gattaca arquitetura e crítica social

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Universidade Federal Fluminense Pedro Henrique da Silva Santos Cadeira: Cinema, Ciência e Tecnologia Professor: Leocádio Matrícula: 108.57.70.015 Gattaca Arquitetura e Crítica social Niterói RJ

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Análise filme Gattaca

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Page 1: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

Universidade Federal FluminensePedro Henrique da Silva Santos

Cadeira: Cinema, Ciência e TecnologiaProfessor: Leocádio

Matrícula: 108.57.70.015

Gattaca Arquitetura e Crítica social

Niterói RJ

Page 2: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

Em um ano não muito distante.

Gattaca não representa apenas um filme de ficção científica em si, mas assim como todos os

outros, possui uma trama que se figura em dois gêneros que se unem para constituir a narrativa. Em

Gattaca temos um gênero de ficção científica somado ao gênero policial; a união dos dois leva o

espectador à um mundo futuro porém não futurista, um mundo próximo.

A ciência é usada como forma de crítica ferrenha, pois na sociedade de Gattaca o genoma

fora todo descifrado, capaz de predestinar cidadãos logo depois do nascimento de acordo com sua

disposição genética, sendo capaz de descobrir se alguém possui tendência a um câncer futuro ou à

uma simples miopia; enfim, saber se o indivíduo recém-nascido possuirá alguma enfermidade

fisiológica.

Acontece que tal mapeamento do genoma cria uma sociedade extremamente estratificada,

pois no mundo de Gattaca as corporações privadas são maiores que o Estado, com isso, elas passam

a usar desses dados fisiológicos nas devidas admissões de funcionários. Logo, surge uma nova

forma de Apartheid, o Apartheid genético, onde aqueles que possuem predestinação a doenças são

considerados os inválidos, havendo como forma de controle de tal estratificação uma nota dada a

cada tipo sanguíneo.

Para burlar os improváveis acaso das predestinações, a sociedade de Gattaca passa a

conceber seus filhos de forma totalmente planejada. Através do uso da engenharia genética,

cientistas são capazes de projetar o feto humano para que ele nasça de forma totalmente saudável

sem predestinação a qualquer tipo de doença.

Nesse cenário nasce Vincent Freeman, o qual concebido de forma natural, através do sexo.

Acontece que ele possui predestinação a miopia e a doenças respiratórias, fazendo com que os

cientistas lhe deem apenas 30 anos de vida. Seu pai recebera a notícia com ardor, com isso não

decide dar seu nome ao filho nascido de forma natural; logo, decide conceber outro filho, porém de

forma planejada. Com isso nasce o irmão de Vincent, quem possui indicações fisiológicas

superiores a Vincent, tal como altura, força e resistência.

Mesmo sendo considerado um inválido pela sociedade atual, Vincent possui uma ambição

anormal e impossível para sua classificação social: ser um astronauta do centro espacial Gattaca e

voar ao planeta Titã. E não demora muito para que Vincent siga seus passos rumo a realização de

seu sonho, contudo parte para Gattaca a fim de penetrar em suas instalações e aprender sobre como

se tornar um astronauta.

Acontece que para entrar em Gattaca você precisa ser um válido com a fisiologia perfeita e

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para burlar toda a segurança de verificação de DNA, Vincent contrata um pirata genético a fim de

ajudá-lo a fazer se passar por válido. O pirata leva Vincent a Jerome Morrow (JUDE LAW), um

válido que ficou paraplégico em uma tentativa de suicídio. Por se parecerem muito, Vincent passa a

adquirir a identidade de Morrow para que possa entrar em Gattaca e burlar seu sistema.

Mas o que apresentarei não é nada ligado a estrutura narrativa ou a “Mise em Scène” inclusa

em Gattaca, e sim sobre o que a arquitetura e como a cenografia expostas em Gattaca tem a nos

passar em forma de crítica social. Desde Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, a arquitetura moderna

da década de 50 e os automóveis da década de 60; Gattaca tem a nos apresentar uma cenografia que

não tem nada a ver com o futuro e sim com o moderno, o moderno próximo.

