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Vários autores têm chamado o século 20 “o século da cromatografia”, uma vez que essa técnica foi altamente importante no desenvolvimento de várias áreas das ciências físicas e biológicas durante todo este século. No momento, existem indicações que as cromatografias e as suas técnicas relacionadas também proporcionarão relevantes contribuições neste século 21. Porém, uma indagação que surge desta colocação é se a cromatografia teve início somente no século 20. A resposta a essa pergunta é sim e não, sendo que respostas mais definitivas serão descritas paulatinamente, em maior profundidade, em uma série de artigos que serão publicados na seção Pilares da Cromatografia. Os métodos de separação têm sido empregados durante quase toda a história da humanidade. Atividades como remoção de 2009 | v. 1 | n. 1 7 Scientia Chromatographica I. Michael Tswett e o “nascimento” da Cromatografia Carol H. Collins Universidade Estadual de Campinas Instituto de Química 13083-970 – Campinas (SP) Brasil Resumo Este capítulo de "Pilares de Cromatografia" sumariza a vida do M.S. Tswett e as suas contribuições ao conceito de cromatografia e às origens das palavras "cromatografia" e "cromatograma". Abstract This chapter of "Pillars of Chromatography" summarizes the life of M.S. Tswett and his contributions to the concept of column liquid chromatography and to the origin of the words "chromatography" and "chromatogram". Palavras-chave História da cromatografia, M.S. Tswett, Cromatografia líquida, Cromatografia em coluna. Keywords History of chromatography, M.S. Tswett, Liquid chromatography, Column chromatography.

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Vários autores têm chamado o século 20“o século da cromatografia”, uma vez que essatécnica foi altamente importante nodesenvolvimento de várias áreas das ciênciasfísicas e biológicas durante todo este século. Nomomento, existem indicações que ascromatografias e as suas técnicas relacionadastambém proporcionarão relevantes contribuições neste século 21.

Porém, uma indagação que surge destacolocação é se a cromatografia teve início somente no século 20. A resposta a essa pergunta é sim e não, sendo que respostas mais definitivasserão descritas paulatinamente, em maiorprofundidade, em uma série de artigos que serãopublicados na seção Pilares da Cromatografia.

Os métodos de separação têm sidoempregados durante quase toda a história dahumanidade. Atividades como remoção de

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I. Michael Tswett e o “nascimento” da Cromatografia

Carol H. Collins

Universidade Estadual de CampinasInstituto de Química13083-970 – Campinas (SP)Brasil

ResumoEste capítulo de "Pilares de Cromatografia" sumariza a vida do

M.S. Tswett e as suas contribuições ao conceito de cromatografia e às

origens das palavras "cromatografia" e "cromatograma".

AbstractThis chapter of "Pillars of Chromatography" summarizes the life

of M.S. Tswett and his contributions to the concept of column liquid

chromatography and to the origin of the words "chromatography" and

"chromatogram".

Palavras-chave

História da cromatografia, M.S.

Tswett, Cromatografia líquida,

Cromatografia em coluna.

Keywords

History of chromatography, M.S.

Tswett, Liquid chromatography,

Column chromatography.

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contaminantes por filtração em areias ou deexcesso de sal por contato com certas folhasencontram-se descritas na Bíblia e em trabalhosgregos e egípcios antigos. Outros métodos deseparação, como destilação, extração porsolvente e amalgamação, foram empregadospelos alquimistas. Os efeitos resultantes da“adsorção” foram descritos no século 16 para um processo de preparação de vinho branco a partirde vinho tinto. No século 19, alguns cientistasaplicaram diferentes sólidos para “filtração”,remoção de algumas componentes oufracionamento de líquidos, enquanto outrosfizeram esses fracionamentos em papel.

As separações realizadas em papel comdesenvolvimento no modo circular para aidentificação da “composição” de saisinorgânicos foram iniciadas por F.F. Runge em1834. A sua grande obra foi um livro publicado

em 18551 (Figura 1). Também no meio do século19, C.F. Schönbein2 e F. Goppelscröder3

introduziram separações feitas em tiras de papel,aplicando um tipo de desenvolvimentoascendente (Figura 2) e supuseram que a subidaobservada foi devido à “ação capilar”, similar àascendência de seiva em um árvore. Asseparações aplicando o desenvolvimento circular com água e uma camada de gelatina espalhadasobre uma placa de vidro foram descritas em1889 por Beyerlink4 e um tipo de troca iônica, naqual amônia era substituída por íons potássiodurante a passagem de urina de vacas através deum zeólito natural, foi descrito,independentemente, por Thompson5 e por Way6

em trabalhos publicados em 1850. Umadescrição de separações de sais inorgânicos queocorreram devido à passagem de um líquidoatravés de um sólido disposto em uma coluna foipublicado por Reed, em 1893, utilizando caulimcomo fase estacionária e água como fase móvel7.Day, nos EUA8, e Engler e Albrecht, naAlemanha9, utilizaram colunas de fuller´s earth(barra de pisoeiro, um produto natural de silicatode alumínio e magnésio) e soluções de petróleoem éter de petróleo (de ponto de ebulição baixo)para fracionar petróleo, em um processo que hoje é chamado “análise frontal”. Estes últimospesquisadores também utilizaram odesenvolvimento ascendente (Figura 3), mascontinuaram o processo até coletar as fraçõesseparadas, o que permitiu distinguir as diferentes fontes das amostras de petróleo.

