jornal lampião - 9ª edição

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LAMPIÃO Jornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 3 - Edição Nº 9 - Abril de 2013 ARTE: FÁBIO BRITO | FOTOMONTAGEM FEITA COM PERSONAGENS QUE ILUSTRAM NOSSA EDIÇÃO ...da vida nos distritos. páginas 6 & 7 * Onde as obras não terminam... página 3 * * Onde a carne costuma não ser legal... página 4 * * Onde o minério está a um passo da exploração... página 8 * * E no final, o que resta são os sorrisos sinceros! página 9 * e inúmeras histórias... Mariana:

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O Jornal Lampião é uma publicação laboratorial do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Produzido pela turma 2010.1, 9ª Edição - Abril de 2013.

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Page 1: Jornal Lampião - 9ª Edição

LAMPIÃOJornal Laboratório I Comunicação Social - Jornalismo I UFOP I Ano 3 - Edição Nº 9 - Abril de 2013

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54.219

...da vida nos distritos. páginas 6 & 7

* Onde as obras não terminam... página 3 *

* Onde a carne costuma não ser legal... página 4 *

* Onde o minério está a um passo da exploração... página 8 *

* E no final, o que resta são os sorrisos sinceros! página 9 *

habitantese inúmeras histórias...

Mariana:

Page 2: Jornal Lampião - 9ª Edição

2 Edição: Arthur Gomes, Lívia Almeida e Tamara Martins

Arte: Ana Luiza Batista

Abril de 2013

Encontros e desencontros

Jornal Laboratório produzido pelos alunos do 6° período de Jornalismo – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)/ Universidade Federal de Ouro Preto – Rei-tor: Prof. Dr. Marcone Jamilson Freitas Souza Diretor do ICSA: Prof. Dr. José Artur dos Santos Ferreira. Chefe de departamento: Profa. Dra. Ednéia Oliveira. Presidente do Colegiado de Jornalismo: Prof. Dr. Ricardo Augusto Orlando – Professores responsáveis: Adriana Bravin (Reportagem), André Carvalho (Fotografia) e Priscila Borges (Planejamento Visual) – Editor chefe: Rolder Wangler - Subeditora: Adriana Souza - Editor de Arte: Fábio Brito - Editora de fotografia: Pau-la Peçanha - Editora Multimídia: Núbia Cunha - Reportagem: Aline Barreíra, Ana Paula Rodarte, Bruna Matos, Caroline França, Cinthya Meneghin, Isabela Azi, Isadora Faria, Isadora Rabello, Jamylle Mol, Jessica Clifton, Jéssica Romero, Laura Ralola, Lázaro Borges, Marcelo Sena, Nara Bretas, Paulo Victor Fanaia, Rafa Buscacio e Ramon Cotta - Fotografia: Ana Carolina Meirelles, Ana Luiza nepomuceno, Alexandre Anastácio, Bárbara Costa, Isadora Bruzzi, Joyce Afonso, Laís Queiroz, Patrícia Botaro e Yumi Inoue - Diagramação: Ana Luiza Batista, César Diab, Cíntia Adriana, Filipe Barboza, Lorena Costa, Luís Fernando Braulio, Ni-cole Alves, Patrícia Souza, Rayana Almeida e Tuanny Ferreira- Multmídia: Luísa Carolina e Mariana Mendes - Revisão: Arthur Rosa, Lívia Almeida e Tama-ra Martins - Colaboradores: Íris Zanetti e Mariana Borba. Tiragem: 3.000 exemplares. Endereço: Rua do Catete, n° 166, Centro. Mariana - MG. CEP 35420-0

A cidade se transforma Transformada para o garoto ali, No meio dela: da rua E das cruas calçadas, vazias, compactadasDo concreto seco e duro vão-se anos de pé de moleque

Ele é João, o encantado por ela Poderia ser outro, algum santo da primaz Olha para trás, atordoa a pensar na alma e enobrece É garoto, que viu passar ambulante na Direita É homem feito que construiu o mesmo lugar

Abriu os olhos Por eles, pupila em prontidão Pode ver sentidos incrustados Cores vivas, para João, faziam jus à nova cidade, Que nascia ali, ao lado, por suas vistas

A medicalização da Saude

ição de 1988 e a incorpo-ração das reivindicações do Movimento Sanitário, espe-rava-se uma mudança do modelo de assistência à saúde, que privilegiasse as necessidades sociais, e que pudesse reconhecer os as-pectos biopsicossociais do processo saúde- doença, e, assim, reverter o modelo médico-curativo, centrado na doença, remédio e hos-pitais.Contudo, o projeto de ajuste fiscal e restrição de finan-ciamentos para as políticas sociais, nos anos 90, con-fronta-se com o da Refor-ma Sanitária, pela orien-tação política e econômi-ca governamental que, mais uma vez privilegia os setores privados, levan-do ao subfinanciamento das políticas sociais da Saúde. Dessa forma, o concei-to ampliado de saúde, que visa à promoção e a pre-venção de doenças e agra-vos à saúde não encontra condições objetivas para se materializar.Daí, a questão da medi-calização da Saúde vem à tona novamente, como, talvez, o recurso mais próximo que a popula-ção tenha para atender às suas necessidades, soma-do aos interesses da indús-tria farmacêutica e à de-sassistência do Estado na oferta de serviços públi-cos, gratuitos e de quali-dade para todos, como pre-vê a Constituição.

Para refletir sobre o tema, precisamos compreender a história da Política de Saúde no Brasil e o jogo de interesses que permeiam a trajetória dessa política. A Política de Saúde es-boçada a partir da déca-da de 1930, se expande e se consolida durante o governo militar e começa a mostrar sinais de mu-dança na década de 70. A Medicina Previden-ciária, como ficou conhe-cida, foi ganhando aliados, como a Federação Nacio-nal dos Hospitais e a In-dústria Farmacêutica, que representavam os interesses privados na exploração lu-crativa da saúde.Este modelo tinha como norte para suas ações o tratamento e a cura de doenças, através de pro-cedimentos médico-hospi-talares de alto custo e uso indiscriminado de medica-mentos para todo tipo de tratamento. É preciso en-tender que essa foi uma das formas que o Estado encontrou de incentivar a industrialização, sem con-siderar os prejuízos sociais e à saúde, que eram causa-dos pela medicalização.A partir de 1975 este mo- delo de saúde passa a ser questionado pelo Movi-mento Sanitário - que luta-va pela democratização da saúde, criticava o concei-to de saúde e o modelo de sociedade vigentes. Tem-se dois projetos em disputa, o Projeto Priva-tista e o Universalista do Movimento Sanitário. Com a aprovação da Constitu-

Tomada pela peculiari-dade do livro “A Alma en-cantadora das ruas”, de João do Rio, a equipe des-sa edição do LAMPIÃO mostrará como a rua, metaforizada por seus mo-radores, vê um desconheci-do e como esse desconhe-cido a vê.

Você, leitor, será apre-sentado aos problemas co-muns, que existem há tanto

tempo e, no entanto, nin-guém se questiona porque tornaram-se invisíveis à sociedade. Além disso, o LAMPIÃO mostrará a vida nos distritos e como os seus personagens contam suas histórias. As dificul-dades e alegrias, que, às vezes, passam despercebi-das a um viajante. Desse modo, buscamos mostrar que, mesmo estando perto,

os distritos parecem estar longe.

O olhar do outro, esse que parafraseando o grupo musical O Teatro Mágico, não nos deixa acomo-dar com o que incomo-da. Despertar o olhar, de quem consome carne ad-vinda de maneira irreg-ular. O olhar sobre as obras que consumiram mil-hões do dinheiro público

e ainda encontram-se es-tagnadas. O olhar minucio-so da população da cidade que está prestes a abrir as portas para a explora-ção do minério próximo ao centro urbano. O olhar do esquecido e daquele que é sempre lembrado. O LAMPIÃO, em uma nova editoria intitulada Olhares, quer que você enxergue além.

O olhar do amanhã...

Cristiane tomaz

mestre em serviço soCial pela Universidade Federal de JUiz de Fora

e proFessora do CUrso de serviço soCial da UFop.

Página 3: O corre-to na legenda da foto da matéria“Falta de estrutu-ra nas escolas atrasa início das aulas em Mariana”é:Na Escola Municipal Wilson Pimenta Ferreira, no Bairro Prainha, faltam livros de li-teratura na biblioteca”.

Na matéria (DES)ser-viço prejudica população Bens públicos sofrem com

vandalismo, no 3º parágra-fo o correto é: “A Secre-tária de Serviços Urbanos vai abrir um processo lici-tatório para a compra de novas lixeiras para a re-gião central e ruas dos de-mais bairros, que dispõem delas somente em escolas, praças e postos de saúde.

Página 5:As informa-ções do infográfico da

matéria “Realidade que assombra” são do Dr. Ale-xandre Rotondo da Silva, médico do Programa de Saúde da Família de Ouro Preto.

Página 6:Na matéria “Muito descaso nenhuma solução”, o correto é : “O diretor adjunto de adminis-tração do Saae, Ronaldo Camelo”.

mariana BorBa

isad

ora

bruzzi

As asas de cera de Ícaro derreteram. Este homem não criou asas. Vestiu a infância e incorporou a pipa, feito menino travesso. Voou. Libertou-se. Saravá, Santos Dumont. Salve, Leonardo da Vinci. Como diria Mário Quintana, “todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão. Eu, passarinho”.

Rua descoberta, luz de lampião

Sente cheiros, sabores na ponta da língua Movimento grande, cidade pacata de interior Por ali passam cavalos e marinheiros Reconhece pedras de cantaria Cantadas por antigos escravos À serventia do próprio senhor

“É no lampião que vou me guiar” Pensou antes de seguir pelas pedras Sempre tortas, quase belas Rastro de luz que insiste em acompanhar

Rua é essência do bem, avesso de rancor Nela, existe a aura de ser lar de todos Democrática, gracejo de iluminação Passam quem passa com esmero Todos se guiam no lampejo de João

“Tem meses que vejo adesivos nos ônibus dizendo que atendem deficientes físicos, mas nenhum até hoje me atendeu. Arrancam com o ônibus e me largam pra trás” Luciano da Silva Cipriano, morador do Bairro Santo Antônio – Pág. 4

“Você tem que dar o coração para as pessoas, caso contrário, você é um inútil” Rafael Arcanjo Santos, professor de violão – Pág. 12

“Não sei, foi uma ilusão danada. Ele tinha um histórico de vida muito triste e eu quis fazer mais do que podia, o que estava acima de mim.” Maria, detenta – Pág. 5

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Íris zanetti

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Page 3: Jornal Lampião - 9ª Edição

3Edição: Alexandre Anastácio, Marcelo Sena e Nara Bretas

Arte: Filipe Barboza

Abril de 2013

Marcelo Sena A construção do Cen-

tro Olímpico de Mariana foi contratada, no total, por R$ 27 milhões. A empre-sa Diminas Construções e Comércio Ltda. recebeu R$ 6,4 milhões apenas para a desmontagem, transporte e remontagem das estruturas metálicas que seriam rea-proveitadas do antigo gi-násio poliesportivo. De acordo com os dados au-ditados, as medições exigi-das não foram apresentadas e as cópias do documen-tos das empresas concor-rentes não foram autentica-das, como determina a Lei de Licitações 8.666/93.

