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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    MARCOS ANTONIO NEPOMUCENO FEITOSA

    PIS E COFINS E OS REGIMES DE TRIBUTAO CUMULATIVO, NO CUMULATIVO E MONOFSICO: Limites e Pressupostos

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    SO PAULO 2010

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    MARCOS ANTONIO NEPOMUCENO FEITOSA

    PIS E COFINS E OS REGIMES DE TRIBUTAO CUMULATIVO, NO-CUMULATIVO E MONOFSICO: Limites e Pressupostos

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Direito do Estado (Direito Tributrio), sob orientao da Prof. Dr. Fabiana Del Padre Tom.

    SO PAULO 2010

  • Banca Examinadora

  • "De tudo ficaram trs coisas: a certeza de que estava sempre comeando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupo um caminho novo, fazer da queda um passo de dana, do medo, uma escada, do sonho, uma ponte, da procura, um encontro."

    (Fernando Pessoa)

  • minha esposa Ana Rosa e aos meus filhos Marcos Vinicius e Beatriz, com todo o meu amor. Ao meu pai Antonio, exemplo de homem dedicado ao trabalho e obstinado pelo conhecimento do direito tributrio, que me ensinou desde pequeno a nunca me acomodar diante dos percalos da vida e a sempre lutar por meus sonhos. Dedico.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo minha esposa, Ana Rosa, pelo estmulo constante, pela compreenso das minhas vrias horas de ausncia em decorrncia do trabalho e dos estudos e, acima de tudo, por ter concebido os nossos filhos, Marcos Vinicius e Beatriz, fruto do amor incondicional que nutrimos um pelo outro.

    Aos meus pais, Antonio e Francisca, por tudo que eu sou hoje e pelo que representam na minha vida. Minha eterna admirao, gratido e amor.

    Aos meus irmos, Nelson, Jnior e minha irm postia Sarah, pela nossa unio, amizade e cumplicidade.

    Ao meu sogro, Joaquim, e minha sogra, Gislene, que me receberam como um filho no leito de sua famlia, exemplos de carter e dedicao famlia, meus segundos pais de verdade.

    Ao meu amigo irmo piauiense-paulistano, Herbert Galeno, amigo de longas datas, sempre presente em todos os momentos de minha vida. Obrigado pelo companheirismo, camaradagem e tudo mais que a verdadeira amizade pode nos proporcionar.

    Aos meus amigos irmos piauienses, Frank, Veloso e Ursulino, que, apesar da distncia, estamos sempre nos comunicando e mantendo nossos laos de amizade.

    Aos meus amigos Diego Bomfim e Rodrigo Marinho, exemplos de juristas e profissionais brilhantes, que desde nosso primeiro contato nos bancos do mestrado da PUC soube que nossa amizade seria eterna.

    Aos amigos do mestrado, Jaligson Hrtacdes, Renata Silveira, Renata Elaine, Patrcio Fudo, Tiago Cappi, Aline Nunes, Frederico Seabra de Moura, pelos debates incansveis sobre as complexidades do direito tributrio e pelas cervejadas ao longo da minha estadia em So Paulo.

    Ao Guiga Ferreira, pelas eternas sees de risadas que promove nos nossos encontros.

    Ao Dr. Pedro Reginaldo, notvel advogado, que me acolheu como estagirio no seu escritrio e me fez apaixonar pela advocacia.

    minha equipe de trabalho, Wyderlene, Sheyla, Robert e Nelson, por terem segurado a barra durante a elaboraao deste trabalho.

    minha orientadora, Fabiana Del Padre Tom, por sempre ter acreditado em mim e por tudo que seu exemplo representa em minha formao acadmica.

  • Aos meus professores do curso de mestrado, Maria Rita Ferragut, Roque Antonio Carrazza, Celso Campilongo, Marcelo Figueiredo, Robson Maia, pelo seus valiosos ensinamentos e estmulo reflexo. Em especial, agradeo a Tcio Lacerda Gama, pelos debates desde a poca de COGEAE e pela ajuda na elaborao desta dissertao.

    Ao professor Paulo de Barros Carvalho, condio necessria do direito tributrio brasileiro.

    E, finalmente, seguem meus agradecimentos Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, pela oportunidade de aprendizagem na tradicionalssima Escola Brasileira de Direito Tributrio.

  • FEITOSA, Marcos Antnio Nepomuceno. PIS e Cofins e os regimes de tributao cumulativo, no cumulativo e monofsico: limites e pressupostos. 2010. Dissertao (Mestrado em Direito do Estado). Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP So Paulo.

    RESUMO

    O presente trabalho trata dos limites e pressupostos constitucionais aplicados aos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins, partindo de uma anlise dos critrios constitucionais inerentes a cada um desses regimes e a compatibilidade da legislao ordinria com a norma de competncia tributria. Para tanto, analisou-se o conceito de faturamento, de no cumulatividade e de setor da atividade econmica adotado pela Constituio, conflitando com o empregado pelo legislador ordinrio, apontando em seguida as principais inconstitucionalidades de cada um dos regimes abordados neste trabalho.

    Palavras-chave: Regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico. Limites e pressupostos constitucionais. Contribuies sociais PIS e Cofins.

  • ABSTRACT

    This work treats about the constitutional limitations and presuppositions applied to the cumulative, non-cumulative and monophasic schemes of PIS and Cofins, from a review of the constitutional criteria pertaining to each scheme and the compatibility of the ordinary legislation with the standard of tax competence. To this end it was analyzed the concept of "revenue", of "non-cumulative" and of "section of the economical activity " adopted by the Constitution, that conflict with the used by the ordinary legislator, then pointing the main unconstitutionalities of each schemes in this work.

    Keywords: Cumulative, non-cumulative and monophasic scheme. Constitutional limits and presuppositions. PIS and Cofins social contributions.

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 13

    CAPTULO I DIREITO, CONHECIMENTO, REALIDADE E MTODO .................... 15

    1.1 Giro Lingustico: Novo Paradigma Filosfico ............................................ 16

    1.2 Conhecimento, Realidade e Verdade .......................................................... 17

    1.3 Autorreferncia da Linguagem .................................................................... 20

    1.4 Conceito de Direito ....................................................................................... 21

    1.5 Mtodo: Construtivismo Lgico e Semntico ............................................ 23

    CAPTULO II NORMA JURDICA E REGRA MATRIZ DE INCIDNCIA TRIBUTRIA DO PIS E DA COFINS NOS REGIMES CUMULATIVO, NO CUMULATIVO E MONOFSICO ............................................................................. 25

    2.1 Norma Jurdica .............................................................................................. 26

    2.2 Norma Jurdica: Juzo Hipottico-Condicional .......................................... 28

    2.2.1 Uniformidade sinttica e heterogeneidade semntica das normas jurdicas ................................................................................................ 31

    2.2.2 Normas gerais e abstratas, individuais e concretas e processo de positivao do direito............................................................................ 33

    2.3 Norma Jurdica Tributria: Regra Matriz de Incidncia Tributria do PIS e da Cofins nos Regimes Cumulativo, No Cumulativo e Monofsico .................................................................................................... 35

    2.3.1 Antecedente da regra matriz de incidncia tributria dos regimes cumulativo, no-cumulativo e monofsico do PIS e da COFINS ......... 37

    2.3.1.1 Critrio material ..................................................................... 39 2.3.1.2 Critrio espacial ..................................................................... 40 2.3.1.3 Critrio temporal .................................................................... 40

    2.3.2 Consequente da regra matriz de incidncia tributria dos regimes cumulativo, no-cumulativo e monofsico do PIS e da COFINS ......... 41

    2.3.2.1 Critrio pessoal...................................................................... 42 2.3.2.2 Critrio quantitativo ................................................................ 43

  • CAPTULO III CLASSIFICAO DAS ESPCIES TRIBUTRIAS E REGIME JURDICO DAS CONTRIBUIES PARA O PIS E A COFINS .............................. 46

    3.1 Conceito de Tributo ...................................................................................... 47

    3.2 Consideraes sobre o Ato de Classificar ................................................. 48

    3.3 Doutrina e Classificao dos Tributos ........................................................ 50

    3.3.1 Classificao dos tributos em trs espcies (classificao intranormativa das espcies tributrias) ............................................... 50

    3.3.1.1 Inconvenientes da classificao intranormativa .................... 51

    3.3.2 Classificao dos tributos em cinco espcies (classificao internormativa das espcies tributrias) ............................................... 53

    3.4 Espcies Tributrias segundo Classificao Internormativa ................... 54

    3.5 Subespcies de Contribuies Previstas no Texto Constitucional ......... 56

    3.5.1 Contribuies sociais ........................................................................... 58

    3.5.1.1 Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), e a evoluo da legislao aplicvel ....................... 60

    3.5.1.2 Contribuio para o Programa de Integrao Social (PIS) e evoluo da legislao aplicvel ........................................ 61

    CAPTULO IV CRITRIO MATERIAL DO PIS E DA COFINS NOS REGIMES CUMULATIVO, NO CUMULATIVO E MONOFSICO: RECEITA OU FATURAMENTO? .................................................................................................... 62

    4.1 Competncia Tributria e Limites Constitucionalmente Estabelecidos .. 63

    4.2 Norma de Competncia Tributria .............................................................. 65

    4.2.1 Papel da norma de competncia na conformao da regra matriz de incidncia tributria ......................................................................... 66

    4.2.2 Consequente da norma de competncia do PIS e da Cofins: enunciado de autorizao materialidade ........................................... 68

    4.2.2.1 Conceito pressuposto de faturamento no texto constitucional ......................................................................... 70

    4.2.2.2 Conceito pressuposto de receita no texto constitucional ....... 71

    4.3 Critrio Material Erigido pelo Legislador Ordinrio no Momento de Instituio dos Regimes Cumulativo, No Cumulativo e Monofsico ..... 73

  • CAPTULO V REGIME CUMULATIVO DO PIS E DA COFINS ................................ 80

    5.1 Caractersticas do Regime Cumulativo do PIS e da Cofins ...................... 81

    5.2 Efeitos da Declarao de Inconstitucionalidade do 1 do Art. 3 da Lei n 9.718/98 ............................................................................................... 82

    5.3 Teoria na Prtica ........................................................................................... 86

    5.3.1 Faturamento oriundo da locao de bens mveis e imveis ................ 86 5.3.2 Faturamento das instituies financeiras ............................................. 89 5.3.3 Vendas inadimplidas e sua tributao pelo PIS e pela Cofins ............. 91

