo pessoal do sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo. 20

    Entrevista realizada com Maria de Ftima Silva, 54 anos. Em 29/02/2012. Arquivo do autor, cedida para o Laboratrio das Memrias e Prticas Cotidianas LABOME. 21

    Nessa novela havia uma cidade com o nome guas de Santana. Dentre as personagens havia o filho do prefeito que em um desentendimento com o pai resolveu criar outra cidade prxima e colocou o nome de Santana do Pedregal. Por esse motivo, os moradores do bairro Pedregal, ao perceberem uma ligao do nome da cidade (Santana) existente na novela com o lugar onde moravam, acabou por associar os espaos. Antes o espao a qual passaram a denominar Pedregal era chamado de Oriente, por causa do aude Oriente.

  • 32

    apesar de no ser oficialmente22 reconhecido como Pedregal todas as

    correspondncias (contas de gua, luz, carto de crdito, etc.) dos moradores

    chegam com esse nome.

    Foto das antigas casas de taipa e palha, posteriormente substitudas por casas de alvenaria,

    1980. Foto cedida pelo Sr. Joo Batista do Esprito santo Justo.

    O Bairro Pedregal est localizado no subrbio da cidade de Santana do

    Acara/CE. Tem uma populao estimada em 1.300 habitantes, cerca de 400

    famlias23, e tem como principal acesso a Avenida Prefeito Gerardo Arajo24. O

    bairro Pedregal est geograficamente distante da cidade cerca de 1 km. Anos atrs

    a iluminao desse trecho era precria e as aes de vandalismo quebravam

    constantemente as poucas lmpadas dos postes, impossibilitando os trajetos

    noturnos.

    Santana do Acara, por sua vez, um municpio do interior do Estado do

    Cear, localizado na bacia hidrogrfica do mdio Acara, tem uma populao de

    quase 30.000 mil habitantes,25 sendo a principal fonte de economia a agricultura de

    subsistncia e o comrcio de pequeno porte, alm das aposentadorias advindas do

    Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e empregos gerados pelo governo

    municipal e estadual nas reparties pblicas, como escolas, secretarias.

    Compreender como se formou e quais os interesses que levaram a criao

    do Bairro Pedregal so objetivos dessa pesquisa, alm de analisar a discusso em

    22

    No h nenhum projeto de Lei que defina um nome oficial para o bairro. Apenas as ruas receberam, em 2009, denominao oficial. 23

    De acordo com senso realizado pela Agente de Sade, Ana Carmelita do Esprito Santo, em Novembro de 2011. 24

    A estrada que dava acesso ao centro da cidade era de terra. Somente em 2005, depois de muitos anos de apelo das lideranas comunitrias foi que o calamento foi concretizado. 25

    De acordo com o sendo do IBGE, realizado em 2010. Retirado do site www.ibge.gov.br Acesso em 30 de Nov. 2011.

  • 33

    torno no nome do bairro, idealizado pelos primeiros moradores. Qual o papel da

    primeira-dama do estado, Dona Luza Tvora, esposa do ento governador Virglio

    Tvora, no apadrinhamento26 de verbas para a construo de conjuntos

    habitacionais em vrios municpios do interior do Estado.

    No ano de 2004 vereadores da gesto tempo de Paz, tendo como

    prefeito Antnio de Pdua Arcanjo (Totonho), aprovaram a Lei 498/200427 mudando

    o nome do Bairro que era Pedregal, para Bairro Pe. Francisco Jos Arago e Silva,

    fato esse que levou vrios moradores a procurar o prefeito e pedir que ele no

    sancionasse a Lei, o que aconteceu. Mesmo reconhecendo na pessoa do padre um

    grande bem feitor para o bairro, essa atitude tomada pelos moradores demonstra

    que o nome Pedregal carregado de sentimentos de pertencimento, como vimos, o

    nome foi inveno dos primeiros moradores e isso gera um significado muito grande

    para as pessoas que l moram.

    A histria do bairro Pedregal est na memria de seus moradores, e at o

    momento nenhum trabalho, seja cientfico ou no, foi realizado no intuito de

    catalogar essas memrias. A opo em trabalhar com entrevistas nos colocava

    muitas dvidas sobre a verdade que elas poderiam ou no passar para a construo

    do trabalho. Foi respaldado em autores como THOMPSON28, que nos encorajou e

    nos estimulou a ir campo fazer as primeiras entrevistas. Este autor afirma (...)

    no h fontes orais falsas (...) a credibilidade das fontes orais uma credibilidade

    diferente (...). A importncia do testemunho oral pode estar, muitas vezes, no em

    seu apego aos fatos, mas antes em sua divergncia com eles, ali onde a imaginao

    e o simbolismo desejam penetrar.

    Entender a ao de Dona Luza Tvora na construo do conjunto

    habitacional, que leva o seu nome, e perceber qual a influncia do Pe. Arago com o

    governo, que facilitou este processo de aquisio de verbas, no foi possvel nessa

    pesquisa devido falta de documentao. Conseguimos juntar apenas alguns

    indcios de que a primeira dama do Estado do Cear utilizava-se da construo de

    casas populares na capital e no interior para aproximar a figura de seu esposo,

    Virglio Tvora, dos eleitores.

    No trabalho de Ana Flvia Goes Morais me caridosa um pedido de

    uma me para me: fragmentos da atuao de Luza Tvora no projeto poltico de

    26

    Pe. Arago se referia a ela como minha madrinha. 27

    Cmara Municipal de Santana do Acara/CE. 28

    THOMPSON, Paul. A voz do passado. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1998.

  • 34

    Virglio Tvora, faz um breve trabalho sobre a atuao de Luza Tvora no projeto

    poltico do esposo. Depois da derrota de Virglio nas eleies de 1958, Luza Tvora

    comea a participar efetivamente da vida poltica do esposo... facilitando o repasse

    de verbas para construo de conjuntos habitacionais em vrios municpios do

    interior do Estado, criando laos com pessoas que tinham influncias no interior,

    para quem sabe depois, esses favores se transformassem em votos. nesse

    contexto que o padre conseguiu o primeiro financiamento, e posteriormente teve que

    fundar o Movimento de Promoo Humana - MPH para continuar recebendo ajuda

    governamental.

