fundamentos da construção enxuta - artigo

35
1 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS DA CONSTRUÇÃO ENXUTA

Upload: allanlins3

Post on 24-Jul-2015

160 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

1

CAPÍTULO 1FUNDAMENTOS DACONSTRUÇÃO ENXUTA

Page 2: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

2

1.1. HISTÓRICO

A indústria da construção civil brasileira tempassado por importantes mudanças ao longo dos úl-timos anos. Tais mudanças são provocadas princi-palmente pelo recrudescimento da competição exis-tente no setor, aumento do nível de exigência dosseus principais clientes, e reivindicações por me-lhoria das condições de trabalho por parte da mãode obra. Este quadro configura-se como uma tendên-cia internacional, à medida que as mesmas mudançassão observadas, em maior ou menor grau, em outrospaíses e também em outros setores.

Diversos diagnósticos realizados no Brasil e noexterior indicam que a maioria dos problemas queresultam em baixos patamares de eficiência e qua-lidade na construção civil têm origem em problemasgerenciais. Neste contexto, consideráveis esforçospor parte das empresas têm sido direcionados nosentido de introduzir no setor modernas filosofiasgerenciais, algumas das quais desenvolvidas inici-almente em outras indústrias.

De fato, desde meados dos anos 80 tem se observadono país um forte movimento no setor no sentido deaplicar os princípios e ferramentas da Gestão daQualidade Total (Total Quality Management – TQM).Mais recentemente, muitas empresas do setor volta-ram-se ao desenvolvimento de sistemas de gestão daqualidade, tanto como meio para alcançar um maiornível de controle sobre seus processos produtivos,como também com o objetivo final de obter certifi-cação segundo as normas da série ISO9000.

Apesar de ter trazido importantes benefícios parao setor, a filosofia do TQM atende apenas de formaparcial as necessidades das empresas, na medidaque os seus conceitos, princípios e ferramentasnão contemplam, com a devida profundidade, ques-tões relacionadas à eficiência e eficácia do sis-tema de produção. Em função destas limitações etambém pelo fato de que erroneamente tentou-sedisseminar o TQM na indústria como uma soluçãoglobal para toda a organização, esta filosofia vemsofrendo um relativo desgaste entre as empresasnos últimos anos.

Page 3: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

3

Ao longo dos anos 90, um novo referencial teóricovem sendo construído para a gestão de processos naconstrução civil, envolvendo o esforço de um gran-de número de acadêmicos tanto no país como no ex-terior, com o objetivo de adaptar alguns conceitose princípios da área de Gestão da Produção às pe-culiaridades do setor. Este novo paradigma geren-cial tem recebido diversos nomes, tais como LeanProduction (Produção Enxuta), World Class Manufac-turing, e Nova Filosofia de Produção (Koskela,1992).

Na realidade, as idéias deste novo paradigma sur-giram no Japão nos anos 50, a partir de duas filo-sofias básicas, o próprio TQM e também o Just inTime (JIT), sendo o Sistema de Produção da Toyotano Japão a sua aplicação mais proeminente (Shingo,1988). Assim, seus conceitos e princípios básicossurgiram na própria indústria, principalmente aautomotiva. Apenas recentemente passou a existirum movimento entre acadêmicos no sentido de enten-der este novo paradigma, com o objetivo de disse-miná-lo nos mais diversos setores de atividadeeconômica.

No que tange à Indústria da Construção Civil, esteesforço foi marcado pela publicação do trabalhoApplication of the new production philosophy inthe construction industry por Lauri Koskela (1992)do Technical Research Center (VTT) da Finlândia, apartir do qual foi criado o Grupo Internationalpela Lean Construction (IGLC), engajado na adapta-ção disseminação do novo paradigma no setor em di-versos países.

Page 4: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

4

1.2. BASE CONCEITUAL

1.2.1.Modelo tradicional de processo(modelo de conversão)

A diferença básica entre a filosofia gerencialtradicional e a Teoria da Lean Production é essen-cialmente conceitual. A mudança mais importantepara a implantação do novo paradigma é a introdu-ção de uma nova forma de entender os processos.

O modelo conceitual dominante na construção civilcostuma definir a produção como um conjunto deatividades de conversão, que transformam os insu-mos (materiais, informação) em produtos intermedi-ários (por exemplo, alvenaria, estrutura, revesti-mentos) ou final (edificação), conforme ilustra aFigura 1.1. Por esta razão, ele é também denomina-do de modelo de conversão.

Este modelo apresenta, implicitamente, as seguin-tes características:

(a) O processo de conversão pode ser sub-divididoem sub-processos, que também são processos deconversão. Por exemplo, a execução da estruturapode ser sub-dividida em execução de formas,corte, dobragem e montagem de armaduras e lan-çamento do concreto;

(b) O esforço de minimização do custo total de umprocesso em geral é focado no esforço de mini-mização do custo de cada sub-processo separada-mente; e

ProdutosMatérias primas,

Processo de produção

Subprocesso A Subprocesso B

Figura 1.1 - Modelo de processot di i l

Page 5: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

5

(c) O valor do produto (output) de um sub-processoé associado somente ao custo (ou valor) dosseus insumos. Desta forma, assume-se que o va-lor de um produto pode ser melhorado somenteatravés da utilização de materiais de melhorqualidade ou mão de obra mais qualificada.