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Figura 1. Capa do livro de Runge (1855).Figura 2. Sistema para separações em papel utilizado porSchönbein e por Goppelscröder.

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Essas separações ocorreram comoconsequência de um dos mecanismos hojeconsagrado em cromatografia, mas os processosenvolvidos não foram apropriadamentereconhecidos nesses experimentos do século 19.Este reconhecimento somente aconteceu noinício do século 20 com os trabalhos publicadospelo russo Michael Semenovich Tswett, queidentificou o mecanismo do seu processo daseparação como o de adsorção e introduziu apalavra cromatografia ao mundo da ciência.

Michael Tswett nasceu em 14 de maio de1872 em Asti, no norte da Itália. Seu pai, o russoSemen Nikolaevich Tswett, era um oficial dasecretaria de finanças do governo russo. Suamãe, Maria Dorozza, nasceu na Turquia, porémtinha descendência italiana. Ela foi para a Rússiatrabalhar e casou-se com o Sr. Semem Tswett. As responsabilidades do Sr. Semen Tswett faziamcom que ele viajasse muito e a sua esposa quasesempre o acompanhava. Após um período emGênova, o casal planejou férias ao norte da Itália. Infelizmente, Maria Dorozza Tswett ficoudoente, deu à luz prematuramente a um meninoe, logo depois, faleceu. O pai junto com o filho euma “enfermeira lactante” foi para Lausanne, naSuíça. Lá ele deixou o seu filho, ainda bebê, aoscuidados de uma família e voltou para o seu

trabalho na Rússia, visitando o seu primeiro filho com certa frequência. A educação primária esecundária de Michael Tswett ocorreu emLausanne e a sua primeira língua foi o francês,aprendendo, mais tarde, o alemão e o inglês naescola. Em 1882, o Sr. Semen Tswett com a suafamília (o seu segundo casamento deu-lhe maiscinco filhos) mudaram-se para Genebra na Suíçaa mando do seu serviço na Rússia Imperial.Michael mudou-se de Lausanne para Genebrapara viver com a sua família e, com ela, começoua aprender russo.

Após completar o colégio em Genebra,Michael iniciou seus estudos universitários naUniversidade de Genebra. Obteve seubacharelado em ciências com ênfase em botânica em 1893. Pela sua monografia de bacharelado,desenvolvido com o Prof. Chodat, ele recebeu oprêmio “H.Davy” em 1894.

Em 1893 Michael Tswett começou os seus estudos de doutorado na Universidade deGenebra no Laboratório de Botânica Geral doProf. Marc Thury. O seu co-orientador foi Dr.John Briquet, um “assistente” do Prof. Thury. Asua tese de doutorado, aprovada em 1896,descreveu a estrutura da célula, o movimento doprotoplasma dentro da célula e a estrutura decloroplastos. Parte dessa tese indicou aimportância da clorofila e sua contribuição àassimilação da energia solar pela planta, o quemarcou o início de um assunto que ocuparia orestante da sua vida.

Após obter o seu doutorado, MichaelTswett (Figura 4), com 24 anos de idade, viajoupara Rússia para tentar um emprego, pois seu paie a sua família haviam voltado, em 1895, para acidade de Simferopol. A Rússia era um lugaronde Michael Tswett nunca tinha morado epossuía uma língua que ele mal falava. Apósalgumas tentativas decepcionantes de conseguirum emprego em uma área relacionada à botânicae tendo descoberto que um doutorado no“exterior” não era reconhecido pelas autoridadesrussas, Michael Tswett resolveu iniciar um outroprojeto de pós-graduação, um mestrado, em SãoPetersburgo, trabalhando como assistente delaboratório e dando aulas à noite. A suadissertação de mestrado foi desenvolvida no

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Figura 3. Sistema para separações em coluna utilizado porEngler e Albrecht.

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laboratório do Prof. F. Lesgaft e tratou daestrutura físico-química do grão da clorofila. Elafoi defendida em 1901 na Universidade de Kazan (Figura 5). Após o sucesso da sua defesa domestrado, Tswett tentou uma posição nessauniversidade. Ele recebeu uma indicação, mas avaga demorou a ser aberta e Tswett aceitou oconvite de um dos seus professores de SãoPetersburgo, Prof. D.I. Ivanovskii, recentementeindicado para ser o catedrático de botânica naUniversidade de Varsóvia, para acompanhá-lo.

Desta forma, em janeiro de 1902, Tswettmudou para Varsóvia, na parte da Polôniaocupada pela Rússia Imperial, para trabalharcomo instrutor de laboratório no Departamentode Anatomia e Fisiologia de Plantas daUniversidade de Varsóvia. É importante indicarque a Universidade de Varsóvia foi consideradauma das universidades do sistema russo, comaulas em russo. Outras universidades, na parteoeste da Polônia ocupada pelos alemães,mantiveram as aulas em polonês.

