miller - efeito de retorno sobre a psicose ordinária

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Efeito de Retorno sobre a Psicose Ordinária 1 Jacques-Alain Mlíler Trad. Antonia Claudete L. Prado (Para uso pessoal - 1a versão) 8 de maio de 2009 Eu desejaria, inicialmente, felicitar Marie-Hélène Brousse por ter organizado essejjeminário anglofonico em ^aris. Estou realmente surpreso e muito contente em ver aqui quase cem pessoas de diferentes países. Desejo que este seminário anglofônico retome. anos havia uma série em Paris, depois foi interrompido. Isso me preocupava e eu pedi a Marie-Hélène Brousse que o relançasse. Esta é uma ocasião, importante para mim, de constatar que a audiência do Campo Freudiano nos países anglofônicos, longe de ter diminuído, aumentou de número e importância em dez anos. O Campo Freudiano não é, para mim, suficientemente representado no mundo anglofônico isso é que nós temos intenção de mudar. O Campo Freudiano deseja se promover com vigor no mundo anglo-saxão — na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Austrália e em muitos outros países onde o inglês é usado para transmitir o ensino de Lacan e nossa pesquisa. Como título deste seminário, escolhi: \Psjcose^ QrdináríaK Se bem que ela não seja uma categoria, me parece, uma, categoria Lacaniana uma categoria clínica lacaniana. E uma criação jpe^concebo como extraída daquilo que chamamos "o último ensino de Lacan", que é como um efeito de retomo do desenvolvimento pragmático de seu ensino ao longo dos trinta anos do Seminário. Tenho a intenção de lhes dar, nesta exposição informal sobre o conceito de psicose ordinária, um maior destaque do uso prático que nós fazemos desse termo já há muitos anos com meus colegas, os quais muito contribuíram para lhe dar um contorno mais preciso. América dividida Freud se colocou a famosa questão: "que_quer uma mulhgrjT Ele a colocou enquanto homem talvez enquanto mulher também. Apesar dos trinta anos de ensino de Lacan, nós não temos a resposta. Contudo, se tentou muito. Ela não é, então, uma questão discriminante. Tenho outra questão que me perturbou durante anos: "que querem os americanos?" Tenho a resposta! Uma resposta parcial. Eles querem o Slavoj Zizek! Eles querem o Lacan de Slavoj Zizek. Eles o preferem ao Lacan do Campo Freudiano. Para o momento talvez. A questão é, de fato, a seguinte. Querem eles conceitos muito definidos? Ou eles querem um espaço para discutir? Um espaço de disputa? Esse é o caso com os conceitos da psicanálise. Otto Kernberg, por exemplo, disse que estava muito abalado porque não conseguia pegar a definição exata dos conceitos lacanianos. "Eles mudam o tempo todo" dizia ele. Vocês podem bem imaginar o caro Otto — que lê francês procurando e querendo encontrar em Lacan a definição do NQME-DO-PAI, do signifícante..., e que não cai sobre uma, mas sobre uma pluralidade de definições. Ele cai sobre definições contraditórias e ele se encontra sempre tão perdido em Lacan. É muito difícil dar sentido a essas constantes mudanças nas significações I?r Chifirtn Reviie de ryswhnnnívsp mMiée. a Brtjreile.i 94-95 P.mle de. In Canse Freudtennfi nn 40-51

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Page 1: Miller - Efeito de Retorno Sobre a Psicose Ordinária

Efeito de Retorno sobre a Psicose Ordinária1

Jacques-Alain Mlíler

Trad. Antonia Claudete L. Prado

(Para uso pessoal - 1a versão)8 de maio de 2009

Eu desejaria, inicialmente, felicitar Marie-Hélène Brousse por ter organizado essejjeminárioanglofonico em ̂ aris. Estou realmente surpreso e muito contente em ver aqui quase cempessoas de diferentes países. Desejo que este seminário anglofônico retome. Há anos já haviauma série em Paris, depois foi interrompido. Isso me preocupava e eu pedi a Marie-HélèneBrousse que o relançasse. Esta é uma ocasião, importante para mim, de constatar que aaudiência do Campo Freudiano nos países anglofônicos, longe de ter diminuído, aumentou denúmero e importância em dez anos. O Campo Freudiano não é, para mim, suficientementerepresentado no mundo anglofônico — isso é que nós temos intenção de mudar. O CampoFreudiano deseja se promover com vigor no mundo anglo-saxão — na Grã-Bretanha, nosEstados Unidos, na Austrália — e em muitos outros países onde o inglês é usado para transmitiro ensino de Lacan e nossa pesquisa.

Como título deste seminário, escolhi: \Psjcose^ QrdináríaK Se bem que ela não seja umacategoria, me parece, uma, categoria Lacaniana — uma categoria clínica lacaniana. E umacriação jpe^concebo como extraída daquilo que chamamos "o último ensino de Lacan", que écomo um efeito de retomo do desenvolvimento pragmático de seu ensino ao longo dos trintaanos do Seminário. Tenho a intenção de lhes dar, nesta exposição informal sobre o conceito depsicose ordinária, um maior destaque do uso prático que nós fazemos desse termo já há muitosanos com meus colegas, os quais muito contribuíram para lhe dar um contorno mais preciso.

