metropolis 5

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METROPOLIS | Nº5 | janeiro 2012 CINEMAMETROPOLIS.COM Jessica Chastain A nova musa de Hollywood Django Libertado O Western segundo tarantino Guia para um Final Feliz David O. Russell em tom melodramático Tabu em DVd Memórias da Era Colonial BALANÇO 2012 CINEMA, MÚSICA, TELEVISÃO

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| Nº5

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12

cinemametropolis.com

Jessica ChastainA nova musa de Hollywood

DjangoLibertadoO Western segundo tarantino

Guia para um Final FelizDavid O. Russellem tom melodramático

Tabu em DVdMemórias da Era Colonial

Balanço 2012Cinema, músiCa, Televisão

Page 2: Metropolis 5

ESPECIAIS 00.30 a Hora mais negra 9

os miseráveis 18

Django libertaDo 20

guia para um Final Feliz 34

et – o extraterrestre 42

REGULARES sala -1 5

cineclube 6

rip 8

cine transcenDências 62

linHa geral – sambizanga 64

bipolar – clouD atlas 90

ENTREVISTAS Quentin tarantino 28

jamie Foxx 31

Henry tHomas 42

eDuarDo Durão 68

sHonDa rHimes 109

jorge leitão ramos 122

CRÍTICAS lincoln 73

6 sessões 77

o Hobbit 78

jack reacHer 82

a viDa De pi 84

looper 85

Holy motors 87

eu, alex cross 88

Decisão De risco 92

DjANGo LIbERTADo 20

00.30 A HoRA MAIS NEGRA 9

Page 3: Metropolis 5

DVD/bD tabu 94

o monge 97

as Flores De guerra 98

os Homens preFerem as loiras 99

como se conQuista um milionário 100

Florbela 101

terapia a Dois 102

4:44 o Último Dia na terra 102

mercenários 103

a casa na Floresta 103

magic mike 105

TELEVISÃo sHerlock 106

era uma vez 112

revenge 116

LIVRoS tHe killing – crónica De um assassínio 120

aristiDes De sousa menDes – um Herói português 121

Dicionário Do cinema português 1895-1962 121

MÚSICA beasts oF tHe soutHern WilD 124

amour 124

tHe Hobbit 125

liFe oF pi 125

GADGETPoLIS 126

REVENGE 116

GUIA PARA UM FINAL FELIz 34

Page 4: Metropolis 5

neste número, entre muitos temas em cerca de 130

páginas, celebramos dois regressos especiais para a

metropolis - Quentin tarantino e kathryn bigelow.

são dois outsiders e vivem relativamente à margem

do sistema, criam as suas regras e são plenos autores

dos seus universos, os seus novos filmes são ex-

periências únicas e valem cada segundo numa sala

de cinema.

será certamente uma romaria para «Django liber-

tado» com Quentin tarantino a retornar ao seu mel-

hor nível numa esperada homenagem ao western

spaghetti e como seria de calcular leva o género a

caminhos nunca antes trilhados.

nesta edição também prestamos tributo à versátil e

camaleónica jessica chastain que tem uma admirável

gestão de carreira (e provavelmente o melhor agente

artístico do mundo) ao analisarmos a nova proposta

de kathryn bigelow «zero Dark thirty/ 00.30 a Hora

negra». um incrível thriller onde a ficção se confunde

com a realidade. não se trata apenas da ficcion-

alização da odisseia para a captura de bin laden. É

também uma observação perturbadora e profunda

sobre os métodos e os esforços para se impedir o

massacre de centenas de inocentes um pouco por

todo o mundo. nunca saberemos a verdadeira ex-

tensão da verdade mas para a posteridade kathryn

bigelow voltou a fazer História. É insólito que tenha

sido esquecida para o óscar de melhor realização.

em Fevereiro segue-se steven spielberg, paul thom-

as anderson e jacques audiard…

bons Filmes e bom ano!

Jorge Pinto

FICHA TéCNICA/DIRECçÃo EDIToRIAL

Jorge PintoREDACçÃo

Basílio Martins, Bruno Ramos, Flávio Gonçalves, Nuno Antunes, Rui Brazuna, Tatiana Henriques

CoLAboRADoRESCristina Almeida, João Lopes, João Gata, João Paulo Levezinho, Jaime

Lourenço, Luís Salvado, Lurdes Santos, Matilde Magro, Maria do Carmo Piçarra, Nuno Carvalho, Nuno Galopim, Nuno Vaz Moura,

Rui Pedro Tendinha, Vasco Baptista Marques, Sandra AlmeidaDIRECçÃo ARTÍSTICADiogo Neves de Sousa

DIRECçÃo oNLINEDavid Miguel

NÚMERO 5

[email protected]

FACEBOOKhttp://www.facebook.com/revistametropolisportugal

websitehttp://www.cinemametropolis.com/

Page 5: Metropolis 5

Sala -15

Todos os natais somos bombardeados até à exaustão com milhares de anúncios, que promovem os mais variados produtos embrulhados na tradicional (e frequentemente falsa) mensagem de paz e harmonia. mas há um ano atrás, no natal de 2011, um vídeo publicitário tornou-se

viral na internet. em menos de duas semanas foi visto por mais de seis milhões de pessoas, tendo sido produzido com uma pequena fracção do orçamento utilizado por uma agência de publicidade. e na verdade, não nos quer vender nada.«kindness boomerang» foi concebido por uma organização nova-iorquina sem fins lucrativos chamada Life Vest Inside, que pretende combater a violência e a depressão através de pequenos gestos. É realizado pela sua fundadora – orly Wahba – e foi filmado numa rua de nova jérsia durante um único take. a mensagem deste projecto, popularizada na longa-metragem «Favores em cadeia» (2000), não podia ser mais simples: iniciar uma corrente de acções construti-vas, na qual o beneficiário deverá transmitir uma boa acção a outra pessoa em vez de devolver um favor ao benfeitor original. apesar de ter sido carregado no youtube em agosto de 2011, o vídeo só começou a ser mais partilhado no natal seguinte, e conta neste mo-mento com quase nove milhões de visualizações (nas suas várias versões).tudo começou em janeiro de 2007, durante uma viagem de férias. “Após uma escala num aeroporto acedi ao meu voicemail e recebi uma trágica notícia: uma menina de 7 anos da minha comunidade falecera

de leucemia”, afirma Wahba. “Eu era professora, e apenas três anos an-tes os meus alunos tinham perdido um colega. Ainda estavam a recu-perar do choque e agora perdem outra. Iam ficar devastados. A minha primeira reacção foi de pânico: como podia ajudá-los a superar esta calamidade?”“Várias perguntas passaram-me pela cabeça. Como podemos en-contrar ordem num mundo tão caótico? Como nos podemos manter à tona quando tanta coisa nos puxa para baixo? Horas depois em-barquei num avião. Sentei-me, ainda desalentada e atordoada, olhei para a direita e um pequeno aviso despertou-me a atenção: ‘LIFE VEST INSIDE’ (contém um colete salva-vidas). Enquanto os meus olhos se fix-avam naquelas palavras, sorri e senti um conforto imediato. Por mais que esbracejemos, um colete salva-vidas mantém-nos sempre à tona da água. O nosso colete, a nossa aptidão para ultrapassar obstácu-los, está dentro de nós. Através da bondade podemos dar aos outros, através da generosidade podemos receber dos outros – e podemo-nos ajudar a manter à tona nas águas agitadas da vida. A bondade muda as pessoas, ajuda-nos a levantar depois das quedas – e naquele preciso momento tomei a decisão de espalhar essa mensagem pelo mundo.”

LIFEVESTINSIDE.CoM

Basílio Martins

Kindness BoomerangRealização: orly Wahba

Actores: samuel silverman, gary ceru, patricia mccurdy, cindy caprio.

5 min. 2011 estados unidos

Page 6: Metropolis 5

6Cineclube

A viagem pelos Cineclubes de Portugal continua e a paragem desta vez é na Maia, onde ficamos a conhecer um Cineclube muito recente, mas que já mostra ter algo a dizer no mapa do Cinema em Portugal.

Cineclube daMaia

Aquele Querido Mês de Outubroem outubro de 2009, o cineclube da maia tem a sua primeira sessão, com a exibição do filme “aquele Querido mês de agosto”, de miguel gomes, na antiga sala de cinema do centro comercial venepor. a primeira sessão contou com cerca de 250 espectadores e “confirmava a possibi-lidade de devolver o cinema tradicional à cidade, uma vez que a sala tinha encerrado a sua actividade comercial no final da década de 90”, como refere andré prata, presidente do ci-neclube. “contando com o apoio da câmara municipal da maia, que se tornara proprietária do espaço, bem como de pequenas empresas locais que se associaram ao projecto, foi pos-sível construir o início de uma actividade regular que foi crescendo numa relação estreita com a própria comunidade e estendendo-se para além do cinema venepor”, acrescenta.andré prata exerce o cargo de presidente desde outubro de 2011, mas não deixa de salien-tar que “não seja nosso intuito que as funções de Direcção tenham necessariamente uma expressão directa mas que sejam antes rotativas, exactamente na vontade de manifestar a forma democrática e colaborativa com que trabalhamos”. a fundação recente do cineclube e os meios de que dispõe são os factores apontados para que este não detenha ainda “qualquer arquivo de obras videográficas ou cinematográfi-cas”. contudo, “mantém-se a vontade de num futuro próximo abrir um novo espaço de sede que possa ser visitado pelo público e ele mesmo possibilitar que se leve a cabo no-vas propostas formativas, caso as condições futuras assim o permitam”, apesar de “a com-petência e prioridade da associação seja dada à promoção e exibição cinematográficas propriamente ditas”.o recorrente tema da crise também não passa ao lado do cineclube da maia, sendo “inevi-tável assumir que a situação económica geral do país não tem contribuído favoravelmente à actividade do cineclube enquanto iniciativa cultural, tanto em termos directos como indirectos. Directamente, no sentido em que contribui para a incapacidade de apoio de empresas locais que pretendem associar-se à actividade, tendo até conduzido à descon-tinuidade de algumas parcerias. indirectamente, na medida em que dificulta o trabalho de conquista de novo público para as sessões, marcado pela ideia de que a ida ao cinema implica um gasto supérfluo”. todavia, “o modelo de gestão com que o cineclube trabal-hou desde início permitiu centrar a sua estabilidade na fidelização de associados, público regular, e pelo facto de não depender até então de apoios estatais (inexistentes este ano) não tem sido posto em causa a subsistência da actividade, ainda que não a permitam am-pliar”. não obstante, “a cada vez mais escassa distribuição de filmes em suporte de 35mm e correspondente supremacia do cinema digital ameaça a continuidade da exibição não comercial de todos os cineclubes que não dispõem de salas equipadas para tal, o que se fará depender da abertura prometida dos programas de apoio condescendentes com esta realidade”.

Número de associados – “Os associados efectivos do Cineclube são neste momento 144, um número que tem crescido ao longo destes três anos de

actividade e que expressa uma condição promissora do trabalho que desenvolvemos”

Fundação – Outubro de 2009Presidente – André Prata

Quotização – Quota semestral (6 Euros) / Quota Anual (12 Euros)Site - http://www.cineclubedamaia.org/

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Cineclube7

Cineclube daMaia

Número de associados – “Os associados efectivos do Cineclube são neste momento 144, um número que tem crescido ao longo destes três anos de

actividade e que expressa uma condição promissora do trabalho que desenvolvemos”

Fundação – Outubro de 2009Presidente – André Prata

Quotização – Quota semestral (6 Euros) / Quota Anual (12 Euros)Site - http://www.cineclubedamaia.org/

Mais do que só cinemaalém das sessões de cinema regulares, o cineclube da maia conta com outros projectos, como o cinema na terra e cinema na relva. o primeiro trata-se de um projecto de itinerância pelas freguesias do concelho da maia, sendo organizado em parceria com a as-sociação local “7 Devaneios” e “nas duas edições realizadas foram percorridas oito das dezassete freguesias do concelho para dar a quem menos tem meios ou hábitos de ver cinema a oportuni-dade de tomar parte gratuitamente em sessões com a intenção de promover o convívio em torno de um filme, recorrendo por vezes também a actuações musicais”. já o cinema na relva é o evento de cinema ao ar livre, que se realiza durante o mês de ju-lho e faz uso de parques públicos do concelho.o cinema para as escolas é outro dos projectos e é considerado como “uma prioridade na agenda anual do cineclube”, sendo que as sessões “têm sido muito bem recebidas por todos os profes-sores, alunos e pais até hoje envolvidos”. a partir da exibição de um filme, os alunos devem “desenvolver uma actividade ped-agógica relacionada com o mesmo, através de material fornecido pelo cineclube a cada professora”. o cineclube assegura ainda o lanche de cada criança e o transporte desde a escola, quando necessário, respondendo assim “às dificuldades das próprias es-colas em promover ofertas formativas neste âmbito e que não envolvam grandes custos”. em 2011, foram abrangidos 1125 es-tudantes neste projecto e em 2012 mais de 1700, considerando a Direcção do cineclube que estas sessões “têm-se revelado das acções com maior dimensão e importância do cineclube, uma vez que procuram explorar a formação de públicos para o cinema desde muito cedo”. a escolha dos filmes é feita dependendo “do formato e objectivo da sessão promovida”. por exemplo, enquanto a escolha para as sessões no cinema venepor é “muitíssimo ecléctica”, a dos ciclos pequenos (conjuntos de três filmes tematicamente relacionados e que são exibidos no pequeno auditório do Fórum da maia) feita “por uma personalidade convidada e em torno de uma temática pré-determinada”. já no cinema para as escolas o género de ani-mação é a prioridade e no cinema na relva “procura-se revisitar obras marcantes da história da cinematografia mundial”.

tatiana HenriquesAquele querido Mês de Agosto

CineMA venepor

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8RIP

RIPPAULO ROCHA 1935 – 2012

GERRY ANDERSON 1929 – 2012

CHARLES DURNING 1923 – 2012

RICHARD RODNEY BENNETT 1936 – 2012

considerado um dos fundadores do cinema novo português, paulo rocha tornou-se uma referência incontornável desta arte que tenta sobreviver num país sem indústria. começou por estudar Direito, mas a sua vida cedo se orientou para o universo cinematográfico, envolvendo-se no movimento cineclubista e ingressan-do mais tarde no parisiense institut des Hautes Études cinematographiques, onde obteve o diploma de realização de cinema. Foi assistente de realização daquele que seria um dos seus autores de referência – jean renoir – no filme «o cabo de guerra» (1962). De regresso a portugal estreou-se na realização com «verdes anos» (1962), vista como uma obra chave do cinema novo, tal como a sua segunda longa-metragem: «mudar de vida» (1966). Foi também assistente de manoel de oliveira em «acto da primavera» (1963) e «a caça» (1964); e actor em filmes de jorge silva melo, manoel de oliveira, joão canijo, Fernando lopes e raquel Freire.

produtor, realizador e argumentista britânico, anderson foi o criador de várias séries televisivas futuristas como «Fireball xl5», «stingray», «thunderbirds», «joe 90» e, numa carreira iniciada quase por acidente no fim dos anos 50. Ficou igual-mente célebre pela criação de um novo estilo de marionetas que denominou de ‘supermarionation’. este estilo não foi bem recebido pelos puristas devido à reduz-ida liberdade de movimentos dos bonecos, que estava quase limitada aos lábios (sincronizados electronicamente), aos olhos e aos braços. no entanto, as séries in-fantis protagonizadas pelas suas marionetas tornaram-se um sucesso e entreteram muitas gerações por todo o planeta. após escrever e produzir algumas longas-me-tragens sem êxito comercial, anderson criou nos anos 70 séries de ficção científica em live-action que se viriam a tornar de culto, como «espaço: 1999» e «uFo».

este ex-pugilista profissional, veterano da segunda guerra mundial, instrutor de dança e multifacetado actor teatral conseguiu tornar-se um intérprete bastante solicitado, aparecendo em mais de duas centenas de filmes, peças e séries televi-sivas; e sendo nomeado para o óscar de melhor actor secundário por «a melhor casa de prazer do texas» (1982) e «ser ou não ser» (1983). Foi a personagem de um polícia corrupto atrás de dois burlões, desempenhados por paul newman e rob-ert redford em «a golpada» (1973), que o tornou célebre em Hollywood. colecci-onou dezenas de papéis memoráveis, como o vilão de «as aventuras dos marretas» (1979), o pretendente de Dustin Hoffman em «tootsie» (1982) ou o chefe da polícia de «Dick tracy» (1990).

sir richard bennett foi um versátil compositor e pianista britânico cuja obra per-correu música de vanguarda, neo-clássica e temas para o palco e para o grande ecrã. estando à vontade em vários géneros, as suas melhores bandas sonoras foram marcadas pelo jazz, como «the Wrong arm of the law» (1963) e «um cérebro por um milhão» (1967). entre outros célebres trabalhos estão os temas românticos de «longe da multidão» (1967), «nicolau e alexandra» (1971) e «um crime no expresso do oriente» (1974), tendo os dois últimos sido nomeados para o óscar. mais tarde recuperaria o mesmo espírito para «Quatro casamentos e um Funeral» (1994).

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00:30 a hora negra9

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1000:30 a hora negra

Jessica chastain

no Coração de HollywoodComo protagonista do filme “Zero Dark Thirty”, de Kathryn Bigelow, Jessica Chastain reaparece como uma figura central da actual galeria de grandes intérpretes do cinema americano – em poucos anos, a sua carreira é absolutamente fulgurante.

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00:30 a hora negra11

em abril de 2012, quando a revista Time publicou a sua já tradi-cional edição anual dedicada às “100 pessoas mais influentes em todo o mundo”, jessica chastain terá sido um dos nomes mais inesperados a integrar a lista.

É certo que, ao longo do ano anterior, o seu nome surgira na ficha de nada mais nada menos que sete novos filmes, incluindo «pro-curem abrigo», de jeff nichols, uma das pérolas da mais recente produção independente, «coriolano», uma reinvenção de shake-speare protagonizada e dirigida por ralph Fiennes, e ainda o multi-premiado «a árvore da vida», de terrence malick. mais do que isso: poucas semanas antes, tinha sido uma das vedetas das cerimónias dos globos de ouro e dos oscars, em ambos os casos nomeada na categoria de melhor actriz secundária pela sua composição em «as serviçais», de tate taylor.seja como for, a Time não estava exactamente a contabilizar pré-mios, muito menos a fazer estatísticas de sucessos comerciais, mas sim a apontar essa qualidade incomparavelmente mais subtil, por-ventura menos aparatosa. a saber: a influência.

Que fazia, ou melhor, que faz de jessica chastain (nascida em so-noma, califórnia, a 24 de março de 1977), uma personalidade influ-ente? o actor gary oldman assinava o texto da Time sobre chastain, avançando com uma palavra francesa, “formidable”, para dar conta do misto de espanto e admiração suscitado por várias interpre-tações da actriz. tendo-a descoberto no filme «Wilde salome», de e com al pacino, oldman convocava as nuances da língua francesa para condensar o efeito de chastain no ecrã: “(...) enorme, espec-tacular, impressionante”. Formidable, voilà!ser influente como chastain tem sido significa, assim, reafirmar a importância das artes da representação no coração de Hollywood. a questão está longe de ser banal ou secundária, sobretudo porque as lógicas dominantes do marketing – por vezes sustentadas por

as serviçais (2011) wild salome (2011)

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algum jornalismo (?) seguidista e sem memória – têm construído nos últimos anos uma imagem simplista do cinema americano e do seu património: o espectáculo cinematográfico seria apenas uma acumulação mais ou menos vistosa e ruidosa de “efeitos especiais”, a ponto de o trabalho de actores e actrizes ser encarado como coisa mais ou menos irrelevante e descartável.

Há, aliás, um significativo valor simbólico no facto de «as serviçais» constituir, até agora, o maior sucesso comercial de chastain (isto se excluirmos a animação «madagáscar 3», em que ela é uma das vozes). De facto, a sua composição de uma dona de casa obcecada pela “imitação” de marilyn monroe na américa do começo dos anos 60 era uma das proezas de um elenco dominado por um grupo de notáveis actrizes – viola Davis, emma stone, octavia spencer, etc. –, a provar, afinal, duas coisas distintas, mas complementares: primeiro, que continua a ser possível construir êxitos de bilheteira que tenham os actores/actrizes como elementos nucleares de ex-pressão; segundo, que apesar da proliferação de super-heróis mais ou menos virtuais, continua também a haver argumentistas e re-alizadores que não abdicam do factor humano como componente fulcral do seu trabalho, por isso mesmo investindo forte nas inter-pretações («as serviçais», recorde-se, tinha como base um romance

de kathryn stockett, abordando o trabalho das criadas negras nas casas da classe média branca, em pleno período de afirmação do movimento de defesa dos direitos civis).

será que o novo papel de chastain no filme de kathryn bigelow, Zero Dark Thirty/00:30 Hora Negra, lhe vai dar o oscar que, para mui-tos, ela já merece? uma coisa é certa: de acordo com as contas da temporada de prémios apenas até aos primeiros dias de 2013, a sua composição de maya (a figura da cia que coordena a investigação para localizar osama bin laden) já lhe valeu doze prémios de inter-pretação (num total de vinte nomeações) atribuídos por diversas associações de críticos dos eua.

Formada na julliard school, naturalmente com uma riquíssima ex-periência de palco (foi no teatro que al pacino a descobriu), jessica chastain possui as qualidades de uma nova musa de Hollywood: é uma actriz de presença invulgarmente forte que, tendo em conta a variedade de personagens que já interpretou, dificilmente se deix-ará fixar num qualquer estereótipo. afinal de contas, aos heróis vir-tuais falta o sangue e a alma de um corpo que representa.

João loPes

a Árvore da vida (2011)

Coriolano (2010)

Procurem abrigo (2011)

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00:30 a hora negra13

Quando kathryn bigelow ganhou o óscar de realização, no dia 7 de março de 2010, pelo filme «estado de guerra» (também eleito melhor do ano), não faltaram as ironias “conjugais”: afinal de contas, ao superar o mais directo concorrente, «av-

atar», de james cameron, ela derrotava o filme do seu... ex-marido. mais recentemente, na cerimónia deste ano dos globos de ouro, tina Fey e amy poehler não resistiram a retomar o filão, ironizando sobre as muito discutidas “cenas de tortura” de «zero Dark thirty»: afinal de contas, bigelow seria uma autoridade no assunto por ter vivido três anos com... james cameron!

acontece que, num sentido irónico, certamente paradoxal, podem-os considerar que bigelow “merece” as anedotas. porquê? porque as singularidades do seu labor, e também a energia criativa da sua obra, definem uma identidade própria em terrenos que, por tradição ou preconceito (por vezes, uma coisa gera a outra), foram muito tempo “exclusivo” dos homens.«near Dark» (1987), entre nós lançado como «Depois do anoitecer», bastou para reconhecer a sua originalidade. não para “antecipar” o que quer que fosse (a crítica de cinema serve para pensar, não para fazer “profeciais”), mas para reconhecer o misto de ousadia e dis-tanciamento com que bigelow pegava num modelo tradicional (o filme de vampiros) para lhe incutir uma invulgar estranheza poética.

«aço azul» (1989) surgiu como o seu manifesto “feminista”: um thriller de muitas surpresas, protagonizado por uma mulher-polí-cia (jamie lee curtis). seguiu-se «point break/ruptura explosiva» (1991), por certo o seu filme mais popular, filmando o “surf” como cenário exuberante de uma teia policial.

seja como for, se quisermos escolher um símbolo exemplar da visão global da realizadora, talvez devamos citar «strange Days/estranhos prazeres» (1995), um thriller de ficção científica que desemboca na

Kathryn Bigelow

nas margens do realismo

strange days (1995)

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passagem do ano de 1999 para 2000. encenando uma conjuntura perturbante de tráfico de memórias digitais (a partir de uma história de james cameron!), bigelow coloca-se, e coloca-nos, numa fasci-nante encruzilhada: tudo parece empurrar-nos para as margens de um mundo apocalíptico e, ao mesmo tempo, tudo parece tocado por um realismo próximo, íntimo, quase táctil. se mais não hou-vesse, isso bastaria para a colocar no centro das grandes convulsões temáticas e estéticas do actual cinema americano.

Jl

Point Break (1991)

The Hurt locker (2008) near dark (1987)

Page 15: Metropolis 5

Zero Dark Thirty15

em 85 anos de história os prémios da academia de artes e ciências – mais conhecidos por óscares, têm sido atribuídos com uma incrível desproporcionalidade entre os sexos no que diz res-peito ás categorias de melhor filme ou melhor realizador, este facto não reflecte da forma mais exacta o envolvimento das mulheres em todos os aspectos daquela que é conhecida como a sétima arte.

na verdade, ao longo de mais de 8 décadas e meia a aca-demia apenas nomeou 11 filmes na categoria de melhor filme, que foram dirigidos ou co-dirigidos por mulheres, e isto apenas aconte-ceu nas últimas 3 décadas. os filmes em questão são «Filhos de um Deus menor» (children of a lesser god) (1986), dirigido por randa Haines; «Despertares» (awakenings) (1990), de penny marshall, «o princípe das marés» (the prince of tides) (1991), de barbra strei-sand, «o piano» (the piano) (1993), realizado por jane campion; «o amor é um lugar estranho» (lost in translation) (2003), de so-fia coppola, «uma Família à beira de um ataque de nervos» (little miss sunshine) (2006), de jonathan Dayton e valerie Faris, «Quem Quer ser bilionário?» (slumdog millionaire) (2008), co-dirigido por Danny boyle e loveleen tandan, «uma outra educação» (an educa-tion) (2009), de lone scherfig; e finalmente «estado de guerra» (the Hurt locker) (2009), de kathryn bigelow, que bisa este ano com a nomeação de «00:30 Hora negra» (zero Dark thirty) (2012).

na categoria de melhor realizador a lista é ainda mais exígua já que até há data só houve 4 mulheres a serem nomeados nesta categoria: lina Wertmuller, em 1976, por «seven beauties» (pas-qualino settebellezze), jane campion, em 1993, por «o piano» (the piano), sofia coppola, em 2003, por «o amor é um lugar estranho» (lost in translation), e finalmente kathryn bigelow, em 2009, com «estado de guerra» (the Hurt locker).

na verdade, este punhado de mulheres nomeadas nas duas categorias maiores dos óscares, poderia ser visto como um reflexo da escassa participação feminina nas áreas de maior responsabili-dade da criação cinematográfica, mas de facto a realidade é com-pletamente diversa pois deste os primórdios da dita ‘fábrica de son-hos’ a participação feminina tem sido decisiva e transversal para o avanço da arte e da indústria.

rB

O Piano(The Piano)

(1993)

HOLLyWOOD NO FEMININO!

O Amor é um Lugar Estranho(Lost in Translation)

(2003)

Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos(Little Miss Sunshine)

(2006)

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1600:30 a hora negra

os ProTesTos em wasHingTon

os protestos sobre a representação de práticas de tortura, por op-eracionais americanos, levou um grupo de associados da amnis-tia internacional a colocar fatos laranjas e máscaras de ski na face, como os prisioneiros na baía de guantánamo. um protesto realiza-do aquando a ante-estreia do filme em Washington. manifestantes e conspiracionistas assumidos que consideram o filme uma fantasia ou uma produção encomendada pelo pentágono. os eventos que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001 partiram de um trabalho de pesquisa exaustiva do argumen-tista mark boal. os criadores afirmaram publicamente nunca ter tido a intenção de gerar controvérsia nem fazer do filme um mani-festo a favor da tortura.

inCredulidade no senado

membros do senado americano levaram mais longe a sua indig-nação com zDt. Dianne Feinstein, responsável da comissão dos serviços de inteligência, juntou-se aos colegas john mccain (ex-candidato republicano à presidência dos eua) e carl levin num pedido à sony pictures para a colocação de um aviso no filme com a menção que os eventos descritos no filme eram ficcionais. a co-missão liderada por Feinstein ainda abriu uma investigação sobre os acessos concedidos à cia e ao pentágono a bigalow e a boal du-rante a fase de pesquisa. um grupo sombra de origem conservadora, a judicial Watch, que afirma zelar pelos interesses dos cidadãos americanos face aos abu-sos do estado, afirmou que durante o último ano e-mails e outros documentos entregues a esta organização indicam que a cia e o pentágono deram acesso privilegiado à produção…

Zero DarK thirty

a ConTrovérsia

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00:30 a hora negra17

a PolémiCa CHega a Hollywood

no último capítulo desta triste controvésia, amy pascal, a co-re-sponsável da produtora do filme a sony pictures entertaiment, afirmou “zDt não advoga a tortura. mas não incluir essa parte no argumento seria irresponsável e falso. nós apoiamos totalmente a kathryn bigelow e mark boal e cerramos fileiras junto deste filme extraordinário.”. amy pascal foi impelida a vir a público em apoio de zDt após a atitude irreflectida de um membro da academia. no dia 9 de janeiro, David clennon escreveu no site truth-out.org “sou um membro da academia de cinema de Hollywood. e sobre risco de ser expulso por comunicar as minhas intenções de voto. não votarei em zDt em nenhuma das categorias” mais tarde acrescentou numa demonstração de rua “estou convicto que o filme zDt promove a aceitação do crime de tortura como uma arma legítima na guerra contra o terror”. amy pascal respondeu “estamos desconcertados que algum membro responsável da academia pudesse utilizar o seu estatuto de votante na ampas [academy of motion picture arts and sciences] como uma plataforma para impor a sua agenda política”. ainda acrescentou “este filme deveria ser julgado sem par-tidarismos. punir a liberdade de expressão de um artista é detes-tável. esta comunidade, mais do que outra, devia saber o quanto isto é repreensível. enquanto nós respeitamos o direito à expressão de qualquer pessoa, a sua conduta é uma afronta à academia e ao espírito artístico.”

era esperada a politização do filme, os eventos abordam uma ferida mal sarada na última década dos estados unidos de 11/09/01. as mudanças drásticas a nível interno e externo tornaram a américa do século xxi num país cínico e cheio de caciques onde uma obra ficcional baseada em factos verídicos, que convida a reflectir e rev-ela o esforço para alcançar a justiça, é percepcionado como uma promoção da tortura.o filme tem lançado um debate racional sobre os temas revelantes e ambiguidades da maior caça ao homem da História americana e não tanto como acabou mas o que aconteceu para a descoberta e eliminação de osama bin laden. É necessário sublinhar que zDt honra o trabalho e o sacrifício daqueles que durante dez anos par-ticiparam na captura de bin laden.

