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  • CENTRO UNIVERSIT`RIO DE ARARAQUARA UNIARA

    ReitorLuiz Felipe Cabral Mauro

    Pr-Reitoria AcadmicaFlvio Mdolo

    Pr-Reitoria AdministrativaFernando Soares Mauro

    EditoresMaria Lcia Ribeiro

    Denilson TeixeiraLuis Henrique Rosim

    Lvia Nunes

    EditoraoLvia Nunes

    CapaBruno Zago

    Conselho EditorialHelena Carvalho De Lorenzo

    Inay Bittencourt e SilvaLuciana Togeiro de Almeida

    Mary Rosa Rodrigues de MarchiWilson Jos Alves Pedro

    RevisoDirce Charara Monteiro (Ingls)

    Lvia Nunes (Portugus)Rosmary dos Santos (Bibliogrfica)

    REVISTA UNIARA

    REVISTA UNIARA: Revista do Centro Universitrio de Araraquara.Araraquara SP Brasil, 1997.v. 13, n. 2, dez. 2010. 262 p.

    Publicao Semestral do Centro Universitrio de Araraquara Uniara.

    ISSN 1415-3580

  • SUM`RIO

    L IBERDADE PROVISRIA E O CRIME DE TR`FICO ILCITO DE ENTORPECENTES:UMA AN`LISE CRTICA SOB A TICA DO PRINCPIO DA"P RESUNO DE INOCNCIA "Renan Posella Mandarino

    IMPLICAES DO VELHO E DO NOVO PARADIGMA EM CINCIA PARAA EDUCAOFlvio Roberto Chaddad

    O PAPEL DO MARKETING NA CONSTRUO DE UMA AGENDA AMBIENT AL :REFLEXES A PARTIR DE ESTUDO DE CASO DE UMA GESTO PBLICADennis Henrique Vicrio OlivioVera Lcia Botta Ferrante

    A EXTENSO AGRCOLA E AS "E SCOLAS NA MACHAMBA DO CAMPONS "EM MOAMBIQUE : O CASO DA PRODUO HORTCOLA NAS ZONAS VERDESDA CIDADE DE MAPUTOToms Adriano Sitoe

    RANCHEIROS DO RIO MOGI-GUAU , MUNICPIO DE BARRINHA -SP:UMA EXPERINCIA DO NOVO RURAL BRASILEIRORosane Teresinha Petrorssi de FigueiredoHelena Carvalho De Lorenzo

    VARIAO NICTEMERAL DE PARMETROS FSICO-QUMICOS E BIOLGICOSDO RIBEIRO DAS CRUZES, ARARAQUARA -SPVitor Rocha SantosDaniel Jadyr Leite CostaDenilson Teixeira

    COMUNIDADE DE ARTRPODES ASSOCIADA SERRAPILHEIRA DECERRADO E MATA DE GALERIA , NA ESTAO ECOLGICA SERRA DAS ARARAS M ATO GROSSO, BRASILDaniela Cristina Zardongela Pinheiro CarneiroLgia Gonalves de LimaManoel dos Santos Filho

    ..................................6

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 3

    ARTIGOS ORIGINAIS

    ..................................8

    ................................35

    ................................50

    EDITORIAL

    ................................70

    ................................90

    ................................22

    ..............................105

  • 4 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    ARTIGO DE REVISO

    ....................................114LEVANTAMENT O DOS MACROINVER TEBRADOS AQU`TICOS DOCRREGO LAGOA SERENA, INSTITUTO DE BIOTECNOLOGIA , UNIARA :AVALIAO DO POSSVEL IMPACTO AMBIENT AL DO REPRESAMENTOAlessandra dos Santos PintoDaniela Aparecida MouraFlvia Pmela Alves de LimaJuliano Jos Corbi

    O COMPORTAMENT O ALIMENT AR E A INSATISFAO COM AIMAGEM CORPORAL DAS ATLETAS DO BASQUETE FEMININO DE UMACIDADE DO INTERIOR DE SO PAULOMicheli Bordonal GazollaPriscila Fuzaro UeharaMarina Garcia ManochioMrcia Helena Pontieri

    AMELOGNESE IMPERFEIT A, HIPOPLASIA DE ESMALTE EFLUOROSE DENTAL REVISO DA LITERA TURAFlvia Magnani BevilacquaTamires SacramentoCristina Magnani Felcio

    O PROTETOR-RECEBEDOR NO DIREIT O AMBIENT ALDahyana Siman Carvalho da Costa

    O PROCESSO DE GLOBALIZAO , SUA INTERFACE COM ACULTURA E A COMUNICAORenato Mrcio Martins de Campos

    EDUCAO , RACIONALIDADE E EMOO NA TESSITURA DASREDES SOCIOTCNICASFtima Kzam Damaceno de LacerdaMaristela Barenco Corra de MelloFtima Teresa Braga Branquinho

    A QUESTO DA VEGETAO NO AMBIENTE URBANIZADOZildo GalloFlvia Cristina Sossae

    ....................................124

    ....................................136

    ....................................149

    ....................................171

    COMUNICAES BREVES

    ....................................162

    ....................................182

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 5

    CINCIA , TECNOLOGIA E SOCIEDADE : PERSPECTIVASMULTIDISCIPLINARES SOB ENFOQUES TERICOS E APLICADOSAna Cludia de Oliveira Leite

    PESQUISA DE STREPTOCOCCUS AGALACTIAE NA SECREOVAGINAL E ANAL DE GESTANTES DE UM MUNICPIO DONOROESTE PAULISTACtia RezendeAnne AzeredoDariane Galvo SilveiraRoberto Carlos Grassi MaltaValria da Cruz Oliveira de CastroRenata Camacho Miziara

    III F RUM DE DESENVOLVIMENT O REGIONAL E MEIOAMBIENTE : SISTEMAS DE INDICADORES PARA ODESENVOLVIMENT O SUSTENT`VEL APRESENTAO

    RESUMOS

    ......................................194

    ......................................205

    ......................................202

    RESENHA

    NORMAS DE PUBLICAO ......................................260

    ......................................207

  • O processo de avaliao dos peridicos cientficos compreende vrios critrios, definidos pela polticaeditorial de cada revista, estabelecidos e divulgados pela comisso editorial. Essas diretrizes incluem, entreoutros, o escopo do peridico, os tipos de manuscritos que podem ser submetidos e sua estrutura, o fluxo desubmisso dos artigos e os prazos de reviso dos trabalhos aceitos.

    A maioria das revistas cientficas de natureza disciplinar trabalham temas especficos de sua rea; entretanto,existem outras com caractersticas interdisciplinares, que se colocam como um espao privilegiado, ultrapassandoos limites do conhecimento disciplinar e dele se distinguindo por estabelecer pontes entre diferentes nveis derealidade.

    As caractersticas dos peridicos so assim apresentadas comunidade cientfica, permitindo ao pesquisadorselecionar a revista mais apropriada para divulgar os resultados de seu trabalho. Alguns indicadores so tambmimportantes nessa seleo: no Brasil, a CAPES disponibiliza uma lista de peridicos com a classificao dosveculos utilizados pelos programas de ps-graduao para a divulgao da sua produo (Sistema Qualis).Compreende procedimentos que estabelecem uma estratificao da produo intelectual dos programas deps-graduao, aferindo a qualidade dos artigos a partir da anlise dos veculos de divulgao.

    Outros indicadores de qualidade dos trabalhos cientficos e das revistas esto associados ao Fator de Impacto.Essa medida reflete o nmero de citaes de artigos cientficos publicados em determinado peridico. O CitationIndex, por exemplo, avalia o nmero de citaes por autor individual pelo nmero de referncias citadas; oJournal Citation Report (JRC) mede o fator de impacto pelo nmero de citaes do peridico e pela vidamdia da revista, ou seja, a periodicidade da revista um fator importante; o Institut for Scientific Information(ISI) avalia e controla toda a publicao cientfica mundial e engloba o JRC e o Citation Index.

    Cabe destacar que, dentro desse rigoroso processo de avaliao, a contribuio dos pareceristas ocupa umdeterminante e significativo papel no cenrio da comunicao cientfica.

    Se por um lado existem vrias discusses a respeito da efetividade do Fator de Impacto e da qualidade daspublicaes, a contribuio do parecerista sem dvida o ponto central da questo qualitativa. Trata-se de umtrabalho que envolve tica, responsabilidade e confidencialidade e oferece ao pesquisador/referee o crdito dejulgar com objetividade as pesquisas de seus pares. Um julgamento realizado com base em critrios de avaliaode cada peridico, mas que, de modo geral, contemplam, evidentemente, itens comuns: artigos inditos, redigidoscom base na literatura da rea e de acordo com as normas da revista e, sobretudo, apresentando umadiscusso dos resultados que mostre claramente, alm da confiabilidade dos resultados, a contribuio oferecidapara o avano do conhecimento do tema em estudo. A experincia vivenciada por autores ao receber a respostada avaliao de um artigo submetido envolve desde a satisfao de um trabalho aceito sem modificaes e/oucom pequenas modificaes o que transmite segurana em relao ao caminho da pesquisa at uma recusa,o que pode indicar a necessidade de mudanas de rotas no desenvolvimento do trabalho. Em qualquer doscasos, as sugestes e recomendaes apresentadas pelos pareceristas, se lidas com maturidade e espritocientfico, fornecem, em geral, contribuies e outras ou novas perspectivas que auxiliam os rumos e oaprimoramento cientfico da investigao proposta. Nesse contexto, o trabalho do parecerista deve ser, comoafirmado acima, determinante para o desenvolvimento de pesquisas de qualidade, evitando a duplicidade deestudos e, tambm, problemas de plgio.

    Uma questo que vem sendo discutida na academia, quanto submisso de artigos, refere-se ao tempo deespera para receber o resultado da avaliao de um manuscrito. Certamente um dos motivos o significativoaumento de trabalhos submetidos, o que um fator positivo. Uma segunda questo apontada por algumasrevistas o tempo de resposta dos pareceristas, que pode atrasar o processo de avaliao.

    Muitas revistas solicitam dos autores a indicao de dois ou trs nomes, relacionados ao tema do artigo

    A AVALIAO DOS PERIDICOS CIENTFICOS

    6 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    edito

    rial

  • submetido, para serem selecionados como pareceristas. O procedimento sinaliza uma relao de confiana etransparncia entre autores e editores, o que muito salutar para o processo de avaliao da qualidade dotrabalho cientfico.

    Compreender as regras da comunicao cientfica pode ajudar, principalmente, os jovens pesquisadores nadivulgao dos seus resultados, e contribui decididamente na ampliao da visibilidade da revista no cenriocientfico brasileiro.

    Os Editores

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 7

    A avaliao dos peridicos cientficos

  • LIBERDADE PROVISRIA E O CRIME DE TR`FICO ILCITO DEENTORPECENTES: UMA AN`LISE CRTICA SOB A TICA DO

    PRINCPIO DA "PRESUNO DE INOCNCIA"

    MANDARINO , Renan PosellaBacharel em Direito pela Unesp/Franca; ps-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faap.

