inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

19
1 INSERÇÃO PENTECOSTAL NO COTIDIANO DO CEARENSE (1914-1945) Geovanio Carlos Bezerra Rodrigues 1 Graduação em História - UFC RESUMO Este artigo tem por objetivo analisar a inserção do pentecostalismo clássico no Ceará, no período de 1914 a 1945. O recorte temporal é embasado no livro "Breve História da Assembléia de Deus no Ceará" de Teixeira Rêgo, principal fonte de pesquisa e escrito no ano de 1945. Pretendo conceituar o que é pentecostalismo para, a partir daí, compreender como ele se instalou no Ceará, desde sua inserção na Serra de Uruburetama até os extremos norte e sul do Estado, mapeando seus principais lugares de atuação. Pretende-se também analisar a relação entre o cearense e o pentecostal, relacionando essa nova fé com o modo de vida local. O que se percebe é uma atuação em espaços pouco assistidos tanto pela Igreja, como pelo Governo. Lugares habitados por pessoas humildes e de pouca escolaridade. Este contexto desencadeia uma nova forma de se relacionar com o sobrenatural, sendo assim, um protestantismo mais ligado a questões regionais e ao modo de vida dos que o aderem. Palavras-chave: Religiosidade, Ceará, protestantismo, pentecostalismo. 1 Geovanio Carlos Bezerra Rodrigues é aluno de licenciatura em história pela Universidade federal do Ceará. Endereço: [email protected].

Upload: geovanio-carlos-bezerra-rodrigues

Post on 05-Aug-2015

245 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

1

INSERÇÃO PENTECOSTAL NO COTIDIANO DO CEARENSE (1914-1945)

Geovanio Carlos Bezerra Rodrigues1

Graduação em História - UFC

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar a inserção do pentecostalismo clássico no

Ceará, no período de 1914 a 1945. O recorte temporal é embasado no livro "Breve

História da Assembléia de Deus no Ceará" de Teixeira Rêgo, principal fonte de

pesquisa e escrito no ano de 1945. Pretendo conceituar o que é pentecostalismo para, a

partir daí, compreender como ele se instalou no Ceará, desde sua inserção na Serra de

Uruburetama até os extremos norte e sul do Estado, mapeando seus principais lugares

de atuação. Pretende-se também analisar a relação entre o cearense e o pentecostal,

relacionando essa nova fé com o modo de vida local. O que se percebe é uma atuação

em espaços pouco assistidos tanto pela Igreja, como pelo Governo. Lugares habitados

por pessoas humildes e de pouca escolaridade. Este contexto desencadeia uma nova

forma de se relacionar com o sobrenatural, sendo assim, um protestantismo mais ligado

a questões regionais e ao modo de vida dos que o aderem.

Palavras-chave: Religiosidade, Ceará, protestantismo, pentecostalismo.

INTRODUÇÃO

A religião e a religiosidade nos cercam por todas as partes. Talvez um dos

países que isso se manifeste de forma mais contundente seja o Brasil. Nossa vivencia

social está marcada por uma relação especial com o sagrado. Esta relação se manifesta

de várias formas. Podemos pensar as expressões religiosas brasileiras como DaMatta

(apud ALENCAR, 2007, p. 83): “Assim, se no Natal vamos sempre à missa do Galo, no

dia 31 de dezembro vamos todos à praia vestidos de branco, festejar nosso orixá ou

receber bons fluidos da atmosfera de esperança que lá se forma. Somo todos

mentirosos? Claro que não! Somos, isso sim, profundamente religiosos”. Esse contato

com o místico abre espaço para a diversidade e a aceitação social de novas crenças em

nosso cotidiano. É nesse ambiente que o pentecostalismo se insere. Este tem ganhado

1 Geovanio Carlos Bezerra Rodrigues é aluno de licenciatura em história pela Universidade federal do Ceará. Endereço: [email protected].

Page 2: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

2

grande visibilidade na sociedade na sociedade, seja pela sua expansão eclesiástica ou

pela participação nos meios de comunicação.