JP

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Les Misérables

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victor Hugo escreveu a sua opus maior na década de 1830 mas só a viria a publicar trinta anos depois. tal não se passou por falta de interesse das editoras, mas fora antes um elaborado plano publicitário que provocou um enorme interesse por parte do público e a imediata popularidade do livro. tanto na escrita, como na vida o autor foi um homem do efeito fácil, do passe de mágica.

a obra teve o repúdio da crítica que facilmente reconheceu o «piscar de olho» ao leitor, os excessos de efeito – mesmo para um romântico - a banalidade e a vulgaridade. e, quase se pode-ria dizer, uma falta de honestidade intelectual na adopção de um pastiche de socialismo. o naturalismo e o realismo – de autores como Émile zola ou Flaubert – vieram mostrar uma verdadeira preocupação social contrastando violentamente com os artifícios de victor Hugo.

mas «os miseráveis», apogeu do folhetim, conquistava as massas. no século xx depressa é adaptado ao cinema, à época o principal veículo de informação para as classes trabalhadoras, na sua grande maioria analfabetas. as franjas mais pobres da socie-dade sonhavam em tornarem-se no self made man jean valjean. sendo o sucesso de bilheteiras garantido, não mais pararam as constantes adaptações cinematográficas.

em 1980, estreia em paris o musical - de claude-michel schönberg, alain boublil, e jean-marc natel - , havendo uma adap-tação para a língua inglesa - por Herbert kretzmer, trevor nunn, e john caird – que surge cinco anos depois e logo conquista lon-dres, a broadway e o mundo, sendo vista por mais de 60 milhões de pessoas em 42 países diferentes.

e é nesta última versão que tom Hooper se inspira para a obra que chega agora às salas de cinema: uma adaptação da adaptação, da adaptação, da adaptação... no caminho perde-se

quase por completo o já inicialmente fraco libelo político e de contestação social, para se apostar ao máximo no patetismo do melodrama.

e como é possível, hoje, o patético? chamaram o séc. xx de cínico, no sentido mais curto do termo. ninguém acreditaria já no que quer que seja: foi o fim das grandes narrativas. o próprio ter-mo “patético” perdeu o seu sentido filosófico de “cheio de pathos”: paixão, excesso, catástrofe, passividade, sofrimento e emoção; para significar ridículo, pequeno, histérico; ou seja, o seu oposto.

e é isso que se sente ao ver a actuação de anna Hathaway. não sendo uma cantora de formação, nem uma miserável de origem só poderia fazer o que fez: uma exibição de baba e ranho com soluços a disfarçarem a falta de alcance tonal. Há um descon-forto ao vê-la cantar «i dreamed a dream»; é como se espreitas-semos pelo buraco da fechadura. a este tipo de choro chamam os americanos de ugly cry: o choro feio que não deve ser mostrado, id est, o choro obsceno.

Dos três géneros cinematográficos que despertam fortes reações emocionais e físicas no público – o horror, a pornografia e o melodrama – só a este último se permite uma classificação «para todos». vemos a obscenidade do patético mais como uma questão de bom gosto ou de bom tom. conceitos hoje, contudo, algo esclerosados.

assim, sem receio do mau gosto ou do gosto fácil, o filme apresenta a miséria como espetáculo para satisfação do público. serve para ao público derramar uma lágrima cúmplice e voltar para casa com a sensação de dever cumprido. por outras palavras, uma miséria de espetáculo.

nuno Vaz de Moura

O ESPETáCULO DA MISéRIAE A MISéRIA DO ESPETáCULO

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Se há realizadores com uma média de filmes por ano acima do recomendável, Quentin Tarantino não é um deles. Com Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio e Christopher Waltz a encabeçar o elenco de um southwestern spaghetti a alumiar sobre tantas referências do passado, Tarantino chega novamente às salas de cinema de todo o mundo, com a promessa de um festival violento-humorístico como só ele sabe proporcionar.

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A HISTÓRIA Dois anos antes da guerra civil norte-americana, Django (Foxx) é um escravo que se cruza no caminho do Dr. king schultz (Waltz), um alemão ocupado a caçar fortunas. schultz procura os crimi-nosos irmãos brittle, e Django poderá ajudá-lo na contenda. o pacto é simples: schultz adquire Django, e este é libertado assim que capturarem os brittles, vivos ou mortos. o sucesso do con-flito dita a libertação do escravo, mas a dupla não se separa. ao invés, seguem destemidos rumo ao sul. À espera de schultz estão novas riquezas, à espera de Django estará a sua mulher broom-hilda (kerry Washington) que perdeu no comércio de escravos. a procura leva-os até calvin candie (Dicaprio), o proprietário de candyland. ao explorarem a famosa plantação sob falsas preten-sas, o duo levanta as suspeitas de stephen (samuel l. jackson), o escravo responsável pela casa. as acções de ambos são seguidas perto, e cada passo é um risco. se Django e schultz querem sair de candyland com broomhilda, devem escolher entre independência e solidariedade, e entre sacrifício e sobrevivência.

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Q De QuALIDADe QueNTIN são 49 anos de vida, e pouco mais de 20 dedicados em pleno à sétima arte. em janeiro de 1992, uma obra que dava pelo nome de “cães Danados” estreava no Festival de sundance. o êxito foi tremendo, e ainda hoje vivemos as réplicas de tamanho estrondo inovador. um miúdo que ainda cheirava a fralda lançava na tela uma longa-metragem capaz de definir o mais importante de todos os movimentos cinematográficos: o nosso e de mais ninguém. tal como conhecemos o plano de Hitchcock, o polígono de picasso ou a guitarra de Hendrix, o cinema de tarantino não perdeu um único segundo a definir-se a si mesmo, e ao mesmo tempo a separar-se de tudo o resto. o espólio da carreira aí iniciada dispensa apre-sentações. Fala por si. e, se fala. Diálogos atrás de diálogos que cimentaram tarantino como um dos mais notáveis escribas de Hollywood, e um dos seus mais conceituados cineastas. 20 anos depois da passagem de «cães Danados» por sundance, a estreia de um novo filme de tarantino gera mais ou menos a mesma confusão que a chegada do circo à cidade. panfletos por todo o lado, artistas capazes das maiores acrobacias, dois ou três palhaços a proporcionar um bom par de gargalhadas e a certeza de que atravessar o trânsito caótico valerá a pena depois de duas horas bem passadas. tem sido essa a garantia de tarantino ao longo dos anos. Quando a qualidade do selo não varia, o cliente fideliza-se. e, muitos são aqueles que hoje estão fidelizados ao realizador de “pulp Fiction”. vinganças orientais, grindhouses, segundas guerras mundiais e westerns do sul, tudo ao molho, dão uma carreira que

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só poderia ser pertença de tarantino. com o bónus de a excitação com que partimos para um filme dele nunca ser inferior à do filme anterior. apesar de alguns ingredientes desta fórmula de sucesso não variarem, a verdade é que tarantino aposta fortemente na inovação de contextos, procurando visitar novas realidades a cada novo filme. e, com este “Django libertado”, a confissão não poderia ser mais evidente. no longínquo ano de 2007, numa entrevista ao the Daily telegraph, tarantino discutiu abertamente a ideia para um western spaghetti durante os anos que antecederam a guerra civil norte-americana, e que se passaria no sul do país. na altura, o cineasta não perdeu a oportunidade de demonstrar os seus intentos, e deixou bem claro o que pretendia fazer. Quero fazer filmes que lidem com o passado terrível da américa rela-tivamente à escravatura e outras coisas do género, mas faze-los como western spaghettis, não como grandes filmes sobre o tema. Quero faze-los como obras de género, mas ao mesmo tempo com o objectivo de abordar tudo aquilo que a américa ainda não conseguiu tratar por estar demasiado envergonhada, e que outros países não focam por achar que não lhes diz respeito. contudo, na criação desta história extraída da génese norte-americana, como não podia deixar de ser, tarantino debruçou-se num bom punhado de referências externas que em muito contribuíram para o resul-tado final. a maior de todas, sem dúvida, o filme “Django” (1966) de sergio corbucci e com Franco nero no principal papel. outra

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inspiração veio de “mandingo” (richard Fleischer, 1975), o relato de um escravo que treina para combater outros escravos. Da hom-enagem a “silenzio” (sergio corbucci, 1968) resultou a sequência de neve que aparece a meio de “Django libertado”. porém, esta é a descrição genérica. tarantino faz o favor de especificar. sempre soube que queria fazer um western, admite o cineasta. e, ao tentar perceber o que este filme seria, sempre achei que se fizesse um western, este teria a estética de um western spaghetti, porque é o estilo que mais gosto. são brutais e com uma qualidade surreal de violência. por isso, há cerca de oito anos tive pela primeira vez a ideia de um homem negro, ex-escravo e caçador de fortunas. o trabalho dele seria seguir criminosos brancos que estivessem escondidos nas grandes plantações do sul, confessa o realizador. mas, isso não é uma história; é apenas uma ideia. uma ideia que esteve na incubadora durante cerca de oito anos, à espera que a altura certa chegasse. Durante esse período de espera, escrevi uma crítica a uma obra de sergio corbucci, o realizador que fez o “Django” original. e, foi nessa altura que comecei a imiscuir-me nesse mundo novo. no final da digressão promocional de “in-glourious basterds” passei pelo japão, onde os westerns spaghetti são muito populares. aproveitei para comprar algumas bandas sonoras e passei um dia a ouvir aquilo tudo, afirma tarantino. De repente, a sequência de abertura surgiu-me. surgiu, e eu sabia que tinha de me sentar a escrevê-la, apesar de não ter comigo o meu bloco de notas. nada como utilizar as folhas que os hotéis deixam nos quartos. Durante os primeiros oito anos, nunca me ocorreu um dentista alemão como o caçador de fortunas. mas, foi nessa altura que trabalhei com o christopher Waltz, um dos melhores actores com quem já me cruzei. ninguém verbaliza os meus diálogos melhor do que ele ou o samuel l. jackson, admite o realizador. eles cantam o que eu escrevo! e agora acho que vai

ser cada vez mais difícil não escrever para ele. De qualquer modo, quando aquela cena apareceu foi o início de tudo, conclui. o início de um filme cujo género está longe de andar nas bocas do mundo. 2013 não é um ano em que provavelmente nos cruzemos com um qualquer transeunte que diga “boa, esta semana estreia um western. tenho que ir ver”. e, tarantino tem uma explicação para isso mesmo. se me perguntarem, “indomável” portou-se bem, e “o comboio das 3:10” também não esteve mal. acho que existe algo mais do que um mero afastamento. no final dos anos 70 tivemos o último lançamento em massa de westerns, aqueles westerns sobre o vietnam/Watergate onde tudo era sobre a desmistificação. e eu gosto desse lado mais obscuro dos westerns saídos nessa altura. mas, há outra condicionante nos anos 70. por muito espectacular que tenha sido, “blazing saddles” teve algum efeito negativo no género. brincou tanto com os westerns que a partir daí tornou-se difícil levar a sério toda aquela dinâmica. essa foi a razão pela qual apenas westerns com o apelo de Watergate ou vietnam fossem credíveis aos olhos do público, afirma o realizador. Foram feitos tão poucos westerns daí em diante, durante os anos 80, que os poucos realizadores que se lançaram na aventura de fazer um, estavam tão satisfeitos consigo próprios e contentes com a oportunidade em mãos, que acabavam por se perder no aspecto visual, na fotografia e nos cenários de cortar a respiração. De repente, os westerns, que tinham sido os nossos filmes de acção onde o trabalhador comum podia descomprimir e passar um bom bocado, passaram a ser uma coisa aborrecida. para quem cresceu durante e depois dos anos 80, os westerns são uma espécie de obra pastoral. e, eis que chegamos a 2013, ano em que tarantino se propõe a romper com o passado recente do género para lhe devolver a aura de outros tempos

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SeGuNDo FIM Quando se sentou a escrever o filme, tarantino não pensava em jamie Foxx. Foxx não foi a primeira escolha para Django. smith sim. Will smith era o actor que o realizador tinha em mente. con-tudo, o príncipe de bel-air recusou o convite. michael k. Williams (“the Wire”) também foi hipótese em cima da mesa, mas nunca passou disso mesmo. o papel acabou mesmo por ir parar às mãos de jamie Foxx que não se fez rogado, e disse logo que sim. até porque, aos olhos do entertainer, tarantino e ele têm muito em comum. Quentin tarantino é um artista de hip hop, e eu já lhe disse isso, confessa o actor. “tu és hip hop e o hip hop é o que tu fazes”. as pessoas costumam perguntar-me “continuamos a ter direito a surpresas, tarantino mostra-nos sempre mais imagens”, ao que respondo, “isso é porque tarantino é hip hop”. um artista de hip hop lança um single, deixa sair um sneak peak aqui, um sneak peak ali, porque sabe que as pessoas vão ouvir. a grande diferença de tarantino para os restantes é o seu nível de execução. a maneira como escreve os diálogos, é quase musical, afirma. ali, em plena rodagem, rescreveu o final do filme. Deita a casa abaixo e diz, “o meu final não presta”. Ficámos a olhar para ele, e perguntámos “o que é que vais fazer, então?”. ele responde “Dêem-me um minuto”. começa a andar de um lado para o outro e de repente “ok, já sei”. vai até à roulotte, e volta com o final do filme, mas um senhor final. ninguém faz isso. Quando um argumentista escreve um guião, vai para a sua cabana no meio de nenhures, fica lá nove meses e aparece-nos com os story boards. este homem vai até à roulotte. essa é a qualidade musical que o diferencia, de basicamente estar a improvisar, mas a improvisar como um génio faria, como mo-zart. mas, até que ponto é que o segundo final é melhor do que o primeiro elaborado por tarantino? jamie Foxx não deixa margem para dúvidas. bem, não quero exagerar mas, caneco, foi qualquer coisa fora do comum. o que é importante é termos a noção de que existem pessoas talentosas, e depois existem pessoas mesmo talentosas. tarantino é uma pessoa com um dom fora do comum, afirma o actor. ele abandonou o set, deu para perceber que o final estava a perturbá-lo bastante, e quando voltou vinha com aquela confiança toda de “agora sim, resolvi este sacana”. e foi simples-mente fantástico. no final, ver-se-á depois na tela, e não quero estar aqui a estragar nenhuma surpresa, aquilo é absolutamente clássico e acaba comigo e o samuel l. jackson num mano a mano no final do filme. Digamos que tarantino acabou por encontrar o final mais apropriado, brinca o actor.

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PoLéMICA Filme de tarantino que não venha com controvérsia à mistura, não é filme não é nada. É certo e sabido que tarantino tem de pisar alguns calos quando presenteia o mundo da cinefilia com uma nova obra. a questão é: Quantas baixas faz pelo caminho? Desta feita, mais do que o visual, é o lado falado da coisa. mais do que as imagens, são as palavras. e, se uma imagem vale por mil palavras, no caso de “Django libertado” é mais o facto de uma palavra ser dita cerca de uma centena de vezes que deixou tudo em polvo-rosa. a crítica mais corrente é o forte uso da palavra nigger. apesar de alguns críticos defenderem a veracidade do termo em função do contexto, muitos são aqueles que apontam o uso excessivo do termo como factor exponencial de violência desnecessária. e, quando no meio destes acusadores encontramos o nome de spike lee, então o caso fica extra picante. numa entrevista à revista vibe, o conceituado cineasta não deixou passar a oportunidade de se pronunciar. acho apenas que o filme é desrespeitador para os meus antepassados. mas, essa é a minha opinião… não falo por mais ninguém. lee acrescentou mais tarde no twitter que a escra-vatura norte-americana não foi um western spaghetti de sergio leone, mas sim um holocausto. os meus antepassados são escra-vos. roubados de áfrica. a minha intenção é honrá-los, afirmou o realizador. a jornalista erin aubry kaplan fez questão de apontar a grande diferença, aos seus olhos, entre o tarantino de Django e o tarantino de “jackie brown”. “[a escravatura] é uma instituição cujos horrores dispensam hiperbolizações, no entanto, ‘Django’ faz isso mesmo, seja para focar o problema, seja para entreter. um realizador caucasiano à volta da palavra nigger numa homenagem à blaxploitation dos anos 70 à la jackie brown é uma coisa, mas o mesmo realizador a transformar a selvageria da escravatura numa espécie de pulp fiction é outra completamente diferente”. taran-tino tem-se mantido à margem da polémica, apesar de muitos terem saltado já em sua defesa. talvez o cineasta prefira que o filme fale por si. Que não falte muito. cá estaremos para ouvi-lo.

Bruno raMos

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28Django Libertado - Quentin Tarantino Q&A

Quentin Tarantino Q&ASão poucos os directores da linha da frente que têm o estatuto de Quentin Tarantino. Ele modificou o horizonte cinematográfico no in-icio dos anos 90, como escritor dos sucessos «True Romance» («Amor à Queima Roupa»), «Natural born Killers» («Assassinos Natos»), «From Dusk Till Dawn» («Aberto até Madru-gada») e como argumentista e realizador de «Reservoir Dogs» (Cães Danados), «Pulp Fic-tion» e «jackie brown». os seus filmes tocar-am um público específico, e levaram-no até ao Óscar com o argumento de «Pulp Fiction».

os anos 2000 trouxeram outra vaga de filmes influentes deste mestre dos vários géneros. Em «Kill bill», a icónica noiva interpretada por Uma Thurman leva a vingança até ao homem que tomou-a como morta. Com «Death Proof», uma série de jovens que adoram di-versão são perseguidas por um condutor de um pérfido carro de duplos. E em «Inglorious basterds» («Sacanas sem Lei»), um grupo de soldados da 2ª Guerra sedentos de vingança está atrás das linhas inimigas para executar um plano para derrubar Hitler.

Em «Django Unchained» («Django Liber-tado»), Tarantino promete rescrever, nova-mente, o livro de regras. Um épico/thriller de vingança sobre um escravo negro no sul profundo (jamie Foxx), um curioso e mortífe-ro caçador de prémios alemão que o liberta (Christoph Waltz) e o perigoso esclavagista (Leonardo DiCaprio) que mantém a sua mul-her cativa (Kerry Washington), «Django Un-chained» é puro Tarantino: inventivo, diverti-do e onde vale tudo. Tarantino partilha a sua visão connosco.

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Levou algum tempo a realizar um western, é uma ideia que já namora há imenso tempo. é um sonho tornado realidade?

sempre quis fazer um western. para mim, só ter a capacidade de fazer filmes é um sonho realizado, seja qual for o género. Quando estava a fazer «cães Danados» realizei o sonho de fazer um filme de gangsters. eu gosto da ideia de ter tentado vários géneros; um filme de guerra, gangsters, artes marciais e agora um western. sempre gostei de westerns, e havia elementos de western nos outros filmes, portanto foi simpático depois de camuflá-lo umas quantas vezes – especialmente em «kill bill vol.2» e «sacanas sem lei» - ter a oportunidade de fazer um western. e mesmo que não seja um western genuíno, desenrola-se no sul. mesmo nesse as-pecto brinquei um pouco com o género.

E tem um cowboy alemão.

sim, mas também há um aspecto interessante nisso, foi um italiano, Franco nero, que desempenhou o papel de Django no filme original. e ainda houve terence Hill no filme «Django, prepare a coffin», onde obviamente interpreta o mesmo personagem. mas todos os outros 39 filmes Django não têm conexão a Django e por vezes nem têm a participação desse personagem. por isso, penso que nos inserimos na lista não oficial de sequelas de Django com algo mais do que o personagem de Franco nero. mas, ao mesmo tempo, tornar o personagem um escravo livre é uma coisa porreira e atirar um personagem alemão ao barulho é algo especial! [risos]

Como é que escolheu jamie Foxx?

juntamo-nos e ele foi fantástico. ele compreendeu a história, o seu contexto e a importância histórica do filme. ele está a representar para mim, para o cinema e para ele mesmo, e também para os seus antepassados. Fez algo que os seus antecessores nunca tiveram oportunidade de fazer. É uma história importante para ele e para os seus; para todas as pessoas e todos os americanos. ele percebeu isso e acertou em cheio. É um actor brilhante e está perfeito no papel, e também há o aspecto de ser cowboy; ele tem os predi-cados de cowboy. Quando o conheci, imaginei se eles escolhes-sem actores negros nos anos 60 para serem estrelas de séries de western, o jamie Foxx teria a sua própria série. Fica bem a cavalo e com o guarda-roupa.

Leonardo DiCaprio como Candie, o esclavagista, é um casting pouco habitual. o que ele teve de espe-cial para ser escolhido?

Francamente, ele mostrou-se interessado no papel. tentei não ser específico com o personagem que estava no argumento, tentei não o descrever para deixar o personagem aberto à sua interpre-tação. ainda pensei na possibilidade de um actor mais velho. e o leo leu o argumento, gostou e começamos a falar. comecei a imaginar como seria fácil reconfigurá-lo como calígula, o rapaz imperador. o tetravô do personagem iniciou o negócio do algodão e o bisavô continuou e tornou-o rentável e o seu pai ainda mais rentável. ele é o quarto candie a assumir o negócio do algodão e está cansado da actividade da família. não quer saber do algodão; por isso está nos combates de lutadores mandingo. mas é um rapaz/príncipe petulante. ele é o luis xiv em versalhes. e há um aspecto maravilhoso só de olhar para isso: se somos donos de uma plantação com trabalhadores brancos, escravos negros e uma gigantesca parcela de terra, bem podíamos ser reis na nossa terra. a mansão seria o seu palácio e todas as pessoas os súbitos.

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realmente, tinha-se o poder de um rei. por isso quis trabalhar essa ideia, luis xiv, mas no sul. as terras de candie formam uma comunidade enclausurada com cerca de 100 km de extensão, é um condado. ele tem o poder de um rei; pode executar pessoas e fazer o que lhe apetece.

Depois de jackie brown, este filme é também uma exploração de aspectos raciais. Há alguma hesitação em lidar com estas matérias?

não há nenhuma hesitação. sei que algumas pessoas poderão dizer algo sobre isso mas depois passa e um filme é um filme. tam-bém, não deixo que algo que possa ser dito por alguém seja um impedimento para eu fazer o que desejo. portanto, não, isso não me perturba, e sempre que alguém levanta esse tema eu afirmo “sim, tens razão mas ao mesmo tempo é um western muito cool.”

Quais foram os desafios de filmar um Western?

as condições atmosféricas! [risos] o clima é o maior problema; é uma questão que nunca se coloca quando visionamos um west-ern. neste caso a chuva ou a mudança súbita de luz. a luz natural que tínhamos no início do dia era diferente de outras horas. esse foi o maior problema porque a luz mudava subitamente e não podíamos terminar as cenas. estes foram os maiores desafios, tudo o resto foi um sonho.

Existe, nos últimos filmes, uma atenção redobrada a um ou dois personagens em particular. Teremos a sensação de ter um filme mais objectivo?

não, é definitivamente um épico. não considero os spaghetti westerns filmes exploitation. são um género tão legítimo como os westerns americanos, e por acaso aprecio mais o seu género. não estava a tentar atingir o exploitation por estar a lidar com temas tão sensacionalistas. não queria que as pessoas pensassem que uma mulher ou um escravo no filme fossem denegridos por prazer. eu demonstro como eles eram explorados, não estou a a fazer sen-sacionalismo mas sim a ser uma testemunha dos seus abusos.

Joe uticHi

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Jamie Foxx Q&AVencedor de um Óscar jamie Foxx é um ac-tor versátil. Acrescentando à sua carreira no grande ecrã, Foxx também é um músico galardoado com Grammy´s, tendo produzido três álbuns no top 200 da billboard e tem uma carreira de sucesso como cómico de stand-up.

Como actor, Foxx estreou-se na comédia «Toys – Fabricante de Sonhos» (1992) e de-sempenhou o seu primeiro papel dramático em 1999 em «Any Given Sunday/Um Domin-go Qualquer» dirigido por oliver Stone. Um trabalho precedido por uma performance notável junto de Tom Cruise em «Collateral/Colateral» de Michael Mann onde recebeu uma nomeação da Academia para Melhor Ac-tor Secundário.

Foxx conseguiu a distinção de ser apenas o segundo actor – depois de Al Pacino – a con-quistar duas nomeações no mesmo ano. A par de «Colateral» Foxx foi nomeado – e venceu – o prémio de Melhor Actor no seu desempen-ho da estrela R&b Ray Charles no biopic de Taylor Hackford «Ray». A seguir a estes suces-sos participou em «jarhead/Máquina zero» e «Miami Vice» e demonstrou os seus dotes musicais em «Dreamgirls» e «The Soloist/o Solista».

Agora é a cabeça de cartaz, com o papel de Django, no último épico de Quentin Taran-tino «Django Unchained», Foxx interpreta um escravo livre e desesperado para se re-unir com a sua esposa amada, que ainda está nas garras de um esclavagista. A partir da rodagem do filme, na plantação de Evergreen no coração da Louisiana, e no meio das cama-ratas dos antigos escravos, Foxx apresenta o seu papel.

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Qual é a sensação de ser o cowboy de Quentin Tar-antino?

É fantástica. É um dos argumentos com mais coragem que alguma fez li, e ter a oportunidade de desempenhar o papel de escravo tipo “gladiador”, onde o escravo tem a possibilidade de conseguir vingar-se, e resgatar a sua mulher…. nunca vimos um western que reconhece a escravatura. É um western com escravatura, é uma história de amor, e outros aspectos diferentes. só o Quentin podia tirar este coelho da cartola. É icónico. e ainda tivemos a possibili-dade de conhecer o “verdadeiro” Django – Franco nero – e fizemos uma cena juntos. talvez não deveria ter dito isso!

De onde vem a audácia de Quentin?

ter coragem, arte e sucesso: é preciso estes elementos. tenho a certeza que há imensas pessoas com audácia que não têm capaci-dade de fazer arte, e a habilidade de fazer hip-hop. Quentin taran-tino é hip-hop. se olharmos para o ranking dos filmes na internet, e quem é o mais procurado, Quentin tarantino está à frente de todos os maiores actores. ele, a certo modo, abriu as portas e rec-lamou os direitos de trabalhar este tema particular. este vai ser um filme duro, mas a maneira como ele filma é incrível. É por isso que ele é Quentin tarantino. tive sorte por ter trabalhado com oliver stone, michael mann, taylor Hackford, sam mendes, bill condon, antoine Fuqua...trabalhei com os melhores e o Quentin está lá em cima com eles.

o que é diferente em Tarantino?

ele é hip-hop. É jovem. ele está em cima do acontecimento. termi-nas a rodagem, vamos sair e voltamos amanhã. É essa forma jovem de pensar, é uma estrela rock. vai além de ser apenas um bom realizador. Quando sai do carro para ir ao restaurante, as câmaras fotográficas estão lá, ele utiliza-as para dar-lhe mais energia. Quan-do está atrás da câmara, ele é um génio. e não se deixa afectar pela

sua popularidade. ele interessa-se mesmo por aquilo que faz. a maneira como ele se preocupa com todos, o tema complicado, os indivíduos que estão acorrentados, ele assegura-se que está tudo ok entre cada take. não vemos muito disso.

Não é o sonho de todas as crianças serem um cow-boy?

sim senhor – todos querem fazer isso [saca do revolver]. percebes o que quero dizer? em criança cresci no texas e tinha pistolas brin-quedo. e deram-me um cavalo no meu aniversário há quatro ou cinco anos, por isso estou a cavalgar no meu próprio cavalo neste filme. o seu nome é cheetah. em muitos filmes que faço há um pa-ralelismo. cresci no texas a ver bonanza e outras grandes séries, a brincar com pistolas, e agora é a minha segunda pele. não preciso que ninguém me ensine. e agora tenho o meu próprio cavalo.

Havia mais alguma coisa a aprender para seres cow-boy?

Havia decididamente algumas coisas que tive de levar em con-sideração como trabalhar com um cavalo. era necessário crescer como cowboy. não podes fazer erros. É preciso algum traquejo para nos sentar-mos em selas antigas. a minha nova sela é de veludo e pelo…mas no filme não posso sentir-me confortável, mas esta sela é mesmo horrível. Depois do filme fico com um andar à cowboy.

Vais levar o teu fato para casa?

claro que sim, estás a brincar – e sabes quem é que vai levar tam-bém o seu fato? o christoph’s [christoph Waltz]. não sei se vistes o figurino dele, é o máximo!

Como foi trabalhar com o Christoph Waltz?

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É como o butch e o sundance, numa embalagem diferente. ele também é corajoso. todos são; basta olhar para os players, temos samuel l. jackson, leonardo Dicaprio, kurt russell, Don johnson, kerry Washington. esplêndido. É mais uma grande trip.

é gratificante interpretar um personagem com esta força?

É incrível. o personagem não entende o que está a fazer por todos [fora do ecrã], mas especialmente para os negros mais velhos que trabalham das 9 às 5 para uma possibilidade de ver o filme, porque eles têm o conhecimento sobre o legado da escravatura e verem um escravo a não dizer “vou resolver o problema da escravatura” mas sim “vou resgatar a minha mulher”. e não sei o que sabes sobre a escravatura, mas todos os afro-americanos na américa são originários de casamentos forçados, ou copulação forçada. o maior garanhão copulava com a escrava mais forte para originar escravos mais fortes. Quando um escravo decidia casar-se com alguém que amava, ele tinha que ser furtivo e andar às escondidas, e se fosse apanhado ela podia morrer e matavam-lhe os filhos. para o Django se apaixonar por essa mulher é algo grandioso. Quando o público feminino visionar este filme, penso que dirá, “uau, gostava de ter um homem que fosse ao inferno com uma arma e um casaco verde para me salvar.”

