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  • sobre o suicdio

  • Karl Marx

    sobre o suicdio

    Traduo rubens enderle

    Francisco Fontanella

    inclui ensaio de Michael Lwy,um Marx inslito

    TraduoMaria orlanda Pinassi

    daniela Jinkings

  • Copyright da traduo Boitempo Editorial, 2006Traduzido do original alemo: Peuchet: vom Selbstmord

    Coordenao editorialIvana Jinkings e Aluizio Leite

    AssistnciaAna Paula Castellani e Livia Campos

    Traduo de Karl MarxRubens Enderle e Francisco Fontanella

    Traduo de Michael LwyMaria Orlanda Pinassi e Daniela Jinkings

    CapaAntonio Kehl

    sobre desenho de LoredanoReviso

    Leticia Braun e Ana Paula FigueiredoCronobiografia resumida de MarxDaniela Jinkings e Gustavo Moura

    Editorao eletrnicaGapp Design

    ProduoAna Lotufo Valverde

    vedada, nos termos da lei, a reproduo de qualquerparte deste livro sem a expressa autorizao da editora.

    Este livro atende s normas do acordo ortogrfico em vigor desde janeiro de 2009.

    1a edio: maro de 20061a reimpresso: abril de 2008

    1a edio revista: abril de 2011

    BOITEMPO EDITORIALJinkings Editores Associados Ltda.

    Rua Pereira Leite, 373 Sumarezinho05442-000 So Paulo SP

    Tel./Fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869e-mail: [email protected]

    site: www.boitempoeditorial.com.br

    ciP-brAsiL.cATALoGAo-NA-FoNTesiNdicATo NAcioNAL dos ediTores de LiVros, rJ.

    M355s Marx, Karl, 1818-1883sobre o suicdio / Karl Marx ; traduo de rubens enderle e Francisco Fontanella. - so Paulo : boitempo, 2006 contedo parcial: um Marx inslito / Michael Lwy ; traduo Maria orlanda Pinassi, daniela Jinkings IncluicronobiografiadeMarx

    1. Peuchet, J. (Jacques), 1758-1830. 2. suicdio. i. Lwy, Michael, 1938-. um Marx inslito. ii. Ttulo. 06-0524. cdd 362.28 cdu 364.277

  • suMrio

    APreseNTAo ................................................ 7

    uM MArx iNsLiTo, Michael Lwy ............ 13

    sobre o suicdio ......................................... 21

    NoTAs do ediTor ........................................ 53

    Ndice oNoMsTico ................................. 59

    croNobioGrAFiA resuMidA de KArL MArx ................................................ 65

    obrAs de KArL MArx PubLicAdAs No brAsiL ........................... 81

  • 7Sobre o suicdio

    APRESENTAO

    Sobre o suicdio o quinto volume da coleo com a qual a Boitempo pretende abarcar sempre em novas tradues, diretamente do alemo, anotadas e comentadas o fundamental da obra dos fundadores do mate rialismo histrico, Karl Marx e Friedrich Engels, e dis ponibiliz-lo em portugus do Brasil. Os ttulos j lan ados so o Manifesto Comunista (edio comemo-ra tiva dos 150 anos do panfleto, em 1988, com uma intro duo que o situa historicamente, ensaios de seis especialistas e prefcios de Marx e Engels a todas as edies conhecidas); A sagrada famlia, traduzida e comentada por Marcelo Backes; os Manuscritos econmico-filosficos, traduzido por Jesus Ranieri, autor tambm de um importante ensaio introdut-rio; e, final mente, Crtica da filosofia do direito de Hegel, com traduo de Rubens Enderle (responsvel tambm pela apresentao) e Leonardo de Deus. Os prximos ttulos a serem lanados so A situao da classe trabalhadora na Inglaterra, de Engels, com super-viso e introduo de Jos Paulo Netto, e A ideologia alem, de Marx e Engels texto magistral, em que os autores articulam os elementos para constituir uma teoria explicativa das condies histricas de produ-o e reproduo da vida dos homens , tambm tradu zido por Rubens Enderle, com apresentao de

  • 8Apresentao

    Emir Sader. Nas capas de todos os ttulos dessa srie h ilustraes inditas de Cssio Loredano.

    O presente ensaio de Marx foi originalmen-te impresso no Gesellschaftsspiegel (espelho da sociedade), rgo de Representao das Classes Populares Des possudas e de Anlise da Situao Social Atual (ano II, nmero VII, Elberfeldt, janeiro de 1846). Enquanto o autor viveu, o texto no teve outra edio. Tampouco h alguma meno conhecida na correspondncia de Marx sobre esse ensaio. Em 1932 foi publicado novamente em alemo, no tomo 1.3 das obras completas de Marx-Engels (Marx-Engels--Gesamtausgabe MEGA) com poucas notas dos editores. Naquele volume, incluam-se tambm os bastante conhecidos Manuscritos econmico-filosficos e A sagrada famlia.

    O texto sobre Peuchet e o suicdio no foi in-corporado tambm na Marx-Engels-Werkausgabe (MEW), publicada entre 1956 e 1968, na Repblica Democrtica Alem (RDA), com menos pretenso com pletude. Uma primeira traduo para o in-gls foi publi cada em 1975, no tomo 4 da edio das Collected Works de Marx e Engels, organizada em Moscou, mais uma vez com anotaes bastante escassas. No mbito da segunda MEGA, de 1975, iniciada em Moscou e Berlim Oriental e continuada sob novas diretrizes editoriais e sob encargo ociden-tal, o tomo correspondente, que deveria incluir esse texto, ainda no aparece. Em 1983, Maximilien Rubel publicou, no tomo 3 da sua edio pela Gallimard (Marx, Oeuvres), um resumo abreviado em francs, ao qual acrescentou quatro pginas de notas edito-riais. Em 1992 foi publicada uma edio francesa sob o ttulo propos du suicide, de Marx e Peuchet.

  • 9Sobre o suicdio

    O pequeno tomo contm a introduo do editor, Philippe Bourrinet, notas editoriais e materiais su-plementares, bem como o prefcio do editor das Mmoires tirs des archives de la police de Paris, de Peuchet, publicado em 1838 de cujas contri-buies biogrficas Marx lana mo. As Mmoires nunca foram publicadas novamente.

    O interesse de Marx sobre esse assunto desperta curio sidade. Jacques Peuchet (1758-1830)1, esp-cie de coautor deste livro, era um ex-arquivista policial com uma trajetria de vida peculiar. Alm de se dedicar aos trabalhos nos arquivos da Pol-cia, exerceu outros cargos pblicos e foi membro do partido monarquista. Assumiu a direo do jornal monarquista Mercure, de Mallet du Pan, e publicou, em 1800, o Gographie Commerante, que lhe valeu a indicao a membro do Conseil de Commerce et des Arts. Posteriormente ocupou um cargo de destaque no ministrio de Franois de Neufchteau. Diretamente e como escritor, Peuchet influenciou os oradores na Assembleia Constituinte, na Conveno, no Tribunal e no Corpo Legislativo durante a Restaurao. Suas estatsticas da Frana so a mais conhecida dentre suas muitas obras, na maioria sobre economia. Sua contribuio tambm se estende ao que se pode chamar de uma bem estruturada crtica social. Em sua longa experincia nos departamentos de administrao e de Polcia, chamaram-lhe a ateno os inmeros casos de sui-cdio. Seu interesse crescente pelas causas desse mal

    1 De acordo com o texto de Marx (p. 22), Jacques Peuchet teria nascido em 1760. Mas a data correta 1758.

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    Apresentao

    levaram-no a traar uma breve, mas profunda, anlise das relaes e comportamentos humanos degradantes enraizados na sociedade da poca.

    ***

    Para a presente edio, apoiamo-nos principalmen-te na publicao original de Marx, lanada em 1846, e na edio inglesa organizada sob a forma de livro em 1999 por Kevin Anderson e Eric Plaut (Marx on suicide, Evanston, Northwest University). A traduo de Rubens Enderle e Francisco Fontanella foi feita a partir da edio alem Vom Selbstmord (ISP-Verlag, Kln, 2001) o ttulo original do ensaio de Marx, en-tretanto, era Peuchet: vom Selbstmord. Nossa verso mantm a forma grfica do texto alemo, ou seja, a pontuao, os itlicos e destaques em aspas so rigo-rosamente respeitados. No que diz respeito traduo de ttulos de obras, ao uso de aspas e/ou itlico para destacar autores, obras ou palavras especficas, segui-mos o original de Marx ainda que por vezes fira as normas editoriais da Boitempo , na medida em que o uso das aspas e do itlico tem, para ele, muitas vezes a funo de chamar a ateno para aquilo que est dizendo, citando ou referindo; e esse destaque ficaria enfraquecido se assinalssemos tambm as obras que o autor no pretende por alguma razo destacar. Eventuais disparidades nas citaes em francs devem- -se provavelmente ao fato de a edio alem ter optado por transcrever o que Marx deixa em francs, com total liberdade sobre a obra de seu coautor.

    Para a montagem deste volume, seguimos pratica-mente todos os critrios dos editores ingleses. Por exem-plo, assinalamos em negrito todos os acrscimos feitos

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    Sobre o suicdio

    por Marx ao texto original de Peuchet; os apontamentos do prprio Marx foram impressos em itlico. Nas partes em que Marx omite trechos de Peuchet, Kevin Anderson e Eric Plaut acrescentaram o texto francs (traduzido) em notas de rodap. As chamadas das notas feitas com asterisco aparecem sempre onde comea a omisso e o texto consta no p das pginas. Comentrios expli-cativos da edio inglesa encontram-se em notas ao fim do texto e so indicados por nmeros.

    Nossa publicao vem ainda acompanhada de um ndice onomstico, no qual inclumos referncias sobre personagens citadas no ensaio de Marx e tambm na introduo, Um Marx inslito, de Michael Lwy (tra-duzida por Maria Orlanda Pinassi e Daniela Jinkings). Nesse texto, erudito e esclarecedor, Lwy refaz o percur-so que levou Marx a adentrar na esfera da vida privada, das angstias da existncia mediada pela proprie dade e pelas relaes de classe, e que antecipa temas como o direito ao aborto, o feminismo e a opresso familiar na sociedade capitalista. No fim do volume encontram-se uma relao das obras de Marx publicadas no Brasil e sua cronobiografia resumida que contm aspectos fundamentais da vida pessoal, da militncia poltica e da produo terica , com informaes teis ao leitor, inicia do ou no na obra do filsofo alemo.

    Ivana Jinkingsfevereiro de 2006

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    Sobre o suicdio

    UM MARx INSLITO

    Entre os escritos de Marx, h um documento muito pouco conhecido; trata-se de Peuchet: vom Selbstmord, de 1846, pea composta de passagens traduzidas para o alemo de Du suicide et des ses causes, um captulo das memrias de Jacques Peuchet.

    Em vrios aspectos, esse documento de Marx se distingue do restante de sua produo1:

    1) No se trata de uma pea escrita pelo prprio Marx, mas composta, em grande parte, de ex cer-tos, traduzidos ao alemo, de outro autor. Marx tinha o hbito de preencher seus cadernos de notas com excertos desse tipo, mas jamais os publicou, e menos ainda sob sua prpria assinatura.

    2) O autor escolhido, Jacques Peuchet, no era eco-nomista, historiador, filsofo, nem socialista, e sim um antigo diretor dos Arquivos da Polcia sob a Restaurao!

    3) O texto do qual foram selecionados os excertos no uma obra cientfica, mas uma coleo informal de incidentes e episdios, seguidos de alguns co-mentrios.

    1 Remeto introduo de Kevin Anderson e Eric Plaut traduo inglesa do ensaio, publicado em 1999 (Marx on suicide), no qual certamente essas particula ridades esto mencionadas.