Em 1902, Tswett foi promovido aprofessor assistente e lhe foi permitido ministraraulas teóricas. Em 1907, ele foi nomeado“Lecturer” (equivalente a professor assistentedoutor) no Instituto Veterinário da universidade.Em 1908, Tswett transferiu-se para o InstitutoPolitécnico de Varsóvia, onde foi nomeado“Senior Lecturer” (professor associado) embotânica e agricultura. Casou-se com HelenaTrusiewicz, de origem checa, em 1907 (Figura 6).

Durante a pesquisa para seu mestrado emSão Petersburgo, Tswett observou que anéis com cores diferentes apareciam quando ele filtravaum extrato de clorofila em certo tipo de papel.Ele concluiu que o extrato não continha umaúnica substância, mas vários compostos. Assim,quando iniciou a sua pesquisa em Varsóvia coma intenção de escrever uma nova tese dedoutorado, Tswett fez alguns experimentos natentativa de separar esses possíveis componentes presentes em extratos da clorofila.

A primeira etapa dos experimentos deTswett consistiu na obtenção de um extrato defolhas de diversas plantas. Para isso, ele testouvários solventes orgânicos e notou que cadasolvente mostrou um comportamento diferente:

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Figura 4. Michael Semenovich Tswett em Genebra, naépoca da defesa do seu doutorado obtido na suíça em 1896.

Figura 5. Michael Semenovich Tswett em São Petersburgo, naépoca da defesa do seu mestrado no São Petersburgo em 1901.

Figura 6. A senhora Helena Trusiewicz Tswett.

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etanol e acetona extraíam uma quantidaderelativamente grande de substâncias, enquantoque dois tipos de éter de petróleo, isto é, fraçõesde hidrocarbonetos com pontos de ebuliçãodiferentes, extraíam quantidades bem maisreduzidas. Por outro lado, uma vez extraída poretanol, todo o extrato também era solúvel noséteres de petróleo. Essa observação não foiinédita, pois seus predecessores já tinhamrelatado este comportamento e tinhaminterpretado como resultante da transformaçãodo “composto” extraído. A consideração deTswett foi que se tratava de uma série decompostos diferentes e que alguns destes erammais retidos pela estrutura da planta,requisitando um solvente mais forte paraextraí-los. Por outro lado, uma vez removido daplanta, esta “força” que mantinha o composto naplanta se extinguia e a solubilidade dependia docomposto isolado e não do complexo com aplanta. Hoje é reconhecido que essainterpretação estava correta.

A próxima etapa foi separar essescompostos. Nos experimentos iniciais, Tswettadicionou diversos tipos de sólidos orgânicos einorgânicos a uma série de frascos contendo oextrato dissolvido na fração de éter de petróleocom ponto de ebulição mais alto e observou quecada sólido retirou uma parte do extrato.Realmente, essa série de etapas com um extratorevelou a presença de diversas substâncias.

Ele descreveu esses experimentos eapresentou as suas conclusões preliminares emuma reunião da Sociedade de Naturalistas daUniversidade de Varsóvia em março de 1903para uma plateia de aproximadamente 40pessoas, sendo alguns botânicos e químicos. Umrelatório dessa apresentação indicou que Tswettmostrou vários diagramas, porém, como eracomum naquela época, quando estes resultadosforam publicados (em russo) na revista dasociedade em 1905 (Figura 7)10, nenhumdiagrama foi incluído na versão impressa. Emum trabalho recente11, um diagrama (Figura 8)foi feito baseado na descrição das etapas contidano trabalho publicado em 1905 e ele confirmou a

descontinuidade das etapas de separaçãoenvolvidas no processo que Tswett chamou“absorção por precipitação”.

Neste trabalho publicado em 190510,Tswett também indicou que frações poderiam ser obtidas por um processo que ele denominou“adsorção por filtração”, realizado em papel defiltro contendo uma camada de sólido. Algumaspessoas consideram esta a primeira “descrição”

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Figura 7. Primeira página do trabalho de M. Tswett de 1903 em Tr. Protok. Varshav. Obshch. Estertvoispyt. Otd. Biol.1903, 14, 20-39 (data de publicação: 1905).

Figura 8. Esquema do sistema de extração descrito pelo Tswettna sua apresentação em 1903 11. Y = amarelo; G = verde.

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da “cromatografia”. Entretanto, esse trabalho de1905 não continha a palavra “cromatografia” e adescrição da “adsorção por filtração” estavamenos clara que as descrições apresentadas nostrabalhos dos pesquisadores que “filtravam”petróleo.

Em 1905, Tswett publicou um outrotrabalho12 no qual ele criticou os resultadospublicados recentemente por um dos professoresmais renomados da sua área13, o Prof. HansMolisch, professor catedrático do Instituto deFisiologia de Plantas da Universidade de Praga.No seu trabalho, o Prof. Molisch descreveu ospigmentos extraídos de algas marrons, obtidospelo processo de cristalização. Com esseprocesso, o componente majoritário foi isoladona forma sólida e os componentes emquantidades menores foram desprezados. Comisso, foram identificadas várias clorofilasdiferentes, originadas de diferentes algas, queforam correlacionadas com suas origens.