Este é o modelo adotado, por exemplo, nos orçamen-tos convencionais, que são tipicamente segmentadospor produtos intermediários (por exemplo, vigas,paredes, portas, etc.), e também nos planos deobra, nos quais são normalmente representados ape-nas as atividades de conversão. Assim, tanto osorçamentos quanto os planos de obra em geral re-presentam explicitamente a seqüência de atividadesque agregam valor ao produto, também denominada defluxo de montagem de uma edificação.

As principais deficiências do modelo de conversãosão as seguintes:

a) Existe uma parcela de atividades que compõem osfluxos físicos entre as atividades de conversão(fluxos de materiais e de mão de obra), asquais não são explicitamente consideradas. Aocontrário das atividades de conversão, estasatividades não agregam valor. Em processos com-plexos, como é o caso da construção de edifica-ções, a maior parte dos custos são originadosnestes fluxos físicos.Por exemplo: estima-se que cerca de dois terços(67%) do tempo gasto pelos trabalhadores em umcanteiro de obras estão nas operações que nãoagregam valor: transporte, espera por material,retrabalhos, etc;

b) O controle da produção e esforço de melhoriastende a ser focado nos sub-processos individu-ais e não no sistema de produção como um todo.Uma excessiva ênfase em melhorias nas ativida-des de conversão, principalmente através deinovações tecnológicas, pode deteriorar a efi-ciência dos fluxos e de outras atividades deconversão, limitando a melhoria da eficiênciaglobal.Por exemplo: a introdução de um novo sistema devedações verticais em uma obra no lugar da al-venaria convencional pode aumentar a produtivi-dade da atividade execução de paredes, mas podeter um impacto relativamente pequeno na melho-ria da eficiência do processo como um todo, se

Page 6: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

6

não houver uma redução significativa no tempogasto em atividades que não agregam valor, taiscomo transporte de materiais, esperas por partede equipes subseqüentes, etc.

c) A não consideração dos requisitos dos clientespode resultar na produção, com grande eficiên-cia, de produtos que são inadequados. Nestesentido, deve-se considerar os requisitos tantodos clientes finais como internos.Por exemplo: pode-se produzir um edifício deapartamentos com grande eficiência, mas que nãotem valor de mercado por não atender aos requi-sitos de potenciais compradores (clientes fi-nais). Da mesma forma, uma equipe de estruturapode executar com eficácia o desempenamentoperfeito da superfície de concreto das lajes, oque, ao invés de facilitar o trabalho das equi-pes subseqüentes (clientes internos), vai difi-culta-lo, pois existe a necessidade de aderên-cia entre as lajes e a argamassa de assentamen-to do piso a ser colocado.

Page 7: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

7

1.2.2.Modelo de processo daConstrução Enxuta

O modelo de processo da Construção Enxuta, por suavez, assume que um processo consiste em um fluxode materiais, desde a matéria prima até o produtofinal, sendo o mesmo constituído por atividades detransporte, espera, processamento (ou conversão) einspeção (Figura 1.2). As atividades de transpor-te, espera e inspeção não agregam valor ao produtofinal, sendo por esta razão denominadas atividadesde fluxo.

Nem toda a atividade de processamento agrega valorao produto. Por exemplo, quando as especificaçõesde um produto não foram atendidas após a execuçãode um processo e existe a necessidade de retraba-lho, significa que atividades de processamento fo-ram executadas sem agregar valor.

É evidente que os itens definidos nos orçamentosconvencionais e nos planos de obra implicitamentecontêm as referidas atividades de fluxo. Entretan-to, o fato de que as mesmas não são explicitadasdificulta a sua percepção e prejudica a gestão daprodução.

A geração de valor é outro aspecto que caracterizaos processos na Construção Enxuta. O conceito devalor está diretamente vinculado à satisfação docliente, não sendo inerente à execução de um pro-cesso. Assim, um processo só gera valor quando asatividades de processamento transformam as matéri-

Movimento Espera Processamento

Inspeção Movimento

Rejei-tos

Retrabalhos

Figura 1.2 - Modelo de processo da Construção Enxuta (Koskela, 1992)

Page 8: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

8

as primas ou componentes nos produtos requeridospelos clientes, sejam eles internos ou externos.

O modelo de processo da Figura 1.2 é aplicável nãosó a processos de produção, que têm um caráter fí-sico, mas também a processos de natureza gerenci-al, tais como planejamento e controle, suprimen-tos, projeto, etc. No caso de processos gerenci-ais, ao invés de materiais, ocorre o transporte,espera, processamento e inspeção de informações(fluxo de informações). Por exemplo: no processode projeto os principais dados de entrada são asinformações relativas às necessidades dos clientese as características do terreno, que, após suces-sivas atividades, são transformadas no produtoprojeto (arquitetônico, estrutural, instalações,etc.).

Além do fluxo de montagem e dos fluxos de materi-ais e de informações, existe um outro tipo de flu-xo na produção que necessita ser devidamente ge-renciado, denominado fluxo de trabalho. Este fluxorefere-se ao conjunto de operações realizadas porcada equipe no canteiro de obras. A operação, nes-te contexto, refere-se ao trabalho realizado porequipes ou máquinas.

A Figura 1.3 ilustra a diferença entre o fluxo demateriais (processo) e o fluxo de pessoas (opera-ções) num sistema de produção. É interessante sa-lientar que algumas operações podem estar fora dofluxo de materiais, como, por exemplo, manutençãode equipamentos, limpeza, etc. Por outro lado, al-gumas atividades do processo não envolvem opera-ções, como é o caso de espera (estocagem) de mate-riais.