América dividida

Freud se colocou a famosa questão: "que_quer uma mulhgrjT Ele a colocou enquanto homem —talvez enquanto mulher também. Apesar dos trinta anos de ensino de Lacan, nós não temos aresposta. Contudo, se tentou muito. Ela não é, então, uma questão discriminante.

Tenho outra questão que me perturbou durante anos: "que querem os americanos?" Tenho aresposta! Uma resposta parcial. Eles querem o Slavoj Zizek! Eles querem o Lacan de SlavojZizek. Eles o preferem ao Lacan do Campo Freudiano. Para o momento talvez.

A questão é, de fato, a seguinte. Querem eles conceitos muito definidos? Ou eles querem umespaço para discutir? Um espaço de disputa? Esse é o caso com os conceitos da psicanálise.

Otto Kernberg, por exemplo, disse que estava muito abalado porque não conseguia pegar adefinição exata dos conceitos lacanianos. "Eles mudam o tempo todo" dizia ele. Vocês podembem imaginar o caro Otto — que lê francês — procurando e querendo encontrar em Lacan adefinição do NQME-DO-PAI, do signifícante..., e que não cai sobre uma, mas sobre umapluralidade de definições. Ele cai sobre definições contraditórias e ele se encontra sempre tãoperdido em Lacan. É muito difícil dar sentido a essas constantes mudanças nas significações

I?r Chifirtn Reviie de ryswhnnnívsp mMiée. a Brtjreile.i 94-95 P.mle de. In Canse Freudtennfi nn 40-51

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dos concertos de Lacan. Talvez seja porque Otto é descendente de alemães. Os prussianos,como se sabe, querem definições muito rígidas, mas realmente isso também ocorre no espíritoamericano. Eu me lembro de Kernberg, em uma conferência que eu dava em Nova York, em1985 - a única que eu dei na IP A - quando terminei, ele me dizia em uma das perguntas queme fazia: "Mas 50% da vida psíquica são afetos. Como se poderia mensurar 50% da vidapsíquica?" Ele queria definições claras. E isso é, em parte, o que os americanos querem: umsaber bem definido, aplicável, com números.

Por outro lado, sinto que os americanos reivindicam espaços para transmitir suas opiniões, parapoder dizer: "Você pensa assim, eu penso diferente. Eu tenho a minha própria ideia, uma outraideia", sem por isso faltar com o respeito ao prestigio e ao saber. Esse é um modo bemdemocrático de questionar o saber do Outro.

Í1 Tenho a impressão que a alma americana ou o espírito americano está, se posso me permitir,dividido entre o desejo pela extrema precisão e os números, de um lado, e de outro, o desejo deser capaz de exprimir seu próprio pensamento e seguir suas próprias ideias.

A psicose ordinária definida ao-depois

A psicose ordinária se situa melhor sobre esse segundo momento. Essa é a razão pela qual eu aescolhi para renovar este seminário, porque a_psjcose ordinária não tem definição rígida. Todomundo é bem vindo para dar a sua impressão e sua definição da psicose ordinária. Não inventeiconceito de psicose ordinária. Inventei uma palavra, inventei uma expressão, inventei umsjgnificante, dando um esboço de definições para atrair diferentes sentidos, os diferentesreflexos de sentidos em torno deste significante. Eu fiz a aposta que esse significante podiaprovocar um eco no clínico, no profissional. Eu queria que ele tomasse uma amplitude e ver atéonde essa expressão podia ir.

Eu me inspirei naquilo que Lacan havia feito com o passe. Vocês sabem como ele chamava overdadeiro final de análise, "o passe". Mas ele não deu disso se não uma definição esboçada,porque ele não queria que as pessoas o imitassem. Se você diz que você pode reconhecer ofinal de uma análise quando o sujeito faz isto ou aquilo ou diz isto ou aquilo, todo mundo iráfazê-lo, imediatamente. Isso é o que ocorre na Universidade — se você tem necessidade de umanota, você deve dizer as coisas de uma certa maneira, e em certo estilo. E então as pessoas aí seconformam e vivem em um mundo de sombras, uma "cidade de fantasmas", como no artigo deJean-Louis Gault2. Eu Devo confessar que^TTJniversidãaê)éjjma cidade de fantasmas compessoas que imitam aquilo que elas supõem ser. Lacan dá somente um esboço de definição dopasse e propõe que se experimente para ver, unia vez o momento assim definido aquilo queapareceria, aquilo a que as pessoas contribuiriam. Eu queria fazer alguma coisa desse génerocom a psicose ordinária. Creio que isso tenha atraído o sentido em potência. Muitas pessoasvieram depois para dizer: "eu conheço um caso de psicose ordinária!" je disso tentarmos darumadefinisãQ^elaé^entâo, uma definição ao-depois.

A clínica binária e o tereeiro excluído

Posso agora refletir sobre a razão pela qual eu tinha sentido a necessidade, na época, a urgênciae a utilidade de inventar este sintagma — psicose ordinária. Eu diria que era para afastararígidezjte^mTajdínicabináriaj—neurose ou psicose.

N I P

! Ver Jean-Lonis GAULT, nesse mesmo número, pp. 66-71.