    5.4 Alteraes Promovidas no Regime Cumulativo pelas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 .................................................................................... 93

    CAPTULO VI REGIME NO CUMULATIVO DO PIS E DA COFINS ...................... 97

    6.1 Caractersticas da No Cumulatividade do PIS e da Cofins ..................... 98

    6.1.1 Princpio da no cumulatividade .......................................................... 98

    6.2 No Cumulatividade do PIS e da Cofins Traada Constitucional mente . 102

    6.2.1 Discriminao constitucional segundo os setores de atividade econmica: prevalncia do 12 sobre o 9 do art. 195 da Constituio ....................................................................................... 104

    6.2.2 Norma do direito ao crdito ................................................................ 106

    6.3 No Cumulatividade do PIS e da Cofins Traada pela Legislao Ordinria ...................................................................................................... 107

    6.3.1 Limitao ao crdito de insumos a matria-prima, material de embalagem e produto intermedirio ................................................... 108

    6.3.1.1 Conceito de insumos para fins de tomada de crdito do IPI e do ICMS ...................................................................... 108

    6.3.1.2 Conceito de insumos para fins de tomada de crdito do PIS e da Cofins.................................................................... 110

    6.3.2 Restrio do direito ao crdito institudo pelo art. 31 da Lei n 10.865/04 ........................................................................................... 113

    6.3.2.1 Conceito de ativo imobilizado .............................................. 113 6.3.2.2 Depreciao como insumo decorrente do desgaste dos

    bens adquiridos para a prestao de servios e industrializao .................................................................... 113

    6.3.2.3 Dos bens destinados ao ativo imobilizado adquiridos at 30 de abril de 2004 e restrio ao direito ao crdito do

  • PIS e da Cofins.................................................................... 114 6.3.2.4 Violao ao princpio da isonomia ....................................... 115 6.3.2.5 Violao ao princpio da segurana jurdica ........................ 118 6.3.2.6 Impossibilidade de se estabelecer efeitos retroativos lei .. 120

    6.3.3 Vedao de compensao de crditos apurados no regime no cumulativo com os dbitos apurados no regime cumulativo .............. 122

    CAPTULO VII REGIME MONOFSICO DO PIS E DA COFINS ........................... 124

    7.1 Caractersticas do Regime Monofsico .................................................... 125

    7.2 Regime Monofsico Versus Regime No Cumulativo e Art. 17 da Lei n 11.033/04 ................................................................................................. 126

    7.3 Ato Declaratrio Interpretativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil 26/04: Inconstitucionalidades e Ilegalidades................................. 130

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 135

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 147

  • INTRODUO

    As Contribuies para o Programa de Integrao Social (PIS) e para financiamento da Seguridade Social (COFINS), correspondem, atualmente, aos mais complexos tributos da atualidade. Isso decorre tanto pela dificuldade de apurao dessas contribuies, que comportam diversas modalidades, e ainda pela existncia de vrios regimes de tributao (cumulativo, no cumulativo, monofsico), como tambm pela falta de consolidao de sua legislao.

    Em virtude de tal fato, o presente trabalho trata dos limites e pressupostos constitucionais aplicados aos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins, partindo de uma anlise dos critrios constitucionais inerentes a cada um desses regimes e a compatibilidade da legislao ordinria com a norma de competncia tributria.

    Para tanto, sero analisados os conceitos de faturamento, de receita, de no cumulatividade, de setor da atividade econmica e de tributao nica adotados pela Constituio, conflitando com o empregado pelo legislador ordinrio, apontando, em seguida, as principais inconstitucionalidades de cada um dos regimes abordados.

    No captulo I, tomar-se- como premissa o fato de o direito positivo ser um corpo de linguagem com funo prescritiva, composto pelo conjunto de normas jurdicas vlidas, a fim de afastar do campo de anlise argumentos econmicos, polticos e sociais.

    No captulo II, empreender-se- um estudo sobre a teoria da norma jurdica, pois a nica forma de compreender o direito conhecendo as estruturas que o compe, construindo ao final a regra matriz de incidncia tributria dos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins, para que nos captulos seguintes possa-se verificar a sua compatibilidade com os limites e pressupostos fixados pela Constituio a cada um desses regimes de tributao.

    No captulo III, a preocupao recai sobre a classificao dos tributos para identificao do regime jurdico especfico das contribuies sociais do PIS e da Cofins.

  • 14

    No captulo IV, debruar-se- sobre a materialidade erigida pelo legislador ordinrio no momento de instituir os regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico, para que se possa, a partir da, delimitar, de acordo com a constituio, a possvel tributao desses regimes.

    Os captulos V, VI e VII j adentram nos limites e pressupostos fixados pelo texto constitucional a cada regime do PIS e da Cofins, analisando as principais inconstitucionalidades praticadas pelo legislador da Unio ao instituir cada um deles.

  • CAPTULO I

    DIREITO, CONHECIMENTO, REALIDADE E MTODO

  • 16

    1.1 Giro Lingustico: Novo Paradigma Filosfico

    Para que se possa discutir acerca de conhecimento, realidade e mtodo e relacion-los ao direito, faz-se necessrio analisar o movimento filosfico do giro lingustico, o qual surge como proposta de superao da filosofia da conscincia1.

    De acordo com a filosofia da conscincia, a linguagem era vista como simples instrumento entre o sujeito e o objeto do conhecimento, sendo a verdade resultado da correspondncia entre a proposio lingustica e o objeto referido.

    Com o surgimento do movimento do giro lingustico, somente a linguagem apta para construir a realidade, pois para se conhecer qualquer objeto do mundo concreto, faz-se mister a produo de linguagem. Sem ela jamais se chegaria ao conhecimento da realidade circundante.

    Com efeito, a linguagem deixa de ser concebida como um mero instrumento que ligaria o sujeito ao objeto do conhecimento, convertendo em lxico capaz de criar tanto o ser cognoscente como a realidade2.

    Logo, a linguagem no descreve a realidade, mas a constri. A linguagem no se presta somente a descrever a realidade, mas tambm a alter-la e a criar novas realidades. As frases ou segmentos lingusticos que servem para descrever o estado de coisas so apenas uma das categorias possveis e, portanto, seria uma falcia ou uma ingenuidade propor que a linguagem verbal s tivesse essa funo, a de descrever a realidade, apesar de os gramticos sempre terem afirmado que nem todas as frases so sentenas declarativas.

    Observa Oliveira, M. (2001, p. 13) que no existe mundo totalmente independente da linguagem, ou seja, impossvel filosofar sobre algo sem filosofar

    1 Para Carvalho, P. (2008b, p. 160) As conquistas do giro fazem sentir-se em todos os quadrantes

    da existncia humana. Ali onde houver o fenmeno do conhecimento estaro interessados, como fatores essenciais, o sujeito, o objeto, e a possibilidade de o sujeito captar, ainda, que a seu modo, a realidade desse objeto. Reflexes desse gnero conduziram o pensamento a uma desconstruo da verdade objetiva e a correspondente tomada de conscincia dos limites intrnsecos do ser humano, com a subsequente runa do modelo cientfico representado por mtodos aplicveis aos mltiplos setores da experincia fsica e social. Plantado no princpio de autorreferencialidade da linguagem, eis a assuno do movimento do giro lingustico. 2 Carvalho, A. (2009, p. 14) enftica ao afirmar que O homem utiliza-se de signos convencionados

    lingusiticamente para dar sentido aos dados sensoriais que lhes so perceptveis. A relao entre tais smbolos e o que eles representam construda artificialmente por uma comunidade lingustica. As coisas do mundo no tm um sentido ontolgico. o homem quem d significado s coisas quando constri a relao entre uma palavra e aquilo que ela representa, associando-a a outras palavras que, juntas, formam sua definio.

  • 17

    sobre a linguagem. Isso porque a linguagem momento necessrio constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulao de conhecimento intersubjetivamente vlido exige reflexo sobre a infraestrutura da linguagem.

    Carvalho, A. (2009, p. 93) tambm compartilha desse entendimento: conheo determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de tal sorte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposies descritivas ou indicativas.

    Assim, os objetos no precedem o discurso, mas surgem com ele, pois por meio do seu emprego que o mundo circundante ganha significado. Contudo, a significao do vocbulo no depende da relao com o objeto, mas do vnculo que estabelece com outras palavras.

    1.2 Conhecimento, Realidade e Verdade

    Para Flusser (2004, p. 33-34), conhecimento, realidade e verdade so aspectos da lngua; cincia e filosofia so pesquisas da lngua; religio e arte so disciplinas criadoras da lngua. Tais afirmaes so baseadas na sabedoria dos antepassados. Logo, a palavra o fundamento do mundo dos gregos pr-filosficos; nama-rupa, a palavra-forma, o fundamento do mundo dos hindus pr-vedistas; hachem hacadoch, o nome do santo, o deus dos judeus; e o Evangelho comea dizendo que no comeo era o verbo.

    A verdade uma construo lingustica, de tal modo que a lngua cria e propaga a realidade, por isso Flusser (2004, p. 33-34) afirma que a lngua

    [...] o instrumento mais perfeito que herdamos de nossos pais e em cujo aperfeioamento colaboram incontveis geraes desde a origem da humanidade, ou, talvez, at alm dessa origem. Ela encerra em si toda a sabedoria da raa humana. Ela nos liga aos nossos prximos e, atravs das idades, aos nossos antepassados. Ela , h um tempo, a mais antiga e a mais recente obra de arte, obra de arte majestosamente bela, porm sempre imperfeita. E cada um de ns pode trabalhar essa obra, contribuindo, embora modestamente, para aperfeioar-lhe a beleza. No ntimo sentimos que somos possudos por ela, que no somos ns que a formulamos, mas que ela que nos formula. Somos como que pequenos portes, pelos quais ela passa para depois continuar em seu avano rumo ao desconhecido. Mas, no momento de sua passagem pelo nosso pequeno porto, sentimos poder utiliz-la. Podemos reagrupar os elementos da

  • 18

    lngua, podemos formular e articular pensamentos. Graas a este nosso trabalho ela continuar enriquecida em seu avano.

    De acordo com o dicionrio Houaiss (2007), o conceito clssico de verdade : Conjunto de formulaes e enunciados que mantm uma coerncia dedutiva interna, uma perfeita concatenao lgica, a despeito da relao de harmonia ou dissonncia cognitiva que possa estabelecer com os objetos da realidade extralingustica.