Cabe salientar que o modelo tradicional de conver-são não é necessariamente errado. Ele é perfeita-mente aplicável a sistemas de produção relativa-mente simples, centrados em apenas um processo deconversão. À medida que os sistemas de produçãotornaram-se mais complexos e os mercados mais com-petitivos, o modelo de conversão passou a não re-presentar adequadamente os sistemas de produção. Acomplexidade tende a aumentar a parcela de ativi-dades de fluxo no sistema de produção, exigindoque seja dada a devida atenção às mesmas. Por ou-tro lado, o aumento da competição tende a aumentaro nível de exigência dos clientes, requerendo ummaior foco nos clientes na gestão dos processos.

Page 9: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

9

Blocos Cimento Areia Cal

1

2

1

2 2 2

1 1

Argamassai

Alvenaria

1

3 3 3 3

4 4 4 4

5

6 2

7 3

4

CONVENÇÃO:

Fluxo de Pessoas(Operações)

Fluxo de Materiais(Processo)

Transporte

Inspeção

Estoque

Espera

PRODUÇÃO COMO REDE DE PROCESSOS E OPERAÇÕES

1

Figura 1.3 - Relação entre fluxo de materiais e fluxo de trabalho

Page 10: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

10

1.3. PRINCÍPIOS PARA AGESTÃO DE PROCESSOS

Além dos conceitos básicos, a Construção Enxutaapresenta um conjunto de princípios para a gestãode processos, os quais estão apresentados a se-guir, com base no trabalho de Koskela (1992):

(a) Reduzir a parcela de atividades que não agre-gam valor;

(b) Aumentar o valor do produto através da consi-deração das necessidades dos clientes;

(c) Reduzir a variabilidade;(d) Reduzir o tempo de ciclo;(e) Simplificar através da redução do número de

passos ou partes;

(f) Aumentar a flexibilidade de saída;(g) Aumentar a transparência do processo;(h) Focar o controle no processo global;(i) Introduzir melhoria contínua no processo;(j) Manter um equilíbrio entre melhorias nos flu-

xos e nas conversões;

(k) Fazer benchmarking.Nas seções seguintes, cada um destes princípios éapresentado através da sua definição, benefíciosque proporcionam ao sistema de produção e exem-plos. Existe uma fundamentação teórica relativa-mente aprofundada sobre os mesmos, que não seráapresentada integralmente nesta publicação, pornão ser este seu objetivo. seguintes

É importante salientar que os princípios têm umaforte interação entre si, devendo os mesmos seraplicados de forma integrada na gestão de proces-sos. Por exemplo, o princípio de aumentar a trans-parência facilita a identificação e eliminação daparcela de atividades que não agregam valor, en-quanto a redução do tempo de ciclo cria condiçõesfavoráveis para a melhoria contínua.

Page 11: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

11

1.3.1.Reduzir a parcela de atividadesque não agregam valor

Definição:

Este é um dos princípios fundamentais da Constru-ção Enxuta, segundo o qual a eficiência dos pro-cessos pode ser melhorada e as suas perdas reduzi-das não só através da melhoria da eficiência dasatividades de conversão e de fluxo, mas tambémpela eliminação de algumas das atividades de flu-xo. Por exemplo, pode-se melhorar a eficiência deum determinado processo não só através da melhoriada eficiência das atividades de transporte de ma-teriais, mas principalmente através da eliminaçãode algumas destas atividades.

Cabe salientar que o princípio da eliminação deatividades de fluxo não deve ser levado ao extre-mo. Existem diversas atividades as quais não agre-gam valor ao cliente final de forma direta, masque são essenciais à eficiência global dos proces-sos, como, por exemplo, controle dimensional,treinamento da mão de obra, instalação de disposi-tivos de segurança.

Como aplicar:

A maioria dos princípios seguintes estão de algumaforma relacionados à meta de reduzir a parcela dasatividades que não agregam valor. Em geral o pri-meiro passo para atingir este objetivo é explici-tar as atividades de fluxo, por exemplo através darepresentação do fluxo do processo (ver Capítulo4). Uma vez explicitadas, estas atividades podemser controladas e, se possível, eliminadas.

Exemplo:

O emprego de um simples dispositivo de suporte domangote utilizado no bombeamento de argamas-sa(Figura 1.4) permite que o servente realize umaatividade que agrega valor (espalhar a argamassa),ao invés de simplesmente segurar o mangote, ou fa-zer outras atividades auxiliares a pedido do pe-dreiro.

Page 12: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

12

Figura 1.4 - Exemplo de situação na qual se eliminou uma atividade que não agrega valor

Page 13: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

13

1.3.2.Aumentar o valor do produtoatravés da consideração das

necessidades dos clientes

Definição:

Este é um outro princípio básico da Construção En-xuta, uma vez que está relacionado ao conceito deprocesso como gerador de valor, abordado na Seção1.2. Este princípio estabelece que devem ser iden-tificadas claramente as necessidades dos clientesinternos e externos e esta informação deve serconsiderada no projeto do produto e na gestão daprodução.

Como aplicar:

A aplicação deste princípio envolve o mapeamentodo processo, identificando sistematicamente osclientes e seus requisitos para cada estágio domesmo.