    Endereo: Rua Prof. Romualdo Monteiro de Barros, 193 City Ribeiro, Ribeiro Preto-SP.E-mail: [email protected] ou [email protected].

    RESUMOO status libertatis um direito fundamental garantido constitucionalmente e, portanto, no pode ser privadode maneira arbitrria pelo poder estatal. Com a absoluta prevalncia das liberdades pblicas fundamentais, apriso cautelar apenas pode ser decretada quando preenchidos os requisitos legais e demonstrada sua necessidadedurante a persecuo penal. Como se no bastasse, a nova Lei de Drogas vedou expressamente a possibilidadede liberdade provisria aos crimes de trfico ilcito de drogas, norma essa que afronta os ditames constitucionaisde um Estado Democrtico de Direito. Ressalte-se que o princpio da presuno de inocncia garante a qualquercidado o direito de permanecer em liberdade enquanto no provada sua culpabilidade (artigo 5., LVII,Constituio Federal); caso seja preso preventivamente, esta ordem dever ser escrita e fundamentada, sobpena de ser decretada sua liberdade provisria (artigo 5., LXI e LXVI). O fato de o crime de trfico ilcito deentorpecentes ser equiparado a crime hediondo (Lei 8.072/90 e alteraes da Lei 11.464/07) no pode serbice concesso da medida cautelar liberatria. O presente trabalho apresenta os fundamentos da flagranteinconstitucionalidade do artigo 44 da nova Lei de Drogas. Na elaborao do artigo, utilizou-se o mtodobibliogrfico, como mtodo de procedimento, e o dialtico crtico, como mtodo de abordagem.

    PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Trfico; Drogas; Inocncia; Estado; Constitucionalidade.

    ABSTRACTThe status libertatis is a fundamental right constitutionally guaranteed and, therefore, cannot be deprived arbitrarilyby the state. With the absolute primacy of fundamental civil liberties, imprisonment may be imposed only protectivelywhen completed the legal requirements and demonstrated their need for a criminal prosecution. Nevertheless,the new Drug Law expressly forbade the possibility of parole for crimes of drug trafficking, affronting thedictates of a constitutional democratic state of law. It is necessary to emphasize that the presumption of innocenceis a right to every citizen to remain free until proven guilty (Article 5, LVII, Federal Constitution); if ordered hisarrest, this order should be written and substantiated, otherwise his parole could be imposed (Article 5, LXI andLXVI). The fact that the crime of illicit drugs is treated as hate crime (Law 8.072/90 and amended by Law11.464/07) cannot be an obstacle to the injunction of freedom. This monograph describes the principles ofblatant unconstitutionality of article 44 in the new Drug Laws and how this standard affronts the guarantee ofindividual freedom of locomotion. In preparing the article, the bibliographic review method was used as aprocedure method, and the dialectical critical one, as an approach method.

    KEYWORDS: Freedom; Trafficking; Drugs; Innocence; State; Constitutionality.

    8 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

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    ais

  • Liberdade provisria e o crime de trfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 9

    I NTRODUO papel de um autntico Estado Democrtico de

    Direito garantir a radicalizao da instrumentalidadedo processo, como meio de efetivao das liberdadespblicas fundamentais. Assim, a liberdade deve estarpautada na autonomia materialmente garantida peloEstado por meio de prestaes positivas e no apenasproclamada formalmente pela lei. Nesse sentido, oprocesso penal instrumento de cidadania, de defesada dignidade humana e no simples mecanismo decontrole, represso, estigma e excluso social.

    Tanto que todo aparelho repressivo estatal, emsociedades liberais democrt icas, deve estarfundamentado no garantismo penal, no qual a persecuopenal exercida dentro de um marco de legalidade ecom o pleno acesso a todos os meios de defesa dessasliberdades. Uma das formas de exteriorizao dogarantismo penal ocorre atravs do princpio dapresuno de inocncia ou princpio liberal de inocncia,o qual tem o papel fundamental de evitar qualquer espciede rigor processual que se mostre desnecessrio emrelao ao acusado, cuja culpa ainda no for declaradapor sentena condenatria definitiva. Ou seja, a regra que o ru no deve ser preso antes da deciso final,exceto em carter excepcional e absoluta necessidade,por meio de um despacho fundamentado; nem deve sersubmetido a constrangimento processual desnecessrio.

    Porm, em diversos casos, foroso concluir que odiscurso racional e meramente retrico dos direitos egarantias liberais, tal como a presuno de inocncia,para a maioria dos acusados tem efeito apenas"encantatrio" (MACHADO, 2009, p.167), inoperante,sendo uma garantia constitucional meramente formal.Como consequncia, a liberdade constantementerelegada a segundo plano, a fim de facilitar a manutenodos mecanismos de represso e de controle dasociedade pelo Estado.

    nesse contexto que se insere a nova Lei de Drogas(Lei 11.343/06), a qual veda expressamente a liberdadeprovisria na prtica de crime de trfico ilcito deentorpecentes, nos termos de seu artigo 44, numa ntidadissonncia dos preceitos constitucionalmentegarantidos no artigo 5., incisos LIV, LVII, LXI e LXVI.

    Essa vedao a ntida manifestao da "legislaodo pnico", ou seja, normas jurdicas feitasrepentinamente, com o vis nico de o poder pblicoapresentar um respaldo aos anseios da sociedade. ALei de Crimes Hediondos, cujo crime de trfico deentorpecentes foi a eles equiparado, nasce justamentedo clamor pblico e da necessidade de aplicar sanesmais severas a esses delitos.

    O presente artigo procurar demonstrar os elementosconstitucionais da liberdade provisria, a fim decomprovar a ineficcia da citada norma jurdica previstana Lei 11.343/06, apoiando-se nos fundamentos doprincpio da presuno de no-culpabilidade. O estudovisa analisar se a concesso indiscriminada de prisescautelares, baseada to somente em um artigo de lei, ouseja, sem observar as peculiaridades do caso concreto,os requisitos do artigo 312 e seguintes do Cdigo deProcesso Penal CDP, e as demais garantias de direitosindividuais, instrumento eficiente no combate ao crimede trfico ilcito de drogas.

    A essncia do presente trabalho reside napreocupao com a excessiva decretao de prisescautelares, muitas delas desmotivadas, prtica usualem nosso cotidiano forense. So comuns despachossimplistas no seguinte sentido: "mantenha-se o flagrado disposio da Justia no presdio em que se encontra,eis que se trata e crime hediondo, insuscetvel deliberdade provisria." Tais decises se traduzem numapraxe judiciria distanciada dos princpios e normasconstitucionais.

    Evidente que a lguns cr imes merecem orecrudescimento das tutelas penais. Todavia, qual olimite? At que ponto poder haver a supresso dosdireitos constitucionais em detrimento da repressopenal?

    Em uma matria realizada pela Ordem dosAdvogados do Brasil OAB, Emanuel Cacho,presidente do Conselho Nacional de Secretrios deJust ia, Direitos Humanos e AdministraoPenitenciria, afirmou que a Lei de Crimes Hediondosmantm na cadeia cerca de 70 mil pessoas que nodeveriam estar presas. O nmero representa mais de20% da populao carcerria (disponvel em:

  • 10 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    www.oab.br/noticiaprint.asp?id=2580, 2006). Talestatstica significativa, visto que no h to somentepresos submetidos Lei n. 8.072/90 (Lei de CrimesHediondos).

    Percebe-se que a relao entre a priso preventiva,a qual na sua essncia possui natureza processual ecautelar, e o princpio da presuno da inocncia, que uma das mais importantes garantias constitucionais, muito tnue, de modo que o rigoroso equilbrio dos doisinstitutos essencial para o salutar desenvolvimento doprocesso penal.

    Por derradeiro, a problemtica central do presentetrabalho reside no seguinte questionamento: a vedaoexpressa da liberdade provisria aos crimes de trficoilcito de entorpecentes estaria em consonncia comos princpios constitucionais e garantias individuais?

    L IBERDADE : DISCURSO DAS LIBERDADES PBLICASFUNDAMENTAIS E O PROCESSO PENAL

    No seu conceito geral, liberdade, do latim libertates,significa o no estar preso de maneira nenhuma, o estarisento de travas, de qualquer espcie de determinaoproveniente de fora, contanto que esta iseno estejaunida a uma faculdade de autodeterminar-seespontaneamente (HENTZ, 1995, p.20-21).

    A palavra liberdade exprime mltiplos conceitos,podendo ter significados diferentes conforme ocontexto em que empregada. Os gregos a dividiamem trs significados: liberdade natural, que consistiaem uma determinao superior, csmica, quecomandaria o destino do indivduo; liberdade poltica,que exigia a ao do indivduo de acordo com asprprias leis; e a liberdade pessoal, que pressupunhauma realidade fora do campo social, ou seja, se situariana esfera estritamente pessoal do indivduo. Os trsconceitos fundamentais de liberdade entrelaam-se,impondo condicionamentos recprocos.

    Conforme Jos Afonso da Silva (2005, p. 236-237),liberdade da pessoa fsica a "possibilidade jurdicaque se reconhece a todas as pessoas de serem senhorasde sua prpria vontade e de locomoverem-sedesembaraadamente dentro do territrio nacional".

    A consagrao do direito liberdade foi resultado

    de conquistas sucessivas ao longo da evoluohistrica. O marco decisivo para que o direitoconstitucional de liberdade fosse erigido categoriade direito fundamental, bem como para que houvesseo reconhecimento de sua proteo legal, surgiu comas cartas e estatutos assecuratrios de direitosfundamentais, como a Magna Carta, em 1215, quandobares ingleses obrigaram Joo-Sem-Terra a firm-la; a Petition of Rights, em 1628; o Habeas CorpusAmendment, em 1679, e o Bill of Rights, em 1688.

    Assim, o direito de liberdade passou a constar detodos os documentos internacionais de direitoshumanos, fazendo repousar a sua legitimidade naretrica do jusnaturalismo. Ou seja, concebida comoum direito humano fundamental, a liberdade passou aexibir caractersticas da universalidade, da inerncia,da indivisibilidade, da transnacionalidade e dainalienabilidade. As vrias formas de liberdade,enquanto direitos humanos de primeira gerao,guardam uma enorme interlocuo com o direitoprocessual penal na medida em que este ltimo estem permanente e problemtica interao com o sistemade liberdades pblicas fundamentais. Isso porque,sempre que houver uma persecuo penal, fato quetambm haver um desprestgio ao status libertatisdo indivduo.