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Vocês sabem que cada significante é fundamentalmente definido, na teoria de Roman Jacobson— que é uma velha teoria atual — pela sua posição em relação a um outro significante ou a umafalta de significante. A ideia de Jacobson é uma definição binária de signifícante. Durante anosfiz notar que nós tínhamos essencialmente uma clínica binária — neurose ou psicose. Um "oubem, ou bem" absoluto. Nós tínhamos também a perversão, mas ela não pesava da mesmaforma na balança, essencialmente pela razão que os verdadeiros perversos não se analisamverdadeiramente e que então, aqueles que vocês encontram na análise, são pessoasapresentando traços perversos.,A pervergãQ_é um termojxmtestável que foi despw.aminhaHnpelojnovimento gay. Essa categoria tende a sgr_abandojiada. "7

Assim, nossa clínica tinha um caráter essencialmente binário. Resultado: durante anos se viramclínicos, analistas, psicoterapeutas questionarem se seus pacientes eram neuróticos oupsicóticos. Quando vocês recebem esses analistas em supervisão, vocês podem vê-^joltar anoapós ano, a falarem de seu paciente X, e se vocês perguntarem: "vocês já decidiram se eleseram neuróticos ou psicóticos?" eles teriam respondido: "não, eu não decidi ainda". E issocontinuará assim durante anos. Isso não era claramente uma maneira satisfatória de consideraras coisas.

Isso era claramente uma dificuldade nos casos de histeria. Enquanto que, |5áliisteria] não há 0

identificaçãojigrcígica ao corpojgóprio "suficientemente boa" — este "suficientemente boa" éum termo winnicottiano que eu gosto muito — porque na histeria temos frequentemente <^ialgumas marcas de uma certa ausência de corpo, uma certa confusão com o corpo, entãopodemos perguntar se essa confusão vai até o ponto de não mais se tratar de histeria, mas, defato, de psicose. Vocês vêem, assim, pessoas que tentam durante anos decidir de que lado estáo seu paciente. Ou ainda quando vocês têm sujeitos testemunhando o vazio que eles 0

experimentam vocês se perguntam se esse vazio não é também histérico. É o sujeito barrado (/«g.i-0guejremete ao nada na neurose? ̂ Ou^é o vazio psicótico? O buraco psicótico? Se bem que, anoapós ano, malgrado a diferenciação supostamente absoluta entre a neurose e a psicose, sobre abase da foraclusão do NOME-DO-PAI — verdadeiro credo Lacaniano: "eu te batizo neurose sehá o NOME-DO-PAI, eu te batizo psicose se não há" — alguns casos têm um jeito de estarentre os dois. Essa^frontejra terminou com o passar do tempo, na supervisão e na pràticajgorjseespessar. Um espessamento crescente como aquele que se envolve em torno da cintura.

Então há qualquer coisa que não ia bem porque, se isso era uma neurose, isso não era umapsicose, e se era uma psicose, não era uma neurose. A psicose ordinária era uma maneira deintroduzir o tejsgiro excMdopela construção binária, bem na ligação, e ao mesmo tempo, naposição do lado direltõ~3ã~binanêdade._^

N|PEssa era uma maneira de dizer, por exemplo, que se vocês tiveram, há anos, razões paraduvidar da neurose do sujeito, vocês podem apostar que ele é, antes de tudo, um psicóticoordinário. Quando é neurose vocês devem saber. Essa era a contribuição desse conceito aodizer que a neurose, esta não é um pano de fundo, não é uma parede de papel. A neurose é umaestrutura muito precisa. Se vocês não reconhecem essa estrutura tão precisa da neurose_dopacíêntèT^võcês podem apostar, ou tentar apostar, que é uma psicose dissimulada, uma psicosenascarada.

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í>

Não é certo que a psicose ordinária seja uma categoria objetiva. Vocês podem se questionar seé uma categoria da coisa-em-si. Vocês podem dizer que a psicose ordinária existeobietivamentejia clínisaLIsjso não . eLsegurp. A psicose ordinária interessa ao seu saber, à suapossibilidade de conhecerlãlgumã coisa do paciente. Vocês dizem: "psicose ordinária" quandonão conhecerem nenhum sinal evidente de neurose e, assim, vocês são levados a dizer que éuma psicose dissimulada, uma psicose mascarada. Uma psicose difícil de reconhecer como tal^mas que jjejuzo de vários pequenos sinais. Trata-se mais de uma categoria epistêmica ̂ ue ~

concerne nossa maneira de conhecê-la.

A construção Lacaniana da psicose nos Escritos

J. O mundo imaginário movediço

Em todo caso, no seu texto clássico sobre a psicose nos Escritos, a "Questão preliminar...",3Lacan inicia com a neurose. Ele pensa a psicose na perspectiva da neurose. Ele deriva aestrutura da psicose daquela da neurose, como uma variação da estrutura fundamental daneurose, ou da normalidade. Há uma conexão entre neurose e normalidade: o complexo deÉdipo. Para Lacai^epara^Freud também,ju;oniplexo_de Édipo., que Lacan traduz por MetáforaPaterna, ^ãcmíãjetudo^o fundamento^ da realidadecomum como é o da neurose. O complexojJeJEdjpo é a ligação entre normalidade^ neurose. Pode-se dizer que a neurose é a normalidade^Uma pessoa supostamente normal é um neurótico que não sofre tanto da sua neurose, ou aindaque não leva sua neurose para análise, que cuida da sua neurose vivendo. Isso é menosinteressante! É mais interessante tratar sua neurose na análise, mas as pessoas não pensamnisso sempre, elas continuam vivendo assim. E então, eu me sinto como o doutor Knock, dafamosa peça de teatro francês do começo do século, que dizia que todo mundo é doente sem o saber.

