fund metod ens ed fis postar leandra

Upload: camussi-ama-lais

Post on 12-Jul-2015

1.055 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Patrick Ramon Sta n Coquerel

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao FsicaPatrick Ramon Stafin Coquerel

Curitiba 2011

Ficha Catalogrfica elaborada pela Fael. Bibliotecria Siderly Almeida CRB9/1022

Coquerel, Patrick Ramon Stafin C786f Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica / Patrick Ramon Stafin Coquerel. Curitiba: Editora Fael, 2011. 135 p. Nota: conforme Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa. 1. Educao Fsica (Ensino fundamental). 2. Professores Formao. I. Ttulo. CDD 790.1Direitos desta edio reservados Fael. proibida a reproduo total ou parcial desta obra sem autorizao expressa da Fael.

FAEL Diretor Executivo Diretor Acadmico Coordenadora do Ncleo de Educao a Distncia Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Secretria Acadmica Maurcio Emerson Nunes Osris Manne Bastos Vvian de Camargo Bastos Ana Cristina Gipiela Pienta Dirlei Werle Fvaro

EDitorA FAEL Coordenadora Geral Coordenador Editorial Edio reviso Projeto Grfico e Capa Diagramao ilustrao da Capa Dinamara Pereira Machado William Marlos da Costa Jaqueline Nascimento Lisiane Marcele dos Santos Denise Pires Pierin Sandro Niemicz Cristian Crescencio

Dedico esta obra minha amada companheira Alice Bollbuck, exemplo notvel de pessoa, me, profissional, filha, irm, amiga e mulher.

Agradeo s professoras e colegas de trabalho da Universidade do Contestado (UnC), Ndia Rgia Neckel e Clia Pereira Gomes, pela indicao para a composio desta obra.

apresentaoRecebi, com muita satisfao, a tarefa de apresentar Patrick Ramon Stafin Coquerel e a sua obra Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica. uma honra, porque, alm de amigo, Patrick a pessoa mais indicada para escrever um livro como este, um profissional dedicado educao fsica, com credenciais para discutir e revisar um assunto to complexo e importante para a nossa populao. O autor caminha em diversas reas da educao fsica, devido ao tempo dedicado profisso, mergulha fundo nas suas crenas e incorpora os conhecimentos para se dedicar s verdadeiras transformaes. Esta obra dirigida, sobretudo, aos estudantes dos programas de Graduao e Ps-Graduao em Educao Fsica e reas afins, bem como aos pesquisadores e curiosos em conhecer um pouco mais sobre a cincia da educao fsica. A leitura e o estudo de Fundamentos e Metodologias da Educao Fsica fundamental para os estudantes e leitores conhecerem ou mesmo revisarem assuntos, como histrias, significados, importncia, concepes e funes da educao fsica. O autor apresenta, tambm, as novas tendncias pedaggicas da rea, alm de revisar, de uma forma clara e simples, o tema desenvolvimento motor e o esporte escolar. Patrick se preocupa em mostrar a educao fsica como disciplina inter e transdisciplinar, um tema que carece de discusses, pela prpria histria da disciplina, apresentada na obra escrita. A seo Da teoria a prtica, proposta pelo autor em todos os captulos, encaminha os leitores para uma reflexo acerca das novas descobertas sobre a prtica diria dos professores que, em muitas ocasies, dissociada da teoria. Esses encaminhamentos da obra Fundamentos e Metodologias da Educao Fsica, associados s indicaes de filmes e outras leituras, tornam a obra um excelente exerccio de aprendizagem. Como afirma o autor, no precisamos separar o corpo da mente para aprender ou para se mexer.

apresentao

apresentao

apresentaoPor tudo isso, a obra de Patrick torna-se to atrativa e informativa, alm de ser um timo exerccio para a aproximao dos diversos temas revisados nos captulos apresentados. No h outra forma de transformar a escola, deix-la mais humana e saudvel, se no for pelos estudos e discusses sobre os temas que permeiam nossas instituies de ensino e nossa sociedade. Carlos Fernando Frana Mosquera*

* especialista em Educao Especial, pela Universidade Federal do Paran (UFPR) e doutor em Fisiologia do Exerccio, pela Universidade Catolica San Antonio de Murcia, na Espanha, com ttulo revalidado pela Universidade de So Paulo (USP). Atualmente, atua como estatutrio da Faculdade de Artes do Paran. Trabalha, principalmente, com os seguintes temas: treinamento, deficincia, leso, fisioterapia e esportes.

oirmusPrefcio.....................................................................................11

sumrio

1 Histria e significados da educao fsica...............................13 2 Importncia, funes e concepes da educao fsica .........27 3 O movimento intencional e seus significados ..........................39 4 Tendncias pedaggicas na educao fsica ...........................49 5 Contedos da educao fsica escolar.....................................57 6 Esporte escolar.........................................................................69 7 Educao fsica e sade ...........................................................77 8 Educao Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental .......85 9 Desenvolvimento motor ...........................................................93 10 Construo do conhecimento nas aulas de educao fsica ...101

oirmus

sumrio11 Experincias com o movimento................................................107 12 Inter e transdisciplinaridade....................................................123Referncias...............................................................................129

oicferp

prefcio11

com imenso prazer que apresento a obra Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica. Espero que ela possa contribuir para o entendimento geral da educao fsica no contexto da Educao Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, desde seus conceitos fundamentais at suas possibilidades prticas no universo educacional. O objetivo contribuir para o desenvolvimento da conscincia transitiva crtica dos leitores, por intermdio dos saberes acerca da educao fsica nos espaos de ensino pr-escolar e escolar. Para alcanar tal objetivo, sero utilizadas abordagens interacionistas, voltadas construo do conhecimento. Cada um dos doze captulos foi organizado em uma sequncia lgica e escrito em linguagem dialgica, no intuito de facilitar a elaborao gradual dos contedos propostos e possibilitar um dilogo ntimo com o leitor. Cada captulo possui uma breve introduo, seguida da apresentao dos respectivos contedos discutidos com a literatura vigente da rea, uma interlocuo da teoria com a prtica, alm de uma sntese dos estudos. Foi com muita honra que aceitei o desafio para a produo deste livro. Meu envolvimento com a educao fsica e com o esporte foi intenso nas ltimas duas dcadas. Primeiramente, fui atleta e estudante beneficirio da educao fsica. Nos ltimos sete anos, tenho me dedicado formao de professores da rea, em nvel de Graduao e Ps-graduao, bem como levado para profissionais de outras reas a importncia da educao fsica e do movimento para a aprendizagem e, consequentemente, para o desenvolvimento

12

oicferp

prefcioO autor.*

humano. Acredito que minha trajetria, apesar de tenra, credencia-me a dividir conhecimentos profcuos com os interessados no assunto.