Em 2013, Celso Cota reassumiu a Prefeitura e, mesmo após duas ações ci-vis públicas e cinco ações populares contra a Dimi-nas, R$ 1,7 milhão foi pago à empresa para obras no centro olímpico. De acordo com Leonardo Ro-

Marcelo Sena Estima-se que, somente

em seis obras inacabadas em Mariana, a Prefeitura tenha investido quase R$ 50 milhões desde 2006, de acordo com auditoria rea-lizada pelo Executivo Mu-nicipal em 2012. A obra do centro olímpico foi con-tratada por R$ 27 milhões e a Nova Prefeitura, por R$ 10 milhões. Ainda de acordo com o levantamento municipal de 2012, foram pagos, em 2008, R$ 8,2 milhões para a construção do centro de convenções, e R$ 1,1 milhão tanto para o Laticínio Municipal quanto para a Policlínica do Bair-ro Cabanas. Outra auditoria de 2007 já havia revela-do que a passarela do Dis-trito de Passagem de Ma-riana custou mais de R$ 2 milhões. O valor total des-sas obras seria suficiente para a construção de 1.520 casas populares, de acordo com pesquisa da Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp), de 2011, que apontou o custo médio de uma casa do Programa Mi-nha Casa, Minha Vida em torno de R$ 32,5 mil.

Os processos licitató-rios dessas obras aconte-ceram entre 2005 e 2008. Das dez empresas privadas que mais receberam recur-sos municipais em 2008, oito respondem a ações judiciais por suspeitas de desvio de dinheiro público ou irregularidades em pro-cessos licitatórios e na exe-cução de obras.

Um exemplo de mau uso dos recursos públicos está na obra da nova sede da Prefeitura. Denominada no processo como “Novo Paço Municipal”, a obra hoje não passa de pilares às margens da Rodovia do Contorno. Foram pagos à

empresa SPEL Engenharia Ltda. R$ 4,7 milhões. Já a empresa Terra e Técni-ca Engenharia e Empreen-dimentos venceu a licitação referente à segunda fase do mesmo projeto, no valor de R$ 5,2 milhões, deno-minado “Centro Adminis-trativo”. Não estão anexa-dos ao processo o projeto básico, a planilha orçamen-tária, o estudo de impac-to ambiental (EIA) e a li-cença prévia de instalação. Uma ação civil pública foi movida no Ministério Pú-blico pelo município, em 2012, para “ressarcimento de danos causados ao erá-rio, cumulada por respon-sabilização por ato de im-probidade administrativa” contra o então prefeito na época, Celso Cota Neto, e a empresa contratada.

De acordo com o as-sessor técnico de Contro-le, Contratos e Orçamen-tos da Prefeitura, Leonardo Rodrigues dos Santos, é de interesse do prefeito Cel-

so Cota (PSDB) dar con-tinuidade às obras, inicia-das em sua gestão anterior. “O Celso quer terminar as obras que começou. Infeliz-mente, saímos da Prefeitura antes que pudéssemos con-cluir tudo e as administra-ções posteriores não deram continuidade. Todas as li-citações estavam dentro da lei”, afirmou, ao ser inda-gado sobre as irregularida-des apontadas na auditoria.

O responsável pela em-presa Terra e Técnica Enge-nharia e Empreendimentos, Rodrigo Araujo Ferreira, disse que é vítima de per-seguição política e não de-veria estar sendo acusado dessas ações civis públicas. “Todos os problemas refe-rentes à licitação eram de responsabilidade da Prefei-tura. A empresa deu entra-da nos documentos como manda o protocolo. A Ter-ra e Técnica é vítima de perseguição política do ex-prefeito Roberto Rodrigues, autor das ações. Ele can-

lázaro BorgeS Em Ouro Preto, a Lei

Municipal 86/2006 garante às famílias removidas dos locais afetados pela chuva, o direito ao auxílio aluguel, enquanto novas residências não se fazem disponíveis.

Devido às chuvas ocor-ridas em 2011, existem cerca de 140 famílias afe-tadas, tanto na sede como nos distritos, que estão a

ser reassentadas em Cacho-eira do Campo. Entretan-to, só existem 120 casas em construção e as obras estão paralisadas desde de-zembro. O valor do aluguel social (R$ 350,00) é con-siderado pouco para os va-lores imobiliários de Ouro Preto. Além disso, as famí-lias estão sendo removidas para longe de seus locais de trabalho e estudo.

Situação de Ouro Preto

ALEXANDRE ANASTÁCIO

nara BretaS O Programa Especial

de Auxílio Moradia, em Mariana, previsto na Lei 2.591/2011, garante às fa-mílias de baixa renda, em situação de vulnerabilidade ou risco habitacional, o di-reito de morar em casas

pelo programa na cidade, mas a Prefeitura não in-formou o valor total gasto com os alugueis. A verba municipal é repassada para o Serviço de Manutenção de Outros Serviços de Pro-teção Básica, do Centro de Referência de Assistência Social (Cras).

A secretária de Desen-volvimento Social e Ci-dadania, Ivânia Perdigão, afirma que “se tem famí-lias há dois anos no alu-guel social, e assumimos o governo há menos de três meses, temos condi-ções de brevemente tentar solucionar estas questões”. E completa. “Enquanto não resolvermos a situação de-finitiva, temos que ficar com esta paliativa, que é o aluguel social”. Ivânia dis-se ainda que foi solicitada, em caráter de emergência, a construção de 100 casas populares, mas a obra ain-da será licitada.

A gari Naiara Apareci-da, 23 anos, vive há cerca de dois anos com o com-panheiro e três filhos na antiga Casa da Sopa, lo-calizada na Escola Wilson

Pimenta Ferreira, no Bair-ro São Gonçalo. A famí-lia foi direcionada ao lo-cal pela prefeitura, quando um barranco caiu de ma-drugada derrubando a casa onde moravam. “Falaram que iam arrumar um lugar pra gente ficar, aí oferece-ram o auxílio aluguel. Só que aqui no bairro está di-fícil de achar casa e tenho que morar onde me ajudam com meus filhos”, conta.

A coordenadora de ha-bitação da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania, Ronilda Baeta, afirmou que a construção de uma nova casa para a

O elefante olímpicodrigues dos Santos, “os va-lores fornecidos para a em-presa Diminas, em 2013, condizem com serviços prestados em 2012 que não foram pagos”.

O antigo ginásio po-liesportivo, construído em 1986 na Praça Juscelino Kubitschek, foi demolido com a promessa de que um novo centro olímpico seria erguido em seu lugar. Para a presidente da Associação de Basquete de Mariana, Priscilla Tukoff, o esporte local sofre as consequên-cias. “Nem tenho palavras para dizer como prejudica. Basta que eu lhe diga que o esporte de base morreu; que a minha equipe, que é a seleção de Mariana, treina num espaço precá-rio; que as competições re-gionais são realizadas com uma despolarização hedion-da e que é impossível tra-zer um grande evento es-portivo para cá”.

celou todos os nossos con-tratos assim que assumiu o cargo. A Terra e Técnica recebeu parte do valor para a obra da nova prefeitu-ra, cerca de R$1milhão. Os governos seguintes não se interessam em terminar a obra, por isso paralisamos”. A reportagem do LAM-PIÃO não conseguiu loca-lizar os donos da empresa Diminas Construções Ltda. em nenhum dos telefones informados nos processos. Através do serviço Fale Conosco, do site da SPEL Engenharia, a reportagem enviou pedido de informa-ções sobre os processos, e até o fechamento da apu-ração, não obteve respos-ta. Os números encontrados no serviço de informações telefônicas, Telelista, tam-bém não condiziam com os contatos da empresa.

CIDADE

ALEXANDRE ANASTÁCIO

Famílias vivem com auxílio moradia há dois anos

Licitações irregulares, obras inacabadas

Anexo da escola Wilson Pimenta Ferreira abriga a família de Naiara Aparecida

Oito anos se passaram, entre atividades e paralisações, desde o início das obras do centro olímpico de Mariana, localizado no Bairro Vila Aparecida

Auditoria aponta mau uso do dinheiro público e ações judiciais investigam construções milionárias em Mariana

VEJA OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE OBRAS NA VERSÃO ONLINE: http://goo.gl/cq5p7

com o aluguel pago pela Prefeitura. A lei prevê o auxílio pelo prazo máximo de um ano, e que o va-lor anual não pode exce-der R$5,4 mil por família. Entretanto, em Mariana, 12 famílias vivem com o au-xílio desde dezembro de

2011, quando a cidade de-cretou estado de emergên-cia por causa das chuvas.

O valor varia entre R$180,00 e R$ 450,00, e é definido de acordo com o número de indivíduos e renda por casa. Hoje, exis-tem 160 famílias atendidas

família será providenciada, uma vez que o espaço per-tence à Secretaria de Edu-cação, que solicitou o uso do local.

A auxiliar de serviços gerais Gislene Dias de Oli-veira, 28 anos, é benefi-ciada há cerca de um mês com o auxílio moradia, no Bairro São Gonçalo. Ela também vivia na antiga Casa da Sopa, com dois filhos. “A Defesa Civil ti-rou a gente de lá por causa do barranco que caiu. Aí a Prefeitura falou que ia me dar uma casa porque a mi-nha estava em área de ris-co”, conta.

Page 4: Jornal Lampião - 9ª Edição

4 Edição: Bárbara Costa, Isadora Rabello

Arte: Lorena Costa

Abril de 2013

CIDADE

Transporte de carne é irregular em MarianaComerciantes não cumprem normas da Vigilância Sanitária para levar o produto aos açougues

Ausência de luvas e carroceria aberta são algumas das irregularidades comuns no transporte de carnes em Mariana

Paulo Victor Fanaia

Os transtornos que en-frentam, diariamente, os usuários de transporte pú-blico, em Mariana, podem chegar ao fim com o Pla-

no de Mobilidade Urbana, programa iniciado em 2011 pelo Governo Federal. No processo licitatório, em ju-nho deste ano, o plano pre-vê debates com a popu-

lação sobre a situação do trânsito na cidade.

De acordo com o pre-feito Celso Cotta, já está sendo criado um conselho municipal de transporte, e

Usuários reclamam de pontos e ônibus lotados nos “horários de pico”

Creches em Mariana: descaso com a populaçãoBruna Mattos

A dona de casa Celita Silva, 26 anos, moradora do Bairro Cabanas, pere-grinou por creches procu-rando vaga para sua filha de três anos, sem sucesso. Como não tinha com quem deixar a criança, pediu de-missão do trabalho.

“Quando vou na creche eu pergunto ‘e ai vai surgir a vaga?’ E eles me respon-dem que não está caben-do nem mais um menino”, afirma. Atualmente, Celita conta com a ajuda de sua mãe e do pai da menina para se manter.

O artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescen-te determina que “é dever do Estado assegurar atendi-

mento em creche e pré-es-cola às crianças de zero a seis anos de idade”. Mas não é o que acontece em Mariana, onde são oferta-das 530 vagas em cinco creches nos bairros Rosá-rio, Santo Antônio, Centro, Santa Rita de Cássia e no distrito de Passagem, infor-mou a Secretaria de Edu-cação, em ofício. O núme-ro ainda é insuficiente para atender a procura, e a pre-visão é que sejam criadas mais 170 vagas até 2016. No entanto, seriam neces-sárias 226.

A faxineira Débora Lou-renço, 25, mãe de quatro meninas, é uma das preju-dicadas por não haver cre-che em seu bairro, Mor-

ro do Santana. Para atender a caçula, de dois anos, a solução foi arcar com as despesas pagando para uma parente cuidar da criança.

A conselheira do Con-selho Tutelar da Criança e do Adolescente, Mirian Malta, confirma que a de-manda por vagas é mui-to grande e que todos os pedidos que chegam até o Conselho são repassados à Secretaria de Educação.

Ela admite também que as denúncias referentes aos pais que deixam seus fi-lhos com os irmãos mais velhos têm ocorrido com frequência. Nesses casos, além de aconselhá-los so-bre a responsabilidade de-les, caso ocorra algo com a

criança, o Conselho requi-sita à Secretaria de Educa-ção vaga em uma creche.

De acordo com o ór-gão, a previsão é de que até o final de 2016 se-jam construídas dez cre-ches, sendo que as obras de duas delas já estão em fase de licitação. A previ-são é de que estejam pron-tas até 2014. Os bairros contemplados serão Rosá-rio e Vale Verde.

A partir do ano que vem, crianças de quatro e cinco anos serão atendidas nas escolas, em horário in-tegral. De acordo com a Secretaria de Educação, essa saída visa amenizar a situação, mas não é a solu-ção final para o problema.

Plano promete melhorar o transporte público

EDuCAção

Como saber se a carne foi inspecionada?Deve-se observar se o produto possui etiqueta ou carimbo com selo do SIF, IMA ou do Serviço de Inspeção Municipal (SIM). Se a carne for transportada em caixas, estas devem estar identificadas com código de barras dos órgãos de fiscalização. Caso haja problema, eles identificam o lote com a origem da carne e retiram de circulação.

Doenças: O consumo de carnes não inspecionadas pode ocasionar várias doenças como: tuberculose; toxoplasmose, que provoca problemas no fígado, pulmão e coração; teníase, que infecta os intestinos, causa dores, náuseas e perda de peso; salmoneloses, clostridioses, etc.

Por não ter onde deixar a filha, Celita não consegue emprego

isadora raBello

Carne bovina transporta-da em carrocerias de cami-nhonetes cobertas com lona e sem refrigeração. Mes-mo irregular, é dessa for-ma que o produto chega em grande parte dos açou-gues de Mariana.

De acordo com as nor-mas da Vigilância Sanitária, os veículos para transporte e distribuição de carnes de-vem possuir compartimen-tos completamente fecha-dos e termoisolantes. Se a distância do local do ma-tadouro até o da distribui-ção for superior a 100 km, o alimento deve ser trans-portado em veículos com câmara refrigerada a -5ºC.

Mas não é o que acon-tece, por exemplo, em um açougue localizado no cen-tro da cidade. “A minha carne chega em Fiat Stra-da, tampada com lona e o abate é feito por nós mes-mos”, afirma o comerciante Antônio Gomes, dono do estabelecimento.

Segundo ele, os co-merciantes foram orienta-dos pela Vigilância Sanitá-ria da cidade sobre como proceder. Porém, a maio-ria, assim como ele, ainda

não providenciou o veículo apropriado. “A Vigilância nos explicou como deve ser feito o transporte. Aqui nós não temos caminhão ainda, mas estamos pro-videnciando”, admite. De acordo com a Vigilância Municipal, os fiscais soli-citam ainda ao responsável pelo estabelecimento docu-mentos que comprovem a procedência das carnes co-mercializadas, através de nota fiscal, sendo recomen-dada a aquisição em aba-tedouros que recebam ins-peção estadual pelo IMA (Instituto Mineiro de Agro-pecuária) ou federal pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal).

A venda de carne para a população também preci-sa respeitar normas de ar-mazenamento. O produto deve ser exposto em bal-cão frigorífico, pendurado em ganchos de alumínio ou inox, a uma temperatu-ra máxima de 7º C. Se for processada em locais fisca-lizados, a carne é segura. Porém, Mariana não pos-sui abatedouro municipal, o que faz com que os ani-mais sejam abatidos em lo-cais sem fiscalização. Se-

gundo o médico veterinário Francisco de Assis, o abate e o animal têm de ser ins-pecionados constantemente, para evitar a transmissão de doenças.

Segundo ele, “o boi, para ser abatido, tem que estar isento de doenças.” “A análise deve ser feita antes, durante e depois do abate por um veterinário. O animal é analisado quan-to ao seu comportamento e é verificado se existem si-nais de infecção”.

PATRÇIA BOTARO

BáRBARA cOsTA

uma empresa de engenha-ria de trânsito foi contra-tada para fazer um estu-do da situação de Mariana. “Esse estudo vai embasar uma proposta de transpor-te urbano. Vamos respei-tar eixos principais, com veículos maiores, pensan-do no que esse estudo vai nos mostrar sobre a neces-sidade de trabalhar também com veículos menores nos intrabairros”, afirmou.

Enquanto as mudanças não acontecem, cidadãos ainda sofrem com a má qualidade do serviço ofere-cido. Luciano da Silva Ci-priano, morador do Bairro Santo Antônio, é cadeiran-te e chegou a esperar três horas por um ônibus da Transcotta, o que o oca-sionou a perda de compro-missos. “Já tem meses que vejo adesivos nos ônibus dizendo que atendem de-

ficientes físicos, mas ne-nhum até hoje me atendeu. Arrancam com o ônibus e me largam pra trás”, afir-ma. Ele relata, ainda, que já deixou de ser transpor-tado em situações de emer-gência. “Fui ao ponto da Policlínica e não consegui o transporte porque minha cadeira (elétrica) estava descarregada. Na hora que eu mais precisei ninguém pode fazer nada por mim”.

Há queixas também so-bre a falta de estrutura e segurança nos pontos de ônibus, além da frota limi-tada e de usuários idosos pagando passagem, apesar do passe livre previsto em lei, neste caso. Em nota, a empresa Transcotta afirma que se “preocupa e zela pela qualidade do serviço prestado aos seus passagei-ros. Por isso, encontra-se disposta a solucionar even-

tuais reivindicações” dos usuários.

Afirma, ainda, que “os atrasos são ocasionados nos ‘horários de pico’, princi-palmente pelos diversos ônibus fretados pelas mi-neradoras, o que gera um enorme congestionamen-to e culmina, consequenti-mente, na impontualidade dos veículos que realizam transporte público coleti-vo”.

Com relação ao atendi-mento nos bairros distan-tes, a Transcotta garante que “realizou no ano pas-sado vultosos investimentos para a aquisição de veícu-los novos com a finalidade de ampliar o fornecimento dos serviços de transporte coletivo nos bairros e dis-tritos de Mariana”. A em-presa não respondeu sobre o atendimento a cadeirantes e a outros deficientes.

PATRÍcIA BOTARO

PATRÍcIA BOTARO

Page 5: Jornal Lampião - 9ª Edição

5Edição: Aline Barreíra, Cíntia Adriana e Jéssica Romero

Arte: Cíntia Adriana

Abril de 2013

Uma performance do corpo preso: pequenos movimentos que libertam

Mulheres no cárcereJéssica RomeRo

Em Minas Gerais, atu-almente 2.658 mulheres es-tão presas. De acordo com a CPI do Sistema Carcerá-rio, elas têm entre 20 e 35 anos, são negras, têm baixa escolaridade e pelo menos dois filhos menores de ida-de. Maria e Fernanda, que usam nomes fictícios, pois preferem não ser identifica-das, representam essas es-tatísticas. Ambas estão no presídio de Mariana. O que uniu essas duas mulheres numa cela foram as drogas. Maria, ao envolver-se com o tráfico, e Fernanda, ao furtar para manter o consu-mo do crack. Além delas, outras seis mulheres tam-bém estão no local.

presídio e diz várias vezes que se arrepende, pois está pagando caro, perdendo o crescimento dos filhos e a vida com eles lá fora.

Fernanda ainda aguarda julgamento, está presa há quatro meses e não sabe quando vai sair. A jovem de apenas 27 anos foi cria-da sob os valores da Igreja Evangélica e sempre teve casa, pai e mãe. E diz que, por causa da educação rí-gida, foi obrigada a sair da escola e se casar aos

16 anos. Dois meses de-pois estava separada. Após a separação, ela foi per-seguida pelo ex-marido e, por isso, foi demitida do emprego de babá.

Conta que aos 17 anos foi conhecer o mundo e conheceu “tudo de ruim”. Aos 20, engravidou, o que estremeceu ainda mais a relação conturbada com seu pai, que não aceitava o neto. Para manter o fi-lho, trabalhou como em-pregada doméstica, mas os R$ 100,00 mensais que ga-nhava não eram suficientes para se manter e pagar ou-tra pessoa para cuidar da criança. Não sobrava di-nheiro para o leite.

Sem ter como sustentar

o próprio filho, se viu so-zinha e obrigada a deixar o menino com os tios, que podiam dar a ele as con-dições básicas para viver. Foi aí que as drogas en-traram em sua vida. A de-pendência do crack levou Fernanda a se prostituir em troca da pedra e, pou-co tempo depois, influen-ciada por um companhei-ro, roubava para sustentar o vício. Assim, ela chegou ao presídio.

Enquanto me relatam suas histórias, em alguns momentos há tristeza e, em outros, sorrisos. Ambas choram pela saudade e an-seiam por um futuro des-conhecido, mas com a es-perança de uma vida nova.

Maria tem uma neta que ainda não conhece, mas que deve conhecer no Natal, quando já estará em liberdade. Ela diz também que espera ansiosa pra sen-tir o gosto de comida ca-seira na festa. E Fernanda, já sofre por saber que vai passar atrás das grades seu aniversário, que é também o Dia das Mães. Para fi-nalizar nossa conversa, eu pergunto o que é liberda-de para elas. Maria sorri e diz que é o que para mim podem ser as coisas pe-quenas, mas para ela tem muito valor. Fernanda não sabe responder, concorda com a colega e diz que só sabe que liberdade é algo que ela não tem.

“Quero ter meu filho de volta, quero muito isso.”

Fernanda

Maria, 30 anos, é mãe de quatro filhos, e está pre-sa há um ano por envol-ver-se com o microtráfico, uma fração do tráfico de drogas que é considerada nem tão organizada e po-derosa quanto aos grandes grupos do país. O crime entrou em sua vida quando ela decidiu ajudar o pai de um de seus filhos, que es-tava preso e a convenceu a “ganhar dinheiro fácil”.