Qual é a base comum entre neurose e psicose do ponto de vista de Lacan? Qual é o início davida psíquica? () início da vida psiquicajno^clássicp Lacan é aquilo que ele chama imaginário.Tpdojnudo é supostojxmieçar co^noimaginánQ. É esse o Lacan clássico. Esse é o sujeito em

_ p causa, porque isso reporta ao incidente da linguagem. De fato, no inicio, o sujeito está imerso_na linguagem. Mas, no seu texto clássico sobre a psicose, assim como em todo seu texto dosEscritos, à exceção dos últimos — ele construiu a dimensão fundamental do sujeito como

r pertencente à dimensão imaginária. Esse é, então, o nascimento suposto comum, que ele sejaum futuro neurótico, um futuro normal, um futuro perverso, um futuro psicótico, desse quehabita, podemos dizer, o estádio do espelho.

do espeíhx^é a primeira estrutura do mundo primário do sujeito, isso quer dizer que éum mundo jnuito instável. ^jnundo_esfruturado pelo estádio dòespelhoé umjmunScTdetransitivjsjDQ. Transitivismo quer dizer que vocês não sabem se é você ou o outro que fez isso.É quando a criança dá um golpe no seu companheiro e diz: "ele me bateu". Vocês têm aí umaconfissão. "É eu ou é ele?" E um bom exemplo para compreender que esse é um mundo deareia movediça. É um mundo instável, é um mundo sem consistência. É um mundo desombras. No primeiro seminário de Lacan, é esta a maneira em que ele descreve o mundoprimário, ou melhor, a maneira em que ele o constituiu. Eu digo "constituiu" porque ele precisacomeçar por fazer abstração da linguagem, que está presente desde o início. É a partir daí queele estrutura a psicose. Étambém para ele o mundo da mãe. É supostamente um mundo no qual

^a_fnrna_p»lsiinTial £_aç|ugla_diLdeseio da mãe7 o desejo desordenado da mãe para a criança-sujeitoJDe_mna certa maneira, isso equivale a dizer que a loucura é^ mundo primário. E um l /mundo de loucura.

3 Jacques LACAN, Écrits: "De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose" [ 1957-1958]. Ecrits, Paris, Seuil,1966, pp. 531-538.

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2.A ordem simbólica<•

A ordem simbólica vem no segundo tempo dessa construção.. E no nível simbólico que vocêsdevem insistir sobre a palavra 'ordem'. Vocês ficariam tentados a dizer 'a ordem imagináriaí;ea ordem real', mas é inexato. De fato, Jsso quer dizer que a ordem ven^ao mundo imaginário,com o simbólico. A estrutura Lacaniana introduz (psimbóliS^ — a linguagem, a Metáforapaterna — j:omo a potência quj_imp^e_j_ordemj_que impõe a hieraroinaj_j2^trutura, aconstância, que estabiliza o mundo imaginário movediço. Ele^ojadensa^ss^potência, essapotênclã~or9ênadora do simbólico, com o NOME-DO-PAI j-^eu utilizo a/maiúscula 'P' pararepresentár^ã~pãlãvrãfrancesa Pai — que é um elemento armais. É Hm mais (+) e, comoconsequência, um menos (-), um gozo a menos. O gozo jmgginárío, que torna possível omundo imaginário, é caçado, é subtraído. E vocês encontram, em todos os textos de Lacan, aideia segundo a qual o gozo é evacuado pelo simbólico. Lacan utiliza essa expressão dediferentes modos. Pode-se falar de extração, de subtração, mas é sempre a mesma ideia.Quando se introduz o elemento ordenador Nome^do-Pai se obtém uma subtração no níveLda^

s. Em termos de falo, bem, tem-se o falo imaginário completo (<E>)^de umTadoTè~de oútrõTomenos-phi (-«p) que quer dizer 'castração', a palavra freudiana paraessa subtração de gozo.

+NP <t> n- j (-(p)

A partir desse momento, como vocês sabem, Lacan constrói a psicose como uma falta doNOME-DO-PAI, PO, e a falta desse falo castrado que ele escreve <]>o. Têm-se dois buracoscorrelates no esquema L — deve-se escrever assim, com três flechas — no nível do gozo, que éde fato um excesso.

U{' Qjyozo imaginário, que está "em excesso" continua a existir: o NOME-DQ-PAIjião^está entãooperando.jgso quer jizer quejajnenos-phi não está operando. Esse é o menos-phi zero, de fato.Não vou explicar de novo essa construção da psicose de Lacan. Mas isso ele introduziu aomesmo tempo, enquanto lia o caso Schreber. Em um outro momento preciso nos é revelado ofato de que ele não está ligado ao NOME-DO-PAI, ao significante NOME-DO-PAI, isso quedesencadeia sua psicose extraordinária. Depois de um primeiro momento de desarranjo total deseu mundo, um mundo que estava estabilizado antes, ele havia, com efeito, acabado de obteruma posição muito elevada de magistrado, seu mundo tinha anteriormente a sua maneira de seordenar, mas quando foi solicitado a responder do ponto de vista do NOME-DO-PAI, ele nãoconsegue concretizar, isso desencadeia sua psicose extraordinária — observa-se um tipo demundo ordenado se reorganizando por si mesmo. Schreber tem êxito em arranjarprogressivamente um mundo habitável. Lacan diz então que é verdade que ele não tem ametáfora paterna, mas acima de tudo uma metáfora delirante.