    Outros trabalhos, de Marise Olmpio Magalhes, na UFC e Joo Carlos

    Souza, na USP, fizeram uma pesquisa que se assemelha a essa que realizamos.

    Eles estudaram a construo de conjuntos habitacionais em grandes cidades, sendo

    estes formados em sua grande maioria por migrantes. A casa prpria em ambos os

    trabalhos era o maior sonho das pessoas, o que tambm no deixa de ser dos

    moradores do Pedregal.

    Marise Olmpio em sua dissertao de mestrado29 nos direciona para uma

    discusso e uma percepo acerca de uma rede de solidariedade existente nos

    bairros, principalmente entre antigos moradores, que construram suas casas em um

    mesmo perodo, passando pelos mesmos problemas bsicos, como falta de gua e

    energia eltrica.

    Na dissertao30 de Joo Carlos Souza o que mais se aproxima da

    pesquisa ora realizada questo da ocupao da terra. Os moradores do Pedregal

    II, despossudos de um lar, morando de aluguel, junto com os pais ou sogros,

    resistem at mesmo a um mandado judicial de reintegrao de posse e

    permanecem construindo, mesmo revelia da lei.

    A pesquisa tem como fontes a oralidade dos moradores que residem no

    bairro Pedregal ou que participaram de sua fundao, alm de documentos cedidos

    pelas associaes de moradores, como livros de atas, ofcios expedidos e

    recebidos, fichas de scios, relatrios e fotografias. Por meio de entrevistas,

    fotografias e observao, buscamos levantar o maior nmero de informaes que

    nos leve a entender como se deu e por que se deu o surgimento do bairro Pedregal.

    29 OLMPIO, Marise Magalhes. A stima cidade: trajetrias e experincias dos primeiros moradores do Conjunto Habitacional Prefeito Jos Walter. Fortaleza, 2011. Dissertao de Mestrado, UFC. 30

    SOUZA, Joo Carlos. Na luta por habitao: A construo de novos valores. Dissertao de Mestrado, USP.

  • 35

    Entrevistas com moradores antigos, bem como entrevistas com moradores de outros

    bairros so importantes para perceber como estes enxergam o bairro Pedregal.

    2.2. O Movimento de Promoo Humana e a COHAB Luiza Tvora

    O territrio a que nos reportamos pertencia a Parquia Nossa Senhora

    SantAna, atravs do Legado Pio Manoel da Frota de Maria. Por meio do Padre

    diocesano, Francisco Jos Arago e Silva, com apoio do PRODECOR (Programa de

    Desenvolvimento das Comunidades Rurais), ligado ao Governo Federal31, constituiu-

    se um projeto especfico para construo de 20 casas de alvenaria, construdas em

    regime de mutiro, com o objetivo de urbanizar o local, pois at o momento havia

    apenas poucas residncias de taipa e palha. Depois de alguns anos o Pe. Arago

    volta a se empenhar em conseguir mais recursos para a construo de novas casas,

    como nos diz o Sr. Joo Batista em sua fala:

    Paulo Roberto Sales Neto: Seu Joo Batista, conte como foi o seu envolvimento com o bairro Pedregal desde o incio, como foi que voc se envolveu?

    Joo Batista do esprito santo Justo: Foi muito difcil no comeo,

    mas depois com a entrada do Virglio Tvora no governo do Cear,

    a esse vigrio, Padre Arago, com uma amizade com o governo e a

    conseguiu, quer dizer, mais recursos e conseguiu aprovao de

    outras casas e assim foi construdo o bairro, com esse nome de

    Conjunto Habitacional Luiza Tvora no Bairro Pedregal.32.

    Para receber os recursos era necessrio ter uma instituio legalmente

    constituda para isso, pois a igreja como instituio religiosa no poderia, foi ento

    que o Pe. Arago, com apoio de algumas famlias do centro da cidade, ligadas ao

    Santssimo Sacramento e outros movimentos pastorais, fundou o Movimento de

    Promoo MPH, com finalidade filantrpica, no ano de 1982, para obter novos

    recursos para a construo de mais casas.

    Somente depois, algumas famlias beneficiadas com as casas foram

    incorporadas ao MPH. A primeira etapa de construo das obras iniciou em 1978,

    sendo inaugurado em 1981.

    31

    O padre Arago tinha amizade com um dos tcnicos desse Programa, chamado Dr. Francisco

    Neves, o que facilitou o repasse para a construo das casas. 32

    Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, em 20/11/2011.

  • 36

    As lembranas do dia da inaugurao do Conjunto Habitacional outro

    momento muito valorizado pelos moradores, pois contou com a presena do ento

    Governador Virglio Tvora. A inaugurao tida como um dia de festa para o

    bairro, conforme assinalam os colaboradores, Sr. Jos Maria Rocha e Sr. Joo

    Batista do Esprito Santo Justo, respectivamente:

    Paulo Roberto O senhor estava no dia em que o Governador veio inaugurar o Conjunto? Como foi esse momento?

    JMR - Nesse dia se reuniu muita gente e foi feito um palanque bem na frente desse beco a, bem na frente da casa do meu pai bem no fim. Esse beco aqui se encheu de gente. Eu j morava aqui j nesse dia33. JBES (...) em 1981 em dezembro foi quando houve o ato, uma missa celebrada no bairro... o governador Virglio Tvora e sua comitiva a primeira dama do estado, a Luiza Tvora se fez presente. O poder pblico do municpio, o prefeito, com convidados, nesse dia foi um dia muito festivo para a cidade. O alunato, principalmente os alunos do colgio Joo Cordeiro, colgio municipal, fizeram todos presentes. Foi um momento assim muito importante, porque apesar de ter sido assim um ato poltico, mas era um ato que promovia a independncia de muitas famlias. De no ter que continuar morando em casa alugada ou ento junta com outras pessoas

    34.

    As descries so inmeras. Foi montado um carro que serviu de palanque

    onde a comitiva do governo, as autoridades municipais locais e o padre Arago

    representando o MPH discursaram para uma multido. As escolas enviaram os

    estudantes para recepcionar a comitiva do governo, faixas foram estendidas pela

    cidade, houve distribuio de chapus de palha, para amenizar o sol.