O pentecostalismo brasileiro é dividido em três períodos, ou em três “ondas”. A

“primeira onda”, ou pentecostalismo clássico, é a fase marcada pela vinda das três

primeiras igrejas pentecostais para o país. Neste caso a Congregação Cristã do Brasil em

1910, e a Assembléia de Deus em 1911. É marcado pela distinção entre as duas.

Enquanto a Congregação Cristã se mantinha num regime sectário, fechado apenas a

comunidade italiana de São Paulo, nos primeiros anos. A Assembléia de Deus expandia

suas congregações pelo Norte e Nordeste, e a partir de 1927 ao Sul do país. A “segunda

onda”, ou deuteropentecostalismo, é marcada pela pregação em massa nos meios de

comunicação a partir da década de 1950. É aqui que surge o “movimento de Cura

Divina, difundido por intermédio da Cruzada Nacional de Evangelização”2. Neste

momento surgem a Igreja do Evangelho Quadrangular e O Brasil para Cristo. Aqui

começamos a ter a fragmentação do pentecostalismo, em seu caráter proselitista. A

“terceira onda”, ou neopentecostalismo, seria o movimento que vem desde a década de

1970, caracterizado por um aburguesamento da classe média evangélica; uma maior

adequação com a cultura brasileira e como modo de vida “secular”, reprimido pelo

pentecostalismo clássico; uma maior fragmentação denominacional; e por inserir a

“teologia da prosperidade” como corrente teológica mais difundida. Neste momento

destacamos o surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da

Graça, Renascer em Cristo e recentemente a Igreja Mundial do Poder de Deus3.

Este artigo procura analisar a inserção do pentecostalismo clássico no Ceará

entre os anos de 1914 a 1945. Tendo como recorte temporal baseado no livro "Breve

História da Assembléia de Deus no Ceará" de Teixeira Rêgo. Escrito em 1945. É a

principal fonte sobre o período de minha pesquisa. Dividi este ensaio em três partes a

primeira da conceitualização do pentecostalismo, e como ele se instalou no Brasil. No

segundo momento, busco apresentar a inserção no Ceará a partir da Crente Maria de

Nazaré, a partir da Serra de Uruburetama até sua cegada em Fortaleza e as demais

localidades do Estado. Por ultimo, procuro perceber a relação entre o pentecostal e o

cearense, tanto católico, quanto protestante histórico. Como se dará essa relação que a

priori é tensa e conturbada.

2 CAPELLARI, 2001, p. 41.3 Sobre essa discussão das “ondas” pentecostais no Brasil, ver CAPELLARI (2001) e MAFRA (2001). A termologia pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo são utilizados por MARIANO (2005) para designar o mesmo período.

Page 3: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

3

O PENTECOSTALISMO E SUA INSERÇÃO NO BRASIL

O pentecostalismo é um movimento originado no sul dos Estados Unidos

(Califórnia) na primeira década do século XX, que se diferencia das igrejas históricas

(advindas diretamente da Reforma Protestante). Tem como referencial teológico o

metodismo wesleyano e o movimento holiness4. O primeiro se trata do movimento

liderado por John Wesley no século XVIII, que rompe com o conceito de salvação

calvinista onde o homem estaria predestinado a ser salvo desde o nascimento. Mas

mantém a idéia de conversão repentina, onde o individuo tendo convicção de sua

salvação teria uma vida disciplinada, afastando-se dos prazeres do mundo e

concentrando seus esforços na oração e no trabalho religioso5. O metodismo também

pode ser explicado no que Weber (2007, p.111) chama de:

[...] um tipo de religião emocional e ainda assim ascética com a crescente diferença ou até repúdio as bases dogmáticas do ascetismo calvinista é também a característica do movimento anglo-americano, correspondente ao pietismo continental, chamado metodismo [...] E a ênfase no sentimento, despertada em Jhon Wesley pelas influências luteranas e moravianas, levou o metodismo, que desde o início viu sua missão entre as massas, e assumir um caráter fortemente emocional, principalmente na América.