Em todo rasojiirnjjftlirín p simbólico T TipjjgHrio é um conto simbólicq^Um jelírio é tambémcajtazjde ordenar um tmmdo_ Perguntem-se se isso que ordena oliõssomundo não é, emgrande parte, delirante. Se vocês se reportam ao saber científico, essas histórias de Deus-todo-poderoso, de mãe, de pai, etc. — vocês são levados a dizer que é um delírio. Eu não direi isso —

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eu não ousarei — mas pessoas do século XVffl ousavam dizer que isso é em parte um delíria_O_Campo Freudiano é um delírio, não tem uma existência bem delimitada. É qualquer coisa paraalgumas mííharesUê pessoasTno mundo que falam do Campo Freudiano, mas isso não tem umaexistência precisa, a bem dizer. Quando vocês lêem o próprio Maomé - Deus interdita que eudiga o que quer que seja contra Maomé - que ele foi só, que ele traz uma mensagem divina, eque ele a escreveu, esse discurso ordena um milhão de pessoas no mundo. Esse era um delíriodivino. De fato, a hipótese segundo a qual um delírio pode ordenar o mundo não é tão forçada.

Schreber tinha um delírio privado. Ele não pode triunfar em fazer de seu delírio um delírio paratodos, lia Prússia do tim cIcTsécuío XIX. Ele teve que privatizar. Ele monta uma empresadelirante só para ele. Então vocês podem ter uma ordem delirante.

Do nome próprio ao predicado

Devo dizer que(hõnsèu"ultimo ensino^ Lacan está próximo de dizer que toda ordem simbólica éum delírio, incluin]do_^ia_j?rórjnã^construção da ordem simbólica. A vi3ã nãoJejnjjHalguersentido^ jazer sentido, isso já Delirante. Essa é uma convicção profundamente ancorada emLacan. Na prática, quando vocês compreendem isso que o paciente diz, vocês estão capturadospelo seu delírio. Vosso trabalho é fazer da sua própria maneira particular, insólita, de dar/ lsentido às coisas, de dar sempre o mesmo sentido à repetição em sua vida.

Isso introduz uma mudança no estatuto do Nome-do-Pai. Nos termos clássicos de Lacan,utiliza-se o Nome-do-Pai enquanto nome próprio. Quando se pergunta: "O sujeito, tem ele oNome-do-Pai ou há Foraclusão do Nome-do-Pai?" Utiliza-se logicamente o Nome-do-Paicomo nome próprio, o nome próprio de um elemento particular que é chamado Nome-do-Pai.Seguindo a ideia da_ordem simbólica delirante, pode-se dizer que o Nome-do-Pai não é maisumjiome_rjrórjriox^asjim prediçadojiefínido na Iógica_simj}ó1ic?,^ o

NP(X)

Um tajjlenientoj.mcigna como um Nome-djgjPaLpata o sujeito Esse elemento é o principioque ordena seu mundo. Isso não é o Nome-do-Pai, mas tem a qualidade, a propriedade.. Isso éigualmente muito útil quando se pensa no fato de que Schreber conduziu uma vidaaparentemente normal durante cinquenta anos. Sua psicose somente desencadeou quando eletinha 5 1 anos, no período que se chama na medicina o climatério da vida masculina. A ideianos ajuda a compreender como seu mundo pode funcionar. O que teria se passado se Schrebertivesse entrado em análise antes de desencadear sua psicose? Não havia ainda psicanálise nessaépoca, mas imagine que ele poderia ter sido tratado por Freud. Talvez, antes dos 51 anos, vocêsiriam já poder observar particularidades na construção do seu mundo que vos teriam feito dizerque ele era um psicótico ordinário. Freud não conhecia a psicose ordinária — é evidente que eleconhecia muitas outras coisas muito mais importantes — mas talvez isso que nós chamamos(psicose ordinárja^seja uma psicose que não se manifesta até o_^jijesencadeajTiento. Esta é,pbrnexémpIõTlíma^as maneiras de se compreender o conceítõ~sõbre o^júãlvocês têm sedebatido.

Então, a pergunta recai sobre o Nome-do-Pai enquanto predicado. Isso quer dizer que é umsubstituto substituído. O Nome-do-Pai se substitui jgfr ele mesmo ao Desejo da mãe^ Issose chamao_isdjc^ddome-do-Pai é um e

nós estamos em vias de fazer umestudo, uffiOVÍB Va>se fazer crer - make-believe — que

devêr^sê^iã~dlzêrque se tem alístãTcõmplêta de todas as formas possíveis de CMB na

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., - £-. c-o- .