    Aparentemente, para se considerar algo como verdadeiro deve ocorrer a correspondncia entre uma assero terica explicativa ou designativa realidade factual investigada. Porm, para Flusser (2004, p. 33-34),

    A verdade qualidade puramente formal e lingustica da frase, resultado das regras da lngua. Ela uma correspondncia entre frases ou pensamentos, resultados das regras da lngua. A verdade absoluta, essa correspondncia entre lngua e algo que ela significa, to inarticulvel quanto a esse algo, sendo, portanto, incompreensvel.

    Existem frases e pensamentos certos (quando obedecem s regras da respectiva lngua), como tambm h frases e pensamentos errados (quando no as obedecem). A lngua que dispe de regras que governam as relaes entre frases. Uma frase (ou pensamento) verdadeira, em relao a outra frase, quando obedece as essas regras, e falsa quando no as obedece.

    Assim, a verdade no algo objetivo, mas sim decorrente das regras de estrutura da lngua que constroem a realidade. Ela alcanada quando os enunciados de um mesmo discurso no so contraditrios entre si, sendo, por isso, que Moussalem (2006, p. 38) assevera que

    A verdade criada porque a linguagem independente da realidade. Basta recordarmos que o significado no mais a relao entre o suporte fsico e o objeto representado, mas, sim, entre o suporte fsico e o objeto representado, mas, sim, entre as significaes de suportes fsicos, entre sentidos, entre linguagens. Explica-se uma palavra por outra palavra [...] a realidade constituda pela linguagem que por sua vez cria a verdade, que somente por meio de outro enunciado alterada.

    Tem-se, portanto, que a verdade, para o direito, justamente aquilo que a linguagem constitui segundo os seus ditames, e no o que meramente se passou no plano fsico-existencial (GAMA, 2003b, p. 100). Isso significa que, por mais que Joo

  • 19

    afirme que foi roubado por Jos e v ao Judicirio pleiteando a sua priso sem as provas admitidas pelo sistema jurdico que evidenciem a autoria do crime, para o direito, a verdade vai ser a inocncia de Jos. Da mesma forma, quando uma pessoa vem a bito sem que seja expedido o seu devido atestado de morte: a verdade para o direito que ela nunca faleceu.

    Todavia, a verdade pode ser alterada por outro enunciado lingustico que constitua realidade diversa. justamente por isso que se afirma que h total irrelevncia na tradicional classificao entre verdade material e verdade formal: no direito, toda verdade reduzir-se- formal, pois se trata de verdade dentro de um determinado sistema de linguagem (MOURA, 2009, p. 38), ou seja, a verdade para o direito uma caracterstica da linguagem jurdica, determinada segundo o vnculo estabelecido entre o enunciado jurdico e a linguagem do direito positivo.

    Por isso, conhecer saber emitir proposies sobre o objeto cognoscitivo.3 Porm, o conhecimento s pleno por meio da emisso de um juzo no qual o homem d objetivao, por meio do emprego de uma linguagem, quelas impresses e sensaes que teve ao entrar em contato com algo4.

    Esse ato de objetivao de natureza cultural, pois, segundo Reale (2000, p. 43-44) tem o poder nomottico de converter em algo de objetivo o mundo das impresses e dos estmulos subjetivos sensoriais e intelectivos, o que explica a possibilidade de verificar-se a sintonia entre natureza e cultura.

    Logo, o que chega pela via dos sentidos um dado bruto que se torna real apenas no contexto da lngua, nica responsvel pela transformao do mundo catico, que circunda o homem, em algo por ele compreensvel, que, por meio da linguagem, o ordena e constitui em realidade5.

    3 Carvalho, P. (1996, p. 42) categrico ao afirmar que conheo determinado objeto na medida em

    que posso expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento, neste caso, se manifesta pela linguagem, mediante proposies descritivas ou indicativas. 4 Emprega-se o termo conhecimento pleno como sinnimo de conhecimento em sentido estrito, pois

    a partir de ento que podem ser submetidos a critrios de confirmao ou infirmao. Neste sentido o posicionamento de Carvalho, A. (2009, p. 9) ao afirmar que mediante as ideias temos um conhecimento rudimentar no mundo (conhecimento aqui empregado em acepo ampla), com o qual somos capazes de identificar certos objetos no meio do caos de sensaes. Com os atribumos caractersticas a estes objetos e passamos a conhecer suas propriedades definitrias, alcanamos, ento, o conhecimento em sentido estrito. 5 O mundo da vida, com as alteraes ocorridas no campo das experincias tangveis, submetido

    nossa intuio sensvel, naquele caos de sensaes a que se referiu Kant. O que sucede nesse domnio e no recolhido pela linguagem social no ingressa no plano chamado de realidade, e, ao mesmo tempo, tudo que dele faz parte encontra sua forma de expresso nas organizaes lingusticas com que se comunica; exatamente porque todo o conhecimento redutor de dificuldades,

  • 20

    O mundo no um conjunto de coisas que primeiro se apresentam e, depois, so nomeadas ou representadas por uma linguagem. Isso que chamamos de mundo nada mais que uma interpretao, sem a qual nada faria sentido. (TOM, 2005a, p. 5)

    As palavras esto sempre ocupando o lugar da coisa em si, pois essa ltima inalcanvel. A significao de um vocbulo no depende da relao com o objeto que se presta a representar, mas do vnculo que se estabelece com outras palavras. Por isso, as palavras so os mecanismos utilizados para se chegar prximo realidade, precedendo os objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente.

    Todo conhecimento decorre da compreenso que se tem acerca de algo, mediante o estudo e reflexes da linguagem produzida sobre o objeto a ser conhecido.

    1.3 Autorreferncia da Linguagem

    Na concepo do giro lingustico no h relao entre palavras e objetos, pois a linguagem que os constitui. Toda linguagem fundamenta-se em outra linguagem, ou seja, ela sempre se reporta a outra linguagem e no a outra coisa.

    Isso decorre do fato de a linguagem prescindir de referenciais empricos, pois ela prpria se mantm, construindo e desconstruindo suas realidades.

    Neste sentido so os ensinamentos de Tom (2005a, p. 18) ao afirmar que

    comum referirmo-nos as coisas que no percebemos diretamente e de que s temos notcias por meio de testemunhos alheios. Falamos de lugares que no visitamos, pessoas que no vimos e no veremos (como nossos antepassados e os vultos da Histria), de estrelas invisveis a olho nu, de sons humanamente inaudveis (como os que s os ces percebem), e muitas outras situaes que no foram e talvez jamais sero observadas por ns. Referimo-nos, at mesmo, a coisas que no existem concretamente.

    Assim, somente um enunciado tem o poder de refutar outro, simplesmente porque os objetos e os eventos no falam. Pluto h pouco tempo era considerado

    reduzir as complexidades do objeto da experincia uma necessidade inafastvel para se obter o prprio conhecimento. (CARVALHO, P., 2008b, p 6-7).

  • 21

    um planeta, at que foi produzido um novo enunciado, sustentado por outras proposies, e ele deixou de ser considerado um planeta.

    Ao se seguir, no presente trabalho, a linha das teorias retricas em contraposio s teorias ontolgicas, adotou-se o entendimento de que a linguagem no tem outro fundamento alm de si prpria, no havendo elementos externos, nem podendo jamais um evento ir contra uma teoria, demonstrando sua inadequao queles. Somente uma teoria refuta outra teoria. (TOM, 2005a, p. 19)

    Ressalta Moussallem (2006, p. 27) que os eventos no provam nada, simplesmente porque no falam. Sempre uma linguagem dever resgat-los para que eles efetivamente existam no universo humano. Os objetos no precedem o discurso, mas nascem com ele, pois atravs dele que ganham significados.

    1.4 Conceito de Direito

    O conceito de direito formado no intelecto em razo das formas de uso da palavra no discurso, tendo em vista os referenciais culturais do intrprete. A pluridimensionalidade do termo direito permite tipos diversos de abordagem, que geram distintas definies, de tal forma que inexiste um conceito absoluto de direito.

    Leciona Carvalho, A. (2009, p. 55) que

    No demasiado reforar que o conceito de um vocbulo no depende da relao com a coisa, mas do vnculo que mantm com outros vocbulos. Nestas condies, definir no fixar a essncia de algo, mas sim de eleger critrios que apontem determinada forma de uso da palavra, a fim de introduzi-la ou identific-la num contexto comunicacional. No definimos coisas, definimos termos. Os objetos so batizados por ns com certos nomes em razo de habitarmos numa comunidade lingustica, ao definirmos estes nomes restringimos suas vrias possibilidades de uso, na tentativa de afastar os problemas de ordem semntica inerentes ao discurso. Por isso que, quanto mais detalhada a definio, menores as possibilidades de utilizao da palavra.

    Tal problema surge porque no existe significado ontolgico ao termo (no existe correspondncia com a realidade), ele construdo pelo vnculo que se estabelece entre a palavra e o significado que atribudo artificialmente pela comunidade de discurso ao termo, podendo um mesmo termo possuir mais de um significado.

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    Em toda e qualquer linguagem h palavras ambguas e vagas6, porm, na linguagem cientfica a vaguidade e ambiguidade ficam atenuada s em razo do rigor e preciso semntica que essa linguagem exige. Contudo, quando inevitvel a existncia desses vcios na linguagem cientfica, necessrio se faz o processo de elucidao a fim de que seja mantida a rigidez do discurso.

    No presente trabalho, o termo direito ser utilizado como o conjunto de normas vlidas num dado pas, num determinado momento histrico. Sua manifestao se d atravs de uma linguagem prpria, voltada para a disciplina do comportamento humano nas suas relaes de intersubjetividade.

    As regras do direito existem para regrar condutas humanas no plano exterior, no importando o que se passa no plano intrassubjetivo das pessoas, sendo de grande valia o ensinamento de Carvalho, P. (2008a, p. 2) ao inferir que ao direito no interessam os problemas intrassubjetivos, isto , da pessoa para com ela mesma, a no ser na medida em que esse inferior e subjetivo corresponda a um comportamento exterior e objetivo.

    Dessa forma, constata-se que o direito posto apresenta-se como um conjunto de proposies que se voltam para a regulao das condutas humanas nas suas relaes sociais, buscando, a todo o momento, obter estabilidade e harmonia nas relaes interpessoais, atravs de regras prescritivas de conduta estampadas numa frmula lingustica apropriada.