* Patrick Ramon Stafin Coquerel bacharel em Educao Fsica e Esportes e mestre em Cincias do Movimento Humano, pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). instrutor, scio e gerente da Colnia de Frias Iguamirim. Atua como professor no curso de Educao Fsica da Universidade do Contestado (UnC) e em cursos de Ps-graduao, na rea psicomotora. Tem experincia na rea de educao fsica, com nfase em recreao, psicomotricidade, atividade fsica adaptada, treinamento personalizado, gerontomotricidade e avaliao psicomotora.

Histria e significados da educao fsicaN

113

este captulo, apresentaremos o estudo da origem e do significado da designao educao fsica, alm de inquirir sua histria universal e brasileira. Sero apontados marcos referenciais de maior relevncia histrica das culturas de movimento e, com isso, ser traado o percurso da educao fsica, a partir da denominada Pr-Histria, at a Contemporaneidade. Com relao abordagem especfica desse tema no Brasil, sero destacados os principais perodos histricos, desde o perodo eugenista/ higienista at o perodo de regulamentao da profisso e seu reconhecimento como rea da sade. Ser focada a histria da educao fsica escolar brasileira, tambm tratada sobre uma viso crtica, mediante apontamentos da obra Educao fsica no Brasil: a histria que no se conta, de Lino Castellani Filho (1994). Espera-se que, com a leitura deste captulo, seja possvel agregar os pr-conhecimentos de histria de maneira indissociada da historicidade das culturas corporais, alm de desenvolver um olhar mais crtico sobre a realidade conjuntural da educao fsica.

Aspectos histricos e significadosDizemos que a educao fsica existe como disciplina acadmica e rea de interveno profissional. Enquanto disciplina, est inserida de forma universal em diferentes etapas da escolarizao, na maioria dos pases. No Brasil, ela foi introduzida, ainda no Perodo Imperial, em algumas escolas pblicas e, atualmente, componente curricular obrigatrio da educao bsica (BRASIL, 1996).

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

No do dia 1 de setembro de 1998, por intermdio da Lei n. 9.696/98, foi originalmente reconhecida como profisso no territrio brasileiro1. Com a promulgao da lei, o Brasil deu incio ao processo de regulamentao das mais variadas formas de atuao no campo das atividades fsicas realizadas fora do ambiente escolar, influenciando muitos governos a adotarem medidas semelhantes (BRASIL, 1998a). O processo comum que uma profisso se torne disciplina. No caso da educao fsica, ocorreu o inverso; ela surgiu de forma oficial como componente curricular de instituies de ensino formais para, mais tarde, ser regulada como rea profissional (STEINHILBER, 1996). Se tomarmos como exemplo a rea da biologia, perceberemos que existe a profisso de bilogo. Tanto aquele que realiza trabalhos fora do ambiente escolar quanto aquele que opta por lecionar a disciplina curricular, designada normalmente como biologia, so pertencentes a uma mesma categoria, ou seja, dos bilogos, profisso regulamentada em lei no territrio brasileiro. Isso ocorre igualmente com a qumica, a fsica e a matemtica.14

A histria nos mostrou que a educao fsica germinou e evoluiu pela via pedaggica. Dessa forma, a escola foi, e ainda , o campo privilegiado para o desenvolvimento dessa profisso. Mesmo que a institucionalizao do esporte avance, que ocorra a proliferao de espaos para exercitar o corpo e que a busca pelo lazer ativo continue em expanso, a escola ainda ser o espao de legitimao da educao fsica, sobretudo pelo seu carter educativo. A sociedade est em pleno processo de transformao. No obstante, a escola tambm passa por mudanas. Os ltimos dois sculos marcaram a Era Moderna e nos lanaram na Ps-Modernidade. Muitos fatores contriburam para essa evoluo sem precedentes a urbanizao, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, a exploso demogrfica, a reduo da taxa de mortalidade, o aumento da expectativa de vida, a melhoria do acesso a servios de sade e educao so exemplos consistentes dessas mudanas. A escola no permaneceu alheia a esse processo histrico, tampouco a educao fsica. Com a evoluo do ser humano e, consequentemente, das sociedades humanas e de seus meios, tanto a1 Nessa mesma data, passou a ser comemorado o Dia do Profissional de Educao Fsica. FAEL

Captulo 1

disciplina acadmica quanto a atuao profissional em educao fsica se transformaram de forma abrupta nos ltimos anos. Percebemos as demandas nas reas do desenvolvimento tecnolgico, da recuperao e preservao do meio ambiente e do anseio da populao por melhores nveis de qualidade de vida. Nesse nterim, constatamos que a educao fsica ocupar um territrio muito promissor na sociedade do futuro. Isso j vem, inclusive, configurando-se na atualidade, basta repararmos na quantidade de reportagens nos diferentes canais de TV, rdio, internet, jornais e revistas de grande circulao, que divulgam com mais frequncia a importncia da adoo de um estilo de vida ativo, em prol da sade. Observamos, tambm, o crescente incentivo na ampliao do perodo de tempo de prtica esportiva de cunho educacional. Podemos encontrar exemplos disso at mesmo na legislao brasileira. Recentemente, foi sancionada a Lei de Incentivo ao Esporte (BRASIL, 2006), que preconiza a priorizao do esporte de cunho escolar na distribuio dos recursos arrecadados de pessoas fsicas e jurdicas. Isso representa um avano significativo para a sociedade brasileira. Em mdio e longo prazo, se as polticas pblicas de incentivo ao esporte forem bem conduzidas, muito provvel colhermos bons frutos desse investimento. Cultura de movimento Ao considerar a relevncia da trajetria histrica associada s instituies de ensino, a epistemologia, ou melhor, a teoria do conhecimento acerca da ento educao fsica escolar, aponta que o objeto principal dessa disciplina denominado cultura de movimento (TANI, 2005). Seja no nvel da reproduo das diversas manifestaes ginsticas, recreativas, esportivas e expressivas, ou na produo de novos saberes corporais, a cultura de movimento a razo de ser da educao fsica na escola. Nesse sentido, se tomarmos como base um movimento natural, como a caminhada, temos que a maioria das pessoas anda sem nenhuma restrio, razo pela qual a caminhada to indicada para aprimorar a sade. Contudo, o que poucas pessoas sabem que um simples gesto como caminhar possui inmeras dimenses a serem analisadas. Em uma dimenso anatmica, sabemos que o corpo humano no encerrou as adaptaes necessrias posio bpede, logo ns sofremosFundamentos e Metodologia da Educao Fsica