Ao ser indagada se foi por amor, ela diz: “Não sei, foi uma ilusão danada. Ele tinha um histórico de vida muito triste e eu quis fazer mais do que podia, o que estava acima de mim.” Hoje, conta com alívio que no final deste ano sai do

Ressocialização penitenciáriaaline BaRReiRa

Ressocializar o preso é inserí-lo de volta ao con-vívio social quando recu-perado e reeducado. E isso ocorre através dos progra-mas e projetos assistenciais oferecidos pelo sistema pe-nitenciário. É o que prevê a Lei de Execução Penal (LEP), que proibe a violên-cia por parte de funcioná-rios e tem como principal objetivo a ressocialização dos detentos através do tra-balho e do estudo. Em Ma-riana, o presídio não pos-sui espaço físico necessário para a realização de au-las regulares e outras ati-vidades que contribuam no processo de ressocialização. Faltam salas, computado-res, cadernos e outros equi-pamentos e materiais que supram as necessidades dos 110 detentos, entre homens e mulheres.

Para a agente penitenci-ária de ressocialização, Ra-quel Silva, é essencial que o presídio possua, em pri-meiro lugar, o espaço para a prestação desses servi-ços e, somente depois, será possível adquirir os equipa-

mentos necessários durante a reclusão. “Com a limita-ção do local não é possí-vel oferecer muitas ações de aprendizado que contri-buam na redução da pena, que é chamada de remi-ção. Aqui, temos somen-te duas opções de serviço; lavanderia e horta”, expli-ca a agente.

Segundo o advogado Matheus de Castro, a lei é clara ao tratar da remi-ção, no artigo 126 da LEP: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá re-mir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena na pro-porção de um dia de pena a cada 12 horas de fre-quência escolar, divididas em, no mínimo, três dias. E um dia de pena a cada três dias de trabalho. É de suma importância que as instituições carcerárias ofe-reçam atividades que pos-sibilitem a redução de pena para o detento”.

Psicóloga do presídio há dois anos, Cristiane de Paula atende todos os de-tentos individualmente uma

vez por mês. Para ela, a intenção dos projetos e as-sistências oferecidas é fazer com que cada interno se apegue a algo que o mo-tive. “O objetivo da resso-cialização é levantar o po-tencial do detento, o levar a crer em algo, reforçar a capacidade de acreditar que é possível viver novamen-te. Nós, profissionais, te-mos o dever de proporcio-nar, pelo menos, a crença de viver em sociedade, re-dimido e recuperado”.

Como forma de rein-serção, alguns presidiários têm contato com os mo-radores da cidade através de uma recente iniciativa pública. Imóveis utilizados por órgãos públicos e que necessitam de reforma são o instrumento de trabalho dos detentos, que realizam pinturas e outras repara-ções. O fórum e a prefeitu-ra da cidade foram alguns dos lugares que utilizaram essa prestação de servi-ços. Os detentos também são incentivados a partici-parem de processos seleti-vos de avaliação, como o Exame Nacional do Ensino

aNa CaROLINa MEIRELLES

CIDADE

24%Estudam

35.5%Participam dos programas de ressocialização

Indicadores da população carcerária feminina em MG

36.5%Não realizam atividades

4%Trabalham

fora da unidade prisional

Médio (Enem) e provas de supletivos. A última aplica-ção aprovou os oito deten-tos que a realizaram a pro-va em 2012.

O presídio é acessível a iniciativas da população.

Os reclusos recebem duas vezes por semana a visi-ta de grupos religiosos que propõem a evangelização e trabalham com a refle-xão da pena e das atitu-des de cada preso como

FONTE: SISTEMa INTEgRadO dE INFORMaçõES PENITENCIáRIaS (INFOPEN )- JuLhO dE 2012

indivíduo em sociedade. A instituição também é aberta a quaisquer ativi-dades e projetos culturais que possam ser ofereci-dos, e recebe doação de mantimentos.

Elas são mães e filhas. Estão privadas da liberdade, mas contam aqui suas histórias

Page 6: Jornal Lampião - 9ª Edição

6 Edição: Caroline Fernandes, Isabela Azi, Joyce Afonso e Lais Queiroz

Arte: Rayana Almeida

Abril de 2013

-

“Um dia cercam à beira um lote de terreno. Surgem em seguida os alicerces de uma casa. Depois de outra e mais outra...”. Segundo João do Rio, na crônica “A rua”, é assim que surgem as cidades, repletas de ruas, almas e gentes. Mariana nasceu por entre montanhas, modestamente escondida entre suas ladeiras. Mas onde (não) termina a cidade, começam outras histórias: quem resolve seguir as estradas – ora de terra, ora não – que saem do centro urbano em direção aos distritos, se depara com outra realidade que, às vezes, parece estar distante, escondida no seu próprio universo. Durante uma semana, o LAMPIÃO percorreu esses distritos, ouviu histórias e conheceu, de perto, os desafios e as vantagens de morar ao mesmo tempo tão perto e tão longe do centro da cidade.

Onde (não) termina a cidade...

E começam outras paisagens

Jamylle mol

Mariana é uma das prim

eiras cidades planejad

as do

Brasil. Suas praças e

ruas de pés-de-moleque fora

m pensa-

das durante o ciclo do

ouro, ainda no Sécul

o XVIII. Mas

a cidade cresceu. Por

trás das montanhas q

ue envolvem

ladeiras, nasceram outras rua

s. Hoje, depois das fr

onteiras

que delimitam a sede do município, ex

istem mais pesso-

as e histórias, distribu

ídas nos nove distritos

e 25 subdis-

tritos da cidade.

A população nos distr

itos de Mariana cresceu em 89%

entre os anos de 2000

e 2010, passando de

8.031 pesso-

as para 15.250. Os d

ados das duas últimas pesquisa

s do

Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística

(IBGE) mos-

tram que o esvaziamento popul

acional nas áreas rura

is –

que era intenso nas d

écadas de 70 e 80 –

vem diminuin-

do consideravelmente.

No entanto, apesar do

número significativo de m

orado-

res nos distritos, a de

sigualdade social entre

esses lugares

e a sede do município é

expressiva. O centro u

rbano e o

distrito de Passagem de Mariana abrig

am a população com

maior poder aquisitivo,

já que nesses locais e

stão centrali-

zados os serviços urba

nos, as possibilidades

de emprego e

oportunidades de ascen

são econômica.

A reportagem do LAMPIÃO perco

rreu cinco, dos nove

distritos e, durante u

ma semana, acompanhou o cotidia-

no de quem vive no in

terior do interior de M

inas Gerais.

Alguns são distantes,

como Cláudio Manoel, a 50

km da

sede. Mas, para chegar a outr

os não é preciso tanto

: ape-

nas cinco quilometros separ

am Passagem de Mariana do

centro histórico. Furqu

im é pioneiro: fundado

em 1718, é

o mais antigo de Minas Gerais

.

Cada lugar possui um

a singularidade: em alguns de

les,

estão monumentos históricos e matrizes de

santos padro-

eiros. Há belezas natu

rais, como as cachoeiras de Ca

mar-

gos, e manifestações culturais,

como o artesanato de Ca-

choeira do Brumado e o co

ngado de Barroca, sub

distrito

de Furquim.

A palavra distrito sign

ifica divisão, algo que

separa ter-

ras de outras e delim

ita um determinado espaço geográfi-

co. Com o tempo, esses lugares gan

ham nome, identida-

de e histórias próprias

. São casinhas de tijol

os sem pintar,

fogões à lenha com um café sempre a posto

s, praças com

banquinhos e a hospi

talidade traduzida no

“bom dia” sor-

ridente. Furquim, Monsenhor H

orta, Padre Viegas, C

acho-

eira do Brumado, Passag

em de Mariana, Cláudio Manoel,

Bandeirantes, Camargos e San

ta Rita Durão: cada um

, com

suas ruas de almas e gente

s simples, compõe um pouco

do que é Mariana.

Jamylle mol

“Quem sabe assim, lendo a reportagem no jornal, eles lembram que a gente também vota e aparecem de novo por aqui?”. O desa-bafo da dona de casa Maria Cezário, 32 anos, traduz o sentimento de abandono de quem vive nos distritos e subdistritos de Mariana. Problemas como falta de segurança, ausência de ambulâncias e mé-dicos frequentes nos postos de saúde e precariedade na infraestrutura atrapalham o dia a dia de quem mora longe da sede do município e que, aparentemente, também está distante do olhar da administra-ção pública.

Em Monsenhor Horta, a 17 km do centro urbano, os moradores da Rua Raimundo de Assis Ventura, nos arredores da antiga estação de trem, têm que conviver com um alagamento na via que dá acesso às suas casas. A concentração de barro podre provoca mau cheiro e facilita a aglomeração de mosquitos. Segundo o comerciante Osvaldo Soares, 66, o problema existe desde que ele se mudou para lá, em 2007. “Na última eleição, o prefeito falou que iria jogar cascalho aqui para resolver o problema, mas até hoje nada foi feito”, conta.

A situação de quem vive na Rua do Galho, no mesmo distrito, também passa longe da ideal. Um buraco formado na encosta da rua ameaça as bases das casas construídas no local. Para entrar em seus lares, os moradores tiveram que improvisar pequenas pontes de madeira. A obra que poderia resolver a situação, iniciada no fim do

ano passado, está parada. “Quando chove, a água se acumula nas manilhas e chega a ficar da altura dos nossos joelhos, invadindo as casas”, explica o aposentado Givaldo Calixto, 50.

Para driblar os problemas no posto de saúde, a Associação dos Moradores do subdistrito de Barroca mantém, por conta própria, uma ambulância para casos de emergência. “Se a gente precisa de um re-médio, não tem. O posto não abre nos finais de semana e há me-ses estamos sem médico. Se passar mal, como a gente faz?”, ques-tiona o aposentado Dário João Gonçalves, 65. “Estamos praticamente abandonados”, completa José Rocha, 63.

A falta de segurança é outra preocupação para os moradores dos distritos. Não há guardas ou qualquer tipo de vigilância pública nes-ses locais. “Vez ou outra passa uma patrulha, mas não é constante”, conta a auxiliar de enfermagem Maria Aparecida Juventino, 45 anos.

Em Mariana, a ideia de separação que define a palavra distrito ganha um sentido mais evidente. Por aqui, esses nove lugares pare-cem pertencer a um universo próprio. As oportunidades não chegam a virar a curva da estrada que sai da cidade; elas vão diminuindo aos poucos com o rodar dos quilômetros. No entanto, quem anda pe-los distritos ainda pode ver propagandas políticas pregadas na parede, escancarando números e promessas das últimas eleições. Agora, aos rostos estampados, só é preciso relembrar que a realidade não muda com os finais de outubro e que a cidade não termina onde parece.

Os problemas parecem não ter fim...