    As diversas formas de liberdade so tambmdenominadas liberdades pblicas, de um lado, porqueesto definidas em normas de carter pblico, as normasconstitucionais e de processo, representando o prpriofundamento jurdico dos Estados que se estruturam combase nos valores e objetivos do liberalismo; de outro,porque tais liberdades configuram direitos de interessegeral no espao pblico e at mesmo exercitveis contrao Estado. E so fundamentais, uma vez que integrama Carta de Direitos das constituies e compem abase axiolgica do Estado liberal, conferindo-lhesustentculo e fundamento tico-poltico.

    Com efeito, no campo processual penal sempremuito tensa a relao estabelecida entre a necessidadeda persecutio criminis, por exigncias de defesa social,e os direitos e garantias fundamentais do indivduo. Nesseconfronto, a teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli

    MANDARINO, R.P.

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 11

    alou o processo penal categoria de verdadeiroinstrumento de proteo das liberdades pblicasfundamentais, como verdadeiro mecanismo de efetivaodos direitos e garantias individuais. Sobre o assuntopondera Ada Grinover (1982):

    dentro do processo penal, entendido comoinstrumento da persecuo, que a liberdade doindivduo avulta e se torna ma is ntida anecessidade de se colocarem limites atividadejur isdiciona l. A dicotomia defesa social/direitos de liberdade assume frequentementeconota es dramticas no juzo penal; e aobrigao do Estado de sacrificar na medidamenor possvel os direitos da personalidade doacusado se transforma na pedra de toque deum sistema de liberdades pblicas (p.20).

    Garantido o direito constitucional de liberdade,apresenta-se ento o problema de estabelecer oequilbrio entre a liberdade individual e a autoridadeestatal. Ressalte-se que a existncia de um sistema deliberdades e dos respectivos instrumentos de garantia condio sine qua non para a manuteno do EstadoDemocrtico de Direito; e o processo penal prpriodesse tipo de Estado se inscreve entre aquelesinstrumentos de garantia da liberdade, cuja funoprimordial outra no seno a de assegurar o respeitoao regime de liberdades pblicas, sem as quais nem oEstado liberal nem a democracia liberal burguesaconseguiro sobreviver. importante no perder devista que a defesa de um regime de liberdades pblicas,por meio da instrumentalidade do processo penal, nose confunde jamais com a defesa da impunidade deacusados ou criminosos. A sustentao de tal regimecorresponde defesa da prpria democracia e doEstado Democrtico de Direito.

    Liberdade provisriaA liberdade provisria o instituto processual que

    permite ao acusado, como direito subjetivo seu,aguardar em liberdade o decorrer do processo at finaljulgamento. Esse benefcio pode ser conferido, de

    forma a vincular ou no o acusado a determinadasobrigaes no processo. Sua concesso se justificaem nome da precariedade do inqurito, como tambmda no definitividade do processo.

    Exige-se que em alguns casos o beneficiado sesubmeta ao cumprimento de certas obrigaes legais,sob pena de sua revogao, conforme artigos 327 e328 do CPP.

    A liberdade provisria se ampara no artigo 310 eseu pargrafo nico do Cdigo de Processo Penal ese apresenta sob duas modalidades, a saber: liberdadeprovisria com fiana e sem fiana.

    A custdia provisria sem fiana pode serconcedida em ateno qualidade da pena, nashipteses em que no for cominada pena privativa deliberdade, quando o mximo da pena privativa deliberdade no exceder trs meses (artigo 321 eseguintes do CPP); liberdade provisria em funodas circunstncias do fato, quando o agente pratica ocrime acobertado por uma das excludentes deantijuridicidade (artigo 310 pargrafo nico do CPP);liberdade provisria relacionada com a condioeconmica do acusado (artigo 350 do CPP); infraoem que imposta somente a pena de multa (artigo321, inciso I, do CPP).

    A concesso da liberdade provisria mediantefiana possvel quando o ilcito for apenado comdeteno ou priso simples e a pena mxima cominadaexceder trs meses, cuja fiana poder ser concedidainclusive pela autoridade policial (artigo 322 do CPP);nos casos de delitos apenados com recluso, quandoa pena mnima cominada no for superior a dois anos,cuja fiana somente ser concedida pela autoridadejudiciria competente (artigo 322, pargrafo nico, c/c artigo 323, inciso I, do CPP); nos crimes contra aeconomia popular e de sonegao fiscal definidos emlei, quando houver priso em flagrante (artigo 325,pargrafo 2., incisos I, II e III, do CPP).

    A liberdade provisria no poder ser concedidanos casos em que se seguem: quando a infrao penalfor punida com recluso e a pena mnima cominadafor superior a dois anos; quando se tratar decontravenes de vadiagem e mendicncia; no caso

    Liberdade provisria e o crime de trfico...

  • 12 REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010

    de crime doloso punido com pena privativa deliberdade, se o ru for reincidente especfico, ou seja,caso j tenha sido condenado por outro crime dolosoem sentena definitiva (transitada em julgado); quandohouver nos autos provas que demonstre ser o ru vadio;quando a infrao penal for punida com recluso eprovoque clamor pblico ou tenha sido cometida comviolncia contra a pessoa ou com grave ameaa; noscasos de quebra de fiana anteriormente concedidano mesmo processo, ou ainda quando houverdescumprimento, sem razo justificada, das obrigaesrelacionadas pelo artigo 350 do CPP; nos casos depriso disciplinar, administrativa ou militar; quando oru estiver em gozo de suspenso condicional da penaou de livramento condicional, salvo se processado porcrime culposo ou contraveno que admita fiana;quando presentes os motivos que determinam adecretao da priso preventiva; quando se tratar decrimes hediondos e conexos elencados pela Lei n.8.072/90 (artigos 1. e 2.).

    ASPECTOS FUNDAM ENT A IS DO PR INCP IO DAPRESUNO DE INOCNCIA

    O princpio da presuno liberal de inocnciaaparece, pela primeira vez em constituies brasileiras,na Constituio de 1988, no artigo 5., inciso LVIII:"ningum ser considerado culpado at o trnsito emjulgado da sentena penal condenatria."

    A grande crtica feita a esse princpio constitucionalincide nas restries que ele comporta, pois a prpriaDeclarao dos Direitos do Homem e do Cidado,de 1789, j afirmava que todo homem presumidoinocente, ao passo que, em seguida, estabeleciaimplicitamente a possibilidade de priso sem culpaformada, ao determinar que esta deveria ser cumpridasem excesso. Logo, a presuno de inocncia pareceriaconduzir a uma noo de proibio de aplicao deefeitos da condenao, antes de um processo e antesde uma condenao. Entretanto, a ideia no vingou.Era necessria a preservao da "ordem pblica" nasua extenso maior, o que viabilizava a permisso pararestringir a liberdade, antes mesmo de submeter alguma um processo e antes mesmo de ser confirmada a

    condenao num processo.Nesse sentido, leciona Batisti (2009):

    A presuno de inocncia uma garantia, abstratae indeterminada, impeditiva, que assim redirecionao Estado para um no agir. , ento, um princpiode ao negativa. Exige um no fazer. A exceo qual seja, a possibilidade de priso antes decondenao e antes mesmo do processo, passoua ser fundamentada como uma garantia inversa,ou seja, garantia de agir, de fazer em nome daprevalncia do interesse social em face dointeresse pessoal (p.158).

    Assim, a exceo que permite agir fundamenta-seno poder de cautela, em nome do acautelamento dointeresse pblico e da segurana jurdica. Disso partea separao entre privao de liberdade em face dacondenao em processo e privao de liberdadecautelar.

    Note-se que as constituies brasileiras em nenhummomento previram expressamente a possibilidade depriso obrigatria em face da gravidade de crimes. firme o entendimento da Suprema Corte, conforme severifica no Habeas Corpus 90.063/SP, de relatoria doministro Seplveda Pertence, DJ 27.03.2007, no sentidode que a gravidade objetiva do crime no suficientepara determinar a priso, mas to somente a necessidadecautelar, preenchidos os requisitos legais previstos noartigo 312 e seguintes do estatuto processual penal.Portanto, uma priso cautelar deve estar fundamentadana necessidade, ter carter de subsidiariedade,excepcionalidade e imprescindibilidade, em razo daimagem de culpado gerada pessoa detida aos olhosdo pblico. A eficcia da medida cinge-se ao resultadotil a ser obtido, ou seja, no h cautelaridade a serresguardada, se no houver risco durante a faseinvestigatria e instrutria e na consecuo dosresultados.

    Ademais, o carter de necessidade constri-sevinculadamente subsidiariedade. A cautelar emquesto somente deve ser prevista e imposta comonecessidade ltima. Portanto, deve ceder a outras

    MANDARINO, R.P.

  • REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 13

    cautelas que sejam adequadas para garantir o resultadoprocessual.

    A excepcionalidade da presuno de inocnciavigora atravs da marcao de o acusado respondersolto a qualquer processo. A priso processual cautelar situao ftica de exceo, a depender da completaanlise do caso concreto.

    Outra garantia que se depreende do textoconstitucional que a cautelar deve ser determinada porrgo judicial competente, com deciso fundamentadaque justifique os pressupostos exigveis da medida.

    Alguns juristas discutem sobre a distino prticadas expresses "presuno de inocncia" e "presunode no culpabilidade". Illuminati (1979, p.21) rejeita odebate semntico a fim de se evitar o risco de reduziro princpio a uma inconcludente enunciao retrica,em que o acusado de presumvel inocente passa a serconsiderado no culpado, situao esta que prejudicauma noo extremamente clara e historicamenteconsolidada.

    Na lio de Alexandra Vilela (2005, p.73), "fazer adistino entre presuno de inocncia e presunode no culpabilidade revela-se contraproducente, poisretira-se um significado determinado, favorecendo,assim, solues arbitrrias no plano aplicativo".

    Apesar de a redao do texto constitucionalenveredar pela utilizao da expresso "presuno deno culpabilidade", a doutrina e a jurisprudncia tmadotado, salvo rarssimas excees, a designaooriginal.

    A interpretao literal desse direito-garantia equivocada, pois conduz ao paradoxo frente smedidas cautelares de restrio de liberdades edireitos, tais como: busca e apreenso, interceptaode comunicaes e dados, etc., e at mesmo diantedas formas de priso provisria adotadas pelageneralidade dos sistemas processuais.

    Portanto, ao longo do presente trabalho, aexpresso "presuno de inocncia" ou "presuno deno culpabilidade" ser utilizada sem um rigor lingusticotcnico, visto que as discusses sobre o assunto soinconclusivas e discrepantes.

    Ademais, o princpio da presuno de inocncia

    apresenta trs dimenses jurdicas no teor de suaanlise, ou seja, atua como regra probatria, regra detratamento e regra de garantia.