Pensas que será esclarecedor para o público?

será didáctico mas ao mesmo tempo entretenimento. tem as duas vertentes. possui algumas coisas que o Quentin escreveu ultimamente sobre frenologia e o estudo dos crânios e como a componente religiosa surgiu – Deus afirmou que deviam existir escravos e eles seriam negros – e a ciência dos crânios. Há aspectos muito interessantes. pensas que tens muitas entrevistas para fazer agora. Quando o filme estrear toda a gente vai querer ver «Django libertado».

Joe Utichi

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34Guia para um final feliz

Ardentemente defendido por actores no Twitter (Hailee Steinfeld: “Vi-o quatro vezes e não me sai da cabeça como é tão bom”; Jonah Hill: “Vi pela terceira vez. Não tenho nada a ver com ele. Têm de o ver, é incrível”), enquanto a lendária realizadora Lina Wertmüller lhe chama “ a mais brilhante comédia romântica em anos”,

assinado por David O. Russell, é considerado um dos melhores títulos da colheita cinematográfica de 2012 e forte candidato aos Óscares.

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Guia para um final feliz35

“pat é libertado de uma instituição para doentes mentais após ter sido sentenciado por quase matar um homem que estava a ter um caso com a sua mulher e é então que me conhece, uma viciada em sexo em recuperação, e nós os dois formamos uma história de amor bastante explosiva. bem, não é exactamente uma história de amor, mas quase.” É nestes termos que jennifer lawrence descreve o enredo de “silver linings playbook”, “guia para um Final Feliz” na tradução lusa, mas para sermos mais concretos, pat é pat solatano, um professor que sofre de transtorno bipolar e que, oito meses após o episódio de violência, é libertado ao cuidado dos pais, apresentando-se determinado a reconstruir a vida que perdeu, reconciliando-se com a esposa, que conseguiu um mandato do tribunal para o manter afastado. no meio disto surge tiffany, uma misteriosa mulher também com os seus problemas e que se ofer-

ece para ajudar pat nesse objectivo… desde que ele em troca lhe faça um favor muito importante. só que pat é um indivíduo deses-perado por se manter à tona. e que não está a tomar a medicação. pat é bradley cooper, tiffany jennifer lawrence, os pais robert De niro e jackie Weaver, e o resultado, parte drama familiar, parte comédia romântica, não só é absolutamente desconcertante como digno de celebração.

como acontece com frequência, foi longo e acidentado até “guia para um Final Feliz” chegar ao grande ecrã. e, de acordo com Donna gigliotti, do incontornável estúdio dos irmãos Weinstein, teve “a sorte e o feliz acaso do seu lado”. o romance de matthew Quick foi adquirido, ainda antes da publicação, por sydney pol-lack e anthony minghella, parceiros de produção que tinham um

Spanking the Monkey (1994)oS filMeS de david o. ruSSell

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36Guia para um final feliz

trêS reiS (1999)flirting With diSaSter (1996)

acordo de preferência com os Weinstein. e se o seu desapareci-mento, apenas com um intervalo de dois meses em 2008, deixou um vazio difícil de preencher entre os admiradores do cinema mais clássico, a influência do seu trabalho não terminou, afinal, com “michael clayton” (2007) ou “o leitor” (2008): quando percebeu que não conseguia encontrar uma forma de o adaptar, ainda foi pollack a entregar o livro a David o. russell, pensado que seria uma associação perfeita com o material.

“simplesmente, o sydney não tinha certeza que podia ser feito”, recorda o realizador. “ele tinha preocupações óbvias. Quando se está a lidar com um tema delicado como este, e quando existem momentos que são tão perturbadores, pode ser tão emocional-mente intenso e encantador? pode ser tudo isso? a questão era essa. e, de certa forma, eu soube de imediato que tinha uma boa hipótese porque tinha vivido com alguns desses temas que são inerentemente tão engraçados como devastadores”. De facto, rus-sell podia estabelecer com poucos uma relação: tanto ele como o filho tiveram de lutar com problemas bipolares. e no caso do primeiro, estão bem documentadas mudanças de humor doloro-sas, que o próprio reconhece serem os seus “piores momentos”, “terrivelmente embaraçosos”: em “os três reis” (1999), envolveu-se em confrontos físicos com george clooney quando este disse que não toleraria mais os seus abusos em relação aos membros da equipa; e em “os psico-Detectives” (2004)… bem, basta pesquisar no youtube por “lily tomlin Fights With Director” para ver o seu incrível ataque de fúria durante a preparação de uma cena. em 2007, saído de um divórcio e uma reputação problemática, russell “precisava trabalhar, de escrever alguma coisa e de ganhar a vida. e realmente entendi o material, pelo que era uma questão de ter o tom certo. não podia parar de trabalhar no tom até durante a fase da montagem. a chave para tudo aquilo é manter as emoções das pessoas verdadeiras.” e existiam elementos queridos ao realizador: “achei a família, a vizinhança e a comunidade, o carinho e o diverti-mento de todo aquele mundo bastante encantadores”.embora a união entre material e realizador parecesse perfeita, e este até já tivesse em mente os actores (vince vaughn e zooey Deschanel), o desaparecimento de pollack e minghella e as próprias dificuldades colocadas pela actual indústria assombraram o projecto: “os estúdios costumavam fazer filmes como este e não fazem mais. simplesmente estão a ignorar os filmes destinados a adultos e que estão naquele orçamento entre os 20 e os 40 mil-hões de dólares”, refere gigliotti [“guia para um Final Feliz” acabou

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the fighter - últiMo round (2010)oS pSico-detectiveS (2004)

por custar 21, muito abaixo do valor de uma produção média]. e o pragmatismo obriga os profissionais a ter sempre vários projectos em desenvolvimento simultâneo: uns avançam, enquanto outros ficam para trás. e o segundo caso parecia aplicar-se aqui: gigliotti mergulhou na intensa campanha de “o leitor” para os óscares, michelle raimo, uma das produtoras, foi nomeada presidente da divisão de animação da sony, e russell acabou por partir para a produção de um certo drama ambientado no mundo do boxe.

piStaS para uM projecto feliz

entra o elemento da “sorte”: o argumento arrastava-se (rus-sell tê-lo-á escrito umas 20 vezes), mas raimo insistia junto de gigliotti para não o deixar cair quando estreou com aclamação “the Fighter”, tornando russell um dos nomes mais requisitados da indústria. subitamente, “guia para um Final Feliz” tornou-se uma prioridade. seguiu-se o “feliz acaso”: embora nada seja tão doloroso ou explosivo como o que observamos em “the Fighter – Último round”, os mundos dos dois filmes acabavam por partilhar pontos em comum (e uma rodagem de 33 dias): se no filme de 2010 a história envolvia uma família da classe trabalhadora de lowell (massachusetts), agora tudo decorre no seio de um bairro de classe média na Filadélfia. e de acordo com russell, se a ordem de produção fosse ao contrário, estaríamos agora perante um filme de qualidade inferior: “Quando escrevi o argumento, antes do de «the Fighter», já tinha aquela família, ou aquela dinâmica domés-tica e da comunidade. mas fazer «the Fighter» foi como ir às provas de apuramento para os jogos olímpicos, embora talvez essa seja uma forma errada de colocar a questão. mas pude fazer esse filme de uma forma bastante musculada, com a família e o ambiente que a rodeia a ser uma parte tão importante na sua edificação. e assim voltei à base original do que estava a trabalhar, com mais atenção aos detalhes que me tinham cativado. embora este filme seja muito diferente em relação ao que nos diverte e emociona, é muito interessante como tudo funcionou, ir de um para o outro e depois de regresso ao primeiro. Foi uma espécie de sanduíche de «guia para um Final Feliz» com «the Fighter» no meio.”com a produção finalmente a avançar, os escolhidos mark Whal-berg e anne Hathaway tinham problemas de agenda: o primeiro, o actor preferido de russell (já entrou em três dos seus filmes) tinha de avançar com a rodagem de “contrabando”, enquanto Hathaway

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38Guia para um final feliz

preparava-se para “o cavaleiro das trevas renasce”. o realizador pediu então a bradley cooper, com quem andava a conversar sobre outro projecto que acabou por não se concretizar, para ler o argumento. “sem o oferecer, apenas me pediu para ler”, esclarece o actor. “e isso passou e depois eu estava a fazer um filme em schenectad em setembro [de 2011] chamado «the place beyond the pines» [realizado por Derek cianfrance, contracenando com ryan gosling] quando ele me telefona a dizer ‘sabes, parece que se confirma e quero que entres.’ e eu pensei, ‘bem, não vão filmar em outubro?’ e ele disse: ‘pois.’ ‘bem, eu termino isto na última semana de setembro’. e ele: ‘podes cá vir aos fins-de-semana?”.

o que via russell em cooper, mais reconhecido pelos filmes “a res-saca”, para ser pat solatano? “um indivíduo visivelmente zangado” em “os Fura-casamentos” (2005), um dos seus primeiros trabalhos. “Havia substâncias e uma série de emoções de vulnerabilidade que escondia com a raiva”, recorda. e cinco minutos após se encon-trarem pessoalmente, percebeu que era “uma pessoa muito mais vulnerável e interessante do que aquilo que tenho visto ele ser no cinema.” e tal como a personagem do filme, “de certa forma ele está a reapresentar-se à sua comunidade como actor. as pessoas fazem suposições sobre a personagem quando ele vem para casa e ele procura aumentá-las ou mudá-las com grande dedicação. o mesmo acontece com bradley. a vontade de fazer este papel, a vontade de melhorar como actor e fazer o que fosse necessário é algo maravilhoso para um realizador”.

apesar disto, o visado admite: “acho que era provavelmente uma espécie de mecanismo de defesa, mas a verdade é que tinha tanto medo de fazer este filme e sentia que não era apropriado para ele – o que é ridículo pois sou de Filadélfia, sou italiano-irlandês e fanático dos eagles [a equipa de Futebol americano é uma das

várias obsessões abordadas no filme], os meus pais cresceram em bairros muito semelhantes aos da família de pat, os meus avós viviam assim. afinal de contas, eram mais as semelhanças do que as diferenças.” [David o. russell vai reunir-se com cooper, mas tam-bém christian bale e amy adams, a que se juntará jeremy renner, já em Fevereiro para a rodagem de seu novo filme].

para o papel da volátil tiffany, a busca revelou-se mais intensa e foram feitos testes a várias actrizes. o de jennifer lawrence, fresca da nomeação aos óscares por “Despojos de inverno”, mas longe ainda do sucesso global de “jogos de Fome”, era apenas uma formalidade: russell e Harvey Weinstein achavam que, aos 21 anos, era muito nova para acompanhar bradley cooper nos seus 37. a leitura do argumento foi feita por skype a partir de casa dos pais dela. “e o que aconteceu é que parecia que não havia lugar a discussão. simplesmente, havia algo nela que era… incomparável. Foi notável, algo do género ‘parem tudo’. ela mostrou uma enorme confiança que estava para lá da sua idade. uma tenacidade, doçura e carisma que eram muito especificamente dela. nunca tinha visto nada assim. e ela tinha realmente as ferramentas e a vontade de experimentar as coisas de várias maneiras. É impressionante quando nos entendemos e podemos falar com alguém e parece ter 40 anos embora apenas tenha 21. pode-se falar com ela, existe uma personalidade completa.”tal como sucedia com bradley cooper, também para a actriz a participação no projecto era importante, principalmente depois da popularidade alcançada graças à heroína katniss em “jogos de Fome”, que a obrigou a olhar de outra forma para a sua carreira: “a minha maior preocupação ao aceitar esta «franchise» era que as pessoas não fossem capazes de se envolver nos meus outros filmes — que apenas iriam ver katniss. sem dúvida que pensei muito nos filmes que estou a fazer à volta de «jogos de Fome». por isso, fazer

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um grande filme como «guia para um Final Feliz» era tão impor-tante.” além disso, também pesou o facto de ser uma fã devota dos filmes de David o. russell (“vi «os psico-Detectives» 11 vezes numa semana”) e a possibilidade de trabalhar com alguém chamado robert De niro, com quem tem uma cena memorável em que faz um monólogo de fúria mesmo na sua cara.

seja como for, a elogiada confiança, a mesma que a levou a recusar um contrato para ser modelo aos 14 anos e a dizer que preferia ser actriz, foi testada durante a produção quando se revelou uma péssima dançarina. o que é complicado quando a sua person-agem acompanha a de cooper numa (hilariante) competição: “nos ensaios, ele foi brilhante e eu simplesmente péssima. era como o pai de alguém a dançar. Deve ter sido muito penoso para ele”. o que é duvidoso: para além dos rasgados elogios, a verdade é que os dois já colocaram a sua química ao serviço de um segundo pro-jecto, um drama na era da grande Depressão chamado “serena”, um pouco à semelhante do que aconteceu com jack lemmon e shirley maclaine, reunidos por billy Wilder para “irma la Douce” (1963) depois dos resultados alcançados com “o apartamento” (1960), com que “guia para um Final Feliz” tem sido frequente-mente comparado. “Damo-nos muito bem. profissionalmente é como encontrar a nossa alma gémea. embora aposte que se disser ‘bradley, queres fazer um filme de dança comigo?’, ele foge a sete pés”.e já que se mencionou De niro, vale a pena dizer que, como o pai da personagem interpretada por bradley cooper (um reencontro rápido: tinham trabalhado junto em “sem limites”), surge com uma vitalidade pouco vista nas suas contribuições cinematográfi-cas desde “Heat – cidade sob pressão” (1995). como é habitual, o lendário actor é parco em palavras sobre o que o atraiu na história – a saber, uma ironia semelhante à vida: “existem interacções com

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alguém da família, ou toda aquela dinâmica familiar, e não há nada nas suas preocupações que seja assim tão engraçado, mas as pes-soas podem ver de fora e sentir que o é. acho que isso é excelente, para mim esse é o material mais interessante.” Felizmente, russell deixa perceber algo mais profundo: “ele não gosta de falar tanto sobre as suas motivações pessoais, mas também foi algo que lhe era próximo. acho que ele está a vir de um lugar pessoal e intenso que é, de certa forma, reminiscente do trabalho que ele fez em alguns dos seus primeiros filmes. existe uma seriedade e uma aten-ção que está lá – que está mesmo à superfície e muito próximo de como ele é realmente”, avança. “e isso é algo palpável que os espectadores adoram.” e isso estabeleceu o nível para todos: “ele enviou um sinal claro de ‘estou pronto para representar. não estou a brincar. e memorizei todas as linhas de longos monólogos e estou a levar isto muito a sério.’ isso é um robert De niro forte e foi esse robert De niro que tivemos. e quando isso acontece, todo o ambiente da rodagem é afectado. porque ele é robert De niro, o maior actor de cinema. temos o robert, jennifer, jacki [Weaver, a actriz australiana que arrancou uma nomeação para o óscar no pouco visto, mas já de culto “animal kingdom” (2010), e que é a mãe que tenta sobreviver no terreno armadilhado pelo marido e filho], e depois juntamos shea Whigham, chris tucker, john ortiz, julia stiles [como a muito maldosa irmã de pat]. eles criaram esta família, esta comunidade.”

com “guia para um Final Feliz” a colocar-se entre as revelações cinematográficas da temporada, elogiado pela sua originalidade e humanismo, mas também na forma como percorre sem for-çar aquela linha delicada entre comédia e drama, o que pensar finalmente, depois dos escândalos, da pessoa que fez “spanking the monkey“ (1994), “Flirting with Disaster” (96), “os três reis”, “os psico-Detectives” e “the Fighter — Último round”? talvez Danny elfman, que já tinha a agenda ocupada e não queria fazer a banda sonora para uma comédia romântica (“normalmente, não sei o que fazer com esse género”) e acabou por fazer a música para seis filmes de 2012 — ofereça a síntese perfeita quando, depois do visionamento, se virou para o realizador e lhe disse: “David, encara isso. aceita, fizeste um filme doce.”

NUNo ANtUNes

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E.T.O ExTRA-TERRESTRE

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Quando no verão de 1982 steven spielberg estreia no mercado americano a singela história de uma amizade trans-sideral entre um rapazito humano e um desajeita-do órfão das estrelas, o filme torna-se o maior sucesso de bilheteira da história do cinema, até então, ultrapassando os resultados do titânico guerra das estrelas. o curioso é que spielberg seguiu neste filme um rumo completa-mente inverso do de george lucas, onde este criou uma nova ode á space-opera, plena de pompa, circunstância e doses generosas de efeitos especiais; spielberg por seu lado centra-se essencialmente num elemento cen-tral do seu cinema – a célula familiar, onde a figura pa-terna está algo ausente. algures num súburbio de uma grande cidade da califórnia, elliot, um rapaz de 10 anos, descobre que algo se esconde no telheiro da sua casa – um ser estranho e atarracado com olhos enormes. a criatura foge para a floresta circundante mas o intrépido e muito curioso elliot consegue trazê-lo para dentro de casa graças a um pacote de rebuçados. Deste encontro tão fortuito quanto fantástico vai surgir uma sólida ami-zade que porém vai ser posta á parte não só pela dinâmi-ca da célula familiar, como principalmente pelo mundo exterior – os adultos que querem capturar e estudar o pequeno ser extra-terrestre. o filme é antes de mais uma celebração da infância e da sua magia e simplicidade que ao longo de muitas peripécias acaba por triunfar sobre os objectivos mais concretos e menos recomendáveis do mundo exterior. pelos padrões actuais os efeitos especi-ais não serão assombrosos – eram-no em 1982, porém a passagem dos anos não roubou a e.t. a sua capacidade de maravilhar e emocionar, sendo sem dúvida um dos marcos maiores do cinema de spielberg e do cinema americano das últimas 30 décadas.

RUi BRAzUNA

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Entrevista com

Henry Thomas

(Elliott Taylor)

O que recorda sobre conseguir o papel?Foi-me dito que precisava encontrar-me com o steven spielberg e fazer uma leitura para o seu novo filme que tinha uma premissa de ficção científica. Fiquei muito entusiasmado porque era um grande fã d´ “a guerra das estrelas”. eu como que me imaginei a fazer audições para este novo filme cheio de acção intergaláctica tipo “guerra das estrelas”. Fui e li a cena. também fiz alguma im-provisação, pode-se ver no youtube. no final da leitura, é possível ouvir o spielberg atrás da câmara a dizer, “miúdo, conseguiste o trabalho.” É a única vez na minha carreira que soube que tinha conseguido o trabalho quando deixei a sala das audições.

Ver audição de henry thomas

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E.T. - O Extraterrestre45

O que pensou de Spielberg?ele era incrivelmente entusiasta e literalmente empolgado por fazer este filme e isso foi como que infeccioso. ele falava connosco ao nosso nível. não sei se era de forma consciente ou não, mas ele como que se posicionava de uma forma que sentíamos que era um de nós. não era como um adulto normal e ele como que estava na zona cinzenta do homem-criança. De alguma forma era acessível para alguém de 10 anos e eu compreendia o que ele me estava a pedir.

Como é que descreveria a dinâmica entre você, Robert MacNaughton (Michael) e Drew Barry-more (Gertie)?sou filho único e não tenho qualquer experiência a sério de irmãos para usar. Quando estávamos a filmar, realmente agarrei-me ao robert macnaughton como o meu irmão mais velho, tanto dentro como fora do ecrã. estava sempre a tentar andar com ele e os ra-pazes mais velhos. eles tinham todos 15 anos e eu dez. eu não era o tipo com que eles quisessem andar, portanto havia um pouco da vida a imitar a arte no sentido em que eles estavam sempre a tentar livrar-se do elliott. a Drew era sempre uma fonte constante de alegria para todos, ele era tão engraçada. toda a gente sabia que ela era uma estrela a partir do momento em que a conheciam pela primeira vez.

Quais são as suas memórias de trabalhar com o E.T.?embora estivéssemos na vanguarda da tecnologia em 1981, esta era suficientemente omissa. a criatura era em grande parte mecânica e tal como muitas das grandes coisas mecânicas, avari-

Extras

E.T.Cenas Cortadas

Duas sequências inéditas, destaque para elliott com e.t. numa divertida cena com o extraterrestre a divertir-se na banheira. a noite de Halloween é a segunda cena inédita, vale pela curiosidade.

Steven Spielberg e ET (12´)

uma entrevista de 2012 a propósito desta edição em bD. se-gundo steven spielberg foi um projecto que fundiu «encon-tros imediatos de terceiro grau», que tinha acabado de ser rodado, e uma ideia que tinha desde 1976 de um drama so-bre o divórcio e o impacto nas crianças, inspirado na infância do realizador. Desde 1976 tinha a ideia para o filme melissa mathison (argumentista) ajudou a sustentar e moldou a his-toria final (foi o melhor esboço que leu para qualquer filme que realizou). considera que foi o primeiro filme pessoal da sua vida, não tinha expectativas e estava feliz por improvisar, não havia pressão. nunca pensou fazer um filme tão bom, na primeira apresentação no texas deu-se a surpresa com risos e lágrimas do público durante a projecção. mais tarde o filme foi apresentado na noite de encerramento do Festival de cannes e teve uma recepção apoteótica. no verão de 1982 apresentou «e.t. - o extra-terrestre» na casa branca ao presidente dos estados unidos ronald reagan. o estúdio ainda equacionou uma sequela mas spielberg decidiu não revisitar a história.

The E.T. Journals (53´)

um documentário valioso baseado nas imagens dos bas-tidores. o realizador agradece a paciência da sua equipa, conhecemos as explicações dos movimentos mecânicos de e.t. e o trabalho e a interacção de spielberg com os miúdos.

A Look Back (37´)

um documentário de 2002 sobre a produção do filme. e.t. esteve para ser inicialmente realizado na columbia que op-tou na altura por «starman» (1984), e devolveu os direitos do filme a spielberg que o realizou na universal. nos esboços de ed verreaux sobre e.t. o realizador pediu enfâse nos olhos frívolos, enrugados e tristes. Drew barrymore (gertie) adorou estar no plateau com outros miúdos, eles tinham aulas a meio das filmagens, portanto são memórias da escola e da rodagem. a cena mais difícil de Henry thomas (elliot)

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ava muito. também existia um mimo, caprice roth, que basica-mente se deitava à frente da criatura, por debaixo da câmara, para fazer um pouco de representação com as mãos. De muitas formas, isso salvou a minha interpretação e consequentemente o filme, porque é muito difícil actuar e reagir com uma máquina – mas só essa pequena sugestão de um elemento humano fez toda a difer-ente. De alguma forma, tornou-o real para mim.

A despedida final foi a parte mais difícil de fil-mar?na verdade não foi tão difícil como toda aquela parte da quaren-tena governamental. isso foi mesmo difícil. estavam tantas pessoas na rodagem. basicamente, tudo aquilo colocou muita pressão em mim porque senti que estavam 30 ou 40 pessoas à minha volta esperando que representasse e o melhor era que eu o fizesse. comparativamente, a cena da despedida era essencialmente a equipa de câmara, mais a criatura e eu próprio num estúdio. Foi muito privado.

O que se recorda de beijar Erika Eleniak?essa foi uma das coisas em que tive de ser um pouco conven-cido por spielberg porque estava assustado que os miúdos me gozassem por beijar uma rapariga. Foi bastante indolor, excepto que exagerei um pouco no ensaio e eu e a erika batemos com os dentes. senti-me um idiota completo.

E a corrida de bicicletas?eu não era muito grande e suficientemente forte para pedalar a bicicleta com o e.t. de espuma na cesta- pesava entre 11 e 13

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E.T. - O Extraterrestre47

foi ter de beijar outra rapariga. os sons de e.t. tiveram a colaboração de steven spielberg, Debra Winger e pat Welsh com a ajuda de ben burtt (designer da voz de e.t.). após a estreia em cannes que mereceu uma ovação de 15 minutos spielberg recebeu um telegrama de François truffaut que escrevia “és mais daqui do que eu”

The Music of ET (10´)

john Williams recorda que lhe pareceu maravilhosa a criatura de e.t. apesar dos receios em relação seu aspecto, e as expectativas do filme não se compararam aos resultados finais. john Williams tinha os temas na mente, assistimos a imagens da apresentação em piano de Williams a spiel-berg, com o tema certo a discussão passou a ser rítmica no casamento das acentuações musicais ao filme.

The 20th Anniversary Premiere (18´)

uma viagem aos bastidores da apresentação de e.t. numa sessão de comemoração da sua reedição. uma estreia efectuada no shrine auditorium a 16 de março de 2002 com a exibição do filme com o acompanhamento da orquestra los angeles recording arts com o maestro john Williams. os ensaios e a arte matemática da sincronização. a sessão ter-mina com a subida ao palco do realizador, a equipa técnica e o elenco.

nesta edição em bD o espectador ainda pode descobrir extensas galerias de arte, esboços, materiais publicitários e trailers.

JP

quilos e era um pouco pesado demais para eu conduzir a bicicleta. em muitas dessas cenas estão ceppie mayes e Duke brickenton, uns rapazes novos do bmx muito famosos. lembro-me de estar frustrado por não puder fazer muito da parte de andar de bicicleta.

Como é que foi quando o filme se tornou o maior sucesso de todos os tempos?Foi como ser atingido por um turbilhão. realmente não podia im-aginar. começava a ser reconhecido quando ia a sítios. não estava habituado a isso. no início, ficamos, “uau, sou famoso.” Depois percebemos que o mundo não está contente por me ver, mas sim por ver o elliott e acham que sou o elliott. Foi interessante pois foi um pouco como uma epifania para mim aos dez anos. não lidei bem com isso.

De que formas?a melhor forma de lidar com algo como isto é ser sempre educado. tirar um pouco de tempo do nosso dia, ir de encontro às necessi-dades das pessoas, e depois retirarmo-nos. Quando era muito jovem, houve muitas alturas em que via as pessoas a vir ao meu encontro, gelava e fugia. não é a melhor reacção.

Agora, quando as pessoas se aproximam de si nas ruas, o que lhe dizem?o que acontece mais agora é “tenho de lhe dizer que esse é o primeiro filme que me lembro de ter visto.” Quando eu era mais novo, existiam tantas pessoas a emocionar-se ou a dizer uma frase do filme. não sabia como reagir quando alguém vinha ter comigo e dizia “liga para casa!” [phone home!] e eu dizia, “ok, obrigado, vou fazer isso.”

Avançados 30 anos, tem alguma perspectiva da razão para as pessoas ainda amarem tanto “E.T. O Extraterrestre”?espero estar certo, mas acredito que apela ao sentimento de compaixão de toda a gente. esse é o elemento que atinge as pes-soas. Fá-las sentir bem porque gostam da compaixão que vêem em elliott quando ele está a ajudar esta criatura perdida. para mim é suficiente se for só isso. precisamos um pouco mais disso. o mundo seria um sítio mais simpático para viver.

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48Balanço 2012 - Bilheteiras

BILHETEIRAS b

ALA

Nço

201

2

OS ACONTECIMENTOSculminando um processo que se iniciou com a criação da marvel studios em 1996 (e que, oficiosamente, ainda é mais antigo), com vários filmes de “aquecimento”, “os vingadores” foi o grande lan-çamento de 2012, uma vez que bateu quase todos os recordes de bilheteira e chegou aos calcanhares “titanic” e “avatar” do “rei do mundo” james cameron. ainda assim, como não dar quase tanta importância ao feito de uma saga com 50 anos e constantes rein-venções que chegou este ano ao seu maior sucesso de sempre? naturalmente que falamos de “007 – skyfall”, que praticamente du-plicou os valores de “Quantum of solace”: nunca um filme de james bond tinha chegado aos mil milhões de dólares a nível global, nem aos 300 milhões nos estados unidos (sim, não ignoramos que “gold-finger” ultrapassa em muito esse valor com a a inflação). chegará finalmente aos grandes óscares, que sempre lhe passaram ao lado? entre os grandes destaques de 2012 estão ainda os casos de “o Des-pertar das trevas”, “crónica” e “um ritmo perfeito”, que causaram um impacto nas bilheteiras muito superior ao que deixavam antever o investimento que neles foi feito; a importância determinante do mercado internacional em filmes como “taken - a vingança” “ameri-can reunion”, “Homens de negro 3”, “resident evil”, “viagem ao cen-tro da terra 2: a ilha misteriosa” ou “a idade do gelo 4”; e, a nível do-méstico, o impacto nunca visto do cinema português, tanto a nível comercial, graças aos êxitos estratosféricos de “balas e bolinhos – o Último capítulo” (mais de 255 mil espectadores) e “morangos com açúcar” (quase 237 mil) e, e a um nível mais moderado, de “o cônsul de bordéus”, “linhas de Wellington” e “Florbela”, como artístico, com “tabu” e “rafa” premiados em festivais internacionais. e não esquec-emos os filmes das nossas personalidades do ano, que merecem referência à parte.

007 - skyfall as linhas de wellington

os vingadores

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Balanço 2012 - Bilheteiras 49

as linhas de wellington taken - a vingança

o despertar das trevasos vingadores

O número em que se passa em resumo o que de mais relevante aconteceu em 2012 nas bilheteiras a nível global.