O movimento holiness é um movimento do século XIX, inspirado no metodismo, que

buscava a perfeição cristã através da busca exacerbada de “santificação” pelo que é

chamado de “terceira benção”6. A “primeira benção” seria a conversão, que se seguiria

pelo “processo de santificação” (segunda benção), que desencadearia a “terceira

benção”, que seria o “batismo com o Espírito Santo”7.

Sendo assim em 1906, o pastor William Joseph Seymour deu origem a uma

crença que se propagaria por todo o mundo, e de forma especial no Brasil, o

pentecostalismo. O que ele fez? Em um apequena igreja localizada na Rua Azuza

chamada de Missão Evangélica Apostólica da Fé, ele uniu a primeira e segunda

“benção” em um só processo, evidenciando o que seria o “Batismo do Espírito Santo”.

Em pouco tempo este movimento se alastraria por todo os Estado Unidos e quatro anos

depois ao Brasil8. Não podemos deixar de lembrar que este período é marcado por uma

forte segregação racial nos Estados Unidos. Dentro do próprio protestantismo existia da

diferenciação entre igrejas de negros e brancos. Tendo em vista este contexto, o

pentecostalismo vem como uma resposta social ao embate racial nacional. 4 Loc, cit.5 SOUZA (2007).6 CAMPOS, 2005, n. 67, p.110.7 CAMPOS, Loc, cit. 8 CAMPOS, Op. Cit., p.111, 112.

Page 4: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

4

Além de fundada por um pastor negro de descendência direta de escravos do sul,

ela convergia a um publico esquecido pelas demais denominações protestantes da

época. Talvez o mais interessante de ser percebido neste movimento seja quem o fazia.

Não era mais uma igreja de negros ou de brancos, mas também de mulheres e latinos.

A fé pentecostal consiste é baseada na experiência descrita no livro bíblico de

Atos dos apóstolos, capitulo 2, que seria os “dons do Espírito Santo: falar em outras

línguas (glossolalia), a cura e o discernimento do espírito9. Dentre esses a glossolalia é o

que mais identifica o pentecostal.

O “falar em línguas”, neste sentido, é uma decorrência da manifestação do Espírito Santo na personalidade individual. Quando o crente “fala em línguas”, com efeito, ele sente que o faz por interferência do Espírito de Deus, manipulado por ele. A entrega ao Espírito Santo é carregada de emoção, não sendo raras as lágrimas e, às vezes, a perda de consciência durante o transe (CAPELLARI, 2001, p38).

A base teológica do pentecostalismo é bem simples, talvez por isso vá ter grande

aceitação em áreas periféricas, como vai acontecer no caso brasileiro.

O pentecostalismo chega ao Brasil no ano de 1910 respectivamente em São

Paulo, com a Congregação Cristã no Brasil, fundada pelo italiano Luigi Francescon; e

em Belém com a chegada Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores da Assembléia de

Deus no Brasil. Ambos tiveram contato com o pentecostalismo norte-americano. Por

uma questão de fontes e documentação, nos deteremos ao caso da Assembléia de Deus.

No dia 19 de Novembro de 1910, desembarcam no porto de Belém os dois

missionários suecos que implementariam o pentecostalismo no norte do Brasil, e como

conseqüência, no país inteiro. Foram acolhidos pela Igreja Batista de Belém, já que

pertenciam a mesma denominação nos Estados Unidos. A sua relação com os Batistas

foi tensa em seu primeiro ano no Brasil. Como as idéias dos missionários estavam sendo

disseminadas através de reuniões não oficiais na casa dos missionários, estes dois logo

ganharam a antipatia da liderança Batista da cidade. O próprio Daniel Berg em sua

autobiografia narra essa relação:

Certa noite o pastor da igreja apareceu em nossa modesta morada. Quando abriu a porta, defrontou-se com uma onda de hinos e orações. Levantamo-nos e, depois de saudá-lo, convidamo-lo a participar do culto improvisado. Ele se recusou e declarou que havia chegado a hora de tomar uma decisão [...] Acusou-nos de havermos semeado duvidas, inquietações e de ser separatistas [...] A seguir, o pastor dirigiu-se ao pequeno grupo e perguntou: “Quantos estão de acordo com essa falsa doutrina?” Decididamente 18 pessoas levantaram suas mãos. Eles sabiam que essa atitude causaria a expulsão da igreja (BERG, 1982, p. 44-47).