15

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

um pouco os efeitos de permanecermos um longo perodo de tempo em p ou no andar bpede. Com relao dimenso fisiolgica, andar exige muito dos msculos da rea da panturrilha, nos membros inferiores, porm nem tanto da musculatura atrs da coxa, causando, ao longo dos anos, desequilbrios musculares para quem somente caminha. Em uma dimenso sociolgica, muitos aspectos podem ser contextualizados. Por exemplo, pessoas que moram no campo possuem peculiaridades em comparao quelas que habitam os centros urbanos apesar de todo avano econmico e tecnolgico que se observa em muitas propriedades rurais brasileiras. comum, em uma grande metrpole, o uso frequente de veculos de transporte para locomoo diria. Apesar de muitas pessoas que moram em cidades optarem ou necessitarem caminhar, geralmente o fazem em proporo menor, se comparadas s que vivem no campo. Nesse sentido, constatamos as mltiplas abordagens que podem ser desenvolvidas acerca de um nico gesto do corpo. Os seres humanos caminham de formas diferentes. Se analisarmos detidamente, cada pessoa possui uma forma de caminhar assim como uma impresso digital. No entanto, poucas possuem o privilgio de conhecer as caractersticas de sua forma peculiar de caminhar. Afinal, para que pode ser importante saber a forma que se caminha? Dizer que a maneira como se caminha pode ser determinante para causar ou no um grave problema ortopdico (sobretudo por caminhar ser um movimento repetitivo) talvez possa chamar a ateno para os motivos de se conhecer mais sobre a forma de caminhar. Agora pense: quantos movimentos e posturas estticas seu corpo faz durante o dia? provvel que a concluso seja muitos. Constatamos que a prxis da educao fsica escolar est distante da realidade de trabalhar plenamente as culturas de movimento. Apesar das experincias de sucesso, ainda prevalecem as aulas em que os professores costumam abandonar os alunos no ptio das escolas para viverem experincias corporais em um rol reduzido de modalidades esportivas tradicionais e populares (TANI, 2005). Essa condio emite sinais de transformao, porm ainda tmidos. A atitude descompromissada de boa parte dos professores brasileiros de educao fsica escolar tem, constantemente, desvalorizado a disciplina e ajudado a manter uma contraproducente e inapropriada hierarquia de valores diante dasFAEL

16

Captulo 1

demais disciplinas escolares. Como as aulas de educao fsica so costumeiramente desenvolvidas no ptio das escolas, esto sob o olhar de outros sujeitos da comunidade escolar, diferente das demais disciplinas curriculares que, notoriamente, ocorrem com mais constncia dentro do espao chamado de sala de aula. bastante comum, no meio escolar, a noo equivocada de que o ensino de matemtica, lngua portuguesa, geografia ou histria mais importante do que o ensino de educao fsica. Muitas pessoas acreditam que a disciplina no sujeita a reprovao. Um aluno pode sim reprovar em educao fsica, uma vez que ela disciplina de componente curricular obrigatrio na educao bsica, resguardadas algumas situaes nas quais a sua prtica considerada facultativa (BRASIL, 1996). evidente que o mrito da presente abordagem no tratar da reprovao em si, pois qualquer reprovao indesejvel, independentemente da situao e da disciplina. Porm, o desconhecimento do prprio corpo e de suas formas de interagir com o mundo dos objetos e das outras pessoas, bem como a ignorncia diante da multiplicidade de culturas de movimento, deve ser motivo para avaliar se uma pessoa deve ser aprovada ou no em um dado ano escolar. Muitos dos denominados problemas de aprendizagem encontrados na escola derivam, direta e indiretamente, de inaptides corporais dos estudantes (TANI, 2005). O problema da hierarquizao das disciplinas escolares tambm possui um motivo histrico, relativo nomenclatura da educao fsica. Quando o filsofo Ren Descartes lanou o argumento penso, logo existo, ocorreram diversos desdobramentos na cincia, na filosofia e at mesmo na religio (SRGIO, 1999). No perodo em que Descartes lanou seus argumentos, ocorreu uma diviso entre o que era considerado cientfico e o que era sagrado. A cincia ficou incumbida do manifesto, j a Igreja, do ocultismo, ressurgindo um novo dualismo mente X corpo (SRGIO, 1999). Tal movimento filosfico e cientfico desencadeou a adoo de uma srie de lgicas dualistas. Planos bidimensionais, denominados cartesianos, eram utilizados para explicar relaes de causa e efeito. O corpo foi separado do esprito; surgiu a psicologia separada da fisiologia. Para Descartes, o movimento corporal derivava de espritos animais que encarnavam no corpo pelos rgos dos sentidos e, ao chegarem glndula pineal, ativavam os msculos, produzindo movimentos corporais (KOLB; WHISHAW, 2002).Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