    Dentre essas memrias, as moradoras Maria do Socorro Sales e Maria de

    Ftima Silva35 lembram-se que o governador entrou em apenas uma casa, e esta

    estava rebocada e cimentada e as demais casas estavam sem reboco e sem piso.

    Paulo Roberto - Como eram as casas do conjunto? Eram rebocadas, cimentadas?

    MF No. Pelo menos a que ns recebemos no era rebocada, nem nem... no tinha nem tipo, nem cho, nem porta tinha na casa toda. Falta porta de banheiro, a gente que foi terminando aos poucos, at

    33

    Entrevista realizada com o Sr. Jos Maria Rocha, 66 anos, agricultor e comerciante. Residente no bairro Pedregal desde 1982. Em 19/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME. 34 Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, 68 anos, em 20/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME. 35

    Entrevista realizada com a Sr. Maria do Socorro Sales, 56 anos de idade. Em 22/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME.

  • 37

    a telha dessa nossa casa mesmo a gente completou com as telhas da casa velha. Agora a maioria das pessoas terminaram j, receberam j, quase toda pronta, mas a nossa no. E assim muita gente recebeu tudo sem o reboco n, s fechada. Eu no tenho lembrana que algum tenha recebido rebocada no.36

    MS Eles s rebocaram uma e passaram cimento e as outras tudo fechada. S ela tava aberta pro governo pensava que tava tudo do mesmo jeito... tudo no tijolo olha, tudo s assim como, como esse muro do Chico, sem reboco.

    Uma multido participou do ato de inaugurao do Conjunto Habitacional Luza Tvora realizada em

    28 de dezembro de 1981. Foto cedida pelo Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo.

    Essas lembranas em particular demonstram que os moradores, por mais

    felizes e gratos que estivessem com o Movimento de Promoo Humana MPH e

    com o governo, continuavam a almejar mais e desconfiavam daquela situao. Por

    que justamente a casa em que o governador entrou estava toda terminada e as

    demais no? E mesmo depois da inaugurao por que as demais casas no foram

    concludas, assim como estava aquela visitada pelas autoridades?

    Dentre a documentao que tivemos acesso encontramos alguns recibos de

    pagamentos a serventes e pedreiros, com referncia a servios, como reboco de

    casas feitas pelo Movimento de Promoo Humana. Ento as lembranas que as

    moradoras tiveram ao falar sobre esse episdio, podem querer se referir apenas

    uma das trs ruas que haviam sido construdas pelo MPH, no caso s ruas onde

    36

    Entrevista realizada com a Sr. Maria de Ftima Silva, 54 anos. Em 29/02/2012. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME.

  • 38

    moram hoje. As duas entrevistadas moram hoje na terceira etapa do conjunto, isto :

    na ltima etapa construda e pode ter acontecido das verbas conseguidas serem

    insuficientes ou de ter havido erros nos clculos da construo.

    Poucos anos depois, o Movimento de Promoo Humana conseguiu mais

    recursos atravs dos governadores Virglio Tvora e Manoel de Castro e com isso

    foram construdas mais 61 casas, porm o projeto previa a construo de 100 (cem)

    casas, mas na ocasio entrou o governo do Gonzaga Mota, ento ele cancelou a

    verba da construo de vinte casas. E assim no foi concludo as cem casas que

    haviam sido projetadas37.

    Como a demanda de famlias era superior ao nmero de casas que seriam

    construdas, o Movimento de Promoo Humana elabora critrios de preferncia

    para receber uma casa. O Sr. Joo Batista Esprito Santo38, ressalta em sua fala que

    a entrega das casas seguia critrios pr-definidos, assim:

    As casas inicialmente foi para as pessoas que j moravam aqui, foi a primeira prioridade. Foi a entrega da casa, das primeiras casa foram entregues as pessoas que j moravam aqui. Pessoas que j tinham uma casa aqui, recebia a casa e na troca de uma unidade de tijolo, ento ficava sem essa outra casa39.

    As casas tinham cinco cmodos: uma sala, uma cozinha, dois quatros e um

    banheiro, alm de um quintal. Muitos moradores, aps j estarem instalados, deram

    seu toque pessoal nas suas casas, ampliando o nmero de cmodos, fazendo

    reformas, construindo o muro de diviso dos vizinhos, construindo reas para

    garagens, bodegas ou reas de servio.

    Muitos deles viram na nova moradia uma oportunidade de trabalhar por

    conta prpria, construindo um pequeno comrcio, uma serraria ou uma oficina e

    assim conseguir vislumbrar dias melhores para a famlia. Porque at ento o nico

    trabalho era a agricultura e com o aumento da populao esses servios seriam

    necessrios e teria um pequeno mercado consumidor.

    As outras casas que foram sendo construdas com a aquisio de mais

    recursos pelo Movimento de Promoo Humana, foram distribudas tambm pela

    37

    Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, 68 anos, em 20/11/2011.

    Arquivo do autor, cedidas para o LABOME. 38

    Chegou a ser um dos diretores e at a ser diretor presidente, funo ocupada apenas pelo vigrio da parquia, por meio de uma procurao. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME. 39

    Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, 68 anos, funcionrio pblico municipal. Nunca residiu no bairro Pedregal. Atua como liderana comunitria desde sua fundao, atuado dentro do Movimento de Promoo Humana. Em 20/11/2011.

  • 39

    parquia. Era feito uma lista dos interessados e a prioridade era para aqueles que

    no tinham casa prpria ou morava em casa de barro e palha ou ainda de aluguel.

    Na entrega da casa, o MPH deixava claro que o morador no tinha direitos sobre o

    bem, apenas as chaves, j que no recebiam nenhum documento de proprietrio, e

    que a casa deveria ser repassada para os herdeiros aps o falecimento do titular ou

    que em caso de mudana para outro bairro ou outra cidade, a casa deveria voltar

    para o MPH, o que no acontecia.

    No h registro que nenhuma casa tenha sido devolvida, mas h

    conhecimento de muitos que venderam as chaves, mesmo sabendo da proibio. A

    chave da porta principal da casa funcionava como uma espcie de escritura que

    dava poderes ao proprietrio de ser o legtimo dono, respeitando as ressalvas que a

    diretoria do MPH havia posto. Mesmo com as proibies de vender ou trocar as

    casas, os moradores nunca deixaram de fazer. No incio as mudanas eram feitas a

    noite. Anoitecia com um dono e amanhecia com outro. Eram essas as artimanhas

    encontradas pelos moradores para burlar as normas impostas.