    Primeiramente atua como regra de tratamento, ouseja, embora recaiam sobre o imputado suspeitas deprtica criminosa, o mesmo deve ser tratado no cursodo processo como inocente, sem diminu-lo social,moral ou fisicamente diante de outros cidados nosujeitos a um processo acusatrio. Essa dimenso atuasobre a exposio pblica do imputado, acerca de sualiberdade individual, mais precisamente como limite srestries de liberdade do acusado antes do trnsitoem julgado, a fim de se evitar a antecipao de pena.Sob esse aspecto, o princpio funciona como limitaoteleo lgica aplicao da pr iso preventiva(NICOLITTI, 2006, p.63).

    Outra dimenso se verifica no campo probatrio;nesse sentido, o princpio atua como regra dedistribuio do nus da prova e regra de julgamento,em seu desdobramento in dubio pro reo. O nus daprova incide sob dois aspectos: formal e material. Oprimeiro liga-se distribuio entre as partes daincumbncia de provar certos tipos de fatos. O segundorefere-se a quem sofre o prejuzo em funo da dvidasobre um fato no momento da sentena.

    No processo penal, para parte da doutrina, aquesto da distribuio (iniciativa) entre as partes restaprejudicada, em razo da aplicao do princpio daverdade real, o qual permite que o prprio magistradodetermine diligncias e complemente a atividadeprobatria das partes. Entretanto, a viso massificadaabordada nos manuais de processo penal a de quecabe ao acusador a prova do fato e da autoria, bemcomo as circunstncias que causam o aumento de pena;ao acusado cabe a prova dos fatos impeditivos ouextintivos, tais como as causas excludentes deantijuridicidade, da culpabilidade e da punibilidade,bem como das circunstncias que impliquem diminuiode pena (op. cit., p. 80-83).

    A terceira dimenso incide na anlise da presunode inocncia como regra de garantia. Assim, toda pessoaacusada de delito tem como garantia que se presumasua inocncia enquanto no se comprove legalmente sua

    Liberdade provisria e o crime de trfico...

  • culpa; logo, o referido princpio impe ao MinistrioPblico o dever de apresentar, em juzo, todas as provasde que disponha, sejam as desfavorveis, sejam asfavorveis ao imputado. Alm disso, viola-se a presunode inocncia como regra de garantia quando, naatividade acusatria ou probatria, no se observaestritamente o ordenamento jurdico.

    L IBERDADE PROVISRIA E O CRIME DE TR`FICOILCIT O DE ENTORPECENTES: PONDERAES SOBRE ACONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 44, DA L EI11.343/06

    A proibio da liberdade provisria para o crimede trfico no novidade, pois este era o esprito quedirecionava a jurisprudncia majoritria na vigncia daLei 6.368/76.

    Pesquisas apontam que as apreenses de drogasilcitas pela Polcia Federal, de 2001 a 2005, atingiram1.112,45 toneladas. O indiciamento de traficantes pelocitado rgo vem numa crescente (2.756 em 2001,3.543 em 2002, 3.150 em 2003, 3.265 em 2004 e4.181 em 2005). Os dados do censo penitenciriorealizado pelo Departamento Penitencirio Nacional doMinistrio da Justia, relativo ao ano de 2007, apontaque existem 54.585 pessoas presas em razo da prticade crime de trfico de drogas (disponvel em:www.unodc.org/pdf/brazil/portugues_final2.pdf, 2008).

    Nesse sentido, a aprovao da Lei 11.343/06revogou expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, bem como modificou o panorama do tratamentodo acusado ou condenado por determinados tipospenais relacionados s drogas. Dentre eles est o artigo44, o qual disps que os crimes previstos nos artigos33, caput e pargrafo 1., e 34 a 37 so inafianveise insuscetveis de sursis, graa, indulto, anistia eliberdade provisria, vedada a converso de suas penasem restritivas de direitos.

    Acrescentou o pargrafo nico que, nos crimesprevistos no caput do referido artigo, dar-se- olivramento condicional aps o cumprimento de doisteros da pena, vedada sua concesso ao reincidenteespecfico.

    Portanto, esse era o quadro no qual se insere a

    legislao no combate s drogas, com a evidentefinalidade de recrudescer o ordenamento jurdico penale promover uma falsa sensao de segurana aocidado brasileiro.

    A alterao na Lei 8.072/90 e os seus reflexosna Lei de Drogas

    A Constituio Federal de 1988, em seu artigo 5.,inciso XLIII, inovou ao estabelecer um mandado aolegislador para que, atravs de lei, passasse a considerarcomo inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia aprtica da tortura, o trfico ilcito de entorpecentes edrogas afins, o terrorismo e os crimes definidos comohediondos, responsabilizando penalmente os mandantes,executores e os que, podendo evit-los, se omitirem. Ajustificante do constituinte de que se tratavam de crimesrepugnantes, srdidos e, portanto, deveriam ter umtratamento mais rgido.

    Baseado no ordenamento constitucional, j em1990, poca de crescente alarde nacional em razode suposto incremento da criminalidade, o CongressoNacional aprovou a Lei de Crimes Hediondos, Lei8.072 de 26 de julho de 1990. Apesar de no definiro que poderia ser considerado como "crime hediondo",o texto legal estabeleceu, em seu artigo 1., um rol dedelitos que deveriam ser considerados como tal.

    Ao mesmo passo, o diploma legislativo equiparouaos crimes hediondos a prtica da tortura, o trficoilcito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo.Dessa maneira, tanto os delitos hediondos quanto osequiparados seriam insuscetveis de anistia, graa,indulto, fiana e liberdade provisria, consoante aoartigo 2..

    Como no bastasse, o prazo de priso temporriaaumentou de 5 para 30 dias (prorrogveis por outros30 dias). Portanto, a lgica das prises decorrentesde sentenas penais condenatrias recorrveis forainvertida, ao fixar como regra a fundamentao para aliberdade e no para a priso, e o regime paracumprimento da pena fora fixado como o integralfechado.

    Por cerca de 16 anos, o crime de trfico de drogas(assim entendido pelo Supremo Tribunal Federal como

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  • aquele previsto nos artigos 12 e 13 da antiga Lei 6.368/76, j que inexistente um tipo penal com tal nomenjuris), na condio de equiparado a hediondo, sofreuas consequncias penais e processuais da Lei dosCrimes Hediondos. Ocorre que, com a previso doartigo 44 da Lei 11.343/06, a proibio da liberdadeprovisria passou a ser expressa.

    O desfecho histrico-legislativo de toda essasucesso de leis penais no tempo ocorreu com apublicao, em 29 de maro de 2007, da Lei 11.464,a qual alterou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e, teoricamente, passou a permitir liberdadeprovisria em crimes hediondos e equiparados. Amencionada lei nada disps sobre eventual vedao concesso de sursis e converso da pena privativade liberdade em restritiva de direitos.

    A Lei 11.464/07 previu que o cumprimento da penadeveria ser inicialmente em regime fechado e aprogresso de regime aps o cumprimento de 2/5 (doisquintos) da pena, se o condenado fosse primrio, e 3/5 (trs quintos), se fosse reincidente, para os crimesnela elencados.

    Entretanto, surge uma controvrsia ao analisar odisposto no artigo 2. da Lei 8.072/90 com o dispostono artigo 44 da Nova Lei de Drogas, visto que esteltimo dispositivo legal veta a concesso de liberdadeprovisria para o crime de trfico de entorpecentes. Amaioria dos doutrinadores entende que o crime de trficode drogas comporta a liberdade provisria sem fiana.

    Guilherme de Souza Nucci (2008, p.348) asseveraser possvel a concesso de liberdade provisria parao crime de trfico de entorpecentes, visto que a Lei8.072/90, alterada pela Lei 11.464/07, e a Lei 11.343/06 so especiais e da mesma categoria hierrquica.Logo, prevalece a lei editada mais recentemente.

    No mesmo sentido, Fernando Capez (2007,p.143-148) salienta a necessidade de o magistradojustificar o periculum in mora, ao negar o pedido deliberdade provisria ao acusado pela prtica do crimede trfico de drogas, em razo da prevalncia doprincpio da no-culpabilidade.

    Na contramo, Vicente Greco Filho (2008, p.155-157) sustenta que o crime de trfico de drogas no

    comporta liberdade provisria sem fiana. Argumentaque a Lei n. 11.464/07, ao ser promulgada, modificouo artigo 2., inciso II da Lei n. 8.072/90, e permitiu aconcesso de liberdade provisria para os crimeshediondos e equiparados; contudo, diz tratar-se de umamodificao genrica, que no abarca o crime de trficode drogas, visto que a Lei de Drogas veta expressamentea concesso de liberdade provisria para os crimes detrfico ilcito. Assevera, ainda, que a Lei n. 8.072/90aplicar-se- somente aos crimes de trfico de drogas,quando suas disposies no contrariarem o dispostona Lei de Drogas.

    Na viso de Francis Rafael Beck (2008), equivocada a argumentao acima. Cotejando os doisdiplomas legais, percebe-se que a nova Lei de Drogas,assim como a Lei de Crimes Hediondos, manteve avedao fiana. Entretanto, no caso concreto, avedao no oferece maiores consequncias aoacusado:

    A fiana, enquanto forma de assegurar ao presoem flagrante o direito de liberdade provisria,perdeu atualmente sua importncia no sistemaprocessual penal, o qual permite a concesso daliberdade "com" ou mesmo "sem" o pagamentode fiana, desde que ausente os requisitos para adecretao da priso preventiva presentes noartigo 310, pargrafo nico. Ou seja, ainda queincabvel a fiana, a liberdade provisria no serafetada (p.159).

    Portanto, parece um pouco desarrazoado econtraditrio o entendimento restritivo da Liberdadeprovisria na Lei 11.343/06 e suscetvel na Lei deCrimes Hediondos. Beck critica o recrudescimentoexacerbado do sistema penal e cria uma nova categoriaao delito de trfico de drogas, chamado de crimes"supra-hediondos":

    Dessa forma, certo que os crimes relacionadospelo artigo 44 da Lei 11.343/06 tm restriespenais mais severas do que os prprios crimesreferidos na Lei 8.072/90. Isso porque queles,

    Liberdade provisria e o crime de trfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 15

  • como visto, no permitida a liberdade provisria,sursis e converso de penas. O que resta evidente que a Lei de Drogas criou uma categoria decrimes "supra-hediondos", j que com limitaespenais mais graves do que os prprios crimeshediondos, previstos pela Constituio Federalcomo os de mais alto grau de reprovao jurdico-penal (p.161)

    Ainda que haja vedao expressa para concessode liberdade provisria, imprescindvel a anlise dosrequisitos que autorizam a decretao da prisopreventiva. Ausentes estes, a liberdade deve serdecretada, independentemente da gravidade do delito.Portanto, a gravidade do fato e a presumvelpericulosidade do agente no so elidentes do princpioda presuno de inocncia. Caso inexistam osrequisitos autorizadores da custdia preventiva, deveser concedida a liberdade provisria (MARCO,2008, p. 370).