    A partir dessa concepo de direito, afasta-se do campo de investigao da cincia do direito as razes econmicas, polticas e sociais que desencadearam a produo da norma jurdica, interessando para o cientista do direito apenas o conjunto de normas jurdicas vlidas.

    A importncia da definio de direito, para o presente trabalho, decorre do fato de se buscar delimitar a anlise dos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico da contribuio ao Programa de Integrao Social (PIS) e da Contribuio para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) ao campo estritamente normativo (direito positivo), deixando-se de lado aspectos econmicos e polticos que por demais influenciam a compreenso desses regimes de tributao.

    6 Todo termo impreciso porque os termos utilizados na demarcao de seu conceito pressupem

    outros para serem explicados, numa circularidade infinita, justificada na autorreferibilidade da linguagem.

  • 23

    1.5 Mtodo: Construtivismo Lgico e Semntico

    Ensina Carvalho, P. (2005, p. 8) que

    O discurso cientfico est caracterizado pela existncia de um feixe de proposies lingusticas, relacionadas entre si por leis lgicas, e unitariamente consideradas, em funo de convergirem para um nico objetivo, o que d aos enunciados um critrio de significao objetiva.

    Esse critrio de significao objetiva alcanado com a delimitao de um objeto e a presena de um mtodo. Assim, a cada teoria corresponde um e somente um objeto e somente um mtodo.

    O mtodo est ligado s escolhas epistemolgicas do cientista e influi diretamente na construo de seu objeto, demarcando o caminho a ser percorrido durante o desenvolvimento do trabalho, possibilitando o estudo coerente, no qual esteja sempre presente a pertinncia lgica entre as premissas adotadas e as concluses obtidas no decorrer do trabalho.

    No mbito da cincia do direito, a funo do mtodo a mesma que em outras cincias, isto , voltar-se para a orientao do trabalho do cientista, ao lhe prescrever certas regras (metodolgicas) que devem ser obedecidas, para que o conhecimento por ele apreendido possa ser tido como cientfico.

    Alerta Vilanova (2003a, p. 32) que

    O direito uma realidade complexa e, por isso, objeto de diversos pontos de vista cognoscitivos. Podemos submet-lo a um tratamento histrico ou sistemtico, cientfico-filosfico ou cientfico-positivo, da resultando a histria do direito, a sociologia do direito, as cincias particulares do direito e a filosofia jurdica em seus vrios aspectos. Em cada um destes pontos de vista considera-se o direito sob um ngulo particular e irredutvel. a complexidade constitutiva do direito que exige essa variedade de perspectivas. Se fosse um objeto ideal, portanto, alheio determinao do tempo e do espao, no comportaria tantas cincias.

    Ao se tomar o direito como um corpo de linguagem, o mtodo analtico de trabalho hermenutico mostra-se um mecanismo eficiente para o seu conhecimento, pois enfatiza a uniformidade da anlise do objeto e a precisa demarcao da esfera

  • 24

    de investigao, permitindo que se entre em contato com o sentido dos textos positivados e com os referenciais culturais que os informa.

    Tanto a escolha do mtodo quanto o corte no objeto so atos arbitrrios do sujeito cognoscente, objetivando a fixao de uma hiptese limite, de forma a impedir que a investigao se d at o infinito, fato incompatvel com os fins cientficos.7

    O presente trabalho busca traar os limites e pressupostos que a Unio Federal deve obedecer no momento de instituir os regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico das contribuies para o PIS e para a Cofins, perquirindo os delineamentos constitucionais estabelecidos pelo direito positivo a esses regimes de tributao, de modo que este estudo no tem como objetivo esgotar o assunto da cumulatividade, no cumulatividade e monofsia das contribuies sociais, mas apenas verificar a adequao dos regimes de tributao do PIS e da Cofins com os ditames constitucionais, ou seja, um estudo dogmtico das normas que tratam da incidncia das contribuies do PIS e da Cofins8.

    7 Para corroborar tal posicionamento cita-se uma passagem de Carvalho, A. (2009, p. 83-84):

    Condizentes com a proposio adotada de que o conhecimento jurdico-cientfico construtivo de seu objeto em razo do sistema de referncia indicado pelo cientista e dos recortes efetuados, em algum momento necessrio que este estabelea um corte restritivo, ponto de partida para elaborao descritiva, fundamentado no conjunto de premissas, as quais espera-se que se mantenha fiel do comeo ao fim de suas investigaes. As proposies delineadoras deste recorte so tomadas como dogmas e delas partem todas as outras ponderaes. No questionamos tais proposies, as aceitamos como verdadeiras e com base nelas vamos amarrando todas as outras para, em nome de uma descrio, construir nosso objeto (formal). E, neste sentido, o mtodo dogmtico encontra-se sempre aparente. 8 Diz Moura (2009, p. 45) que o direito comporta quaisquer formas zetticas de anlise. Entretanto,

    nenhuma delas uma aproximao estritamente normativa, que comece e termine dentro do direito, sem incurses extrassistemticas.

  • CAPTULO II

    NORMA JURDICA E REGRA MATRIZ DE INCIDNCIA TRIBUTRIA DO PIS E DA COFINS NOS REGIMES

    CUMULATIVO, NO CUMULATIVO E MONOFSICO

  • 26

    2.1 Norma Jurdica

    No captulo anterior, definiu-se o direito como o conjunto de normas vlidas num dado pas, num determinado momento histrico. Ento, estudar o direito significa conhecer seus elementos e relaes sistmicas.

    Como as normas jurdicas so os elementos que integram o sistema do direito positivo, a nica forma de compreend-lo conhecer os elementos que o compem, motivo pelo qual o seu estudo se torna essencial para o desenvolvimento de qualquer trabalho que pretenda, cientificamente, analisar e descrever o direito positivo, precisamente, pela circunstncia de ser ele o objeto do conhecimento da cincia do direito9.

    Assim como o prprio conceito de direito, o termo norma jurdica no goza de privilgio em relao aos vcios de linguagem. A vaguidade, a ambiguidade e a carga emotiva acompanham a expresso lingustica norma jurdica, podendo ser utilizada nas mais diversas acepes10.

    Buscando afastar a vaguidade e ambiguidade do termo norma jurdica, Lins (2005, p. 52) sentencia que

    Um primeiro passo para espancar-se aqueles vcios lingusticos identificar, com auxlio da Semitica, qual nvel lingustico predominante na definio. Em voga na doutrina, temos definies que ora primam pelo enfoque semntico (v.g., norma jurdica o instrumento elaborado pelos homens para lograr aquele fim consistente na produo da conduta desejada); outros vo sobrelevar o nvel pragmtico (v.g., norma jurdica um programa de ao em face da crescente estabilizao e burocratizao dos sistemas sociais; e outros ainda primam pelo aspecto sinttico (norma jurdica um juzo hipottico-condicional, que, por meio da imputao dentica ou causalidade jurdica, liga o antecedente ao consequente).

    9 Os fatos sociais, isoladamente, no geram efeitos jurdicos. Se assim o fazem porque uma norma

    jurdica os toma como proposio antecedente implicando-lhes consequncias. Sem a norma jurdica no h direito e deveres, no h jurdico. Por isso, o estudo do direito volta-se s normas e no aos fatos ou relaes sociais deles decorrentes, que se estabelecem por influncia (incidncia) da linguagem jurdica. A linguagem jurdica o objeto do jurista e onde h linguagem jurdica, necessariamente, h normas jurdicas. (CARVALHO, A., 2009, p. 264). 10

    Carvalho, P. (2008, p. 128) buscando afastar a ambiguidade da expresso normas jurdicas, distingue as normas jurdicas em sentido amplo e em sentido estrito. Emprega norma jurdicas em sentido amplo para aludir aos contedos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, no enquanto manifestaes empricas do ordenamento, mas com significaes que seriam construdas pelo intrprete. Ao mesmo tempo, a composio articulada dessas significaes, de tal sorte que produza mensagens com sentido dentico-jurdico completo, receberia o nome de normas jurdicas em sentido estrito.

  • 27

    Identificando o nvel lingustico prevalecente na definio de norma jurdica, sendo uma opo do sujeito cognoscente, reduzem-se drasticamente os problemas de vagueza e ambiguidade.

    Coerente com as premissas adotadas no presente trabalho, nas quais o direito se manifesta atravs de uma linguagem prpria, voltada para a disciplina do comportamento humano nas suas relaes de intersubjetividade, utilizar-se- o termo norma jurdica como significao construda a partir dos enunciados do direito positivo, estruturada na forma hipottico-condicional D (HC)11.

    Nos dizeres de Carvalho, P. (2008a, p. 8) a norma jurdica

    [...] exatamente o juzo que a leitura do texto provoca em nosso esprito, a significao que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepo do mundo exterior.

    A norma resultado de um trabalho mental, interpretativo, de construo e estruturao de significaes. A mente atribui tratamento formal s proposies elaboradas a partir do plano de expresso do direito, agrupando-se na conformidade lgica da frmula implicacional para que se possa compreender a mensagem legislada. nesse instante que aparece a norma jurdica, como significao deonticamente estruturada.

    Ao se tratar a norma como significao, pressupe-se que o intrprete a constri. Isso porque ela no se encontra no plano fsico do direito, escondida entre as palavras que o compe. Ela produzida na mente do intrprete e condicionada por seus referenciais culturais. Por isso, um nico texto de direito positivo pode originar diferentes normas jurdicas, consoante os valores empregados aos seus vocbulos pelo intrprete.

    Ao se adotar o entendimento de norma jurdica como significao, conclui-se que ela est sempre na implicitude dos textos, no podendo se falar em norma

    11 O direito compreendido no s como significaes deonticamente estruturadas, mesmo porque a

    existncia destas depende de um suporte fsico, da integrao de enunciados (textos de lei), da construo de significaes isoladas (proposies) e da estruturao dos sentidos normativos. O sistema jurdico compreende, necessariamente, suporte fsico, significao e estruturao, por isso sero utilizadas as distines feitas Carvalho, P. (2008a, p. 8) entre normas jurdicas em sentido amplo (designam tanto as frases, enquanto suporte fsico do direito posto, ou os textos de lei, quanto os contedos significativos destas) e normas jurdicas em sentido estrito (abrangem a composio articulada das significaes, construdas a partir dos enunciados do direito positivo, na forma hipottico-condicional), a fim de afastar-se a ambiguidade que a expresso norma jurdica apresenta.