Exemplo:

Ao longo do processo de projeto, deve-se ter dis-ponível de forma sistematizada, dados relativosaos requisitos e preferências dos clientes finais,obtidos, por exemplo, através de pesquisas de mer-cado com compradores potenciais ou avaliações pós-ocupação de edificações já entregues. Tais infor-mações devem ser claramente comunicadas aos proje-tistas através de planilhas e reuniões ao longodas várias etapas do processo de projeto, desde aconcepção do empreendimento até o detalhamento doprojeto.

No processo de produção, este princípio pode tam-bém ser aplicado, se as equipes de trabalho subse-qüentes de um processo forem consideradas comoclientes internos do mesmo. Por exemplo, a equipeque executa a estrutura de concreto armado develevar em conta no seu trabalho as tolerâncias di-mensionais necessárias para que os processos deexecução de alvenaria e revestimentos não sejamdificultados. Neste sentido, é importante que osrequisitos das equipes de alvenaria e revestimentosejam explicitamente identificados e comunicados àequipe de estrutura.

Page 14: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

14

1.3.3.Reduzir a variabilidade

Definição:

Existem diversos tipos de variabilidade envolvidosnum processo de produção:

(a) Variabilidade nos processos anteriores: estárelacionada aos fornecedores do processo.Exemplo: blocos cerâmicos com grandes variaçõesdimensionais.

(b) Variabilidade no próprio processo: relacionadaà execução de um processo. Exemplo: variabilidade na duração da execuçãode uma determinada atividade, ao longo de vári-os ciclos.

(c) Variabilidade na demanda: relacionada aos dese-jos e necessidades dos clientes de um processo.

Exemplo: determinados clientes de uma incorpo-radora solicitam mudanças de projeto da edifi-cação.

A natureza da variabilidade também é variável –pode estar relacionada à qualidade do produto, àduração de atividades ou aos recursos consumidos.

Do ponto de vista da gestão de processos, existemduas razões para a redução da variabilidade. Pri-meiramente, do ponto de vista do cliente, um pro-duto uniforme em geral traz mais satisfação, poisa qualidade do produto efetivamente corresponde àsespecificações previamente estabelecidas. É ocaso, por exemplo, da equipe que executa alvena-ria, cujo serviço é facilitado caso os blocos te-nham poucas variações dimensionais.

Em segundo lugar, a variabilidade tende a aumentara parcela de atividades que não agregam valor e otempo necessário para executar um produto, princi-palmente pelas seguintes razões:

a) Interrupção de fluxos de trabalho, causada pelainterferência entre as equipes. Isto ocorre,quando uma equipe fica parada ou precisa serdeslocada para outra frente de trabalho, emfunção de atrasos da equipe antecedente. Porexemplo, a equipe de alvenaria foi deslocadapara a execução de chapisco em outra frente de

Page 15: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

15

trabalho, pois houve atraso na execução da es-trutura.

b) Não aceitação de produtos fora de especificaçãopelo cliente, resultando em retrabalhos ou re-jeitos.

Como aplicar:

No contexto da construção civil, a variabilidade eincerteza tendem a ser elevadas, em função do ca-ráter único do produto e das condições locais quecaracterizam uma obra, da natureza dos seus pro-cessos de produção, cujo ritmo é controlado pelohomem, e da própria falta de domínio das empresassobre seus processos. Apenas parte desta variabi-lidade pode ser eliminada, principalmente atravésda padronização de processos.

Existe uma parcela desta variabilidade que nãopode ser removida, cabendo à gerência de produçãominimizar os efeitos nocivos da mesma. A ferramen-ta Last Planner, apresentada no Capítulo 4, podeser utilizada para esta finalidade.

Exemplo prático:

Através da utilização de um procedimento padroni-zado de execução de instalações hidrossanitárias,pode-se reduzir o surgimento de vazamentos poste-riores, eliminando-se assim a incidência de retra-balhos. A padronização de processos envolve tambémo treinamento dos envolvidos com base nos padrõesdefinidos pela empresa, e o planejamento e contro-le adequado da execução, no qual é definido o se-qüenciamento das tarefas e são disponibilizados osrecursos necessários.

Page 16: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

16

1.3.4.Reduzir o tempo de ciclo

Definição:

A redução do tempo de ciclo é um que tem origem nafilosofia Just in Time. O tempo de ciclo pode serdefinido como a soma de todos os tempos (transpor-te, espera, processamento e inspeção) para produ-zir um determinado produto. A aplicação desteprincípio está fortemente relacionada à necessida-de de comprimir o tempo disponível como mecanismode forçar a eliminação das atividades de fluxo.Além disto, a redução do tempo de ciclo traz ou-tras vantagens:

(a) Entrega mais rápida ao cliente: ao invés de seespalhar por todo o canteiro de obras, asequipes devem se focar na conclusão de um pe-queno conjunto de unidades, caracterizando lo-tes de produção menores. Se possível, as uni-dades são entregues aos clientes mais cedo, oque tende a reduzir o custo financeiro do em-preendimento. Além disto, em alguns segmentosde mercado, a velocidade de entrega é uma di-mensão competitiva importante, pois os clien-tes necessitam dos produtos num prazo relati-vamente curto (por exemplo, construção de sho-pping centers e fábricas).