    O Sr. Jos Maria Rocha recorda das recomendaes dadas, sobretudo, pelo

    padre Francisco Jos Arago e Silva a respeito da venda da casa.

    Pelo certo no podiam ser vendidas, como tambm nunca

    foram vendidas. A pessoa quando morava que achava uma

    morada melhor e queria se mudar, eles vendiam a chave, era o

    direito que a pessoa tinha dentro da casa. Mas a casa mesmo

    no podia ser vendida, inclusive, no tem documento em

    cartrio.

    J o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, que era membro da diretoria

    do Movimento de Promoo Humana MPH, ratifica o que o Sr. Jos Maria Rocha

    se lembra e fala ainda como funcionava o sistema de herana da casa:

    As casas no eram casas prprias, era um programa social da

    parquia que as casas eram para usufruto, a idia foi essa. A

    pessoa ficava, quer dizer, na casa para morar enquanto vida

    tivesse, poderia passar de pai para filho. Por exemplo, uma

    famlia, de momento os pais por morte, ou pro se deslocar para

    outra localidade, ento a prioridade era pra aqueles filhos da

    famlia que iriam continuar na mesma casa. Agora no tinha a

    permisso para vender.

  • 40

    Outra exigncia do MPH era que se deveria manter uma padronizao da

    frente das casas. Todas deveriam ser pintadas de branco, embora no interior

    pudesse ser feito reformas e serem pintadas de outras cores. No incio essa

    determinao foi obedecida. Aqui e ali um morador arriscava e quebrava as regras,

    mas logo era chamado ateno por um representante do MPH e tinha que se

    adequar aos padres e voltava a pintar de branco. Com o passar dos anos e a

    diminuio da presena do MPH no bairro as casas perderam, em grande parte, sua

    forma e cor original. Os moradores construram caladas, pintaram de outras cores,

    colocaram porto e at reconstruram a fachada inteira.

    Alm da padronizao das casas construdas na COHAB Luza Tvora,

    o MPH tinha tambm a preocupao com os terrenos que ficavam a volta do

    conjunto, evitando que outras moradias fossem levantadas sem o devido

    acompanhamento de alinhamento correto. A desobedincia de moradores em

    construir, levou o MPH a denunciar junto a Secretria Municipal de Obras e

    Urbanismo para que esta tomasse as devidas providncias, pois,

    (...) num futuro muito prximo outras ruas estaro surgindo e por certo encontrando dificuldades para o alinhamento, vindo acontecer o mesmo que se observa nas demais periferias, com relao a desorganizao das ruas (...)40

    Foto da 1 etapa do Conjunto Habitacional Luiza Tvora, 1981. Foto cedida pelo Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo.

    As normas criadas pelo MPH para manter a padronizao das casas do

    conjunto, bem como a fiscalizao dos terrenos vizinhos no eram formuladas com a

    40

    Carta da parquia Nossa Senhora SantAnna, assinada pelo procurador, Joo Batista do Esprito Santo Justo, ao secretrio de obras e urbanismo do municpio de Santana do Acara. Arquivo Pessoal do Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo.

  • 41

    participao da populao que l residia. Eram normas pensadas no interior da

    diretoria e apresentadas para serem colocadas em prticas, da um dos motivos que

    levavam os moradores a quebrar com as regras constantemente.

    Falamos de Conjunto Habitacional Luza Tvora e Bairro Pedregal, ora como

    se fossem o mesmo espao, ora como se fossem espaos distintos. Essa confuso

    realmente existe, visto que at os dias atuais nenhum nome foi oficializado pela

    Cmara de Vereadores. Assim os moradores foram ao longo do tempo criando laos

    sentimentais com o bairro e a ponto de inventar um nome para o mesmo.

    Entendemos que o conjunto habitacional a que nos reportamos composto

    apenas de trs ruas de casas construdas com verbas conseguidas com

    PRODECOR41 e com o governo estadual. Falar em bairro Pedregal engloba, alm

    do conjunto habitacional, as outras ruas construdas posteriormente a inaugurao,

    em 28 de dezembro de 1981, e tambm os espaos pblicos aos arredores das

    moradias, como o Parque de Exposio Licnia, depois reformado e transformado

    no Parque do Povo e a Estao de Piscicultura Amrico Barreira, que foram

    construdos muito depois, o primeiro em 1994 e o segundo por volta de 1999. Alm

    dos espaos conquistados e ocupados pela associao de moradores nos anos de

    2006 e 2007 que passou a se chamar de Pedregal II ou Terrenos Novos42.

    Nas memrias dos moradores entrevistados fica explcito que mesmo a

    estrutura da casa ter melhorado, muitas outras dificuldades continuavam, como o

    acesso a gua potvel, a escola para as crianas, o posto de sade e a energia

    eltrica. Essas dificuldades so constantes nas falas dos moradores, assim como

    nos revela o Sr. Jos Maria da Rocha.

    No comeo mesmo, quando a gente chegou aqui, aqui no tinha escola e nem comrcio. Com o decorrer do tempo, foram botando uns comerciozinhos pequeno, umas escolinhas da prefeitura mesmo, como ainda hoje tem escola da prefeitura... Quando ns cheguemos aqui, a gua a gente tinha que ir buscar nas cacimbas aqui mesmo no tinha. Tinha cacimba mais prxima que a gente ia buscar. At que eles botaram a ligao da gua, a pronto melhorou 100%... A luz, quando eu cheguei aqui, a luz... a rede de luz j tava nos postes aqui na rua. Mas no tinha nenhuma casa ligada. Quem primeiro ligou a energia aqui nesse bairro todim foi eu. Eu sou o morador mais velho daqui que ligou energia.43.

    41

    Programa de Desenvolvimento das Comunidades Rurais. 42

    As nomenclaturas do Pedregal II e Terrenos Novas ainda est em construo pelos moradores que

    l habitam. 43

    Entrevista realizada com o Sr. Jos Maria Rocha, 66 anos. Em 19/11/2011. Arquivo do autor,

    cedidas para o LABOME.