17

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Pela lgica cartesiana, o esprito causava o movimento. importante salientar que esse pensamento causal era dominante. Ainda existem muitos resqucios disso na escola contempornea, tanto que o termo educao fsica cunhou-se aps a declarao de Descartes (SRGIO, 1999). O entendimento era de que as disciplinas tradicionais, como matemtica, qumica, entre outras, ensinavam o esprito. Portanto, deveria existir uma designao para o ensino dos movimentos corporais, logo, a educao do corpo humano material, do corpo fsico. Foi dessa forma que o termo educao fsica surgiu na Europa e se espalhou pelo mundo considerando o processo de colonizao dos outros continentes pelas naes dominantes do Velho Mundo (SOARES, 2001). Pelo menos, a meno mais antiga do termo encontrada data do sculo XVI, coincidentemente com o auge do perodo do pensamento dualista (SRGIO, 1999). As atividades fsicas organizadas em mtodos so mais antigas que o perodo da Renascena. O homem pr-histrico danava, caava, lutava e realizava vrias atividades fsicas, com finalidades utilitaristas e voltadas sobrevivncia (GRIFI, 1989). O estudo da escrita de civilizaes antigas, como a indiana e a chinesa, por volta de 5.000 a.C., j contemplava a existncia de manuais dirigidos s prticas corporais com finalidades militares e higinicas, com destaque para yoga, na ndia, Tai Chi Chuan e Kong Fu, na China (GRIFI, 1989). Entre os egpcios, por volta de 3.000 a.C., os exerccios blicos, equitao, natao, remo e navegao a vela j eram amplamente difundidos (GRIFI, 1989). A civilizao greco-romana, considerada bero da civilizao ocidental, ocupa papel de destaque diante das prticas corporais. Entre os gregos, temos como exemplos desse perodo, mais ou menos em 500 a.C., os Jogos Olmpicos da Antiguidade, as instalaes esportivas, como piscinas trmicas, estdios e ginsios (GRIFI, 1989). O povo helnico, de altssimo grau de instruo, era adepto sagaz das atividades fsicas. A palavra ginstica, por exemplo, deriva do grego gymns, que significa exercitar-se nu (GRIFI, 1989). Esse era o modo peculiar como o cidado grego2 praticava esportes e exerccios. A civilizao que reuniu grandes pensadores, como Erclito, Empdocles, Pitgoras, Scrates, Plato, Aristteles, Hipcrates e tantos2 Entende-se cidado grego como uma pequena parcela da populao de homens adultos aristocrticos e oficiais militares, excluindo mulheres, escravos e demais pessoas, em um prottipo regime democrtico com caractersticas extremamente elitistas. FAEL

18

Captulo 1

outros, cultuava o corpo, da o termo fisioculturismo. Existiam os atletas e os treinadores, assim como os pedtribas, palavra original para se referir a pedagogo, ou seja, aquele que cuidava de crianas (LIBNEO, 2001). Sobre isso, cabe ressaltar que a educao grega, ou educatio, prescrevia exerccios fsicos vigorosos e altssimo grau de instruo. A prpria atividade fsica era carregada de sentido, valor e significado, compreendendo a maior parcela de tempo dedicada aos estudos. Conhecer a si mesmo era um preceito perseguido pelo estudante da Antiguidade. Nada era mais propcio para conhecer a si prprio do que desafiar os limites corporais em provas de fora, velocidade, habilidade e destreza. Muitas vezes, o desafio era enfrentar condies extremas de fome, sede, cansao e at a eminncia da morte. A partir dos sete anos de idade, os meninos ingressavam nas escolas. Alis, a palavra escola significava lugar de nada fazer, pois a educao grega era baseada na espontaneidade, no lazer. Tanto era assim que eles tambm se entusiasmavam com o preceito do cio criativo. Como era a Paideia, ou seja, a educao dos meninos gregos? E a Ana, para meninas? Ao estudar esse assunto, os educadores vivem verdadeira nostalgia. Os romanos se notabilizaram por um conjunto diversificado de prticas corporais, idolatravam os chamados jogos realizados no sanguinrio circo romano (GRIFI, 1989). Grandiosas edificaes, como o Coliseu, so provas concretas da exaltao dessa cultura. Muitas tcnicas mdicas e terapias corporais se desenvolveram em larga escala entre os romanos, devido ao fato de muitos atletas serem superastros do mundo antigo e deterem riquezas capazes de manter profissionais especializados em reabilit-los a medicina se desenvolveu muito nesse perodo (GRIFI, 1989). O laboratrio para esse amplo desenvolvimento eram os pores dos estdios, que recebiam os gladiadores lesionados nos espetculos pblicos promovidos pelos aristocratas romanos. Galeno se destacou nesse perodo; quanto mais se conhece sobre suas prticas de medicina desportiva, mais se admira a genialidade desse personagem histrico. Com certeza, a riqueza do mundo romano atraiu para si muitas manifestaes de culturas de movimento. As danas, as lutas, os esportes blicos, os exerccios considerados militares, como o raspartum (que deu origem ao futebol), a equitao, a navegao, o malabarismo, e tantas outras prticas devem muito ao povo romano (GRIFI, 1989).Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

19

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Entre os gregos e romanos, os exerccios fsicos tinham finalidades diversas, com destaque para o militarismo e o higienismo. Com a queda do Imprio Romano e a ascenso do Cristianismo, muitas prticas corporais foram consideradas pags, afinal muitos deuses cultuados na Antiguidade tinham formas humanas exuberantes, com corpos narcisicamente trabalhados. Com a adoo de um cone como Jesus de Nazar, o Catolicismo passou a condenar muitas prticas de higienismo corporal, relegando ao corpo um papel secundrio e subjugado ao esprito (GONALVES, 2005). A vaidade de um fisioculturista da Antiguidade no combinava mais com a imagem e semelhana da figura de Cristo. O corpo maltratado de Cristo tornou-se a figura simblica da imagem de Deus. A ideia de castigar o corpo para libertar a alma foi difundida entre vrias seitas crists. importante destacar que ainda existem grupos religiosos que praticam o autoflagelo ao corpo em vrias partes do mundo e em diferentes culturas religiosas. As coisas ditas corpreas foram menosprezadas durante sculos no Ocidente e essa tradio cultural ainda percebida por ns nas comunidades em que o Cristianismo influente. Nelas permaneceu preponderante o conceito de que adorar o corpo era imprprio. Muitos estudiosos da histria da educao fsica denominam a Idade Mdia perodo em que a Igreja Catlica detinha o poder poltico e do conhecimento no Ocidente , como o perodo das trevas para o corpo (GRIFI, 1989). Com o Renascimento, a cultura mundana antiga retomada com vultuosidade. Literaturas, esculturas e afrescos guardados durante sculos passaram a circular entre as classes burguesas em plena emergncia. Foi nesse perodo de iluminao que a viso de homem deixou de ser teocntrica (voltada para a imagem de Deus) e retornou ao antropocentrismo (voltada para o homem) (GONALVES, 2005). Outros movimentos sociopolticos e econmicos foram decisivos para dar rumo humanidade aps a chamada Renascena. As grandes navegaes e processos coloniais realizados por pases europeus, no sculo XV; o Iluminismo, no sculo XVII; as Revolues Francesa e Industrial, iniciadas no sculo XVIII, influenciaram decisivamente a histria civilizatria e, por consequncia, a educao fsica, em suas mais variadas ramificaes (GRIFI, 1989). No sculo XIX, mais precisamente em 1896, foram reeditados os Jogos Olmpicos, agora da chamada Era Moderna, em que o Baro de Coubertin liderou a revitalizao do movimentoFAEL