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    4) O tema do artigo no concerne ao que habitual-mente se considera esfera econmica ou poltica, mas vida privada: o suicdio.

    5) A principal questo social discutida em relao ao suicdio a opresso das mulheres nas sociedades modernas.

    Se cada um desses traos raro na bibliografia de Marx, a reunio deles neste texto nica.

    Tendo em vista a natureza do artigo, poderia ele ser considerado parte integrante dos escritos de Marx? Alm de hav-lo assinado, Marx imprimiu sua marca ao documento de vrias maneiras: na introduo escri-ta por ele, na seleo dos excertos, nas modificaes in tro duzidas pela traduo e nos comentrios com que temperou o documento. Mas a principal razo pela qual essa pea pode ser considerada expresso das ideias de Marx que ele no introduz qualquer distino entre seus prprios comen trios e os excertos de Peuchet, de modo que o conjunto do documento apare ce como um escrito homogneo, assinado por Karl Marx.

    A primeira questo que se pode apresentar : por que Marx teria escolhido Jacques Peuchet? O que lhe interessaria tanto nesse captulo de suas memrias?

    Creio que no se pode partilhar da hiptese su-gerida por Phillippe Bourrinet, editor de uma verso francesa do artigo, publicada em 1992 e retomada a seu modo por Kevin Anderson em sua introduo em outros sentidos, excelente edio inglesa de 1999, segundo a qual a escolha de um autor francs seria uma crtica contra o verdadeiro socialismo alemo dos editores de Gesellschaftsspiegel, entre os quais estava Moses Hess2. Com efeito, no h no artigo uma nica passagem que su-

    2 Phillipe Bourrinet, Prsentation em Marx/Peuchet, propos du suicide (Castelnau-le-Lez, Climats, 1992), p. 9-27.

    Um Marx inslito

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    Sobre o suicdio

    gira tal orientao. Certamente Marx rende homenagem superioridade dos pensadores sociais franceses, mas no os compara aos socialistas alemes e sim aos ingleses. Alm disso, Engels o outro editor de Gesells chaftsspiegel e Marx mantiveram excelentes relaes com Moses Hess durante esses anos (1845-1846), a ponto de convid--lo a participar de sua obra polmica comum contra o idealismo neo-hegeliano, A ideologia alem.

    Um primeiro argumento para explicar essa escolha sugerido pelo prprio Marx na introduo aos ex-certos: o valor da crtica social francesa s condies de vida modernas, sobretudo s relaes privadas de propriedade e s relaes familiares em uma palavra, vida privada. Para empregar uma expresso atual, desconhecida de Marx: uma crtica social inspira da na compreenso de que o privado poltico. Para o jovem Marx, tal crtica no perderia de forma alguma o interesse pelo fato de exprimir-se sob forma literria ou semiliterria: por exemplo, sob a forma de mem-rias. Seu entusiasmo por Balzac bem conhecido, tanto que confessa ter aprendido muito mais sobre a sociedade burguesa em seus romances do que em centenas de tratados econmicos. claro que Peuchet no Balzac, mas suas memrias apresentariam uma varian te de qualidade lite rria: basta lembrar que um dos seus episdios inspirou O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas.

    O interesse de Marx pelo captulo de Peuchet recaiu menos sobre a questo do suicdio como tal e mais sobre sua crtica radical da sociedade burguesa como forma de vida antinatural (frmula proposta pelo prprio Marx em sua introduo)3. O suicdio significativo,

    3 A hiptese levantada por Eric Plaut em sua introduo edio inglesa sobre uma fascinao inconsciente de Marx pelo suicdio no me parece ter fundamento.

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    tanto para Marx como para Peuchet, sobretudo como sintoma de uma sociedade doente, que necessita de uma transformao radical. A sociedade moderna, escreve Marx citando Peuchet, que por sua vez cita Jean-Jacques Rousseau, um deserto, habitado por bestas selvagens. Cada indivduo est isolado dos de-mais, um entre milhes, numa espcie de solido em massa4. As pessoas agem entre si como estranhas, numa relao de hostilidade mtua: nessa soci e dade de luta e competio impiedosas, de guerra de todos contra todos, somente resta ao indivduo ser vtima ou carrasco. Eis, portanto, o contexto social que explica o desespero e o suicdio.

    A classificao das causas do suicdio uma classifica-o dos males da sociedade burguesa moderna, que no podem ser suprimidos aqui Marx quem fala sem uma transformao radical da estrutura social e econmica.

    Essa forma de crtica tica e social da modernidade de inspirao evidentemente romntica. A simpatia de Peuchet pelo romantismo est comprovada no somente por sua referncia a Rousseau, mas tambm por sua feroz acusao ao filisteu burgus cuja alma o negcio, e seu comrcio seu deus , que tem apenas despre zo pelas pobres vtimas que se suicidam e pelos poemas romnticos de desespero que elas deixam como herana.

    preciso ter em conta que o romantismo no so-mente uma escola literria, mas como o prprio Marx sugere frequentemente um protesto cultural contra a civilizao capitalista moderna, em nome de um pas-sado idealizado. Ainda que estivesse longe de ser um romntico, Marx admirava os crticos romnticos da

    4 Um interessante ensaio marxista sobre essa problemtica, tal como aparece na literatura francesa, foi escrito por Robert Sayre, Solitude in society: a sociological study in French literature (Cambridge, Harvard University Press, 1978).

    Um Marx inslito

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    Sobre o suicdio

    sociedade burguesa escritores como Balzac e Dickens, pensadores polticos como Carlyle, economistas como Sismondi , muitas vezes integrando intuies deles aos seus prprios escritos5.

    Assim como Peuchet, a maioria deles no era socia-lista. Mas, como observa Marx em sua introduo ao artigo, no preciso ser socialista para criticar a ordem estabelecida. Tropismos romnticos como esses apresen-tados nos excertos de Peuchet o carter desumano e bestial da sociedade burguesa, o egosmo e a am bio do esprito burgus so recorrentes nos escri tos de juventude de Marx, mas, nesta pea, eles assumem um carter inslito.

    Ao mencionar os males econmicos do capitalismo, que explicam muitos dos suicdios os baixos salrios, o desemprego, a misria , Peuchet ressalta as manifesta-es de injustia social que no so diretamente econ-micas, mas dizem respeito vida privada de indivduos no proletrios.

    Tal ponto de vista seria somente de Peuchet, no par-tilhado por Marx? De modo algum! O prprio Marx, em sua introduo, refere-se sarcasticamente aos filan tropos burgueses que pensam como o clebre Dr. Pan gloss de Voltaire que vivemos no melhor dos mundos possveis e propem, como soluo aos problemas sociais, distribuir um pouco de po aos operrios, como se somente os operrios sofressem com as atuais condies sociais.

    Em outros termos, para Marx/Peuchet, a crtica da sociedade burguesa no se pode limitar questo da ex-plorao econmica por mais importante que seja. Ela deve assumir um amplo carter social e tico, incluin do todos os seus profundos e mltiplos aspectos opressivos.

    5 Sobre Marx e o romantismo, remeto ao meu livro, escrito com Robert Sayre, Revolta e melancolia: o romantismo na contramo da modernidade (Petrpolis, Vozes, 1995).

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    A natureza desumana da sociedade capitalista fere os indivduos das mais diversas origens sociais.

    Mas aqui chegamos ao aspecto mais interessante do ensaio quem so as vtimas no proletrias levadas ao desespero e ao suicdio pela sociedade burguesa? H um setor social que toma um lugar central tanto nos excertos de Peuchet como nos comentrios de Marx: as mulheres.

    Com efeito, esse texto de Marx uma das mais pode ro sas peas de acusao opresso contra as mulheres j publicadas. Trs dos quatro casos de sui-cdio mencio na dos nos excertos se referem a mulheres vtimas do patriarcado ou, nas palavras de Peuchet/Marx, da tirania familiar, uma forma de poder arbitr-rio que no foi derrubada pela Revoluo Francesa6. Entre elas, duas so mulheres burguesas, e a outra, de origem popular, filha de um alfaiate. Mas o destino delas fora selado mais pelo seu gnero do que por sua classe social.

    No primeiro caso uma jovem levada ao suicdio por seus pais, ilustrando a brutal autoridade do pater e da mater familias; Marx denuncia com veemn-cia a covarde vingana dos indivduos habitualmente forados submisso na sociedade burguesa, contra os ainda mais fracos que eles.

    O segundo exemplo o de uma jovem da Martinica, trancada entre as quatro paredes da casa por seu marido ciumento, at que o desespero a leva ao suicdio de longe o mais importante, tanto por sua extenso como pelos cidos comentrios do jovem Marx a respeito. Aos seus olhos, o caso parece paradigmtico do poder patriarcal absoluto dos homens sobre suas esposas e

    6 Somente uma das quatro histrias de suicdio selecionadas por Marx concerne a um homem um desempregado, ex-membro da Guarda Real.

    Um Marx inslito

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    Sobre o suicdio

    de sua atitude de possuidores zelosos de uma proprie-dade privada. Nas observaes indignadas de Marx, o marido tirnico comparado a um senhor de es-cravos. Graas s condies sociais que ignoram o amor verdadeiro e livre, e natureza patriarcal tanto do Cdigo Civil como das leis de propriedade, o macho opressor pode tratar sua mulher como um avarento trata o cofre de ouro, a sete chaves: como uma coisa, uma parte de seu inventrio. A reificao capitalista e a dominao patriarcal so associadas por Marx nessa acusao radical contra as modernas relaes da famlia burguesa, fundadas sobre o poder masculino.

    O terceiro caso refere-se a um problema que se tornou uma das principais bandeiras do movimento feminista depois de 1968: o direito ao aborto. Trata-se de uma jovem que entra em conflito com as sacrossantas regras da famlia patriarcal e levada ao suicdio pela hipocrisia social, pela tica reacionria e pelas leis burguesas que probem a interrupo voluntria da gravidez.

    O tratamento dado a esses trs casos, o ensaio de Marx/Peuchet seja dos excertos selecionados, seja dos comentrios do tradutor, inseparavelmente (pois no so separados por Marx) constitui um protesto apaixo nado contra o patriarcado, a sujeio das mulhe-res includas as burguesas e a natureza opressiva da famlia burguesa. Com raras excees, no h nada comparvel nos escritos posteriores de Marx.

    No obstante seus limites evidentes, este pequeno e quase esquecido artigo do jovem Marx uma precio-sa contribuio a uma compreenso mais rica das injustias sociais da moderna sociedade burguesa, do sofrimento que suas estruturas familiares patriarcais infligem s mulheres e do amplo e universal objetivo emancipador do socialismo.

    Michael Lwy

  • Capa do Gesellschaftsspiegel (ano II, nmero VII, Elberfeldt, janeiro de 1846), onde foi originalmente impresso o texto de Marx, Peuchet: sobre o suicdio.

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    Sobre o suicdio

    sobre o suicdio*

    A crtica francesa da sociedade tem, em parte, pelo menos a grande vantagem de ter apontado as con tra dies e os contrassensos da vida moderna, noapenasnasrelaesentreclassesespecficas,mastambmemtodososcrculoseconfiguraesda hodierna convivncia e, sobretudo, por suas descri es dotadas de um calor vital imediato, de uma viso rica, de uma acuidade mundana e de uma ousada originalidade, que se procurariam em vo em outras naes. comparem-se, por exemplo, as exposies crticas de owen e de Fourier, quan-do estas se ocupam do inter cmbio vivo entre os homens, para se ter uma ideia dessa supremacia dos franceses. No o caso apenas dos escritores propriamente socialistas da Frana, de quem se espera uma exposio crtica das condies sociais; o caso dos escritores de todas as esferas da literatu ra, sobretudo dos gneros do romance e das mem rias. em alguns trechos sobre o suicdio, extra dos das mmoires tirs des archives de la police etc. par Jacques Peuchet, darei um exemplo dessa crtica francesa, que ao mesmo tempo pode

    * o ttulo original do ensaio de Marx Peuchet: vom Selbstmord [Peuchet: sobre o suicdio].