    Ressalte-se que, para a regularidade processual dadecretao da priso preventiva, no basta aidentificao da presena dos requisitos autorizadores. imprescindvel que o despacho de decretao dacustdia cautelar seja suficientemente fundamentado,com indicao precisa da presena de cada um dosrequisitos.

    A discutvel constitucionalidade do artigo 44da Lei de Drogas e o princpio da presuno deinocncia

    comum observar no cotidiano forense decisesmecanicistas com teor distanciado dos princpios enormas constitucionais, iniciando-se a um confrontodireto com as liberdades pblicas fundamentais. atraduo de manifestaes nulas por absoluta ausnciade fundamentao, bem como por instituir a prisopreventiva compulsria, automtica.

    Essa excessiva viso legalista fere a garantiaconstitucional da presuno do estado de inocncia, aqual tem como corolrio lgico a proibio de que seadote contra o ru qualquer medida de carter punitivoantes do trnsito em julgado da sentena penal

    condenatria. A lei ordinria pode admitir ou no aliberdade provisria, conforme circunstnciasconcretas; porm, no pode sempre ved-la em cartergenrico e absoluto para certa tipologia de crimes.

    O principal fundamento para a inconstitucionalidadedo artigo 44 da Lei 11.343/06 a inverso dos valoresjurdicos constitucionais da norma: a lei ordinria tornouregra o que era exceo no ordenamento constitucionalbrasileiro, ou seja, a priso cautelar tornou-se normacogente para os crimes hediondos e equiparados e aliberdade pessoal, a exceo. Assim, o cenrioconstrudo pela nova Lei 11.343/06 o da prisopreventiva obrigatria.

    Alm disso, o legislador ordinrio disse mais doque o legislador constituinte, uma vez que o artigo 5.,inciso XLII, da Carta Poltica probe aos crimesconsiderados hediondos e aos por ele assemelhados aanistia ou graa, tornando-os inafianveis, semmencionar, no entanto, a vedao expressa liberdadeprovisria.

    Sobre o assunto, Csar Faria Jnior apoia-se nahermenutica jurdica e faz suas ponderaes acercado citado inciso constitucional: "trata-se de exceoque a constituio faz a si mesma e, por conseguinte,no dado ao legislador ordinrio ampliar e estenderuma exceo constitucional, sabido que, pela maiselementar regra de hermenutica, as excees devemser interpretadas restritivamente. Portanto, no podeo legislador proibir a concesso da liberdadeprovisria, naqueles crimes, por falta de previso econsequente autorizao constitucional" (p. 159).

    A segregao provisria deve ser utilizada somentepara a proteo rpida e emergencial de interessesenvolvidos na persecuo penal. Dois requisitos sofundamentais para a restrio da liberdade provisria,qual seja a probabilidade do fumus comissi delicti edo periculum libertatis.

    No basta dizer que o direito concretude se, nacotidianidade das prticas jurdicas, tais afirmaes noencontram comprovao, nem de longe, na medidaem que os juristas sacrificam a singularidade do casoconcreto em favor de "pautas gerais", fenmeno queno percebido no imaginrio jurdico. No contexto

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  • da dogmtica jurdica, os fenmenos sociais quechegam ao Judicirio so analisados como merasabstraes jurdicas, nas quais os protagonistas doprocesso (autor e ru) estabelecem uma espcie decoisificao , objetificao da relao jurdica.

    Frise-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgara Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112-1/DF, relativamente ao Estatuto do Desarmamento,decidiu que o artigo 21 da Lei n. 10.826/03 afronta aConstituio. Referido artigo guarda idntica redaoao artigo 44 da lei antitxicos, uma vez que probegenericamente a concesso de liberdade provisria semapreciar os dados objetivos e concretos de cada casoespecfico, bem como as circunstncias pessoais doacusado.

    Pelos motivos expostos, a recente deciso serve deparmetro e fundamento para o reconhecimento dainconstitucionalidade, difusa ou em concreto, da vedao liberdade provisria pelo artigo 44 da Lei 11.343/06.

    CasusticaSuperior Tribunal de JustiaCumpre salientar que a Corte Superior apresenta

    duas posies distintas sobre o assunto. A Quinta Turmadefende a legalidade do texto da Lei 11.343/06 e aSexta Turma justifica a necessidade de idneamotivao para decretao da priso cautelar.

    A orientao da Quinta Turma do Superior Tribunalde Justia o da prevalncia do dispositivo 44 da Lei11.343/06. Os ministros Napoleo Nunes Maia Filho,Laurita Vaz e Felix Fischer, principais relatores da Turmaacerca do assunto, proferiram deciso no sentido deque a norma contida na Nova Lei de Drogas trazvedao expressa do benefcio da liberdade provisria,a qual, por si s, motivo suficiente para impedir aconcesso da benesse ao ru preso em flagrante porcrime de trfico ilcito de drogas. o que se depreendedo Habeas Corpus 143.038/RJ, publicado no DJ nodia 27 de maio de 2010.

    Outro argumento utilizado pelo Superior Tribunalde Justia, para negar os pedidos de liberdadeprovisria, o de que sua proibio aos presos emflagrante de delito pela prtica de crime hediondo

    deriva da inafianabilidade preconizada pelo artigo 5.,inciso XLIII, da Constituio Federal. Cite-se comoexemplo o Habeas Corpus 78.237/RS, publicado noDJ dia 7 de agosto de 2007.

    Entretanto, a Sexta Turma tem entendimentodiametralmente oposto ao ora exarado. Baseada suafundamentao no garantismo constitucional dapresuno de inocncia, argumenta a ministra MariaThereza de Assis Moura que, para a decretao dapriso cautelar, indispensvel a comprovao concretado periculum libertati. Argumenta no Habeas Corpus68.397/MG, publicado em 19 de maio de 2009:

    A garantia constitucional da presuno deinocncia exige que o magistrado demonstreconcretamente a utilidade e a necessidade damedida extrema a partir de um juzo de ponderaoe de proporcionalidade, este alicerado na anlisesimtrica entre a idia da proteo da coletividade,sentida pela ptica da segurana social, e orespeito liberdade do cidado. No caso vertente,no se encontra presente o periculum libertatispor meio do que se assentou a proteo da ordempblica. Ordem concedida para permitir que aPaciente responda em liberdade o processo penal,sob o compromisso de comparecimento a todosos atos do processo.

    Em seu voto no Habeas Corpus 139.412/SC, aministra alerta que o indeferimento da liberdade provisriapautado somente na vedao legal do artigo 44 inidneo para justificar a imprescindibilidade da medidacautelar. Alega que a deciso de priso deve fundar-seem fatos concretos e no na gravidade abstrata do delito.No acrdo, a ministra Maria Thereza posiciona-sefavorvel tutela das garantias fundamentais, visto seresse o princpio que lastreia o Estado Democrtico deDireito. Ressalta a vigncia absoluta das liberdadespblicas no ordenamento jurdico brasileiro:

    Dvida no h, portanto, de que a liberdade, antesdo tr nsito em julgado, a regra, no secompactuando com a automtica determinao/

    Liberdade provisria e o crime de trfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 17

  • manuteno de encarceramento. Pensar-sediferentemente seria como estabelecer umagradao no estado de inocncia presumida. Ora,-se inocente, numa primeira abordagem,independentemente da imputao. Tal decorre daraiz da ideia-fora da presuno de inocncia edeflui dos limites da condio humana, a qual seressente de imanente falibilidade. A necessidadede motivao das decises judiciais dentre asquais se insere aquela relativa ao status libertatisdo imputado antes do trnsito em julgado nopode significar, a meu ver e com todo o respeitodos votos contrrios, a adoo da tese de que, noscasos de crimes graves, h uma presuno relativada necessidade da custdia cautelar em se tratandode flagrante. E isso porque a Constituio daRepblica no distinguiu, ao estabelecer queningum poder ser considerado culpado antes dotrnsito em julgado de sentena penal condenatria,entre crimes graves ou no, tampouco estabeleceugraus em ta l presuno. A necessidade defundamentao decorre do fato de que, em setratando de restringir uma garantia constitucional, preciso que se conhea dos motivos que ajustificam. nesse contexto que se afirma que apriso cautelar no pode existir ex legis, mas deveresultar de ato motivado do juiz.Trata-se de verdadeira afronta garantia damotivao das decises judiciais o decisum quejustifica a priso da forma supracitada. Comomedida extrema, dotada de absolutaexcepcionalidade, deve ser a priso provisriajustificada em motivos concretos, e, ainda, queindiquem a necessidade cautelar da priso, sobpena de violao garantia da presuno deinocncia.

    E ratifica os argumentos contrrios aplicabilidadeda nova redao do artigo 2. da Lei 8.072/90 aocrime de trfico de entorpecente:

    A propsito da discusso, nesta Corte tem havidodivergncia quanto necessidade de justificar a

    priso quando o agente preso em flagrante pelasuposta prtica de alguns dos crimes previstos noinciso XLIII, do art. 5., da Constituio Federal.Desconsiderar o teor da Lei n. 11.464/07, ouentender que tal comando normativo no se aplica Lei n. 11.343/06 sendo que ambas socomandos normativos de mesma hierarquia realizar, a meu ver, uma distino judicial que nemmesmo foi empreendida pelo Texto Maior. Comefeito, no dado ao Poder Judicirio, sob pena dese incorrer em vedado arbtrio, promover adiferenciao, criando-se, de modo sinuoso, umanova categoria, ao arrepio da lei e da Constituio.Desprezando-se a nova redao do art. 2. daLei n. 8.072/90, haver, tambm, a violao doprincpio da proporcionalidade. Tal decorre do fatode se empreender uma disciplina mais rgida parao crime de trfico, o qual equiparado a hediondopela Constituio Federal. Sobreleve-se o fatode que, dentre os hediondos, h crimes punidosmais intensamente do que o delito de trfico dedrogas, como o homicdio qualificado, e nem porisso a nova regra da liberdade provisria deixarde ser aplicada a eles.

    Supremo Tribunal FederalO Supremo Tribunal Federal vinha pacificando seu

    entendimento que a Lei 11.464/07 apenas corrigiuredundncia legislativa, pois, ao vedar a fiana,implicitamente vedava a liberdade provisria. Justificavaque ainda que se entendesse abolida a proibio daliberdade provisria, essa permisso no se estenderiapara o delito de trfico, pois tanto a ConstituioFederal como a Lei 11.343/06 impedem a aplicaodo citado benefcio. Assim foi o voto do ministro GilmarMendes nos autos do Habeas Corpus 92495/MG,publicado em 9 de julho de 2007. Compartilham omesmo entendimento: Ricardo Lewandowski, CarlosAyres Britto, Crmen Lcia, Dias Toffoli, MarcoAurlio e Ellen Gracie.

    A ministra Crmen Lcia assevera ser desnecessrioquestionar sobre a constitucionalidade da supressoda liberdade provisria aos crimes de trfico de

    MANDARINO, R.P.