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    expressa. O que se apresenta de forma expressa so os enunciados prescritivos12, componentes do plano material do direito positivo. Essa a lio de Carvalho, P. (2008b, p. 10) ao afirmar que no cabe distinguir normas implcitas e expressas, j que, pertencendo ao campo das significaes, todas elas so implcitas, pois as normas se encontram no plano imaterial das significaes, e sua base emprica so os textos de direito positivo13.

    2.2 Norma Jurdica: Juzo Hipottico-Condicional

    Ao se estipular que a norma jurdica se encontra na implicitude dos textos positivados, como significao estruturada na forma hipottico-condicional D(HC), logo se percebe que o nmero de normas no guarda identidade com o nmero de enunciados existentes no plano da expresso do direito positivo. So muitos os casos em que o intrprete se depara com vrios enunciados para compor o sentido da mensagem legislada, outras vezes, a partir de um s enunciado constri mais de uma significao normativa14. Isso s ocorre pelo fato de a norma ser valorativa, podendo cada intrprete construir a norma de acordo com a sua significao obtida por maio da leitura dos textos jurdicos. De todo modo, a compreenso dos textos de direito positivo ocorrer a partir do momento em que se agruparem suas significaes na forma hipottico-condicional e, com isso, constri-se normas jurdicas.

    Explica Vilanova (2003b, p. 208) que a norma jurdica

    12 O primeiro contato do intrprete, no percurso de construo do sentido dos textos jurdicos, com

    o campo da literalidade textual (plano da expresso), base material para a construo das significaes jurdicas, formado pelo conjunto dos enunciados prescritivos, um conjunto estruturado de letras, palavras, frases, perodos e pargrafos graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos rgos de criao do direito. (CARVALHO, P., 2009, p. 21) 13

    Textos de direito positivo est sendo empregado como indicativo do conjunto das letras, palavras, frases, perodos, e pargrafos, graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos rgos de criao do direito. 14

    Carvalho, P. (2009, p. 25) ensina que as construes de sentido tm de partir da instncia dos enunciados lingusticos, independentemente do nmero de formulaes expressas que venham a lhe servir de fundamento. Haveria, ento, uma forma direta e imediata de produzir normas jurdicas (realizada pelo legislador ao inserir novos enunciados prescritivos); outra, indireta e mediata, mas sempre tomando como ponto de referncia a plataforma textual do direito posto (realizada pelo intrprete, quando da construo do sentido dos textos jurdicos).

  • 29

    [...] uma estrutura lgica. Estrutura sinttico-gramatical a sentena ou orao, modo expressional frsico (de frase) da sntese conceptual que a norma. A norma no oralidade ou escritura da linguagem, nem o ato de querer ou pensar ocorrente no sujeito emitente da norma, ou no sujeito receptor da norma, nem , tampouco, a situao objetiva que ela denota. A norma jurdica uma estrutura lgico-sinttica de significao.

    Por isso, os comandos jurdicos, para serem compreendidos no contexto de uma comunicao bem-sucedida, devem apresentar um quantum de estrutura formal.

    A norma jurdica no apenas um simples juzo construdo pelo intrprete a partir do contato com os textos de direito positivo. Ela deve ser estruturada na forma hipottico-condicional para ser construdo o seu sentido dentico. Caso isso no ocorra, no restar manifestado o sentido prescritivo completo da mensagem legislada.

    Carvalho, A. (2009, p. 264) traz um exemplo bastante esclarecedor acerca de tal assertiva, in verbis:

    Do enunciado a alquota 3%, construmos um juzo articulado na frmula S P ou S (P) onde S representa a alquota e P 3%. Tal proposio, entretanto, no manifesta um sentido prescritivo completo, pois diante dela no sabemos qual o comando emitido pelo legislador: Qual a conduta prescritiva? Qual a circunstncia ftica que a enseja? A resposta a tais perguntas s aparecer quando saturarmos os campos significativos da estrutura HC se ocorrer o fato H, ento deve ser a relao intersubjetiva C.

    Assim, toda norma jurdica possui a estrutura condicional D (HC) se ocorrer o fato x, ento deve ser a relao intersubjetiva y, em que H a varivel que representa a previso de uma determinada situao de possvel ocorrncia no mundo fenomnico; C a varivel que representa a consequncia, ou melhor, a relao jurdica que nascer no momento em que se verificar a ocorrncia da situao prevista em H, modalizada em obrigatrio, permitido e proibido, ligados por um vnculo implicacional dentico (D), representativo do ato de autoridade que a constitui.

    Tomando um fato social como ponto de partida, pode-se afirmar que: dado um determinado fato social F1, correspondente a uma situao social, prevista na hiptese H1 da norma N1, deve ser (conectivo lgico de implicao: ) o nascimento de uma relao jurdica R1, entre dois ou mais sujeitos de direito, correspondente a uma consequncia jurdica, em face do acontecimento da situao prevista pela consequente: C1.

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    Essa frmula lgica nada mais do que a realidade do fenmeno normativo. Ela d a precisa noo de que, quando a hiptese (H) se verifica, deve ser a ocorrncia da consequncia (C). O deve ser o conectivo interproposicional, que une os dois locais sintticos da norma jurdica: hiptese e consequncia; define a estrutura sinttica presente nas normas jurdicas, de forma que toda norma jurdica, qualquer que seja a sua natureza, sempre ser composta por um antecedente e por um consequente15.

    Porm, a norma jurdica s se figura como tal quando as variveis da frmula H e C estiverem preenchidas por contedos significativos construdos a partir dos textos do direito positivo. Antes de ser uma estrutura hipottico-condicional, a norma uma significao, construda com base no suporte fsico produzido pelo legislador (Constituio Federal, leis, decretos, instrues normativas etc.). Essa condio que lhe atribui o qualificativo de jurdica. Se o intrprete toma como suporte fsico um texto doutrinrio, poder at construir uma norma, mas tal norma no ser qualificada como jurdica, pois tomou por base algo fora do campo de especulao do direito positivo.

    A hiptese uma proposio descritiva, que incide sobre a realidade social, porm no coincide com essa realidade. O consequente, por outro lado, funciona como prescrio de condutas e oferece notas para identificar os elementos que compem a relao jurdica. Com esse raciocnio, percebe-se que os elementos sintticos da norma tm a caracterstica de selecionar propriedades: o antecedente, com a funo de descrever quais as circunstncias do mundo real que, uma vez verificados (ocorridos), ganharo contornos de juridicidade; e o consequente, com a funo de prescrever os efeitos jurdicos que devem desencadear quando da constituio das relaes jurdicas.

    O antecedente da norma seleciona algumas propriedades do mundo real, atribuindo-lhes carter jurdico. A norma incide sobre a realidade no momento em

    15 O legislador pode selecionar fatos para sobre eles incidir as hipteses, pode optar por estes ou

    aqueles contedos sociais e valorativos, mas no pode construir a hiptese sem a estrutura sinttica e sem a funo que lhe pertence por ser estrutura de uma hiptese. Pode vincular livremente, em funo de contextos sociais e de valoraes positivas e de valores ideais, quaisquer consequncias s hipteses delineadas. Mas no pode deixar de sujeitar-se s relaes meramente formais ou lgicas que determinam a relao-de-implicao entre hipteses e consequncias. Pode combinar uma s hiptese para uma s consequncia, ou vrias hipteses, ou uma s hiptese para vrias consequncias, mas no pode arbitrariamente construir uma outra estrutura alm dessas possveis estruturas. Simbolizando por H e C, tem-se: a) H implica C; b) H, H e H, implica C; c) H, H e H, implica C, C, C; d) H implica C,C, C. Com essas possveis estruturas formais, o legislador preenche o contedo social e valorativo. (VILANOVA, 2005, p. 87).

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    que escolhe situaes possveis do mundo real e autoriza a incidncia sobre elas, a fim de gerar relaes jurdicas intersubjetivas, prescritas pelo consequente.

    Sobre a hiptese, importante mencionar que o legislador, ao selecionar as propriedades, deve faz-lo de maneira tal que se digne a prescrever apenas eventos e situaes sociais que estejam no campo da possibilidade. A possibilidade basta. Somente uma conduta possvel capaz de ser jurisdicizada pelo direito, ou seja, pode ser modalizada como permitida, proibida ou obrigada16.

    Sendo assim, a hiptese s pode descrever os fatos que possam ocorrer no mundo fenomnico. Tambm no h como se pretender regular deonticamente situaes impossveis. Se impossvel que o homem viaje atravs do tempo, totalmente incua e vazia de sentido uma norma que pretenda obrigar, proibir ou permitir essa conduta. A norma jamais ter a sua incidncia verificada, pois o fato nunca se consumar.

    2.2.1 Uniformidade sinttica e heterogeneidade semntica das normas jurdicas

    Como afirmado anteriormente, a norma jurdica uma estrutura lgico-sinttica de significao. Sem a construo dessa estrutura condicional, no haver mensagem normativa completa; tampouco ser possvel falar em norma jurdica em sentido estrito. Necessariamente, toda norma jurdica que compe o sistema de direito positivo deve possuir essa estrutura bimembre, isto , uma hiptese ligada a um consequente, por meio de uma relao de implicao, porque sem ela a mensagem prescritiva incompreensvel17. O direito sintaticamente homogneo porque sua estrutura lgica invarivel.

    Segundo Carvalho, P. (2009, p. 11)

    Nenhuma diferena h entre a percusso de uma regra jurdica qualquer e a incidncia da norma tributria, uma vez que operamos com a premissa da homogeneidade lgica das unidades do sistema, consoante a qual todas as

    16 Como j tratado, toda relao jurdica caracterizada pelo contedo dentico. Ela pode ser

    modalizada como permissiva, obrigatria ou proibitiva. No existe uma quarta hiptese. 17

    O princpio da homogeneidade sinttica das normas jurdicas s tem aplicabilidade se se considerar o direito positivo enquanto conjunto de normas em sentido estrito.

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    regras teriam idntica esquematizao formal, quer dizer, em todas as unidades do sistema encontraremos a descrio de um fato F que, ocorrido no plano da realidade fsico-social, far nascer uma relao jurdica (SR S) entre dois sujeitos de direito, modalizada com um dos operadores denticos: obrigatrio, proibido ou permitido (O, V ou P).