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    nos mostrar at que ponto a pretenso dos cidados filantroposestfundamentadanaideiadequesetrataapenasdedaraosproletriosumpoucodepo e de educao, como se somente os trabalhado-resdefinhassemsobasatuaiscondiessociais,aopasso que, para o restante da sociedade, o mundo tal como existe fosse o melhor dos mundos.

    em Jacques Peuchet, como tambm em muitos dos velhos militantes franceses hoje quase todos mortosquepassaramporvriasrevoluesdesde1789,porvriasdesiluses,momentosdeentusiasmo, constituies, governantes, derrotas e vitrias, a crtica das relaes de propriedade, das rela es familiares e das demais relaes privadas em uma palavra, a crtica da vida privada surge como onecessrioresultadodesuasexperinciaspolticas.

    Jacques Peuchet (nascido em 1760) passou das belas-letras para a medicina, da medicina para a jurisprudncia, da jurisprudncia para a adminis-trao e para a especialidade policial. Antes do irrom per da revoluo Francesa, trabalhou com o abb Morellet em um dictionnaire du commerce, do qual foi publicado apenas o prospecto, e dedicou-se preferencialmente economia poltica e admi nistrao. Apenas por um curto perodo Peuchet foi partidrio daRevoluo Francesa;muito rapida mente passou para o partido mo-narquista, ocupou por um bom tempo a direo daGazettedeFrance1 e, mais tarde, recebeu das mos de Mallet- du-Pan a redao do famigerado jornal monarquista Mercrio2. Ainda assim, a tra-vessou de forma muito astuta o perodo da revo-luo, ora sendo per se gui do, ora trabalhando nos departamentos de adminis trao e de polcia. com

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    a Gographie commerante, por ele pu bli cada em 1800, 5 v., in-flio, Peuchet chamou para si a ateno de Bonaparte, o primeiro-cnsul, que o nomeou membre du conseil de commerce et des arts. Mais tarde, sob o ministrio de Franois von Neuf ch teau, as-sumiu um cargo administrativo mais alto. em 1814, a restaurao f-lo censor. durante os cem dias3, ele se aposentou. com a restaurao dos bourbon, conquistou o posto de arquivista da Prefeitura de Polcia de Paris, que exerceu at 18274. o nome Peuchet aparecia frequentemente e, como escritor, noseminfluncianosdiscursosdosoradoresdaconstituinte, da conveno, dos Tribunais, como tambm das cmaras dos deputados sob a res-taurao5. entre suas muitas obras, a maior parte sobreeconomia,est,almda jcitadaGeografia do Comrcio, sua estatstica da Frana (1807)6, a mais conheci da.

    Peuchetescreveujidoso suas memrias, cujo material ele havia reunido em parte dos arquivos da Polcia de Paris e de sua longa expe ri ncia prticanapolciaenaadministrao,esper-mitiu que elas viessem a pblico aps sua morte, de modo que ningum pudesse inclu-lo entre os precipitados socia listas e comunistas, que, como sabido, carecem completamente da profundida-deadmirveledosconhecimentosabarcantesdanata de nossos escritores, burocratas e cidados militantes.

    ouamos nosso arquivista da Prefeitura de Pol-cia de Paris a respeito do suicdio!

    o nmero anual dos suicdios, aquele que en tre ns tido como uma mdia normal e peri di ca, deve ser considerado um sintoma da or ga niza o

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    deficiente*denossasociedade;pois,napocadaparalisao e das crises da indstria, em tempo-radas de encarecimento dos meios de vida e de in vernos rigorosos, esse sintoma sempre mais evidenteeassumeumcarterepidmico.Aprostituio e o latrocnio aumentam, ento, na mesma proporo. embora a misria seja a maior causa do suicdio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os polticos. A diversidade das suas causas pa-rece escapar censura uniforme e insensvel dos moralistas.

    As doenas debilitantes, contra as quais a a tual cincia incua e insuficiente, as falsas ami za-des, os amores trados, os acessos de desnimo, os sofri mentos familiares, as rivalidades sufocantes, o des gos to de uma vida montona, um entusiasmo frustrado e reprimido so muito seguramente razes de suicdio para pessoas de um meio social mais abastado, e at o prprio amor vida, essa fora enrgica que impulsiona a personalidade, fre-quen temente capaz de levar uma pessoa a livrar-se deumaexistnciadetestvel.

    Madame de Stal, cujomaiormrito est emter estilizado lugares-comuns de forma brilhante, tentou demonstrar que o suicdio uma ao an ti-naturalequenosedeveconsiderloumatodecora gem; sobretudo, ela sustentou a ideia de que mais digno lutar contra o desespero do que a ele sucum bir. Argumentos como esses afetam muito pouco as almas a quem a infelicidade domina. se

    * Peuchet: um vcio constitutivo (un vice constitutif).

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    so reli giosas, as pessoas especulam sobre um mundomelhor;se,aocontrrio,nocreememnada, ento buscam a tranquilidade do Nada. As sadas filosficas no tm, a seus olhos,nenhum valor e so um dbil lenitivo contra o sofrimento. Antes de tudo, um absurdo con-siderar antinatural um comportamento que se consuma com tanta frequncia; o suicdio no , de modo algum, an tina tu ral, pois diariamente somos suas testemunhas. o que contra a natu-rezanoacontece.Aocontrrio,estna natureza de nossa sociedade gerar muitos suicdios, ao passo que*os trtarosno se suicidam.As sociedades no geram todas, portanto, os mes mos produtos; o que precisamos ter em mente para trabalharmos na reforma de nossa sociedade e permitir-lhe que se eleve a um patamar mais alto**. No que diz respeito coragem, se se considera que ela existenaquelequedesafiaamorteluzdodiano campo de batalha, estando sob o domnio de todas as emoes, nada prova que ela necessa-riamente falte quando se tira a prpria vida e em meio s trevas. No com insultos aos mortos que se enfrenta uma questo to controversa.***

    * os berberes e** do destino do gnero humano*** Para saber se o motivo que determina o indivduo a se matar leviano ou no, no se pode pretender medir a sensibilidade dos homens usando-se uma nica e mesma medida; no se pode con-cluir pela igualdade das sensaes, tampouco pela igualdade dos caracteres e dos temperamentos; o mesmo acontecimento provoca um sentimento imperceptvel em alguns e uma dor violenta em outros. A felicidade e a infelicidade tm tantas maneiras de ser e de se manifestar quantas so as diferenas entre os indivduos e os espritos. um poeta disse:

    Oquefaztuafelicidademinhaaflio;o prmio de tua virtude minha punio.

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    Tudo o que se disse contra o suicdio gira em torno do mesmo crculo de ideias. A ele so contra postos os desgnios da Providncia, mas a prpria existncia do suicdio um notrio protesto contra esses desg nios ininteligveis*. Falam-nos de nossos deveres para com a socieda-de, sem que, no entanto, nossos direitos em relao a essa sociedade sejam esclare cidos e efetivados, e termina-se por exaltar a faanha mil vezes maior de dominar a dor ao invs de sucumbir a ela, uma faanha to lgubre quanto a perspectiva que ela inaugura. em poucas palavras, faz-se do suicdio um ato de covardia, um crime contra as leis, a sociedade e a honra.

    Comoseexplicaque,apesardetantosantemas,o homem se mate? que o sangue no corre do mesmo modo nas veias de gente desesperada e nas veias dos seres frios, que se do o lazer de proferir todo esse palavrrio estril.** O Homem parece um mistrio para o Homem; sabe-se apenas censur-lo, mas no se o conhece. Quando se veem a forma leviana com que as instituies, sob cujo domnio a europa vive, dispem do sangue e da vida dos povos, a forma como distribuem a justia civilizada com um rico material de prises, de castigos e de instrumen-

    * Peuchet escreve: opem-se ao suicdio os desgnios da Provi-dncia, sem que esses desgnios nos sejam expostos de forma bem clara, uma vez que aqueles que se matam deles duvidam. isso pode se dar por culpa de quem no torna inteligveis e satisfatrios os termos daqueles desgnios. o diamante do evangelho permaneceu encoberto pela argila. ** Talvez no se tenham ainda estudado todas as causas do suicdio;no foramsuficientementeexaminadasas subversesda alma nesses momentos terrveis e quais germes venenosos, causadores de dores to profundas, podem ter se desenvolvido insensivelmentenocarter.

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    Sobre o suicdio

    tos de suplcio para a sano de seus desgnios in-certos; quando se v a quantidade incrvel de clas-ses que, por todos os lados, so abandonadas na misria, eosprias sociais,que sogolpeadoscom um desprezo brutal e preventivo, talvez para dispensarsedoincmododeterquearranclosde sua sujeira; quando se v tudo isso, ento no se entende com que direito se poderia exigir do indivduo que ele preserve em si mesmo uma existnciaqueespezinhadapornossoshbitosmais corriqueiros, nossos preconceitos, nossas leis e nossos costumes em geral.

    *Acreditou-se que se poderiam conter os sui-cdios por meio de penalidades injuriosas e por uma forma de infmia, pela qual a memria do culpadoficariaestigmatizada.Oquedizerdain-dignidade de um estigma lanado a pessoas que no esto mais aqui para advogar suas causas? de resto, os infelizes se preocupam pouco com isso e, se o suicdio culpa algum**, antes de tudo aspessoasqueficam,jque,detodaessagrandemassa de pessoas, nem sequer um indivduo foi merecedor de que se permanecesse vivo por ele. As medidas infantis e atrozes que foram inven-tadas conseguiram combater vitoriosamente as tentaes do desespero? Que importam criatura

    * Qualquer que seja a motivao principal e determinante do sui-cida, certo que sua ao age com uma fora absoluta sobre sua vontade. Por que, ento, devemos nos espantar se, at o presente, tudo o que foi dito ou feito para vencer esse mpeto cego acabou sem resultado e se os legisladores e os moralistas fracassaram igualmente em suas tentativas? Para chegar a compreender o co-raohumano,fazsenecessrio,inicialmente,teramisericrdiae a pie dade do cristo. ** perante deus

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    que deseja escapar do mundo as injrias que omundopromete a seu cadver? Ela v nissoapenas uma covardia a mais da parte dos vivos. Que tipo de sociedade esta, em que se encontra a mais profunda solido no seio de tantos milhes; em que se pode ser tomado por um desejo implacvel de matar a si mesmo, sem que ningum possa prev-lo? Tal soci edade no uma socie dade; ela , como diz Rousseau*, uma selva, habitada por feras selvagens. Nos cargos que ocupei na administrao da po-lcia, os casos de suicdio** entravam no mbito de minhas atribuies; eu queria saber se entre suas causas determinantes no poderiam ser encontradas algumas cujo desfecho se poderia*** prevenir. Havia realizado um trabalho muito abrangente sobre esse assunto. Descobri que, sem uma reforma total da ordem social de nosso tempo, todas as tentativas de mudana seriam inteis****.

    entre as causas do desespero que levam as pessoasmuito nervosasirritveis a buscar amorte, seres passionais e melanclicos, descobri os maus- tra tos como o fator dominante, as injus-tias, os casti gos secre tos, que pais e superiores impiedosos***** infligemspessoasqueseen-contram sob sua dependncia. A Revoluo no derrubou todas as tiranias; os males que se reprovavam

    * Peuchet: Jean-Jacques.** Peuchet: sries de suicdio.*** moderar ou **** Peuchet escreve, em vez disso: sem me basear em teorias, tentarei apresentar fatos.*****Peuchet:paisinflexveisereceosos,superioresirritadiose ameaadores.