9 MARIANO, Op. Cit., p.10.

Page 5: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

5

A partir deste embate, os missionários suecos foram expulsos da Igreja Batista

juntamente com os outros 18 membros da reunião citada, deram inicio a Assembléia de

Deus, em 1911.

Este confronto entre os batistas e os pentecostais pode ser entendido percebendo

o contexto social de Belém. A cidade tinha mais outras duas igrejas evangélicas na

época, a Presbiteriana e a Episcopal. Mas com certeza nenhuma delas tinham uma

atuação tão contundente na periferia como a Igreja Batista. Sendo assim, o

pentecostalismo, que desde sua origem privilegia as áreas de maior vulnerabilidade

social, vai tomar o espaço que antes era batista.

Para Clara Mafra (2001) o pentecostalismo teve grande aceitação nas classes

baixas por três motivos. Primeiro seria a santificação a partir da leitura da bíblia. Para

isso, tinha-se a utilização da escola bíblica dominical com forma de alfabetização em

massa, principalmente de trabalhadores rurais, balconistas, ferreiros, seringueiros, entre

outros. Em segundo lugar a facilidade que cada membro teria de abrir uma nova

congregação. Cada participante da igreja era um missionário. Sendo assim, cada novo

converso poderia ser chamado para a abertura de uma nova Assembléia de Deus. Em

terceiro lugar, a disciplina religiosa que se detinha basicamente aos comportamentos

socias dos fiéis – ao modo de se vestir e na proibição de vícios como fumo, bebida,

jogos de azar – e não a questões teológicas.

Desde o principio a nova igreja assustou a burguesia católica e evangélica. As igrejinhas da Assembléia de Deus se multiplicaram pelas cidades e interior do Brasil, reunindo gente humilde que se vestia segundo o molde dos missionários suecos: terno para homens, vestidos longos e cabelos compridos para mulheres (MAFRA, 2001, p. 30).

Outra forma de explicar a aceitação do pentecostalismo no Brasil é o hibridismo

cultural e o sincretismo religioso. Uma das recentes obras historiográficas que

apresentam esta discussão é a dissertação de mestrado de Emiliano Unzer de Macedo.

Segundo ele a religiosidade brasileira (sincrética) possibilitou a implantação do

pentecostalismo no Brasil, e a religiosidade brasileira é composta por muitos casos de

sincretismo10. Mesmo a Igreja Católica sendo a detentora do maior número de fiéis.

Outro fator é que o pentecostalismo brasileiro é nacional. As igrejas históricas estão

normalmente ligadas a comunidades de imigrantes europeus, em especial alemães e

italianos. Mas como ressalta Gedeon de Alencar “[...] o pentecostalismo, apesar de sua

10 MACEDO, 2007, p. 17-21.

Page 6: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

6

origem estrangeira, sempre esteve mais próximo da cultura nacional. Exatamente por

ser periférico e pobre”11.

A expansão do pentecostalismo se dá primeiramente ao nordeste para só em

1921 chegar ao sul12. Sendo assim, o Ceará foi um dos primeiros estados brasileiros a ter

conversos a essa nova fé.

O PENTECOSTLISMO NO CEARÁ

Neste tópico gostaria de me deter ao mapeamento das igrejas pentecostais que

foram surgindo no Estado a partir de 1914. Infelizmente não temos muita documentação

sobre a época, o que dispomos é do livro escrito pelo pastor Teixeira Rêgo13, em 1945

falando sobre a expansão da Igreja no Estado. Sendo assim, ele se torna a principal

fonte sobre o assunto, no período estudado.