    Por outro lado, apesar de as normas jurdicas possurem a mesma estrutura formal, elas so diferentes umas das outras em decorrncia dos contedos de significao em que so preenchidas as unidades normativas, albergando os mltiplos setores da vida social, ou seja, o contedo das normas jurdicas varivel, sendo configurado o direito positivo como um sistema sintaticamente homogneo e semanticamente heterogneo.

    Toda norma jurdica apresenta-se sob a mesma forma D(HC). O que diferencia uma norma jurdica da outra o contedo que preenche essa frmula. As significaes que compem a posio sinttica de hiptese e consequente das normas jurdicas se modificam de acordo com a matria eleita pelo legislador e com os valores que informam a interpretao dos textos jurdicos.

    Tratando da heterogeneidade das normas jurdicas Carvalho, P. (2009, p. 109) prescreve que

    na instncia semntica que as diferenas se estabelecem. Procurando cobrir todo o campo possvel das condutas em interferncia intersubjetiva, o legislador vai saturando as variveis lgicas da norma com os contedos de significao dos fatos que recolhe da realidade social, depois de submet-los ao juzo de valor que presidiu a escolha, ao mesmo tempo em que orienta os comportamentos dos sujeitos envolvidos, modalizando-os com os operadores obrigatrio, proibido e permitido. precisamente neste espao que as normas jurdicas adquirem aquela heterogeneidade semntica que mencionamos, sendo admissvel, ento, falar-se em normas constitucionais, administrativas, civis, comerciais, processuais e normas de direito tributrio.

    Cabe aqui frisar que apenas as estruturas que compem o direito positivo so lgicas (normas jurdicas), pois alm da observncia da estrutura das normas jurdicas, preciso preench-las com as significaes extradas dos textos de direito positivo, com a finalidade de o direito alcanar seu objetivo maior: regular as condutas humanas nas suas relaes de intersubjetividade. Somente atravs dessas estruturas lgicas, e com o devido preenchimento do contedo das proposies normativas o direito alcana a sua finalidade.

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    2.2.2 Normas gerais e abstratas, individuais e concretas e processo de positivao do direito

    Toda norma jurdica composta de uma hiptese e um consequente, em decorrncia do princpio da homogeneidade sinttica que alberga todo o sistema jurdico, porm o referido princpio convive com o da heterogeneidade semntica. Em virtude disso, apesar de as normas jurdicas se organizarem sob a mesma estrutura formal, elas apresentam diferentes contedos, tornando possvel classific-las com base em diferentes critrios.

    Ao se considerar o tipo de fato previsto no antecedente da norma e o tipo de relao jurdica que prescreve, possvel classific-las em normas gerais e abstratas, ou em individuais e concretas.

    Segundo Carvalho, P. (2009, p. 35), norma geral [...] aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao nmero; individual, a que se volta a certo indivduo ou a grupo especfico de pessoas. Contudo, a respeito do fato, o mesmo autor ensina que a tipificao de um conjunto de fatos realiza uma previso abstrata, ao passo que a conduta especificada no espao e no tempo d carter concreto ao comando normativo.

    A norma geral e abstrata traz no seu antecedente a descrio hipottica de um fato, contido na lei, de possvel ocorrncia no mundo social, apto a produzir efeitos jurdicos no momento de sua ocorrncia. Tem a funo de anunciar os critrios (material, espacial e temporal) para o reconhecimento de um fato ocorrido na vida social, com o intuito de irradiar os seus efeitos jurdicos.

    Em relao ao consequente da norma geral e abstrata, ele ir tratar dos efeitos jurdicos gerados por conta da realizao do fato previsto na hiptese, fazendo irromper direitos subjetivos e deveres correlatos, delineando a previso de uma relao jurdica (dado a ocorrncia de um fato A, deve ser a instaurao da relao jurdica entre B e C). Tem, ainda, a funo de fornecer os critrios para identificao do vnculo jurdico que nasce, informando quem so os sujeitos da relao, o seu objeto e o momento em que deve se dar o seu cumprimento.

    Cabe frisar, o descritor (hiptese) das normas gerais e abstratas no traz a descrio de um acontecimento especificamente determinado, mas alude a uma classe de eventos, na qual se encaixam infinitas ocorrncias concretas. Da mesma

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    forma, o consequente no traz a prescrio de uma relao intersubjetiva especificadamente determinada e individualizada, alude a uma classe de vnculos intersubjetivos, na qual se encaixam infinitas relaes entre sujeitos de direito.

    Existir, assim, para a construo dos conceitos conotativos das normas gerais e abstratas, no antecedente: (a) um critrio material (delineador do comportamento); (b) um critrio temporal (condicionador da ao no tempo); e (c) um critrio espacial (identificador do espao da ao); e, no consequente: (d) um critrio pessoal (delineador dos sujeitos ativo e passivo da relao; e (e) um critrio prestacional (qualificador do objeto da prestao) (CARVALHO, A., 2009, p. 361). Apenas com a conjugao desses dados indicativos pode-se compreender a mensagem legislada na sua plenitude e cumprir a conduta esperada pelo direito.

    Satisfeito o requisito de pertencialidade aos critrios da hiptese e do consequente das normas gerais e abstratas, so produzidas as normas individuais e concretas. A norma individual e concreta documenta a incidncia da norma. Prescreve, no seu antecedente, um fato concreto ocorrido num determinado momento de espao e tempo, e no seu consequente uma relao jurdica com sujeitos e objetos delimitados.

    Segundo Kelsen (1998, p. 260), a aplicao do direito simultaneamente sua criao. Logo, toda criao de norma jurdica, seja ela individual e concreta ou geral e abstrata, sempre fruto de aplicao de norma superior. As normas introduzidas por meio de lei complementar so fruto da aplicao das normas constitucionais que disciplinam a matria. O mesmo se d com as normas individuais e concretas e com as gerais e abstratas, no entanto as primeiras so fruto da aplicao das segundas.

    O processo de positivao do direito o fenmeno em que se aplica o direito ao caso concreto. Aplicar o direito o ato pelo qual o jurista abstrai a amplitude do dispositivo legal, fazendo-a incidir num caso especfico, obtendo a norma individual e concreta, caracterizando o processo de positivao do direito.

    Assim, construda a norma jurdica geral e abstrata pela interpretao dos enunciados do direito positivo e constatada a ocorrncia no mundo concreto, daquele fato previsto no antecedente normativo (hiptese), atravs da linguagem das provas jurdicas d-se a incidncia. Entretanto, mister a presena do homem para realizar a incidncia da norma ao caso concreto, fazendo a subsuno e

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    promovendo a implicao que o preceito normativo determina. A norma no incide por fora prpria, ela incidida. (CARVALHO, P., 2009, p. 11)

    No processo de positivao do direito, existir sempre a presena do ser humano sacando de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais e concretas, para disciplinar juridicamente os comportamentos intersubjetivos.

    Carvalho, P. (2009, p. 11-12) ressalta a importncia do ser humano na movimentao das estruturas do direito positivo ao afirmar que

    Numa viso antropocntrica, requerem o homem, como elemento intercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais e concretas e, com isso, imprimindo positividade ao sistema, que dizer, impulsionando-o das normas superiores s regras de inferior hierarquia, at atingir o nvel mximo de motivao das conscincias e, dessa forma, tentando mexer na direo axiolgica do comportamento intersubjetivo: quando a norma terminal fere a conduta, ento o direito se realiza, cumprindo o seu objetivo primordial, qual seja, regular os procedimentos interpessoais, para que se torne possvel a vida em sociedade, j que a funo do direito realizar-se, no podendo ser direito o que no realizvel, como j denunciara Ihering. E essa participao humana no processo de positivao normativa se faz tambm com a linguagem, que certifica os acontecimentos factuais e expede novos comandos normativos sempre com a mesma compostura formal: um antecedente de cunho descritivo e um consequente de teor prescritivo.

    A norma no incide automtica e infalivelmente, dependo sempre do homem para verificar a ocorrncia, no mundo dos fenmenos, da descrio prevista na hiptese normativa, a fim de que se possa realizar o processo de subsuno do fato norma e instaurar a relao jurdica que une dois ou mais sujeitos de direito.

    2.3 Norma Jurdica Tributria: Regra Matriz de Incidncia Tributria do PIS e da Cofins nos Regimes Cumulativo, No Cumulativo e Monofsico

    Como tem sido afirmado no decorrer deste trabalho, a norma jurdica uma estrutura lgico-sinttica de significao. Sem a construo dessa estrutura condicional (HC), no haver mensagem normativa completa; tampouco ser possvel falar em norma jurdica em sentido estrito. Necessariamente, toda a norma

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    jurdica que compe o sistema de direito positivo deve possuir essa estrutura bimembre, isto , uma hiptese ligada a um consequente por meio de uma relao de implicao, porque sem ela a mensagem prescritiva incompreensvel. Dessa forma, a norma instituidora do PIS e da Cofins no foge dessa estrutura hipottico-condicional.

    A regra matriz de incidncia tributria18 uma norma jurdica geral e abstrata, instituidora de tributos, trazendo em seu bojo os critrios necessrios para identificar a hiptese de incidncia tributria e o consequente traz critrios que caracterizam os elementos da relao jurdica tributria. O seu conjunto de critrios deve ser preenchido pelas significaes obtidas pelo intrprete a partir da leitura dos textos de direito positivo, a fim de se chegar completude da conduta exigida pelo direito.

    Enquanto norma jurdica, a regra matriz de incidncia tributria composta por dois elementos: (a) um antecedente, que prev as caractersticas de um evento social de possvel ocorrncia no mundo fenomnico, capaz de dar ensejo a uma relao jurdica tributria; e (b) um consequente, que nada mais do que a previso abstrata da relao jurdica que poder se formar entre dois ou mais sujeitos de direito (S R S), assim que verificado o fato descrito na hiptese.

    Carvalho, P. (2008b, p. 260) assinala que:

    Dentro desse arcabouo, a hiptese trar a previso de um fato (se algum industrializar produtos), enquanto a consequncia prescrever a relao jurdica (obrigao tributria) que se vai instaurar, onde e quando acontecer o fato cogitado no suposto (aquele que algum dever pagar Fazenda Federal 10% do valor do produto industrializado).