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50Balanço 2012 - Bilheteiras

AS DESILUSÕESDesastre a sério, do género em que muito se investiu e pouco se ganhou, foi “cloud atlas”, mas vá-se lá saber porquê, mediatica-mente os eleitos foram “john carter” e “batalha naval”, talvez por permitirem teorizar sobre o protagonista de ambos, taylor kitsch (convenhamos que um pouco injustamente; muito mais há apontar do que as interpretações)… não é que tenham corrido bem, mas pelo menos as receitas internacionais ajudaram a diminuir os pre-juízos. “Diário secreto de um caçador de vampiros” e “patrulha de bairro“ também foram desastrosos, tal como as novas versões de “Desafio total” e “Dredd”. nas desilusões podemos depois incluir a tentativa de tom cruise em criar uma nova saga com “jack reacher” (bem como a sua aventura musical “a idade do rock”) ou o regresso de julia roberts com “espelho meu, espelho meu! Há alguém mais gira do Que eu?”. para adam sandler, 2012 começou muito mal (“pai infernal”, com danos pouco habituais na sua carreira), mas acabou melhor (a animação “Hotel transylvania”), mas muitas comédias foram dizimadas: “guerra é guerra”, “os três estarolas”, “o Que se espera enquanto se está à espera”, “espera aí... Que já casamos“ ou “À segunda não me escapas“. alguns títulos de prestígio como “as voltas da vida”, “Dos Homens sem lei”, “selvagens” e “the master – o mentor” passaram ao lado dos espectadores e só o mercado internacional tornou mais agradáveis as receitas de “o legado de bourne”, “a origem dos guardiões“, “Fúria de titãs”, “sombras da escuridão”, “underworld: o Despertar”, “ghost rider: espírito de vingança” ou “para roma, com amor”. também abaixo do investi-mento estiveram “amanhecer violento”, “lockout - máxima segu-rança“, “encomenda armadilhada”, “o grande milagre”, “um Homem no limite”, “red tails”, “eu, alex cross” ou “safe - o intocável”. Final-mente, brad pitt teve a sua pior estreia em mais de 20 anos, cortesia de “mata-os suavemente”, e felizmente que george lucas vendeu o império à Disney e ficou ainda mais rico, uma vez que a produção de “red tails” e o relançamento de “a ameaça Fantasma” em 3D só lhe trouxeram dissabores.

desafio total

a idade do rock

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Balanço 2012 - Bilheteiras 51

O HOMEMpodíamos eleger mark Whalberg, que manteve a tradição dos de-sempenhos musculados com “contrabando”, “thriller” enxuto que pagou as contas e terá longa vida em vídeo, e lhe juntou o sucesso estrondoso de “ted”: depois do ensaio de “agentes de reserva” em 2010, com o apoio de Will Ferrell, a sua carreira ganha um outro fôle-go, tal como acontece, de resto, com o realizador (e voz da figura) seth mcFarlane, próximo anfitrião dos óscares. e também ben af-fleck teve grande ano: graças a “argo”, não só tornou-se o realizador mais requisitado da indústria como voltou a ser tolerado à frente das câmaras. no entanto, não apenas por ter sido votado o homem mais “sexy” do ano ou estar à espera do primeiro descendente, a grande figura foi a channing tatum: tudo lhe correu bem na comé-dia (“agentes secundários”), no drama (no autobiográfico “magic mike” e “uma traição Fatal”, conquistando a prestigiosa admiração de steven soderbergh) e até no melodrama (“prometo amar-te”).

channing tatum

A MULHERkristen stewart despediu-se de uma saga (“twilight”) e iniciou out-ra (“a branca de neve e o caçador”), mas com a versão cinematográ-fica de “as cinquenta sombras de grey” ainda distante, os próximos tempos serão dominados pelas adaptações dos livros de suzanne collins. Que é como quem diz katniss everdeen, personagem que catapultou jennifer lawrence, aos 23 anos, para a fama, como se pode constatar por um pormenor ridículo: na sondagem da askmen para atribuir o prémio da mulher mais desejada, passou de 47º para o 1º lugar. e numa era em que cada vez mais o mercado internac-ional é determinante, o filme que permitiu isso, “os jogos da Fome”, foi um colosso à moda antiga: 60% das suas receitas globais, 408 milhões de dólares, vieram das salas de cinema norte-americanas, onde só os “franchisings” consagrados “os vingadores” e “o cava-leiro das trevas renasce” foram mais vistos. ainda mais relevante: na história das bilheteiras modernas, este é o maior sucesso de sempre em que uma figura feminina é a grande protagonista. ao sucesso comercial, a actriz juntou o respeito artístico com “guia para um Final Feliz” e um previsível regresso aos óscares apenas dois anos depois de “Despojos de inverno”. 2012 é dela.

nuno antunes

jennifer lawrence

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52Top 2012 - Redação

ToP

2012

REDAçÃoJoão LoPes

A AVENTURA CoNTINUAe se, apesar de tudo, o cinema estivesse a renascer? e se a degradação televisiva, os horrores da “reality tv” ou as rotinas de telenovelas não fossem suficientes para nos fazer desistir de procurar as imagens (e os sons) do cinema?são perguntas que se justificam, não apenas como reacção à preguiça criativa dos sectores dominantes do espaço televisivo, mas sobretudo porque 2012 foi, afinal, um ano que não quis satisfazer os sacerdotes da “crise” do cinema (e, afinal, da “crise” como única via possível de percepção e reflexão sobre o mundo à nossa volta).estes filmes (e, por certo, mais alguns) lembram-nos várias coisas essenciais. por exemplo, que não faz sentido reduzir o cinema americano aos tecnocratas dos efeitos especiais. e que não é verdade que a produção europeia esteja bloqueada nos equívocos da sua organização. ou ainda que não há uma barreira estanque entre as

experimentações mais futuristas e a relação criativa com os domínios do classicismo. isabelle e Hugo cabret, os jovens que martin scorsese filma em «a invenção de Hugo,» podem servir-nos de modelo quando discutem as suas hipóteses de aventura:— somos capazes de arranjar sarilhos.— nessa altura, teremos a certeza que estamos numa aventura.

1. cÉsar Deve morrer, de paolo e vittorio taviani2. era uma vez na anatólia, de nuri bilge ceylan3. cosmopolis, de David cronenberg4. cavalo De guerra, de steven spielberg5. a invenÇão De Hugo, de martin scorsese6. o substituto, de tony kaye7. amor, de michael Haneke8. o cavalo De turim, de béla tarr9. cirkus columbia, de Danis tanovic10. extremamente alto, incrivelmente perto, de

stephen Daldry

NUNo GALoPim

um filme onde o pouco faz muito, o simples explora o complexo e que deu a michael Haneke a sua segunda palma de ouro, «amor» chegou às salas portuguesas nas últimas semanas de um ano de estreias do qual devemos destacar ainda nesse mesmo plano dos acontecimentos maiores uma outra visão do fim, meticulosamente coreografada e magnificamente fotografada naquele que deverá ter sido o derradeiro filme de béla tarr. além dos dez títulos desta lista que recolhe o melhor do ano de estreias em sala o melhor de 2012 passou ainda por filmes como «Deste lado da ressurreição» de joaquim sapinho e o mais belo filme de oliveira nos últimos anos («o gebo e a sombra»), «rafa» de joão salaviza e o justificadamente muito elogiado «tabu» de miguel gomes, assim como por «magic mike», de steven soderbergh, «vergonha», de steve mcQueen, «as vantagens de ser invisível» de steven chobovsky (o filme mais ignorado este ano pela imprensa portuguesa), o regresso de tim burton ao seu melhor em «Frankenweenie» ou o documentário sobre o último concerto dos lcD soundsytem. com sam mendes, 007

teve em «skyfall» um dos seus melhores filmes de sempre. já em «o Hobbit», peter jackson tropeçou como nenhum momento da trilogia «o senhor dos anéis» poderia ter imaginado. Do que vi em festivais e por outras paragens em 2012 destaco ainda títulos como «a Última vez Que vi macau», de joão pedro rodrigues e joão rui guerra da mata, «lawrence anyways», de xavier Dolan, «keep the lights on», de ira sachs e o belíssimo «beasts of the southern Wild», de behn zeitlin. e alguns destes deverão chegar às nossas salas este ano...

1. amor, de michael Haneke2. o cavalo De turim, de béla tarr3. o substituto, de tony kaye4. aDeus, minHa rainHa, de benoît jacquot5. procurem abrigo, de jeff nichols6. o meu maior Desejo, de Hirokazu koreeda7. era uma vez na anatólia, de nuri bilge ceylan8. Holy motors, de léos carax9. extremamente alto e incrivelmente perto, de

stephen Daldry10. elena, de andrei zvyaginstsev

RUi PedRo teNdiNhA

uma lista onde o cinema português se cruza com um documentário, onde filmes de género de grande estúdio se cruzam com grandes nomes aclamados. mas, ao fim ao cabo, o cinema inconveniente de steve mcQueen, está num outro universo. shame é o filme do ano muito à frente...Depois, claro, o melhor bond de sempre que é ao mesmo tempo um dos melhores filmes de um cineasta maior: sam mendes...

1. vergonHa2. skyFall3. os DescenDentes4. a invenÇão De Hugo5. moneyball6. looper7. tabu8. polissia9. a gruta Dos sonHos esQueciDos

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Top 2012 - Redação53

RUi BRAzUNA

um dos problemas com a elaboração das habituais listas de melhores filmes do ano é que quase sempre acabam nomeados uma maioria de filmes cuja estreia ocorreu nos 2 ou 3 meses anteriores. a minha lista procura ser mais católica e reflecte naturalmente as minhas escolhas pessoais que são sempre reflexo do modo como vejo o cinema: um universo de sonho, aventura, humor e inteligência.

Dou-me conta que uma vez mais a minha lista não segue o cânone politicamente correcto, ou seja o dos filmes que nos dizem ser ‘importantes’, ‘marcantes’, ‘brilhantes’, e outras coisas do género. nunca fui por aí, e não é agora que vou começar. como dizia um grande filosófo do século xx ‘a teologia de um homem é o que faz outro rir a bandeiras despregadas’, e eu vejo o cinema essencialmente como um prazer e não como sacerdócio ou martírio. vejo cinema há muitos anos, e a cada nova projecção sinto sempre uma trepidação, uma expectativa de ir ver algo de novo e original, algo de transcendente. como isso acontece muito raramente fico-me pelos filmes que por as mais variadíssimas razões me deixaram uma marca na memória, no ano que terminou. a seguir fica a minha lista de uma quinzena de fitas de que gostei, a ordem é a da sua estreia e não de qualquer preferência especial.

a gruta Dos sonHos perDiDos, De Werner Herzogjovem aDulta, De jason reitman a invenÇão De Hugo, De martin scorsesetemos De Falar sobre kevin, De lynne ramsayprometHeus, De riDley scott teD, De setH mcFarlane o cavaleiro Das trevas renasce, De cHristopHer nolan para roma, com amor, De WooDy allenlooper - reFlexo assassino, De rian joHnson FrankenWeenie, De tim burton 007 — skyFall, De sam menDescÉsar Deve morrer, De paolo e vittorio taviani mata-os suavemente, De anDreW Dominik clouD atlas, Dos manos WacHoWski e tom tWyker a viDa De pi, De ang lee

e ainda

o inédito iron sky, de timo vuorensola. uma descabelada e hilariante comédia com nazis na lua!!

FLávio GoNçALves

Fazer uma lista dos melhores filmes do ano é sempre uma tarefa injusta – não só para mim, que no futuro a recordarei e, provavelmente, terei outra consideração sobre o ano cinematográfico de 2012, como também para os filmes (que, apesar de tudo, vivem bem com ou sem listas de final de ano). De qualquer das formas, penso que é uma boa amostra de quem fui durante 2012, ano de proveitosas descobertas. Quando revejo estes filmes há qualquer coisa na minha percepção sobre eles que muda e, ao mesmo tempo, qualquer sentimento meu que se descobre. ver «amor», «o cavalo de turim» ou até mesmo «vergonha» é estar próximo de uma vertigem que vai de encontro com a morte e o vazio – são, na verdade, filmes de uma coragem imensa, aquela que por vezes se teme quando se entra na sala de cinema. temos medo de nos vermos a nós no ecrã de cinema – a nós e aos nossos pesadelos. sobre esse aspecto, léos carax deu bem a ideia de que a imagem cinematográfica pode ser mesmo um médium para tomarmos a vida como uma experiência, isto é, como um espaço onde podemos renascer várias vezes e sermos tomados por identidades muito diferentes. É precisamente isso que, talvez, importa reter daqui: serei sempre um espectador em mutação, permeável à mudança, como o próprio cinema. Que nos mude 2013.

1. amor, micHael Haneke2. o cavalo De turim, bÉla tarr3. vergonHa, steve mcQueen4. Holy motors, lÉos carax5. extremamente alto, incrivelmente perto, stepHen

DalDry6. Deste laDo Da ressurreiÇão, joaQuim sapinHo7. martHa marcy may marlene, sean Durkin8. cavalo De guerra, steven spielberg9. procurem abrigo, jeFF nicHols10. magic mike, steven soDerbergH

o cavalo De turim

a gruta Dos sonHos esQueciDos

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54Top 2012 - Redação

vAsco mARqUes

1. o cavalo De turim2. tabu3. AMoR4. procurem abrigo5. apolloniDe - memórias De um

borDel6. oslo, 31 De agosto7. cavalo De guerra8. a gruta Dos sonHos perDiDos9. a vinganÇa De uma mulHer10. ali - o caÇaDor

BRUNo RAmos

1. argo2. o artista3. MoNEybALL4. o cavaleiro Das trevas renasce5. a viDa De pi6. skyFall7. cavalo De guerra8. amigos improváveis9. a invenÇão De Hugo10. os jogos Da Fome

LUís sALvAdo*

amoro artistaargoclouD atlasoS DESCENDENTESle Havrea invenÇão De Hugoloopermoonrise kingDomvergonHa* ordem alfabética

JoRGe PiNto

1. tabu2. A INVENçÃo DE HUGo3. um amor De juventuDe4. prometHeus5. skyFall6. amor7. o cavalo De guerra8. ForÇa ralpH9. clouD atlas10. joHn carter

BAsíLio mARtiNs

1. tHe grey – a presa2. joHn carter3. puncture – a verDaDe esconDiDa4. looper – reFlexo assassino5. a ciDaDe Do teu Destino Final6. o artista7. SKyFALL8. 2012 tHe mayan WorD (sem estreia

nacional)9. 97% oWneD (sem estreia nacional)10. tHe conspiracy (sem estreia

nacional)

tAtiANA heNRiqUes

1. a invenÇão De Hugo2. a viDa De pi3. o ARTISTA4. albert nobbs5. a Dama De Ferro6. millenium 1: os Homens Que

oDeiam as mulHeres7. o substituto8. moneyball – jogaDa De risco9. os vingaDores10. teD

ToP

2012

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Top 2012 - tv55

ToP

2012

TV

JoRGe PiNto

1. Hell on WHeels (amc)2. tHe Walking DeaD (amc)3. HomelanD (sHoWtime)4. tHe game oF tHrones (Hbo)5. maD men (amc)6. line oF Duty (bbc)7. boarDWalk empire (Hbo)8. girls (Hbo)9. sHerlock (bbc)10. tHe killing (amc)11. justiFieD (Fx)12. Fringe (Fox) 13. veep (Hbo) 14. House oF lies (sHoWtime)15. strike back (sky)

RUi BRAzUNA

na tv as minhas escolhas são mais consensuais

a minha selecção, naturalmente sem totalitarismos hierárquicos, reúne algumas das melhores e mais incontornáveis produções televisivas de 2012.

tHe Walking DeaD tHe killing (versão sueca)sHerlockgirls justiFieDFringecopperHell on WHeelstHe game oF tHronesamerican Horror story

pediram-me 10 mas eu insisto em citar mais algumas séries que me deliciaram: tHe big bang tHeory, 2 broke girls, person oF interest, Dr. WHo, e revolution.

tHe Walking DeaD

Hell on WHeels

HomelanD

tHe game oF tHrones

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56Top 2012 - Cinema em Casa

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012

ToP

2012

CINEMA EM CASA

ToP DE TELEVISÃo EM DVD

1. oS SIMPSoNS 15ª TEMPoRADA (PRIS)2. era uma vez (zon / Disney)3. boarDWalk empire 2ª temporaDa (zon /

Warner)4. guerra De tronos 1ª temporaDa (zon /

Warner)5. sangue Fresco 4ª temporaDa (zon / Warner)6. sHerlock 1ª temporaDa (pris)7. milDreD pierce (zon / Warner)8. DoWntoWn abbey 1ª temporaDa (zon)9. WeeDs – erva sÉrie 610. Dexter 4ª temporaDa

ToP 10 DVD / bD

1. george´s mÉlliès (Divisa Home viDeo)2. oS joGoS DA FoME bD (PRIS)3. o Fantástico Homem aranHa (pris)4. et eDiÇão De aniversário bD (zon /

paramount)5. tubarão eDiÇão De aniversário bD (zon /

paramount)6. titanic bD (pris)7. sHerlock Holmes – jogo De sombras (zon /

Warner)8. prometHeus bD (pris)9. Homens De negro 3 (pris)10. glauber rocHa (miDas)

o “cinema em casa” começa finalmente a ver a distribuição digital não como uma alternativa solitária mas como um parceiro. a partir dos estados unidos vêm boas notícias com a integração no mercado das cópias virtuais em conjunto com o formato blu ray e DvD. este fenómeno acontece apesar da baixa das vendas físicas de DvD e bD (menos 30% desde 2004 e actualmente na ordem dos 14.6 mil milhões de dólares) o aumento do aluguer graças aos quiosques redbox com filmes a 1.20$ e a subida de 78% nas receitas de visionamento digital através de stream-ing e renting de filmes e séries a partir de serviços online como amazon, itunes, Hulu e a netflix. e mesmo assim, os estúdios americanos apostam em não abandonar o formato físico. o coleccionismo e as opções especiais que as edições possuem fazem diferença perante o download digital. este tipo de edições integradas unem prós e con-tras oferecendo o melhor de dois mundos com a inclusão do formato ultraviolet. ao adquirirem o suporte físico mais a versão ultraviolet os consumidores têm acesso exclusivo ao download e a stream do filme e dos seus conteúdos para o seu computador pessoal e dispositivos moveis. o único estúdio que ainda não integra esta possibilidade nas suas edições é a Disney. até setembro de 2012 o serviço já tinha 5 milhões de aderentes. um dos grandes desafios para os estúdios foi sempre a passagem de um formato para o outro e a consequente perda de consumidores enquanto a transição não estava concluída (vHs-laser-disc-DvD-bD). esta opção/serviço é um modo racional de se oferecer um serviço multifuncional ao público, não perdendo consumidores provavelmente auxiliando-os na transição e, em última análise, viabilizando os formatos físicos. ambos os top´s estão feitos na perspectiva de edições que trazem para além do filme e a série uma mais-valia ao espectador através dos extras ou pelo seu contexto histórico. precisamente quando as formas legais de dis-tribuição online e vod começam a amadurecer o suporte físico ganha outro contexto e faz a diferença para os fãs e coleccionadores que têm interesse de descobrir e guardar para sempre os pormenores que estiveram na criação das suas “devoções”.

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Balanço 2012 - música 57

música 2012:

Um ano em bandas sonoras

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012

A banda sonora de ‘Vergonha’, de Steve McQueen, revela além de uma cuidada seleção musical, a definitiva confirmação do talento do compositor britânico Harry Escott.

em tempo de balanço do que de mais significativo o ano de 2012 nos deu frente ao grande ecrã, porque não um olhar sobre os melhores discos que, nascidos de uma experiência cinematográfica, ganharam entretanto espaço para uma vida própria? a lista que aqui apresen-tamos é uma tabela feita com os dez melhores discos com música para cinema, não uma lista da melhor música que o cinema viveu em 2012 (uma vez que nem todas as bandas sonoras foram editadas, bastando para isso recordar o caso de «o cavalo de turim», de béla tarr, com mais um episódio de sublime colabo-ração com mihaly vig ou «Holy motors», de léos carax, onde escutámos uma belíssima canção, na voz de kylie minogue, nascida da pena de neil Hannon). Falemos as-

sim, de discos editados (em formato de lp, cD ou, pelo menos, em suporte digital).

a mais interessante das bandas sonoras de 2012 serviu em pleno a fotografia cuidada e ajudou em muito a caracterizar as personagens de «vergonha», de steve mcQueen, com particular brilho não apenas nas composições originais de Harry escort, mas nos complementos escolhidos entre gravações de john coltrane, glenn golud, chic, blondie ou tom tom club (estas três últimas contribuindo para dar voz concreta à coleção de discos do protagonista, interpretado por michael Fassbender), merecendo ainda menção a interpretação de New York New York por carey mulligan que tem igualmente representação determinante na narrativa que acompanhamos. a cereja sobre o bolo de uma tão cuidada, versátil e criteriosa seleção musical é contudo a contribuição da partitura original de Harry escott. músico britânico, iniciou a sua carreira na música como corista em Westminster, continuando os estudos no royal college of music e na universidade de oxford university, onde estudou com robert sherlaw-johnson e Francis pott. muitas das suas primeiras experiências na música para cinema foram trabalhos co-assinados por molly nyman (a filha de michael nyman). entre os seus trabalhos conta-se já a música para «road to guantan-amo» de michael Winterbottom ou «the arbor», de clio barnard, que lhe valeu uma nomeação para os cinema eye awards em 2011. em «vergonha» dá-nos uma ex-pressão, por via da música, da profunda solidão que se abate sobre a figura do protagonista, num trabalho que alia a presença do piano com a de cordas que desen-ham, em tons de melancolia, uma muralha sombria que trava a luz e faz como que um efeito de estufa sobre a desolação que ali habita.

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58Balanço 2012 - música

1. sHame, de Harry escott + outros

(sony)

2. keep tHe ligHts on, de arthur

russell (audika records)

3. cosmopolis, de Howard shore +

metric (Howe records)

4. tHe perks oF being a

WallFloWer, de michael

brook(lions gate records)

5. amour, de alexandre tharaud (emi)

6. moonrise kingDom, de alexandre

Desplat + outros (commercial

marketing)

7. ruby sparks, de nick urata (milan)

8. FrankenWeenie, de Danny elfman

(emi catalogue)

9. extremely louD anD increDibly

close, de alexandre Desplat (Water

tower music)

10. take sHelter, de David Wingo

(grove Hill)

entre a lista dos demais lançamentos que marcaram o ano desta-camos a coleção de canções de arthur russell com que ira sachs valoriza os espaços de «keep the lights on» (sublinhando a identidade nova iorquina das vivências que retrata) e que existe apenas em lançamento digital. merece ainda nota maior a colabo-ração entre Howard shore e os canadianos metric (que em tempos já colaboraram com olivier assayas em «clean») na composição da música para o mais recente filme de David cronenberg, de cuja banda sonora de destaca ainda a contribuição de k’naan em Mecca.

composições de michael brook, alexandre Desplat, nick urata, Danny elfman e David Wingo e uma invulgar colaboração entre um pianista e um cineasta, como vemos em «amor», de Haneke, que conta com uma contribuição de alexadre tharaud (um dos grandes pianistas franceses do nosso tempo) que não se limita ao plano do áudio completam uma lista de dez momentos que, depois de vistos no ecrã, podemos assim continuar a ouvir.

nuno galoPiM * (jornalista Dn)

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Balanço 2012 - música 59

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60Balanço 2012 - animotion

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012

Foram 14 as estreias de cinema animado em portugal no ano 2012 e, apesar da qualidade média dos filmes ter sido razoavel-mente elevada, quase nenhum deles deverá ficar para a história. e, tendo em conta que quase só estamos a falar de películas norte-americanas, isso revela qualquer coisa do atual estado da animação nos eua: fitas de um profissionalismo inexcedível ao nível da produção, em que até as sequelas apresentaram uma qualidade inesperada, mas que nunca fogem à mesma fórmula, aproveitando pouco as capacidades quase ilimitadas do formato.

animação 2012:

aposta na continuidade

em portugal, o primeiro e o terceiro filmes mais vistos do ano em 2012 foram precisamente de animação: «madagáscar 3», com cerca de 632 mil espetadores, e «a idade do gelo 4: Deriva con-tinental», com 507 mil bilhetes vendidos. ambos foram também êxitos monumentais além-fronteiras e, apesar da potencialidade limitada das premissas de ambos, tanto um como outro con-seguiram surpreender e ser bem melhores que o esperado, sendo até o primeiro deles o melhor da trilogia que encerra.Depois, vindos dos grandes estúdios norte-americanos, chega-ram mais fitas de animação informática: «lorax», «a origem dos guardiões», «brave indomável» e «Força ralph», todos eles grandes sucessos. o último é o melhor filme de animação informática do ano, mas todos os outros são obras de qualidade, com brave a perder na comparação com a produção média da pixar. são películas animadas de forma exímia, tecnicamente notáveis mas, exceptuando ralph, sem nada de muito surpreendente em relação ao que temos vistos todos os anos. uma aposta na continuidade, portanto. Fora as estreias menores dos “filmes de série b” «sininho o segredo das Fadas», «sammy 2 e impy na terra da magia», e da reposição de «a bela e o monstro em 3D», o maior rasgo de irreverência surgiu nas três fitas com a técnica mais tradicional, o stop-motion: «os pi-ratas!», «Frankenweenie» e «paranorman», a jogar com humor mais fino e, embora sem sair do contexto familiar, a apostar em referên-cias mais adultas. infelizmente, todos os três tiveram resultados de bilheteira abaixo do esperado, o que não augura nada de bom em termos de aposta futura na animação de volumes.

um monstro em paris

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Balanço 2012 - animotion 61

Das estreias animadas em portugal de 2012 resta o francês «um monstro em paris», um projecto não totalmente conseguido de bibo bergeron, uma tentativa simpática e bem humorada de recriar a Belle Époque da cidade luz com tonalidades fantásticas. mas acaba por ser esta a aposta menos convencional do ano em termos de distribuição, por se tratar da única fita não americana ou britânica a jogar um pouco acima do campeonato dos espectado-res mais pequenos (como Impy ou Sammy 2), embora não saia do contexto familiar. infelizmente, apesar de sucessos noutros anos como «persépolis», «a valsa com bashir» ou a produção nipónica de Hayo miyazaki, a distribuição portuguesa raramente dá pas-sos em fitas mais arriscadas que poderiam quebrar a previsível dieta de animação das salas portuguesas. por exemplo, apesar de ser nomeada ao óscar de melhor longa-metragem de animação, «chico e rita», a encantadora fábula musical de Fernando trueba, foi criminosamente lançada directamente em DvD no nosso país, e apesar de já terem sido compradas para portugal fitas mais adultas como «le magasin des suicides», de patrice leconte, ou o espanhol arrugas, passado numa casa de repouso, nada garante que ven-ham mesmo a estrear. por isso, fica a incógnita para 2013: será que animação americana, mesmo mantendo a qualidade, vai furar os esquemas narrativos tradicionais e fazer uso das potencialidades ilimitadas da animação? e será que a distribuição em portugal vai apostar em fitas exteriores ao eixo anglo-saxónico? num ano em que estreia mais uma longa-metragem de Hayo miyazaki, «the Wind rises», esperemos bem que sim.

luis salVado

paranorman

Frankenweenie

os piratas!madagáscar 3

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62Cine-Transcendências

revolver“wake uP, mr. green”

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Cine-Transcendências63

“Há algo sobre ti próprio que não sabes. algo que irás negar que sequer existe, até ser tarde demais para fazer algo sobre isso. É o único motivo para que acordas de manhã. o único motivo que te leva a aturar o patrão merdoso, o sangue, o suor e as lágrimas. isto porque queres que as pes-soas saibam quão bom, atraente, generoso, engraçado, louco e esperto tu realmente és. temam-me ou adorem-me, mas por favor, pensem que sou especial. partilhamos um vício. somos viciados em aprovação. estamos cá todos pela palmadinha nas costas e pelo relógio de ouro. o “hip-hip-hoo-fuckin’ rah”. olha para o menino esperto com a medalha, a polir o seu trofeu. brilha, "crazy diamond", porque somos apenas macacos embrulhados em fatos, a implorar aprovação alheia.”

a vida é um jogo de sorte, ou construímos o nosso destino? É um jogo de xadrez, em constantes jogadas pensadas, onde o nosso oponente somos nós próprios? existe um oponente? existe escolha? existe realmente o livre-arbítrio? o que é ganhar ou perder este jogo, o que é que isso significa?

mas, primeiramente, “quem sou eu”? Quem pensa? Quem faz a escolha? Quem se observa, quem deseja, quem fala, quem ri, quem mente, quem troça? Quem?

como matar o ego, segundo guy ritchie:

“só ficas mais esperto a jogar com um oponente mais esperto que tu.”

Depois de estar preso durante sete anos em solitária, a estudar mecânica quântica e jogadas de xadrez, jake green sai com um plano de vigança; o que ficou errado tem de voltar a estar certo. É recrutado, sob coacção, a desenrolar uma história de testes e jogos mentais, que o libertam dele mes-mo. jake tem de enfrentar a sua própria morte e de despojar-se de tudo o que possuia, tudo o que considerava valioso. tem de despojar-se de tudo, e despojar-se a ele também. libertar-se da valorização material, libertar-se das identificações que criou de si mesmo.

“em todos os jogos ou engodos há sempre um oponente e uma vítima. Quanto mais controle a vítima pensa que tem, menos controle ela real-mente tem. gradualmente, ela enforca-se, enquanto o oponente apenas a ajudou a lá chegar. se o oponente é muito bom, irá pôr a vítima num ambiente que ele possa controlar. Quanto maior o ambiente, mais fácil o controle. gradualmente a vítima irá jogar com as regras que aprendeu e será controlada por essas regras. encontra-se a sua fraqueza, dá-se só um pouco daquilo que ela pensa que quer. basicamente, o oponente apenas distrai a vitima deixando-a consumir o seu próprio consumo. mas, se isto não funcionar, o oponente irá sufucar, humilhar, ridicularizar ou mesmo destruir a ameaça totalmente. Quanto maior o truque, ou mais antigo, mais fácil é de fazer, baseado em dois principios: a vítima pensa que não pode ser tão velho nem tão grande. Quanto mais a vítima investe, mais difícil é de voltar atrás. eventualmente, quando o oponente é questionado, significa que a vítima também é questionada, o que faz a sua própria inteligência ser questionada, e ninguém aceita isso, nem para si mesmo.”