(b) A gestão dos processos torna-se mais fácil: ovolume de produtos inacabados em estoque (de-nominado de trabalho em progresso) é menor, oque tende a diminuir o número de frentes detrabalho, facilitando o controle da produção edo uso do espaço físico disponível.

(c) O efeito aprendizagem tende a aumentar: comoos lotes são menores, existe menos sobreposi-ção na execução de diferentes unidades. Assim,os erros apareçam mais rapidamente, podendoser identificadas e corrigidas as causas dosproblemas. O aprendizado obtido nas unidadesiniciais pode então ser aproveitado para me-lhoria do processo na execução das unidadesposteriores.

(d) A estimativa de futuras demandas são mais pre-cisas: como os lotes de produção são menores econcluídos em prazos mais reduzidos, a empresatrabalha com uma estimativa mais precisa da

Page 17: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

17

demanda. Isto torna o sistema de produção maisestável.

(e) O sistema de produção torna-se menos vulnerá-vel a mudanças de demanda: pode-se obter umcerto grau de flexibilidade para atendimentoda demanda, sem elevar substancialmente oscustos, pois algumas alterações de produto so-licitadas podem ser implementadas com facili-dade nos lotes de produção subseqüentes.

Como aplicar:

A redução do tempo de ciclo envolve um amplo con-junto de ações, tais como:

(a) Eliminação de atividades de fluxo que fazemparte do ciclo de produção;

(b) Concentração do esforço de produção em um me-nor número de unidades (lotes menores), atra-vés do planejamento e controle da produção;

(c) Mudanças nas relações de precedência entreatividades, eliminando interdependências entreas mesmas de forma que possam ser executadasem paralelo.

Exemplo prático:

Duas possíveis estratégias são apresentadas na Fi-gura 1.5, para a execução de um empreendimento hi-potético. A primeira tem um tempo de ciclo bemmaior que a segunda. Pode-se observar que no se-gundo caso, os primeiros lotes a serem produzidospodem ser entregues mais cedo, existe menos traba-lho em progresso, o potencial para a aplicação doefeito aprendizagem é maior e uma maior flexibili-dade pode ser oferecida nos lotes finais. Alémdisso, os erros, que porventura venham a ocorrernos lotes iniciais aparecerão mais rapidamente nosegundo caso, e poderão ser corrigidos nos lotessubseqüentes.

Page 18: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

18

ALTERNATIVA 1 (LONGO TEMPO DE CICLO)

EtapaPeríodo1

Período2

Período3

Período3

Período4

Período5

Período6

Período7

Período8

A

B

C

D

ALTERNATIVA 2 (PEQUENO TEMPO DE CICLO)

EtapaPeríodo1

Período2

Período3

Período3

Período4

Período5

Período6

Período7

Período8

A

B

C

D

Figura 1.5: Duas formas de planejar uma mesma obra hipotética

Page 19: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

19

1.3.5.Simplificar através da reduçãodo número

de passos ou partes

Definição:

Este princípio é freqüentemente utilizado no des-envolvimento de sistemas construtivos racionaliza-dos. Quanto maior o número de componentes ou depassos num processo, maior tende a ser o número deatividades que não agregam valor. Isto ocorre emfunção das tarefas auxiliares de preparação e con-clusão necessárias para cada passo no processo(por exemplo, montagem de andaimes, limpeza, ins-peção final, etc.), e também pelo fato de que, empresença de variabilidade, tende a aumentar a pos-sibilidade de interferências entre as equipes.

Como aplicar:

Existem várias formas de atingir a simplificação,como, por exemplo:

(a) Utilização de elementos pré-fabricados, redu-zindo o número de etapas para a execução de umelemento da edificação;

(b) Uso de equipes polivalentes, ao invés de ummaior número de equipes especializadas;

(c) Planejamento eficaz do processo de produção,buscando eliminar interdependências e agregarpequenas tarefas em atividades maiores. Alémdisso, a disponibilização de materiais, equi-pamentos, ferramentas e informações em locaisadequados tende a eliminar ou reduzir a ocor-rência de movimentações e deslocamentos desne-cessários provocadas por interrupções na tare-fa.

Exemplo:

A Figura 1.6 apresenta duas alternativas para aexecução de vergas. No caso da verga pré-moldada,existe uma redução significativa no número de pas-sos pois o próprio pedreiro pode posicioná-la, aolongo da execução de alvenaria. No caso da vergamoldada no local, o processo de execução de alve-naria precisa ser interrompido, resultando em ati-vidades que não agregam valor.

Page 20: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

20

Figura 1.6 – Minimização no número de passos na execução de alvenaria

(A) (B)

Page 21: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

21

1.3.6.Aumentar a flexibilidade desaída

Definição:

O aumento de flexibilidade de saída está tambémvinculado ao conceito de processo como gerador devalor. Refere-se à possibilidade de alterar as ca-racterísticas dos produtos entregues aos clientes,sem aumentar substancialmente os custos dos mes-mos. Embora este princípio pareça contraditóriocom o aumento da eficiência, muitas indústrias temalcançado flexibilidade mantendo níveis elevadosde produtividade.

Como aplicar:

Isto pode ser obtido através de várias abordagens,como:

(a) Redução do tempo de ciclo, através da reduçãodo tamanho dos lotes;

(b) Uso de mão de obra polivalente, capaz de seadaptar facilmente a mudanças na demanda;

(c) Customização do produto no tempo mais tardepossível.

(d) Utilização de processos construtivos que per-mitam a flexibilidade do produto sem grandesônus para a produção.