    Aprofundando o estudo da regra matriz de incidncia tributria, pode-se conceber a existncia de determinados critrios que fazem parte de sua estrutura. Os denominados critrios (ou aspectos19) da regra matriz de incidncia tributria so: (a) material, (b) temporal e (c) espacial, que compem o antecedente da norma jurdica tributria; e (d) pessoal e (e) quantitativo, componentes que informam os

    18 Na expresso regra matriz de incidncia tributria utiliza-se o termo regra como sinnimo de

    norma jurdica, porque se trata de uma construo do intrprete, alcanada a partir do contato com os textos de direito positivo. O termo matriz utilizado para significar que tal construo serve como modelo padro sinttico-semntico na produo da linguagem jurdica, isto , modelo para construo de normas, marcando o ncleo da atividade tributria. E de incidncia tributria porque se referem a normas produzidas para institurem tributos. 19

    Ataliba (2006, p. 76 et seq.), ao se referir aos critrios da regra matriz de incidncia tributria, nominava-os de aspectos.

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    elementos da eventual relao jurdica a ser instaurada quando da verificao da ocorrncia do fato previsto no antecedente da norma padro de incidncia.

    Esses critrios so formados por um conjunto de propriedades denotativas e o seu estudo mostra-se relevante na medida em que estabelece as notas que o legislador deve propor para que seja definido o fato jurdico tributrio, bem como as notas definidoras dos elementos da relao jurdica tributria. A identificao das notas relacionadas aos critrios da norma jurdica tributria deve estar em sintonia com o prescrito pela norma que outorga competncia tributria.

    A seguir, analisar-se- cada critrio que compe a regra matriz de incidncia tributria do PIS e da Cofins nos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico.

    2.3.1 Antecedente da regra matriz de incidncia tributria dos regimes cumulativo, no-cumulativo e monofsico do PIS e da COFINS

    A hiptese (descritor) a descrio hipottica de um fato, contido nos textos de lei, de possvel ocorrncia no mundo social, apto a produzir efeitos jurdicos no momento de sua ocorrncia no mundo fenomnico. Sua funo delimitar um fato que, se verificado, ensejar efeitos jurdicos, estabelecendo as caractersticas que determinados acontecimentos devem possuir para serem considerados fatos jurdicos. Assim, o legislador fixa as caractersticas que um evento deve possuir para ser considerado fato jurdico, promovendo um recorte na multiplicidade contnua da realidade social, elegendo apenas algumas das propriedades do evento para identificao de situaes capazes de promover os devidos efeitos20.

    Ao determinar o fato que dar ensejo ao nascimento da relao jurdico-tributria, o legislador estipula as propriedades importantes para se apreender o fato, podendo-se extrair dessas propriedades critrios que tm o condo de identificar a situao que ocasionar a incidncia tributria, traando aspectos inerentes

    20 Neste sentido posicionamento de Carvalho, P. (2009, p. 26) ao afirmar que a hiptese [...]

    qualificando normativamente sucessos do mundo real-social , como todos os demais conceitos, seletor de propriedades, operando como redutor das complexidades dos acontecimentos recolhidos valorativamente. Todos os conceitos, antes de mais nada, so contraconceitos, assim como cada fato ser um contrafato e cada significao uma contrassignificao. Apresentam-se como seletores de propriedade, e os antecedentes normativos, conceitos jurdicos que so, elegem aspectos determinados, promovendo cortes no fato bruto tomado como ponto de referncia para as consequncias normativas. E essa seletividade tem carter eminentemente axiolgico.

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    conduta das pessoas (aes humanas), assinaladas por caractersticas de espao e de tempo e, por este motivo, encontra-se, no antecedente da regra matriz de incidncia tributria, os critrios material, temporal e espacial.

    O critrio material o mais importante da regra matriz de incidncia. Sua funo descrever uma ao que, uma vez verificada, torna-se fato passvel de instaurar uma relao jurdica tributria. , invariavelmente, formado por um verbo pessoal, carecedor de predicado, assim como pela prpria predicao21.

    Continuando a descrio da conduta que deve ser exposta como matria-prima para a incidncia tributria, o antecedente da regra matriz dever situar as propriedades de tempo e de espao que esto intimamente ligadas conduta humana.

    O critrio temporal traz as notas de tempo, ou seja, mostra em que momento a ao (critrio material) deve acontecer para que haja a incidncia tributria. , pois, o momento em que surge o lao relacional entre os sujeitos do direito. o instante em que se tem a efetiva incidncia jurdica para a regulao das condutas intersubjetivas.

    O critrio espacial mostra em que coordenada de espao a ao prevista no critrio material deve acontecer, para que haja a incidncia do tributo. A legislao tributria brasileira tem demonstrado que existem trs diferentes tipos de enumerao das coordenadas de espao intrnsecas conduta humana que se deseja jurisdicizar. O primeiro descreve as coordenadas de um determinado e exclusivo local para a ocorrncia da conduta humana; outra diretriz demonstra que o critrio material ordena-se por uma dada regio ou intervalo territorial previamente delimitado; e o terceiro tipo reflete uma coincidncia com a eficcia territorial da norma jurdica.

    Estes so, portanto, os trs critrios que descrevem as notas trazidas pelo antecedente da norma jurdica tributria, a fim de determinar a conduta humana a ser jurisdicizada. Assim, verificada a ocorrncia da conduta humana prevista pela norma num determinado espao e num determinado lapso temporal, tambm

    21 Carvalho, P. (2008, p. 287) adverte que no se pode utilizar os verbos da classe dos impessoais ou

    aqueles sem sujeitos. Segundo o professor isso comprometeria [...] a operatividade dos desgnios normativos, impossibilitando ou dificultando o seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica a ao, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, h de existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos. foroso que se trate de verbo pessoal e de predicao incompleta, o que importa a obrigatria presena de complemento.

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    previstos nessa norma, instaura-se uma relao jurdica tributria, cujas propriedades so encontradas no bojo do consequente normativo da regra matriz de incidncia tributria.

    Estas notas que compem a estrutura formal do antecedente da norma precisam identificar situaes que sejam materialmente possveis de sofrer a incidncia tributria. A seguir, sero traados os critrios encontrados na hiptese de incidncia das regras matrizes dos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins.

    2.3.1.1 Critrio material

    De acordo com o art. 195, I, b da Constituio da Repblica, as contribuies do PIS e da Cofins podem incidir tanto sobre o faturamento como sobre a receita da pessoa jurdica. No momento da instituio do PIS e da Cofins, o legislador livre para escolher a materialidade faturamento ou receita. Eleita uma delas, a outra automaticamente excluda.

    Segundo Borges (2005, p. 90),

    Trata-se de uma alternativa conceitual de excludncia mtua, expressa pelo conectivo intraproposicional: receita ou faturamento. A receita , a, diversa do faturamento. O que se afirma dogmaticamente da receita, nega-se ipso facto do faturamento. Todavia, a receita da empresa, genericamente considerada como doravante , pode ser tributada pelo PIS/Cofins, independentemente de sua vinculao ao faturamento. dizer: pode a Unio instituir contribuies tanto sobre a receita, inclusive, e sobretudo, receitas no faturveis, quanto, especificamente, sobre o faturamento. Em dogmtica constitucional, nada impede doravante seja instituda em lei contribuio social incidente sobre receita in genere. O conectivo ou, a ligar os termos receita/faturamento, deixa claro, porm, que o art. 195, I, b, da Constituio Federal, na sua nova feio, formula um juzo disjuntivo ou, se se prefira, estabelece distintas hipteses de incidncia, constantes de proposies normativas disjuntivas. Receita e faturamento entram, nesses termos, em relao. A pr-excluso lgica da disjuno no exclui, a priori, a alternativa da contribuio quer sobre a receita, lato sensu, quer sobre o faturamento da empresa. Essa frmula constitucional expressiva de um dever-ser normativo pode ser recomposta analiticamente em metalinguagem descritiva do art. 195, I, b, em duas normas de habilitao distintas: a) compete Unio instituir contribuio sobre a receita; b) compete Unio instituir contribuio sobre o faturamento.

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    Isso significa que a Unio Federal tem autonomia para instituir a cobrana do PIS e da Cofins tanto sobre a receita como sobre o faturamento da pessoa jurdica. Caso institua essas contribuies, com base na materialidade faturamento, nega a possibilidade de incidirem sobre as receitas auferidas pela pessoa jurdica. Tais afirmaes encontram-se corroboradas pela Emenda Constitucional n 20/98.

    Assim, o critrio material que poder ser utilizado pelo legislador no momento de instituir os regimes de tributao do PIS e da Cofins recair sobre o faturamento ou a receita auferida pela pessoa jurdica, sendo que, uma vez escolhida uma materialidade, a outra estar automaticamente excluda.

    No captulo IV do presente trabalho, retomar-se- discusso acerca das materialidades faturamento e receita, objetivando traar o alcance semntico estabelecido pela Constituio Federal e aquele utilizado pelo legislador ordinrio, no momento de instituir os regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins.

    2.3.1.2 Critrio espacial

    O critrio espacial da regra matriz de incidncia do PIS e da Cofins coincide com os limites territoriais do ente que tem a competncia para institu-la a Unio Federal.

    Portanto, todo o faturamento auferido pelas pessoas jurdicas estabelecidas em territrio nacional estar sujeito tributao pelo PIS e pela Cofins.

    2.3.1.3 Critrio temporal

    o marco temporal estabelecido pelo legislador para se identificar, com exatido, o momento da ocorrncia do evento a ser promovido categoria de fato jurdico, ou seja, ele fixa o exato momento em que o direito considera realizado o fato a ser promovido categoria de jurdico.

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    Carvalho, A. (2008, p. 384) destaca duas funes do critrio temporal: (i) uma direta, que identificar, com exatido, o preciso momento em que acontece o evento relevante para o direito; (ii) outra indireta, que , a partir da identificao do momento de ocorrncia do evento, determinar as regras vigentes a serem aplicadas.

    Nos regimes cumulativo e no cumulativo do PIS e da Cofins, considerando que esses tributos incidem sobre o somatrio do faturamento mensal auferido pela pessoa jurdica (art. 3 da Lei n 9.718/98, art. 1 das Leis nos 10.637/02 e 10.833/03), a incidncia da regra matriz ocorre no ltimo dia do ms22.

    Em relao ao regime monofsico, a regra matriz incide no ltimo dia do ms em que o industrial ou importador efetivar a venda dos produtos sujeitos a esse regime de tributao.