Da esquerda para a direita: (1) Prisco Macário de Souza sente saudades do tempo em que os jovens escutavam as histórias contadas pelos idosos em Furquim; (2) sede da Corporação Musical Sagrado Coração de Jesus e do coral Nossa Senhora do Rosário em Padre Viegas; (3) Mirene Ulhôa faz questão de enfatizar que é muito difícil viver só de artesanato, em Cachoeira do Brumado

ESPECIAL

Da esquerda para direita: (1 e 2) em Monsenhor Horta, vala no asfalto obriga moradores a improvisarem pequenas pontes para entrar em casa. Segundo Osvaldo Soares, a rua em frente a sua casa está tomada por poças de água poluída há pelo menos seis anos; (3) o posto de saúde de Barroca não funciona aos finais de semana e o único orelhão do distrito está quebrado

Fotos: Lais Queiroz

Page 7: Jornal Lampião - 9ª Edição

7Edição: Caroline Fernandes, Jamylle Mol, Joyce Afonso e Lais Queiroz

Arte: Rayana Almeida

Abril de 2013

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“Um dia cercam à beira um lote de terreno. Surgem em seguida os alicerces de uma casa. Depois de outra e mais outra...”. Segundo João do Rio, na crônica “A rua”, é assim que surgem as cidades, repletas de ruas, almas e gentes. Mariana nasceu por entre montanhas, modestamente escondida entre suas ladeiras. Mas onde (não) termina a cidade, começam outras histórias: quem resolve seguir as estradas – ora de terra, ora não – que saem do centro urbano em direção aos distritos, se depara com outra realidade que, às vezes, parece estar distante, escondida no seu próprio universo. Durante uma semana, o LAMPIÃO percorreu esses distritos, ouviu histórias e conheceu, de perto, os desafios e as vantagens de morar ao mesmo tempo tão perto e tão longe do centro da cidade.

Onde (não) termina a cidade...

Caroline França

Quem está acostumado com a agitação dos centros urbanos surpreende-se com a calmaria que envolve Furquim e Padre Viegas. A vida de quem mora nesses distritos não é marcada somente pela tranquilidade, mas também pela amizade que todos mantêm, pelas memórias, pelos “causos” contados de pais para filhos e, ainda, pela hospitalidade.

“Aqui todo mundo é amigo de todo mundo. Um está sempre ajudando o outro. É como se fosse uma família só”, comenta a telefonista Maria Marta Dutra, 61 anos. Nascida e criada em Furquim, afirma que não se mudaria de lá de jeito nenhum. “Pra gente que mora na roça é muito difícil quando você troca a paz de um lugar igual Furquim por Mariana”.

A relação de confiança estabelecida entre os moradores permite que a comerciante Ira-ci Vidigal, 65, mantenha, até hoje, o uso da caderneta para anotar as compras dos clien-tes. O estabelecimento comercializa de tudo um pouco, de mantimentos até materiais de construção. A ideia de aumentar a variedade de produtos surgiu a partir da demanda. “Pelo

menos serve a pessoa na hora que está preci-sando”, diz.

As lembranças dos tempos antigos não es-capam à mente de quem sempre viveu por lá. A Estação Ferroviária Furquim servia não só como ponto de encontro dos casais de namo-rados, mas também como meio de adquirir jor-nais e revistas. Sua restauração foi uma das condições para que a Alcan Alumínio do Bra-sil Ltda. implantasse uma pequena hidrelétrica no distrito. “Pra gente ter a lembrança daque-la estação que a gente conheceu, eu pedi que eles restaurassem”, conta o aposentado Prisco de Souza, 76.

Padre Viegas Uma das festas de maior destaque em Pa-

dre Viegas é a comemoração do aniversário da banda Corporação Musical Sagrado Coração de Jesus, que este ano completa 123 anos. A procissão que parte da sede e vai até à Igre-ja Nossa Senhora do Rosário, onde é celebra-da uma missa, compõe a parte religiosa da celebração. Há, ainda, um almoço para toda a comunidade e a apresentação do “bandão”,

que é formado por bandas convidadas. Para o contramestre Geraldo Gomes, a banda abri-lhanta as festas. “A gente está sempre fazendo apresentações tanto aqui na comunidade como fora”, conta.

Para a telefonista Geralda Maria Gonçalves, 57, o distrito é como se fosse um bairro por ser tudo muito próximo. “O pessoal sai daqui para poder trabalhar. A diferença é que aqui não tem um meio para as pessoas sobrevive-rem”. Apesar de ter nascido e sido criada no distrito, morou quatro anos em Mariana. “Eu voltei pra cá porque é melhor. Eu gosto é de ficar aqui”, afirma.

Nos tempos em que o aposentado Geral-do Cornélio, 85, cozinhava carvão, havia pou-cas moradias. “Agora aqui mudou. Só a quan-tidade de casa que fez aqui, foi muita”. É a mesma impressão que o aposentado Francisco Moreira, 84, tem. “Agora estou achando que aqui tem mais gente de fora”, observa. Para ele, o local é muito acomodado, o que atrai outros moradores. “Aqui, graças a Deus, não tem acontecido coisas igual acontecem nessas grandes cidades. É muito tranquilo”.

Permanecem as tradições...

... e, sobretudo, as memórias

isabela azi

Gente acolhedora, ruas tranquilas e artesanato por toda parte. Essa é a impressão quando se chega a Cachoeira do Brumado, distrito com aproximadamente 2,8 mil habitantes, localizado a 27 km da sede. Logo na entrada, as placas sal-tam aos olhos e convidam o visitante a conhecer as fábri-cas de pedra sabão, as lojas de artesanato e a cachoeira. Ao descer pelas ladeiras de asfalto novo – feito no começo des-se ano – é fácil identificar em qual casa mora um artesão. Os tapetes pendurados nas garagens, prontos ou em fase de produção, não negam que ali é a tradição que fala mais alto.

Fazer tapete é quase uma regra nas famílias de Cacho-eira. Antigamente, era na infância que se aprendia a tecer, mas hoje o interesse pelo artesanato tem diminuído. A arte-sã Maria do Carmo Silva, 47 anos, conta que aprendeu com a mãe, aos sete anos de idade, e orgulha-se: “Eu criei três filhos, construí minha casa e comprei meu carro fazendo ta-pete. Se algum dia eu parar, vou adoecer. Quero ficar ve-lhinha fazendo tapete”.

TurismoEm Cachoeira, a produção de tapetes e panelas é alta e

as lojas estão cheias de produtos artesanais, mas os com-pradores não chegam até lá. A artesã Mirene Ulhôa, 61, diz que uma das alternativas é revender as peças para lojistas de Mariana. “Tem artista aqui parado, porque era o turis-mo que sustentava. As pessoas pararam de visitar e o artis-ta para de produzir”, acrescenta.

Para o artesão Edeir Eleutério, é possível viver tranqui-

lo só de artesanato, mas para isso é preciso buscar possibi-lidades de venda fora de Mariana. Edeir, que trabalha com pedra-sabão há vinte dois anos, vende as panelas que pro-duz em todo o Estado de Minas Gerais, além de São Pau-lo, Rio de Janeiro e Mato Grosso. “É um ciclo: se o turista é bem recebido, ele vai querer visitar o distrito, conhecer a cachoeira, divulgar o lugar e atrair compradores para os ar-tesãos daqui”, explica.

Segundo a Coordenadora de Turismo de Mariana, Lívia Castro, a diminuição no número de turistas tem sido perce-bida no município todo e o Centro de Atenção ao Turista (Cat) pretende realizar uma pesquisa de satisfação dos visi-tantes e consolidar um plano de turismo receptivo na sede para conseguir levar os turistas para os distritos.

EducaçãoAlém do artesanato e das panelas de pedra, o distrito

destaca-se pela educação. A Escola Estadual Dona Repara-ta obteve as melhores notas, entre as escolas públicas de Mariana, no Índice de Desenvolvimento da Educação Bási-ca (Ideb), em 2011. Nas turmas de quinto ano a nota alcan-çada foi 6,1, enquanto a média do município foi 5,1. Já no nono ano a nota foi 5,4 enquanto a média de Mariana, 3,9.

Para a Supervisora da Escola, Jeneci Magalhães, 43, o bom êxito se dá pela participação ativa da família na vida escolar, pela totalidade do quadro de funcionários moradores de Cachoeira do Brumado e por serem, na maioria, efetiva-dos. “Ainda é uma correria atrás de melhorias, porque sem-pre queremos um resultado mais positivo”, acrescenta.

Da esquerda para a direita: (1) Prisco Macário de Souza sente saudades do tempo em que os jovens escutavam as histórias contadas pelos idosos em Furquim; (2) sede da Corporação Musical Sagrado Coração de Jesus e do coral Nossa Senhora do Rosário em Padre Viegas; (3) Mirene Ulhôa faz questão de enfatizar que é muito difícil viver só de artesanato, em Cachoeira do Brumado

VEJA OUTRAS INFORMAÇÕES NA VERSÃO ONLINE:

http://goo.gl/anksm

Fotos: Joyce aFonso

Da esquerda para direita: (1 e 2) em Monsenhor Horta, vala no asfalto obriga moradores a improvisarem pequenas pontes para entrar em casa. Segundo Osvaldo Soares, a rua em frente a sua casa está tomada por poças de água poluída há pelo menos seis anos; (3) o posto de saúde de Barroca não funciona aos finais de semana e o único orelhão do distrito está quebrado

Page 8: Jornal Lampião - 9ª Edição

8 Edição: Jessica Clifton, Laura Ralola, Patrícia Botaro e Rafa Buscacio

Arte: Patrícia Souza

Abril de 2013

Mina Del Rey: a concretização de um destino a olhos nus Prevista para 2014, a reabertura da mina já é uma evidência; prefeito Celso Cota afirma não conhecer o projeto da mineradora Vale

Igreja Mercês de Baixo permanece fechada

Idosos sofrem com precariedade em saúde públicaJessica clifton

Segundo o censo realizado em 2010, pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatísti-ca (IBGE), 9,59% da população marianense está acima dos 60 anos. Esta parcela enfrenta diver-sas dificuldades, como a falta de médicos e o abandono pela fa-mília. Contrariando o que consta no Estatuto do Idoso, não há um médico geriatra que atenda pelo Sistema Único de Saúde (Sus) na cidade.

O atendimento aos idosos é feito por um clínico geral e, quando necessário, ocorre enca-minhamento para outro especia-lista, o que, em muitos casos, é demorado. “Já fiquei quatro anos esperando para fazer um exame de vista, e geralmente espero de três a seis meses para conseguir fazer exames”, reclamou a apo-sentada Ivete Terezinha da Silva, 73 anos, que aguardava atendi-mento na Clínica Previne.

Nos casos mais complica-

dos, como algumas cirurgias e exames, os pacientes são leva-dos para cidades da região com maior estrutura, sendo incômodo o deslocamento de Mariana para poder receber tratamento.

Na cidade, há uma única casa de repouso, o Lar Comunitário Santa Maria, que abriga atual-mente 61 idosos e possui fila de espera. Segundo a técnica de en-fermagem, Ângela Magalhães, a maioria é deixada no lar porque a família não tem tempo para

cuidar da saúde dos entes da ter-ceira idade, que necessitam de cuidados especiais.

Para a nutricionista que já trabalhou no atendimento espe-cífico aos idosos, Érika Mar-tins Grada, o principal proble-ma, não só em Mariana, mas no país todo, é o abandono e a fal-ta de participação da família, fa-tores que podem gerar um qua-dro de depressão.