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  • entorpecentes, visto que a proibio de liberdadeprovisria, nos casos de crimes hediondos eequiparados, decorre da prpria inafianabilidadeimposta pela Constituio da Repblica legislaoordinria (constituio da Repblica, art. 5., inc.XLIII). Assim, inconstitucional seria a legislaoordinria que dispusesse diversamente, tendo comoafianveis delitos que a Constituio da Repblicadetermina inafianveis. Limitou-se a lei numa alteraotextual: a proibio da liberdade provisria decorreda vedao de fiana, no da expresso suprimida.Mera alterao textual, sem modificao da normaproibitiva de concesso da liberdade provisria aoscrimes hediondos e equiparados, que continua vedadaaos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos.A Lei 11.343/06 no poderia alcanar o delito de trficode drogas, cuja disciplina j constava de lei especialaplicvel ao caso vertente. Irrelevncia da existncia,ou no, de fundamentao cautelar para a priso emflagrante por crimes hediondos ou equiparados.

    Parte da doutrina, na qual nos filiamos, critica talargumentao. Lendo (e relendo) o art. 5., XLIII, daCF/88, no se encontra (nem implicitamente) a vedaoda liberdade provisria nos crimes hediondos.

    No caso do trfico de drogas, equiparado a hediondodesde 1990, a proibio da liberdade provisria foireiterada na Nova Lei de Drogas, mais precisamente emseu artigo 44. Desde 8 de outubro de 2006, data em queentrou em vigor a nova lei, essa proibio, portanto, seachava presente tanto na lei geral (Lei dos CrimesHediondos) como na lei especial (Lei de Drogas). Essecenrio foi completamente alterado com o advento daLei 11.464/07, que, vigente desde 29 de maro de 2007,aboliu a vedao da liberdade provisria.

    Adverte Gomes (2008, p.235) que houve umasucesso, no tempo, de leis processuais materiais,fenmeno regido pelo princpio da posterioridade, isto, a lei posterior revoga a anterior (essa revogao, comosabemos, pode ser expressa ou tcita; no caso da Lei11.464/2007, que geral, derrogou expressamente partedo art. 44 da Lei 11.343/2006, que especial). Emoutras palavras: desapareceu do citado art. 44 a proibioda liberdade provisria, porque a nova lei revogou

    (derrogou) explicitamente a antiga. Portanto, o princpiovigente o da posterioridade, no o da especialidade,que pressupe a vigncia concomitante de duas ou maisleis, aparentemente aplicveis ao caso concreto. Nose pode confundir o instituto da sucesso de leis penais(conflito de leis no tempo) com o conflito aparente denormas penais: no primeiro h uma verdadeira sucessode leis, ou seja, a posterior revoga ou derroga a anterior;j no segundo, pressupe e exige duas ou mais leis emvigor e, por fora do princpio ne bis in idem, uma snorma ser aplicvel. Outra distino que o conflitoaparente de leis penais regido pelos princpios daespecialidade, subsidiariedade e consuno. O que reinana sucesso de leis penais o da posterioridade.

    O Congresso Nacional, consoante se depreende,ressalvou as hipteses em que o benefcio era vedadopela lei especial, a fim de impedir os efeitos da leiposterior.

    Portanto, observa-se que a interpretao dada peloSupremo Tribunal Federal gera indisfarvel injustia.Todavia, recentemente, a Suprema Corte vemapresentando entendimento mais ponderado paraconcesso da liberdade provisria aos crimes detrfico de entorpecente. Quedam-se nesse sentido osministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Eros Graue Cezar Peluso.

    Na deciso em carter liminar do Habeas Corpus100742/SC, o ministro Celso de Mello repeliu oartigo 44 da Lei de Drogas. O argumento foi que avedao seria inconstitucional, pois incompatvel,independentemente da gravidade objetiva do delito,com a presuno de inocncia e a garantia do dueprocesso f Law. O ministro ainda ressalta que amesma situao se registra em relao ao artigo 7.da Lei 9.034/95, Lei do Crime Organizado, e no artigo21 do Estatuto do Desarmamento, o qual foradeclarado inconstitucional em via de ao direta.

    CONSIDERAES FINAISA sanha do Poder Legislativo, numa demaggica

    tentativa de combater a criminalidade por meio dasupresso de direitos e garantias individuais, encontraa devida resistncia pelo Poder Judicirio, atravs do

    Liberdade provisria e o crime de trfico...

    REVISTA UNIARA, v.13, n.2, dezembro 2010 19

  • reconhecimento da manifesta inconstitucionalidade.O artigo 44 da Lei Antitxicos, ao proibir

    genericamente a concesso de liberdade provisria aoacusado de trfico, associao e financiamento aotrfico ilcito de entorpecentes, infringe diretamente oprincpio do estado de inocncia e o dever defundamentao das decises judiciais.

    Vai contra o estado de inocncia, porque permite aadoo de custdia preventiva sem observar osprincpios de natureza cautelar que devem inspirar amedida e tornar-se, portanto, punio antecipada. Ocorolrio lgico desse princpio probe que se adotemcontra o ru quaisquer medidas de carter punitivo antesdo trnsito em julgado de sentena penal condenatria.

    As prises cautelares no podem converter-se emforma antecipada de punio penal; so instrumentosexcepcionais utilizados para viabilizar a investigaocriminal sempre que a liberdade do acusado possacomprometer o regular desenvolvimento e eficcia daatividade processual.

    Admitir a priso de uma pessoa, sem que haja umadeciso condenatria transitada em julgado, atravsda mera homologao da priso em flagrante, porhaver permissivo legal, constitui manifesto retrocesso.Dar guarida a norma de tal jaez sustentar ainconstitucionalidade, de tal forma a suprimir o princpioda presuno de inocncia.

    As alteraes pertinentes a Lei de Crimeshediondos, por meio da Lei 11.464/07, no impedema aplicao da liberdade provisria aos crimes detrfico ilcito de entorpecentes.

    Os tribunais seguem divididos com relao aoassunto. Todavia, ganha cada vez mais espao oargumento de inconstitucionalidade da referida normae a possibilidade de decretao da liberdade provisriaaos crimes de trfico de drogas.

    REFERNCIAS

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  • IMPLICAES DO VELHO E DO NOV O PARADIGMA EM CINCIAPARA A EDUCAO

    CHADDAD, Flvio RobertoGraduado em Engenharia Agronmica pela Unesp/Botucatu e em Cincias Biolgicas pela Unip/Bauru;

    especialista em Educao Ambiental pela Unesp/Botucatu e mestre em Educao pela PUC-Campinas.E-mail: [email protected].

    RESUMOGrande parte dos problemas da escola pblica deriva de uma viso de ensino fragmentada, de metodologiasobsoletas, de um currculo inflexvel, de um professor transmissor de uma Cincia inquestionvel e de um alunodepositrio desse contedo. Todos esses aspectos so produtos da viso de mundo oriunda da Cincia clssica.Como contraponto a esse paradigma em educao, oriundo da Cincia clssica, se est construindo um outro.Este tem as suas bases fundamentadas, principalmente, na Teoria da Relatividade, na Teoria Quntica e Teoriadas Estruturas Dissipativas e implica um processo educativo vivo, em que o aluno no se limita a ser apenas umreceptor de contedos, mas constri conhecimentos com seus pares e com o seu professor, que passa a serfacilitador de um conhecimento transitrio. O objetivo deste estudo analisar, atravs de uma reviso bibliogrfica,as implicaes do velho e do novo paradigma cientfico para a educao.

    PALAVRAS-CHAVE: Velho Paradigma Cientfico; Novo Paradigma Cientfico; Educao.

    ABSTRACTMost problems of public school come from a fragmented teaching vision, obsolete methodologies, an inflexiblecurriculum, teachers as transmitters of an unquestionable science and students who are depositary of this content.All these aspects are products of the worldview originated from classical science. As a counterpoint to thisparadigm in education, derived from the classical science, another is being built, whose foundation is basedmainly on the Theory of Relativity, on the Quantum Theory and on the Dissipative Structures Theory. It involvesa live educational process, in which the student is not limited to be only a content receiver, but to constructknowledge with peers and their teacher, who becomes the facilitator of a transitory knowledge. The aim of thisstudy is to analyze, by means of a literature review, the implications of the old and the new scientific paradigmsfor education.

    KEYWORDS: Old scientific paradigm; New scientific paradigm; Education.

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  • I NTRODUOHoje estamos assistindo falncia da escola pblica.

    As esco las esto sem nenhuma condio deinfraestrutura, com falta de manuteno, com condiessanitrias inadequadas de funcionamento e com falta dematerial didtico. As crianas e adolescentes se aglutinamnas salas de aula, na maioria das vezes, sem saber ler eescrever, s ajudam a piorar o caos escolar gerando,cada vez mais e mais, indisciplina. Alm disso, verifica-se que a aprendizagem do aluno no o foco. De ummodo geral, as escolas no esto preparadas paragarantir o processo de ensino pelo professor e aaprendizagem do aluno, desprendem mais energia comas rotinas administrativas e deixam de lado a gestopedaggica. Outro ponto fundamental se relaciona coma existncia de profissionais desmotivados e semqualificao necessria, fruto de uma poltica de baixavalorizao do professor, o que, nos ltimos anos, vemgerando uma baixa atratividade dos cursos delicenciaturas. A inexistncia de um plano de carreira comsalrios dignos afeta todo o sistema, exige do professorum malabarismo descomunal para garantir suasobrevivncia pessoal e familiar. Enfim, a escola virouum depsito de alunos, onde os alunos fingem queaprendem e os professores, devido a todo esse processo,ensina. A progresso continuada veio selar a pedrafundamental numa situao que vem sendo mantida hanos, por vrios governos (MORAES, 2002).

    Pode-se dizer que tudo isso fruto de uma visofragmentada, desart iculada, descont nua ecompartimentada da educao. Esses fatos colaborampara o prevalec imento das atuais taxas deanalfabetismo, evaso, repetncia, baixa qualidade doensino e tantas outras mazelas da educao brasileira.A escola no cumpre seu papel, est completamentedissociada do mundo. A sociedade em geral estinsatisfeita com a qualidade do ensino oferecido, masmuitas mes de alunos tambm no acompanham seusfilhos durante o processo de ensino e aprendizagem,as suas deficincias, na verdade esquecem que tmfilhos. Este um depoimento de um professor que jpassou anos no ensino bsico. As reunies que sorealizadas nas escolas, tencionando chamar a

    comunidade, os pais, para dentro dos muros escolares,na verdade no os atraem. Disso resulta um aluno queno sai qualificado do banco escolar; sai, muitas vezes,sem saber ler, escrever e sem saber fazer clculosnumricos, e ningum o cobra por isso. O importante perceber que esses problemas existem e permanecemh vrias dcadas, so completamente interdependentesuns dos outros e suas solues requerem uma visosistmica de realidade, uma percepo da complexidadeda realidade a ser transformada (MORAES, 2002).