Tswett havia iniciado um estudo com algasem uma das suas frequentes viagens ao norte daAlemanha e discordou dos resultados do Prof.Molisch, indicando que ele havia desenvolvido“um novo e confiável” método de analisarextratos e que esse método indicou a presença demais de uma “clorofila” no extrato de umaespécie, sem entrar em detalhe sobre esse novométodo. A resposta de Molisch foi imediata14,rejeitando os comentários de Tswett e indicandoque não deveria ser permitido publicar umtrabalho sem apresentar dados, ponto de vista estetambém defendido por Kohl15.

Em resposta, em 1906, Tswett publicoudois trabalhos detalhados no Berichte derDeutschen Botanischen Gesellschaft16,17, arevista mais importante da sua área de atuação,apresentando uma descrição do seu método e osresultados obtidos com extratos contendoclorofila (Figura 9). Na descrição minuciosa dassuas pesquisas (mas ainda sem figuras oudiagramas) Tswett indicou que usou um tubo devidro contendo um sólido, orgânico ouinorgânico, tendo sido testados mais de cemsólidos, dos quais os melhores foram carbonato

de cálcio, inulina (um polissacarídeo) e alumina,para a separação dos pigmentos extraídos dasfolhas de plantas. A separação aconteceu pelapassagem, descendente, da solução do extratoem um líquido apolar e que, na sua interpretação,as substâncias mais atraídas pelo sólido forçaram as menos atraídas a percorrerem maioresdistâncias dentro da coluna.

Tswett descreveu um processo que, hoje, é chamado cromatografia líquido-sólido emcoluna seca, na qual a solução da amostra écolocada no topo de um sólido seco (novocabulário de hoje, uma fase estacionária)contido dentro de um tubo de vidro.Aparentemente, nesses experimentos de Tswett,a solução inicial, contendo a amostra,encontrava-se relativamente diluída, poisalgumas bandas distintas já eram evidentessomente com a passagem dessa solução. Após apassagem do solvente no qual a amostra estavadissolvida, iniciou-se a passagem do solventepuro (no vocabulário de hoje, uma fase móvel).Várias fases móveis apolares foram testadas e amelhor foi o dissulfeto de carbono. A separaçãofoi sinalizada pelas bandas de diferentes coresque apareceram e a passagem da fase móvel foicessada quando as substâncias se separaram, sem serem eluídas da coluna. Nenhum dos trabalhosde Tswett descreveu a etapa de eluição como otermo é empregado hoje. O isolamento dassubstâncias separadas foi feito empurrando osólido para fora da coluna, separando as bandasde cor diferente com uma espátula, e extraindocom um solvente adequado a(s) substância(s)

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Figura 9. Títulos dos artigos publicados em 1906: (a) M.Tswett, Ber. Deutsch. Bot. Ges., 1906, 24, 316-32316; (b) M. Tswett, Ber. Deutsch. Bot. Ges., 1906, 24, 384-39317.

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contida(s) nas bandas, para obter o seu espectrode absorbância no UV-visível.

É importante salientar que o próprioTswett considerou as separações realizadas poresse novo método como uma ferramenta quepermitiu estudos de diferentes pigmentosextraídos das plantas, sendo que o alvo de seusestudos foi identificar os diversos compostos que constituíam os seus extratos, comparando asdistâncias percorridas e as cores das bandas umas com as outras, na tentativa de descobrirsubstâncias comuns a todas as plantas e as quepoderiam ser específicas de uma ou outra planta.

Para a história da ciência de separação, ostrabalhos de 190616,17 são considerados de altaimportância porque neles Tswett atribuiu,corretamente, o mecanismo envolvido naseparação, que se baseia na adsorção diferencialdos componentes da amostra pelo sólido (faseestacionária) contido na coluna, ocorrendo odesenvolvimento pela passagem do solvente (fasemóvel), o qual carregava os compostos menosatraídos pelo sólido para distâncias maioresdentro da coluna. Tswett cuidadosamentedistinguiu a “adsorção” que ocorria quando a fasemóvel era descendente do processo de “açãocapilar” das separações ascendente de Schönbein2

e Goppelscröder3, implicando que o mecanismoera diferente. Porém, em trabalhos subsequentes,Tswett admitiu que ambos os processos poderiamacontecer por um mecanismo similar, o deadsorção.

De igual ou maior importância para asseparações, esses trabalhos16,17 introduziram,pela primeira vez, a palavra “cromatografia”,para denominar o processo que estava ocorrendo(ver esta palavra no título do segundo trabalho,Figura 9b). Nesses trabalhos encontram-se, alémdo nome da técnica, a palavra “cromatograma”, para descrever um desenho das bandas separadas na coluna; o cromatograma registrado por Tswett era visualizado dentro da própria coluna devidro, similar ao que acontece hoje emcromatografia planar.