Para reverter essa condição de abandono, há o programa Recria-

vida, da Prefeitura, que ofere-ce fisioterapia preventiva, terapia ocupacional, oficina da memó-ria, oficina de artesanato, teatro, hidroginástica, coral, caminhada, organização de festas e viagens. Atualmente, são atendidos cer-ca de 500 idosos, que ao encon-trarem outras pessoas da mesma idade, estabelecem laços de ami-zade fazendo com que os parti-cipantes que se sentiam deprimi-dos, comecem a se sentir vivos novamente.

laura ralola

Abril de 2011: A reativação da Mina Del Rey, na zona ur-bana de Mariana, é anunciada pela segunda maior empresa mi-neradora do mundo, Vale S/A. A mineradora também comuni-cou, na época, que um processo licitatório interno iria definir a empresa terceirizada responsável, inclusive ambiental e socialmen-te, pelo empreendimento. Os im-pactos embutidos na reativação ameaçam a qualidade de vida dos moradores de Mariana que temem a poeira, poluição do ar, falta de água e crescimento de-sordenado da cidade.

A falta de informações efe-tivas atentou a população que, em audiência pública realizada em 2011, se mostrou desfavorá-vel à mineração em área urbana. A Vale, no entanto, não deta-lhou informações sobre os im-pactos socioambientais e formas de operação na mina. Dois anos depois, é impossível não indagar o porquê da falta de transparên-cia. Em nota ao LAMPIÃO, a mineradora disse que “o proces-so de arrendamento não foi con-cluído e prossegue em seus trâ-mites internos”.

Muitos dos que moram em Mariana dependem dos postos de trabalho nessas empresas e en-tendem que a atividade minera-dora é importante para o país. O questionamento é, na verdade, onde e como a extração será fei-ta. Para a socióloga e integran-te do movimento civil Mariana Viva, Giulle da Mata, é necessá-rio discutir os limites da atuação da mineradora.

No Bairro Vila Maquiné, vi-zinho à mina, é notável a preo-cupação dos moradores que te-mem a desvalorização de seus terrenos, além das preocupações unânimes que se intensificam em um local tão próximo à minera-ção: nuvens de poeira e conta-minação das nascentes de água da região.

Às vésperas da reativação anunciada pela empresa, as infor-mações não foram cedidas, mas quem chega perto da mina vê os preparativos para o projeto sen-do tocados a todo vapor. Do ou-tro lado da cerca é possível en-xergar os caminhões circulando pelas tão cobiçadas montanhas. Montes de terras acinzentadas entram em conflito com a paisa-gem verde de um lugar onde a

A necessidade de reforma é visível na parte externa da igreja Mercês e Perdões (Mercês de Baixo)

água é abundante, de qualidade e brota até do chão da estrada. Uma área até então destinada à recuperação ambiental pela Vale.

A extração só pode aconte-cer, no entanto, com autoriza-ção do poder público. O prefei-to Celso Cota afirma ainda não

conhecer o projeto da Vale. De acordo com ele, somente depois de ter o projeto em mãos será possível fazer um laudo para en-tender melhor quais serão os impactos e, assim, decidir, junta-mente com a população, o des-tino da mina. À sociedade ci-

vil cabe a cobrança e a pressão contra a falta de informações da mineradora.

rafa Buscacio

Há oito anos, a Igreja Nossa Senhora das Mercês dos Perdões, conhecida como Mercês de Bai-xo, localizada no Bairro Antonio Dias, está fechada para restau-ração. Em 2005, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) começou a re-forma, recuperando o telhado e o forro, segundo o chefe do es-critório técnico, João Carlos de Oliveira.

A prioresa da Arquidiocese, Efigênia do Sacramento, conhe-cida como Dona Nenzinha, afir-ma que desde 2011 a obra está parada por falta de verba. Se-gundo ela, é preciso terminar a pintura interna e externa, arru-mar os forros das naves laterais e do cemitério, e as portas la-terais. Em fevereiro último, fo-ram disponibilizados pelo Iphan R$ 240 mil para concluir a obra, porém, segundo Dona Nenzinha, o orçamento das empresas de restauração é superior à verba. Enquanto isso a restauração se-gue parada. Mesmo assim, ela afirma que a previsão de entre-

ga será em setembro deste ano.A Igreja fechada é uma per-

da não só para turistas, mas, principalmente, para os morado-res que costumavam frequentar as missas e novenas. Dona Con-ceição dos Santos, moradora da Rua das Mercês, onde está lo-calizada a Igreja, comenta que o atraso nas reformas das igre-jas faz com que a maioria de-las fiquem fechadas por muitos anos, o que resultando na perda do que já foi restaurado.

Segundo o Atlas Digital da Pontifícia Universidade Católi-ca de Minas Gerais (Puc-MG) a Igreja das Mercês de Baixo foi construída entre os anos de 1740 e 1773, a autoria do proje-to é desconhecida e sabe-se que o risco da capela-mor, de 1742, é de Aleijadinho. Dentre as inú-meras peças que compõem o acervo da Igreja, merecem des-taque três, atribuídas ao Mestre: São Pedro Nolasco, São Raimun-do Nonato e um crucifixo. Em 1939, a Igreja sofreu uma res-tauração geral e foi tombada em setembro do mesmo ano.

patrícia botaro

“Foge minha Serra vai, deixando no meu corpo e na paisagem, mísero pó de ferro, e este não passa”. Drummond

VEJA MAIS FOTOS E OUÇA A ENTREVISTA COM CELSO COTA NA VERSÃO ONLINE: http://goo.gl/cq5p7

MEIO AMBIENTE

CIDADE

PATRIMÔNIO

aNa caroLiNa MEirELLES

Page 9: Jornal Lampião - 9ª Edição

9Edição: Ana Paula Rodarte, Ana Nepomuceno, Isadora Faria e Ramon Cotta

Arte: Luís Fernando Braúlio

Abril de 2013

Sorrisos sinceros interessamSolidariedade e carinho formam a receita de fundação que cuida de portadores de necessidades especiais em Mariana

Ramon Cotta

Grama bem cortada, paredes bem pintadas, bancos coloridos e brinquedos bem cuidados, as-sim é a Comunidade da Figuei-ra, localizada no Bairro Chácara, em Mariana. Cheguei lá e sentei para esperar o atendimento. Du-rante essa espera, a cada pessoa que passava ao meu lado, eu re-cebia abraços, beijos, apertos de mão, um sorriso, um “tá bele-za?’’. Percebi naquele momento que não conseguiria talvez um grande depoimento para a repor-tagem sobre aquele lugar, e sim uma das expressões mais espe-ciais que os humanos possuem: gestos repletos de carinho.

Carinho. Sentimento mais vis-to na Comunidade. Sempre que perguntava às funcionárias o que elas faziam, primeiramente fa-lavam “dar carinho’’ e, depois, a função que realizavam. Isabel Maria da Silva, que trabalha há nove anos no local, foi uma das que respondeu que sua função é ser carinhosa e depois cuidar da higiene dos usuários. “Eu apren-do aqui com eles o que é o amor. O abraço é o remédio’’.

Amor, artesanato, teatro e música são alguns dos remé-dios utilizados para integrar cada vez mais as pessoas com algum tipo de deficiência à sociedade. Desde 1990, a Figueira funciona em Mariana, e conta, atualmen-

te, com 57 usuários que passam o dia na Comunidade, realizando atividades. A Prefeitura de Ma-riana é responsável por pagar a folha salarial da instituição, mas que necessita de doações de ali-mentos, produtos de limpeza, ou apenas uma visita.

A coordenadora Neuza Elena de Oliveira Melo enfatiza que a população pode visitá-los. “A sociedade tem que conhecer a beleza, a alegria e a inocência

tro é presente. Denize Diva dos Santos, 41 anos, deficiente vi-sual, foi uma das que fez ques-tão de contar a sua vida. Disse que se sente útil lá e seu ho-bby é cantar. “Meu maior sonho é ser irmã de caridade e traba-lhar na Figueira ou com crian-ças’’, revela.

Denize ama rezar e disse que cerca de duas horas do seu dia são dedicadas para orações. “Rezo não só pra mim e para a

Comunidade, e sim para o mun-do inteiro. Até pra quem eu não conheço’’. Na conversa, Denize conta que encara bem a sua de-ficiência. “Problema todo mun-do tem, se um ajudar o outro tudo se resolve’’. Com certeza, Denize, talvez a pior deficiên-cia de uma sociedade seja a fal-ta de amor.

Interessados em ajudar ou marcar uma visita devem ligar para 3557-2179.

Nunca é tarde para dançarIsadoRa FaRIa

Quando soube do Projeto Ro-sários, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), que ofere-ce aulas de balé gratuitas para a comunidade, pensei em poder re-viver todo o charme dessa dan-ça que ficou guardada na pré-adolescência. A experiência foi válida e confesso que depois de tantos anos, o corpo não é mais o mesmo e não reage da mes-ma forma. Balé na fase adul-ta é uma boa opção para quem procura uma atividade física. Os alongamentos são demorados e exigem força de vontade para seguir até o final.

Assim como eu, muitas meni-nas da turma também passaram por aulas de balé quando crian-ças e, agora, estão tendo a chan-ce novamente de voltar a dançar. As duas amigas, Marina Maga-lhães e Dreisse Drielle, ambas de 19 anos, estudantes de Jorna-lismo, estão frequentando as au-las desde janeiro desse ano e pretendem levar o projeto adian-te. Animadas com o balé, disse-ram que gostariam de fazer apre-sentações futuramente.

Sem preconceitosE o grupo não é restrito so-

mente ao gênero feminino. O es-tudante de Educação Física, Da-niel Filipe Gonzaga, 22, também está na turma. A escolha em fa-zer as aulas, além do fato de se-rem gratuitas, foi para melhorar a sua postura corporal. Sua co-lega de curso, Rafaela Rezende, 23, que participa das aulas de balé e das de danças folclóricas, relatou estar sentindo uma dife-rença muito grande, pois jogava rugby e agora tem dificuldades para se acostumar com os movi-mentos mais leves da dança.

Criado em 2009, o Rosários é um projeto de extensão da Ufop idealizado pela professora do curso de Educação Física, Ju-

Descaso com o Cria

ana Paula RodaRte

Quem passa pelo entorno do Centro de Referência da Infân-cia e Adolescência (Cria), na Vila Maquiné, percebe que o lo-cal foi “abandonado” pelo poder público. Portas de vidro fecha-das com madeira e piscina com água esverdeada é o que se vê por ali. Das 300 vagas ofereci-das em oficinas para jovens de sete a 21 anos, só 50 são utili-zadas atualmente.

Hoje, o Cria conta com ape-nas um professor para as aulas de educação física e percussão. No segundo semestre de 2012, foram oferecidas, de acordo com o site da Prefeitura de Maria-na, oficinas de: música; traba-lho; dança; percussão; vigilância patrimonial; esportivas; e refor-ço de português, matemática e inglês.

Em fevereiro último, a Pre-feitura anunciou que o espaço havia sido reativado. Segundo a Coordenadoria de Comunicação Social, “o evento marcou a re-tomada oficial dos projetos”. In-formou ainda que “a seleção dos profissionais, professores e mo-nitores que irão desenvolver as atividades no setor já estão (sic) em andamento e, em breve, to-das as oficinas, atividades e ser-viços prestados estarão funcio-nando de maneira integral para atender os marianenses”. Não foi informado quando as atividades serão normalizadas.