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    Sobre o suicdio

    nos poderes despticos subsistem nas famlias; nelas eles provocam crises anlogas quelas das revolues.*

    As relaes entre os interesses e os nimos, as ver-dadeiras relaes entre os indivduos ainda esto para ser criadas entre ns inteiramente, e o suic-dio no mais do que um entre os mil e um sintomas da luta social geral, sempre percebida em fatos recentes, da qual tantos combatentes se retiram porque esto cansados de serem contados entre as vtimas ou** porque se insurgem contra a ideia de assumir um lugar honroso entre os carrascos. Se se queremalguns exemplos, vou tirlosdeprocessos autnticos.

    Nomsdejulhode1816,afilhadeumalfaiatefoi prometida em casamento a um aougueiro, jovem de bons costumes, parcimonioso e traba-lhador, muito enamorado de sua bela noiva, que, por sua vez, era-lhe muito dedicada. A jovem era

    *Serque,comosesupe,otemordeverseusamigos,seuspaisou seus familiares jogados infmia e seus corpos arrastados na lama, seria capaz de reconduzir esses homens impiedosos prudncia, moderao, justia para com seus inferiores e os levariaaprevenir,assim,asmortesvoluntriasquesocometidasna inteno de escapar de sua dominao? eu no creio nisso, pois significaria,porumduplosacrilgio,maculardoiscultosdeumas vez, o culto aos vivos e o culto aos mortos. No parece, at aqui, queessemeiotenhaatingidoofim;aelerenunciousesabiamente.Para se obter um bom resultado sobre o esprito dos superiores, e principalmente sobre os pais, em relao a seus subordinados, pensou-se que o temor de se ver atingido pela difamao e pelo escndalopblicoaindaseriaumamedidaeficaz.Essamedidanoseriasuficienteeaculpaplenadeamarguraquelanadasobre o infeliz que se privou da vida ainda diminui nos culpa-dos, mesmo que no chegue a extinguir neles esse sentimento, a vergonha de todos esses escndalos e a conscincia de no serem os verdadeiros culpados. o clero parece-me mais irreligioso do que a prpria sociedade quando estende a mo a preconceitos to covardes e recusa aos suicidas uma sepultura religiosa. ** Peuchet: e.

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    costureira; conquistava a ateno de todos os que a conheciam e os pais de seu noivo amavam-na cari-nhosamente. essa brava gente no perdia nenhuma oportunidade para usufruir com antecipao dos bens da sua nora; promoviam divertimentos nos quais ela era a rainha e o dolo*.

    chegou a poca do casamento; os arranjos entre as duas famlias foram providenciados e os contra tos fechados. Na noite anterior ao dia em que deve riam comparecer municipalidade, a jovem e seus pais comprometeram-se a jantar com a famlia do noivo; quando estavam a caminho, ocorreu um incidente inesperado. encomendas que deveriam ser entregues a uma rica casa de sua clientela foraram o alfaiate e sua esposa a retornar a casa. eles se des culparam, mas a me do aougueiro foi ela prpria buscar sua nora, que recebeu permisso paraacompanhla.

    Apesar da ausncia de dois dos principais convidados, a refeio foidasmais agradveis.Muitas brincadeiras familiares, que a perspectiva das npcias autorizava, foram realizadas da melhor maneira possvel.** bebeu-se, cantou-se. divagou--se sobre o futuro. As alegrias de um bom matri-mnio foram vivamente comentadas. Muito tarde da noite, encontravam-se ainda mesa. Movidos por uma indulgncia facilmente compreensvel, os pais do rapaz*** fecharam os olhos para o acordo tcitoentreosdoisamantes.Asmosprocuravam

    * A estima geral acrescentava-se estima que os noivos tinham um pelo outro.**Asograjseimaginavaavdeumbebezinho.*** entusiasmados com suas crianas e desfrutando de sua dupla ternura

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    Sobre o suicdio

    umassoutras,*oamoreaconfianatomavamnosinteiramente. Alm disso, considerava-se que o ca-samento estava consumado e aqueles pobres jovens jsefrequentavamhaviamuitotemposemqueselhesfizesseamaislevecensura.**Acomoodospais dos amantes, as horas passadas, os ardentes desejos recprocos, desencadeados pela negligncia dos seus mentores, a alegria sem cerimnia que sempre reina nessas ocasies, tudo isso junto, e a ocasio, que se brindava prazerosamente, o vinho, queborbulhavanascabeas,tudoensejavaumfinalque se podia imaginar. os enamorados se reencon-traram no escuro, depois que as luzes se apagaram. era como se no houvesse nada a ponderar, nada a recear. sua felicidade estava cercada de amigos e livre de toda inveja.***

    A jovem filha retornou somente na manh seguinte para a casa dos pais. uma prova de que elanoseacreditavaculpadaestnofatodetervoltado para casa sozinha.**** Ela esgueirou-se para seu quarto e fez sua toalete, mas, mal seus pais adivinharam sua presena, irromperam furio-samente e cobriram-na com os mais vergonhosos nomes e im proprios. A vizinhana testemunhou

    * o fogo os consumia,** Nunca os prazeres de um bom casamento foram to vivamente analisados.*** o contedo tomou por um instante o lugar da forma, o que s tornava aquele prazer s escondidas ainda mais doce. **** seu erro era grande, sem dvida, pelo simples fato da preo-cupao que o prolongamento de sua ausncia gerara em seus pais; mas se alguma vez a bondade, a indulgncia, a prudncia, a moderao tivessem que ser exigidas dos pais em relao a um filho,issodeveriasedaremumacircunstnciacomoesta,name-dida em que tudo ajudava a legitimar aquela escapada amorosa. os mais culpados foram os mais felizes.

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    a cena, o escndalo no teve limites, a julgar pela comoo daquela criana, por sua vergonha e pelo encanto que era quebrado a golpes de xingamentos. em vo a consternada moa protestava a seus pais que eles mesmos a haviam abandonado difama-o, que ela assumia seu agravo, sua tolice, sua desobe dincia, mas que tudo seria reparado. suas razes e sua dor no conseguiram desarmar o casal de costureiros. As pessoas mais covardes, as mais in capazes de se contrapor, tornam-se intolerantes assim que podem lanar mo de sua autoridade abso luta de pessoas mais velhas. O mau uso dessa autoridade igualmente uma compensao grosseira para o servilismo e a subordinao aos quais essas pessoas esto submetidas, de bom ou de mau grado, na sociedade burguesa. Padrinhos e madrinhas acorreram ao barulho e formaram um coro. o sentimento de vergonha provocado por essa cena abjeta levou a menina deciso de dar um fimprpriavida;desceucompassosrpidosemmeio multido dos padrinhos que vociferavam e a insultavam e, com olhar desvairado, correu para o Senaejogousenagua;osbarqueirosresgataram-na morta do rio, enfeitada com suas joias nupciais. como evidente, aqueles que no comeo gritaram contraafilhaviraramseemseguidacontraospais;essacatstrofechocouatmesmoasalmasmais mesquinhas. dias depois vieram os pais polcia para reclamar uma corrente de ouro que a moa portava no pescoo e tinha sido um presente do seu futurosogro,umrelgiodeprataevriasoutrasjoias, todosobjetosqueficaramdepositadosnarepartio. No perdi a oportunidade de recriminar energicamente aquelas pessoas por sua imprudn-

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    Sobre o suicdio

    cia e seu barbarismo. dizer queles dementes que deveriam prestar contas perante deus teria provo-cado neles muito pouca impresso, tendo em vista seus preconceitos mesquinhos e o tipo* peculiar de religiosidade que predomina nas classes mercantis mais baixas.

    A cupidez os movia, mais do que o desejo de possuir duas ou trs relquias; acreditei que poderia castiglos.Elesreclamavamasjoiasdasuajovemfilha;eulhasrecusavaeretinhaocertificadodequeeles precisavam para retirar esses objetos da caixa, onde, como era de rotina, haviam sido depo sitados. enquanto ocupei esse posto, suas reclama es fo-ram inteis e eu sentia prazer em desprezar suas injrias.**

    Naquele mesmo ano apareceu em meu escrit-rioum jovemcrioulo,de aspecto admirvel,de u ma das mais ricas famlias da Martinica.*** ele se opunha da maneira mais formal devoluo do cadverdeumajovem,suacunhada,aoreclamante,seu nico irmo e esposo da falecida. ela havia se afogado. esse tipo de suicdio o mais frequente. o corpo fora encontrado no longe da praia de Argenteuilpelosfuncionriosencarregadosderecolherocadver.Emrazodaqueleinstintodepudorque domina as mulheres mesmo no mais cego desespero, a moa afogada havia cuidadosamente

    * Neste ponto, Marx altera radicalmente o sentido: onde aparece tipo, Peuchet escreve falta de religiosidade.** somente depois de minha sada conseguiram reaver aqueles objetos. ***e,desdequeficamosass,fezmearevelaodeumadessasferidasquesetransformamemincurveislcerasnoseiodavida privada.

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    amarrado a bainha de seu vestido ao redor de seus ps. essa precauo pudica tornava evidente o sui c dio. Logo depois de recolhida, levaram-na ao ne crotrio. sua beleza, sua juventude, seu rico traje deram ocasio a milhares de suposies a respeito dacausadaquelacatstrofe.Odesesperodeseumarido, o primeiro que a reconheceu, no tinha limites; ele no compreendia aquele infortnio, ao menos o que me era dito; eu mesmo jamais o ha-via visto. expliquei ao crioulo que a reclamao do marido tinha preferncia sobre qualquer outra, que este tinha at encomendado a construo de uma magnficasepulturademrmoreparasuainfelizesposa. depois que ele a matou, o desgraado!, gritou o crioulo, enquanto caminhava enraivecido de um lado para o outro.