A origem das palavras utilizadas porTswett também é polêmica. A palavra “cromo”vem do grego chroma, com o significado de cor,e a “grafia” também vem do grego graphe,

significando escrever. Entretanto, Tswett, nostrabalhos de 1906 nos quais usou as palavras pela primeira vez16,17, cuidadosamente indicou que aseparação não dependia da cor, mas sim dasinterações das substâncias, coloridas ou não,com a fase estacionária, aplicando o mecanismode adsorção. Entretanto, a palavra chromapoderia ter outra origem: a palavra russa tsvet (amais apropriada transliteração do seu nome russo para o inglês, sendo que “tswett” encontra-se naortografia alemã) também significa cor. Pareceque Tswett utilizou a palavra de origem grega doseu próprio nome para denominar a“descoberta” dessa “nova” técnica. Emconsideração a esse fato, alguns usuários da nova técnica, nas décadas seguintes, a chamaram“Tswettography”.

Um aluno de pós-graduação daUniversidade de Berlim, Gottfried Kränzlin, apósler os dois trabalhos de 1906, decidiu adotar essanova técnica na sua tese na área de botânica. Oobjetivo do seu trabalho foi realizar um estudo deplantas com folhas listradas, um fenômeno quepode ser natural ou induzido por uma infecção.Ele estudou 17 plantas, descrevendo suasanatomias e as presenças de certos íonsinorgânicos, e aplicou a técnica de Tswett paraseparar os constituintes orgânicos. Para as suasextrações, ele utilizou etanol na primeira etapa deextração das folhas, evaporou esse solvente ereextraiu o sólido com dissulfeto de carbono,aplicando essa solução em uma coluna decarbonato de cálcio contido em um tubo de vidrode 100 mm x 1,5 mm (a fase estacionária era de 50 mm). Quando todo o dissulfeto de carbono passou através da coluna, as posições e as cores dasbandas foram registradas e, a seguir, umaquantidade de benzeno foi adicionada ao tubo e asmudanças nas posições e nas cores foramnovamente registradas e comparadas. Osdiagramas resultantes, dois cromatogramas, são,provavelmente, os primeiros cromatogramas comeluição por gradiente em etapas (Figura 10).Finalmente, o sólido foi removido da coluna e asbandas separadas foram extraídas. Essas soluçõesforam então caracterizadas pela absorbânciaespectroscópica. A tese de Kränzlin18 comparouos cromatogramas obtidos por ele com os dados

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apresentados por Tswett nos trabalhos de190616,17 e com um outro trabalho de Tswetdatado de 190719, confirmando as conclusões deTswett sobre a variedade de compostos extraídosdas folhas, porém discordando de uma dasidentificações. A segunda eluição com benzenoseparou uma banda em duas.

Após a defesa da sua tese em fevereiro de1908, Kränzlin publicou um trabalho20 sobre aaplicação da nova técnica de cromatografia.Infelizmente, este trabalho, que confirmou autilidade da cromatografia para estudos deextratos, não teve qualquer repercussão entre amaioria dos químicos e biólogos da época.

Como de hábito, nos períodos entre asaulas, Tswett e sua esposa viajaram para o oesteda Europa. Ele utilizou o seu tempo de férias emvisitas aos diversos laboratórios e bibliotecas epara coletar amostras. Em maio e junho de 1907,ele participou de duas reuniões da SociedadeAlemã de Botânica e demonstrou a sua novatécnica. O aluno de pós-graduação Kränzlinassistiu a uma dessas apresentações e discutiu asseparações de clorofilas com Tswett. Após a

defesa, Kränzlin enviou uma cópia da sua tesepara o Tswett, que estava começando a escrever a sua mais importante obra, um livro que serviriapara obter um doutorado na Rússia Imperial.

A tese de Tswett, sobre as clorofilas nomundo das plantas e dos animais, foi submetida àpublicação no fim de 1908 como um livro, que era o requisito das autoridades russas e, finalmente,publicada em 1910 (Figura 11). A sua defesa detese, com uma banca composta pelos ProfessoresD. Ivanovskii e W. Chmielewski, da botânica, epelo Professor B.Kurilov, de química, ocorreu nodia 28 de novembro de 1910, conferindo o títulode Doutor em Ciências ao Tswett. Em 1911 olivro ganhou um prêmio, o Prêmio Akhmatov, eTswett recebeu uma quantia significativa dedinheiro, da Academia de Ciências da RússiaImperial (Figura 12).

O objetivo principal da tese foi comparar as substâncias relacionadas às clorofilas, àsxantofilas e aos carotenóides encontrados emdiferentes plantas e animais, empregando acromatografia. Além da anotação da posição dabanda colorida no cromatograma, ele retirou a

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Figura 10.: Três pares de cromatogramas de GottfriedKränzlin. (a) após a primeira eluição com dissulfeto decarbono; (b) após a segunda eluição com benzeno. III =extrato das folhas de Pinus aucaparia fol. luteo variegatia; X = extrato das partes amarelas das folhas de Abutilon spec. Erfurter Glocke; XV = extrato das partes amarelas dasfolhas de Evonymus Japonicus fol. aweomarginatis.

Figura 11. Capa do livro de M.S. Tswett, publicado em 1910,apresentado como sua tese de doutorado na Rússia Imperial.