Para a professora de Jornalis-mo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Marta Maia, que desenvolveu um projeto de extensão no Cria, a mudança na coordenação do órgão afeta a permanência dos jovens. “Perce-be-se que essa inconstância le-vou a uma inconstância do pró-prio público. Essa mudança inibe a participação dos jovens, pois a confiança acaba sendo minada”.

além de adquirir uma consciên-cia corporal.

Já o grupo de danças folclóri-cas é formado somente por alu-nos da Ufop. O Rosário de Dan-ças faz apresentações na cidade, em escolas, asilos e espaços pú-blicos, pois também busca a in-teração com os cidadãos.

No ano passado, o grupo se apresentou no 1º Encontro Na-cional Universitário de Dança Folclórica, em Fortaleza (CE), que esse ano ocorrerá em ou-tubro, em Ouro Preto. Também participará da abertura do 9º En-contro Nacional de História da Mídia, na mesma cidade, no fe-riado de Corpus Christi, no dia 30 de maio. O Rosários de Dan-ças estuda as manifestações cul-turais, folclóricas e populares,

que são os usuários. Esse con-tato com eles leva a gente a ver as nossas deficiências, aquilo que a gente deveria estar fazen-do e eles fazem’’, conta.

Lá, você encontra, além de demonstrações de amor ao pró-ximo, gente que quer contar his-tória e te conhecer. “De onde você é?’’ “o que faz?’’ eram perguntas que eu respondia o tempo todo. A manifestação de querer conhecer e receber o ou-

Isadora farIa

Isabel Maria da Silva, funcionária da Comunidade, adotou Arlinda que frequenta a escola regular de manhã e participa das atividades da Figueira à tarde

liana Bergamin. A partir do gru-po de dança folclórica, ela criou as aulas de balé para atender ao pedido da comunidade, que mos-trou interesse para esse tipo de dança. Dessa maneira, começa-ram as aulas de balé destinadas não só aos alunos da Universi-dade, mas para todos os morado-res de Ouro Preto e região, com idade acima de 15 anos.

No começo, as turmas eram pequenas, mas com o tempo a demanda vem aumentando consi-deravelmente. Hoje, há uma lista de espera para frequentar as au-las e a duração é de um ano de atividade física prática. A pro-fessora ressalta os benefícios do balé que são a melhora da fle-xibilidade, através dos alonga-mentos, e a correção da postura,

com o intuito de levar esse co-nhecimento até as pessoas atra-vés da dança, nas apresentações e oficinas que proporciona.

As turmas de balé possuem capacidade para 30 alunos, dentre estudantes da Ufop e membros da comunidade

As aulas de balé são gratuitas e abertas para a comunidade. Interessados podem se inscrever na Se-cretaria do Ginásio Polies-portivo da Ufop. Horário das aulas

Balé:Terças e Quintas 9h às 10h e 14h às 15h

Danças Folclóricas: Terças e Quintas 8h às 9h, 14h às 15h e 17h às 18h

ana nepomuceno

CIdAdANIA

Page 10: Jornal Lampião - 9ª Edição

10 Edição: Bárbara Costa, Caroline França, Isadora Faria e Lázaro Borges

Arte: Tuanny Ferreira

Abril de 2013

A luta dos filhos de Chico Rei pela liberdade

Integrantes da Rede Fora do Eixo e do Coletivo Muzinga durante a segunda edição do Grito Rock Ouro Preto, realizada no carnaval de 2013

Lázaro Borges

Para produzir cultura é neces-sário ter muito dinheiro e apoio político? Nem sempre. Um gru-po de jovens mostra que com criatividade, flexibilidade, oti-mização de recursos e união é possível fazer cultura de forma independente.

Há três anos começava o Co-letivo Muzinga – nome do filho do ex-escravo Chico Rei – for-mado por jovens de Ouro Pre-to e Mariana, com idades entre 18 e 32 anos. É mais um ponto de uma rede de coletivos nacio-

nais Fora do Eixo, que se orga-niza de acordo com os princípios da economia solidária e do fa-zer cultura como plataforma para a intervenção na vida cotidiana.

Os coletivos são espaços de trocas. Um músico que tem um estúdio e precisa divulgar o seu trabalho faz parceria com outro que pode fazer esta divulgação. Os músicos podem tocar de gra-ça em um festival, obter visi-bilidade e circulação em outros eventos nacionais. Assim, se es-tende a rede de colaboração en-tre artistas e coletivos, o que

torna importante a organização de festivais. Em Ouro Preto, já são dois no calendário anual: o Grito Rock, que ocorre em fe-vereiro, durante o Carnaval, e o Festival Pepita de Artes Integra-das, em dezembro.

Para o dramaturgo Julia-no Mendes, guitarrista do gru-po Galanga, que já se apresentou com o grupo Muzinga em ou-tros eventos da Rede pelo país, o coletivo serve como grande in-cubadora para experiências cul-turais, além de ser um ambien-te em que muitos descobrem os

caminhos que desejam seguir na produção artística.

A gestora de mídia, Rafaella Rocha garante que “o bom da região é que aqui há espaço para se trabalhar todas as mídias, o audiovisual, a música, as artes plásticas e cênicas, etc”. Ela diz que os planos para o futuro são grandes, incluindo a aquisição de uma Casa Coletiva, como as que já existem em outras cidades onde o Fora do Eixo atua, para ampliar as experiências de trocas e dar vazão aos anseios culturais do público local.

Com criatividade e união, jovens criam formas de se fazer e pensar a cultura na Região dos Inconfidentes

CaroLine França

A junção da cultura “hip hop” com a cultura brasileira tornou-se marca registrada do “Flash Boys Crew”. Tendo o gosto em comum pela dança, os amigos Jonas de Souza, 27 anos, e Le-onardo Campelo, 28, fundaram o grupo em 2005. A proposta tam-bém tinha o objetivo de inovar o cenário artístico de Mariana com novas coreografias.

Apesar de ser uma cultura es-trangeira, Jonas ressalta que tan-to as músicas que utilizam quan-to as danças que produzem para os shows são uma mistura entre o “hip hop” e os ritmos brasi-leiros. No Carnaval deste ano, o grupo ministrou uma oficina ao público da terceira idade, fundin-do o ritmo com o forró. “A gen-te já faz isso há mais de cinco anos. A gente mistura o Brasil com o hip hop”, diz Jonas.

Financeiramente, o grupo – que é composto por mais seis rapazes – se mantém com o ca-chê que recebe em apresenta-ções. Para Leonardo, “a dança é uma arte, é uma cultura e tem que ser valorizada”. O local de ensaio é cedido pela Escola de Bailados de Mariana, localizada no Bairro Estrela do Sul. O dire-tor Carlos Pires conta que a es-cola surgiu a partir de um pro-jeto social feito em parceria com a Prefeitura e, mesmo quando se tornou particular, houve preocu-

pação em manter não só o ca-ráter filantrópico, mas também o apoio à cultura. “Reconhece-mos o talento deles (Flash Boys Crew)”, afirma Pires.

Jonas dá aulas de “street dan-ce” há sete anos e é o úni-co que tem a dança como fon-te de renda. Leonardo também já foi professor, mas prefere dan-

çar por diversão. Atualmente tra-balha como eletricista e, segun-do ele, a profissão lhe dá maior estabilidade financeira, além de oferecer outros benefícios.

O “breakdance” faz parte da cultura “hip hop”, que engloba, ainda, o MC (Master of Cerimo-nies), o DJ (Disc-Jockey), o rap e o grafite. O modo de se vestir

Hip hop com gingado brasileiro

isadora Faria

Em um domingo desses, era fim de tarde, o céu azul com o sol se pondo compôs um cená-rio agradabilíssimo, não só aos olhos, mas a todos os sentidos do corpo. Estava descendo a Rua do Ouvidor, e eis que olho para o meu lado direito e a ilumina-ção da Igreja São Francisco de Assis me chama a atenção. Os sinos começam a tocar e percebo uma movimentação de pessoas entrando na Igreja. Me aproximo e vejo alguns turistas tirando fo-tos em frente ao largo. Eles aca-bam se misturando aos fiéis que passam correndo para não per-der o horário da missa. Não tiro a razão deles em estarem ali fo-tografando, a arte é encantadora. Como diz Drummond, no poe-ma São Francisco de Assis, “Seu frontispício me basta”. Não pre-ciso dizer mais nada.

Escuto ao fundo o canto do coral da Igreja, que serve de tri-lha para as cenas que presencia-va: duas senhoras, com cabelos brancos e de braços dados, ca-minham em direção a porta da igreja. Um menino, de uns cin-co anos, correndo e chamando a mãe para andar depressa. Escuto a voz do padre dando início ao culto religioso. Resolvo entrar.

Quase que uma experiência única em minha existência, con-fesso a você, leitor, que se es-força para ler esses parágrafos, que se as contas não me falham, esta é a terceira vez que fre-quento uma missa, e a primei-ra de domingo. E estava tão lo-tada que não havia mais lugar para sentar. E o calor? Pensei no porquê de não colocarem al-guns ventiladores ou até mesmo um ar condicionado, mas por um instante havia me esquecido que estava dentro de uma das igre-jas mais antigas do país, tom-bada como Patrimônio Históri-co e Cultural da Humanidade. Tive vergonha de pensar tama-nho disparate.

Voltei a prestar atenção nos dizeres do padre. De repente, um sino, bem agudo, começa a to-car e todos, automaticamente, se ajoelham. Naquele momento, de-pois do susto que levei com to-dos ao meu redor se abaixando, não sabia se fazia o mesmo ou se permanecia em pé. Logo vi algumas pessoas que não se me-xeram e percebi que não seguir a todas as regras não é pecado. E todos acompanhavam a leitura da Liturgia e respondiam ao pa-dre, sincronicamente: “Amém!” e “Graças a Deus!”

Um pouco mais à frente es-tava um idoso, também em pé. Quando o sininho tocou ele não se ajoelhou, mas não por recu-sa ou por conta da idade, ape-nas estava sem lugar. Bom, se eu, que tenho meus 20 e pou-cos anos, estava procurando uma brecha na parede para apoiar-me e descansar um pouco as per-nas, imagina ele? O engraçado é que haviam muitas pessoas mais novas, bem mais novas, senta-das naquela Igreja. Todos po-diam ver os que estavam em pé por falta de assento. E, mes-mo assim, a caridade, ou a pró-pria educação, que a mãe ensina desde criança para ceder o lu-gar aos mais velhos, pelo menos eu, ao alcance dos meus olhos, não presenciei. Só fiquei ima-ginando como seria bonito de ver. E como seria a reação des-se senhor, talvez diria: “Amém.” E todos em coro responderiam: “Graças a Deus!”O grupo Flash Boys Crew ensaia três vezes por semana na Escola de Bailados de Mariana

Missa de domingo

também está ligado à manifes-tação artística e se destaca en-tre os “B-boys” (praticantes de breakdance). Tales Henrique, 19, conta que quando começou a se vestir com calças largas e bonés com aba reta, seus avós estra-nharam. “Hoje a visão dos meus avós mudou, achavam que era coisa de malandro”.