    Depoisdaaflio,dodesesperodaquelejovem,depois de suas splicas fervorosas de que seus de-sejosfossematendidos,depoisdesuaslgrimas,eu acreditava poder concluir que ele a amava, e disse-lhe isso. ele admitiu o seu amor, mas sob os mais vivos protestos de que sua cunhada nunca soubera nada a respeito. ele jurou. Apenas para salvar a reputao de sua cunhada, cujo suicdio daria margem s habituais intrigas da opinio p-blica, ele pretendia expor luz as barbaridades de seu irmo, nem que para isso precisasse lanar-se no banco dos rus. Pediu-me ajuda. o que pude deduzir de seus esclarecimentos entrecortados, apaixonados, foi o seguinte: o sr. Von M..., seu irmo, rico e amante das artes, amigo do luxo e da alta-roda, casara-se com essa jovem havia aproximadamente um ano; segundo parecia, de comum acordo; formavam o par mais bonito que

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    Sobre o suicdio

    se podia ver. depois do casamento, irrompeu de forma sbi ta e galopante na constituio do jovem marido um problema de sangue, talvez um mal de famlia. esse homem, antes to orgulhoso de sua bela aparn cia, de seu elegante porte, de uma perfeio, de uma plenitude de formas sem igual*, sentiu re pen tinamente um mal desconhecido, con-tra cuja ao devastadora a cincia era impotente; ele estava transfiguradoda cabea aos ps deum modo horri pilante. Havia perdido todos os cabelos, suas costas estavam arqueadas. dia a diamodificavamnoacentuadamenteamagrezae as rugas; para os outros, pelo menos, pois seu amor-prprio tentava negar a aparncia. Mas nada disso o fazia dependente do leito; uma fora frrea parecia triunfar sobre os ataques daquele mal. ele sobrevivia forte mente a seus prprios escombros. o corpo caa em runas e a alma permanecia em p. ele continuou a dar festas, a liderar caadas e a manter seu modo de vida rico eluxuoso,quepareciaseraleideseucarteredesua natureza. contudo, as injrias, as objees, as palavrassarcsticasdosestudantesedosrapazesarruaceiros quando ele passeava a cavalo, sorrisos mal-educados e zombadores, admoestaes srias dos amigos a respeito dos nume rosos ridculos a que ele se expunha pela obstinao de suas manei-ras galantes junto s damas, tudo isso acabou por desfazer sua iluso e o tornou apreensi vo consigo mesmo.Quandoenfrentousuafealdadeesuafigu-ra grotesca, to logo tomou conscincia disso, seu carteramargouseeeleficoudesalentado.Parecia

    * que no lhe permitiam temer em torno dele nenhum rival

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    menos dedicado a levar sua mulher s soires, aos bailes, aos concertos; fugia furtivamente para sua casa de campo; desfazia-se de todos os convites, desviava-se das pessoas com mil pretextos, e as gentilezas de seus amigos para com sua esposa, toleradas por ele enquanto o orgu lho lhe dava a cer-teza de sua superioridade, tornaram-no ciumento, irascvel, violento. em todos aqueles que ousavam visitlo,viaadecisofirmedeconquistarocora-o de sua mulher, que restava para ele como seu ltimo orgulho e conforto. Por esse tempo, o crioulo chegou da Martinica, a neg cios, cujo sucesso a reconduo dos bourbon ao trono francs parecia favorecer. sua cunhada recebeu-o distintamente e,nonaufrgiodas numerosas relaesque elaestabelecera, o recm-chegado aproveitou-se da vantagem que seu ttulo de irmo naturalmente lhe dava junto ao sr. Von M... Nosso crioulo perce-beu a solido que se deixava entrever em meio s tarefas domsticas, tanto pelas desavenas diretas que seu irmo tinha com muitos amigos como pe-los mil artifcios indiretos usados para despachar e desanimar os visitantes. sem se dar conta das motivaes amorosas que o tornavam ciumento, o crioulo aprovava essas ideias de isolamento e at as estimulava em seus conselhos. com isso, o sr. Von M... acabou retirando-se totalmente para uma linda casa em Passy, que em pouco tempo se tornou um deserto. o cime se nutre das coisas mais insignificantes; quandono sabemais emque se agarrar, consome a si mesmo e torna-se engenhoso; tudo lhe serve como alimento. Talvez a jovem senhora lamentasse a falta dos prazeres de sua idade. os muros impediam a vista das casas

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    Sobre o suicdio

    vizinhas;aspersianasficavamfechadasdamanh noite. A infeliz mulher fora condenada mais insuportvel escravido, e o sr.VonM... podiapraticlaapenasporestaramparadopeloCdigocivil e pelo direito de propriedade, protegido por uma situao social que torna o amor independente dos livres sentimentos dos amantes e autoriza o marido ciumento a andar por a com sua mulher acorrentada como o avarento com seu cofre, pois elarepresentaapenasumapartedeseuinventrio. noite, o sr. Von M... andava armado ao redor da casa e fazia sua ronda com os ces. ele acreditava descobrir vestgios na areia e perdia-se em estra-nhas pressuposies caso uma escada tivesse sido mudada de lugar pelo jardineiro. o prprio jardi-neiro,umbeberroquasesexagenrio,foicolocadocomo guarda no porto. o esprito de excluso no tem freios em suas extravagncias; ele avana at a imbecilidade. o irmo, inocente cmplice de tudo isso,compreendeufinalmentequecontribuaparaa infelicidade daquela jovem dia a dia vigiada, insultada, privada de tudo aquilo que pudesse distrair uma imaginao rica e feliz, o que a tornou to melanclica e triste quanto havia sido livre e serena.Elachoravaeescondiasuaslgrimas,masos sinais eram visveis. o crioulo sentiu remorso. decidido a esclarecer tudo abertamente com sua cunhada e a reparar um erro que ele cometera de-certo movido por um furtivo sentimento de amor, entrou certa manh sorrateiramente num pequeno bosque aonde a cativa ia de tempos em tempos tomararecuidardesuasflores.Nogozodessatolimitada liberdade, supe-se que ela se sabia sob os olhos de seu ciumento marido; pois, ao olhar

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    do cunhado, que pela primeira vez se encontrou sozinho diante dela, e sem o querer, a jovem de-monstrou uma grande perturbao, contorcendo as mos. Afaste-se, em nome dos cus, gritou-lhe assustada. Afaste-se!

    e, de fato, mal teve ele tempo de esconder-se numa estufa, o sr. Von M... apareceu subitamente. o crioulo ouviu gritos, procurou escutar secreta-men te, mas o martelar de seu corao o impedia de distinguir at mesmo a mais simples palavra daquela conversao, pois sabia que sua fuga, caso fosse descoberta pelo esposo, poderia provocar umaconsequnciadeplorvel.

    o incidente despertou o cunhado; ele viu a ne-cessidade, daquele dia em diante, de ser o protetor deumavtima.Decidiuse a sacrificarqualquerre serva que ainda guardava ao seu amor*. o amor pode renunciar a tudo, menos ao seu direito de proteo, pois tal renncia seria a obra de um covarde. ele conti nuou a visitar seu irmo, dis-posto a falar-lhe francamente, a abrir-se com ele e contar-lhe tudo. o sr. Von M... ainda no tinha nenhuma suspeita dessa ordem, mas a persistncia deseuirmofloficaratento.Semdecifrarmuitoclaramente as causas daquele interesse, o sr. Von M...desconfiavadelasecalculava,comantecedn-cia, aonde aquilo poderia chegar. o crioulo logo percebeu que seu irmo nem sempre se ausentava de sua casa, oquepde confirmar em seguida,tantas foram as vezes que a campainha da casa de Passyfoitocadainutilmente.Umoficialdeserra-lharia fez-lhe uma chave de acordo com o molde

    * na resoluo de se devotar sua cunhada

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    Sobre o suicdio

    daquelaqueseumestrejhaviaforjadoparaosr.Von M...* Aps um afastamento de dez dias,** o crioulo, exasperado de medo e atormentado pelas fantasias mais absurdas, penetrou de noite por sobre os muros, quebrou um porto diante da entrada principal, alcanou o telhado por meio de uma escada e deixou-se deslizar pela calha at a janela de um depsito***. Gritos enrgicos permitiram-no arrastar-se, sem ser percebido, at uma porta de vidro. o que ele viu despedaou seu corao. A claridade de um candeeiro iluminava o quarto. entre as cortinas, a cabeleira despenteada e o semblante purpreo de raiva, estava o sr. Von M..., seminu, ajoelhado ao lado de sua mulher, so-bre a mesma cama que ela no ousava abandonar, embora tentas se escapar pouco a pouco dos seus braos, enquanto ele a dominava com reprimendas mordazes, semelhante a um tigre pronto a faz-la em pedaos. sim, dizia ele, eu sou horrendo, sou um monstro e sei muito bem que te causo medo. Gostarias que algum te libertasse de mim, que a minha viso no mais te incomodasse. Anseias pelomomentoemquetetornarslivre.Enomedigasocontrrio;euadivinhoteuspensamentosno teu pavor, na tua repugnncia****. ruborizas comagargalhadaindignaquesuscito,estsinter-namente revoltada contra mim! contas um a um, sem dvida, os minutos que faltam para que eu no mais te assedie com minhas fraquezas e meu

    *Ocrioulonotemiaoscesdeguarda:elesjoconheciam.**ousadiabastantehbildoesposo*** que lhe permitiu chegar prximo do quarto de dormir de seu cunhado (sic)****enastuaslgrimas

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    estado atual. Para! Acometem-me desejos terrveis, afriadetedesfigurar,detornartesemelhanteamim, para que tu no possas ter a esperana de te conso lares com teus amantes da desgraa de me ter conhe cido. Quebrarei todos os espelhos desta casa para que no me lancem qualquer comparao, para que cessem de servir como alimento ao teu orgulho. No deveria eu conduzir-te ou deixar-te ir pelo mundo para ver como todos te encorajam a meodiar?No!No!Sdeixarsestacasadepoisde me matar. Mata-me, adianta-me o que eu estou tentado a fazer todos os dias!* e o selvagem rolava sobre a cama em altos gritos, s mordidas, espu-mando pela boca, com mil sintomas de raiva, com golpes que ele, enfurecido, aplicava a si mesmo, ao lado daquela mulher infeliz, que lhe dirigia as mais ternas carcias e as splicas mais patticas. Fi-nalmente ela o amansou. A compaixo sem dvida substituiu o amor, mas isso no bastou para aquele homem, que se tornara to amedrontador e cujas paixes ainda haviam guardado tanta energia. uma longa depresso foi a sequncia dessa cena, que petrificouocrioulo.Elesentiacalafriosenosabiaa quem recorrer para ver-se livre da infelicidade daquele suplcio.

    A cena, evidentemente, devia repetir-se todos os dias, pois, nas convulses que se seguiam, a sra. Von M... recorria a ampolas preparadas por elamesmacomafinalidadededaraseucarrascoum pouco de sossego. Nesse momento, em Paris, o crioulo representava sozinho a famlia do sr. Von M... sobretudo nesses casos que se poderiam

    * Mata-me!

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    Sobre o suicdio

    mal dizer as formalidades jurdicas e a negligncia das leis, que nada podem tirar das suas praxes cal-culadas, mormente porque se tratava to somente de uma mulher, aquele ser que o legislador cerca com as menores garantias. somente uma ordem de priso,umamedidaarbitrria,poderiapreveniradesgraa que a testemunha daquela cena raivosa jpodiabemprever.Eledecidiuarriscarsepelotudo ou nada, assumindo todas as consequncias, jquesuaspossesohabilitavamafazerenormesofertas e a no temer a responsabilidade de nenhu-ma grande ousadia. Alguns mdicos, amigos seus e decididos como ele, planejavam uma invaso na casa do sr. Von M... para constatar aquele mo-mento de loucura e, por meio do uso imediato da fora, separar os esposos, mas eis que a ocorrn cia dosuicdioveiojustificarsuasprecauesdema-siadamentetardiasesuspendeuadificuldade.

    certamente, para todos aqueles que no redu-zem o esprito pleno das palavras s letras que as formam, esse suicdio foi um assassinato, praticado pelo esposo; mas foi tambm o resultado de uma extraordinriavertigemdecime.Ociumentonecessita de um escravo; o ciumento pode amar, mas o amor para ele apenas um sentimento extravagan-te; o ciumento antes de tudo um proprietrio privado.* Impediqueocrioulo**fizesseumintileperigoso

    * As duas ltimas frases reproduzem quase completamente outra passagem de Peuchet e foram inseridas por Marx no lugar do se-guinte trecho: e o marido infeliz, que sobreviveu to pouco tempo sua mulher, escapava acusao de seu irmo tanto com a ajuda dos termos expressos de nossa legislao como pelo exagero do sentimento que o fazia sentir-se culpado. Pode-se imaginar que esse caso no teve outras consequncias. ** mesmo que eu no tenha conseguido devolver-lhe a paz

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    escndalo, pe ri goso sobretudo para a me m ria da sua amada, pois o pblico desocupado teria acusa-do a vtima de uma ligao adltera com o irmo de seu marido.* Presenciei o enterro**. Nin gum, alm do irmo e de mim, soube da verdade***. Ao meu redor eu ouvia pessoas murmurarem injrias sobre aquele suicdio, e as desprezava. Fica-se enraiveci-do diante da o pi nio pblica quando se a observa de perto, com suas lam rias covar des e suas porcas suposies. A opinio muito fragmentada em ra-zo do isolamento dos homens; estpida demais, depravada demais, porque cada um estranho de si e todos so estranhos entre si.****

    de resto, foram poucas as semanas em que no me foram trazidos casos daquele mesmo tipo. No mesmo ano, pude registrar relaes amo rosas que, por causa da recusa dos pais em lhes dar o consen timento, terminaram com um duplo tiro de pistola.

    do mesmo modo, eu anotava os suicdios de homensdomundo,reduzidosimpotncianaflordaidadeejogadosnumamelancoliainsupervelgraas ao abuso do prazer.