Page 4: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

Gattaca

Estética e Design

O visual de Gattaca não surpreende o espectador a primeira vista. Com uma mescla de

design de filme Noir, Gattaca nos faz lembrar um pouco de um gênero desconhecido, porém com

muitos espectadore:, o Tech Noir, que também é conhecido como Ficção Científica Noir ou mesmo

Future Noir; tal gênero de filme combina filme Noir e ficção científica tais como Blade Runner,

Alien, The Terminator etc. Uma fotografia contrastada e levemente saturada aos olhos do

espectador, dando um caráter modernista velho com formas duras e rígidas. Vale notar que o som

contribui em muito na construção desse design.

Na construção do ambiente de Gattaca, Andrew Nicol (Diretor), ao lado do Diretor de

Fotografia Slawomir Idziak, usou cores que providenciassem o senso de desespero e opressão tais

como o cinza pouco saturado, o amarelo e o preto, fora o jogo de sombras criado por Slawonir que

concedeu a Gattaca um futuro simples e singular.

Mas nada melhor do que a arquitetura para nos dizer o tão quanto esse futuro é singular,

simples e antes de tudo próximo. Pois Gattaca nos apresenta nada mais nada menos que os ditames

da famosa arquitetura moderna da década de 50, tais como: a adoção de que o material e o funcional

determinam o resultado, a adoção de uma estética mecanizada, ênfase nas linha verticais e

horizontais, a rejeição da ornamentação, simplificação da forma e eliminação de detalhes

desnecessários.

Acontece que a primeira variação da arquitetura moderna surgiu na década de 1920, porém

ela ganhou notoriedade passando a ser aceita por muitos arquitetos depois da segunda guerra

mundial, sendo o estilo dominante até os dias de hoje.

Muitos historiadores veem o desenrolar da arquitetura moderna como um moeda social, ou

seja: a revolução social e política ditam as formas desse estilo conforme o tempo passa. Logo, o

modo como a arquitetura moderna coincidiu com a trama de Gattaca só afirma o que tais

historiadores dizem. Mas outros historiadores dizem que a arquitetura moderna é dirigida pelo

desenvolvimento tecnológico tais como: o concreto armado, as “pilots”, os vidros temperados,

enfim, o desenvolvimento tecnológico da construção civil modela a arquitetura moderna dentro de

seus princípios universais; já tal conclusão também é focada na trama de Gattaca, pois as principais

descobertas tecnológica da arquitetura moderna preenche o filme de forma abundante, tais como o

concreto armado e o vidro temperado, coincidindo com a revolução tecnológica da engenharia

genética.

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A grande tríade percursora da arquitetura moderna é composta por três grandes arquitetos

inovadores: Le Corbusier, Ludwig Mies van der Rohe e Walter Gropius. Darei mais destaque aos

dois primeiros, começando com o maior mestre da arquitetura moderna: Le Corbusier, o qual criou

uma nova forma de enxergar a forma arquitetônica baseado nas necessidades humanas, criticando

qualquer tipo de ornamentação desnecessária.

Gattaca Center 1.1

Vale notar a simplicidade com que a construção de Gattaca é seguida; além da simplicidade

da cor, vemos a necessidade do ser humano por luz, o qual é representado pelo uso do vidro, ou seja

a necessidade humana sendo satisfeita através da arquitetura moderna tal como vimos no seguinte

postulado: a arquitetura como meio de satisfazer a necessidade humana.

Casa de Vincent Freeman 1.2

Na figura 1.2 vemos a construção de

Vincent Freeman, confirmando mais uma vez a

simplicidade ditada pelos postulados da

arquitetura moderna: linhas horizontais, linhas

verticais e planos. E outra questão importante a

se levantar são as janelas em fita e os “pilots”

suspendendo a construção, tais características

foram ditadas por Le Corbusier e vale lembrar,

como foi dito, que o desenrolar da arquitetura moderna se da em paralelo com o desenvolvimento

da tecnologia da engenharia e as revoluções sociais e políticas; com isso, o simples fato de uma

Page 6: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

janela ser larga e em fita implica uma revolução tanto tecnológica quanto social, pois tal

característica pregava a sustentabilidade e as pilots propiciavam nada mais nada menos que um dos

maiores desenvolvimentos tecnológicos do século XX: o surgimento do automóvel. Como Gattaca

tem como princípio o desenvolvimento tecnológico e social de uma população, Andrew Nicol

escolheu uma arquitetura que tenha como pressuposto os mesmo fatores: desenvolvimento social e

tecnológico.