Exemplo:

Algumas empresas que atuam no mercado imobiliárioadiam a definição do projeto e, em alguns casos,também da execução das divisórias internas de ges-so acartonado de algumas unidades (Figura 1.7).Esta estratégia permite aumentar a flexibilidadedo produto, dentro de determinados limites, semcomprometer substancialmente a eficiência do sis-tema de produção.

Page 22: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

22

Figura 1.7 – Execução de divisórias de gesso acartonado

Page 23: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

23

1.3.7.Aumentar a transparência doprocesso

Definição:

O aumento da transparência de processos tende atornar os erros mais fáceis de serem identificadosno sistema de produção, ao mesmo tempo que aumentaa disponibilidade de informações, necessárias paraa execução das tarefas, facilitando o trabalho.Este princípio pode também ser utilizado como ummecanismo para aumentar o envolvimento da mão deobra no desenvolvimento de melhorias.

Como aplicar:

Existem inúmeras formas de aumentar a transparên-cia de processos, incluindo:

(a) Remoção de obstáculos visuais, tais como divi-sórias e tapumes;

(b) Utilização de dispositivos visuais, tais comocartazes, sinalização luminosa, e demarcaçãode áreas, que disponibilizam informações rele-vantes para a gestão da produção;

(c) Emprego de indicadores de desempenho, quetornam visíveis atributos do processo, taiscomo nível de produtividade, número de peçasrejeitadas, etc.;

(d) Programas de melhoria da organização e limpe-za, tais como o Programa 5S.

Page 24: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

24

Exemplo prático:

A Figura 1.8 apresenta um dispositivo de controlede utilização do espaço que mantém o ambiente detrabalho transparente, suscetível à observação.

Figura 1.8 - Exemplo aplicação do princípio da transparência de processos

Page 25: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

25

1.3.8.Focar o controle no processoglobal

Definição:

Um dos grandes riscos dos esforços de melhorias ésub-otimizar uma atividade específica dentro de umprocesso, com um impacto reduzido (ou até negati-vo) no desempenho global do mesmo. Esta situação émuito comum em processos de produção fragmentados,como é a execução de uma obra, nos quais existemmuitos projetistas, empresas subcontratadas e for-necedores independentes. Nesta linha, Shingo(1988), um dos grandes estudiosos do Sistema Toyo-ta de Produção, propõe que primeiro devem ser in-troduzidas melhorias nos processos (fluxos de ma-teriais e de informações) para depois serem estu-dadas melhorias nas operações (tarefas realizadaspor pessoas e máquinas).

Assim, é importante que o processo como um todoseja controlado, devendo haver um responsável poreste controle. Dependendo da natureza do processosendo gerenciado, pode haver a necessidade de en-volver toda a cadeia produtiva neste esforço e nãoapenas uma única organização.

Como aplicar:

A aplicação deste princípio baseia-se fortementena mudança de postura por parte dos envolvidos naprodução, principalmente no que tange à percepçãosistêmica dos problemas, procurando entender oprocesso como um todo, ao invés de um foco restri-to em operações. Também requer uma disposição emestabelecer parcerias com fornecedores. Finalmen-te, envolve a definição clara de responsabilidadepelo controle global do processo.

Exemplo prático:

O custo da alvenaria pode ser significativamentereduzido se houver um esforço de desenvolvimentointegrado com o fornecedor de blocos, no sentidode introduzir a paletização (Figura 1.9). Se a me-lhoria envolver o processo como um todo, pode-seobter diversos benefícios, tais como a redução docusto do carregamento e descarregamento, entregascom hora marcada, redução dos estoques na obra,etc. Esta melhoria é muito mais significativa se

Page 26: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

26

comparada com uma iniciativa individual de paleti-zação, restrita apenas ao canteiro de obra.

Figura 1.9 - Exemplo de paletização praticada pelo fornecedor

Page 27: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

27

1.3.9.Introduzir melhoria contínua noprocesso

Definição:

O esforço de redução de perdas e aumento do valorna gestão de processos tem um caráter incremental,interno à organização, devendo ser conduzido con-tinuamente, com a participação da equipe responsá-vel (“os donos do processo”). Este princípio é umcomponente fundamental de ambas as filosofias TQMe JIT.

Como aplicar:

O trabalho em equipe e a gestão participativaconstituem-se nos requisitos essenciais para a in-trodução da melhoria contínua nos processos. Alémdestes requisitos, é recomendável a aplicação deuma série de medidas que contribuem para direcio-nar o esforço de melhoria e consolidar os avançosobtidos, tais como:

(a) Utilização de indicadores de desempenhopara o monitoramento do processo;

(b) Definição clara de prioridades e metas aserem alcançadas;

(c) Padronização de procedimentos, de forma aconsolidar boas práticas e servir de referênciapara futuras melhorias;

(d) Criar uma postura de identificação dascausas reais dos problemas e implementação deações corretivas.

Exemplo prático:

Algumas empresas formam times de melhoria para me-lhorar o desempenho de um determinado processo. Nocaso do processo de suprimentos, esta equipe deveser formada através de representantes do váriossetores envolvidos, entre os quais destacam-secompras, produção, planejamento e financeiro.Através da aplicação de ferramentas da qualidade(por exemplo, fluxograma, lista de verificação,diagrama de Pareto, etc.), este time pode mapear oprocesso, coletar dados referentes aos problemasmais freqüentes, discutir suas principais causas,e propor um plano de ações corretivas.