20

Captulo 1

olmpico, reafirmando a paz entre os povos, entre outros valores fundamentais para a construo de um mundo melhor (GRIFI, 1989). Nesta brevssima abordagem histrica, necessria para dar significado educao fsica e, por extenso, ideia de cultura de movimento, to difundida no meio acadmico contemporneo, foi possvel mencionar algumas concepes de educao fsica. Citamos a utilitarista, a militarista e a higienista. Elas predominaram em determinados momentos, ora se alternando, ora coexistindo. Em relao disciplina educao fsica escolar, foco de nosso interesse, mais especificamente no contexto brasileiro, houve distintas fases de evoluo de tais concepes. Educao fsica brasileira Podemos afirmar que a concepo primria da educao fsica brasileira foi atrelada aos ideais eugenistas apregoados pela antropologia alem do final do sculo XIX, com muitas personalidades brasileiras influenciadas por esses preceitos, como ocorreu com Rui Barbosa (CASTELLANI FILHO, 1994). Viagens ao exterior sensibilizaram o clebre parlamentar brasileiro quanto questo da eugenia da raa, deixando-o preocupado com a grande diferena de vigor fsico de suecos, finlandeses, franceses em comparao com o perfil do brasileiro comum de sua poca (MELO, 1999). Essa razo, associada ao higienismo, voltado aos cuidados com a sade, estimulou Rui Barbosa a defender insistentemente a implantao da disciplina de educao fsica nas escolas brasileiras, bem como a criao das primeiras escolas de formao profissional nessa rea de atuao. Por tal motivo, o saudoso parlamentar considerado o paladino da educao fsica brasileira. Contudo, as escolas de formao em nvel superior surgiram, no Brasil, dentro de instituies militares, e os primeiros instrutores tinham formao militar (CASTELLANI FILHO, 1994). Os primeiros cursos de formao foram organizados por militares que ganharam bolsas para estudar no exterior. No incio do sculo XX, esses profissionais aprendiam o mtodo francs, tambm de caracterstica militar (CASTELLANI FILHO, 1994). Aulas dirigidas por meio de vozes de comando, exerccios calistnicos e disciplina rgida compunham as rotinas. Muitos brasileiros do passado tiveram aulas de educao fsica nesse formato, incompatvel com a cultura brasileira da poca. A educao fsica militarista criou muita averso a essa disciplina, que ficou atrelada ideia de sofrimento fsico em muitos contextos.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

21

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Aps o perodo militarista da Era Vargas, a educao fsica escolar Ps-Segunda Guerra Mundial foi influenciada por um movimento da educao nacional, o pedagogicismo (MELO, 1999). A educao fsica escolar brasileira foi muito influenciada pelo referido movimento educacional, que teve o norte-americano John Dewey como um dos seus expoentes e o brasileiro Ansio Teixeira como um de seus maiores difusores (CASTELLANI FILHO, 1994). Em outras linhas de trabalho pedaggico da poca, destacou-se o eminente educador Paulo Freire, que teve grande influncia sob o pensamento pedaggico de sua poca, com repercusses muito apropriadas, inclusive educao fsica escolar. As aulas de educao fsica passaram a combinar as antigas rotinas militaristas e higienistas com estmulos por meio de jogos e exerccios psicomotores capazes de amplificar as habilidades e competncias corporais, necessrias ao desenvolvimento de outras faculdades intelectuais, alm, claro, das aulas fundamentadas no dilogo entre professor e aluno, estimulando o desenvolvimento da criticidade.22

As tenses internacionais e suas repercusses polticas na Amrica do Sul predispuseram o Brasil ao regime militar ditatorial. Com os militares no poder, houve uma retomada da rigidez e disciplina militar nas aulas de educao fsica. J nos cursos de formao superior, foi enfatizada a preparao dos novos educadores para o tecnicismo, concepo da educao fsica voltada ao ensino tcnico dos movimentos corporais (MELO, 1999). A influncia norte-americana sobre a esportivizao da educao fsica brasileira foi notria; os esportes institucionalizados passaram a ser a referncia. A Guerra Fria estava presente na corrida armamentista e, tambm, nas provas olmpicas, palco de demonstrao de fora poltica (GRIFI, 1989). A antiga Unio das Repblicas Socialistas Soviticas URSS e os pases do chamado bloco comunista competiam contra os seus opositores, liderados pelos Estados Unidos da Amrica, bloco capitalista. Muitas pessoas que tiveram acesso educao fsica escolar nesta poca praticaram esportes na escola. Formavam-se equipes que disputavam competies organizadas com a finalidade de detectar talentos para formar equipes nacionais com destaque internacional (CASTELLANI FILHO, 1994). Com a redemocratizao do pas, a educao fsica escolar entrou em crise e muitos professores foram doutrinados para trabalhar com o esporte (MELO, 1999). Contudo, no havia como fazer o esporteFAEL