Quem é a vítima e o oponente? se o oponente é o ego, a vítima é o ser. se o campo de batalha é a vida, a mente e tudo o que achamos que somos e nos rodeia, quais das acções que fazemos são realmente nossas?

Depois de despojado o que está a mais, as variadíssimas personagens que o ego incorpora e diz ser “eu”, de se ganhar a humildade e assumir que não se sabe quem é esse “eu”, de saber ir ao local onde não se quer ir para o encontrar, há o momento de confronto, onde se pode mesmo sentir o ego a actuar. o momento em que se pode assumir o controle de novo, pois uma vez visto, está identificado.

“o maior truque que ele alguma vez pregou foi fazer-te acreditar que eras tu.”

Matilde Magro

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64Linha geral - sambizanga

Censura, nunca mais? A censura aos filmes exibidos em Portugal acabou após o 25 de Abril de 1974. Ou não? A recente recusa da atribuição da classificação “Filme de Qualidade” a «Vertigo» relança a questão [trate-se de censura económica ou de outra]. A propósito, lembramos a história da suspensão, por Vasco Gonçalves, a «Sambizanga», obra emblemática da luta anti-colonial em África.

LINHA GERAL

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65 Linha geral - sambizanga

adaptação da obra de luandino vieira (“a vida verdadeira de Domingos xavier”) «sambizanga» (1972), realizado pela realizadora de guadalupe, sarah maldoror – nascida barbados mas que adoptou este nome artístico em homenagem aos contos de lautréamont – foi feito no âmbito de um cinema militante, mais especificamente de militância no movimento popular de libertação de angola (mpla). sarah, que estudou cinema na união soviética, foi companheira de mário pinto de andrade, o qual colaborou na adaptação do texto de luandino para o cinema. Quanto ao filme, embora dê mais enfoque ao papel da mulher do que a obra original, relata a prisão de Domingos, por actividade subversiva, o qual morre na sequência da tortura e maus-tratos infringidos pela polícia política portuguesa.

em portugal, a sua exibição – proibida antes e suspensa depois – no pós-25 de abril de 1974 não foi isenta de polémica.

o historiador de cinema josé de matos-cruz escreveu que a estreia do filme – no cinema universal a 19 de outubro de 1974 – foi previamente suspensa por ordem do então primeiro-ministro, vasco gonçalves. no entanto, uma consulta ao processo do filme, proveniente do acervo da inspecção geral das actividades culturais depositado no arquivo nacional da torre do tombo, não revela censura ao filme nem alude a qualquer tentativa de suspensão do mesmo (sni, igag, 2ª incorporação, caixa 474).

aurora torrodão integrou a primeira comissão de classificação de espectáculos após o 25 de abril e nega que tenha havido interferência no processo de análise e classificação do filme. explica que nos primeiros anos do funcionamento da comissão

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66Linha geral - sambizanga

havia um grande debate em torno dos filmes – principalmente dos susceptíveis de causar polémica pela natureza das imagens. Diz que lembrar-se-ía certamente se a suspensão do filme tivésse sido discutida pela comissão, da qual faziam parte vários militares, ou caso tivésse havido pressão sobre esta. entre os casos “polémicos” recorda «o último tango em paris», para o qual os membros da comissão forjaram a expressão “este filme contém cenas eventualmente chocantes” de modo a acautelar susceptibilidades. Quanto a pressões directas para censurar filmes recorda a exercida por nuno abecassis quando era presidente da câmara municipal de lisboa para que não fosse exibido «eu vos saúdo, maria», de jean-luc godard, em 1985.

antónio da cunha telles confirma a suspensão de «sambizanga» mas esclarece que o processo não ficou documentado. recorda que o filme devia ter estreado numa data políticamente sensível [embora não consiga precisar qual]. Foi chamado, na qualidade de distribuidor do filme, ao palácio Foz onde o então Director geral da cultura e espectáculos, vasco pinto leite, lhe disse que não queria imiscuir a instituição no assunto e que cunha telles teria que deslocar-se a s. bento, à residência do primeiro-ministro. aí, cunha telles reuniu com várias pessoas, entre as quais o ministro da Defesa do i e ii governos constitucionais, mário Firmino miguel. este informou-o simplesmente que o filme não podia ser exibido nas “circunstâncias que então se viviam”, pois grandes “conflitos emocionais” dividiam a sociedade portuguesa. “Foi um pouco embaraçoso. não se tratou de espírito de censura. receava-se que a exibição do filme exacerbasse a situação de conflito e viésse a causar distúrbios por parte das pessoas que estavam contra a independência de angola”.

É presumível que a data crítica a que cunha telles se refere seja a de 28 de setembro de 1974 – um sábado (não esquecer que as estreias cinematográficas eram então à sexta) – para o qual sectores mais conservadores da sociedade portuguesa convocaram a que foi designada “maioria silenciosa” para manifestar, em belém, o apoio ao presidente da república, general spínola, visando reforçar o poder político deste e contrariar “extremismos”.

É sabido que otelo saraiva de carvalho do copcon e o ministro da Defesa mário Firmino miguel reagiram e que a manifestação foi interditada pelo mFa. os partidos políticos de esquerda distribuiram entretanto comunicados apelando “à vigilância popular” contra o que chamam “minoria tenebrosa”. Quanto a spínola, tentou reforçar o poder da junta de salvação nacional e, em vão, estabelecer o estado de sítio. Derrotado, spínola demitiu-se a 30 de setembro sendo substituído pelo general costa gomes. neste caso da suspensão de «sambizanga», filme que assume claramente a luta pela independência de angola, é preciso não esquecer que spínola era a favor de uma solução federalista para as ainda colónias portuguesas.

uma carta do leitor m. josé alexandre, de lisboa, publicada na página 19 da revista panorâmica nº 2, edição de out/nov de 1975, corrobora esta hipótese: “a propósito, a medida do primeiro-ministro, vasco gonçalves, quando proibiu a passagem do filme ‘sambizanga’, foi rectificada alguns dias depois, e pudemos ver o filme de sarah maldoror sobre a luta política do m.p.l.a”.pouco tempo depois destes eventos, o distribuidor recebeu então a indicação que o filme já podia ser visto. luandino vieira esteve na estreia e cunha telles tem memória que várias pessoas do mpla

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67 Linha geral - sambizanga

ou com uma relação com angola foram ver o filme ao universal. após anos sem ser exibido, «sambizanga» voltou a ser estudado e exibido. actualmente a newyorker Films, que há 45 anos aposta nos filmes “à margem”, é a sua distribuidora internacional.

Maria do carMo Piçarra

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68Entrevista - Eduardo Durão

Eduardo Durão, o realizador e produtor que não ficou mais à espera e veio a Portugal, no final do Verão passado, filmar a curta-metragem “À Espera” com um elenco de excepção.

Mas quem é este realizador e produtor português? Não quisemos estar “À Espera” e contactámo-lo em Los Angeles onde reside. Fomos saber do que se trata essa curta-metragem.

À ESPERA DE EDUARDO DURÃO...

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69 Entrevista - Eduardo Durão

Antes de mais, porquê o cinema?pelo acto de captura do movimento, luz, pessoas, comportamentos, objectos... e transferir para um rectângulo iluminado com som. pelo desafio de conseguir emocionar nesse espaço a duas dimensões. Fazer rir, chorar, surpreender, assustar… sentir.

O que aconteceu antes?várias incursões. uma grande paixão por movimento através de quatro rodas e um guiador. consequência: estudar engenharia mecânica. entretanto, surge um lado artístico que a pouco e pouco se foi revelando, e começam a surgir dúvidas...

As dúvidas acontecem. E a seguir?mudança de curso. curso de comunicação empresarial já a pensar na realização publicitária. o cinema era ainda incipiente. apenas uma ideia.

Entretanto escolhe estudar na London Film School?Fiquei impressionado pelo prestígio da escola e pelo currículo do curso, e quis aprender cinema na europa. além disso, a escola admitia gente de todo o mundo.

Mas não quis ficar à parte da máquina de Hollywood. Logo após o curso, em 2000, segue para Los Angeles?Queria aprender cinema no seio da indústria. estar num lugar onde se trabalha com eficácia, e onde há mais oportunidades, apesar da enorme concorrência. no meu caso, e tendo em conta que não

conhecia ninguém aqui, comecei bem; apenas demorei um ano para fazer o meu primeiro filme em los angeles.

E quanto tempo para fazer o primeiro filme em Portugal?Doze anos...”À espera” é finalmente o meu primeiro filme em portugal.

Como surgiu o “À Espera”?a ideia surgiu quando, em 1997, passava férias numa casa no algarve. a mesma onde filmámos. Que fica perto de portimão, numa curva do rio arado, que tem o interessante nome de casa na curva do rio.

E escreveu logo o argumento?escrevi um primeiro esboço. na altura chamava-se “a casa a lagoa e o barco”. em 2002, surge o primeiro argumento com o nome “À espera”.

E o “À Espera” é sobre o quê, afinal?a possibilidade de um reencontro entre um pai idoso, que pode morrer a qualquer momento, e a sua filha mais nova. É uma incursão na comunicação emocional entre pais e filhos - neste caso a falta de - e sua consequência na esfera familiar.

Mas queremos saber mais sobre esse conceito inovador de Crowdfunding. Importa-se de explicar?É um meio alternativo de financiamento de um filme, muito comum nos estados unidos. em portugal, concorrer aos subsídios é um

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70Entrevista - Eduardo Durão

sinónimo de incerteza e muita espera... não quis estar mais à espera e decidi arriscar.

Percebo-o. Mas diga-nos lá como funciona?coloca-se o projecto numa plataforma de crowdfunding, com um valor a atingir durante um certo tempo. começa pelo círculo de amigos que fazem contribuições em dinheiro (neste caso dólares) e recebem recompensas, depois estende-se a conhecidos e ao público em geral. envolve muito trabalho nas redes sociais.

Mas tem recompensas garantidas, certamente.sim. por exemplo: um DvD do filme, o nome como produtor executivo nos títulos do filme, um convite especial para a estreia, etc. mas também pode haver contribuição sem recompensas. o objectivo é ajudar, através de muitas e diversas contribuições, para o sucesso do projecto: tentar atingir o montante estabelecido, que no meu caso equivale ao valor da rodagem do filme.

E onde é que o podemos encontrar?em www.indiegogo.com/aespera, esta lá tudo muito bem explicado.

E porquê filmar antes de conseguir esse crowdfunding?normalmente faz-se o crowdfunding antes, mas no meu caso a minha disponibilidade para vir a portugal, a dos actores, a luz de fim de verão foram factores determinantes para filmar antes. além do mais, deste modo tenho uma forma de poder mostrar, através de um primeiro trailer/teaser, a qualidade do filme aos possíveis contribuidores.

Um passo muito arriscado, não?Demasiado! o crowdfunding em portugal ainda não é muito

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utilizado. mas às vezes há que arriscar.

Contou contúdo com a garantia de um elenco de luxo: Simone de Oliveira, Catarina Furtado, João Perry e Adelaide de Sousa!simone de oliveira (Helena, a mãe matriarca): palavras para quê. Foi tendo ela em mente que comecei a escrever o “À espera”. joão perry (Henrique, o pai idoso): o actor genial que todos conhecemos. catarina Furtado (marta, a filha): dedicação total. muito talento, perspicácia e beleza. Deveria trabalhar mais regularmente como actriz. adelaide de sousa (irene a enfermeira): outro talento. teve um papel menor, mas difícil; saber ouvir/reagir no ecran. e há ainda a pequenita maria acosta Fernandes que se portou bem para a idade.

Quanto ao Acácio de Almeida?um novo amigo. um director de fotografia extraordinário, seja a nível artístico, seja na forma de trabalhar. sem dúvida uma mais-valia para o filme.

E qual o próximo passo?acabar a pós-producão e enviar o filme para festivais.

O que ficou?vontade de filmar mais. soube a pouco. mas são assim as curtas. e saudades das filmagens. De dia filmar. a noite tertúlia. estivemos todos juntos na casa do algarve durante quatro dias. actores e equipa técnica.

Contente com o resultado?pergunte à catarina Furtado, ela fez-me essa pergunta recentemente. ela sabe quanto de 0 a 100% (risos). sim muito contente. sou uma pessoa muito exigente naquilo que faço e no que me rodeia em termos de trabalho, por isso não é fácil atingir o nível “contente”.

Correu tudo como queria?

Houve alterações de natureza artística durante as filmagens. umas minhas, outras fruto de sugestões dos actores e da equipa técnica. mas é assim que eu gosto de trabalhar: em equipa.

Lisboa ou Los Angeles?agora por uns tempos la. tenho de recuperar o tempo perdido.

E, como assim: “recuperar o tempo perdido”?entre 2009 e 2011 estive em portugal a produzir o “brilhante”, uma longa-metragem seleccionada por cannes, em 2005 - sim 2005-, como projecto para um fórum de produção no festival. a partida iria ter o apoio de um novo fundo em portugal, que entretanto, a boa maneira portuguesa, ficou interrompido. Dois anos de atraso da minha carreira nos estados unidos foi o resultado. contudo, aprendi a lição.

E aonde o sol brilha: projectos em Los Angeles no Futuro?estou a escrever uma longa-metragem cuja história decorre em la. e é muito possível que faça aqui outra curta este ano.

Vai estar bastante ocupado! Para terminar, algo mais que nos queira dizer?Que contribuam para o crowdfunding do filme em www.indiegogo.com/aespera e que façam like na página do Facebook: www.facebook.com/aesperafilm. creio que se esta campanha for bem sucedida, este exemplo pode ser uma alternativa à dependência dos subsídios - que agora nem sequer existem -, e dinamizar um pouco a actividade cinematográfica em portugal.

nuno Vaz Moura

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CRÍTICAS73 FILMES | 88 DVD / bD | 106 TV | 120 MÚSICA , LIVRoS & joGoS

SEIS SESSõESHelen Hunt tem o seu melhor desempenho na tela desde «Melhor é Impossível» e john Hawkes entrega-se de corpo e alma a uma vida improvável, uma história de amor e tenacidade contada em «Seis Sessões». 77

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Críticas - Filmes73

Lincoln«lincoln» abre com imagens de reconstituição da guerra civil ameri-cana. imagens brutais, dilacerantes, que evocam outra sequência, mais longa, não menos brutal, de «o resgate do soldado ryan». spielberg cita-se, portanto. porém, ainda que spielberg seja um ad-mirador de kurosawa e lhe tenha estudado as sequências de guerra – compostas e pintadas primeiro pelo realizador japonês e depois filmadas como quadros da dilaceração humana num movimento cinematográfico que é a afirmação da mais pura genialidade –em nenhum dos seus filmes capta a essência do horror da guerra como o faz o autor de «kagemusha» e de «ran». porquê? spiel-

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74Críticas - Filmes

berg não resiste aos efeitos fáceis, aos maneirismos, à manipulação emocional do espectador. spielberg usa o horror da guerra para afirmar a grandeza de um povo enquanto kurosawa filmou a guerra para mostrar que não há grandeza na guerra. só razia e desumani-zação.se existe génio em «lincoln» incorporou em Daniel Day lewis. transfiguração, física e de carácter, impecável. secura da figura ani-mada pelo espírito com que o actor conta as histórias-parábola – mesmo que estas sejam uma invenção para atestar a simplicidade bíblica do primeiro presidente republicano da história dos eua e para recriar o sentido político do estadista [que spielberg teima em contrastar com a figura do presidente-pai, sempre presente e pro-tector. o pai dos seus filhos de sangue e pai de coração de todos os americanos]. reconheça-se, de resto, mérito a spielberg na se-lecção do elenco. os actores escolhidos cumprem nos papéis que lhes foram atribuídos e tommy lee jones como thaddeus stevens é sempre tommy lee jones. sempre bem, portanto.um elenco não chega, porém, para que haja cinema e «lincoln» está mais próximo de uma série televisiva à imagem das que spielberg tem produzido nos últimos anos. É um filme que aborrece, dema-siado longo. o argumento intelectualizante de tony kushner não é, como se procurou que fosse, o contraponto justo para as opções maneiristas do realizador. De resto, o filme dispensava bem a abord-agem dos dramas pessoais do presidente e da sua mulher, interpre-tada por sally Field. resultado: longos minutos de conversas verda-deiramente dispensáveis. Demasiada sally Field, demasiada intriga secundária que pouco acrescenta à trama principal e que serviria para melhor compôr o retrato do homem para além do estadista. serviria, não fosse o aborrecimento em que resultam.em «lincoln», que se baseia na obra da historiadora Doris kearns goodwin, “team of rivals: the political genius of abraham lincoln”, o primeiro presidente dos eua que foi assassinado é mostrado quase sempre a propósito de factos ocorridos em 1865 durante o desfecho da guerra civil. após o senado aprovar a emenda, em 1964, que tornou a escravatura ilegal nos eua, o desafio, no ano seguinte, é que a incorporação da mesma pela constituição ameri-cana seja também aprovada pela casa dos representantes. para tal, lincoln – cuja acção já foi plesbicitada e foi reeleito – tem que li-dar menos com a oposição democrata do que com os republicanos como thaddeus stevens. este sustenta que a igualdade racial o é perante Deus e não apenas da lei, como a emenda – a 13ª à consti-tuição – sugere.

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Críticas - Filmes75

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76Críticas - Filmes

De resto até a fotografia de janusz kaminski, o director de fotogra-fia dos filmes de spielberg, compõe os eventos com uma aura que atesta ao espectador que o que está a ver é um passado filmado no presente mas passado. É um presente fixado com o olhar de quem está a fixar momentos históricos. É o passado glorificado, pois. jean-michel Frodon escreveu um livro, fundamental, sobre a pro-jecção nacional através do cinema. o cinema americano de spiel-berg tem esta “qualidade” de querer captar a essência do ser ameri-cano. na américa presidida pelo primeiro negro, na américa de obama, é tempo de celebrar o primeiro presidente que libertou os negros da escravatura. sentido político e do bem, humanidade e firmeza são as qualidades de lincoln que podem atribuir-se ao povo americano segundo s. spielberg. nenhum outro realizador norte-americano contemporâneo quer e consegue, como spielberg, pro-jectar a nação e as qualidades desta em que todos os americanos se devem rever e o mundo admirar. a manipulação da imagem – os efeitos de gosto duvidoso a apelar à comoção – é o instrumento da manipulação da consciência identitária e da afirmação nacional americana. «lincoln» era, até à estreia de «os miseráveis», o grande candidato à edição dos óscares de 2013. se o seu triunfo se confirmar, é a glo-rificação revisionista da américa que triunfa também e a afirmação de que a mais poderosa máquina de cinema do mundo continua a funcionar no que faz melhor: a projecção da nação americana e a redefinição permanente do que é a essência do ser americano.

Maria do carMo Piçarra

LINCOLNRealização: Steven Spielberg.

Actores: Daniel Day Lewis, Tommy Lee Jones, Sally Field, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt.

150 min. 2012 euA

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Críticas - Filmes77

The SessionsRealização: Ben Lewin.

Actores: John Hawkes, Helen Hunt, William H. Macy.95 min. euA, 2011

mais um filme sobre a superação de um maravilhoso ser humano que, por acaso, sofre de poliomielite e só consegue mexer a ca-beça. engano, «the sessions», na sinopse, pode parecer isto, mas é muito mais. trata-se de uma viagem pela mente de um homem. um homem que sonhou experimentar a vida, neste caso, a história verdadeira de mark o’brien, um escritor que decide deixar de ser virgem com a ajuda espiritual do seu padre católico e de uma assistente sexual. mas sobre o que é realmente o filme talvez se possa fazer uma tese... ben lewin, cineasta com um currículo entre filmes menores e séries de televisão, ensaia um tocante ensaio sobre a fragilidade. o que lhe interessa é filmar os nossos limites enquanto seres de dádiva. apesar da assumida herança do melodrama clássico, tudo isso é encenado sem sombras de moral de catequese, antes pelo contrário; fica à vista uma liberdade ética exultante e uma vontade corajosa de quebrar tabus. sim, o filme inclui conversas sobre sexo explícito e um grafismo sexual cru e direto. não é propriamente uma experiência banal enfiarmo-nos numa sala de cinema onde o protagonista está nu sem se mexer e a ter ejaculações precoces. mar adentro ou o meu pé esquerdo não são para aqui chamados. ben lewin conquista-nos pois sabe expor personagens com carapaça de verdade. personagens muitís-simo bem escritas e que permitem obras-primas aos seus atores.

o fabuloso john Hawkes, que já o ano passado deveria ter sido nomeado ao óscar secundário por «martha macy may marlene» , foi de novo roubado pela academia. É muito complicado encon-trar melhores criações este ano...o único defeito é não haver depois uma bravura para levar o tour de force mais à frente. ou seja, «6 sessões» para ser mesmo memo-rável, deveria ser mais árido, mais seco. não deveria ter aqueles tiques de cinema indie para o grande público nem a musiquinha no sítio certo. ainda assim, é coisa pesada, pesadíssima. a opção de ben lewin foi deixar o espetador respirar entre as sessões sexuais com atalhos de entretenimento, entre os quais a ligeireza simpática com que é preenchido o lugar do padre...

rui Pedro tendinHa

seis sessões

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78Críticas - Filmes

O HObbitUma Viagem inesperada

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Críticas - Filmes79

mais do que um regresso á terra-média para mais uma aventura vivida entre anões, elfos, orcs, duendes, feiticeiros, águias gigantes e um dragão com um monomania por ouro, esta primeira parte de uma prometida trilogia é antes de mais um projecto comercial, ou seja, a trilogia de o senhor dos anéis ganhou 14 óscares e arreca-dou nas bilheteiras qualquer coisa como 3 mil milhões de dólares, logo os produtores seriam muito pouco inteligentes se não tentassem explorar ao máximo o universo criado há 80 anos por um professor universitário inglês. o problema para peter jackson e os seus comparsas é que o venerando j. r. r. tolkien só tem uma grande obra – a supracitada trilogia do anel, porém em 1937 ele escreveu um pequeno livro de aventuras dedicado a uma público mais jovem onde pela primeira vez apresenta como protagonista, um ser baixinho e com pés peludos – um Hobbit, que vive numa agradável toca num paraíso rural conhecido como the shire, o seu nome é bilbo baggins, que não por acaso é o tio de Frodo, o famoso guardião do anel. o livrinho de tolkien é assim como uma

caça ao tesouro, uma aventura movimentada e com bastante hu-mor, protagonizada por um feiticeiro com muito tempo livre, um relutante e algo medroso Hobbit, e ainda uma trupe de 13 anões. o grupo vai tentar recuperar o tesouro dos anões açambarcado a ferro e fogo por um dragão chamado smaug. a bem dizer toda a aventura cabia bem num filme de 2 horas e meia, pois a intriga não é assim tão vasta e complexa, porém as receitas de bilheteira assim o exigem, aquilo que podia ser um filme conciso e dinâmico tornou-se gradualmente em três filmes. mas como o material de base do Hobbit não é exactamente abundante, jackson e a sua du-pla de argumentistas/produtoras resolveram engordar a narrativa com material pedido emprestado a outras obras de tolkien.o resultado é uma fita que tarda a arrancar, com uma sequência alongada de festival epicuriano protagonizada por treze truculen-tos anões, o plácido gandalf, e um destrambelhado Hobbit, imacu-ladamente encarnado pelo cada vez melhor martin Freeman. os anões e bilbo acabam capturados por trolls comilões, porém quase

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no último momento aparece o senhor das barbas que salva toda a gente das bocas dos não muito inteligentes trolls. entretanto o grupo começa a ser perseguido por orcs com muito maus-fígados e encontram o Feiticeiro castanho, radagast o castanho que lhes relata acontecimentos sinistros na floresta. radagast, que abusa visivelmente dos cogumelos, é no entanto instrumental na fuga do grupo aos orcs. o grupo entra então no santuários dos elfos em rivendell que não perdem tempo a chacinar os aventureiros orcs. o interlúdio serve para gandalf levar nas orelhas do seu superior saruman, o branco, que não aprecia o seu comportamento com os anões, e também para todos nós reencontrarmos lord elrond e a celestial galadriel, que uma vez mais demonstra o seu afecto pelo jovem gandalf, jovem quando comparado com ela, claro.o grupo segue depois rumo ás montanhas da neblina, onde assistem a cenas de pugilato entre gigantes de pedra, porém acabam todos capturados por Duendes, que não gostam nada de anões. bilbo perde-se do grupo e cai numa caverna onde conhece uma singular criatura – um case study em esquizofrenia chamado gollum, que além de gostar de adivinhas e enigmas parece estar sempre a falar para o seu ‘precioso’. bilbo não só leva a avante nas adivinhas a gollum, como lhe surripia o ‘precioso’, que será o mcguffin da trilogia do anel. o rei dos Duendes revela aos anões aprisionados que os vai entregar a azog, o chefe orc que não

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Críticas - Filmes81

morre de amores por thórin, o princípe anão, talvez por este lhe ter cortado um braço em combate. uma vez mais, gandalf, que volta e meia gosta de ir arejar sozinho, volta num momento crítico e salva o grupo das garras dos duendes. segue-se uma escara-muça entre anões e duendes e a sua fuga do interior da montanha. bilbo escapa a gollum e reúne-se ao grupo, porém a sua fuga acaba num beco sem saída onde são cercados pelo orc vingativo e os seus sequazes. mas quando tudo parece perdido eis que surge a salvação num bando de águias gigantes que além de fazerem picadinho de orc, transportam os nossos heróis para a segurança do seu ninho. algures na montanha dos anões, smaug o usurpa-dor estremunha no seu sono dourado. tudo isto acontece em 169 minutos e jackson não cobriu nem um terço do singelo livrinho.como experiência cinematográfica este Hobbit – uma viagem inesperada fica algo aquém do vigor narrativo da sagrada trilo-gia, o tom é mais leve mas o universo não tem a mesma força e fascínio de outrora, está lá tudo mas há algo que não funciona completamente. esse algo é claramente o argumento que em vez de conciso prefere a exposição exaustiva, flashbacks e sequências claramente postiças, mas compreende-se que assim seja se se quiser facturar tanto como nos 3 filmes anteriores. será que estou a dizer que este é um empreendimento mercenário? sim e não. jackson ama claramente as personagens e o seu rico universo, de

tal forma que decidiu ser ele e não guillermo Del toro a trazer á luz esta aventura. porém para o fazer teve de fazer concessões a quem paga as contas que compreensivelmente gosta de ver muitos zeros nas suas contas bancárias. visualmente o filme é envolvente e mesmo fascinante, mesmo com o agora omnipresente 3D, que junta uns milhões às receitas, mas que de facto não adianta real-mente muito á experiência. Finalizando, este «Hobbit», apesar das gorduras, consegue conquistar o seu público e decerto será um dos triunfadores de bilheteiras, porém podia ser mais, muito mais.

rui Brazuna

The Hobbit: An Unexpected JourneyRealização: Peter Jackson.

Actores: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Andy Serkis.

169 min. 2012 estados unidos/Nova-Zelândia

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Jack ReacheR

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Críticas - Filmes83

lee child, o autor da muito popular série de thrillers centrados em torno de um ex-investigador da polícia militar americana chamado jack reacher, descreve o seu herói como um homem de poucas falas, exímio profissional, um colosso de cerca de 1 metro e 90, que se torna imparável quando fixa os seus objectivos.a bem dizer este não parece ser o retrato de tom cruise, que em Hollywood talvez pareça colossal apenas ao Danny de vito ou mesmo Warwick Davis, no que diz respeito á sua altura, claro.porém as aparências iludem e há que reconhecer que esta adap-tação de christopher mcQuarrie – tornado famoso pelo argu-mento de «os suspeitos do costume», da nona aventura do herói de lee child tem um sabor ao mesmo tempo contemporâneo, mas também retro, remetendo-nos para os ambientes do melhor cin-ema americano dos anos 70. a intriga gira em torno de uma série de assassinatos, cometidos por um atirador furtivo, que aparente-mente ceifa de forma aleatória as vidas de cinco pessoas.surpreendemente a polícia captura rapidamente o alegado cul-pado que se mostra pouco comunicativo, escrevendo num papel ‘tragam o reacher’. e é então que surge o enigmático reacher que aparece não para ilibar o acusado mas para cumprir uma promessa que lhe fez no passado. essa promessa não era coisa boa. porém reacher nota uma série de inconsistências nas provas e acaba sendo contratado para investigar o caso pela advogada de defesa do acusado. seguindo várias pistas, reacher vai aos poucos desv-endando uma elaborada conspiração que mete assassinos profis-sionais, um psicopata de serviço e os interesses de especuladores imobiliários.Quem não gosta de tom cruise ou de fitas de acção decerto não apreciará esta nova tentativa de um novo franchise daquele que foi durante muito tempo o menino de ouro de Hollywood. mas a verdade é que este não é apenas mais um thriller alimentício e previsível que nos faz passar um par de horas, num misto de acção,

humor e violência. mcQuarrie decerto se inspirou nos filmes de alan j. pakula e nos thrillers de sidney pollack para constituir as lin-has de força da sua narrativa. a atmosfera e o tema é semelhante á do soberbo «the parallax view», e tal como esse clássico, este tam-bém reflecte bem o estado de alma da américa actual. no filme dos anos 70 era a conspiração política, aqui é a rapacidade do capitalismo anónimo. mcQuarrie tira o máximo partido do seu ma-terial de origem, moldando-o á personalidade da sua estrela que parece mais que convincente como um investigador imparável. além das sequências de acção e algum humor, com uma dupla de ineptos assassinos, o filme para além do sempre excelente cruise conta ainda com a resplandescente rosamund pike, Werner Her-zog como um tenaz sobrevivente do gulag, e o magnífico robert Duvall num desempenho pequeno mas fundamental. para rematar os seus laços ao melhor do anos 70, o filme conta com a magnífica fotografia de caleb Deschanel, um veterano do cinema que nos dá aqui uma verdadeira lição do que é ‘pintar com luz’. um thriller in-teligente e eficaz que teve o azar de ver a sua estreia coincidir com mais um exemplo do romance sangrento que os americanos têm com as armas, refiro-me ao massacre de newtown, que só prejudi-cou a sua carreira comercial. ainda assim é um filme que merece a escolha dos apreciadores de bom cinema de género.

rui Brazuna

Jack ReacherRealização: Christopher McQuarrie

Actores: Tom Cruise, Rosamund Pike, Richard Jenkins, Werner Herzog.