  • 42

    Foi dessa forma que os moradores receberam suas casas, tanto aqueles

    que j moravam no lugar, como aqueles que vieram da zona rural. Os moradores

    entrevistados recordam em seus depoimentos da morte de muitas crianas, essas

    mortes eram atribudas pelos prprios moradores a fenmenos causados pela

    pobreza mesmo, pelas doenas que andavam dando. Segundo o MPH, na verdade

    as mortes estavam ligadas a m qualidade da gua das cacimbas de onde os

    moradores se abasteciam como demonstra o documento abaixo:

    Ofcio N 06/83, de 25/08/1986, dirigido ao Coordenador do Centro de Sade, o mdico Ednardo Uchoa Costa.44

    44

    Santana do Acara, 25 de agosto de 1986. Ofcio N 03/86. Exmo Dr. Ednardo. O secretrio do Movimento de Promoo Humana de Santana do Acara, abaixo assinado, vem respeitosamente a presena de V. S. uma relao de 14 BITOS de crianas que faleceram no Conjunto Habitacional Luza Tvora, situado no Bairro Pedregal desta cidade, no perodo de 24 de fevereiro a 21 de agosto, todos com os mesmo sintomas. Das 304 crianas de 0 a 14 anos j morreram 14 e o nmero tende a aumentar, pois a grande maioria desnutrida devido s molstias que contraram e a carncia alimentar. No referido bairro moram 93 famlias com uma populao de 642 habitantes que enfrentam o problema de inmeras doenas, como sarampo, cachumba, pneumonia, diarria acompanhada de vmitos, febre, desidratao, gripe e muitos casos de hepatite, alm da verminose que se constitui outro problema. Diante do exposto solicitamos de V. S. que providencia a visita de algum entendido do assunto para verificar em loco esta situao e que providncias outras podero ser tomadas. Alm dos casos de doenas que fazem das crianas vtimas fatais preocupa-nos severamente a carncia alimentar de adultos e crianas. Por esta razo pedimos que seja feita

  • 43

    Vejamos que a fala do Sr. Jos Maria Rocha se diferencia da fala do Sr.

    Joo Batista a respeito do mesmo assunto:

    Tambm teve um perodo em que morreram muitas crianas aqui no bairro. O senhor tem conhecimento? Por que ser que morreram? Ser que alguma doena? A gua?

    Sr. Jos Maria Rocha:

    Foi, mas eu me lembro. Eu acho que seria mesmo porque nesse tempo morreram muitos pobres. E voc sabe que no meio de gente muito pobre aparece muitas essas coisas. O pessoal no cuidam direito, num trata direito, a acontece45.

    Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo:

    ...teve casa que morreram em menos de um ms morreram 15 crianas com um s sintoma. No mesmo bairro chegou a morrer duas crianas de uma mesma famlia e em um s dia. E a ento o secretrio de sade do Estado recebeu um comunicado. Foi feito um ofcio pelo MPH para a sade local, para o diretor do hospital local. Esse enviou para o secretrio de sade, o secretario de sade mandou analisar, e foi constatado que era a gua que estava sendo consumida pela populao. Eram cacimbas feitas aqui na proximidade aqui, numa lagoa entre o bairro Jeric e bairro Pedregal e essa gua estava contaminada, e a provocou esse problema de diarria nas crianas doenas, essas doenas causadas por bactrias46.

    Para o Sr. Jos Maria Rocha a pobreza explicava por si s os

    acontecimentos, a pobreza era um espcie de destino que os moradores do

    Pedregal no podiam fugir. Essa ideia de um destino traado refora a diviso, a

    desigualdade, onde o pobre morre porque Deus quer. A gua no potvel era

    apenas uma desculpa para a morte dos pobres.

    Enquanto para o Sr. Joo Batista, ele se respalda na cincia para justificar

    as mortes ocorridas. Como membro do MPH procura nas autoridades mdicas

    competentes uma soluo, ou pelo menos uma explicao para o caso. O

    documento endereado ao diretor do Hospital Geral de Santana do Acara, o

    mdico Ednardo Uchoa Costa, citado acima confirma as nossas impresses.

    verificao no emprego dos recursos do Governo federal destinadas as populaes carentes. Atenciosamente Joo Batista do Esprito Santo Justo. 45

    Entrevista realizada com o Sr. Jos Maria Rocha, 66 anos, agricultor e comerciante. Residente no bairro Pedregal desde 1982. Em 19/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME. 46

    Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, 68 anos, em

    20/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME.

  • 44

    A falta de gua potvel era inda pior do que a falta de luz eltrica. Para

    resolver o problema da escurido noite existiam as lamparinas e as velas. Mas

    para a gua no tinha jeito. A gua consumida era tirada diretamente da cacimba e

    colocada em um pote, coada apenas por um pano, que retirava apenas a sujeira

    mais grosseira. Filtro nem se ouvia falar, s anos depois que o filtro passou a ser

    um item domstico presente na maioria das residncias.

    Para solucionar o problema de gua para a populao local a parquia doou

    para Diaconia47 um terreno com 36 metros quadrados para a construo de um

    chafariz. O chafariz foi construdo e chegou a funcionar por alguns anos, a gua

    vinha de um poo profundo bombeando para uma caixa dgua e retirada pelos

    moradores atravs de torneiras, mas infelizmente a gua saiu salobra e no serviu

    para beber. Era usada apenas para lavar roupa, para o banho, lavar utenslios

    domsticos e aguar as plantas. A gua potvel continuava a ser um problema.

    PR - A respeito do chafariz que hoje ainda encontra-se as runas aqui no bairro. Como foi que esse chafariz foi instalado e por qu?

    JB - Esse chafariz foi que um projeto da DIACONIA... uma entidade que atuava nas comunidades rurais e atravs da parquia... A a parquia concedeu o terreno para a Diaconia construir, botar o projeto da construo de um poo profundo. E o poo foi construdo, o chafariz tambm, a caixa dgua. Mas... foi colocado o motor, foi bombeado ainda gua, mas infelizmente a gua no se prestou para o consumo humano, porque tinha muito calcrio, a gua era salobra. Por isso, a com o tempo o poo foi desativado. Foi o tempo, porque na poca que foi construdo o poo no tinha abastecimento dgua, mas a depois com o abastecimento dgua, o poo foi desativado, foi aterrado a ficou o mvel a, ficou a caixa dgua a, inutilizada.