A inserção do pentecostalismo no Ceará se dá em 1914 através da crente Maria

de Nazaré. Esta é apresentada como a segunda crente “batizada com o Espírito Santo”

no Brasil. Ela seria batizada no dia 9 de julho de 191114, um dia depois do inicio dos

trabalhos da Assembléia de Deus no Pará. Pouco se tem de documentação sobre ela,

mas o que se sabe é que conheceu o pentecostalismo enquanto esteve em Belém, em

1911. Quatro anos mais tarde voltaria para sua cidade Natal, São Francisco, na Serra de

Uruburetama, para testificar de sua nova fé aos seus familiares. Como não foi acolhida

pelos tais, se refugiou em uma Igreja Presbiteriana “independente” no Sítio Santana, na

mesma serra15. Esta congregação veio a aceitar o “batismo com o Espírito Santo”

pregado por ela. No mesmo ano é enviado de Belém o pastor Adriano Nobre, para dá

inicio aos trabalhos da Assembléia de Deus na região. Em 1919 as pequenas

congregações começam a se espalhar pela serra até chegar à região praiana com seu

estabelecimento em Paracurú. Também há de igrejas em “Calumbi”, “Casa de telha”,

“Maleitas” e “Muriti”, na mesma serra.

Diferente do protestantismo histórico, o pentecostalismo não teve sua inserção a

partir da capital do Estado, ou no sentido do litoral para o sertão16. De 1914 até a década

11 ALENCAR, 2007, p. 20.12 CAPELLARI, Op. Cit., 2001, p.40.13 RÊGO, José Teixeira. Breve História da Assembléia de Deus no Ceará. Fortaleza: Urânia, 1942.14 O próprio Daniel Berg se refere a ela desta maneira em uma entrevista ao programa de rádio da Assembléia de Deus em Santa Catarina na década de 1950.15 RÊGO, Op. Cit., p. 9, 10.16 Como aconteceu, por exemplo, no Pará. Par analisar a implantação do pentecostalismo neste Estado, ver BERG (1982).

Page 7: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

7

de 1930, o principal foco das igrejas pentecostais vai ser a Serra de Uruburetama. Isso

mostra uma característica de instalação em áreas periféricas, típicas do movimento

pentecostal, em seus primeiros anos. Sua expansão se dará sertão adentro em 1922 ter a

primeira tentativa de inserção em Fortaleza.

Outra característica que é percebida na implementação das igrejas, é onde elas

estão localizadas. Como já se imagina os protestantes da época não tinham muitos

templos para realizarem seus cultos. Normalmente essas reuniões aconteciam em suas

próprias casas ou em pequenos templos localizados em sítios. Podemos elucidar esta

questão como o exemplo da fazenda “lagoinha”. Onde se encontra a Igreja presbiteriana

que acolhe Maria Nazaré. Ela esta localizada no Sitio Santana, que é posse de Cordulino

Teixeira Bastos17. Na própria escrita de Teixeira Rêgo, percebemos a diferenciação que

ele faz sobre essas fazendas e os pequenos distritos e cidades que as igrejas começam a

aparecer. Normalmente os nomes dessas fazendas são descritas entre etapas, como no

caso de “Lagoinha”, já as cidades são descritas de forma natural, como Iguatú,

Fortaleza, Jardins.

O pentecostalismo chega a Capital em 1922, através de cultos familiares no

bairro São Gerardo. No ano seguinte as missionárias suecas Ingre e Esther Anderson

começaram a realizar cultos, em uma casa alugada na Rua Tristão Gonçalves. No

mesmo ano o pastor Bruno Skolimosky, vindo do Pará, abre uma congregação na rua D.

Izabel, próximo a travessa Menton de Alencar18. Este ganhou a antipatia das

missionárias suecas, o que culminou no fim das duas congregações. Assim como relata

Teixeira Rêgo (1945, p. 49): “Em novembro de 1926, passei em Fortaleza, com minha

esposa, indo para o Rio de Janeiro [...] e já não tinha mais congregação ‘pentecostal’ e

nem as missionárias estavam em fortaleza”.