130 min. 2012 estados unidos

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84Críticas - Filmes

Deslumbre, tragédia e sonho. tudo isto está presente na mais recente obra de ang lee, profundamente inspirado na adaptação do best-seller de yann martel. nesta história, ficamos a conhecer as aventuras de piscine molitor patel (mais conhecido por pi), um jovem indiano inteligente e inquieto, que procura sempre encon-trar o melhor caminho para resolver os seus obstáculos, além de revelar uma forte complexidade interior que exalta em curiosidade quando se trata das suas opções religiosas. a família tem como fonte de rendimento um jardim zoológico, mas pretende mudar de vida e viaja assim num cruzeiro para o canadá. todavia, acon-tece um naufrágio e pi acaba por ficar sozinho em alto-mar num pequeno barco, com alguns mantimentos e… um tigre de ben-gala adulto. o que acontece a seguir é uma imensidão de sonhos, segredos e esperança, uma inexorável esperança. Quando tudo o resto falha, pi mostra uma resiliência permanente e tenta encon-trar naquele perigoso tigre um verdadeiro amigo. se consegue ou não, deixemos para que o próprio pi o conte.ang lee consegue transpor esta dimensão dramática numa nar-rativa dinâmica e fluida, tirando partido do 3D, que neste caso enriquece a obra, tornando-a mais viva e próxima do espectador. além disso, os efeitos especiais servem para moldar estas aven-turas de pi de forma incrível e surpreendente, como aliás o próprio tigre, que na verdade não é real. contudo, esta pode também ser uma das pequenas falhas desta obra, já que, por vezes, o filme adquire um aspecto demasiado plástico, algo artificial que faz com que nos desconcentremos do próprio encadeamento narrativo para atentar à força visual da fita.não obstante, «a vida de pi» acaba por ser uma feliz combinação de vários elementos: uma belíssima e cuidada fotografia, a inter-pretação brilhante dos actores que representam pi (nas suas difer-entes fases) e uma história fortíssima, que arrasta o espectador até ao final, de uma forma emocionante e envolvente. mais do que uma mera história de um sobrevivente, «a vida de pi» é também o retrato de uma cultura única e rica como a indiana, com particu-laridades a diferentes níveis: religioso, cultural e social. trata-se de

um filme meticuloso e visualmente estonteante, acabando por ser mesmo este o grande trunfo da obra, não obstante o cariz vibrante e riquíssimo da história, que é pouco linear, deixando para o próp-rio espectador a interpretação da história. mais do que um simples filme, é uma experiência inesquecível.

tatiana Henriques

Life of PiRealização: Ang Lee.

Actores: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain.127 min. 2012 estados unidos/China

A VidA de Pi

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Críticas - Filmes85

Looperreflexo Assassino

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86Críticas - Filmes

«looper», o mais recente e muito aguardado filme de rian jonh-son, chegou finalmente às nossas salas. apesar de ser apenas a terceira longa-metragem do realizador, a expectativa em torno desta estreia era enorme. o domínio notável da construção nar-rativa e dos códigos de género aliados à originalidade e sentido de humor que fizeram de «brick» uma verdadeira obra prima e de «os irmãos bloom» uma comédia elegante, inteligente e comovente, são qualidades que podemos também encontrar em looper. a isto juntou-se ainda a dupla de estrelas bruce Willis e joseph gordon-levitt, na sua segunda colaboração com o realizador (a primeira foi em 2005, em «brick»), e o fascínio da sci-fi, facto muito valori-zado pela campanha de promoção que chega a apelidar o filme de “novo matrix”, uma provocação que, com sucesso, deixou em verdadeira polvorosa os milhões de fanáticos do clássico de 1999.estratégias de promoção à parte, «looper» faz um uso hábil e moderado dos efeitos especiais espectaculares associados à ficção científica e às viagens no tempo. num futuro próximo, estamos em 2044, os ambientes são familiares e a fantasia serve aqui como forma de ampliar outros temas mais mundanos, como as dificul-dades e consequências implicadas nas nossas escolhas. a imagem metafórica do loop, entendida como um circuito fechado, repeti-tivo, espelha-se na ideia-motor do filme: joseph gordon-levitt in-terpreta joe, uma nova espécie de mercenário do futuro apelidado de “looper”, alguém que cumpre fria e mecanicamente a missão de assassinar pessoas indesejadas enviadas do futuro pela máfia. este ciclo é interrompido quando o seu eu mais velho (bruce Willis) aparece como o próximo alvo a abater.

É muito interessante o modo como o realizador trabalha essa metáfora circular em aspectos visuais (como o relógio) ou através da repetição de cenas ou temas, como a violência, a droga ou a maternidade. apesar do filme se centrar obviamente na person-agem dupla de joe, as mães povoam todo o filme. não falo apenas da personagem de sara (emily blunt) ou suzie (piper perabo), dois claros opostos potenciados pelo contraste de cenários (campo/cidade), mas existem também, e talvez mais importantes, as mães ausentes e as imaginadas. em primeiro lugar a mãe de joe, uma figura sem rosto, lembrada pelo modo como lhe acariciava o cabelo. não é por acaso que a última imagem do filme funciona como um duplo desta imagem-sentimento. o fechar de um ciclo.Dentro desta lógica de repetição aparentemente fechada o filme defende sempre, sob as condições mais extremas, a possibilidade da liberdade de escolha. Quando o seu eu 30 anos mais velho dita ao jovem joe as razões porque os dois se devem unir num plano de acção, a resposta deste é categórica: “isso aconteceu contigo. não tem que acontecer comigo.” a sua vida está nas suas mãos e o futuro é apenas mais um mundo possível a querer nascer. este loop não é pois uma forma fechada, está mais próximo da espiral do que de um círculo perfeito. a beleza do filme passa por essa abertura ao infinito possível.

catarina Maia

LooperRealização: Rian Jonhson.

Actores: Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, emily Blunt, Paul Dano

119 min. 2012 China/euA

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Críticas - Filmes87

num dado momento de «Holy motors», o mais recente filme do francês leos carax (que não realizava uma longa-metragem havia 13 anos, desde «pola x»), diz-se que “a beleza está nos olhos de quem vê”, e de facto só podem mesmo ser os olhos da subjetividade (e as suas projeções) a “valorizar” e “embelezar” um filme como este, que precisará sempre de um discurso “teórico” e “intelectualizante” a caucioná-lo, um pouco como certos artistas plásticos, quando expõem as suas obras, necessitam de um texto de um “especialista” que tente “enriquecer” o que às vezes não passa de mediania pretensiosa… Foi isso que fizeram os Cahiers du Cinéma quando o elevaram ao primeiro lugar da lista de melhores filmes de 2012, que, não fosse a “boa vontade” (e também o umbi-guismo de chamar sobre si as atenções e tentar mostrar-se ainda “relevante” e capaz de criar “fenómenos”) dos críticos da revista francesa, não mereceria na verdade nem figurar num “top 20”…mas, em tempos individualistas como os nossos, o onanismo criativo de «Holy motors» exerce o seu fascínio e, pelos vistos, tem bastante valor de mercado. porque é disso que se trata: de um filme dobrado sobre si mesmo, autorreferencial, ególatra, au-tofágico, com poses de “autorismo”, enfim, com muita parra de ego e pouca uva para espremer… apenas pontualmente interessante, «Holy motors» acaba por ser um filme que, ao abordar o tema da suposta “crise” do cinema atual, está no fundo a falar da crise existencial de leos carax, ou seja, a obrigar o espectador a pôr-se no lugar de um terapeuta a ouvir as suas confissões e a presenciar a sua decadência (e algum abjecionismo). se me for permitida a nota pessoal, diria que, no lugar de leos carax, investia numa boa psicoterapia e deixava de usar o pobre do espectador como cloaca das minhas dores intestinas.

nuno carValHo

Holy MotorsRealização: Leos Carax.

Actores: Denis Lavant, edith Scob, eva Mendes.115 min. 2012 França/Alemanha

Holy Motors

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ainda fresco do seu excelente desempenho em «se7en – sete pecados mortais» (1995), morgan Freeman foi uma escolha natural para o papel de outro detective familiarizado com os recantos mais macabros da mente humana. pegou assim no crachá de alex cross, o protagonista da série de novelas criminais assinada por james patterson, que se estreava no grande ecrã com «beijos Que matam» (1997) e «a conspiração da aranha» (2001). Free-man voltava a ser a voz da razão e da experiência em dois thrillers psicológicos.«eu, alex cross» é uma reinvenção da série, mostrando os primei-ros anos de alex como polícia, na cidade norte-americana de Detroit. este é agora representado por tyler perry. o novo actor é-nos introduzido em modo de acção logo nos primeiros momentos do filme, ao perseguir um criminoso por um complexo de edifícios abandonados, acompanhado pelo parceiro (edward burns) e por uma bela colega (rachel nichols). É também com eles que alex tenta caçar um assassino obstinado em torturar e matar pessoas relacionadas com uma poderosa multinacional. este psicopata – que a polícia apelida de picasso devido aos estranhos desenhos deixados nos locais do crime – é encarnado por um matthew Fox quase irreconhecível, coberto de músculos e tatuagens, que per-deu quase todo o cabelo e gordura corporal para o papel. Depois de se atormentar por seis temporadas de «lost», Fox tenta deixar a sua marca na sétima arte.infelizmente, nem o argumento (muito livremente adaptado na obra de patterson) nem a realização de rob cohen («velocidade Furiosa», «xxx – missão radical») conseguem tornar este thriller em algo mais memorável que as (‘longínquas’, de acordo com Hollywood) investigações de morgan Freeman. este picasso fica-se pela loucura, sem que se lhe perceba qualquer motivação. per-sonagens como os colegas de alex resumem-se a meras figuras decorativas, cuja única função é ouvir as deduções – por vezes

eu, aleX Cross

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Críticas - Filmes89

ilógicas – do protagonista. perry, por sua vez, não consegue ter a credibilidade de Freeman. por exemplo, na cena de um crime, alex descobre detalhes importantes sem ter quaisquer provas, e a sensação que deixa é a de que ou conhece o assassino, ou possui capacidades mediúnicas (mas rapidamente se percebe que nem uma coisa nem outra). outros grandes actores como jean reno, john c. mcginley e giancarlo esposito limitam-se a aparecer por instantes, comprovando o desperdício de talento.o mais interessante são mesmo as sequências filmadas em ed-ifícios abandonados, um submundo que poderia ter sido muito melhor explorado. Detroit é hoje uma cidade tão violenta que a própria polícia afixou placas a avisar os visitantes de que “en-tram por sua conta e risco”. vários cidadãos, ao tentarem reportar crimes pelas linhas de emergência, queixam-se que as autoridades respondem: “ligue mais tarde”. tudo isso são símbolos da américa de 2013, uma nação em ruínas e sobrevoada por drones – que paul verhoeven nos mostrou há 26 anos atrás na profética Detroit de «o robocop» (1987). mas na Detroit de «alex cross», os prédios devolutos são apenas pretexto para mais uma vulgar perseguição, desastrosamente filmada por operadores de câmara nervosos que parecem sofrer ataques constantes de epilepsia.

Basílio Martins

Alex CrossRealização: Rob Cohen

Actores: Tyler Perry, edward Burns, Matthew Fox, Jean Reno, Rachel Nichols, John C. McGinley.

101 min. 2011 euA

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90Bipolar

o novo filme da dupla Wachowski e tom twyker é a antítese do assim, assim. no que toca a esta película trans-culturo-geracional, não há cá meio-termo. Há o que gostar, e muito, mas também há do para deitar fora, e para muito longe. no fundo, as reacções são proporcionais ao desejo de grandeza. a única diferença é que o desejo de grandeza é sempre a subir, as reacções podem seguir qualquer direcção. como é o caso. em termos de escala, “cloud atlas” entra directamente para o top dos títulos mais ambiciosos de sempre. e, logo aí, merece uma primeira distinção. Distinção essa que se estende praticamente na totalidade a tudo o que é plano teórico da obra. o conceito, a visão e a mensagem é onde “cloud atlas” ganha vantagem. vantagem larga, que no final nos deixa com o coração mais cheio. cheio de coisas boas, mas também de alguma tralha. pois, no anseio de chegar a todo o lado, o filme acaba por não parar em todas as estações e apeadeiros. nos que pára, sim senhor. Deixa-nos completamente k.o.. onde não pára, deixa-nos com a sensação de que comprámos bilhete para a viagem errada. verdade seja dita, o filme não perde tempo a mostrar ao que vai, e a abertura é qualquer coisa de impactante e que dita bem o ritmo para o que vem a seguir. e o que se segue são seis histórias interligadas entre si, que pretendem propor-

cionar uma jornada e tanto, algo mágico que atravessa o campo espácio-temporal, à medida que todas as histórias vão avan-çando. entrar num livro com esta premissa não é tarefa fácil. num filme, menos ainda. no início, apesar de as sequências trazerem bastante vivacidade, o filme é demasiado nublado. o que nem é necessariamente mau. o lado misterioso não só faz parte, como é preciso. o grande problema está no tempo que a obra demora a clarificar-se. mais de uma hora. só ao fim de muitos minutos é que nos é permitido estabelecer uma relação de causalidade entre as personagens. uma vez atingido esse objectivo, maravilha. agora, até lá chegar, passamos um bocado as passas do algarve. o final acaba por trazer a satisfação necessária, e o resultado é tanto melhor quanto mais nos deixarmos ir na onda. «cloud atlas» é um filme para ver com a dose certa de massa encefálica, mas sem restrições ao nível do sentimentalismo. Quem se move por ideais, gostará mais facilmente desta ousadia a rodos. Quem privilegia o lado racional, infelizmente não dará o trabalho desejado ao hemi-sfério esquerdo do crânio. sobretudo porque a transposição para o grande ecrã leva consigo elementos intransportáveis do livro. exemplo disso mesmo é o facto de se terem escolhido actores demasiado conceituados para interpretarem diferentes papéis ao

BiPolar

“Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.” Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego

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Bipolar91

longo da obra. este não é o tipo de filme que peça esse truque. o que se pretendia aqui eram actores menos conhecidos. em vez de nos darem a magia de um peter sellers multifacetado, “cloud atlas” é um sinistro eddie murphy erradamente multiplicado. Das diferentes histórias apresentadas, a sequência futurista com jim sturgess está particularmente bem conseguida. contudo, outras há que deixam a desejar, como a de tom Hanks como editor. no geral, “cloud atlas” é um filme que até pode ser maior que a soma das suas partes, mas onde existem claramente partes que não contribuem para o resultado final. visualmente impressionante, com uma banda sonora do melhor que se ouviu em 2012, e uma qualidade de produção que não deixará ninguém indiferente, o filme acaba por se desleixar na organização de alguns elementos, comunicando com o espectador por vezes num tom de pregação que não só o torna aborrecido, como um pouco hostil. se «cloud atlas» é bom? É. chega mesmo a ser muito bom lá para o meio. o início e o fim do filme é que o estragam um bocadinho.

Bruno raMos

clouD atlas

“Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.” Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego

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regresso de robert zemeckis à «imagem real» depois de três experiências em motion capture (“polar express”, “beowulf” e “um conto de natal”), “Flight” começa por prometer-nos um voo a grande altitude, mas cedo nos reconduz a terra firme. vamos por partes. o filme arranca, em modo thriller, com a tensa descrição de uma proeza aeronáutica: a aterragem de emergência de um avião em queda livre num descampado da geórgia, eua (e a sequên-cia é tensa porque zemeckis confina o nosso olhar ao exíguo e claustrofóbico espaço do avião). Do acidente resulta um número invulgarmente escasso de vítimas mortais e o piloto (Denzel Washington) depressa se vê entronizado pelos média como o mais recente american hero. tratam-se aqui, em rigor, de quinze breves minutos de fama, pois rapidamente se descobre que a sua proeza foi realizada sob o efeito do álcool e da cocaína. ora, a partir daqui – isto é, uma vez desasado o aeronauta –, o filme abrirá um con-junto de linhas narrativas (as investigações policiais sobre o caso, a fuga do protagonista para o campo, a sua difícil relação com a ex-mulher e o filho, os seus problemas de toxicodependência…) que, pela sua combinação, deveriam dar-nos o retrato íntimo de uma personagem ferida e em processo de regeneração interior. Deve-riam dar-nos, mas não dão. De facto, em cada um destes diversos quadros, aquilo que a câmara de zemeckis encontra é, sobretudo, uma ausência, ou melhor: um corpo sem olhar, cuja opacidade se impõe, não por uma vontade de descrever o seu embotamento, mas pela sua redução a uma sucessão de clichés (e exemplar, deste

ponto de vista, será o superficialíssimo relato do affair do piloto com uma toxicodependente, onde se faz uso de todos os lugares comuns disponíveis nos manuais do género). e, depois, há coisas que dificilmente se conseguem entender num filme realizado por um cineasta com a experiência de zemeckis: como aquelas toni-truantes entradas em cena da personagem de john goodman (o dealer cool e prolixo do piloto) que, levando-nos de imediato para o território irónico-prosaico de uns coen, quebram por completo o tom ferido que zemeckis desejaria instalar no filme. só não é hor-rível porque, de facto, o elenco é de primeira água.

Vasco BaPtista Marques

FlightRealização: Robert Zemeckis.

Actores: Denzel Washington, Kelly Reilly, Bruce Greenwood.

138 min. 2012 estados unidos

Decisão de Risco

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METROPOLIS basílio martins

bruno ramos

Flávio gonçalves joão lopes jorge

pintoluís

salvadonuno

antunesnuno

carvalhonuno

galopimrui

brazunarui pedro tendinha

tatiana Henriques

vasco marques

amor

anna karenina

cloud atlas

Decisão de risco

Django libertado

eu, alex cross

guia para um Final Feliz

o Hobbit: uma viagem inesperada

Holy motors

Hotel transylvania

in another country

jack reacher

killer joe

lincoln

os miseráveis

a mulher Que viveu Duas vezes

o mentor

pela estrada Fora

reality

the paperboy - um rapaz do sul

a vida de pi

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94Críticas - DVD/BD

«tabu» do português miguel gomes é um regresso às origens do cinema, é um dos melhores filmes de 2012. uma obra sobre o amor e a memória de um tempo perdido que define para sempre o presente. «tabu» tem semelhanças com o clássico homónimo de F.W. murnau de 1931 na segmentação da estrutura narrativa, a utilização poética da sétima arte e as emoções à flor da pele. o recurso do “mudo”, o preto e branco e a simplicidade no impacto emocional sobre uma trágica história de amor que atravessa o tempo e o espaço.

o filme inicia-se com um maravilhoso prólogo, uma autêntica jóia sobre um intrépido explorador português do século xix que é consumido pela saudade e está vergado pelo seu coração que

domina em absoluto a razão decidindo colocar o fim à sua vida na savana africana ao atirar-se a uma lagoa com crocodilos. o amor transcende a morte e os fantasmas da amada e um crocodilo são avistados pelos indígenas a errarem para sempre o planalto in-óspito. É o primeiro golpe de melancolia e humor absurdista, uma introdução que apresenta alguns dos pontos de honra de «tabu».

a primeira parte da obra, intitulada “paraíso perdido”, remete-nos para a capital lisboeta nas vésperas do final de ano (28 de Dezem-bro) sob uma atmosfera natural e afectiva em tons carregados a cinzento com personagens pouco seguros da sua existência. pilar (teresa madruga) deambula entre os desejos de um pintor amigo, a esperança de albergar uma estudante polaca e as crises da viz-

Ta B u

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Críticas - DVD/BD95

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inha, aurora (laura soveral), a vizinha, é uma senhora idosa com o vício ao jogo, santa (isabel cardoso), a sua empregada negra, tenta limitar o devaneio da patroa.

o segundo segmento “paraíso” é narrado por ventura (Henrique es-pírito santo), um idoso que estava num lar nos arredores de lisboa vai visitar aurora que adoece com gravidade. pilar e santa escu-tam, numa esplanada de centro comercial, a uma história proibida e perdida no tempo: um amor impossível entre dois jovens, aurora (ana moreira) e ventura (carloto cotta), desenrolado numa fazen-da em áfrica no sopé do monte tabu no fim do período colonial português.

aurora é casada e herdeira de uma fortuna deixada pelo pai, uma mulher prendada com marcas de um temperamento forte e especialista em caça grossa. ventura saiu de itália, partiu muitos corações pelo mundo fora e o desejo pelo exotismo e uma vida sem consequências sentimentais levou-o até áfrica. a relação ocorre na áfrica colonial, as pessoas vivem as suas vidas numa comunidade pacata e despreocupada com os conflitos de emanci-pação racial. a par dos encontros proibidos desenrolam-se outras tramas (a banda e a amizade de mário, a gravidez de aurora, as picadas das milícias colonialistas e até o simbolismo de um croco-dilo bebé). este trecho do filme é de um saudosismo intrincado e tremendamente fascinante não perdendo tempo em contem-plações psicológicas: as emoções são palpáveis e comandadas pelo coração.

no imediato, o primeiro segmento que aparenta não ser ex-traordinário ganha outra voltagem na conclusão da obra, logo após o segmento “paraíso”, onde surge o paralelismo emocional que coloca tudo fica em perspectiva.

miguel gomes filmou a preto e branco, a primeira parte em 35 mm e a segunda em 16 mm, opção com implicações visuais no modo em que o espectador percepciona os acontecimentos. os 16 mm têm mais grão criando uma atmosfera nostálgica, os 35 mm com maior definição são responsáveis pela acutilância e a ansiedade dos personagens em “paraíso perdido”. e no segundo segmento só

temos o som ambiente, a música e a narração de ventura, o som dos diálogos entre os personagens são eliminados criando uma lógica de narração à distância replicada nas imagens e não das palavras dos intervenientes.

outra característica singular é o sentido de humor e a profundi-dade e sarcasmo dos diálogos e as imagens, mesmo em situações de melancolia exasperante miguel gomes desmonta o peso da realidade e leva-nos à fantasia do cinema.

os actores de “paraíso perdido” são sóbrios e não caem em pieguic-es ou over-acting. em “paraíso” o trabalho foi mais exigente e o de-sempenho físico foi primordial, ana moreira e carloto cotta fazem o público acreditar em amores impossíveis na sua representação de dois amantes clássicos.

o trabalho de fotografia de rui poças é de relevo ao estabelecer a beleza e assimetria visual e emocional entre os dois segmentos, de um drama de pormenor passamos ao fascínio e à grandiosidade de um épico naturalista.

a edição especial ainda inclui um disco com as curtas-metragens de miguel gomes - «31» (19´), «inventário de natal» (23´), «kalki-tos» (19´) e «cântico das criaturas» (24´).

JP

TabuRealização: Miguel Gomes.

Actores: Teresa Madruga, Laura Soveral, Ana Moreira.100 min. 2012 Portugal/Alemanha/Brasil/França

Alambique

ExTRAS

FILME

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Críticas - DVD/BD97

um conto de moralidade realizado por Dominik moll e baseado no romance clássico de matthew lewis, publicado em 1796, que viria passado mais de um século a tornar-se um livro de cabeceira de muitos surrealistas franceses. a adaptação cinematográfica tem diferenças marcantes em relação ao objecto literário na dispersão de narrativas e no perfil do protagonista. o filme é mais intimista e menos romanceado combinando as características morais com o sobrenatural em redor de ambrosio. a personagem central (in-terpretação plena de austeridade de vincent cassel) é um monge num convento espanhol, abandonado em bebé às portas da igreja foi criado no seio eclesiástico, cresceu sem juventude, sem sedução e rodeado de homens conhecendo apenas o amor pela fé. a história relata uma paixão carnal que provoca a decadência no mais exímio dos pregadores. ambrosio sucumbe à tentação com a chegada de uma figura sem rosto ao convento que coloca as suas convicções em perspectiva - valério (Déborah François) representa a sedução e a manipulação. ambrosio perde as suas certezas ao ser arrasado por uma paixão obsessiva representada pela juventude extrema de antonia (joséphine japy) que colmata as carências de infância do monge e apresenta-se como uma alternativa à sua existência ascética. em relação ao livro a personagem é menos caricaturada, não deixando de ser bizarra com traços insólitos. o enredo também relata subtilmente outros acontecimentos que se confluem para o destino trágico de ambrosio uma vítima dos seus

próprios demónios. a realização abraça a literatura e a iconografia gótica no tratamento visual, o trabalho de fotografia opta pelo naturalismo na composição das imagens prevalecendo um con-traste entre as sombras e a luz no confronto entre o bem e o mal. a música de alberto iglésias é emblemática do tom melancólico desta agradável adaptação.

a edição em DvD tem um simpático documentário de produção (30´) com entrevista com o realizador e vincent cassel.

JP

Le MoineRealização: Dominik Moll.

Actores: Vincent Cassel, Déborah François, Joséphine Japy.101 min. 2011espanha/França

Pris

ExTRAS

FILME

O MONGE

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98Críticas - DVD/BD

«as Flores da guerra» é uma obra baseada em acontecimentos verídicos. em 1937 após a conquista de xangai as tropas japonesas avançam sobre nanjing, a capital da china, um longo relato de atrocidades e um incontável número de mortos foi o resultado de uma ocupação brutal, seis semanas que ficaram conhecidas na História como a violação de nanjing. o enredo relata a sobrevivên-cia de várias alunas de um convento católico que são auxiliadas por um americano e um grupo de prostitutas. o americano é inter-pretado por christian bale que diante do cenário infernal decide ocupar o lugar do chefe da congregação perdendo perante os factos a sua cobardia e oportunismo para dar lugar a um homem altruísta. apesar do personagem ser ficcional é bom recordar que vários ocidentais, residentes na capital, foram a única salvação de milhares de chineses durante o massacre, eventos já relatados no cinema, veja-se a produção europeia «john rabe» (2009). «as Flores da guerra» é a maior produção cinematográfica da história do cinema chinês. a realização ficou a cargo de um dos grandes maestros visuais da china yimou zhang («Herói»), à semelhança dos seus anteriores trabalhos, o filme é de uma escala impressionante. christian bale tem uma boa interpretação mas está em segundo plano perante a qualidade e a determinação dos desempenhos dos actores chineses, principalmente as crianças que levam os papéis muito a peito numa descrição exemplar e sentida de uma mancha na história da china.

JP

Jin líng shí san chaiRealização: Yimou Zhang.

Actores: Christian Bale, Ni Ni, Xinyi Zhang.146 min. 2011 China/ Hong Kong

ZoN Lusomundo

FILME

As Flores dA GuerrA

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Críticas - DVD/BD99

uma comédia musical de 1953, realizada por Howard Hawks e ba-seada na peça musical de joseph Fields e anita loos. «os Homens preferem as loiras» é entretenimento ligeiro que ganha beleza e brilho na versão blu-ray, relata a história de duas jovens de little rock no arkansas que não têm sorte na vida mas estão prestes a encontrar a felicidade. lorelei (marilyn monroe) vai-se casar com o filho de um magnata mas antes tem de fazer um último teste (um cruzeiro até paris com a amiga e sob olhar atento de um detec-tive). elliott está encarregue de registar as indiscrições de loralei que considera o dinheiro um passatempo e perde a cabeça por uma tiara de diamantes. isto acontece quando tenta arranjar um cavalheiro para Dorothy (jane russell). mas Dorothy com a equipa olímpica dos estados unidos à sua perna acaba por se apaixonar pelo detective…a acção é intercalada por memoráveis momentos musicais, es-pecialmente os números e as coreografias com jane russel. mas “Diamonds are a girl’s best Friend” interpretado por monroe é que ficou para a prosperidade. jane russel, como a rapariga com fibra e miolos, e marilyn monroe, como labrega quando lhe convém, são duas performances cheias de entusiasmo, e os personagens secundários também dão o ar da sua graça, como charles coburn (piggy), tommy noonan (gus) e george Winslow (o herdeiro de palmo e meio).

JP

Gentlemen Prefer BlondesRealização: Howard Hawks.

Actores: Jane Russell, Marilyn Monroe, Charles Coburn.91 min. 1953 estados unidos

Pris

ExTRAS

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Os HOmens Preferem as LOiras

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100Críticas - DVD/BD

«como se conquista um milionário» é uma charmosa comédia de 1953 que conta com três divas de Hollywood nos principais papéis com lauren bacall (schatze), a encabeçar, marilyn monroe (pola) e betty grable (loca). o argumento de nunnally johnson («as vinhas da ira») foi inspirado numa peça da broadway. a história conta as desaventuras de três modelos de revista que, não têm onde cair mortas, e decidem juntar-se numa penthouse de nova iorque para caçarem um milionário que mude as suas sinas. schatze é a mais esforçada das três, delineia o plano e a visão, já pola tem falta de visão pois é completamente míope, não vê nada sem óculos. É atraente mas tem medo que os homens não reconheçam a sua beleza por detrás de um par de óculos. marilyn monroe é perfeita na comédia de situação e no type casting de loura sonsa. a última das companheiras é a mais doida de todas (não se chama loca por acaso), também procura “zilionários” com classe e ordenados com seis algarismos. Quando ninguém cai na ratoeira das senhoras caem elas próprias na armadilha do amor que não escolhe classe social ou dinheiro no banco. «como se conquista um milionário» é um divertido exercício de materialismo onde o dinheiro pode dar felicidade mas não substitui o amor. lembrando que por vezes o amor ultrapassa mesmo a tela quando a personagem de lauren bacall diz que adora milionários mas abre uma excepção para “o tipo de «the african Queen»” naturalmente um piscar de olho ao protagonista, e seu marido na vida real, Humphrey bogart.

uma nota para o início do filme onde se demonstram as poten-cialidades do cinemascope, esta foi a primeira comédia romântica a utilizar este formato, com a orquestra da twenty-century Fox dirigida pelo maestro alfred newman na interpretação do tema título “street scene”.