    Muitos terminam seus dias dominados pelo pensamento de que a medicina, aps lhes haver infligidolongoseinteistormentoscomprogressosfrustrantes,incapazdelivrlosdeseusmales.

    *Ocadverfoiconcedidoaosr.VonM...,cujadorocupouaatenode toda a capital, por uma cena pungente no cemitrio Montmartre, quando o padre jogou as ltimas cinzas sobre o caixo.**easpalavrasdereprovaomorreramemmeuslbios*** e o prprio culpado, que amava demais a sua vtima para poder leremseuprpriocorao,pareciaignorlocomotodomundo.**** A ltima frase foi tirada de outra passagem de Peuchet. Marx substitui costumes (moeurs) por homens (Menschen).

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    Sobre o suicdio

    Poder-se-ia apresentar uma singular coleo de citaes de autores famosos e de poesias escritas por desesperados que preparam suas mortes com umcertofausto.Duranteomomentodeadmirvelsangue-frio que sucede resoluo de morrer, uma espcie de entusiasmo contagiante exala daquelas almas e transborda por sobre o papel, o que ocorre mesmo naquelas classes desprovidas de qualquer educao. enquanto se recolhem diante do sacrif-cio e examinam suas profundezas, toda a sua fora concentrada para, em seguida, expandir-se numa expresso calorosa e caracterstica.

    Algumas dessas histrias, que esto sepulta-dasnos arquivos, soobrasprimas.Umfilisteuburgus, que deposita sua alma em seu negcio e seu deus no comrcio, pode achar tudo isso muito romanescoe, comseu sorriso sarcstico, rejeitarafliesqueelenoentende:seumenosprezono de estranhar. Que outra coisa devemos esperar de trs por cento de pessoas, que nem sequer sus-peitam de que elas prprias, diariamente e a cada hora, pouco a pouco, assassinam sua natureza humana! Mas o que dizer ento da boa gente, que faz o papel de devotos, de bem-educados, e que repete as indecncias dos primeiros? sem dvida, de suma importncia que esses pobres-diabos suportem a vida, ainda que seja apenas no interes-se das classes privilegiadas deste mundo, interesse que seria arruinado pelo suicdio geral da canalha; mashaveria outromeiode tornar suportvel aexistncia dessas classes, que no a injria, o sorri so irnico e as belas palavras?

    Almdisso,necessriohaveralgumamagna-nimidade naqueles mendicantes, que, decididos a

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    morrer como esto,* matam-se de uma vez e no esperamparalanarmodosuicdioquandojseencontram a caminho do cadafalso.

    verdade que, quanto mais nossa poca de co mrcio progride**, mais raros se tornam esses nobres suicdios da misria, que cedem lugar hostilidadeconsciente,aopassoqueaomiservelso brutalmente impostas as oportunidades do rouboedoassassinato.maisfcilarranjarapena capital do que algum trabalho.

    Ao remexer nos arquivos da Polcia, observei apenas um nico sintoma inequvoco de covardia na lista dos suicdios. Tratava-se de um jovem ameri-cano, Wilfrid ramsay, que se matou para no ter de baterseemduelo.***Aclassificaodasdiferentescausasdosuicdiodeveriaseraclassificaodos prprios defeitos de nossa sociedade. ****suicidou-se porque teve uma inveno roubada por intrigantes, em cuja oportunidade o inventor, lanado mais degradante misria em consequncia das longas e eruditas pesquisas a que teve de se dedicar, no pde sequer comprar uma patente de inveno. suicidou-se para evitar os enormes gastos e a con-sequnciahumilhantededificuldadesfinanceiras,que,alis,sotofrequentesqueoshomensres-

    * matam-se sem procurar outros recursos,** Peuchet: nas pocas de incredulidade.***Eletomaraumabofetadadeumoficialdaguardaemumbailepblico.Suajustificativafoidadaporumquacreemumfolhetimda poca que eu guardara e que no encontro mais. Mas seu de-fensor tambm o acusava, reprovando-o por no ter suportado nobremente o peso daquela afronta. ****Oobjetivonoodemededicaraessaanlisedifcil,queo legislador deve, entretanto, abordar se quiser extirpar sobera-namente de nosso solo os germes de dissoluo em que nossa gerao cresce e perece como que corroda por uma erva-daninha.

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    ponsveispelaconduodosinteressesgeraisnose preocupam nem um pouco com elas. suicidou-se porque no conseguiu nenhum trabalho, pelo qual havia suplicado durante muito tempo sob as ofensas e a avareza daqueles que, em nosso meio, so os seusdistribuidoresarbitrrios.*7

    certo dia, um mdico me consultou sobre uma morte**, de cujo motivo ele confessava ser o culpado***.

    uma noite, de retorno a belleville, onde morava, ele foi parado por uma mulher disfarada, numa pequena rua escura, no fundo da qual estava a porta de sua casa. com voz trmula, suplicou-lhe que a ouvisse. A certa distncia, caminhava de um lado para o outro uma pessoa, cujos traos ele no pde distinguir. ela era vigiada por um homem****. Meu senhor, ela lhedizia, estou grvida e,se isso for descoberto, estou desonrada. Minha famlia, a opinio de todos, as pessoas de bem nomeperdoaro.Amulher,cujaconfianatra,enlouqueceria e romperia infalivelmente com seu marido. No defendo minha causa. encontro-me

    *Alegislao,providnciasocialesecundria,guardaparacomdeus, seu primeiro legislador e tambm o nosso, uma dvida de sangue em relao a tudo o que resulta nas misrias do corpo, nos sofrimentos da alma, nos impulsos do esprito. No lanando insultos sobre os tmulos que os homens cumprem suas obriga-es para com os vivos. (Marx omite, a partir deste ponto, dois longos relatos de Peuchet, trecho que resumimos na nota no 7.)** cujas causas eu o aconselhei (e assim ele procedeu) a manter emsegredo,emboraelejulgassenecessriosubmeteraoexamedos homens comuns a controvrsia que uma morte desse tipo frequentemente provoca*** e deixo s conscincias delicadas a tarefa de determinar se esse homem era realmente culpado. seus escrpulos me ocuparam muito e esgotaram minhas foras**** Peuchet: um cavalheiro protegia os passos daquela dama.

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    em meio a um escndalo cuja ecloso somente mi-nha morte poderia evitar. Queria matar-me, mas querem que eu viva. disseram-me que sois piedoso e isso me deu a certeza de que no sereis cmplice do assassinato de uma criana, conquanto essa crian a no esteja ainda no mundo. Vedes que me refiroaoabortodessefruto.Nomerebaixareiata splica, at a dissimulao daquilo que me parece omais abominveldos crimes.Foi somenteporceder a pedidos de terceiros que ora me apresento avs,poisjdeveriameencontrarmorta.Invocoa morte e, para isso, no necessito de ningum. cria-se a aparncia de se encontrar prazer ao regar ojardimcalamse,paraisso,sandliasdema-deira , escolhe-se um lugar escorregadio aonde sevaibuscargua todososdias,arranjamseascoisas de modo a deixar-se submergir no reserva-trio da fonte, e as pessoas diro que aquilo foi um infortnio*. calculei tudo, meu senhor. dese java que amanh fosse o dia, eu iria embora de todo o corao.Tudoestpreparadoparaacontecerdessaforma. Mandaram que eu vos dissesse isso, ento euvosdigo.Cabeavsdecidirsehaverapenasumamorteousehaverduas.Poisdeminhaco-vardia obteve-se o juramento de que eu acataria sem reservas a vossa deciso. decidi!

    esta alternativa, prosseguiu o doutor, es-pantou-me. A voz daquela mulher possua um timbre lmpido e harmonioso; sua mo, que eu mantinhaentreasminhas,erafinaedelicada,seudesespero franco e decidido denotava uma alma admirvel.Tratavase,porm,deumassuntoem

    * Aspas colocadas por Marx.

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    relao ao qual sentia-me vacilar, ainda que em milhares de casos, como em partos difceis, por exemplo, quando a questo cirrgica oscila entre o salvamento da me ou o do beb, a poltica ou o hu ma nitarismo decidam inescrupulosamente de acordo com suas preferncias.

    Fuja para o estrangeiro, disse-lhe. impos-svel, ela respondeu. Nisso no se pode nem mesmo pensar!

    Tomeprecauesfavorveis!Nopossotomlas;durmonomesmoquarto

    que a mulher cuja amizade tra. ela sua paren-te? No posso mais responder-vos!

    eu teria, prosseguiu o mdico, dado o me-lhor do meu sangue para salvar aquela mulher do suicdio ou do assassinato, ou para que ela pudesse escapar daquele conflito semprecisarmeenvolveremumconflitosemelhante.Eumeres ponsabiliza va por aquela barbaridade, pois me continha dian te da cumplicidade com um assassinato. A luta foi terrvel. ento um dem-nio sussu rrou-me que uma pessoa no se mata pelo simples fato de querer morrer; que as pes-soas comprometidas, quando se lhes toma o seu poder de fazer o mal, so foradas a renunciar a seus vcios. Percebi o luxo dos bor dados que se deixavam mostrar por entre seus dedos e pude notar a abundncia de suas posses pela dico elegante de seu discurso. Acredita-se que os ricos sejam menos dignos de compaixo; meu orgulho indignou-se contra a ideia de eu ser seduzido pelo ouro, ainda que at ento ela no tivesse tocado nesse assunto, o que era mais um sinal de sua delicadeza e a prova de que respeitava meu

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    verdadeiro carter.Dei uma resposta ne gativa; a dama afastou-se rapidamente; o rudo de um cabriol convenceu-me de que eu no podia mais reparar o que acabara de fazer.

    Quinze dias depois, os jornais trouxeram-me a soluo do segredo*. A jovem sobrinha de um banqueiroparisiense,denomximodezoitoanosde idade, pupila querida de sua tia, que nunca a perdia de vista desde a morte de sua me, deixara-se deslizar para dentro de um regato na propri e dade de seus tutores, em Villemomble, e havia se afogado. Seututor**estavainconsolvel;emsuaqualidadedetio, o covarde sedutor podia expor a sua dor diante do mundo.***

    V-se que, na ausncia de algo melhor, o suicdio o ltimo recurso contra os males da vida privada.

    ****entre as causas do suicdio, contei muito frequentemente a exoneraode funcionrios, arecusade trabalho, a sbitaquedados salrios,em consequncia de que as famlias no obtinham osmeiosnecessriosparaviver,tantomaisqueamaioria delas ganha apenas para comer.

    Na poca em que, na casa do rei, o nmero dos guardas foi reduzido, um bravo homem foi afasta-

    * Peuchet: daquela dvida terrvel. ** Peuchet: seus tutores estavam.*** Quanto a mim, havia matado a me ao querer poupar a criana.**** devo mencionar o exemplo daquela criana que, trancada em um sto pela clera de seu pai, jogou-se do quinto andar, num acesso de clera frentica, caindo em meio a seus parentes? devo citar,ainda,aquelesinfelizesque,todososanos,asfixiamsejun-tamente com suas crianas para escapar aos ultrajes da misria? Assim concluo este captulo triste, em que so energicamente expostos os males que corroem todas as classes da sociedade. preciso ter razo com sobriedade.