    Como exemplo dessa percepo fragmentada daeducao, tem-se a poltica educacional do Estadode So Paulo, voltada implantao de um currculonico e ao acompanhamento dos resultados, por meiodo Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar doEstado de So Paulo SARESP. Essa poltica contoucom os seguintes objetivos: adoo de um currculonico e fechado; utilizao de material instrucionalpadronizado; acompanhamento dos resultados porsuperviso cerrada atravs de avaliao; uso dosresultados da avaliao como critrio para aconcesso de vantagens salariais (bnus); utilizaode incent ivo monetr io para aumento deprodutividade do trabalho. Mais do que uma pretensamelhoria, a poltica revela o uso de uma racionalidadetcnica instrumental autoritria que no encontrafundamento no processo democrtico de formaohumana, para a autonomia da escola na construodo seu projeto poltico-pedaggico e para odesenvolvimento pessoal e profissional dosprofessores (RUSSO; CARVALHO, 2010).

    Como uma de muitas situaes responsveis pelofracasso do ensino pblico, que muitas vezes passamimperceptveis para a maioria dos profissionais daeducao, est a implicao do velho paradigmacientfico para a educao.

    Segundo Moraes (2002), na rea educacional, ovelho paradigma ainda dominante sob as influnciasde Descartes e Newton , continua gerando padresde comportamentos preestabelecidos, com base emum sistema de referncia que ensina a no questionar,a no expressar o pensamento divergente, a aceitarpassivamente a autoridade, a ter certeza das coisas.

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    Implicaes do velho e do novo paradigma...

  • Onde est a origem disso tudo? Observa-se que aescola atual continua influenciada pelo universo estvele mecanicista de Newton, pela filosofia reducionistacartesiana, pelo determinismo mensurvel, pela visofechada de um universo linearmente concebido,esttico. Consequentemente, uma escola submetidaa um controle rgido, a um sistema paternalista autoritrio e dogmtico , fruto da prpria formaoda sociedade ocidental, conforme a tese de Engels(1995), A origem da Propriedade Privada, daFamlia e do Estado, no percebendo as mudanasao seu redor e, na maioria das vezes, resistindo a elas:

    Uma escola que continua dividindo o conhecimentoem assuntos, especialidades, subespecialidades,fragmentando o todo em partes, separando ocorpo em cabea, tronco e membros, as floresem ptalas, a histria em fatos isolados, sem sepreocupar com a integrao, a interao, acontinuidade e a sntese. o professor o nicoresponsvel pela transmisso de conhecimento,continua vendo o aprendiz como uma tbula rasa,produzindo seres subservientes, obedientes,castrados em sua capacidade criativa, destitudosde outras formas de expresso e solidariedade(MORAES, 2002, p.51).

    Alm dessa educao, que foi designada por Freireapud Moraes (2002) como bancria, em que oconhecimento em partes e descontextualizado depositado na "cabea de cada aluno", h tambm odesinteresse por aquilo que est fora do alcance denossos olhos, por aquilo que no nos afeta diretamente,como o sofrimento e a dor do outro. O individualismopresente e cultivado no espao escolar tambm trazsrias implicaes ticas sobre quais indivduosformaremos e estamos formando nos dias de hoje.

    Segundo Oliveira (2010), esse modo de pensar omundo fruto do velho paradigma mecanicista, peloqual somos levados a negligenciar as tendnciasintegrativas em favor das autoafirmativas, isoladas,competitivas. Essas tendncias no so apenasincentivadas, mas tambm recompensadas e reforadas.

    o que podemos notar se olharmos com mais atenopara a histria da humanidade: o imperialismo, adegradao da natureza, a discriminao de povosmenos desenvolvidos tecnologicamente, a opresso damulher e a luta por poder econmico so alguns exemplosde como o mundo foi organizado a partir de uma lgicafuncional, paternalista e dominadora, que nsreproduzimos diariamente nas salas de aula.

    Hoje, porm, estamos vivenciando um processo emque um novo paradigma, baseado sobretudo na FsicaQuntica, na Teoria da Relatividade e na Teoria dasEstruturas Dissipativas, se est constituindo, mas aindafalta sua plena enunciao na vida de todos e,principalmente, nos processos educacionais, que aindaobedecem velha frmula descrita acima, ou seja, aoparadigma cientfico dos sculos XVI e XVII.

    O novo paradigma reconhece a interdependnciaexistente entre os processos de pensamento e deconstruo do conhecimento e o ambiente em geral. Elecolabora para resgatar a viso de contexto, atravs daFsica Quntica e da Teoria Sistmica, e no separa osindivduos do mundo em que vivem e de seusrelacionamentos, os promovem a seres interdependentes,reconhecendo que a nossa vida est entrelaada com anatureza. De acordo com Guattari (2001), compreendeo perfeito entrosamento dos indivduos com os processossubjetivos, sociais e naturais.

    O objetivo deste trabalho analisar as implicaesdo velho e do novo paradigma em Cincia para aeducao.

    O QUE PARADIGMA ?Paradigma pode ser entendido por um exemplo, um

    modelo, uma referncia, uma diretriz, um parmetro, umrumo, uma estrutura, ou at mesmo um ideal. Algo dignode ser seguido. Podemos dizer que um paradigma apercepo geral e comum no necessariamente amelhor de se ver determinada coisa, seja um objeto,seja um fenmeno, seja um conjunto de ideias. Aomesmo tempo, ao ser aceito, um paradigma serve comocritrio de verdade e de validao e reconhecimentonos meios em que adotado. Foi o fsico Thomas Kuhnque o utilizou como um termo cientfico em seu livro A

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    CHADDAD, F.R.

  • Estrutura das Revolues Cientficas, publicado em1962 (STIGAR, 2010).

    Segundo Stigar (2010), para Kuhn a palavraparadigma pode ser entendida como uma concepode mundo oriunda da rea cientfica. Segundo ele,paradigma pretende sugerir que "certos exemplos daprtica cientfica atual tanto na teoria quanto naaplicao esto ligados a modelos conceptuais demundo dos quais surgem certas tradies de pesquisa".Em outras palavras, uma viso de realidade atrelada auma estrutura terica apriorstica, aceita, estabeleceuma forma de compreender e interpretarintelectualmente o mundo segundo os princpiosconstantes do paradigma em vigor.

    Isso traz repercusses a toda a sociedade,conforme a definio e explicao dada de paradigmapor Capra (1999). Segundo o autor, paradigmaengloba o pensamento, a percepo e os valores queformam uma determinada viso de realidade. Esteparadigma que est em transformao, ou em questo,dominou nossa cultura durante muitas centenas de anos,ao longo dos quais modelou nossa sociedade ocidentale influenciou significativamente o resto do mundo. Elecompreende um certo nmero de ideias e valores.Valores que estiveram associados a vrias correntesda cultura ocidental, entre elas a Revoluo Cientfica,o Iluminismo e a Revoluo Industrial. Incluem a crenade que o mtodo cientfico a nica abordagem vlidado conhecimento; a concepo do universo como umsistema mecnico composto de unidades materiaiselementares; a concepo da vida em sociedade comouma luta competitiva pela existncia; do crescimentoeconmico e tecnolgico. Nas descobertas cientficasque se iniciaram a partir do comeo do sculo passadoverificou-se que todas essas ideias e valores estoseriamente limitados e necessitam de uma revisoradical, uma nova reconstruo.

    O VELHO PARADIGMA E SUAS IMPLICAES PARA AEDUCAO

    Segundo Capra (1999; 2001; 2007), Moraes(2002) e Santos (2007), vivemos hoje sob a crise doparadigma moderno, nascido com a Cincia Moderna,

    que determinou o modo de ser e de agir do ser humanocontemporneo.

    De maneira geral pode-se afirmar que o paradigmamoderno, hoje em transio, comeou a tomar vultoquando o italiano Galileu fez os primeiros experimentosque deram origem racionalidade cientificista quetemos atualmente, principalmente as pesquisas emastronomia. Imediatamente, na Filosofia, somou-se aGalileu o racionalismo dedutivo e reducionista deDescartes, o empirismo indutivista de Bacon e a fusodesses dois mtodos por Newton. Antes desse modeloou dessa nova viso de mundo, o paradigma dominanteera o da Teologia, que vigorou durante a Idade Mdiae remetia a Deus a explicao de tudo e do todo.Porm, tido como imperfeito pelos avanos na Cincia,principalmente na Astronomia, foi, de uma vez portodas, deixado de lado pelo sistema analtico ededutivo cartesiano, pelo mtodo emprico ou indutivode Bacon e pelas descobertas da gravitao universalda fsica newtoniana, que deram origem mecnicaclssica. No sculo XX, a partir da Mecnica Quntica,da Teoria da Relatividade e da Teoria das EstruturasDissipativas, lanaram-se as bases de uma NovaCincia, ou seja, de um novo paradigma em Cincia(CAPRA, 1999).

    Mas quais so as ideias que permeiam o velhoparadigma? Como o velho paradigma influenciou einfluencia a educao? Quais foram as descobertascientficas nos campos da Biologia, Qumica e Fsicaque se posicionaram como um divisor de guas ecolocaram em xeque o velho paradigma em Cincia?Quais so os seus reflexos para a educao? Quaisteorias de aprendizagem se adaptam a essa novarealidade cientfica?

    O velho paradigma uma juno das ideias epensamentos de Bacon, Descartes e Newton. Antesdeles, Nicolau Coprnico se ops ao pensamento ouconcepo geocntrica de Ptolomeu e da Bblia, ouseja, onde a Terra era o centro do Universo. GalileuGalilei marcou o nascimento do experimentalismocientfico ao substituir a argumentao lgica da dialticaformal pela observao dos fatos em si mesmos,reafirmando, por meio da metodologia cientfica, a viso

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    Implicaes do velho e do novo paradigma...

  • do sistema solar lanada por Coprnico. SegundoCapra (1999), Galileu foi o primeiro a combinar aexperimentao cientfica com o uso da linguagemmatemtica para formular as leis da natureza por eledescobertas; , portanto, considerado o pai da Cinciamoderna. A Filosofia est escrita nesse grande livroque permanece sempre aberto diante de nossos olhos;mas no se pode entend-la se no aprendermos,primeiro, a linguagem e os caracteres em que ela foiescrita. Esta linguagem a matemtica, e os caracteresso tringulos, crculos e outras figuras geomtricas.

    Conforme Santos (2007):

    As ideias que pres idem a observa o e aexperimentao so as ideias claras e simples apart ir das qua is se pode ascender a umconhecimento mais profundo e rigoroso danatureza. Essas ideias so as ideias matemticas.A matemtica fornece Cincia moderna no so instrumento privilegiado de anlise, comotambm a lgica da investigao, como ainda omodelo de representao da prpria estrutura damatria. Assim, para Galileu, o livro da naturezaest escrito em caracteres geomtricos, e Einsteinno pensava diferente. Este pressuposto traz duasconsequncias bsicas. Pr imeiro, conhecersignifica quantificar. O que no quantificvelno cientificamente relevante. Em segundo lugar,se assenta a reduo da complexidade que omundo (SANTOS, 2007, p.14-15).