JP

How to Marry a MillionaireRealização: Jean Negulesco.

Actores: Marilyn Monroe, Betty Grable, Lauren Bacall.95 min. 1953 estados unidos

Pris

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Como Se ConquiSta um milionário

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Críticas - DVD/BD101

«Florbela» chega ao pequeno ecrã após uma passagem sur-preendente nas salas nacionais, o filme não é o típico biopic preferindo concentrar a narrativa em alguns dias fatídicos da escri-tora Florbela espanca. um retrato que evolui com as incidências da história estabelecendo uma figura profundamente perturbada por uma existência marcada pelo sofrimento dos divórcios, o distan-ciamento do pai, o tédio, as crises de confiança, os bloqueios de escrita e a postura feminista. o filme foca igualmente o verdadeiro amor da sua vida - o irmão apeles. o drama desenrola-se num encontro em lisboa com o irmão que se prepara para levantar voo num biplano a partir do tejo. o que une os irmãos é uma profunda tristeza, algo os devora, o desgosto do amor e o não saber viver. a direcção de vicente alves do ó, que também assinou o argu-mento, optou por não colocar poesia escrita na obra deixando que as imagens no seu filme construíssem uma presença emocional e melancólica. Dalila carmo é decisiva no seu desempenho com uma entrega de corpo e alma ao papel de Florbela espanca, é uma performance que marca uma carreira. albano jerónimo e ivo canelas são os homens na sombra na difícil tarefa de acompanhar a pedalada de Dalila carmo. o papel de ivo canelas é mais com-plexo, o actor regista apontamentos simpáticos sempre que a per-formance requer mais dramatismo, curiosamente surge o reverso nas sequências mais ligeiras.

a produção esforça-se no trabalho de recriação de época, a destacar o exemplar trabalho de fotografia de luís branquinho com enfâse na sequência da festa e nas cenas oníricas. o figurino de silvia grabowski e o trabalho de maquilhagem são vistosos. a música de «Florbela» tem demasiado peso melodramático, infeliz-mente, antecipa em vez de criar contraste subtil com as imagens e os sentimentos.

a edição em DvD inclui um making of com a informação essencial da produção e entrevistas com a produtora, o responsável pelos efeitos visuais, o realizador e Dalila carmo.

JP

FLORBELA

FlorbelaRealização: Vicente Alves do Ó.

Actores: Dalila Carmo, Ivo Canelas, Albano Jerónimo114 min. 2012 Portugal

Alambique

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102Críticas - DVD/BD

o final do mundo segundo abel Ferrara é um desfecho íntimo e totalmente entediante, não que precisemos de um big-bang com efeitos especiais mas talvez necessitássemos de mais um desafio cinematográfico deste grande autor. o filme é uma desculpa para regressar ao espaço natural do autor, nova iorque, num dejá vù de temas clássicos da sua carreira. É um puxar dos colarinhos com um drama afectivo de um casal que se despede dos entes queridos através do skype, discute sobre a sua relação, a recaída de cisco (sóbrio à dois anos). tudo isto acontece por entre tórridas cenas de paixão entre Willem Dafoe (cisco) e shanyn leigh (skye). a primeira cena de amor parece 3D no modo como as imagens e as sensações ultrapassam o ecrã, é a melhor sequência do filme onde Ferrara demonstra todas as suas qualidades, a partir daí os actores dominam o fim do mundo com as suas performances.

JP

«terapia a Dois» não é uma comédia romântica apesar da men-sagem encapotada na campanha de lançamento deste filme. É um drama de um casal na sua terceira década de matrimónio que se encontra sem vida. a situação é insustentável para a esposa, kay (meryl streep), que tenta compreender a desconexão e a falta de intimidade com o marido, arnold (tommy lee jones). numa última tentativa de retomar a normalidade kay inscreve-se nas sessões de terapia para remover as “cicatrizes” do relacionamento. steve carell como psicólogo efectua as pausas necessárias para reflectir e esboçar um sorriso com situações ridículas de terapia onde as pes-soas esmorecem ou saem fortalecidas. a acção desenrola-se essen-cialmente na sala de consultório com excepções de momentos no motel ou locais de uma pequena vila piscatória do maine. o humor envergonhado advêm do embaraço em lidar com a intimidade, especialmente arnold e os seus mecanismos de defesa. «terapia a Dois» tem mensagens e comportamentos que não são alheios à maioria dos espectadores adultos, tem mérito nas interpretações e na pertinência dos temas. tommy lee jones tem o desempenho do filme.

os extras do DvD incluem um pequeno set de entrevistas com os actores e o realizador, e, cinco minutos de filmagens a partir dos bastidores.

JP

Hope SpringsRealização: David Frankel.

Actores: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell.100 min. 2012 estados unidos

Pris

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4:44 Last Day on EarthRealização: Abel Ferrara.

Actores: Willem Dafoe, Shanyn Leigh, Natasha Lyonne.82 min. 2011 estados unidos/Suíça/França

Alambique

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terApiA A dois4:44O Último Dia na Terra

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Críticas - DVD/BD103

terror puro e sanguinário aguarda cinco jovens numa casa nas montanhas, tudo correria como um típico filme de terror com per-sonagens clichés não fosse o argumento de Drew cloverfield god-ard e joss Whedon. os criadores subvertem o género e procuram uma nova roupagem num cinema cada vez mais afunilado pela falta de ideias. para isso contribuem as reviravoltas do enredo sem perder a noção dos fãs que clamam por sustos e muito sangue no ecrã. o elenco é formado por jovens, incluído chris Hemsworth (antes de ser um estrela mediática) e duas referências dramáticas, bradley Whitford e richard jenkins que trazem à narrativa aponta-mentos ironicamente sinistros. Quando pensamos saber o próximo passo deparam-se novas situações com um cruzamento de gé-neros, diálogos inteligentes e uma galeria de cromos assustadores.

JP

o grupo de mercenários mais velhos do mundo voltam para mais uma aventura onde a carnificina e o fogo de artifício apenas ficam atrás da testosterona gerada pela galeria de velhas glórias das fitas de acção dos últimos 30 anos. barney ross, o líder do grupo é obrigado a aceitar um trabalho encomendado pela cia: recuperar um objecto que se encontra nos destroços de um avião que se despenhou na albânia. o grupo de soldados de fortuna cumpre a missão mas acabam sendo traídos por um criminoso internacional encarnado pelo sempre marmóreo jean-claude van Damme, que ainda por cima assassina o mais jovem recruta do grupo. a partir daí o filme desenrola-se como uma história de vingança, com um interlúdio piedoso sobre os abusos cometidos sobre as populações locais pelo malvado van Damme, que no fundo só quer fazer pela vida recuperando uns quilos de plutónio escondidos numa gruta. em termos cinematográficos esta sequela é bem mais fluida que o filme original, pois o realizador simon West sabe equilibrar a dinâmica das personagens, com a progressão da intriga e, natural-mente, o festival de fusilaria e machismo.uma fita pipoca, um prazer proibido tão ridículo quanto divertido, que conta com todas as glórias do chamado ‘cinema-de-porrada’, com a excepção do steven seagal, que está talvez demasiado inchado para nos supliciar com a sua carismática cara-de-pau.

rui Brazuna

The Expendables 2 Realização: Simon West.

Actores: Sylvester Stallone, Jason Statham, Dolph Lundgren, Jet Li.

103 min. 2012 estados unidosZoN Lusomundo

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Os MercenáriOs 2 A CAsAnA FlorestA

The Cabin in the WoodsRealização: Drew Goddard.

Actores: Kristen Connolly, Chris Hemsworth, Anna Hutchison.

95 min. 2011 estados unidosPris

ExTRAS

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104Críticas - DVD/BD

21 Jump StreetRealização: Phil Lord, Chris Miller.

Actores: Jonah Hill, Channing Tatum, Ice Cube.109 min. 2012 estados unidos

Pris

ExTRAS

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a partir de um argumento de michael bacall e jonah Hill de um regresso à escola fundiu-se a possibilidade do remake de “21 jump st.”, uma série policial dos finais dos anos 80 com johnny Deep. este filme retira o dramatismo e a tensão do objecto original e introduz humor xl com uma narrativa com jonah Hill e channing tatum, uma dupla improvável de comediantes que está perfeita neste filme sobre dois amigos. interpretam dois polícias recém-graduados que apesar das suas diferenças no liceu, schmidt (jonah Hill) era o cromo e jenko (channing tatum) o bully, com-plementam-se e tornaram-se (desastrados) irmãos de armas. o seu falhanço em fazer cumprir a lei leva-os até à redundante brigada especial - 21 jump street. infiltrar-se no liceu e desmascarar uma rede de droga é a sua nova missão. mas para schmidt é também a oportunidade de redenção dos anos horríveis como saco de pan-cada da escola. o argumento para além da linha policial inverte os papéis e as gargalhadas são naturais. como afirma um person-agem “reavivar tretas do passado e esperar que o pessoal não note” foi o espírito mais correcto, o enredo não é para ser levado a sério e o conflito central entre os dois amigos, que são separados por diferentes polaridades, é o fio da história segundo a filosofia do bromance à semelhança das produções de judd apatow - jonah Hill é licenciado nessa escola. os dois protagonistas têm em seu redor presenças fortes do reino da comédia: ice cube dá um show como chefe da equipa especial, um estereótipo de um capitão

negro que está sempre stressado e tem uma linguagem “colorida”; rob riggle é um núcleo de humor, sempre que está em cena leva tudo à frente, a sua energia alimentava uma central nuclear. os realizadores estreantes, phil lord e chris miller, passaram o teste, as notas são satisfatórias, não saturam nem se perdem nas várias histórias.

a edição bD vem acompanhada de featurette´s e um comentário divertido com os realizadores. o destaque desta versão vai inteira-mente para os trinta minutos (!) de cenas cortadas, os fãs chamam-lhe um figo.o making of em back to school (7´), a dupla inesperada do filme em brothers in arms (6´), a participação de johnny Deep (4´), um comediante em curto-circuito em the rob riggle (9´), filmar em plena auto-estrada em peter pan on the Freeway um best-of em cube-o-rama e a finalizar gag reel (5´).

JP

Agentessecundários

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Críticas - DVD/BD105

misto de melodrama, comédia e romance, «magic mike» é a in-cursãode steven soderbergh num universo raramente abordado no cinema mainstream: o striptease masculino.curiosamente o filme tem uma estrutura semelhante ao de muitos filmes do passado que abordavam os bastidores do espectáculo. aqui com um jovem ingénuo, inseguro e em situação económica difícil que encontra uma nova via para a sua vida, iniciando-se no mundo do striptease. o jovem é adam, que pela mão do veterano mike – uma estrela local no circuito do strip, vai descobrir toda uma sub-cultura que o vai seduzir e depois devorar numa espiral de consumo de drogas. o filme produzido por channing tatum e escrito pelo seu sócio revela um conhecimento aprofundado das dinâmicas e personagens deste sub-mundo, o que não é surpreendente já que tatum foi stripper profissional aos 19 anos. a história é algo convencional – um jovem embarca num universo novo pela mão de alguém mais experiente, triunfa e gradualmente abandona quem o ajudou deixando-se enredar no lado negro deste mundo. mas soderbergh filma tudo de uma forma insinuosa conseguindo um notável equilibrio narrativo, dando-nos não só o drama humano, como também a ilusão de glamour deste mundo. channing tatum e matthew mcconaughey estão particularmente notáveis nos desempenhos do stripper veterano e do seu em-presário, especialmente nas elaboradas sequências de strip-tease.

um filme insólito e fascinante que nos dá um vislumbre raro mas honesto de toda uma sub-cultura.

rui Brazuna

Magic MikeRealização: Steven Soderbergh.

Actores: Channing Tatum, Alex Pettyfer, Matthew McConaughey.

110 min. 2012 estados unidos

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MAGIC MIKE

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106Críticas - tv

Desde muito cedo que o universo tão fascinante quanto rocam-bolesco, pleno de mistério e aventura, do detective de baker street seduziu o cinema, e mais tarde a tv. são inúmeras as encarnações do grande detective, tanto no grande como no pequeno écrã. até muito recentemente havia porém duas figuras que se destacaram na criação de sherlock Holmes, o primeiro foi peter cushing que protagonizou a personagem numa série de tv, entre 1964 e 1968. o outro é naturalmente o inesquecível e inexcedível jeremy brett, que nas séries produzidas para a granada television na década de 80, cristalizou de forma perfeita o mundo e a persona do princípe dos detectives. mas agora há um terceiro, um sherlock Holmes contemporâneo, que usa o telemóvel e a internet, mas que con-tinua tão irrascível, enigmático e brilhante como quando conan Doyle o criou, em 1891. benedict cumberbatch imprime toda a força do seu talento á composição deste Holmes moderno, que deambula pelos vários escalões da sociedade londrina, desven-dando mistérios e combatendo o mal. o Holmes de cumberbatch é enigmático, fleumático, algo socialmente desiquilibrado, mas com um refinado sentido de humor e um desejo imparável não só de justiça, mas especialmente de usar os seus surpreendentes dotes de observação e análise. porém, o melhor Holmes só é tão

bom quanto o seu companheiro Watson, o homem comum, o médico, o cientista cuja perspectiva desempoeirada traz muitas vezes o pormenor fulcral á resolução de dado caso. e martin Free-man brilha igualmente nesta nova encarnação das aventuras de sherlock Holmes, trazendo à narrativa uma dinâmica realmente original com cumberbatch. steven moffat, o actual zelador do venerando «Dr. Who», e criador, entre outros do hilariante «cou-pling», em conjunto com mark gatiss criaram uma série surpreen-demente fascinante, especialmente se tivermos em conta que as 3 histórias desta primeira série são na verdade variações modernas de narrativas elaboradas por conan Doyle. o que surpreende mais, para além dos superlativos desempenhos da dupla de protagoni-stas, é o cuidado com os diálogos, a realização e produção visual, e o modo muito preciso como a narrativa é conduzida, onde há lugar um pouco para tudo, do drama á acção, tudo isto condimen-tado com um elegante sentido de humor. uma série fantástica que marca um novo patamar criativo nas produções britânicas. naturalmente indispensável para quem aprecia o melhor que a televisão actual tem para nos oferecer.

rB

SHERLOCK

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Críticas - tv107

esta edição em DvD tem como extras um making of e dois comen-tários que vão satisfazer a curiosidade dos fãs da série.

o primeiro comentário é obrigatório, tem 90 minutos de relíquias informativas, pertence a mark gatiss e steven moffat (criadores) e a produtora sue vertue (destaque para os detalhes criativos do realizador paul mcguigan).

o segundo comentário conta com mark gatiss, benedict cum-berbatch e martin Freeman, os primeiros 30 minutos são mornos mas quando a locução se torna mais séria vale a pena escutar a dedicação de benedict cumberbatch.

este lançamento inclui três episódios de 90 minutos e o episódio piloto, uma versão de 60 minutos de “um estudo cor-de-rosa” (1º episódio) com algumas alterações curiosas.

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108Críticas - tv

Desvendando Sherlock 32´

a ideia de trazer de volta sherlock Holmes nasceu nas viagens entre londres e cardiff, onde mark gatiss e steven moffat estavam a filmar «Doctor Who». a epifania passou pela criação desenrolar-se na actualidade dissipando o nevoeiro, os coches e as pilhas de sherlock´s vitorianos. a série começa pelo princípio com john Watson a ser ferido no afeganistão e relata o diário num blogue em vez de relíquias há lugar à diversão e alegria. benedict cum-berbatch foi a única escolha para protagonista numa combinação fantástica de personificar um herói com defeitos humanos. este making of apresenta imagens dos ensaios. a relação improvável de sherlock e Watson surge com um afecto subjacente e amizade sólida, eles complementam-se. martin Freeman foi o escolhido para interpretar Watson.

a maior parte da série foi filmada em cardiff mas também está presente o cariz fetichista da cidade de londres com as catedrais da finança e a vibração da cidade (a praça detrafalgar, chinatown, a city, southbank). podemos encontrar as diferenças e a expansão visual entre o piloto e o primeiro episódio. o principal cenário da série é 221 baker street, um espaço moderno algo excêntrico mas credível. a música foi composta em tempo recorde por David arnold e michael price, a mesma é subjectiva, realça o drama e acompanha a viagem de sherlock.

uma curiosidade: na primeira temporada de sherlock os criadores começaram a filmar a partir do terceiro episódio para trás, por ser esta a ordem em que se concluíram os argumentos.

JP

Sherlock - Primeira Temporada CompletaCriador: Steven Moffat e Mark Gatiss.

Actores: Benedict Cumberbatch, Martin Freeman, Mark Gatiss.

4 episódios 2010 Grã-BretanhaPris

ExTRAS

SéRIE

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109 EntrEvista - Escândalo

Como é que surgiu o conceito de «Escândalo»?a betsy beers [produtora-executiva] estava sempre a dizer-me que devia encontrar com uma senhora chamada judy smith, e eu bem dizia que não queria escrever mais nenhuma série. e ela sempre a insistir, acabei por ceder e prometi um encontro de 15 minutos. e encontramos e o que devia ser um quarto de hora transformou-se em duas horas e meia. e idealizei 100 episódios de um mundo incrivelmente interessante que me deixou entusiasmada, foi a razão da existência deste projecto. a judy é uma “fixer” profis-sional [resolve os problemas burocráticos, jurídicos e criminais dos clientes] e fá-lo há vários anos, a sua vida é estimulante e ela teve a bondade de nos deixar inspirar pelo seu mundo e fazer dele uma série de televisão.

Shonda, ficou aliviada ou preocupada de não criar um mundo sem estetoscópios?Shonda: eu adoro as minhas séries que têm estetoscópios. elas providenciaram uma vida maravilhosa e aprendi com elas a es-crever televisão. tem sido uma experiência agradável. esta é uma história diferente. penso que as minhas séries não são necessari-amente sobre médicos ou a política. são séries sobre mulheres fortes e inteligentes e também pessoas interessantes e com vários defeitos. É sobre isso que tento escrever.

Betsy Beers: «escândalo» está igualmente relacionada com situ-ações de alto-risco, têm algo em comum com a medicina, mas envolve primordialmente personagens de carácter forte e in-teressante que estão constantemente a ser confrontados com situações onde a parada é muito alta. porque estão face a pessoas que atravessam o pior dia das suas vidas, e penso que a maioria das pessoas consegue-se identificar perante uma crise, é um dos aspectos que é universal para os espectadores e também para os criadores.

O PErfil dOS PErSOnagEnSColumbus , como é que constituiu o perfil do seu personagem?inspirei-me em algumas experiências de vida. algo que aprecio na série, e que é fascinante, é o ritmo a que dialogamos e isso rep-resenta o perfil dos personagens. vivem num mundo que é uma roda-viva e pessoalmente gosto de falar depressa. Foi algo que me conectou ao personagem. e, também gosto de me vestir bem. o Harrison Wright [o seu personagem] desenvencilha-se muito bem, e foi um dos trunfos do argumento que li. eu teria feito este desempenho de spandex. mas não há um grande distanciamento entre mim e o personagem. penso que o Harrison é uma versão aperfeiçoada do columbus short, o que não é mau.

Shonda Rhime, BetSy BeeRS e ColumBuS ShoRt SoBRe

SCandal

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110ENTREVISTA - ESCâNDALO

a autOraJudy, como é que se tornou uma gestora de crises?Judy Smith: a minha primeira crise foi o caso irã-contras que en-volveu o presidente reagan. o presidente e nós estávamos a trocar armas pelos reféns. essa foi a minha primeira crise. e não houve um grande plano de carreira. ocorrem situações únicas que envolv-eram a lei, as crises, a política e fui saltando de crise em crise. começou com o caso irã-contras.

Judy, quando a Shonda começou a desenvolver a série existiram preo-cupações para a Judy com a sua reputação?não, o mundo onde vivo é de alto-risco e de um ritmo frenético. e eles fizeram um trabalho genial na dramatização dos acontecimen-tos num ambiente muito próprio.

O CaStingShonda, chegamos a um ponto na televisão onde um actor não pre-cisa de ser branco para ser cabeça de cartaz da série? penso que há já muitos anos que vivemos num mundo onde um actor de outra etnia pode ser o principal protagonista de uma série desde a Diahann caroll [«julia» - 1968]. o problema é que as pes-soas falharam ao longo dos anos nos actores que deviam ter sido escolhidos para os papéis certos.

Betsy, porque pensa que houve uma regressão desde dos tempos do Cosby Show?Há um problema na forma como as pessoas querem ver os indi-víduos de uma minoria, ponto final. É assim que elas são. É assim que as aceitamos. o que é uma assumpção grosseira. nesta série a shonda – uma pessoa que gosto muito – conta as histórias de indivíduos. e não estão relacionadas com a sua cor. e a shonda confiou nas pessoas que são talentosas, e por acaso são de cor, para darem a cara pelo projecto a kerry é um exemplo desse modo de pensamento. penso que tem de acontecer mais e esperamos que consigamos quebrar esse preconceito e a falta de vontade de quem escolhe devido ao excelente trabalho da kerry em «escân-dalo».

Columbus Short

darby Stanchfield

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111 EntrEvista - Escândalo

Kerry Washington

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112Críticas - tv

Os Criadoresadam Horowitz e edward kitsis são dois aventureiros que podiam passar por descendentes directos dos irmãos grimm. adoptaram uma colecção de figuras clássicas dos contos de fadas e fizeram crescer as histórias e colocaram a cereja em cima do bolo ao transportar a sua essência e os seus dilemas para o “mundo real”. o resultado é uma revolução nos con-tos de heróis e vilões que ganham corpo e muita alma em episódios de pura fantasia e sentimentos bem reais onde se desenvolve a mitologia com os personagens sempre em primeiro lugar.

A Históriao enredo inicia-se com a visita de Henry mills (jared gilmore) a emma swan (jennifer morrison), uma criança precoce que foi dada para adopção e precisa de ajuda da sua mãe biológica. Henry habita em storybrooke, uma localidade isolada numa floresta próxima de boston, e julga que a sua mãe pode libertar os habitantes da sua cidade que, segundo ele, são personagens dos contos de fadas presos no nosso mundo e não têm memória nem acesso à magia das suas existências passadas. emma, cresceu órfã e tornou-se uma caçadora de prémios e céptica em relação à natureza humana, considera que Henry tem uma imaginação fértil mas decide ficar próximo do filho em storybrooke após conhecer a mãe adoptiva, regina mills (lana parrilla) é a mayor que controla a

Era Uma VezEra uma vez dois autores de «Lost», Adam Horowitz e Edward Kitsis, que criaram uma das mais belas e fantásticas séries a estrear nas mais recentes temporadas televisivas.

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Críticas - tv113

cidade com um punho de ferro. regina também é a bruxa que lançou o feitiço sobre as figuras dos contos e transportou-os através dos tempos para a nossa realidade num local que pode controlar sem magia mas com a dureza da mesquinhez e manipulação da mayor e os seus aliados. emma, a verdadei-ra heroína desta história, será a chave para quebrar a maldição para basta que ela acredite…

Encantamentosa narrativa desenvolve-se em dois universos paralelos: o mun-do dos contos e a realidade. o elo entre estes dois espaços são os personagens que são reinventados e redimensiona-dos com cruzamentos deliciosos e temas recorrentes como a relação de pais e filhos e o amor como a cura e o mal de todos os encantamentos. para apreciar e reflectir que se está perante um objecto extraordinário do ponto de vista da fanta-sia criativa não basta explorar apenas o episódio piloto ou sequer alguns episódios, é necessário visionar toda a primeira temporada juntamente com progressão dos arcos de história com constantes retrocessos e avanços na narrativa. os autores investiram em cada uma das figuras que compõe esta série transformando figuras icónicas em personagens de corpo inteiro através de novos desfechos e correlações ines-peradas com camadas dramáticas ligando-os tematicamente e fazendo avançar a história da forma mais interessante. as interpretações têm sentido dramático, os actores fizeram crescer os seus personagens e improvisaram, o seu trabalho foi árduo com a grande maioria a interpretar dois papéis na

Era Uma VezEra uma vez dois autores de «Lost», Adam Horowitz e Edward Kitsis, que criaram uma das mais belas e fantásticas séries a estrear nas mais recentes temporadas televisivas.

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114Críticas - tv

série: a figura de storybrooke sem a memória mas com os mesmos traços da figura do conto de fadas. Destacam-se do elenco ginnifer goodwin, jennifer morrison, lana parrilla e robert carlyle. em am-bos planos narrativos os personagens são mais do que estereóti-pos (algo que não se antevê no piloto).

A Produçãono contraste visual o mundo real não tem magia e a atmosfera é cinzenta, por seu lado, o mundo dos contos é povoado de cor, extravagância e personagens rigorosamente trajados. em ambos planos narrativos os personagens e os sentimentos conduzem o destino de cada episódio. o desenvolvimento da tecnologia digital permitiu alguns cenários próximos de uma superprodução capitalizando ao máximo esta vertente que nem sempre deu os melhores resultados. o uso excessivo de cenários digitais, ainda que compreensível, são como um encanto que dura pouco tempo. a realização dos diferentes episódios respeita um look cin-ematográfico especialmente nas sequências exteriores, o figurino e o valor da produção Disney não deixa os créditos por mãos alheias. a primeira temporada arrisca e não sobrestima a inteligên-cia da audiência numa série com evidentes influências de lost na abordagem cinematográfica, qualidade da produção, o elenco e os saltos espácio-temporais. mas «era uma vez» soube fechar a narrativa e partilha um fascínio na redescoberta do universo clás-sico que todos conhecem e apreciam os seus encantos. a primeira época foi um estrondo nos estados unidos, considerada a série nº1 para se visionar em família, a sua estreia foi a maior do canal abc nos últimos três anos, foi vista por quinze milhões e meio de espectadores.

Os Extras esta edição em DvD tem extras como comentários, cenas cortadas, making of´s, um painel com os criadores e o elenco da série (30´), e vários easter eggs.

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Críticas - tv115

Once Upon a TimeCriadores: Adam Horowitz, edward Kitsis.

Actores: Ginnifer Goodwin, Jennifer Morrison, Lana Parrilla.

22 episódios estados unidos, 2011

ExTRAS

SéRIE

os comentários são a melhor opção desta edição, possuem muita informação generalizada e trazem aos microfones os protagonistas de «era uma vez». no disco 5 (criadores adam Horowitz e edward kitsis e a actriz lana parrilla), disco 3 (ginnifer goodwin e josh Dallas em 7:15 e robert carlyle e a argumentista jane espenson em skin Deep) , disco 1 (edward kitsis e adam Horowitz) e disco 6 (os criadores e a actriz jennifer morrison). os comentários com a presença de kitsis e Horowitz são os melhores da série pelas infor-mações sobre o projecto, a revelação da natureza dos personagens e detalhes curiosos, por exemplo, o relógio na torre da cidade não está parado por acaso nas 8.15, este era o mesmo número do voo fatídico de lost.

as origens (11´) um extra didáctico sobre as origens clássicas de branca de neve, o capuchinho vermelho, a bela e o monstro, rumpelstiltskin e a pequena sereia.

os contos de Fadas nos Dias de Hoje (20´) o making sobre a rein-venção de personagens clássicos, as ligações entre personagens, os actores recordam os seus contos de fada favoritos.

building a character (7´), a escolha da actriz, a definição do espírito da personagem belle num encontro entre os criadores e a australi-ana emilie de ravin. e o trabalho de eduardo castro, o responsável do figurino, na criação de um fato para emilie de ravin (belle).

bem-vindos a storybrooke (5´), uma visita à cidade de stevenston em vancouver no canadá que foi transformada em storybrooke. uma vila piscatória onde tudo se encaixa em algumas horas com o trabalho de 12 pessoas (cenógrafos, pintores e carpinteiros) que transformam uma rua da cidade num cenário da série.

a História de Que me lembro (5´) as reminiscências dos actores sobre o conto de a branca de neve.

erros de gravação (2´).

cenas cortadas (12´), nove cenas, algumas delas valem o visiona-mento.

JP

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116Críticas - tv

REVENGE«revenge» apresenta-se como um verdadeiro vício para os amantes de um bom thriller televisivo, interpretações cheias de requinte e muita malicia dão corpo a uma intriga bem escrita e repleta de imprevisíveis volte-faces. mike kelley o criador desta série juntamente com um conjunto de argumentistas astutos desafiam o óbvio durante 22 episódios com acções impelidas pelo amor, a família, a ambição e a vingança a ocuparem lugar central de «revenge».