De fato, isso é mais difícil que aquilo. É mais difícil do que essé^gênero debrincadeira. . fa>

Uma desordem [...] na junção mais íntima do sentimento da vida-<K» sujeito -^ :•

Tentou-se alfinetar ao falar da psicose ordinária? Isso quer dizer que quando- a psicose,ordinária não é evidente, quando ela não tem o ar de ser uma neurose, quando isso não temnem a assinatura da neurose, nem a estabilidade, nem a constância, nem a repetição da neurose.Uma neurose é qualquer coisa de estável, uma formação estável. Vocês não experienciam - étambém uma questão de vivência para o clínico - que vocês têm os elementos bem definidos,bem recortados da neurose, a repetição constante e regular do mesmo, e que vocês não têmclaros fenómenos da psicose extraordinária, então vocês procuram dizer que é uma psicose,ainda que ela não esteja manifesta, mas ao contrário, dissimulada

Voc&L devem, então, se lançarem à pesquisa de todos os pequenos indícios. É uma clínica^muitodelicada. Muito frequentemente, é uma questão de intensidade. E uma questão de maisou menos. Isso os orienta para o que Lacan chama "uma desordem provocada na junção domais íntimo do sentimento da vida^^sujeito".5 Essa é a frase sobre a qual eu insisto há anosneste curso e nas discussões com meus colegas, na página 558 dos Escritos. Na excelenteedição anglofônica de Bruce Fink, está na página 466. É traduzido por a disturbance. É umatradução muito boa de "desordem". Ele não coloca trouble, que seria até um termo do D SM,mas disturbance: a disturbance that occured at the inmost juncture ofthe subjecfs sense oflife6 Bom, isso é o que nós pesquisamos na psicose ordinária, essa desordem na junção domais íntimo do sentimento da vida do sujeito. Sense oflife se traduz por "sentimento da vida".É um termo muito sincrético, "o sentimento da vida" ou "como você vive sua própria vida". Émuito difícil analisar esse termo. Os psiquiatras têm tentado delinear esse "sentimento davida". Eles falam de sinestesia/o^ sentimento geraTl!õ~su3ê1tõ7^ê~'ser-nõ-fnundj^)

À desordem se situa na maneira que vocês sentem o mundo circundante, na maneira que vocêssentem vossos corpos, e na maneira de vocês se reportarem às vossas próprias ideias. Mas, qualé essa desordem, pois que a neurose, ela tem também o sentir? O sujeito histérico sente essadesordem na relação com seu corpo, o sujeito obsessivo sente uma desordem em relação àssuas ideias. Qual é, então, essa desordem que "ocorre na junção, do mais íntimo do sentimentoda vida $b sujeito"? Isso é muito difícil formular.

Uma tripla externalidade

Vou tentar organizar essa áftSMdeajsriB»» -sêHtimefrte— da vida em relação a ajaaaai»teiplaexternalidaée: uma externalidade social, uma externalidade corporal e uma externalidadesubjetiva.

Os índices são para identificar esses três registros.

/. Uma externalidade social

Em relação à externalidade social, no que toca a relação à realidade social na psicose ordinária,a questão é a seguinte: qual é a identificação do sujeito com uma função social, com umaprofissão, com seu lugar ao sol, como se diz em inglês? O mais claro dos indícios se encontrana relação negativa que o sujeito tem à sua identificação social. Quando vocês devem admitir

4Ib. p. 558.5Id.6 Jacques LACAN, Ecríts: The First Complete Edition in English, translated by Brce Fink, W. W. Norton et Company, 2007, p. 446.

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que o sujeito é incapaz de conquistar seu lugar ao sol, de assumir sua função social. Quandovocês observam uma aflição misteriosa, uma impotência em relação a esta função. Quando osujeito não se ajusta, não no sentido da rebelião histérica, ou do modo autónomo do obsessivo,mas quando há um tipo de fosso que constitui misteriosamente uma barreira invisível. Quandovocês observam o que eu chamo de um desmembramento^ uma desconçxão. Vocês vêm, então,algumas vezes sujeitos indo de uma desconexão social a outra - se desconectando do mundodos negócios, se desconectando da família, etc. É um caminho frequente nos esquizofrênicos.

Eu disse:(esquizofrenia)É isso que pode ser a realidade do sujeito, ainda que possa parecer umapsicose oraTriariãTporque isso não é evidente. Mas a psicose ordinária é, então, vosso ponto devista. Uma vez que vocês tenham dito que é uma psicose ordinária, tentem classificá-la de umamaneira psiquiátrica. Vocês não devem simplesmente dizer que é uma psicose ordinária, vocêsdevem ir mais longe e encontrar a clínica psiquiátrica e psicanalítica clássica. Se vocês nãofizerem isso - e esse é o risco do conceito de psicose ordinária - isso é o que se chama um _ *\o de ignorância". Isso se torna, então, um refugio para não saber,. Se ser iate de psicose f * >

oEdmári% de

Tem-se, por exemplo, podido constatar isso no último colóquio das clínicas francofônicas (ocírculo UFORCA, conversações sobre situações subjetivas de abandono social na Casa daMutualidade, em 28 e 29 de junho de 2008) quando, no caso de uma psicose ordinária, umcolega - um psicanalista e psiquiatra - disse: "é uma paranóia sensitiva no sentido deKretschemer". Tratava-se de uma psicose ordinária porque ela não estava manifesta, mas umavez que você diz que é uma psicose ordinária, isso quer dizer que é uma psicose. E, se é umapsicose, ela pode ser reportada às categorias nosográfícas clássicas. E eu tive o sentimento de

" que meu colega tinha razão, que, nesse caso, era uma paranóia sensitiva de Kretschmer. Otermo 'psicose ordinária' não deve nos dar permissão para ignorar a clínica. É um convite paraultrapassá-lo.