    2.3.2 Consequente da regra matriz de incidncia tributria dos regimes cumulativo, no-cumulativo e monofsico do PIS e da COFINS

    Se no antecedente da regra matriz h a descrio da conduta humana, assinalada por caractersticas de espao e de tempo, tida como ocorrncia necessria para o desencadeamento dos efeitos jurdicos, no consequente da regra matriz de incidncia tributria encontram-se as propriedades que caracterizam a relao jurdica tributria que se instaura quando da verificao no mundo dos fenmenos da situao ftica, descrita no seu antecedente.

    Os enunciados do consequente da norma padro de incidncia dos regimes cumulativo, no cumulativo e monofsico do PIS e da Cofins prescrevem um comportamento relacional que vincula dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma prestao (S R S), identificando os elementos que devem compor a relao jurdica tributria, os quais: sujeitos ativo e passivo e objeto da prestao. Por isso, identifica-se no consequente da regra matriz de incidncia tributria o critrio pessoal e o critrio quantitativo.

    22 Em sentido contrrio o posicionamento de Sehn (2006, p. 152-153), pois a determinao do total

    da receita somente pode ocorrer no primeiro dia do ms seguinte, porque pressupe o encerramento completo do perodo base de aquisio do faturamento para que possa ocorrer a incidncia da regra matriz.

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    Os critrios pessoal e quantitativo so os definidores das notas que conformam o consequente da norma jurdica tributria. Uma relao jurdica completa composta por dois ou mais sujeitos de direito, em situaes opostas, e um objeto. So esses critrios que definiro os elementos necessrios para a formao da relao23.

    O critrio pessoal define as notas necessrias que permitem identificar, com exatido, o sujeito ativo e o sujeito passivo da relao jurdica tributria assim que ocorrer a incidncia da regra matriz.

    O critrio quantitativo permite definir o objeto da prestao na relao jurdica tributria, isto , a exata quantia devida pelo sujeito passivo ao sujeito ativo, ou seja, a base de clculo conjugado com a alquota. Ao mesmo tempo, tambm tem a funo de confirmar, infirmar ou afirmar a materialidade da hiptese de incidncia do tributo a que se refere, sendo to importante quanto o critrio material para definio da incidncia tributria, pois a mensurao econmica do prprio critrio material24.

    Ao identificar as notas que conformam os critrios pessoal e quantitativo, tem-se definida a descrio abstrata da relao jurdica tributria que nascer no momento da incidncia da regra matriz tributria.

    2.3.2.1 Critrio pessoal

    Leciona Carvalho, A. (2009, p. 388) que

    O nico meio de que dispe o sistema para prescrever condutas estabelecendo relaes entre sujeitos em torno de um objeto, as informaes pessoais contidas no consequente so imprescindveis. Pensemos em qualquer comportamento que o direito regule imediatamente

    23 Se na hiptese, funcionando como descritor, anuncia os critrios conceptuais para o

    reconhecimento de um fato, o consequente, como prescritor, nos d, tambm, critrios para identificao do vnculo jurdico que nasce, facultando-nos saber que o sujeito portador do direito subjetivo; a quem foi cometido o dever jurdico de cumprir certa prestao; e seu objeto, vale dizer, o comportamento que a ordem jurdica espera do sujeito passivo e que satisfaz, a um s tempo, o dever que lhe fora atribudo e o direito subjetivo de que era titular o sujeito pretensor. (CARVALHO, P., 2008, p. 314). 24

    Para Carvalho, P. (2008, p. 361) a base de clculo possui trs funes distintas: (a) medir as propores reais do fato; (b) compor a especfica determinao da dvida; e (c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critrio material da descrio contida no antecedente da norma.

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    e nos vem a pergunta: Quem dever realiz-lo? Em favor de quem? A funo do critrio pessoal na regra matriz de incidncia , justamente, de apontar quem so os sujeitos do vnculo.

    O sujeito a quem o direito confere a possibilidade de exigir o cumprimento da conduta prescrita na regra matriz de incidncia tributria figura no polo ativo da relao jurdica. Nos regimes de tributao do PIS e da Cofins cumulativo, no cumulativo e monofsico, o sujeito ativo a Unio Federal, coincidente com a pessoa jurdica competente para instituir o tributo.

    O sujeito passivo da relao jurdica tributria nos regimes cumulativo e no cumulativo a pessoa jurdica que auferir faturamento. No regime monofsico o industrial ou importador que auferir faturamento decorrente da venda de mercadorias sujeitas a esse regime25.

    2.3.2.2 Critrio quantitativo

    a) Base de clculo

    A base de clculo de qualquer tributo deve ser estabelecida mediante a extrao do signo presuntivo de riqueza que, necessariamente, dever existir no critrio material da regra matriz de incidncia tributria26.

    Os fatos praticados pelos contribuintes devem guardar correspondncia com alguma valorao econmica. O signo de riqueza atribudo deve ser captado pelo legislador quando da definio do critrio material da regra matriz de incidncia tributria.

    25 Faz-se essa considerao por se entender que o regime monofsico de tributao do PIS e da

    Cofins no alcana, necessariamente, todo o faturamento da pessoa jurdica, como pode ocorrer nos regimes cumulativo e no cumulativo, abrangendo apenas determinadas mercadorias que esto sujeitas a esse regime especial de tributao. claro que tal entendimento no se aplica ao industrial ou importador que auferir faturamento apenas da venda de produtos sujeitos a tributao monofsica. 26

    Nas palavras de Becker (2002, p. 506), A circunstncia de o legislador ter escolhido para a composio da hiptese de incidncia um fato jurdico, em razo do fato econmico do qual aquele fato jurdico causa, signo ou efeito observa Luigi Vittorio Berliri no justifica que o intrprete substitua o fato jurdico pelo fato econmico correspondente, para efeito de considerar realizada a hiptese de incidncia.

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    O texto constitucional estabelece os limites objetivos para a definio da base de clculo dos tributos, que, em geral, resultam da aplicao da norma de competncia27. No caso do PIS e da Cofins, estes decorrem do art. 195, I, b, da Constituio, na redao da Emenda n 20/98, segundo o qual a contribuio deve incidir sobre a receita ou o faturamento:

    Art. 195. A seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, e das seguintes contribuies sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) Omissis b) a receita ou o faturamento;

    Portanto, a Constituio facultou ao legislador federal eleger como base de clculo da Cofins tanto o faturamento quanto a receita auferida pelo sujeito passivo.

    De acordo com o entendimento adotado neste trabalho, o qual ser abordado de forma mais aprofundada no captulo IV, o PIS e a Cofins nos regimes de tributao aqui debatidos incidem somente sobre o faturamento auferido pelas pessoas jurdicas.

    b) Alquota

    Aplicada base de clculo, a alquota fixa o quantum debeatur da prestao tributria.

    As contribuies sociais, de acordo com o art. 149, 2, III, da Constituio, conforme a redao dada pela Emenda n 33/01, podero ter alquotas ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operao e, no caso de importao, o valor aduaneiro (alnea a); ou especficas, tendo como base uma unidade de medida adotada (alnea b). Por outro lado, em relao s contribuies previstas no art. 195, I, a Constituio tambm autoriza o legislador a adotar alquotas ou bases de clculo diferenciadas, em razo da atividade econmica, da

    27 A norma de competncia ser tratada no captulo IV deste trabalho.

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    utilizao intensiva de mo de obra, do porte da empresa ou da condio estrutural do mercado de trabalho.

    No entanto, importante mencionar que ela no deve extrapolar os limites constitucionais estabelecidos, mantendo especial observncia ao princpio da proporcionalidade, vertente do princpio da igualdade aplicvel s contribuies interventivas.

    A escolha da alquota livre por parte do legislador federal, porm ela no deve extrapolar os limites constitucionais estabelecidos, mantendo especial observncia ao princpio da proporcionalidade, vertente do princpio da igualdade aplicvel s contribuies do PIS e da Cofins.

    No regime cumulativo do PIS e da Cofins, as alquotas so, via de regra, de 0,65% e 3%, respectivamente28.

    No regime no cumulativo, as alquotas de PIS e Cofins so de 1,65% e 7,6%, respectivamente29.

    No regime monofsico, as alquotas aplicveis variam de acordo com os setores cujos produtos esto sujeitos a esse regime (combustveis, produtos farmacuticos e cosmticos, mquinas e equipamentos, veculos, autopeas, pneus novos de borracha, cmaras de ar de borracha e bebidas)30.

    28 Dependendo do tipo de atividade exercida pelo sujeito passivo, as alquotas do PIS e da Cofins

    podem variar, como o caso das instituies financeiras, nas quais as alquotas aplicadas do PIS e da Cofins so de 0,65% e 4%, respectivamente (art. 18 da Lei n 10.684/03; art. 8 da Lei n 9.715/98). 29

    O art. 2 tanto da Lei 10.637/02 (PIS) como da Lei n 10.833/03 (Cofins) fixou as s alquotas de 1,65% e 7,6%. 30

    No caso dos produtos farmacuticos e cosmticos, desde 1 de abril de 2001 as alquotas a serem aplicadas pela pessoa jurdica industrial ou importadora so de 2,1% para o PIS e 9,9% para a Cofins, incidente sobre o faturamento decorrente das vendas desses produtos (art. 1, I, da Lei n 10.147/00).

  • CAPTULO III

    CLASSIFICAO DAS ESPCIES TRIBUTRIAS E REGIME JURDICO DAS CONTRIBUIES

    PARA O PIS E A COFINS

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    3.1 Conceito de Tributo

    O conceito de tributo de extrema importncia para se entender o sistema tributrio nacional e, como consequncia, s espcies tributrias que o compe, pois ao redor desse conceito que se estrutura todo o sistema tributrio. Por isso, nos dizeres de Barreto, P. (2006, p. 38), conhec-lo o ponto de partida necessrio para, de um lado, apartar o que a esse sistema no pertence e, de outro, compreender as unidades normativas a que ele se subsumem.

    Da forma como foi estruturada a Constituio Federal de 1988, trazendo em seu bojo as matrizes do Sistema Tributrio Nacional, h de convir acerca de um conceito constitucional de tributo. o que reza Horvath (2009, p. 9) ao afirmar que no Brasil, o direito tributrio , praticamente todo ele, disciplinado pela Constituio Federal, o que implica concluir que a lei infraconstitucional, se pretender definir esta categoria jurdica, no o poder fazer desconsiderando as diretrizes da Lei Maior.

    Santi (1996, p. 61-68), lastreado nas lies de Stephen Ullman, constata que

    [...] o vocbulo tributo tem tantas acepes quantas sejam as suas diversas realizaes contextuais. Tal indeterminao decorre de doi