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    do, como muitos outros, e sem maiores cerim nias.* sua idade e sua falta de proteo no lhe permitiam reincorporar-se s Foras Armadas; a indstria esta-va fechada para a sua carncia de instruo.

    Tentou entrar na administrao civil; os con-correntes**, muito numerosos aqui como em toda parte, vedaram-lhe esse caminho. caiu num pro-fundo desnimo e se matou. em seu bolso, foram encontradas uma carta e informaes sobre suas relaes pessoais. sua mulher era uma pobre cos-tureira; suasduasfilhas,dedezesseis edezoitoanos, trabalhavam com ela. Tarnau, nosso suicida, dizia nos papis que deixou que, no podendo mais ser til a sua famlia, e sendo forado a viver custadesuamulheredeseusfilhos,achavaqueerasuaobrigaoprivarsedavidaparaalivilosdessasobrecarga;elerecomendavasuasfilhasdu-quesa de Angoulme; esperava, da bondade dessa princesa, que se tivesse piedade de tanta misria. escrevi um boletim ao chefe de polcia de Angles e, aps o andamento natural do caso, a duquesa fez depositar 600 francos para a infeliz famlia Tarnau.***

    Triste ajuda, sem dvida, depois de uma tal perda! Mas como exigir que uma famlia**** se en-carregue de ajudar a todos os desafortunados, uma

    * os governos representativos no tratam dessa questo com o devido cuidado; ocupam-se apenas com a economia por atacado, e tanto pior para os acontecimentos que se do no varejo.** Peuchet: os pretendentes.*** Peuchet escreve, no lugar da segunda metade desta frase: enviou-se uma nota ao visconde de Monmorency, cavaleiro de honra de sua Majestade; madame deu ordens para que uma soma de 600 francos fosse enviada famlia do infeliz Tarnau. o sr.BastienBeaupr,comissriodepolciadobairro,foiencarre-gado da entrega daquele benefcio.**** Peuchet: a famlia real.

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    vez que, somando-se tudo, nem mesmo a Frana inteira, tal como ela no presente, no os poderia alimentar. A caridade dos ricos no bastaria para tanto, mesmo que nossa nao inteira fosse religio-sa,oqueestmuitolongedeserverdade.

    O suicdio elimina a pior parte da dificuldade, o cada-falso ocupa-se com o resto. Somente com uma reforma de nosso sistema geral de agricultura e indstria pode-se es-perar por fontes de recursos e por uma verdadeira riqueza. Nos pergaminhos, podemos facilmente proclamar constituies, o direito de todo cidado educao, ao trabalho e, sobretudo, a um mnimo de meios de subsistncia. Mas, com isso, no se fez tudo; ao se escreverem esses desejos generosos sobre o papel, persisteaverdadeiratarefadefazerfrutificaressasideias liberais por meio de instituies materiais e inteligentes, por meio de instituies sociais.

    o mundo antigo, a disciplina pag, lanou terra formidveis criaes; resistir a liberdademoderna* sua rival?Quem fundir essesdoismagnficoselementosdopoder?**Eassimpros-segue Peuchet.

    *estafilhadeCristo,** Para obter dados exatos sobre o suicdio, elaborei o plano de umgrandetrabalho.Inicialmente,fizumaavaliaoanalticaeponderada dos autos dos suicdios; em seguida, dispus as carac-tersticasparticularesdecadacasoemtabelasdivididasemvriascolunas: 1) a data do evento; 2) o nome do indivduo; 3) seu sexo; 4)seuestamentoouprofisso;5)seeleeracasado,comousemfilhos;6)seugnerodemorte,ouosmeiosdosquaiseleseserviupara se suicidar; a stima coluna era destinada s diversas obser-vaes que podiam ser extradas das particularidades presentes nas outras colunas. Limitei-me aos anos de 1820, 1821 e 1824 e circunscrio de Paris. Pareceu-me que esses trs anos bastavam para oferecer objetos de comparao sobre o nmero e os motivos conhecidos dos suicdios; acrescentei a isso o resumo daqueles que ocorreram de 1817 a 1824.

    Karl Marx

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    Sobre o suicdio

    Porfim,gostaramosdefornecerumadesuastabelas sobre os suicdios anuais em Paris.

    em outra tabela divulgada por Peuchet, consta que, de 1817 a 1824 (includos), ocorreram 2 808 suicdios em Paris. Naturalmente, o nmero , em verdade, maior. Principalmente em relao aos afo-gados, cujos corpos so depositados no necrotrio, apenasempouqussimoscasospodeseafirmarcomcerteza se se trata ou no de um caso de suicdio.8

    Gesellschaftsspiegel , tomo ii, volume Vii, p. 14-26.

    Tabela sobre os suicdios em Paris durante o ano de 1824

    Nmero1o semestre ............................................................. 1982o semestre ............................................................. 173Portanto, 371

    Da tentativa de suicdio sobreviventes ........................................................ 125No sobreviventes ................................................ 246

    sexo masculino ..................................................... 239sexo feminino ....................................................... 132

    solteiros ................................................................. 207casados .................................................................. 164

    Tipo de morteQuedavoluntria ................................................... 47Queda de cavalo ..................................................... 38Por instrumentos cortantes ................................... 40Por arma de fogo .................................................... 42

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    Por envenenamento ............................................... 28Asfixiaporcarvo .................................................. 61Afogamentovoluntrio ....................................... 115

    MotivosPaixo, brigas e desgostos domsticos ................ 71doenas, depresso, fraqueza de esprito ........ 128Mconduta,jogo,loteria,medode censuras e castigos ................................................. 53Misria, necessidade ou perda de emprego e mudana de posto de trabalho ............................. 59Motivos desconhecidos ......................................... 60

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    Sobre o suicdio

    NOTAS DO EDITOR

    1 A Gazette de France, fundada em 1631 com o suporte do cardeal Richelieu, dedicava-se sobretudo publi-cao de documentos oficiais e de poltica externa. At 1789, gozava de fato de um monoplio sobre a publicao das informaes polticas oficiais. Depois da Revoluo, sustentou sua orien tao monarquista e perdurou at 1915. Peuchet dirigiu a re da o nos anos 1789-1790.

    2 O Mercure de France foi um dos primeiros jornais lite-rrios da Frana. Fundado em 1762 como Le Mercure Galant, exerceu um papel central nos debates cultu-rais e artsticos at sua suspenso, em 1832. Quando Mallet du Pan, em 1790, deixou a Frana em misso oficial de Lus xVI, Peuchet assumiu a redao, que manteve at 1792. Nesse tempo, o Mercure defendia energicamente o rei e os princpios da monarquia contra os revolucionrios. Em 1890, uma nova edio do Mercure de France foi ressuscitada por um grupo de intelectuais.

    3 Durante os Cem Dias, de 20 de maro a 22 de junho de 1815, Napoleo voltou Frana, sado do exlio, ao qual fora condenado em 1814, depois de sua primeira derrota. Ele retornou ao poder, mas, depois da derrota francesa em Waterloo, foi exilado para sempre.

    4 De fato, at 1825.

    5 A Assembleia Nacional Constituinte (1789-1791), com a Declarao dos Direitos do Homem e do Ci-

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    dado, ps em andamento a Revoluo. Fundou um novo sistema, constitucional, que restringia o poder da monarquia e da Igreja Catlica. A Conven o Nacional (1792-1794) ps de lado a monarquia e fundou a Primeira Repblica, derrubada prontamente na ditadura da faco jacobina, que implantou o Grande Terror. O Tribunal (1799-1807) foi um rgo legislativo sob Bonaparte. A partir da Restau rao de 1814, a monarquia foi restabelecida com Lus xVIII e a Cmara dos Deputados vingou-se de Bonaparte e da Revoluo com uma srie de medidas polticas.

    6 O ttulo exato Statistique lmentaire de la France e a data correta da publicao 1805, no 1807.

    7 Uma mulher e sua filha vivem na pobreza, porque as jogadas econmicas do bonapartismo as arruina ram financeiramente. Seguindo o desejo de sua me, a filha se casa com um capito em boas condi es. A me, que vive com eles, quer, porm, manter o domnio sobre a filha, no obstante a mudana de sua situao. A contrariedade entre elas conduz a um conflito aberto. O marido, apreensivo com aquilo, no ousa intervir. Subitamente a paz familiar retorna, a filha submete-se novamente autoridade materna. O esposo busca explicaes, mas depara-se com um muro de silncio das duas mulheres. Em seguida, abre uma gaveta secreta e dentro dela encontra cartas, que esto em posse da me e indi cam que a filha, antes do casamento, mantivera relaes com trs oficiais. A cada um deles ela havia declarado o seu amor imor-re douro, apesar da espantosa proximidade temporal entre as trs correspondncias. O marido, embora afirme que tais aes de uma mulher, assim como as do homem, devem ser perdoa das, no diz nada sobre a manifesta chantagem que a mulher sofria por parte da prpria me. De ime dia to, comea a esposa a colocar novamente a autoridade de sua me em questo. A me leva, ento, suas ameaas ao pice e convida os trs oficiais, a quem a filha havia se entregado, para uma refeio. Ao fim das discusses,

    Notas do editor

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    Sobre o suicdio

    o esposo e a mulher acabam sempre se descul pando um ao outro sem, no entanto, chegar a escla recer a razo daqueles conflitos. A jovem mulher desaparece naquela noite. No dia seguinte, seu ca dver encon-trado sob uma das pontes do Sena. Peuchet indica, com esse relato, a propagada tendn cia de minimizar ou negligenciar, nos outros, os sinais do mais extremo desespero. Nos sa incredulidade diante da inclinao das outras pessoas ao suicdio corresponde, de um lado, ao isolamento social e, de outro, moral ento dominante.

    Em 1814, uma jovem bordadeira com ambies lite-rrias casa-se com um pequeno funcionrio. Ela no o ama, mas consente nas bodas porque uma amiga a convence de que a unio com aquele jovem cla-ramente ambicioso melhorar sua posio. A amiga espalha, por toda parte, que se trata de uma relao amorosa unilateral, de tal modo que essa notcia chega diretamente ao noivo, antes do casamento. A noiva o tranquiliza e do-se as npcias. Quase ime-diatamente, o novo esposo torna-se extremamente ciumento. As tentativas de amai n-lo, quando ela atendia a todos os seus desejos, apenas acentuam sua desconfiana. Nesse intervalo de tempo, a jovem mulher havia abandonado suas tentativas literrias e renunciado, sob presso de seu marido, a sair de casa e a receber visitas na ausncia dele. Seu cime violento torna o homem to confuso que ele logo perde o emprego e passa a trabalhar apenas oca-sionalmente. A mulher comea a preocupar-se por causa de algumas cartas, platnicas porm afetuosas, que trocara antes das npcias com um jovem poeta. Ela recolhe as cartas, mas hesita em queim-las e as esconde. Um dia, o esposo as descobre. Quando ela ousa mostrar-lhas, ele as toma para si, com violncia. Ento, ela amea a abandon-lo ou afogar-se caso ele no lhas devolva imediatamente. Inseguro, ele lhe devolve as cartas e deixa a casa por alguns minutos. De volta a casa, no encontra mais sua mulher e v

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    apenas os pedaos das cartas queimadas a esvoaar no fogo da lareira. Ele decide que, dali em diante, ser mais liberal com sua esposa, mas j tarde. Pertur bada e com pensamentos de suicdio, a jovem senhora dirige-se a uma amiga ntima, que, porm, estava muito ocupada com um hspede forasteiro para poder falar com ela. Ela vagueia pelas estradas e encontra uma mulher muito compreensiva, que a aconselha a voltar a casa; seu marido, diz ela, a receber novamente e a perdoar. Quando, no dia seguinte, a mulher ainda est longe, o esposo come a a anunciar, no seu crculo de conhe cidos, sua resoluo de chamar o poeta e queixar-se a ele do assdio sedutor a sua esposa. Dois dias mais tarde, o cadver dela encontrado s margens de uma ilha do Sena. Suicidou-se claramente na mesma noite em que deixou a casa. Peuchet, com auxlio dessa notcia, discute como os homens podem ser to desprovidos de sentimentos, como podem ser to maldosamente capazes de intrigar-se com, mas no de ver, o que se passa na vida dos outros homens. Procura-se, de preferncia, um culpado, em vez de uma explicao efetiva.