Em 1929 a igreja envia o pastor Antônio Rêgo Barros, que restabelece os

trabalhos da igreja no Arraial Moura Brasil, em 7 de setembro de 192919. Esta data vai

ser escolhida com o aniversário da Assembléia de deus no Ceará. Em 1932 Teixeira

Rêgo assume da igreja e no ano seguinte transfere a congregação para o Benfica. A

partir de 1932, a congregação o para o Benfica. A partir de 1929, a congregação de

Fortaleza passa a administrar as demais igrejas em todo o Estado. A partir daqui temos a

17 RÊGO, Loc, cit.18 RÊGO, Op. Cit, p. 48.19 Tanto é que no dia 7 de setembro de 2009, foi comemorado os 80 anos das Assembléias de Deus no Ceará.

Page 8: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

8

expansão para as cidades circo vizinhas a capital, como Maranguape, Acarape e

Pacatuba.

Em 1936 surgem congregações no norte do Estado em cidades como Sobral,

Camocim e na Serra da Ibiapaba. Ao sul são abertos trabalhos religiosos em Crato e

Campos Sales. Na região central temos igrejas em Aracoiaba, Morada Nova, Riacho do

Sangue (atual Jaguaretama) e Quixadá.

O CEARENSE E O PENTECOSTAL

O que marca a relação entre o pentecostal e o cearense, no inicio do século XX,

é o conflito. A herança católica era muito forte desde os primeiros anos de colonização

brasileira. Essa herança faz com que haja um distanciamento por grande parte da

população e credos condenados pelo catolicismo. Um dos propagadores desse

distanciamento era o jornal “O Nordeste”. Este jornal sempre denunciou a ação de

outras religiões, como protestantismo e Kardecismo. Eram muito comuns notas

alertando o fortalezense sobre a atuação de vendedores de bíblias protestantes.

Avisamos ao publico que as bíblias e livros religiosos que um vendedor ambulante apregoa, na calçada, ali a esquina da travessa Morada Nova com a Floriano Peixoto, em frente as paradas de bondes, são genuinamente protestantes. Editados em sua maioria por uma Sociedade Bíblica americana. Vale o aviso porque tal vendedor ao ser perguntado sobre o assunto, foge manhosamente a resposta clara, dizendo “não há bíblias protestantes ou catholicas, pois a bíblia é só uma”. O povo não deve deixar enganar pela cirunstancia de os livros serem bonitinhos e baratos. Aquilo é fruto de dinheiro estrangeiro que vem para o Brasil com a [...] finalidade de arrancar aos brasileiros os seus sentimentos catholicos20.

Essa mesma nota foi publicada no dia seguinte, porém é vista com periodicidade

neste jornal. Não apenas notas de alertas, mas também o jornal promove um campanha

anti-protestante que intitulou de “Catecismo do Povo”. Do dia 22 de janeiro até 15 de

fevereiro de 1938, diariamente o jornal tinha uma coluna que explicava aos seus leitores

o que era o protestantismo e o que fazer diante de um crente proselitista. Essa ação era

resposta ao congresso batista que aconteceria na cidade em fevereiro do mesmo ano. A

ação deste jornal é um instante de defesa utilizado pela Igreja Católica, pois o leitor, ao

se deparar com estas notícias tende a enxergar o protestantismo como um mal a

sociedade cearense, o que ocasiona um distanciamento dos mesmos a novas ideologias

religiosas.

20 O Nordeste. 17.01.1936, p. 6.

Page 9: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

9

Neste contexto Gedeon de Alencar (2005) apresenta a questão pentecostal. Ele

vai observar que uma característica peculiar neste momento histórico, vai ser o

distanciamento da sociedade em que vive. Explico. Quando o pentecostalismo surge, ele

está inserido num contexto tenso. Como no inicio do século XX, está envolto na

eminência do fim do mundo típico de viradas de século. Não apenas isso, mas também

em um período entre as duas guerras mundiais, onde temos em Hitler como a figura

perfeita do que seria o anticristo. Sendo assim “o pentecostalismo tem uma ‘identidade

sectária’ [...] O pentecostalismo não tem esperança o alguma boa vontade para com o

mundo [...] Ele, o mundo está irremediavelmente perdido e a única relação possível é de

desprezo. Portanto pretende-se, literalmente, sair dele”21.