    Para a moradora Maria de Ftima Silva o chafariz foi um desperdcio de

    dinheiro, pois sua funcionalidade foi quase nenhuma.

    MFS No funcionou. Eles fizeram a, colocaram umas torneiras, mas que a gua no prestou... A gua era saloba, a no teve serventia no. Tanto que , que isolaram. Hoje em dia ta n, s gastaram dinheiro e no serviu pra nada.

    O Movimento de Promoo Humana tentava de vrias formas buscar

    melhores condies de vida para a populao do Pedregal, muitas vezes essas

    47

    Diaconia uma organizao social brasileira, sem fins lucrativos e de inspirao crist, que tem por objetivo a promoo da justia e do desenvolvimento social. Retirado do site oficial da instituio: www.diaconia.org.br.

  • 45

    tentativas eram bem sucedidas e outras fracassavam. O certo que o MPH

    continuou seus esforos e anos depois a CAGECE implantaria no bairro o sistema

    de gua tratada, assim como j era feito no centro da cidade.

    Aps a construo do Conjunto Habitacional Dona Luza Tvora o

    Movimento de Promoo Humana continuou presente no Bairro, realizando aes

    com os moradores, desenvolvendo vrios projetos com mulheres chapeleiras,

    costureiras, gestantes, idosos, criao de animais, hortas comunitrias e olarias.

    Conseguiu rede de energia eltrica e abastecimento de gua,

    aproximadamente nos anos de 1981 e 198448 respectivamente, destacando-se o

    bairro Pedregal como o primeiro bairro do subrbio do municpio a ser beneficiado

    com o sistema de bombeamento dgua, e a partir desse projeto a CAGECE

    (Companhia de gua e Esgoto do Estado do Cear) levou gua para os demais

    bairros da sede do municpio.

    Aps deixar o governo do Cear, Virglio Tvora se elege senador da

    Repblica no ano de 1985 e, continua a empenhar-se para destinar verbas

    entidade fundada pelo padre Arago. Vejamos trecho das cartas de Virglio Tvora

    para o padre:

    Senhor Proco, tenho a satisfao de comunicar-lhe que, da irrisria cota da SUBVENO SOCIAL que me coube para o EXERCCIO DE 1987, destinei a essa entidade a importncia de Rz$ 2.000,00 (dois mil cruzados)...49

    Alm desses recursos conseguidos com o senador Virglio Tvora, o MPH

    no deixava de encaminhar cartas, projetos e ofcios para entidades, como para

    Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Cear - EMATERCE,

    Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE, Superintendncia da

    Fundao dos servios Sociais - FUNSESCE, pedindo ajuda para dar continuidade

    aos seus projetos de assistncia social. Em um projeto de construo de um galpo

    para as chapeleiras, datado de 12 de abril de 1987, o MPH descreve o bairro

    Pedregal, possibilitando um conhecimento geral da realidade daquela poca.

    O bairro Pedregal (...) compem-se de pessoas pobres que trabalham em pequenos biscates na cidade, outros trabalham em roa fora de sua moradia e muitos no tem ocupao. H uma

    48

    Como no foi possvel encontrar documentao capaz de confirmar essas datas, me baseio nos acontecimentos narradas pelos entrevistados. 49

    Carta do Senador Virglio Tvora para o padre Arago, datada de 06 de setembro de 1986. Arquivo pessoal do Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo.

  • 46

    ociosidade generalizada. Moram em casas construdas em 1982, com a ajuda do PRODECOR e do Governo do Estado. Apesar de morarem em casa de alvenaria as condies de higiene so precrias. As mulheres se ocupam quase que exclusivamente na fabricao manual de chapus. Tem na localidade uma escolinha que se ocupa com crianas na pr-escola. O abastecimento de gua precrio. As crianas maiores estudam nos grupos escolares da sede. O acesso ao bairro muito fcil, sendo ligado sede por uma estrada carrovel em boas condies.50

    Outro projeto pensado pelo MPH, mas que no obteve xitos foi o projeto de

    criao de cabras e galinhas. Como o bairro Pedregal fica em uma rea

    intermediria entre cidade e campo, o MPH via a possibilidade de criao de

    animais, tanto para gerar mais alimento, como para vender para comerciantes da

    cidade, gerar renda para as famlias envolvidas e ocupar a mo de obra ociosa em

    abundncia na comunidade.51

    Em 12 de maro de 1987, o secretrio do MPH, Joo Batista do Esprito

    Santo, encaminha o ofcio N 001/87 para o presidente da Associao de Apoio

    Criana e Adolescente - AMENCAR52 em busca de recursos financeiros. Ele diz o

    seguinte na carta:

    O Movimento de Promoo Humana de Santana do Acara (...) vem respeitosamente solicitar de V. Sa., por meio dessa conceituada entidade, uma ajuda no sentido de nos conceder recursos financeiros ou materiais, a fim de que possamos dar continuidade ao trabalho de assistncia social a 975 crianas carentes, das quais 700 moram na periferia da cidade e as demais nas comunidades rurais.53

    O nmero de 975 crianas relatadas pelo Movimento de Promoo Humana

    no envolvia apenas crianas do Pedregal, mas era um projeto de alcance em todo

    o territrio municipal. A partir desse documento e da fala do ex-diretor, Joo Batista

    do Esprito Santo Justo, percebemos que as preocupaes assistencialistas para

    com os mais pobres no se restringia ao Pedregal, embora que l fosse o maior foco

    de suas atividades.

    E em 25 de junho de 1985 uma carta enviada ao supervisor da DIACONIA

    com os mesmos propsitos, angariar recursos. A DIACONIA foi uma parceira do

    50

    Projeto de construo de um galpo-fbrica de chapus do MPH em 12/04/1987. Arquivo pessoal

    do Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo. 51

    Projeto: Aquisio de 20 cabras leiteiras, 1 reprodutor, 40 galinhas caipiras e uma horta.

    52 Essa associao tem sede em So Leopoldo RS.

    53 Ofcio N 001/87 da Parquia de Santana do Acara para o presidente da AMENCAR em busca de

    recursos financeiros.