Captulo 1

nas condies sociais e econmicas que o Brasil enfrentava, tampouco a ideia de massificar o esporte para a populao. Diante de uma grande frustrao profissional e da efervescncia dos primeiros intelectuais brasileiros da educao fsica que acabavam de voltar de seus programas de stricto sensu de mestrado ou doutorado no exterior, a crise se consolidou (CASTELLANI FILHO, 1994). A educao fsica ficou rf do passado e resistente com relao s novas ideias de educao fsica escolar. Muitos jovens da poca foram alunos da disciplina nesse perodo. As aulas eram de predominncia livre, o sexismo, ainda em evidncia, marcava presena na maioria dos sistemas educacionais (VIGARELLO, 2003). Nesse ponto, os processos histricos j mencionados culminaram com o equivocado entendimento de que a educao fsica vinha a ser uma disciplina menos importante no contexto escolar, pois quando transformou-se em lazer descomprometido com a educao, deixou os currculos dos cursos noturnos e perdeu muita credibilidade. Existem muitos professores de educao fsica ainda praticando esse tipo de aula. So alvos de crtica de outros colegas e da comunidade escolar. So os populares dadores de bola. Pouca gente sabe que grande parte desses profissionais no teve formao para resolver os problemas de sua escola, estudaram em instituies particulares catlicas, que forneciam todo o material pedaggico para as aulas prticas, e muitos fizeram concursos pblicos e se depararam com uma escola despreparada para colocar em prtica seus saberes. Enfim, ocorreu um grande erro de planejamento atrelado a um lapso do tempo de um regime poltico para outro. A dcada de 90 do sculo XX foi marcante para o ressurgimento da educao fsica; foram criados os primeiros cursos de bacharelado. Novas perspectivas terico-prticas invadiram as escolas brasileiras de formao da rea, a citar o Coletivo de Autores, os trabalhos de Celi Tafarel, com as escolas junto ao MST, e a transformao didtica do esporte, liderada por Elenor Kunz e seus colaboradores. Em 1996, a educao fsica obteve o reconhecimento como rea da sade. Como j mencionado, em 1 de setembro de 1998, a profisso foi regulamentada. Menos de cem cursos existiam no Brasil antes desse ano. Atualmente, so mais de quinhentos em todo o Brasil, em um espao de tempo de doze anos.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

23

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

A internet popularizou a pesquisa acadmica, inclusive em peridicos internacionais. Os profissionais de educao fsica da atualidade esto deixando de ser reprodutores do conhecimento para serem agentes produtores de informao sobre cultura de movimento. Entidades representativas surgiram, organizando a classe profissional em seus diferentes nveis de envolvimento. Embora exista uma educao fsica fora do ambiente escolar, conduzida pelos denominados bacharis, a educao fsica escolar brasileira prerrogativa do chamado licenciado. Esta diferena no perfil de atuao incide sobre a formao Saiba mais profissional na rea. Apesar de As exposies neste captulo mostraram existirem igualdades e diferenas apenas um ponto de partida para a consprofissionais entre as duas subtruo do conhecimento sobre a histria da categorias, a essncia comum educao fsica. Acesse o site , do Centro Esportivo Virtual (CEV). Nele, ser possvel se cadastrar e explcita nas designaes profisparticipar de debates e estudos sobre a temsional de educao fsica e protica. Tambm vivel consultar uma biblioteca fessor de educao fsica.digital sobre histria da educao fsica.

24

Da teoria para a prticaUma experincia pedaggica bem relevante do processo de construo de conhecimento com alunos do Ensino Fundamental pode ser a elaborao de coreografias de danas folclricas e/ou reconstrues cnicas de ritos tribais primitivos de distintos perodos histricos e regies do planeta. O regente de turma pode oportunizar e desenvolver a vivncia citada anteriormente em outros contextos temticos. Em um processo de ensino-aprendizagem da disciplina futebol, no curso de Graduao em educao fsica, da Universidade do Contestado (UnC), pde-se abordar o tema relativo histria do futebol, lanando mo de um mapa, com todos os continentes, e de um filme, dentre os muitos que esto disponveis no mercado, sobre o assunto. Aps assistirem ao filme, que relatava a histria do futebol, os alunos participaram de um jogo, em forma de gincana, no qual foram divididos em grupos, os quais tinhamFAEL

Captulo 1

de acertar questionamentos sobre o contedo em questo, rememorando o vdeo. Os alunos precisavam, tambm, localizar os acontecimentos citados em um mapa global, exposto em sala de aula. A atividade foi muito produtiva. Ocorreu que muitos alunos no associavam os nomes de pases a uma dada localizao no mapa, o que abriu um campo de trabalho para minimizar essa defasagem. possvel explorar muito mais esse tipo de atividade nas instituies de ensino, sobretudo de maneira interdisciplinar. Com base nesse exemplo, sugerimos que seja elaborado, em conjunto com um profissional licenciado em educao fsica, um plano de aula cujo tema seja a histria de alguma cultura corporal de movimento presente no Brasil, que possa ser desenvolvida paralelamente ao contedo de histria do Brasil, com o professor da disciplina, como capoeira, futebol ou samba. Uma vez escolhido o tema, propomos que seja efetuada uma vivncia prtica da atividade selecionada, pois isso tende a estimular mais os alunos a pesquisarem o assunto nos materiais impressos ou em meio audiovisual e eletrnico. Aps a pesquisa, pode ser realizada uma construo do conhecimento, de modo que os alunos, divididos em grupos, possam praticar a modalidade escolhida em diferentes contextos espaciais e temporais, acrescentando informaes acerca de vestimentas, culinria, linguagens caractersticas de cada perodo histrico e de cada regio estudada. No trabalho na escola, indicado estar munido de um termo de consentimento livre e esclarecido, para realizao de filmagens e gravaes de udio, assinado pelos pais ou responsveis dos alunos, como forma de registrar e editar a experincia vivenciada com a participao dos educandos. Nessa produo, outros docentes podero agregar valor ao trabalho. Projetos assim so muito interessantes no ambiente escolar.