    Finalmente, Peuchet recapitula, em uma passagem bastante curta, de que modo os suicdios, quando se tornam pblicos, podem arruinar as famlias deixa-das para trs. Num caso, um fabricante de latas de conserva, estando diante da runa, desfere uma bala na cabea, em seu estabelecimento, j tarde da noi-te. Pela grande quantidade de plvora armazenada, sua morte seria facilmente declarada como acidente, mas uma testemunha ocasional ouve o surdo tiro e alarma a vizinhana. O suicdio descoberto e a famlia perde sua herana. Em outros casos, pesso-as so encontradas afogadas e as famlias rejeitam a hiptese do suicdio, atribuindo a morte a uma provvel sonolncia ou distrao das vtimas. Mais tarde, encontram-se indcios do suicdio e as famlias ficam difamadas. Peuchet pretende, com isso, deixar

    Notas do editor

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    Sobre o suicdio

    claro que nem sempre fcil desvendar a causa da morte. Consequentemente, h mais suicdios do que aqueles que so comprovados, o que Marx sustenta no ltimo pargrafo do seu ensaio.

    8 Marx omite as seis tabelas seguintes, que Peuchet acrescenta no fim do seu ensaio. Duas delas, relativas aos anos de 1820 e 1821, apresentam dados do mesmo tipo da tabela de 1824, reproduzida por Marx. Uma terceira tabela, bem pequena, compara nmeros de suicdio de 1820 e 1821. Outra tabela apresenta os dados das tentativas de suicdio, dos suicdios prati ca dos e dos suicdios conforme o sexo para cada ano de 1817 a 1824. Marx deduz o nmero geral de 2808 suicdios, em que ele como tambm o faz Peuchet, nas suas exposies inclui suicdios e tentativas de suicdio. Em todo caso, a partir dessa tabela, Peuchet chega facilmente aos nmeros altamente di feren cia dos do suicdio de homens e de mulheres, aparecendo em cada ano o nmero dos suicdios mas culinos como aproximada-mente o dobro dos suicdios femini nos. Sobre isso, ele escreve: Notar-se-, neste ponto, que o nmero das mulheres muito mais baixo que o dos homens, seja porque elas suportam mais corajo samente as necessidades da vida, rendem-se me nos a elas ou tm mais sentimentos religiosos, que lhes do fora nesses momentos terrveis; seja, final mente o que bastante possvel , porque a aflio, uma vez que capaz de mat-las, tira-lhes do alcance at mesmo o poder de deciso. Uma tabela seguinte estabelece o nmero dos afogados ou dos salvos de afogamento e seus sexos nos anos de 1811-1817. Uma ltima tabela documenta, do mesmo modo, para os anos de 1811-1817 e segun do o sexo e o local onde foram encontrados, o nmero das vtimas de suicdio no necrotrio de Paris. Um problema fundamental em todas essas tabelas consiste em que Peuchet expe separadamente seus nmeros totais por sexo, mas no segun do suas diferentes subcategorias (p. ex.,

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    suicdios vs. tentativas de suicdio, motivos do sui-cdio ou modo de execuo). Porm, se apontamos esses limites, tambm devemos nos lembrar de que essas tabelas representam ainda uma tentativa muito incipiente de apresentar estatsticas sociais.

    Notas do editor

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    Sobre o suicdio

    NDICE ONOMSTICO

    BALZAC, HONOR DE (1799-1850). Escritor francs, formou-se em Direito, atuou como jornalista, mas tornou-se clebre com seus romances, que o alaram condio de pai do realismo na literatura europeia, junto com Flaubert. Asseverando que um s homem deve ter o poder de fazer leis, defendia a monarquia constitucional como forma mais elevada de gover-no, alicerada em uma aristocracia do tipo feudal, e questionava a igualdade e a liberdade burguesa, duvidando da capacidade de autodeterminao dos povos. Em A comdia humana esto reunidos mais de noventa romances e contos, que juntos fornecem uma detalhada descrio da sociedade francesa da poca. p. 15, 17

    CARLYLE, THOMAS (1795-1881). Historiador e ensas-ta escocs, foi um dos expoentes do socialismo feudal. Marx destacou nele o mrito de se haver manifestado, j ao comeo, contra a burguesia, em uma poca em que as concepes desta mantinham subjugada toda a literatura oficial inglesa, mas cri-ticou, ao mesmo tempo, suas posies reacionrias diante da classe operria, bem como sua apoteose anti-histrica da Idade Mdia e seu culto aos heris. A obra de Carlyle marcada por uma concepo original da histria como fruto da vontade divina e do herosmo dos grandes homens. Entre suas obras, pode-se destacar a Histria da Revoluo Francesa, escrita em 1837. p. 17

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    DICKENS, CHARLES (1812-1870). Escritor ingls, foi o mais clebre romancista da era vitoriana, autor de vasto painel sobre os efeitos da industrializao em Londres. Teve papel fundamental na introduo da crtica social na literatura de fico inglesa, denun-ciando sobretudo a terrvel situao em que vivia a classe trabalhadora na Inglaterra. Dentre sua vasta obra, podem-se destacar Oliver Twist (1839) e David Copperfield (1850). p. 17

    DUMAS, ALExANDRE (1802-1870). Romancista e dra-maturgo francs. Em 1830 participou da derrubada de Carlos x. Tornou-se o novo rei um antigo patro de Dumas, o duque dOrleans, que assumiu o trono com o nome de Lus Felipe de Frana. Graas a seus romances, adquiriu grande fama e dinheiro, mas aca-bou consumindo rapidamente sua fortuna com seus hbitos bomios. Em funo das dvidas assumidas e da ascenso, em 1951, de Napoleo III, que no simpati-zava com Alexandre Dumas, ele partiu para Bruxelas e depois viajou Rssia, onde ficou por dois anos. De l foi Itlia, onde participou da luta pela unificao do pas, retornando a Paris em 1864. Entre seus romances, podem-se destacar Os trs mosqueteiros e O quebra--nozes, ambos escritos em 1844. p. 15

    FOURIER, CHARLES (1772-1837). Foi um importante representante do socialismo utpico na Frana e lu-tou pelos direitos da mulher e pela liberdade sexual. Nas comunas modelares por ele propagadas (os fa-lanstrios), dominava a propriedade comum os pro-prietrios deviam, em lugar de uma especializao restrita, buscar mltiplas ocupaes. Publicou, entre outras obras, a Teoria dos quatro movimentos (1808). p. 21

    HESS, MOSES (1812-1875). Filsofo e jornalista alemo, foi o primeiro dos jovens hegelianos a abraar e de-fender publicamente o comunismo. Companheiro de Marx na Gazeta Renana, exerceu grande influncia sobre ele e Engels, assumindo papel fundamental na

    ndice onomstico

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    Sobre o suicdio

    converso dos dois ao comunismo. Muitas de suas proposies foram incorporadas por Marx, mas no tardou para que ocorresse uma ruptura entre ambos, em funo de divergncias tericas e, sobretudo, em relao ao que consideravam prticas adequadas para o combate ao capitalismo e a construo do socialismo. Dentre as obras de Hess, podem-se citar A triarquia europeia (1841) e Roma e Jerusalm (1862), que o tornou conhecido como um precursor do sio-nismo. p. 14, 15, 67, 77

    MALLET DU PAN (1749-1800). Escritor e poltico francs, foi, juntamente com Edmund Burke e Joseph de Maistre, um importante lder da reao conservadora Revoluo Francesa. Desde 1784, dirigia o Mercure de France (v. nota 2). Em 1790, por ordem de Lus xVI, saiu do pas para travar contato com outros monarcas, inimigos da Revoluo. Suas Considrations sur la nature de la Rvolution de France (1793) foram largamente aceitas na Euro-pa, e Mallet du Pan foi promovido a preeminente conselheiro dos governos voltados contra a Frana. Em 1797, teve de deixar o continente e partir para Londres, onde iniciou a publicao do jornal Le Mercure Britannique. p. 9, 22, 53n

    MARIA TEREZA (1778-1851). Conhecida como duquesa de Angoulme, filha de Lus xVI e Maria Antonieta, viveu no exlio at sua volta Frana, no ano de 1814. Exerceu grande influncia aps a Restaurao. p. 49

    MORELLET, ANDR (1727-1819). Tambm conhecido como abade Morellet, foi um telogo e filsofo fran-cs. Colaborou numa obra fundamental do Iluminis-mo, a Enciclopdia, na qual escreveu um artigo sobre a religio. Encarcerado por dois meses na Bastilha, em 1760, por causa de suas ideias, publicou, em 1762, o Manual das inquisies. Embora tenha inicialmente defendido a Revoluo, voltou-se contra ela ainda em 1789, decepcionado com a supresso do conjunto de privilgios feudais. Voltou-se tambm contra os

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    jacobinos, mas entrou novamente em evidncia sob o Consulado de Bonaparte, em 1799, quando desem-penhou um papel-chave na refundao da Academia Francesa e dela tornou-se membro. p. 22

    NEUFCHTEAU, FRANOIS DE (1750-1828). Poeta e dramaturgo, exerceu influncia na primeira fase da Revoluo. Voltou-se contra os jacobinos e foi preso em 1793. Depois da queda dos jacobinos, em 1794, reassumiu sua carreira poltica e, em 1797, tornou-se ministro do Interior. Dedicou-se ao desenvolvimento econmico e, alm disso, fundou o Museu do Louvre. De 1799 a 1815, foi senador sob Bonaparte. p. 9, 23

    OWEN, RObERT (1771-1858). Foi um dos principais representantes do socialismo utpico e do movimento cooperativista ingls. Sua fbrica-modelo, na colnia escocesa de New Lanarck, gerava lucro e ao mesmo tempo proporcionava aos trabalhadores avanos sociais generosos, extraordinrios naquele tempo. Publicou, entre outros, o escrito A new view of society (1813). p. 21, 72

    ROUSSEAU, JEAN-JACQUES (1712-1778). Filsofo e pensador francs, foi terico poltico, escritor, com-positor autodidata, educador. Um dos principais nomes do Iluminismo, Rousseau figura entre os pais da Revoluo Francesa, em funo de suas denncias contra a desigualdade e a propriedade privada e de seu apelo soberania popular, o que lhe valeu uma srie de perseguies durante toda sua vida. Seus escritos tornaram-se clebres e, dentre eles, esto O contrato social (1762) e O discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens (1749). p. 16, 28

    SISMONDI, JEAN-CHARLES-LONARD SISMONDE DE (1773-1842). Economista e historiador suo, criti-cou a teoria econmica clssica do ponto de vista do romanticismo e denunciou os perigos inerentes industrializao e ao desenvolvimento desordenado

    ndice onomstico

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    Sobre o suicdio

    do capitalismo. Sismondi assinalou as contradi