Aí está a identificação social negativa, mas vocês devem também atentar para aquele que viveem face às identificações sociais positivas na psicose ordinária. Digamos, quando esses sujeitosinvestem demais no seu trabalho, na sua posição social, quando eles têm uma identificaçãoextremamente intensa na sua posição social. Vocês podem ver, então, e isso se vê muitas vezes,psicóticos ordinários cuja perda de trabalho desencadeia sua psicose porque seu trabalhodesejado diz bem mais do que um trabalho ou um modo de viver. Ter esse trabalho é seuNome-do-Pai. Lacan diz que, em nossos dias, o Nome-do-Pai é o fato de ser nomeado, de seratribuído a função, de ser nomeado a. O Nome-do-Pai hoje é o acesso a uma posição social.Constata-se, de fato, que ser membro de uma organização, de uma administração, de um clube,pode ser o único princípio de mundo de um psicótico ordinário^ Por exemplo, ter um trabalhotem um valor simbólico extremo hoje. As pessoas se prestam a esses tipos de trabalhos malpagos só para ter o valor simbólico de estar no trabalho. Os governos são suficientementeinteligentes para compreender isso claramente e para lhes oferecer trabalhos mesquinhamenteremunerados. O Governo Francês quer aqui estender isso aos psicólogos e aos psicoterapeutas.É isso que nós falamos nessas dias aqui. Eles querem criar uma nova profissão depsicoterapeutas que seria bem menos pagos que a fisioterapia.

Eis a externalidade social com as vertentes positiva e negativa da identificação social.

2. Uma externalidade corporal

A segunda externalidade refere-se ao Outro corporal, o sujeite —pajtodj3»donrincípio que "você não é um corpo, mas você tem um corpo" como Lacan o disse.

W^/msteriayvocês têm a experiência do estranhamento do corpo, o corpo que está na cabeça.

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No corpo masculino também, vocês têm ao menos uma parte do corpo que está igualmente nasua cabeça, o pênis, isso é bem conhecido.

Na psieose-ordiaáfm, vocês devem ter alguma coisa a mais, um deslocamento. A desor,denka_mais íntima, é essa brecha, na qttat o corpo se desfaz e onde o sujeito é levado a inventarligações artificiais para se reapropriar de seu corpo, para "colar" seu corpo a si mesmo. Paradizer em termos mecânicos, ele tem necessidade de eolar-junto para ter o seu corpo.

A dificuldade reside no fato de que todos esses meios artificiais que parecem anormais, háanos, estão hoje banalizados. Os piercings de bijuterias incrustadas estão na moda hoje. Astatuagens também. A moda hoje está claramente inspirada na psicose ordinária. Certos usos detatuagens servem de critério para a psicose ordinária, quando vocês sentem que, para o sujeito,essa é uma maneira de se anexar ele mesmo ao seu corpo. Como isso se compara à histeria?Não se pode falar de outra maneira se não pelo termo tonalidade - isso nãoj^a o mesmo tom -e em termos de excesso - isso excede as possibilidades da histeríaf^lustgpía é constrangidapelos limites da neurose, ela é limitada pelo menos-phi, malgrado aTérJéíião e a desordem, ahisteria é sempre submetida ao constrangimento, então, vocês sentem o infinito na falha"presente na relação do psicótico ordinário ao seu corpo.

3. Uma externalidade subjetiva

Eu não vou discutir a vida sexual. Depois da realidade social o Outro social - e o Outro **^corporal, eu falarei do Outro subjetivo. Mais frequentemente, isso se refere à experiência dovazio, da vacuidade, do vago, para o psicótico ordinário. Vocês podem encontrar em diversoscasos de neurose, mas na psicose ordinária, vocês procuram um indício do vazio ou do vagojienateeza não dialética. Há uma fixidez especial nesse indício.

Eu queria também desenvolver a relação com as ideias, mas eu a deixarei de lado para uma^próxima vez.

A

Vocês devem também pesquisar ar féride^áar iéeirtifieaçãe»e&m o objeto a conKxáejeto,_A_ ̂identificação não é simbólica, mas bem real, porque ela dispensa a metáfora. Q^sújeito pode setransformar em um enigma, negligenciando-se até o ponto mais extcerosa^ferèísse que~é~m»a.identificação real, pois o sujeito vai na direção de realizar ^dejeto sobre a sua pessoájFinalmente, ele pode se defender disso por um extremoextremos. Eu posso me referir aqui à exposição de Pierre-Gilles Guéguen7 sobre Genet. Vocêsse lembram que Pirre-Gille Guéguen falou sobre identificação não dialética de Genet com odejeto. Eu introduziria igualmente aqui uma referência à exposição de Jean-Louis Gault,8concernente ao parceiro do seu sujeito. Ele disse que o verdadeiro parceiro da vida dessesujeito não era de fato uma pessoa, mas acima de tudo a própria linguagem, e vocês podem vernesse sujeito um eco especial da palavra do Outro. Na neurose vocês encontram também isso,mas no caso de Jean-Louis Gault, vocês têm alguma coisa como um estigma produzido porcada enunciado desses outros. E, de fato, é alguma coisa como uma relação fundamental não auma pessoa, mas a uma linguagem.