Luis Bocchino / Arquivo coLetivo muzingA

BárBArA costA

CuLTuRA CRônICA

Page 11: Jornal Lampião - 9ª Edição

11Edição: Cinthya Meneghin, Isabela Azi e Yumi Inoue

Arte: Nicole Alves

Abril de 2013

P o r um cami-nho de pe-dras e grama alta o “visitan-te” chega ao pon-to mais elevado do bairro, onde fica a Igre-ja. De lá, a vista é de ca-sas e de gente. Gente (in)visível, gente engasgada, gente que quer falar.

Aos 82 anos, Geraldo Liberato conta que o bairro já melhorou mui-to, desde que se mudou para lá, há cin-quenta e cinco anos. Para ele, a creche, a escola e a policlínica são os principais avanços. “Precisa melhorar muita coi-sa aqui; nós pagamos impostos de coi-sas que não existem. A água não é tra-tada e a única coisa resolvida é o lixo”, acrescenta. Geraldo acredita também que o tratamento da água e a implantação de uma rede de esgosto eficiente teriam im-pacto positivo na saúde dos moradores.

Para Lilia, os problemas vão além da água. “A Prainha está jogada às traças. Precisam olhar a caixa d’água [do bair-ro] e fazer um quebra-molas nessa rua, porque aqui esta cheio de carros”, afir-ma. A moradora refere-se à Rua A, via de acesso à policlínica e outros pontos importantes.

Não são apenas os problemas estrutu-rais que incomodam os moradores. A vio-lência e as drogas têm sido um dos maio-res desafios enfrentados por aqueles que vivem no Santo Antônio. Para Geraldo, a falta de policiamento é um agravante. “O fiscal (sic) tem medo daqui. É preci-so uma pessoa que entenda do assunto e

Cinthya Meneghin

Que Ouro Preto é uma cidade históri-ca, todo mundo sabe, mas será que to-dos conhecem a cidade pelo olhar de seus moradores? Foi o que o LAM-PIÃO foi buscar. Após a revo-lução liderada pelo bandeirante Felipe dos Santos, em 1720, uma queimada deu nome ao atual bairro conhe-cido como Morro da Queimada, que fi-cou desabitado. Foi novamente ocupado em 1934, por q u a t r o mora-d o -

res, entre eles a família de Vera Mar-ta Jesus Matos, que chegou no local aos três anos com os pais. Hoje com 82 anos, é viúva há três de Aristides Gon-çalves de Matos e junto aos seus filhos, nunca mais deixou o lugar.

O terreno comprado pelo seu pai foi ocupado por sua família de sete filhos, 14 netos e 10 bisnetos, sendo que a maioria deles vive em casas construí-das em torno da matriarca, formando a vila da família de Jesus Matos. Histórias sobre como era o Morro da Queimada quando ela chegou e de como construiu a sua vida no bairro, são lembradas com carinho. O local não possuía luz, nem água encanada e para todo o lado que se olhava viam-se resquícios de construções antigas, como os muros de pedras perfei-tamente encaixadas e também pelos mui-tos trilhos espalhados ao longo do morro, utilizados para transportar o ouro extraí-do pelos escravos.

O Morro da Queimada, como os ou-tros morros de Ouro Preto, sofre pre-conceito, pois é vinculado ao tráfico de drogas, assaltos e estupros. Es-ses lugares dificilmente são vi-sitados, e acabam por se tor-nar excluídos da cidade.

A verdadeira história está lá, onde se pode degustar a real co-mida mineira, aquela simples, mas feita com mui-to amor e ca-r i -

q u e s a i b a dominar os meni-nos de hoje, porque está di-fícil”, conclui.

Cinco minutos de caminhada sepa-ram a Rua Rosário Ve-lho do centro de Mariana. No entanto, quando se trata da atenção recebida pelos mo-radores, a distância parece ser muito maior. A ânsia para que se-jam vistos e, principalmente, ouvidos é latente a qualquer um. O que eles querem é atenção, melhorias para o bair-ro e segurança. Mas quando questionados se querem sair dali a resposta é otimis-ta: “Enquanto Deus quiser, vou ficando por aqui”, afirma Geraldo.

isabela azi

“ S om o s carentes, mas somos viven-tes”. Com apenas uma frase, a funcio-nária de Serviços Ge-rais da Guarda Municipal de Mariana, Lilia Francis-co, 63 anos, define o senti-mento de quem vive no Bairro Santo Antônio, também conhecido como Prainha”. A sensação de aban-dono que habita o local não está pre-sente apenas nas reclamações dos mora-dores, mas também no trecho do Ribeirão do Carmo que parece cada vez mais poluí-do, na caixa d’água que está suja e esquecida, na violência e falta de policiamento, que preocu-pam os moradores.

O acesso ao bairro é por uma única rua – a Antô-nio Olinto. Após passar por ela, a próxima é a Rua Ro-sário Velho, onde de fato começou Mariana, com a che-gada dos bandeirantes paulistas no final do Século XVII. A casa número dois é a primeira construção habitada da cida-de, que também foi Câmara, presídio feminino e local de refino de ouro. Ao final de uma ladeira, a Igreja de San-to Antônio - que dá nome ao bairro - pode ser vista lá no alto. Nela, foi celebrada a primeira missa da cidade, no dia 16 de julho de 1696, pelo capelão da Bandeira, o Pa-dre Francisco Gonçalves Lopes.

nho. A cumplicidade entre os moradores e as belas paisagens, como, a vista do Pico do Itacolomi, as ruínas e moinhos do período colonial. Coronéis e seus escravos praticavam a mine-ração no local, por isso, foi o principal lugar a ser povoado e considerado o berço de Ouro Preto. Então, por que não levar os turistas para os topos de Ouro Preto?

As propriedades históricas estão escondidas pela grande quantidade de mato e de casas construídas desordenadamente, isso ocorre devido a falta de investimentos. O bairro foi abandonado com sua história.

De acordo com o presidente da Associação de Mo-radores, Walmir Hiláio Jesus, 52 anos, o seu obje-tivo é fazer um trabalho de conscientização dos moradores, com a prefeitura, para receber os tu-ristas. Mostrar a eles as comidas típicas do lugar, como o café com rapadura, a beleza natural e o povo acolhedor que são algu-mas das características do local.

Dessa forma, o bairro deixaria de ser visto essencialmente como uma moldura do quadro de uma cidade chamada Ouro Pre-to, em que a sua pintura é constituída somente pelo centro histórico.

YUMI INOUE

Do início ao esquecimento

YUMI INOUE

Ouro Preto com

o você nunca viuSanto

Antônio: o

ba

irro

quer falar Dona Vera e sua filha Conceição na casa que pertence à família, uma das primeiras do bairro

O Ribeirão do Carmo (canto direito) foi um dos primeiros locais de exploração de ouro em Mariana

VEJA OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE O BAIRRO NA VERSÃO ONLINE: http://goo.gl/kNOkB

PERFIL

Page 12: Jornal Lampião - 9ª Edição

12 Edição: César Diab e Fábio Brito

Arte: César Diab

Abril de 2013

olhArEs

Vidas que inspiram as ruas

Quem passa diariamente pela Rua São José, em Ouro Preto, conhece José Gomes, de 102 anos. Nasceu no distrito de Botafogo e quando jovem mudou para a cidade ouro-pretana. Traba-lhou como garçom no restaurante Pompéu Trivell. Hoje, aluga o espaço debaixo da sua casa para uma farmácia. “Aprendi a viver com o povo. O povo que me ensinou tudo o que eu sei”, conta.

Maria José Chaves Batista trabalha há trinta e seis anos no Zé Pereira, em Mariana. Grupo ca-ricato bastante conhecido na cidade, conta com 116 bonecos, entre eles personagens marianen-ses conhecidos. Cada boneco demora uma sema-na para ficar pronto, caso tenha sol. Maria ajuda nas caricaturas e costuras das roupas e resume sua profissão de forma simples: “É muito amor que eu tenho pelo o que faço”.

A vida do tímido Maestro “Angu”, como é conhecido em Ouro Preto, é um mistério, mas o que todo mundo sabe é a sua paixão pela músi-ca. “Angu” toca gaita e surdo na Banda do Alto da Cruz e ajuda todos os dias no tradicional bar Barroco carregando caixas e realizando com-pras. “Amo a cidade por ser patrimônio históri-co’’, disse.

Fernando César Ferreira trabalha há vinte anos na feira de Pedra Sabão, em Ouro Preto. Ele conta que seu trabalho é dependente do movi-mento de turistas na cidade. Por dia, faz dez pe-ças e demora cerca de uma hora para cada ob-jeto. O feirante sonha em ter um espaço fechado para garantir a sua segurança, já que são os pró-prios comerciantes que têm que pagar um vigia. “Tenho sorte na vida porque nasci com talento e aprendi tudo sozinho”.

Pedro Lúcio Roberto, 45

anos, vende

quadros pintados por ele

e seu irmão, na Praça

Tiradentes em Ouro Preto,

há vinte e cinco

anos. Fala um pouco de in

glês para receber

bem os turistas estrangeiros e

conta que os

americanos são os que mais compram e que,

infelizmente, os brasileiros dão p

ouco valor para

as obras. Além de ter o tal

ento para pintura,

Pedro quer mais: “Vou vo

ltar a estudar. Quero

fazer Engenharia de Minas”.

“Sou filho de Mariana”, assim se define Geral-do Zuzu Magela. É guia turístico e grande ques-tionador sobre a política marianense. Sua paixão pela cidade começou aos oito anos, quando to-mava conta de carros e, a partir disso, despertou para o patrimônio que a cidade possui. É artis-ta plástico, foi consultor cultural do jornal O ES-PETO, um dos fundadores do Sindicato dos Guias de Turismo e presidente da Associação dos Artis-tas Marianenses.

E lá estava “Futeco”, na Rua das Flores em

Ouro Preto, com a sempre presente camisa do

Cruzeiro. O nome verdadeiro é Valder da Sil-

va, mas é conhecido por todos como “Futeco”, o

cruzeirense. Foi pipoqueiro há muitos anos e la-

vava carros na cidade. Não perde nenhum jogo

e garante que nunca brigou por causa de futebol.

Tem camisa, boné, chaveiro, tudo do time que-

rido. Perguntei para o “Futeco” porque ele ama

tanto o Cruzeiro e ele foi categórico: “É o me-

lhor que tá tendo”.

Rafael Arcanjo Santos é professor de vio-lão e tem cerca de 60 alunos, mas com um di-ferencial: não cobra nada. Professor aposentado, além de conhecer muito sobre a história de Ma-riana, é um apaixonado pela música e já aos 14 anos fazia serenata pela cidade. Toca sempre na região e até se apresentou em repúblicas estu-dantis. Sobre as aulas gratuitas, ele diz: “Você tem que dar o seu coração para as pessoas, caso contrário, você é um inútil”.

André Luiz Cotta há trinta e cinco anos é pi-poqueiro em Mariana, e vende cerca de 300 sa-cos por final de semana. A curiosidade por “Ma-ria Fumaça” o fez aprender a construir réplicas a partir de material reciclável. Conta que através dessa arte a sua vida pessoal melhorou. Mas e a pipoca, Seu André, é boa? “As pessoas não recla-mam, não”.

TexTo: Ramon CoTTaFoTos: IsadoRa BRuzzI