25

SnteseO estudo do primeiro captulo buscou caminhos para refletir acerca da origem do termo educao fsica, bem como sua construo histrica universal e brasileira.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

As principais evidncias histricas das chamadas culturas de movimento foram apresentadas, desde a Pr-Histria humana at a Contemporaneidade. Cada processo civilizatrio trouxe inegveis contribuies ao rol das culturas de movimento praticadas na atualidade. No contexto brasileiro, foi possvel destacar os principais perodos histricos, com nfase nos processos de escolarizao, alm da viso crtica da histria da educao fsica brasileira. A histria da educao fsica constitui parte integrante e indissocivel da histria da humanidade. Coube, nesse momento, uma breve abordagem do tema, que muito mais abrangente e denso.

26

FAEL

Importncia, funes e concepes da educao fsica

227

presente captulo tratar da importncia e das funes da educao fsica, bem como suas principais concepes em nvel nacional. Sero apresentados documentos norteadores, nacionais e internacionais, que justificam a existncia da educao fsica como rea de conhecimento e interveno profissional na sociedade ps-moderna. Esses mesmos documentos traro tona as suas principais funes. A educao fsica interfere em muitos segmentos de nossa sociedade. Disso, decorrem vrios desdobramentos da rea de estudo e interveno profissional em questo. Dessa forma, sero apresentadas as principais concepes da educao fsica nacional, promovendo o debate acerca desse assunto com os profissionais de outras reas do saber e pessoas interessadas na temtica. Desejamos que, ao final deste captulo, seja possvel amplificar a viso do leitor acerca da relevncia da educao fsica, alm de ressaltar o quo importantes so as suas funes para a sociedade. No obstante, reconhecer as diferentes concepes da educao fsica nacional possibilitar uma maior compreenso dessa rea do saber e da atuao profissional.

O

Educao fsica: relevncia socialA educao fsica possui uma instituio internacional, a Federao Internacional de Educao Fsica (Fiep). Esse rgo divulgou um documento denominado Manifesto Mundial da Educao Fsica, no ano 2000. No primeiro captulo do manifesto, que trata do direito de todos educao fsica, a Fiep conclui, em seu Artigo 1, que a educao

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

fsica, pelos seus valores, deve ser compreendida como um dos direitos fundamentais de todas as pessoas. Esse documento est pautado em diretrizes de outros escritos de grande notabilidade, a citar a Carta Internacional da Educao Fsica e do Esporte, de 1978, e a Declarao Universal dos Direitos Humanos, da Unesco, em 1948 (FIEP, 2000). Com relao educao fsica no mbito escolar, tambm existe um documento que foi lanado pela mesma instituio, a Carta Internacional da Educao Fsica Escolar. Esse material foi apresentado, discutido, avaliado e aprovado pelos participantes do 22 Congresso Internacional de Educao Fsica da Fiep, em 2007. Na carta, foi recomendada a adoo dos seguintes princpios: a Educao Fsica Escolar (EFE) somente cumpre seus objetivos fazendo com que os alunos vivenciem o movimento de forma reflexiva e significativa para obter maior qualidade de vida e promoo da sade; a Educao Fsica Escolar s se justifica se for de qualidade; a Educao Fsica Escolar deve sempre estar integrada ao projeto pedaggico da escola, sendo tratada em igualdade de condies com os outros componentes curriculares; a Educao Fsica Escolar, por sua caracterstica e potencial, possibilita a vivncia e assimilao de valores como: solidariedade, excelncia, sustentabilidade, esportividade, paz, entre outros, conforme recomendam as Naes Unidas; a Educao Fsica Escolar, no cumprimento de suas finalidades, utiliza a ginstica, as danas, os jogos, as lutas, os esportes e as atividades inter-relacionais criativas e cooperativas de carter ldico; a Educao Fsica Escolar deve possibilitar a construo de conhecimentos para a autonomia da prtica de exerccio fsico e/ou esportivo, estimulando o hbito da prtica; a Educao Fsica Escolar contribui de forma efetiva para o desenvolvimento de cultura, adoo de estilo de vida ativa e saudvel e para o pleno exerccio a cidadania (FIEP, 2007).

28

No Brasil, importante salientar que existem, tambm, relevantes documentos norteadores que tratam da importncia da educao fsica, como a Constituio de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao, de 1996. Existem, tambm, leis especficas envolvendo o esporte que, embora no seja o foco do estudo, possui relao com a educao fsica, inclusive a escolar.FAEL

Captulo 2

A relevncia dessa rea de atuao profissional e disciplina acadmica pode ser abordada de forma multivariada. No presente captulo, como j pde ser percebido, estamos lanando mo de leis, cartas, manifestos e outros materiais considerados oportunos para justificar a importncia da educao fsica em nossa sociedade. Nesse nterim, observemos um trecho da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, que trata dos direitos e garantias fundamentais do homem. No Captulo II, existem artigos que dizem respeito aos direitos sociais:Art. 6. So direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio (BRASIL, 2001, p. 7).

Nesse ponto, oportuno destacar que, entre os direitos sociais da Constituio de 1988, esto contemplados itens de relao direta com a educao fsica, a citar a educao, a sade, o trabalho e o lazer. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB n. 9.394/96 apresenta, em seu Artigo 26 e 3, as seguintes questes:Art. 26. Os currculos do Ensino Fundamental e Mdio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. 3 A educao fsica, integrada proposta pedaggica da escola, componente curricular da educao bsica, ajustando-se s faixas etrias e s condies da populao escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos (BRASIL, 1996, p. 11).

29

Salientamos o fato de a chamada educao bsica envolver a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Mdio. Nesses nveis de ensino, vimos que a educao fsica componente curricular obrigatrio. O fato de o ensino da disciplina ser facultativo aos cursos noturnos j no mais vlida, ou seja, toda instituio deve oferecer o seu ensino, independente do turno de estudo. Como fora mencionado, est contemplada na Constituio de 1988 uma seo destinada ao desporto.Seo III DO DESPORTO a Lei n. 9.615, de 24/3/1998, regulamentada pelo Decreto n. 2.574, de 29/4/1998, institui normas gerais sobre os desportos. Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Art. 217. dever do estado fomentar prticas desportivas formais e no formais, como direito de cada um, observados: I a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associaes, quanto sua organizao e funcionamento; II a destinao de recursos pblicos para a promoo prioritria do desporto educacional e, em casos especficos, para o desporto de alto rendimento; III o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o no profissional; IV a proteo e o incentivo s manifestaes desportivas de criao nacional (BRASIL, 2001, p. 128).