  • 47

    MPH, ajudando por muitos anos a entidade em dinheiro e alimentos, como: feijo,

    fub, arroz, roupas, enxoval, material escolar e sementes que eram distribudas

    entre as famlias mais carentes do municpio.

    Os recursos recebidos eram empregados em projetos de assistncia social

    para os moradores do bairro e outras reas do municpio. Existiram projetos de

    chapeleiras, hortas comunitrias, olarias comunitrias, onde com a venda da

    produo se comprava a matria-prima, e os lucros eram divididos entre os

    participantes e uma parte destinada a manter o MPH.

    Em um dos relatrios da reunio das chapeleiras, de 12 de dezembro de

    1983, um dos projetos criado e desenvolvido pelo MPH,54 verificamos que estavam

    presentes 148 mulheres, no barraco de servios do bairro Pedregal. Nessa reunio

    foi debatido sobre a criao de uma nova associao, sindicato ou cooperativa para

    os artesos, assim no seriam apenas os que confeccionavam chapu os

    contemplados com a cooperativa, mas todas as outras formas de artesanato que

    existia no bairro e no restante do municpio.

    Fazer chapu constitua-se uma atividade essencial para as famlias, durava

    o ano inteiro e inclua todos os membros da famlia, inclusive o marido, quando este

    estava desempregado. A atividade de fazer chapu ficava comprometida no perodo

    do inverno, quando a palha, matria-prima, faltava. (...) Isso faz com quem algumas

    famlias viviam as pocas mais difceis escapando a custa dessa atividade

    rotineira.55

    Com o falecimento, em 2004 do Pe Arago, que foi o criador do MPH, os

    outros vigrios que vieram depois dele no deram continuidade s atividades. Por

    essa poca o MPH j estava desativado no bairro e pouco se ouvia falar sobre seus

    tempos de ao. Devido ao estado de sade do padre e a falta de outro sacerdote

    que levasse as atividades em frente o Movimento de Promoo Humana parou suas

    atividades totalmente. Outro motivo que pode explicar o declnio do MPH era o seu

    estatuto muito fechado que permitia apenas que o vigrio fosse o diretor-presidente.

    Assim, sem a possibilidade de outro membro dirigir o MPH ficava difcil contar

    sempre com a disposio do padre que j tinha muitas ocupaes.

    54

    A parquia liberou uma das casas do conjunto para ser a sua sede, onde fazia as reunies e organizava os projetos. 55

    Relatrios da reunio do Movimento de Promoo Humana com as chapeleiras em 12/12/1983. Arquivo pessoal do sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo.

  • 48

    Se a comunidade local tivesse tido mais abertura nas decises e na

    formao de novas lideranas possivelmente a vida do MPH teria sido mais

    duradoura e mais abrangente.

    CAPTULO III

    Os moradores da COHAB Luza Tvora ou Bairro Pedregal

    3.1. Os moradores se unem em associaes comunitrias

    Na minha trajetria pessoal de vivncia e convivncia no bairro Pedregal,

    objeto de estudo dessa pesquisa, e nas pesquisas com a documentao oficial e

    com as entrevistas com moradores, percebo que difcil diferenciar Pedregal de

    COHAB Luza Tvora. Muitos dos entrevistados se referem em alguns momentos a

    um nome e em outro momento ao outro nome, para falar de um mesmo local.

    Nesse sentido tento separar a COHBAB Luza Tvora como apenas as trs

    ruas construdas por intermdio do Movimento de Promoo Humana MPH, que

    como forma de gratido a primeira dama do estado do Cear, Dona Luza Tvora,

    batizou o bairro. E Bairro Pedregal que um nome bem mais antigo, criado pelos

    primeiros moradores, alm de englobar as trs ruas que citei acima, envolve tambm

    as casas que estavam fora do alinhamento. Casa ainda de taipa que ficaram com os

    moradores que no foram contemplados com as casas de alvenaria e tambm o

    aude Oriente alm das terras envoltas a COHAB.

    Quando o MPH sai de cena, quando sua atuao vai aos pouco

    enfraquecendo, seja pela pouca participao dos scios, seja por falta de recursos,

    os prprios moradores comeam a se organizar em associaes comunitrias. E

    agora sozinhos comeam a reivindicar, juntos aos poderes locais, melhores

    condies para o bairro Pedregal.

    Desde que o Movimento de Promoo Humana MPH foi fundado no Bairro

    Pedregal, em 1982, seus moradores sempre viam na organizao em grupo, uma

    forma de melhorar as condies de vida e trazer benefcios para o lugar. Mesmo

    com o MPH sendo formado por pessoas mais ligadas a igreja, pois Comeou com

    um grupo de pessoas bem ligadas a parquia, como a irmandade do Santssimo

    Sacramento, outros movimentos pastorais e depois foram entrando as pessoas que

    foram entrando como beneficirios.56

    56

    Entrevista realizada com o Sr. Joo Batista do Esprito Santo Justo, em 20/11/2011. Arquivo do autor, cedidas para o LABOME.

  • 49

    Os moradores criaram ou participaram ao longo das poucas dcadas de

    existncia do bairro, diversas associaes. Conheceremos um pouco da histria e

    as contribuies para o bairro Pedregal das trs associaes que tivemos acesso a

    documentao e que os colaboradores falaram durante as entrevistas. O bairro

    passa a ser o lugar que oferece possibilidades de luta pela cidadania.57

    Dentre o grupo de entrevistados, alguns chegaram a participar de apenas

    uma das associaes, outros participaram ou tomaram frente em mais de uma

    delas e tem aqueles que sempre se mantiveram fora desses grupos. Percebemos

    que as lideranas foram se formando a partir das necessidades. O Sr. Jos Maria

    Rocha, por exemplo, que foi presidente da Associao dos Moradores de Pedregal,

    de 1988 a at seu fim, por volta de 1991, fala de sua experincia como agricultor em

    criar e dirigir uma associao para que as pessoas do bairro tivessem acesso a um

    programa federal, o Programa Nacional do Leite para as Crianas Carentes.