Page 28: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

28

1.3.10.Manter um equilíbrio entremelhorias nos fluxos e nas conversões

Definição:

As melhorias de fluxo têm maior impacto em proces-sos complexos. Em geral, requerem menores inves-timentos, sendo fortemente recomendados no iníciode programas de melhoria. As melhorias no proces-samento (conversão), por sua vez, são mais vanta-josas quando existem perdas inerentes à tecnologiasendo utilizada, sendo os seus efeitos mais imedi-atos.

As melhorias de fluxo e de conversão estão intima-mente relacionadas, na medida que fluxos melhorgerenciados facilitam a introdução de novas tecno-logias e diminuem a necessidade de capacidade deprodução nas atividades de conversão, reduzindo anecessidade de investimentos. Por outro lado, aintrodução de novas tecnologias nas atividades deconversão tende a reduzir a variabilidade, benefi-ciando os fluxos.

Assim, é necessário que exista um equilíbrio entreambas. Dentro de um determinado processo, em geraldeve haver uma alternância entre a melhoria incre-mental, participativa, focada nas atividades defluxo e a inovação tecnológica, em geral de origemexterna à organização, que envolve mudanças maisradicais nas atividades de conversão.

Como aplicar:

A aplicação deste princípio depende muito da cons-ciência por parte da gerência de produção de que énecessário atuar em ambas as frentes. A primeiradelas, relacionada à melhoria incremental, requerliderança da gerência na condução das ações inter-nas. A segunda requer uma visão do ambiente forada empresa, visando à identificação de inovaçõesque podem se adaptar à sua realidade.

Exemplo prático:

A melhoria do desempenho na execução de sistemasde vedação vertical, como, por exemplo, em alvena-ria de blocos cerâmicos, requer um esforço de eli-minação de perdas nas atividades de transporte,inspeção e estoques. A partir do momento que esteprocesso atinge elevados níveis de racionalização,passa-se a avaliar a possibilidade de introduzir

Page 29: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

29

uma inovação tecnológica nas atividades de conver-são, como, por exemplo, através da utilização dedivisórias leves ou painéis pré-moldados. Uma vezintroduzida esta inovação, passa a ser necessárionovamente buscar a melhoria contínua, visando amelhorar o desempenho das atividades de fluxo.

Page 30: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

30

1.3.11.Fazer benchmarking

Definição:

Benchmarking consiste em um processo de aprendiza-do a partir das práticas adotadas em outras empre-sas, tipicamente consideradas líderes num determi-nado segmento ou aspecto específico da produção.

Este princípio de uma certa forma contrasta com oprincípio relacionado à introdução da melhoriacontínua a partir do esforço interno da empresa.Assim, a competitividade da empresa deve ser o re-sultado da combinação dos seus pontos fortes (in-ternos), desenvolvidos principalmente a partir deum esforço de melhoria contínua, com boas práticasobservadas (externas) em outras empresas e seto-res.

Como aplicar:

Existe uma ampla bibliografia sobre como aplicarbenchmarking, baseado em experiências desenvolvi-das em diferentes empresas (ver, por exemplo,Camp, 1989; McNair & Leibfried, 1992; DTI, 1995;Zairi, 1996; Santos et al., 1997). Em linhas ge-rais, diversos autores recomendam um processo es-truturado, contendo os seguintes passos:

a) conhecer os próprios processos da empresa;b) identificar boas práticas em outras empresas

similares;

c) entender os princípios por trás destas boaspráticas; e

d) adaptar as boas práticas encontradas à realida-de da empresa.

Exemplo prático:

O estudo cujo resultado está apresentado no Capí-tulo 2 pode ser caracterizado como um trabalho debenchmarking, no qual se procurou conhecer o de-sempenho do setor em relação às perdas de materi-ais, assim como os fatores que conduziram aos me-lhores desempenho entre as obras analisadas.

Page 31: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

31

1.4. CONCEITO DE PERDAS

1.4.1.Papel das perdas nacompetitividade

Existem muitas divergências no setor da construçãocivil quanto ao conceito de perdas e também quantoà forma de medi-las. Em função disto, existem in-termináveis debates quanto à validade e ao signi-ficado dos indicadores de perdas levantados em di-ferentes estudos.

Com freqüência as perdas na construção civil sãoconsideradas como sinônimo de entulho, tais comorestos de madeira, argamassa, blocos e outros ma-teriais, os quais não apresentam a possibilidadede serem reaproveitados. Ou seja, perda é entendi-da como todo aquele material virtualmente sem va-lor, que sobra ao final da obra ou serviço.

Esta definição seduz por sua simplicidade. Além devisível (as perdas são vistas e, portanto, facil-mente mensuráveis), o custo das perdas poderia sercalculado sem maiores dificuldades, através damultiplicação da quantidade perdida (entulho) decada material pelo seu valor unitário. Conseqüen-temente, a determinação do custo das perdas de umaobra poderia ser obtido a partir da soma dos cus-tos das perdas de cada um dos materiais empregadosna mesma.