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fase estacionária da coluna, separou as bandas,extraiu o composto com solvente e registrou oespectro UV-visível. Pela técnica cromatográfica,ele “identificou” vários compostos constituintesde seus extratos. É importante indicar que Tswettqueria conseguir um número máximo decompostos para realizar essas comparações, emvez de tentar obter somente um composto puro,após uma série de etapas envolvendo extraçõescom diferentes solventes, como foi a prática naépoca. Por outro lado, ele não tentou estabelecer

outras propriedades dessas substâncias e, por isso, foi criticado pelos químicos e botânicostradicionais que acreditavam que, mesmoapresentando comportamento reprodutível emvárias etapas, um composto não pode serconsiderado puro se não se apresentar em umaforma cristalina, com ponto de fusão definido.Essa polêmica continuou por quase duas décadasapós a publicação do livro de Tswett, que foitraduzido para o francês e o alemão, e fez com que houvesse uma certa demora na aceitação datécnica cromatográfica.

No livro, foram apresentadas figurasilustrando o “equipamento” utilizado peloTswett (Figura 13). Nas suas descrições, Tswettindicou que o desenvolvimento docromatograma (tubo com bandas na partesuperior direita da Figura 13) pode ser feito semnenhuma ajuda ou aplicando pressão (ver obulbo de borracha que pode pressurizar omanifold, o qual suporta vários tubos deseparação e o manômetro de mercúrio. Omanifold continha parafusos de aperto –destaque na parte superior centro da Figura 13 –para fechar um ou mais dos tubos) ou vácuo deum aspirador de água (ver o kitassato na partesuperior esquerda da Figura 13). A maioria das

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Figura 12. Dr. Michael Tswett em Varsóvia, 1911.

Figura 13. Alguns dos equipamentos utilizados por Tswett na sua tese.

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suas separações foi realizada em tubo de 1,5 mmde diâmetro interno, mas Tswett também indicou que tubos de até alguns centímetros de diâmetrointerno mostraram comportamentos similares.

Após a defesa, Tswett continuou publicando trabalhos sobre as clorofilas, as xantofilas e oscarotenóides (o currículo dele inclui mais de 50trabalhos publicados, a maioria em francês oualemão – um fato curioso é que nunca teve umcoautor). Três deles são importantesconsiderando-se a controvérsia/polêmica sobre omelhor método de realizar purificações de extratos, cristalização – o método de Willstätter (professortitular no Instituto Politécnico de Zürich naquelaépoca, mais tarde catedrático do Instituo deQuímica Kaiser Wilhem em Berlim-Dahlem, queganhou o Prêmio Nobel de 1915 por suascontribuições aos estudos de carotenóides) e devários outros pesquisadores – ou a cromatografia,tendo até aquele momento Tswett como seupromotor. Três trabalhos trataram da identificaçãodas clorofilas21-23. Tswett indicou que duasclorofilas distintas podem ser separadas pelométodo de cromatografia e que esses doiscompostos apresentaram espectros no visívelcaracterísticos e diferentes. Por outro lado, mesmoadmitindo que poderia existir mais de umaclorofila, uma vez que, após uma longa extraçãopor Soxhlet, eles também encontraram um segundo composto pelo método de cristalização,considerado um artefato causado pelo calor, ogrupo de Prof. Willstätter, que tinha uma traduçãopara o alemão do livro de Tswett, acreditou que oprocesso cromatográfico, isto é, as interações coma fase estacionária causaram modificações nasestruturas da clorofila da planta24.

Uma controvérsia similar ocorreu com asxantofilas. Tswett relatou a presença de quatroxantofilas distintas. Novamente, Prof. Willstätter e alguns outros pesquisadores acreditavam queexistia somente um composto nas plantas e queos solventes ou o sólido utilizados para aseparação induziam a presença dos demaiscompotos. Um aluno do grupo do Prof.Willstätter “comprovou” essa hipótese aocolocar uma xantofila purificada porcristalização em uma coluna de carbonato decálcio e eluír com álcool. Mais de uma banda foi

observada e o Prof. Willstätter considerou-ascomo degradação na coluna. Por outro lado,Tswett já tinha mencionado, nos trabalhos de1906 e em outros subsequentes, que um certocuidado deveria ser tomado com alguns doscomponentes extraídos das plantas, devido àssuas instabilidades, e indicou a combinação decarbonato de cálcio ou alumina com álcool comouma das catalisadoras dessa ocorrência.

Os trabalhos polêmicos dessespesquisadores estimularam dois alunos de Prof.Charles Dhéré, da Universidade de Fribourgo(Suíça) a investigar essas substâncias comcuidado. O primeiro destes alunos, WladyslawFranciszek de Rogowski, um polonês deVarsóvia, iniciou seus estudos com o Prof. Dhéré em 1911. É possível que Rogowski tenhachegado a Fribourgo com uma cópia do livro doTswett. Muito provavelmente ele e seu professorbasearam as suas pesquisas nos trabalhospublicados por Tswett. O projeto de Rogowskifoi comparar as “clorofilas” obtidas pelos doismétodos, a cromatografia e a cristalização.Resultados preliminares foram apresentados àAcademia de Ciências da França (e publicadosna ata da reunião25) em 1912. A publicaçãoindicou que a realização dos experimentos pelosdois métodos seguiu as etapas da relevanteliteratura e que a cromatografia, utilizando ométodo do Tswett, resultou em dois compostos,hoje chamados clorofila a e clorofila b, comespectros ultravioleta e de fluorescênciadistintos, enquanto que somente um dos doiscompostos obtidos por cristalização pareciapuro, pois o outro apresentou um espectro deabsorbância no ultravioleta com as bandas dosdois compostos separados pelo método deTswett.