Eu poderia já me referir ao caso de Julia Richards que vocês vão ouvir nessa sexta feira: "Umdialeto capitalista no caso de uma psicose ordinária".9 É um caso onde o sujeito se apresentacom uma demanda de "encontrar os dez por cento que [lhe] faltam para ser são de novo". Jánessa maneira de se apresentar, vocês podem ver, de início, que ele tem o sentimento de nãoser são. Ele se diz assim em um primeiro momento, depois se lhe perguntarmos com umaprecisão kernbergiana - Kernberg - sabe que os afetos representam cinquenta por cento! Bom,

7 Ver Pierre-Gilles GUÉGUEN, nesse mesmo número, pp. 29-33.8 Ver Jean-Louis GAULT, nesse mesmo número, pp. 66-71.9 Ver Julia RICHARDS, nesse mesmo número, pp. 104-107.

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esse sujeito sabe que ele tem necessidade de dez por cento a mais! De fato, eu suponho que eleé americano! Ele nos dá uma precisão com números. Nessa primeira frase pela qual ele seapresenta vocês podem ver seu delírio. "Faltam-me dez por cento!" Há alguma coisa que vai delado e ele ai atribui um número "Me faltam dez por cento de castração." [risos] Isso não éengraçado, mas nas conferências clínicas, as pessoas riem muito de coisas que não sãoengraçadas. Esse sujeito diz também: "Por que haveria um Deus benevolente? Eu sou sortudo,isso explica essa mortalha funesta, essa paranóia... Eu não deveria me queixar tanto",conectado à referência de Deus. É também uma pequena chave, que nos permite compreenderque seu parceiro é Deus. Não importa que possa dizer que sua vida está sob uma "mortalhafunesta" - isso pode ser dito por um neurótico romântico - mas, clinicamente isso pende maispara a psicose. Quando ele diz mais além "o centro não sustenta, tudo se desintegra, isso écientífico", todos esses labirintos de frases parecem ter a mesma falta em seu centro. JuliaRichards acrescenta que "seu mais sólido ponto de identificação, ainda que imaginário, éconstruído com cada fragmento da identificação paterna à sua disposição." E inteiramentecaracterística da psicose ordinária, as identificações que são construídas com um "bric-à-brac".*Eu perguntei como traduzir "bric-à-brac" em inglês antes da exposição. Eu não conhecia essatradução: Flotsam andjetsam. Eu gostei muito disso. Mr, Flotsam andDr. Jetsaml

As consequências teóricas da psicose ordinária

Eu tenho a impressão de que as consequências teóricas da psicose ordinária vão em direçõesopostas.

UM» direçãer rros~ condtiz para um refinamento da conceito de neurose. Como eu havia dito, aneurose é uma estrutura particular, isso não é um pano de fundo (wallpaper). Vocês têmnecessidade de certos critérios para dizer "é uma neurose": de urna relação ao Nome-do-Pai;vocês devem encontrar algumas provas da existência do menos-phi, da relação à castração, aimpotência e à impossibilidade: deve aí ter - para usar os termos freudianos da segunda tópica- jima diferenciação clara entre oEu e o Isso, ejrtm^sjignifícantes e as pulsões; um Supereuclaramente traçado. Se não há tudo isso e outros sinais, então não e uma neurose, e outra coisa.

Em uma direção, se é levado a refinar o conceito de neurose, mas por outro lado, e esta é aconsequência oposta, s^éHte^aá^^t^Kr^^^^^gãa.d^eoaefâte^deípwecsse Lacan segue estadireção. Essa generalização da psicose significa que não há o verdadeiro Nome-do-Pai. Ele nãoexiste. O Nome-do-Pai é um predicado. Ele é sempre um predicado. É sempre um elementoespecífico entre outros que, para um sujeito específico, funciona como um Nome-do-Pai.Então, se vocês dizem isso, vocês apagam a diferença entre a neurose e a psicose. É umaperspectiva de acordo com "todo mundo é louco", com "todo mundo delira à sua maneira."Lacan a escreveu em 1978. Eu comentei essa frase nas últimas lições do meu curso deste ano —"todo mundo é louco, quer dizer, delirante". Esse não é o único ponto de vista, mas em certonível, a clínica é assim. Vocês não podem funcionar como psicanalistas se vocês não estiveremconscientes de que isso que vocês sabem, que vosso mundo é delirante - fantasmático, pode-sedizer - mas, justamente, fantasmático quer dizer delirante. Ser analista é saber que vossopróprio mundo, vosso próprio fantasma, vossa própria maneira de fazer sentido é delirante.Essa é a razão pela qual vocês tentam abandoná-la apenas para perceber o delírio próprio dovosso paciente, sua maneira de fazer sentido.

Bom, estou consciente de ter sido sensato durante uma hora e meia, então atenção ao que eudisse!

* Em Português: Bricabraque - Conjunto de diversos e velhos objetos de arte ou artesanato, antiguidades, móveis, vestuários,bijuterias, etc. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. (N. T.).