A pregação pentecostal vai ser voltada para o que seria a “segunda vinda de

Cristo”, onde todos os salvos (crentes) seriam levados para o céu, antes que o anticristo

reinasse sobre a terra22. Isso causou um distanciamento do pentecostal para com o

restante da sociedade. Essa aproximação se dava através da pregação em cultos públicos

e pela “evangelização” pela cidade. A venda de bíblias em praça publica também pode

ser percebido como uma tentativa de aproximação com a sociedade. Essa tática foi a

principal estratégia de pregação de Daniel Berg na inserção do pentecostalismo no

Pará23.

O embate entre pentecostais e católicos ganha tamanha proporção que leva a

igreja na Capital recorre ao poder publico. Em seu livro Teixeira Rêgo descrê em seu

livro uma carta mandada ao secretário de policia do Estado do Ceará. Esta se refere ao

que estaria acontecendo na cidade de Aracoiaba, onde a policia estaria proibindo os

cultos pentecostais e ameaçando os crentes de prisão e até agressão física.

Permita-me V. Excia. dizer o que foi dizer o que foi as ordens que cabo deu ao crentes: - Mandou chamá-lo á sua repartição os que o receberam a intimação foram prontamente , lá encontraram o cabo com uma Bíblia, nela leu algumas passagens e intimou os crentes deixarem sua nova fé e voltarem para a Igreja Romana. Estas determinações do snr. delegado os crentes não aceitaram; o delegado disse que no momento em diante não consentia mais cultos e orações em casas de familiares crentes; se não lhes obedecessem mandava prendê-los e castigá-los. Deante de tamanhas ameaças os crentes suspenderam seus cultos e mandaram comunicar-me, pois que eu já tinha mandado avisá-los de que ia enviar um meu auxiliar para fazer uma visita de costume (RÊGO. 1945, p. 37,28).

Esta relação entre a igreja de Fortaleza e ás do interior do Estado, acaba por

sendo a válvula de escape contra a perseguição imposta nos lugares mais inóspitos.

21 ALENCAR, 2005, p. 47.22 Ver essa discussão em GILBERTO, Antônio (Ed.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.23 Ver BERG, 1982.

Page 10: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

10

Normalmente a igreja da Capital era informada através de cartas e telegramas sobre as

ocorrências das demais localidades, e esta deveria ser o meio de mediação com a justiça.

Podemos perceber isso ao analisarmos a correspondência do pastor da Ibiapaba para

Teixeira Rêgo.

Ibiapaba, 20/6/938Teixeira RêgoRua D. Tereza, 673Rogo levar conhecimento Chefe de Polícia novos atentados contra nossa vida movidos Alberto melo e outros. Quebraram portas pedradas ocasião culto, delegado pedirá garantias delegado Crateús, contudo não confirmamos, rouge Chefe Policia telegrafar delegado Crateús mais firmeza. Minhaesposa periodo descanço choque lamentável. Movidos povo contristado ato selvageria. Freitas de Campos (RÊGO, 1945, p.39).

O telegrama ao ser encaminhado á justiça é prontamente respondido.

Fortaleza, 21 de Junho de 1938Snr. Teixeira RegoDevolvendo-vos o incluso telegrama, informo que, a respeito adotei as necessárias providencia. Atenciosamente. Cordeiro neto, Secretário de Polícia (RÊGO, Loc, cit).

O embate pentecostal não é travado apenas com a sociedade católica, mas

também com as demais denominações protestantes. Em Fortaleza, é convidado a

participar de um culto na casa de um membro da Igreja Presbiteriana Independente no

bairro de São João do Tauape. Neste dia tínhamos sete pentecostais na reunião, estes

escutam uma pregação onde são rotulados de “herejes, canalhas, indignos, mensageiros

do diabo”24. Ele também relata que nem sequer podiam sair da reunião, pois as portas

estavam resguardadas por pessoas que não os deixaram sair. Um encontro premeditado?