A tese de doutorado do Rogowski26

continha um desenho do aparelho que eleutilizou para a cromatografia (Figura 14). Emvez da constrição que dificultava a remoção dafase estacionária no sistema de Tswett após odesenvolvimento do cromatograma dentro dacoluna, o final da coluna possuía uma cortiçaperfurada. Similar aos trabalhos de Tswett, asseparações de Rogowski utilizaram carbonato de cálcio como fase estacionária e dissulfeto de

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carbono como fase móvel e a passagem da fasemóvel era assistida por vácuo.

O segundo aluno de Prof. Dhéré foiGuglielmo Vegezzi, um suíço que começou suapesquisa em 1912. Entretanto, a prestação deserviço no exército suíço, durante a PrimeraGuerra Mundial, impediu que ele defendesse a sua tese antes de 1916. Vegezzi, em sua pesquisa,aplicou a técnica cromatográfica para determinarpigmentos em invertebrados, maisespecificamente em fígado de um tipo de lesma eem ovos de um tipo de caranguejo. Seus estudosresultaram em seis trabalhos publicados27-32. Asua tese33 mostrou um sistema cromatográfico(Figura 15) descrito como um aprimoramento domodelo de Rogowski, sendo que toda a faseestacionária pôde ser vista, permitindo assim ummelhor controle do desenvolvimento docromatograma com respeito aos compostos maisretidos.

Nesse período (1912-1916), o Prof. Dhérétambém publicou vários outros trabalhos, porémnenhum aplicando a cromatografia. Após 1916,as responsabilidades administrativas do Prof.Dhéré ocasionaram uma redução das suasatividades de pesquisas e nenhum outro trabalhoaplicando a cromatografia foi feito. Por outrolado, uma das primeiras biografias de Tswett foide autoria do Dhéré34.

Os trabalhos de Tswett tambémdespertaram o interesse de pelo menos umpesquisador que residia no outro lado do OceanoAtlântico. Leroy Sheldon Palmer, um engenheiroquímico, iniciou uma pesquisa para obter umdoutorado com Prof. Henry Eckles, daUniversidade de Missouri, nos Estados Unidos e,após ler os trabalhos publicados nas revistasalemães, também resolveu testar ambos osmétodos para a desenvolvimentos decarotenóides. O seu objetivo foi investigar oscarotenóides extraídos de diversos produtos de

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Figura 14. Sistema cromatográfico utilizado porRogowski, aluno de Dhéré. (a) coluna cromatográfica de

vidro, 250 mm × 20 mm d.i.; (b) cortiça com múltiplasperfurações, 10 mm de altura; (c,d) peça de madeira paraempurrar a fase estacionária fora da coluna; (e) tubo devidro de proteção; (f) rolhas de borracha; (g) disco deporcelana perfurado; (l) frasco de vidro; (m) funil; (w)aspirador de água.

Figura 15. Sistema cromatográfico utilizado por Vegezzi,outro aluno de Dhéré. (t) coluna cromatográfica de vidro,

350 mm × 16 mm d.i.; (m) tubo de vidro de proteção; (v) lãde vidro com 5 mm de altura; (l) cortiça com múltiplasperfurações; (d) disco de porcelana perfurado; (s) rolhas deborracha; (w) saída para o aspirador de água.

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origem animal e tentar verificar se existia umacorrelação entre a dieta dos animais e o leite ou acarne produzidos. Logo depois de ter iniciado asua pesquisa, Palmer decidiu focalizar nacromatografia, utilizando inulina ou sacarosecomo fase estacionária e dissulfeto de carbonocomo fase móvel (Figura 16). Ele realizou osexperimentos da mesma maneira que a escrita porTswett, começando com a coluna seca,adicionando uma solução relativamente diluídado seu extrato e parando quando as bandascoloridas tivessem sido separadas para registrar ocromatograma (Figura 17). Entretanto, em vez deretirar a fase estacionária da coluna, como foi feito em todos os trabalhos de Tswett, Palmer resolveucontinuar a eluição, após já ter registrados oscromatogramas, coletando as bandas eluídas paraa obtenção dos seus espectros UV-visível. A suatese35 indicou, entre outros resultados, que tanto oleite como a manteiga da vaca apresentaramcomposições relativas e absolutas diferentes doscarotenóides, dependendo se a vaca se alimentoude pastagem ou de feno seco, estabelecendo assim uma relação direta entre a comida da vaca e oscomponentes presentes no leite. Após a defesa datese, Palmer continuou na Universidade deMissouri como professor assistente doutor,transferindo-se para a Universidade de Minnesota

em 1919 como professor associado. Em 1922, foipromovido a professor titular. A sua linha depesquisa continuou relacionada aos carotenóidese um livro definitivo sobre o assunto, contendoum capítulo detalhado sobre como realizar acromatografia líquido-sólido, foi publicado em192236.