Figura 1.3

Já o interior da casa de Vincent remete a Ludwig Mies van der Rohe, arquiteto alemão

nascido em Aachen, migrando para os EUA na década de 1930. Mies fora um dos que defendiam

fervorosamente os postulados da arquitetura moderna, levando-os ao pé da letra, porém com um

leve tom pessoal. Uma das suas principais características é o conceito de “Free Flowing”,

significando Fluxo Livre em suas obras como uma necessidade de liberdade individual como na

figura 1.3. Como Vincent se passa por Jerome Morrow em todo o filme, seu único lugar de

liberdade é sua residência; logo, mais uma vez a arquitetura moderna coincide, claro que

propositalmente, com os anseios expostos pela trama de Gattaca.

Mies não contribui apenas com seus conceitos arquitetônicos em Gattaca, Mies foi o

arquiteto quem projetou a famosa cadeira barcelona (1.4), sendo um dos pioneiros no uso do aço

tubular na construção de móveis, uma revolução tecnológica do fim da década de 1920.

Outro quesito importante em 1.4 é a desconstrução ambiental criada pelo filtro amarelo;

como foi dito, Slawomir Idziak fotógrafo usou da cor amarela 1.4 e azul 1.5 a fim de criar um

ambiente não natural e sem alma alguma.

Page 7: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

Figura 1.4

Figura 1.5

Em Gattaca, mesmo

havendo uma rica concepção

arquitetônica em harmonia com a

trama, toda essa arquitetura é vista

quase sempre do lado de dentro, um

destaque para o centro espacial

Gattaca, onde Vincent vê todos os

lançamentos das naves espaciais em

direção ao planeta Titã.

É fato que nem toda a

arquitetura de Gattaca nos passa um

sentimento moderno contemporâneo;

em 1.6 vemos o plano final do filme,

onde Vincent finalmente realiza seu

tão sonhado desejo de viajar ao

planeta Titã. O aspecto futurista do

corredor não se encaixa com todo o

percurso arquitetônico apresentado

até então; aí vemos um futuro mais

fantasioso e irreal.

Figura 1.6

Voltando à casa de Vincent, vemos que a composição física de sua estrutura é formada por

Page 8: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

concreto, vidro e aço formando apenas planos que compõe o teto as paredes e o chão. E a

característica mais importante de sua residência é o aspecto solitário de sua construção, o qual

denota um futuro frio e individual. Podemos dizer o mesmo do Centro Espacial Gattaca: linhas,

retas, planos, concreto, aço, vidro e cores neutras criam o sentimento de individualidade e

impessoalidade no ser humano. Vale frisar que em Gattaca temos apenas uma fonte de luz natural

que perpassa os vidros superiores.

O importante é notar que a arquitetura de

Gattaca cria um contexto que é interpretado como um

futuro meramente possível e próximo, a arte imposta em

cada lugar nos da um alerta em relação a esse futuro não

muito distante. Nada mais que um futuro sem exageros.

Digo o mesmo das tecnologias usadas no filme,

pois desde os carros clássicos da década de 60 tais como

o Rover P6, Citroen DS19 e o Studebaker Avanti; e

decorações que denotam um futuro próximo tais como o

aspirador de pó na figura 1.7 e as lamparinas de parede

na figura 1.8.

Vale também frisar que não é apenas o design

arquitetônico que nos leva ao mundo da genética de Gattaca, há vários subentendidos que usam

tanto a decoração de set, quanto o design convencional para nos fornecer mensagens intrínsecas em

um mero enquadramento.

Figura 17

Page 9: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

Figura 1.8

Jerome Morrow, o válido que vive junto de Vincent, ajudando-o doando dejetos de seu

corpo tais como: sangue, urina, cabelos etc; possui uma enfermidade crônica mesmo sendo de uma

estratificação alta; Jerome sofreu um acidente que o deixou paraplégico. E o fato de ter perdido os

movimentos da perna fez com que ele não conseguisse seguir uma vida de regalias tais como as dos

válidos, sendo deixado de lado na sociedade de

Gattaca. Ai está um ponto crucial que o roteiro toca: o

preconceito não está apenas no sangue e sim na

capacidade fisiológica de cada indivíduo em contribuir

com a sociedade, tal como os postulados Nazistas.