Acho mais interessante percebemos este acontecimento como uma resposta das igrejas

históricas a um novo rival que estava emergindo na cidade.

Esses embates podem ser percebidos dentro de uma discussão sobre identidades,

neste caso, religiosas. Essas relutâncias contra o protestantismo pode ser percebida nas

palavras de Bauman dentro de uma conceitualização do fundamentalismo religioso.

As seitas que as igrejas vêem com apreensão com, comprovadamente, a maior ameaça à sua unidade, se multiplicam – e as igrejas são forçadas a assumir a posição de fortalezas sitiadas e/ou instituições em “contra-reforma permanente”. O cânone da fé precisa ser defendido a unhas e dentes e reafirmando diariamente, distração é suicídio, vigilância é a ordem do dia, [..] deve ser identificada a tempo e cortada pela raiz (BAUMAN, 2005. P. 93).

É um sentimento de preservação que vai permear as ações católicas contra os

pentecostais. A identidade protestante destoa a sociedade de uma auto-afirmação

católica. Sendo assim esta deve ser perseguida para que os seus efeitos na sociedade

sejam obsoletos. Essa sensação também perpassa outros protestantes que vêem suas

identidades sendo feridas pela pregação pentecostal. O “batismo com o Espírito Santo”

24 RÊGO, Op. Cit., p.47.

Page 11: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

11

seria ao algo a mais, aquilo que faltava para o protestante histórico. Esta então vai ser

vista como heresia e condenada como uma pratica ligada a Satanás, fonte de todo mal.

Este sistema de autodefesa vai ser usado também por pentecostais que se distanciarão na

devida proporção, do restante da sociedade. Esta perseguição reforça a identidade

pentecostal na medida de que é vista como uma “provação” terrena, que contribui para

um aperfeiçoamento da fé para a eminente volta de Cristo.

Hoje o pentecostalismo mudou. Novas formas de culto e conceitos teológicos

estão inseridas na liturgia pentecostal. Em nossos dias ela assume um papel de

engajamento com a sociedade diferente do período estudado neste artigo. Alencar

(2005) vai se questionar sobre a contribuição evangélica para a sociedade brasileira.

Tendo em vista que as primeiras religiões que vão formar o panteão religioso tem a sua

contribuição na cultura e nos costumes vividos aqui. Ele se questiona em que o

protestantismo contribui para formação de um ethos brasileiro. Mesmo assim ele

defende um protestantismo tupiniquim, ou seja, mesmo com características estrangeiras,

temos sim uma identidade protestante tipicamente brasileira.

No caso do Ceará pentecostal, temos suas origens ligadas a questões trabalhadas

neste ensaio. O pentecostal poder e muito explicar as mudanças e permanências

históricas da sociedade. Com ele se relaciona e é recebido pelo cearense demonstra

como somos apegados a uma identidade pautada na religião e nas suas múltiplas formas

de ser expressada.

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. 2. ed. São Paulo:Arte Editorial, 2007.

BERG, Daniel. Enviados por Deus: memórias de Daniel Berg. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1982.

CAMPOS, Leonildo Silveira. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouco avaliada. In: Revista USP, São Paulo, n. 67, p. 100-115, setembro/novembro, 2005.

CAPELLARI, Marcos Alexandre. Sob o olhar da razão: as religiões não católicas e as Ciências Humanas no Brasil (1900 - 2000). 2001. 236 f. Dissertação (Mestrado) – F.F.L.C.H. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

MAFRA, Clara. Os Evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

Page 12: Inserção pentecostal no cotidiano do cearense (1914 1945)

12

MACEDO, Emiliano Unzer. Pentecostalismo e religiosidade 2007. 361 f. Tese (Doutorado) – F.F.L.C.H. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.

RÊGO, José Teixeira. Breve história da Assembléia de Deus no Ceará. Fortaleza: Urânia, 1942.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2007.