    E essa reduo vai estar presente, principalmente,nas regras do Discurso do Mtodo de Descartes(2000). uma das formas ou metodologia da obtenoou revelao das leis que regem a natureza e que,conforme est implcita no universo em formamatemtica desde Parmnides e Pitgoras, tem comoideia central de ordem e de estabilidade do mundo aideia de que o passado se repete no futuro, no hcriao, improviso ou novas situaes que possibilitemuma reorganizao por parte do aluno ou seja, noh vida (RUSSELL, 2001).

    Esta ideia mecanicista, reducionista e fragmentria

    de Cincia tomar corpo com o positivismo de AugustoComte (1976) no sculo XIX, o qual influenciardecisivamente toda a Cincia moderna, inclusive asCincias Sociais.

    Segundo Capra (1999; 2001; 2007), Moraes(2002) e Santos (2007), nessa mesma poca, Bacondescrevia seu mtodo emprico de Cincia, conhecidocomo indutivo. Ele examinava casos particulares parachegar a explicaes gerais. Outro filsofo cientistaque acreditava e fo i grande teo r izador doexperimentalismo foi David Hume. Ele defendia, juntocom Locke, que nossas ideias so construdas combase em impresses sensveis provenientes dasexperincias dos rgos do sentido. Assim, o queconhecemos aquilo que foi registrado em nossa mentepelos rgos dos sent idos. Aquilo que notransformamos em impresses sensveis no pode serconhecido. As ideias inatas, aqui, no fazem sentido.Ren Descartes, por sua vez, acreditava no ideal deArquimedes de uma hierarquia dedut iva deproposies. Para e le, o fundamento doempreendimento cientfico estava no raciocniodedutivo. Dono do mtodo analtico, propunha adecomposio dos problemas em suas partes e suadisposio em ordem lgica. Para Descartes (2000),quem conhece o sujeito, o esprito humano, a razo.

    Esses modelos ou formas de adquirir ou atingirconhecimento (Bacon, Descartes e Hume) somodelos subjetivistas que se centram no eu, em situaoeducacional, no indivduo-aluno, que o privilegiam naaquisio do conhecimento, dispensando as relaes,o contexto sociocultural-natural, o que agora vem sendoquestionado pela Nova Cincia e pelas Teorias deEnsino e Aprendizagem. Por sua vez, a causalidadeimplcita nas leis gerais que regem o universo faz comque o conhecimento seja um conjunto de dadosinquestionveis, neutros, verdades cientficas que sodepositados linearmente, no espao e tempo, na cabeado educando (MORAES, 2002).

    de se perguntar, conforme Boaventura de SousaSantos (2007): Onde se materializa a liberdade e aimprevisibilidade, a no linearidade, da ao humanaem seu processo de conhecer? Para esses cientistas,

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    CHADDAD, F.R.

  • o esprito humano obtm o conhecimento por meio deum ensino que Paulo Freire apud Moraes (2002)denominou ensino bancrio, em que cada disciplinadeposita na cabea de cada aluno seus contedos emuma sequncia lgica, determinada e linear, que cerceiaa liberdade e o livre arbtrio, deixando de lado osinergismo implcito nas relaes, o aparecimento donovo a partir das contradies que esto imersas narealidade educacional, ou seja, a prpria vida. umensino morto!

    Entretanto, foi Isaac Newton quem complementouo pensamento de Descartes e de Galileu Galilei dandoao mundo uma viso maqunica, de acordo com aconcepo cartesiana de natureza. Segundo Capra(1999), ele formulou as leis exatas do movimento paratodos os corpos, sob a influncia da lei da gravidade.A significao dessas leis reside em sua aplicaouniversal. Comprovou-se que eram vlidas para todoo sistema solar, confirmando a viso mecanicistacartesiana de natureza. Conforme Moraes (2002), ouniverso newtoniano passou a ser um grande sistemamecnico que funcionava de acordo com leis fsicas ematemticas. Para ele, todos os fenmenos fsicosestavam reduzidos ao movimento de partculasmateriais causado pela atrao mtua, pela fora dagravidade. Essa fora foi descrita por equaes demovimento que constituem os fundamentos bsicos daMecnica clssica. A matria seria composta departculas homogneas slidas indestrutveis, nas quaisatua a fora da gravidade. Era um mundo esttico aflutuar num espao vazio, que, para ser conhecido,necessitava ser decomposto em seus elementos. Assim,de acordo com Newton, Deus criou as partculasmateriais, a fora entre elas e as leis fundamentais domovimento. Tudo isso funciona como uma mquinagovernada por leis imutveis, que controla a naturezae leva a Cincia a pressupor a existncia dodeterminismo universal, ou seja, o universo funcionasempre da mesma maneira (CAPRA, 1999).

    De acordo com Capra (1999), a concepomecanicista de natureza que advm com essescientistas, principalmente, Newton, est relacionadacom um rigoroso determinismo, em que a gigantesca

    mquina csmica completamente causal edeterminada. Tudo o que aconteceu teria tido umacausa definida e dado origem a um efeito definido, e ofuturo de qualquer parte do sistema podia emprincpio ser previsto com absoluta certeza, desdeque seu estado, em qualquer momento dado, fosseconhecido em todos os seus detalhes.

    Segundo Capra (1999), na esteira da fsica deNewton, Locke desenvolveu uma concepoatomstica de sociedade, descrevendo-a em funo deseu componente bsico, o ser humano. Assim, comoos fsicos reduziram as propriedades dos gases aosmovimentos de seus tomos, ou molculas, tambmLocke tentou reduzir os padres observados nasociedade ao comportamento de seus indivduos:

    Quando Locke aplicou sua teoria da naturezahumana aos fenmenos sociais, foi guiado pelacrena de que existem leis na natureza quegovernam a sociedade humana, leis semelhantess que governam o universo fsico. Tal como ostomos de um gs estabelecem um estado deequilbrio, tambm os indivduos humanos seestabilizariam numa sociedade num "estado denatureza". Assim, a funo do governo no seriaimpor suas leis s pessoas, mas, antes, descobrire fazer valer as leis naturais que existiam antesde qualquer governo ter sido formado. SegundoLocke, essas leis naturais incluiriam a liberdade ea igualdade entre todos os indivduos, assim comoo direito propriedade, que representava os frutosdo trabalho de cada um (CAPRA, 1999, p.64).

    necessrio compreender a ideologia que est portrs dessas ideias. Ou seja, elas representam a base doque ficou conhecido como sistema liberal ou liberalismoeconmico. Com esses ditames, a burguesia, baseadaem Newton e em Locke, encontrou um amplo espaopara justificar os fatores necessrios sua realizao e criao de sua prpria ideologia. O liberalismo, quefoi um produto das classes mdias em ascenso, emcujas mos se desenvolviam o comrcio e a indstria,opunha-se s arraigadas tradies de privilgios, tanto

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    Implicaes do velho e do novo paradigma...

  • da aristocracia, quanto da monarquia. Afastando o poderda aristocracia e das monarquias sobre a poltica e aeconomia e calcado num indivduo atomizado, que serealizaria no mercado, cujas bases eram supostas "leisnaturais", implcitas na sociedade, que regeriam comouma mo invisvel a economia e o bem-estar de todos,da deriva-se a sua mxima: laissez faire, laissez passer.Essas ideias liberais, motivadas pelos filsofos iluministas,caram como uma luva para a realizao da burguesiamercantil (RUSSELL, 2001).

    Esse legado liberal, na rea educacional, existe eos educandos que no conseguem aprender so tidoscomo culpados por sua prpria situao, muitas vezes"taxados" de deficientes que nunca tero um futuropromissor ou conseguiro seguir uma carreiraprofissional. Enquanto as mazelas na educaocontinuam. uma forma legitimada de opresso que,na maioria das vezes, acaba com o abandono escolar.Assim, esse modelo de Cincia, essa novaracionalidade cientfica, passou a ser um modelo global,um modelo totalitrio na medida em que negava avalidade a todas as outras formas de conhecer queno seguissem esses mtodos, que no rezavam pelamesma cartilha epistemolgica e pelas suas regrasmetodolgicas. Essa seria a sua caracterstica principale simbolizava a ruptura do novo paradigma com aquelesque o precederam; por isso, ento, as tentativas dasCincias Humanas em adequar-se a esses postulados,em descobrir as leis da sociedade, no percebendo,assim, naquela poca, o que se percebe hoje: que asCincias Humanas tm as suas prprias especificidades.

    E quais as influncias mais sentidas na educaoque so oriundas do velho paradigma em Cincia?

    Segundo Moraes (2002, p.51), em termos decontedo, um modelo que apresenta propostasvoltadas para a aquisio de noes que enfatizam aassimilao, o conhecimento acumulado, o carterabstrato e terico do saber e a verbalizao deledecorrente. De acordo com essa viso, contedo eproduto so mais importantes que o processo deconstruo de conhecimento, j que o contedo umaverdade inquestionvel transmitida por um professor,muitas vezes autoritrio, e dono do contedo e da

    verdade. Em termos metodolgicos, as aulas soexpositivas, os alunos fazem exerccios de fixaotraduzidos em leituras e cpias, no h situaes-problema, que vo em direo explorao da zona dedesenvolvimento proximal do educando. Os horrios eos currculos so rgidos, predeterminados, baseadosna eficincia e na padronizao, e calibrados pelamensurao que continua separando ganhadores deperdedores (os produtos). Em termos de avaliao,as provas so pontuais e assumem um papel central,determinando o comportamento do aluno, privilegiandoa memria e a capacidade de expressar o que foiacumulado. A preocupao do professor que o alunoadquira conhecimentos especficos, de maneiradeterminada.

    Enfim, essa concepo de perceber a educaotraduzem a viso empirista em que o conhecimentoocorre por fora dos sentidos. algo que vem domundo do objeto (meio fsico e social) e este odeterminante do sujeito, no o contrrio. Essesprincpios dizem respeito corrente ou psicologiabehaviorista (MORAES, 2002).

    Assim, essas descobertas cientficas, que durantesculos foram tidas como "verdades inquestionveis",constituem o que podemos chamar de o velhoparadigma em Cincias e trazem, como se viu, vriasrepercusses para a educao at os dias de hoje.

    O NOVO PARADIGMA E SUAS IMPLICAES PARA AEDUCAO

    Com relao ao novo paradigma em Cincia, quaisforam as ideias e descobertas cientficas na Fsica,Qumica e Biologia que influenciaram e estoinfluenciando toda a viso de mundo operante, oriundoda viso mecanicista de universo e sociedade? Quecontribuies elas trazem para a educao? Quais asteorias educacionai