No entanto, tal conceito nem sempre é adequado,principalmente quando se considera os crescentesníveis de competição no setor. Devido ao seu cará-ter restrito, a compreensão das perdas como sinô-nimo de entulho resulta em uma visão muito estrei-ta do potencial de melhorias efetivamente existen-te na empresa, podendo em muitos casos levar àcompreensão (errônea) de que uma obra sem entulhoé uma obra eficiente, e portanto sem espaço paramelhorias. Da mesma forma, níveis de perdas consi-derados baixos pela empresa em um determinado mo-mento podem se tornar inadequados à medida que asempresas concorrentes reduzem cada vez mais as su-as perdas.

Page 32: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

32

1.4.2.Perdas na Construção Enxuta

Na construção enxuta, o conceito de perdas estáfortemente associado à noção de agregar valor enão está limitado apenas ao consumo excessivo demateriais. Assim, as perdas estão relacionadas aoconsumo de recursos de qualquer natureza, taiscomo materiais, mão de obra, equipamentos e capi-tal, acima da quantidade mínima necessária paraatender os requisitos dos clientes internos e ex-ternos.

Entretanto, uma parcela que não agrega valor podeser considerada inerente ao determinado processo,na medida que não pode ser eliminada sem uma mu-dança no método de trabalho. A Figura 1.10, pro-posta por Ohno (1988), ilustra o conceito de per-das adotado neste trabalho, no qual o movimentodos operários é dividido em trabalho e perda. Otrabalho reúne duas categorias de atividades: (a)as que agregam valor; e (b) as que não agregam va-lor, mas que são essenciais ao processo sem umamudança de método de trabalho. A perda correspondeàs atividades que não agregam valor, mas que podemser eliminadas do processo.

Figura 1.10 – Classificação dos movimentos dos operários (Ohno, 1988)

Page 33: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

33

Pode-se assim admitir que existe um nível aceitá-vel de perdas (perda inevitável) que só pode serreduzido através de uma mudança significativa nopatamar de desenvolvimento tecnológico e gerencialda empresa. Considerando este pressuposto, as per-das podem ser classificadas da seguinte forma:

(a) Perdas inevitáveis (ou perda natural): corres-pondem a um nível aceitável de perdas, que é iden-tificado quando o investimento necessário para suaredução é maior que a economia gerada. O nível deperdas considerado inevitável pode variar de em-presa para empresa e mesmo de obra para obra, den-tro de uma mesma empresa, dependendo do patamar dedesenvolvimento da mesma.

(b) Perdas evitáveis: ocorrem quando os custos deocorrência são substancialmente maiores que oscustos de prevenção. São conseqüências de um pro-cesso de baixa qualidade, no qual os recursos sãoempregados inadequadamente.

A Figura 1.11 ilustra a distribuição dos custostípica de um processo antes e depois de um proces-so de melhoria, no qual observou-se as seguintesmudanças:

(a) Pequena redução de custos nas atividades queagregam valor através da melhoria da sua efici-ência;

(b) Média redução de custos nas atividades que nãoagregam valor através da melhoria da sua efici-ência ou da sua eliminação; e

(c) Grande redução dos custos através da eliminaçãodas perdas, principalmente através da elimina-ção de atividades que não agregam valor. Umapequena parcela de perdas permanece, pelo fatode que sua eliminação não é viável economica-mente, a não ser que haja mudanças substanciaisnos métodos utilizados.

Não se pode afirmar que existe, para cada materi-al, um percentual único de perdas que pode serconsiderado inevitável para todo o setor. Existemdiversos valores, os quais dependem do nível dedesenvolvimento gerencial e tecnológico da empre-sa. A competitividade da empresa é alcançada namedida que a organização persegue a redução deperdas continuamente.

Page 34: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

34

ANTES DAMELHORIA

Atividades queagregam valor

Perdafinal

Perda

Atividades que nãoagregam valor,essenciais ao

processo

APÓS AMELHORIA

Figura 1.11 – Distribuição de custos típica antes e depois de um processo de melhoria

Page 35: Fundamentos da Construção Enxuta - Artigo

35

1.4.3.Razões para se medir as perdas

Existem várias razões pelas quais uma empresa deveengajar-se na medição das perdas no seu sistema deprodução:

(a) Visibilidade: a medição das perdas permiteavaliar a eficiência alcançada pelo sistema deprodução na utilização de recursos. Desta for-ma, obtém-se visibilidade em relação aos pro-cessos de produção, identificando os seus pon-tos fortes e fracos e estabelecendo priorida-des para melhorias. Sobretudo, pode-se identi-ficar situações nas quais existem oportunida-des de melhorias, que podem levar a um aumentono grau de competitividade da empresa.

(b) Controle: a empresa pode utilizar indicadoresde perdas para definir padrões de desempenhodos seus processos, a partir dos quais os mes-mos podem ser controlados. A medição de perdaspassa, então, a ser utilizada para a identifi-cação de desvios e também para acompanhar aevolução do próprio desempenho da empresa aolongo do tempo.

(c) Melhoria: à medida que as empresas decidem in-tervir nos processos, os indicadores de perdaspodem ser utilizados para estabelecer metas demelhorias, a partir de médias setoriais ou debenchmarks obtidos em outras empresas. Nestecaso, é possível avaliar o impacto das açõesde melhoria sobre o desempenho do processo.

(d) Motivação: as medições têm o potencial de con-tribuir efetivamente na motivação e envolvi-mento das pessoas com o desenvolvimento de me-lhorias, pois permite ao indivíduo um retornoquanto ao desempenho do processo no qual estáenvolvido e ao seu próprio desempenho.