mid n.º89 a casa do chapéu virado

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A casa do Chapéu Virado A moradia do Chapéu Virado em Cascais não sendo de autor consagrado faz parte de um período extremamente rico da arquitetura portuguesa em que se confrontaram duas realidades arquitetónicas, a modernidade por um lado e por outro, a tradição corporizada na figura incontornável do arquiteto Raul Lino. Texto e fotografia: Nuno Ladeiro 48 | >>

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A moradia do Chapéu Virado em Cascais não sendo de autor consagrado faz parte de um período extremamente rico da arquitetura portuguesa em que se confrontaram duas realidades arquitetónicas, a modernidade por um lado e por outro, a tradição corporizada na figura incontornável do arquiteto Raul Lino.

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Page 1: MID N.º89 A Casa do Chapéu Virado

A casa do Chapéu ViradoA moradia do Chapéu Virado em Cascais não sendo de autor consagrado faz parte de um período extremamente rico da arquitetura portuguesa em que se confrontaram duas realidades arquitetónicas, a modernidade por um lado e por outro, a tradição corporizada na figura incontornável do arquiteto Raul Lino.

Texto e fotografia: Nuno Ladeiro

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A casa do Chapéu Virado | arquitectura |

A moradia agora reabilitada exibia na sua fachada o nome “Chapéu Virado”, uma

homenagem à antiga proprietária nascida no Brasil e a residir em Portugal há já

vários anos.

O novo proprietário que agora adquiriu a casa vivia em Cascais e apercebeu-se que

se tratava de uma construção com valor, uma vez que apresentava uma fachada

austera mas ao mesmo tempo moderna. O elevado estado de abandono não o

desencorajou, bem pelo contrário, entusiasmou-o e levou-o a procurar alguém

que o pudesse ajudar a recuperar a casa e o jardim, adaptando-os às novas

necessidades.

O projeto de reabilitação procurou tirar partido das características arquitetónicas

entendendo-as como um elogio justo a uma geração de arquitetos, da qual

fizeram parte, entre outros, Januário Godinho, o seu mestre Rogério de Azevedo

e o próprio Keil do Amaral. Este período foi um momento decisivo de viragem na

arquitetura portuguesa. Os arquitetos desta geração realizaram obras fantásticas

e colocaram em confronto duas realidades distintas mas, conciliáveis; a tradição

e a modernidade. Este difícil equilíbrio duma modernidade em continuidade, com

uma tradição Estado Novo corporizada na polémica da Casa Portuguesa e dos

valores atribuídos (não muito corretamente) ao ideário de Raul Lino nem sempre

foi consensual. Foi o descolar de uma mentalidade romântica, decorativa e feérica,

em direção a uma lógica organicista, universal, que valorizava o caráter expressivo

dos materiais e a singularidade das técnicas, que identificava o espaço como

premissa e o lugar como substância.

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A compreensão e valorização da obra fizeram com que se reconstruíssem as

pedras tradicionalmente bujardadas, se introduzissem os pavimentos em azulino

Cascais sobejamente polidos, se preservasse a tradição adaptando-a à nova

realidade.

A multiplicidade de atitudes e princípios assumidos numa lógica muito própria

foram fundamentais nos detalhes. Desenharam-se novas modelações nos

pavimentos mas sempre na lógica de continuidade e nunca de rutura. Reabilitou-se

a fachada, redesenharam-se as balaustradas, retiraram-se os excessos que o

tempo introduziu e retomou-se a imagem da obra original.

Para um olhar desatento, poderá escapar a vanguarda de rutura que marca esta

arquitetura claramente dos anos 60 mas, em que o equilíbrio entre tradição e

modernidade é, porventura, o rasgo que melhor permite explicar o acerto e a

intemporalidade deste projeto de arquitetura anónima. São obras em que o tempo

era outro. Tudo era pensado, amadurecido, desenhado, acompanhado… É ver

como cada parte ou elemento se insere no conjunto, sem abdicar da sua própria

personalidade.

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EXISTENTE

O abandono da moradia e jardim levou a um estado de ruína que

aparentemente parecia irrecuperável.

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FICHA TÉCNICA

Cliente: Dr. Rodrigo Guimarães

Arquitetura: Nuno Ladeiro

Colaboração: Arq.ª Claudia Campos

Colaboração Paisagismo: Arq. Luís Valente de Carvalho (Horto do Campo Grande)

Modelos Tridimensionais: Arq.ª Elisa Serralha

A reabilitação da casa do Chapéu Virado foi um projeto aturado. Desenharam-se

paramentos novos, padrões para novas composições da pedra, modelou-se o

jardim, escolheram-se cuidadosamente as novas vegetações e por fim, podaram-se

as árvores existentes, transformando-as em autênticas obras de arte.