    As microiniciativas dos moradores do bairro Pedregal em seus espaos de

    trabalho, de moradia, com os amigos, na famlia, no grupo religioso estava ligado a

    um sentimento de coletividades. Essa coletividade tinha seu maior espao nas

    reunies de moradores, quando l eram e ainda hoje so colocados problemas que

    dizem respeito ao grupo. a falta de rede de esgoto, e a ampliao do

    abastecimento de gua e luz eltrica para as ruas que ainda no tem, uma escola

    maior para que der conta de atender todas as crianas do Pedregal, problemas de

    adolescentes usurios de drogas, desemprego etc.

    Dessa forma a mobilizao dos moradores do Pedregal se parece muito com

    as motivaes dos sujeitos pesquisados na tese de doutorado de Eder Sader, onde,

    As lutas do dia eram o aprendizado da cidadania, o modo pelo qual pensavam suas privaes enquanto injustias que poderiam ser sanadas se as pessoas injustiadas se dispusessem a lutar por seus direitos. Elas brotavam das queixas do cotidiano, regadas por informaes sobre modos possveis de mobilizar-se para alter-lo.58

    Na documentao analisada e nas entrevistas percebemos sempre que a

    coletividade colocada em primeiro lugar. As decises so tomadas em reunies,

    onde se coloca o problema e traa planos para a resoluo do mesmo. Os mutires,

    espao de trabalho braal e coletivo, so momentos de grande movimentao

    57 LUCENA, Clia de Toledo. Artes de lembrar e inventar: (re) lembranas de migrantes. So Paulo: Arte & Cincia. 1999) 58

    SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experincias, falas e lutas dos trabalhadores da Grande So Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 210.

  • 50

    dentro da comunidade. Nos dias de mutiro, os scios deixam suas ocupaes

    individuais para trabalharem para o grupo. Seja na limpeza de terreno baldio, seja na

    retira de lixo de outro terreno ou na construo da parede da casa de outro scio.

    A reunio mensal das associaes comunitrias que existia e ainda existe,

    sempre funcionou como um espao de convivncia, onde a conversa informal

    prevalece e a vida cotidiana compartilhada. As decises tomadas pelo grupo,

    dirigidas por um morador do bairro, mostra que as hierarquias so colocadas apenas

    para representar a formalidade que uma associao precisa, mas que na verdade

    todos participam quase com a mesma intensidade, pois no existe um lder externo

    que se coloca como uma autoridade.

    O reencontro com a amiga da outra rua motivo para trocas de conversas,

    de notcias, novidades da vida, do falecimento de um conhecido ou o nascimento de

    algum, a chegada ou a partida de um parente, fazendo do prdio da associao um

    lugar onde a vida individual no se separa da vida coletiva.

    Essas inquietaes ainda fazem com que os moradores permaneam, ora

    mais fortalecidos e engajados, ora mais fracos e desestimulados a continuar

    participando das reunies, embora que alguns moradores ainda digam que no dar

    em nada.

    3.1.1 Associao dos Moradores de Pedregal

    Em 1988, foi fundada pelos moradores do Bairro Pedregal a Associao dos

    Moradores de Pedregal, inscrita no CNPJ 23076674/0001 10, e teve como nico

    presidente o Sr. Jos Maria Rocha. Essa associao funcionou por um perodo

    muito curto, apenas 4 anos, tempo esse em que o governo federal, na Gesto de

    Jos Sarney atuou com o Programa Nacional do Leite para as Crianas Carentes,

    que distribua leite para crianas de 0 a 07 anos de idade, para as famlias que

    possussem renda de no mximo dois salrios mninos. Esse programa beneficiava

    50 famlias e era a associao quem escolhia as famlias mais necessitadas e fazia

    a lista de espera.

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    Capa da cartilha com as orientaes para ingresso no Programa Nacional do Leite para as Crianas Carentes. Arquivo pessoal do Sr. Jos Maria Rocha.

    De acordo com o estatuto, as finalidades da associao eram:

    A - Promover o desenvolvimento comunitrio em todos os sentidos, e na medida do possvel expandir, na medida do possvel o seu raio de ao s comunidades situadas no municpio;

    B Orientar a famlia para a vida em comunidade e para a unio de recursos, visando a melhoria da vida coletiva, dentro do lema A Unio Faz a Fora;

    C Colaborar com os poderes pblicos e privados nas iniciativas de interesse coletivo;

    D- Apresentar sugestes aos poderes pblicos e privados visando o bem comum;

    E Promover atividades amplas nos setores de educao formal e profissional, sade, higiene e nutrio de natureza econmica como agricultura, hortas, criao de pequenos animais, pequenas indstrias, comits agrcolas etc.

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    F Firmar convnios com entidades beneficentes, pblicas ou privadas, nacionais e internacionais, tendo em vista o bem estar coletivo.

    Esse sentimento de coletividade foi muito forte nos anos de 1980. Esse era

    um perodo em que o Brasil estava saindo de uma ditadura militar (1964-1985), que

    durou 21 anos. A igreja tambm estava muito atuante nesse momento, com as

    ideias da Teologia da Libertao, de uma igreja mais prxima do povo, mas

    preocupada com as questes sociais.

    No fragmento do estatuto acima, fica claro as preocupaes com a famlia,

    com a coletividade, no slogan a unio faz a fora. A unio era um tema bastante

    atual para aquela poca. Apesar do bairro Pedregal est localizado em um municpio

    longe dos grandes centros urbanos, as ideias conseguiam chegar, seja por meio de

    notcias de parentes que moravam na capital, pelo rdio ou pela televiso.

    Nas finalidades da associao tambm percebemos fragmentos de um

    poderio do Estado nos movimentos populares, de vigilncia e denncia. No item C

    Colaborar com os poderes pblicos e privados nas iniciativas de interesse coletivo

    pode ser entendido no sentido da educao ambiental, em no sujar a via pblica,

    do cuidado com a sade dos membros da famlia, procurando beber gua filtrada.

    Mas tambm podemos interpretar como sendo uma forma de vigilncia do Governo

    com as pessoas, muito comum no perodo ditatorial. Uns fiscalizando os outros e

    atentos para entreg-lo anonimamente.

    A Associao dos Moradores de Pedregal no tinha sede, e as reunies

    aconteciam sempre em frente da casa do presidente no final das tardes. Cada scio

    levava sua cadeira, aconteciam duas reunies por ms, uma para distribuir