Uma vez completado o doutorado, requisitodas autoridades russas para desfrutar de umaposição de direção, Tswett dedicou umaconsiderável parte do seu tempo na tentativa de conseguir uma cadeira universitária, sem sucessoimediato. Isso não deveria ser consideradosurpreendente, uma vez que na Rússia Imperialhavia somente nove grandes universidades nasquais uma posição de catedrático podia serconseguida; entretanto nem todas essasuniversidades possuíam um jardim botânico, comoele desejava. Para complicar o seu futuro, a suasaúde começou a deteriorar – aparentemente elesofria de problemas cardíacos – e os eventos naEuropa, fora da universidade, também interferiram.

Em 1908, antes da defesa da sua tese,Tswett saiu da Universidade de Varsóvia paraatuar como professor associado no InstitutoPolitécnico de Varsóvia, onde ele continuouapós a defesa. Os alunos consideravam que eleapresentava aulas excelentes e, devido a isso, as

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Figura 16. Sistema cromatográficoutilizado por Palmer.

Figura 17. Dois cromatogramas da tese de Palmer: (a) extrato de cenoura; (b) extratode feno seco.

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suas disciplinas eram muito procuradas.Entretanto, a preparação e a apresentação dasaulas causavam-lhe muito desgaste e eleprecisava solicitar licenças saúde comfrequência. Em 1915, durante a Primeira GuerraMundial, com as tropas alemães avançando paraVarsóvia, ele, junto com os outros professores ealguns alunos do Instituto Politécnico,transferiram-se para Nizhnii Novgorod, ondefundaram o Instituto Agronômico de Gorkii.

Em 1917, Tswett finalmente recebeu a tãodesejada indicação para uma cadeira decatedrático, na Universidade de Ture’ev (naépoca, parte da Rússia Imperial, hoje a cidade deTartu, capital de Estônia). Lá ele lecionou pormenos de um semestre quando, novamente, foinecessário transferir-se, pois as tropas alemãescomeçaram a ocupar a cidade. Tswett mudou-seem fevereiro de 1918 para Voronezh, onde elefoi indicado para a cadeira de botânica em umanova universidade estadual que estava sendocriada. Porém, o seu estado de saúde continuou apiorar e ele faleceu em Voronezh em 26 de junhode 1919. O seu corpo foi enterrado no cemitériodo monastério de Alekseev, que foi destruído naSegunda Guerra Mundial.

Os trabalhos de Michael Tswettfocalizaram-se nas identificações das clorofilase, mais tarde, dos carotenóides. Ele considerou acromatografia uma técnica que lhe permitiu fazer as identificações com maior confiabilidade, umaconclusão que não foi aceita por um númerosignificativo dos pesquisadores da área declorofilas e carotenóides enquanto ele estavavivo. Por outro lado, ele recebeu indicação para o Prêmio Nobel de 1918 por seus trabalhos com asclorofilas, não pela “invenção” da técnicacromatográfica, sendo um dos nove candidatos.Porém o Prêmio Nobel em Química de 1918 foidado ao Prof. Fritz Haber do InstitutoKaiser-Wilhelm em Berlim-Dahlem, devido aodesenvolvimento da síntese de amônia, umaimportante etapa na produção de fertilizantes, e o falecimento de Tswett em 1919 impediu que elepudesse ser considerado em outra oportunidade.

Desse relato, hoje é possível indicar que onascimento da palavra cromatografia ocorreuem 1906 e o “pai” é o russo Michael SemenovichTswett. Além disso, os vários trabalhos de Tswettdescrevendo a aplicação da técnica dacromatografia líquido-sólido certamenteinfluenciaram outros pesquisadores a testaremesse método de separação nas décadas a seguir.Entretanto, somente alguns poucos pesquisadoresadotaram a cromatografia líquido-sólido durante a sua primeira década, talvez devido àscontrovérsias que o próprio Tswett se envolveu.Em outras palavras, a sua influência em introduzir essa técnica no arsenal dos cientistas do mundo éhoje reconhecida, mesmo não tendo ocorrido essereconhecimento durante a sua vida.

Por outro lado, a data das primeirasseparações empregando um dos processos quehoje compõem as técnicas chamadas“cromatografia”, nas quais se aplica umaamostra com seus diversos componentesdissolvidos em uma fase móvel e percolá-aatravés de uma fase estacionária, ocorrendo aseparação devido à migração diferencial,encontra-se realmente perdida na Antiguidade.

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* Nota da autora: A maioria das informações sobre a vida e a obra do Prof. Dr. Michael S. Tswett baseou-se em uma série de artigos publicadospelo Prof. K. Sakodynskii (na época do Karpov Institute of Physical Chemistry, Moscou) na revista Journal of Chromatography [1970, 49,2-17; 1972,, 73, 305-360; 1981, 220, 1-28], completado por informações que constam do livro do Prof. Dr. Leslie S. Ettre [“Chapters in theEvolution of Chromatography”, J.V. Hinshaw, Ed. Imperial College Press, London. 2008].

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