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Críticas - tv117

a história como o título relata uma vendeta de uma jovem que regressa ao local do crime para se vingar das pessoas responsáveis pela morte do pai. Quando amanda tinha sete anos, o pai, David clarke (james tupper), um analista de uma firma de investimento, a grayson global, é preso, julgado e condenado ao ser acusado de financiar um grupo terrorista responsável por um atentado num avião de passageiros. anos mais tarde é assassinado na prisão mas deixa à filha (que cresceu em lares de acolhimento, famílias de adopção e na prisão juvenil) uma espécie de caixa negra com os diários e os eventos que explicam a sua injusta incriminação ao tornar-se o bode expiatório dos responsáveis da grayson. amanda, entretanto, uma jovem adulta muda de identidade tornando-se emily thorne (emily vancamp) com os fundos deixados pelo pai e o com o auxílio de dois “anjos da guarda” regressa à sua antiga casa de infância, nos Hamptons, para cumprir a sua missão.

o conceito é uma mistura de obras literárias como “a arte da guerra”, “o príncipe e o conde monde cristo” a estas inspirações clássicas junta-se a tradição da nightime soap opera (com enfâse na “opera”). o enredo é uma anatomia de uma vingança, cada episódio segue um código de batalha próximo dos ensinamentos de sun tzu ou maquiavel. estes princípios aplicados a uma atmos-fera de sofisticação e a personagens imperfeitos criam uma aura de suspense com toques de romance trágico. o distanciamento da típica novela sucede-se, obviamente, na qualidade da produção, o desenvolvimento dos personagens e as interpretações de um elenco no ponto, e com desempenhos maiores de emily vancamp («irmãos e irmãs») e madeleine stowe.

o início da temporada segue uma lógica de chantagem ao pequeno-almoço, adultério ao almoço e homicídio à ceia mas os argumentistas afastam-se da vingança do dia para dar lugar a um thriller estruturado investindo nos contornos dramáticos da série: o espaço familiar, o lado conjugal e o drama amoroso. inicia-se o confronto de duas antagonistas: emily, que cumpre uma sentença “perpétua” e só será livre quando ilibar o nome do pai e eliminar os culpados da sua morte, e, victoria (madeleine stowe) que é séria como um ataque de coração como a matriarca grayson que teve um papel central na traição a David. uma virtude deste argumento é o perfil destas personagens que apesar de antagónicas, no seu interior, são semelhantes no calculismo, auto preservação e sen-tido de justiça.

a série lida bem com a manipulação do tempo: os saltos entre o passado, o presente e futuro são fonte de interesse e infor-mação. através destas metas temporais descobrimos como o pai de amanda foi incriminado, o seu caso amoroso e a traição de victoria, o renascimento e a transformação de amanda em emily e o envolvimento de outros personagens nesta trama. as questões são um gancho para se reunir as peças do puzzle, a narradora activa (emily) é um gps para estes acontecimentos e juntamente com as imagens do passado e as memórias do pai temos a função de enquadramento da trama, flashbacks e importantes notas de rodapé. os argumentistas aplicaram a lei de murphy e deixaram os fios narrativos ganharem o seu ritmo. temos vários arcos narrativos que são paralelos ao complot principal e estão em crescendo ao longo da temporada. em termos narrativos a série deixa-nos um belo desafio onde não é tanto a sua conclusão mas quais os camin-hos que levaram até a essa conclusão, o verdadeiro chamariz para o espectador.

a série tem um visual luxuoso, a riqueza da produção reforça esse espírito e não tem falhas, o guarda-roupa é um desfile de moda. os elementos tecnológicos fundem-se na narrativa e conferem num novo espaço para o desenrolar dos acontecimentos desen-volvendo a trama sem grandes cortes. a matriz cénica foi criada

por phillip noyce (produtor executivo e realizador do piloto) e não está distante dos melhores thriller´s do realizador australiano, vem à memória a atmosfera de suspense de «Dead calm» com nicole kidman (1989).

o enredo satisfaz todas as questões e fecha perfeitamente os arcos narrativos. ao longo da temporada intervêm vários actores convidados (), os mesmos não estão desenquadrados do espírito da série e injectam qualidade com as suas participações especiais. o desfecho certamente vai satisfazer os entusiastas deste género deixando a porta aberta para uma conspiração mais abrangente, na última linha desta série afirma-se “let it play”…

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118Críticas - tv

Nos Bastidores o making of da edição em DvD de revenge intitulado roteiro para a vingança (13´) revela as raízes clássicas por detrás da série, o perfil e as motivações dos personagens e a escolha dos Hamptons como pano de fundo. as filmagens decorram na zona costeira da carolina do norte e em dois estúdios da califórnia.

em casa, nos Hamptons (8´), uma visita ao estúdio 18 onde áreas da mansão dos grayson são replicadas; o estúdio 25 pertence ao cenário da casa de praia de emily e o bar de jack, o ecrã verde e azul que rodeia o set é o espaço onde serão inseridas as imagens digitais.

em moda dos Hamptons (7´), um olhar para o guarda-roupa das protagonistas com a responsável jill m. ohanneson que criou um figurino inspirado nas figuras clássicas de grace kelly e kath-arine Hepburn para emily vancamp com enfâse nos tons azuis e castanhos, trajes que também abraçaram o universo ralph lauren. a personagem de victoria tem o visual diferente, mais sensual e agressivo, estando distante de uma típica mãe de família da alta sociedade dos Hamptons. os vestidos de l’Wren scott, Dolce & gabbana e carolina Herrera são presenças habituais no corpo de madeleine stone num contraste perfeito com a sua pele branca e os cabelos profundamente negros.

a terminar erros de gravação (2´), dois vídeos musicais e o verda-deiro nolan (3´), uma entrevista sobre o passado de nolan ross (gabriel mann).

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Críticas - tv119

o episódio piloto tem um bom comentário áudio (um substituto do making of ) com as locuções do criador mike kelley e a actriz principal emily vancamp.

todos os seis discos desta edição possuem um conjunto de cenas eliminadas. são cerca de 40 cenas cortadas que variam entre 30 segundos a sequências de dois minutos.

JP

RevengeCriador: Mike Kelley.

Actores: Madeleine Stowe, emily VanCamp, Gabriel Mann.

2011 estados unidosDisney/ZoN Lusomundo

ExTRAS

SéRIE

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para ler 120

THE KILLING – CRÓNICA DE UM

ASSASSÍNIo

de dAvid HewsonD. Quixote

the killing – Forbrydelsen (o crime) na sua versão original di-namarquesa, é uma intensa série televisiva dinamarquesa, criada por søren sveistrup, que se centra em torno da investigação policial do homicídio de uma jovem. liderando a investigação está a inspectora sarah lund, que fica com o caso poucas horas antes de deixar a polícia de copenhaga para ir viver para a sué-cia com o namorado. porém os seus planos não se realizam e ela embrenha-se numa investigação que a levará aos recantos mais sombrios da sociedade dinamarquesa. a primeira série, produz-ida em 2007, apresentava uma estrutura singular para uma série policial, ou seja, os seus 20 episódios correspondem a 20 dias da investigação criminal, desde que sarah lund fica encarregue do caso até ao seu eventual desenlace, pelo meio ficam muitas per-sonagens e especialmente muitas reviravoltas na investigação. À semelhança de muita da ficção policiária nórdica, the killing dá-nos um retrato algo glauco da sociedade dinamarquesa, e

debruça-se de forma bastante aprofundada sobre a psicologia das suas muitas personagens. porém, o foco principal é mesmo a inspectora lund, que nos surge a princípio como um enigma, com o seu comportamento pouco social. a primeira série foi um grande sucesso, tanto na escandinávia como nomeadamente na grã-bretanha, tendo dado origem a mais duas aventuras de sarah lund, e ainda a um remake americano da primeira inves-tigação. normalmente os tie-ins – os romances que adaptam narrativas de outros géneros, sejam do cinema e tv, têm quase sempre um denominador comum: a sua fraca qualidade e os seus objectivos puramente comerciais. singularmente, esta adaptação de David Hewson está nos antípodas desse tipo de produtos, pois o autor para além de seguir á letra a trama da série consegue enriquecer o projecto não só com os seus diálogos realistas e as suas descrições de copenhaga e dos seus muito diversos personagens, dando-nos especialmente uma outra dimensão, uma outra abordagem, da fascinante sarah lund, sem revelar mais do que está nos 20 episódios. mesmo para quem viu a série esta novelização é uma experiência tão imersiva quanto fascinante, resultando um excelente romance policial que ganha uma vida própria independentemente da sua matriz televisiva.

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para ler121

ARISTIDES DE SoUSA MENDES – UM

HERÓI PoRTUGUêS

de José-AlAin FrAloneditorial presença

inicialmente publicado em 1999, esta pequena biografia de um dos heróis esquecidos da hecatombe que foi a 2ª guerra mun-dial, volta uma vez mais ás livrarias a propósito da recente estreia em cinema de o cônsul de bordéus, de joão correa e Francisco manso. o livro, que no original se chama o justo de bordéus, faz a crónica atribulada de u homem que durante os anos de guerra viria a ser a última esperança de salvação a uma multi-tude de refugiados entre eles alguns milhares de origem judaica que procuravam escapar ao fanatismo homicida das legiões da suástica. por ter viabilizado a fuga de vários milhares de pessoas, graças á atribuição de vistos que lhes permitiram viajar para portugal e depois para a américa, aristides de sousa mendes, um diplomata sério, honesto e profundamente humano foi recompensado pela ditadura de salazar com a perda do cargo, a desgraça pública e mesmo a impossibilidade de exercer a advo-cacia. sousa mendes viria a morrer anos após a guerra practica-mente na penúria. uma das ironias da história é que a acção do cônsul, que contrariou as ordens de lisboa, preferindo seguir a sua consciência, viria a fazer com que portugal fosse visto inter-nacionalmente durante os anos de guerra como um verdadeiro óasis e uma zona segura para todo o tipo de refugiados. a revista time chegou mesmo a elogiar o ditador salazar, como o maior português desde os tempos do infante D. Henrique.bem documentado a nível de fontes e de imagens esta singu-lar biografia reflecte bem a personalidade de um dos grandes portugueses do século xx, alguém que pôs a sua consciência acima de tudo, só por isso podemos dizer que é ele que merece ser comparado ao grande expansionista, e não o economista de santa comba Dão.

DICIoNáRIo Do CINEMA PoRTUGUêS

1895-1962

de Jorge leitão rAMoscaminho

a rica e muita diversa história do cinema português raramente tem sido documentada de um modo tão abrangente e exaustivo como a série de Dicionários do cinema português, da autoria do crítico de cinema e investigador cinematográfico jorge leitão ramos. Depois de ter publicado em 1989, um primeiro volume dedicado ao cinema português entre os anos de 1962 e 1988, leitão ramos viria a publicar em 2006, um segundo volume dedicado á história do cinema feito em portugal entre os anos de 1989 e 2003. projectos deste tipo levantam a quem quer que ouse encetá-los uma série de dificuldades e entraves que leitão ramos conseguiu ultrapassar de forma hábil e eficaz, deixando a todos os interessados na história do nosso cinema um trio de volumes de referência. as dificuldades neste tipo de trabalho prendem-se essencialmente com a escassez e dispersão de fontes. se isso era verdade nos dois primeiros volumes, isso tor-na-se ainda mais flagrante neste terceiro que tem como foco os primeiros 67 anos do cinema nacional, de 1895 a 1962. para além de fazer uma enumeração de todo tipo de filmes produzidos neste período, o dicionário dá destaque também a biografias de realizadores, actores e outras figuras importantes não só na história do cinema, mas também do teatro português. redigido de forma clara e concisa, este dicionário oferece ainda ao seu lei-tor filmografias, sinopses de filmes e ainda várias fotos de alguns dos mais notáveis protagonistas do cine-pátrio. um volume de importância ímpar no que diz respeito á historiografia do cinema português e que decerto será uma referência incontornável para quem se interessa pela evolução da 7ª arte em portugal.

rui Brazuna

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122Entrevista - Jorge Leitão Ramos

Começou a sua carreira como crítico de cinema em 1975. Na sua opinião, como é que o cinema mudou desde essa altura?mudou muito. o cinema português, então, mudou radicalmente. profissionalizou-se muito mais, criaram-se estruturas de produção com alguma continuidade de trabalho, internacionalizou-se quer a nível de captação de financiamentos, quer a nível de divulgação. e, sobretudo, há hoje muito mais hipóteses de se fazerem filmes que em 1975, o que explica que a quantidade produzida anualmente se tenha multiplicado várias vezes.

Lançou recentemente o 3º volume do Dicionário de Cinema Português, desta vez referente a uma época anterior à do 1º volume. Porquê esta escolha e o que podemos esperar desta obra?já tinha publicado dicionários abarcando todo o cinema desde 1962 até 2003. este que agora foi posto à venda completa o trabalho dos outros, repertoriando a produção de 1895 a 1961. o que nele está, explica-se logo na sua abertura: filmes e principais pessoas (actores, realizadores, produtores, cenografistas, técnicos) que laboraram no cinema português nesse período. mas não pre-tende abarcar todo o cinema português. a exaustividade foi meta cumprida no que se refere às longas-metragens profissionais de ficção. para além desse corpo essencial indicam-se algumas curtas e médias-metragens de ficção e documentários de vária duração.

De notar que nas entradas das pessoas biografadas a informação não se limita ao seu trabalho no cinema, há imensos dados sobre teatro, por exemplo, em particular no caso dos actores.

Quais foram as maiores dificuldades na concepção deste novo volume?as maiores dificuldades tiveram a ver com o carácter pioneiro desta obra. Foi preciso escavar de um modo quase ‘arqueológico’ para obter a maior parte dos dados que o livro comporta. na re-alidade foram precisos vinte anos para que eu conseguisse coligir toda a informação, todas as fotos, todas as datas.

O sucesso dos volumes anteriores correspondeu às suas expectativas?a palavra ‘sucesso’ tem várias interpretações. se se refere a sucesso comercial, é claro que livros desta natureza nunca podem vender muito. se se refere a reconhecimento por parte do meio, incluindo o universitário, posso dizer-lhe que os ecos têm sido gratificantes. mas ninguém faz investigação histórica a pensar no ‘sucesso’.

O Dicionário enumera somente factos e personalidades ou também opinião própria, já que o autor é um crítico de cinema?tem opinião, mas tem – sempre – a opinião bem delimitada, até graficamente. não se confundem factos com juízos críticos. ou

Dicionário de Cinema Português Volume 3Entrevista a

Jorge Leitão Ramos

Jorge Leitão Ramos é um dos críticos de cinema portugueses mais conhecidos e esse encanto pelo cinema não parece ter diminuído desde que começou a sua carreira. A Metropolis conversou com ele a propósito do lançamento do 3º volume do Dicionário de Cinema Português.

a canção de lisboa (1933)

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Entrevista - Jorge Leitão Ramos123

seja, a obra pode ser útil mesmo para quem considere que eu só digo enormidades como crítico de cinema...

Como vê o cinema português actualmente?vejo-o com alguma jubilação – no ano em que nos aparecem filmes com a ambição e o eco internacional de “tabu”, “É na terra não É na lua” ou “Deste lado da ressurreição” como não saudar vivamente a criatividade singular do cinema português? por outro lado vejo-o com preocupação pelo futuro. os poderes públicos parecem apostados em estrangulá-lo financeiramente.

De que forma é que pensa que a crise pode condicionar o cinema actualmente?a crise condiciona o cinema português pelo fechamento dos financiamentos públicos e pela pouca abertura que as televisões – pública e privadas – têm para o cinema num momento em que as receitas de publicidade se tornam esquálidas. as estruturas de produção estão em risco de colapso, o que seria catastrófico para o próximo futuro.

Ainda tem o mesmo gosto pelo cinema como em 1975?tenho mais gosto e, espero, melhor gosto, porque vi imensos filmes, nestes trinta e muitos anos, li, reflecti, estudei, espero saber hoje mais do que sabia. o prazer de encontrar um bom filme novo ou de reencontrar um velho filme amigo não se perde. se algum dia o perder, deixo de ser crítico de cinema e dedico-me, sei lá, à gastronomia ou à pesca… ver filmes por castigo, por favor – não!

tatiana Henriquesa menina da rádio (1944)

o costa do castelo (1943) o leão da estrela (1947)

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124música

Ben Zeitlin + Don Romer

thirty3andra3rd rec

Foi talvez o melhor filme de 2012 que só poderemos ver em sala em 2013 (depois de breve passagem pelo lisbon & estoril Film Festival, tem estreia assegurada para os primeiros meses do ano), ‘beasts of the southern Wild’ é uma das mais interessantes contribuições recentes do universo sundance ao panorama cinematográfico norte-americano (o filme contou com apoio do instituto e foi um dos mais destacados na mais recente edição do festival). com alma de fábula, acompanhando a pequena odisseia de uma menina que vive com o pai e memórias de uma mãe ausente algures entre um delta prestes a ser invadido pelas aguas de uma barragem, é a primeira obra de ben zeitlin, que co-assina ele mesmo a banda sonora com o produtor Dan romer, par que havia trabalhado já em conjunto na curta-metragem ‘glory at sea’. ben e Don (sob ajuda pontual dos elysian Fields) evitam recorrer ao espaço da cultura cajun a que a narrativa podia aludir, procurando antes sublinhar o tom onírico e fantástico que corre pela narrativa, propondo um certo lirismo orquestral que está mais perto dos espaços da cultura indie - escola arcade Fire - que do sinfonismo ligeiro a que muitas vezes pisca o olho a música orquestral para cinema. como resultado surge aqui, e tal como o filme, uma das mais belas propostas dos últimos tempos.

Alexandre Tharaud

emi classics

não foi a primeira vez que vimos pianistas a conhecer um espaço de protagonismo maior no cinema de michael Haneke. mas mais ainda que em ‘a pianista’, desta vez o papel da música toma um espaço central na caracterização das personagens de ‘amor’, aquele que foi claramente o melhor filme que vi nas salas portuguesas em 2012. o filme de Haneke conta inclusivamente com a presença em cena do pianista alexandre tharaud, um talento em franca afirmação (e acrescente-se aqui que são notáveis gravações suas, recentes, pela Harmonia mundi, de obras de Debussy, poulenc ou chopin)... Faz por isso sentido a opção de usar gravações do próprio tharaud na banda sonora, a sua passagem pelas obras de schubert, beethoven e bach, que tomam um papel diegético em algumas cenas, vincando uma presença realista da música numa história que nos fala de pianistas e professores de música. o sentido de verdade que as interpretações do próprio alexandre tharaud levam ao filme geram agora, em disco, um complemento directo em tudo consequente. sendo que, além da música que escutamos no filme, o disco que a emi classics apresenta junta ainda o registo áudio de dois instantes do filme, num deles recordando-se a cena na qual vemos o pianista que, nesta versão em cD, se transforma agora no protagonista.

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125 música

Howard Shore

Decca

Howard shore é há já alguns anos um nome estabelecido entre a “realeza” dos profissionais da música ao serviço do cinema (sobretudo nos estados unidos). apesar da longa colaboração com David cronenberg e já de uma sucessão considerável de títulos em parceria com martin scorsese, a verdade é que a sua escrita traduz uma atitude essencialmente funcional, não resultando das suas bandas sonoras (algo com que os fãs mais acérrimos discordarão, claro) em obras que, como as de um john Williams, para citar um exemplo do mesmo tempo e da mesma dimensão mainstream, não sobrevivem sem as imagens e as narrativas a que se destinam. peter jackson chamou-o há uns anos para ajudar a dar voz à dimensão épica que procurava para a sua adaptação ao grande ecrã da trilogia ‘o senhor dos anéis’ de tolkien. ao retomar o filão, esticando agora a três novos filmes o mais magrinho ‘o Hobbit’, o realizador voltou a convocar grande parte da mesma equipa de trabalho e Howard shore foi novamente levado a bordo, rumo à terra média. o que nos traz neste primeiro filme é, assim, uma continuação directa do sinfónico hollywoodesco ligeirinho que já tínhamos escutado na trilogia inicial. e chega mesmo a citar elementos da música de “o senhor dos anéis”, como que a vincar a mesma lógica de franchise que o filme em si carrega.

Mychael Danna

sony music classical

o compositor canadiano mychael Danna, que nos últimos anos tem assinado trabalhos algo incaracterísticos para filmes como «moneyball» ou «500 Days of summer», mas ganhou notoriedade quando, nos anos 90, colaborou com atom egoyan (em filmes como «exotica» ou «a viagem de Felicia»), podia ter dado ao novo filme de ang lee um dos seus mais sólidos contributos com uma banda sonora na qual deveria ter vincado uma vez mais um interesse pessoal pelas raízes e grandes heranças da música indiana que explorou já com resultados bem felizes no cinema de mira nair (e basta recordarmos a música de «casamento Debaixo de chuva» para o reconhecer). ang lee já o teve como colaborador no notável «the ice storm», em 1997. e o reencontro, dadas essas coordenadas geográficas que a narrativa sugere, apresentava à partida o potencial para algo maior. porém, a música que Danna leva ao filme baseado no romance de yann martel perde o desejo de focar mais profundamente a latitude e a longitude da ideia, cruzando antes ecos dessas referencias com os mares mais calmos de uma certa atitude new age para lirismo de grande ecrã que, apesar de instantes pontualmente gratificantes acaba com sabor a coisa pouco condimentada. nota maior contudo para a bela canção que abre o disco (e que serve os créditos iniciais do filme).

Nuno Galopim

jornalista do Dn

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126GadGetpolis

GADGETPOLISSamsung aposta nos ultrabooks

o samsung series 7 ultra apresenta-se numa estrutura de alumínio ultrafina muito leve, tendo em vista o universo multimédia: ecrã Full HD, colunas jbl optimizadas e excelente capacidade gráfica, são alimenta-dos por uma excelente bateria que garante até oito horas de autonomia. processadores core i5 e i7 da intel e o disco ssD com até 256gb assegu-ram rapidez extrema e as funcionalidades multi-toque com dez pontos de pressão e o curto tempo de arranque (seis segundos) maximizam a produtividade. preparado para 4g lte, possui três portas usb, uma porta lan e um slot fino de segurança que garante que o equipamento está devidamente preso sempre que for necessário.

LG oLED TV

com apenas 4 mm de espessura e menos de 10 kg, as lg oleD tvs produzem imagens extrema-mente vivas e realistas graças à tecnologia Wrgb. o sistema Four-color-pixel, exclusivo lg, inclui um sub-pixel branco que, em conjunto com os tradicionais azul, vermelho e verde, assegura um output de cor perfeito. neste aspecto, o lg color refiner tem também um papel decisivo ao “trabalhar” os tons de cor de forma minuciosa, o que resulta em imagens mais vibrantes e naturais do que nunca. o televisor lg oleD de 55” oferece também um rácio de contraste infinito, que mantém um nível ideal independentemente da luminosidade da envolvente ou do ângulo de visualização.

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127 GadGetpolis

Panasonic aposta em

tablets 4K e Tvs oled

referente ao novo tablet, este conta com um ecrã lcD ips alpha e com resolução 4k (4 vezes superior a Full HD). o objectivo da panasonic é comercializar este produto, com apenas 10,8mm de espessura, no final do ano e dirigir-se especial-mente ao sector industrial.o ecrã oleD conta com 56” e uma resolução de 4k2k (3.840 x 2.160, 8,29 milhões de pixéis). a empresa tem vindo a realizar a sua própria inves-tigação e desenvolvimento na tecnologia oleD para poder atingir o máximo potencial destes dis-positivos aproveitando a sua experiência tanto no fabrico de televisores como em ecrãs plasma leD.

bang & olufsen

beolab 15

estes “discos voadores” são denomina-dos beolab 15 (os satélites) e beolab 16 (subwoofer) e são alimentados por um amplificador 1 com 195W de potência..os satélites podem “dobrar-se” a meio para conseguir um melhor ângulo di-rigido para uma área específica o que é notavelmente inteligente.o problema é o do costume, o preço: uns exorbitantes 4595 dólares que não incluem o trabalho de obras, pois isto de esconder cabos por dentro do pladur tem muito que se lhe diga.

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128GadGetpolis

Acer propõe Tablet

a 120 euros

o iconia b1 é um dispositivo acessível de entrada de gama da família de produtos acer que oferece uma excelente relação qualidade-preço. Disponível numa versão com 8gb com opção de expansão de capaci-dade via leitor de cartões microsD, o iconia b1 é o companheiro ideal para principiantes ou crianças.com 7 polegadas – o mesmo tamanho de uma folha de livro convencional – o ecrã é confortável para leitura de ebooks, navegar na web, jogar e ver vídeos. o iconia b1 integra uma câmara frontal para partici-par em videoconferências com os seus amigos. a câmara está localizada no canto superior direito e também funciona em modo paisagem, permitindo aos seus amigos ficaram enquadrados durante o chat.

Sony Xperia z – o

novo topo de gama

e pronto, a sony avisou e cá está o mastondonte xperia z, um smartphone android 4.1 com mega-ecrã de 5 polegadas. o ecrã do xperia z tem a resolução HD 1080, o processador quad-core snapdragon é de 1,5gHz, há conectividade lte e uma nova câmara com sensor exmor rs de 13 megapixels. sim, leram bem, treze!este sony é também resistente à água até um metro de profundidade, ou seja, já não falamos de salpicos, e é feito de vidro (ambos os lados) com tampas de borracha para as várias entradas que, felizmente, também contam com uma expansão para cartões sD.

joÃo GATA WWW.XADAS5.CoM

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Óscares 2012129

ÓSCARES 2012

LISTADAS

NoMEAçõESMELHoR FILME«lincoln», de steven spielberg«os miseráveis», de tom Hooper«guia para um Final Feliz», de David o. russell«00:30 Hora negra», de kathryn bigelow«amor», de michael Haneke«a vida de pi», de ang lee«argo», de ben affleck«Django libertado», de Quentin tarantino«beasts of the southern Wild», de benh zeitlin

MELHoR REALIzADoRDavid o. russell, por «guia para um Final Feliz»ang lee, por «a vida de pi»steven spielberg, por «lincoln»michael Haneke, por «amor»benh zeitlin, por «beasts of the southern Wild

MELHoR AToRDaniel Day-lewis, por «lincoln»bradley cooper, por «guia para um Final Feliz»Denzel Washington, por «Decisão de risco»Hugh jackman, por «os miseráveis»joaquin phoenix, por «o mentor»

MELHoR ATRIznaomi Watts, por «the impossible»jessica chastain, por «00:30 Hora negra»jennifer lawrence, por «guia para um Final Feliz»emanuelle riva, por «amor»Quvenzhané Wallis, por «beasts of the southern Wild

Lincoln

00:30 Hora Negra

Django Libertado

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130Óscares 2012

MELHoR AToR SECUNDáRIochristoph Waltz, por «Django libertado»philip seymour Hoffman, por «o mentor»alan arkin, por «argo»robert De niro, por «guia para um Final Feliz»tommy lee jones, por «lincoln»

MELHoR ATRIz SECUNDáRIAsally Field, por «lincoln»anne Hathaway, por «os miseráveis»jacki Weaver, por «guia para um Final Feliz»Helen Hunt, por «seis sessões»amy adams, por «o mentor»

MELHoR ARGUMENTo oRIGINAL«Decisão de risco»«00:30 Hora negra»«Django libertado»«amor»«moonrise kingdom»

MELHoR ARGUMENTo ADAPTADo«beasts of the southern Wild»«argo»«lincoln»«guia para um Final Feliz»«a vida de pi»

MELHoR LoNGA-METRAGEM DE ANIMAçÃo«brave - indomável»«Frankenweenie»«os piratas!»«Força ralph»«paranorman»

MELHoR FILME DE LÍNGUA ESTRANGEIRA«amor» (áustria)«no» (chile)«War Witch» (canadá)«kon-tiki» (noruega)«a royal affair» (Dinamarca)melhor Direcção artística«anna karenina»«o Hobbit: uma viagem inesperada»«os miseráveis»«a vida de pi»«lincoln»

MELHoR FoToGRAFIA«anna karenina»«Django libertado»«a vida de pi»«lincoln»«007 skyfall»

MELHoR GUARDA-RoUPA«anna karenina»«os miseráveis»«lincoln»«espelho meu, espelho meu! Há alguém mais gira do que eu»«branca de neve e o caçador»

MELHoR MoNTAGEM«argo»«a vida de pi»«lincoln»«guia para um Final Feliz»«00:30 Hora negra»

MELHoR CARACTERIzAçÃo

Amor

Beasts of the Southern Wild

Argo

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Óscares 2012131

«Hitchcock»«o Hobbit: uma viagem inesperada»«os miseráveis»

MELHoR bANDA-SoNoRA oRIGINAL«anna karenina», Dario marianelli«argo», alexandre Desplat«a vida de pi», mychael Danna«lincoln», john Williams«007 skyfall», thomas newman

MELHoR CANçÃo oRIGINALbefore my time, do filme «chasing ice»everybody needs a best Friend, de «ted»pi’s lullaby, de «a vida de pi»skyfall, de «007 skyfall»suddenly, de «os miseráveis»

MELHoRES EFEIToS SoNoRoS«argo»«Django libertado»«a vida de pi»«007 skyfall»«00:30 Hora negra»

MELHoR SoM«argo»«os miseráveis»«a vida de pi»«lincoln»«007 skyfall»

MELHoRES EFEIToS VISUAIS«o Hobbit: uma viagem inesperada»«a vida de pi»«os vingadores»«prometheus»«branca de neve e o caçador»

MELHoR DoCUMENTáRIo - LoNGA-METRAGEM«5 broken cameras»«the gatekeepers»«the invisible War»«searching for sugar man»

MELHoR DoCUMENTáRIo - CURTA-METRAGEM«inocente», de sean Fine e andrea nix Fine«kings point», de sari gilman e jedd Wider«mondays at racine», de cynthia Wade e robin Honan«open Heart», de kief Davidson e cori shepherd stern«redemption», de jon alpert e matthew o’neill

MELHoR CURTA-METRAGEM DE ANIMAçÃo«adam and Dog», de minkyu lee«Fresh guacamole», de pes«Head over Heels», de timothy reckart e Fodhla cronin o’reilly«maggie simpson in ‘the longest Daycare’», de David silverman«paperman», de john kahrs

MELHoR CURTA-METRAGEM DE IMAGEM REAL«asad», de bryan buckley e mino jarjoura«buzkashi boys», de sam French e ariel nasr«curfew», de shawn christensen«Death of a shadow» («Dood van een schaduw»), de tom van avermaet e ellen De Waele«Henry», de yan england

Os Miseráveis

A Vida de Pi

Guia para um Final Feliz

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