Há um momento do filme, que a arquitetura

contribui de forma espetacular a fim de colocar um

obstáculo na vida de Jerome. Quando o detetive que

suspeita de Vincent parte para a casa deste a fim de

encontrar Jerome Morrow, identidade usada por

Vincent a fim de adentrar em Gattaca, Jerome decide

receber o detetive na sala de estar, para que este não

entre nos laboratórios de coleta de sangue, ou seja, o

lugar onde a pirataria genética é realizada. Acontece que Jerome anda de cadeira de rodas e não

consegue subir escadas, mas mesmo assim ele parte para o desafio subindo-a de modo sofrido até

chegar ao seu topo e receber o detetive. Mas o mais importante aqui é o formato em espiral da

escada, representando um DNA. Fica subentendido o desafio de Jerome em como um “inválido”

tem de superar os obstáculos impostos pela sua genética.

Page 10: Gattaca Arquitetura e Crítica Social

E a parte inferior da casa de Vincente nada mais é do que uma linha de produção industrial a

fim de suprir seu processo de Pirataria Genética; e mais uma vez a arquitetura e o design ajudam

nessa construção.

A importância de dois grandes arquitetos fora citada como ponto chave na concepção do

ambiente proposto por Gattaca: Le Corbusier um francês e Mies um Alemão foram dois grandes

arquitetos percursores da arquitetura moderna que contribuíram em muito na concepção de Gattaca,

mas pode-se dizer que mesmo estes dois sendo os maiores arquitetos modernos, foi Frank Lloyd

Wright a grande fonte de inspiração na concepção do Gattaca Center, a locação mais importante do

filme e onde tudo acontece.

Frank Lloyd Wright é um arquiteto americano de descendência galesa. A característica

principal de sua obra é de que o projeto deve ser individual, de acordo com sua localização e

finalidade; tendo como principal influencia a escola de arquitetura de Chicago, Wright trabalhou

com Louis Sullivan, um dos pioneiros em arranha-céus responsável por mais de mil projetos. Em

Gattaca, Wright contribui com suas formas lineares, pois a locação usada para ambientar a escola

espacial fora o The Marin County Civic Center, centro de lazer projetado por ele.( figuras 1.9/2.0)

Figura 1.9Figura 2.0

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Conclusão

Mediante tais apresentações não posso deixar de dizer a importante participação do

Production Design Jan Roefls, Diretor de Arte Sarah Knowles e o Set decorator Nancy Nye. Todos

foram importante na escolha das locações e na criação de uma arte que possa estar envolvida com

os temas sociais alertados por Gattaca, pois desde uma escada em espiral que dialogasse com o

DNA e o drama da cena até a escolha da obra de um ícone do modernismo arquitetônico como

locação ( The Marin County Civic Center) ajudaram de forma simbólica na criação desse futuro não

muito distante. Porém o mais importante é o diálogo da arquitetura com a primeira frase do filme:

“Em um futuro não muito distante”, porque todo esse envolvimento visual propiciado pela

arquitetura e o design denotam um futuro meramente possível e próximo, portanto fica aí um alerta

a nossa sociedade atual.

Não podemos esquecer do grande trabalho feito pelo diretor de fotografia Slavomir Idziak,

pois houve um diálogo muito bem construído entre a fotografia e as locações, tais como os filtros de

cor e os contrastes ambos citados no decorrer do trabalho.

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Bibliografia

http://en.wikipedia.org/wiki/Gattaca

http://pt.wikipedia.org/wiki/Frank_Lloyd_Wright

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Mies_van_der_Rohe

http://sandman-chronicles.blogspot.com/2007/11/film-interior-design-part-2-gattaca.html

Film Architecture: Set Designs from Metropolis to Blade Runner; Neumann, Dietrich(Autor) Editora: Prestel Publishing; illustrated edition Ano: Setembro 1999

Architecture and Film; Lamster, Mark ed (Author), Lamster, Mark(Editor) Editora: Princeton Architectural Press; 1 edition Ano: Junho de 2000

http://www.imdb.com/title/tt0119177/