Chama a ateno o fato de estar prevista na Constituio a prioridade da destinao de recursos pblicos para o esporte educacional, o que possui relao direta com o esporte no mbito escolar. A prpria LBD, em seu Artigo 27, inciso IV, menciona a promoo do desporto educacional e apoio s prticas desportivas no formais (BRASIL, 1996, p. 11).30

H muitos outros documentos oficiais, em nvel internacional e nacional, para serem citados, mas a condio de estrutura capitular da presente obra impede que seja demasiado estendida. Optamos, por isso, por apresentar trs documentos muito oportunos para tratar da importncia e das funes da educao fsica: a Carta Brasileira da Educao Fsica, o Documento de Interveno Profissional em Educao Fsica e o Cdigo Brasileiro de Ocupaes (CBO). Com relao ao primeiro, gostaramos de citar algumas referncias para uma educao fsica de qualidade no pas:4. Para uma educao fsica no Brasil que possa ser adjetivada pela qualidade, e que possa contribuir para a melhoria da nossa sociedade, existem algumas referncias, pelas quais deve: a) ser entendida como direito fundamental e no como obrigao dos brasileiros; b) prover os seus beneficirios com o desenvolvimento de habilidades motoras, atitudes, valores e conhecimentos, procurando lev-los a uma participao ativa e voluntria em atividades fsicas e esportivas ao longo de suas vidas; c) envolver prticas formais e no formais para atingir seus objetivos; FAEL

Captulo 2

d) constituir-se numa responsabilidade de profissionais com formao em nvel superior; e) ser ministrada numa ambincia de alegria, em que as prticas corporais e esportivas sejam prazerosas; f ) respeitar as leis biolgicas de individualidade, do crescimento, do desenvolvimento e da maturao humana; g) propiciar vivncias e experincias de solidariedade, cooperao e superao; h) valorizar prticas esportivas, danas e jogos nos contedos dos seus programas, inclusive, e com nfase, aqueles que representem a tradio e a pluralidade do patrimnio cultural do pas e das suas regies; i) ajudar os beneficirios a desenvolver respeito pela sua corporeidade e os das outras pessoas, atravs da percepo e entendimento do papel das atividades fsicas na promoo da sade; j) interatuar com outras reas de atuao e conhecimento humano, desenvolvendo nos seus beneficirios atitudes interdisciplinares; k) ser objeto de uma ao cada vez mais intensa da comunidade acadmica quanto pesquisa, intercmbio e difuso de informaes e programas de cooperao tcnico-cientfica; l) ser contedo de livros, peridicos especficos e banco de dados eletrnicos especializados, aumentando as possibilidades de acesso s informaes tcnicas e cientficas do conhecimento existente; m) ser meio de desenvolvimento da cidadania nos beneficirios e de respeito ao meio ambiente (CONFEF, 2002a).

31

Essa citao transmite a abrangncia da educao fsica no cenrio nacional. Ela se relaciona ao trabalho, ao lazer, educao, sade e a outras esferas da vida social, inclusive o meio ambiente. A seguir, ser apresentada citao acerca do Documento de Interveno Profissional em Educao Fsica. Esse material faz apontamentos sobre diversas funes e atribuies da referida profisso. No Artigo 1 resolve:O profissional de educao fsica especialista em atividades fsicas, nas suas diversas manifestaes ginsticas, exerccios fsicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danas, atividades rtmicas, expressivas e acrobticas, musculao, lazer, recreao, reabilitao, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exerccios compensatrios atividade laboral Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

e do cotidiano e outras prticas corporais , tendo como propsito prestar servios que favoream o desenvolvimento da educao e da sade, contribuindo para a capacitao e/ou restabelecimento de nveis adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus beneficirios, visando consecuo do bem-estar e da qualidade de vida, da conscincia, da expresso e esttica do movimento, da preveno de doenas, de acidentes, de problemas posturais, da compensao de distrbios funcionais, contribuindo, ainda, para consecuo da autonomia, da autoestima, da cooperao, da solidariedade, da integrao, da cidadania, das relaes sociais e a preservao do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurana, qualidade tcnica e tica no atendimento individual e coletivo (CONFEF, 2002b).

32

Como podemos observar, existem muitas funes que podem ser desempenhadas pelos profissionais de educao fsica em seus diferentes contextos, o que inclui as instituies de ensino, clnicas, clubes, associaes, hospitais, entre outros. Ainda segundo o referido documento, so lanadas as bases para sete especificidades da interveno profissional da rea, a saber: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. docncia/regncia em educao fsica; treinamento desportivo; preparao fsica; avaliao fsica; recreao em atividade fsica; orientao em atividade fsica; gesto em educao fsica e desporto (CONFEF, 2002b).

Todas as especificidades da rea podem se utilizar de verbetes como: diagnosticar; planejar; organizar; supervisionar; coordenar; executar; dirigir; programar; ministrar; desenvolver; prescrever; orientar; aplicar, entre outros, para alcanarem objetivos propostos em cada circunstncia. Assim, o docente/regente o profissional de educao fsica habilitado para atuar como professor da disciplina nos diferentes nveis de ensino. O avaliador fsico, bacharel em educao fsica, o profissional cuja atuao est centrada na realizao de avaliaes do desempenho fsico-esportivo dos atletas. O tcnico desportivo atuaFAEL

Captulo 2

como treinador de modalidades esportivas especficas. O recreador quem atua como animador sociocultural em eventos e programas de promoo do lazer ativo. A docncia em educao fsica relativa formao em licenciatura na rea, j as demais seis especificidades sugeridas so voltadas ao bacharelado. A primeira, especfica da rea da educao, as demais direcionadas a diversos campos de atuao, com destaque para o lazer, esporte e sade. Reforando as colocaes anteriores, podemos mostrar algumas informaes contidas na Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO) do Ministrio do Trabalho e Emprego, conforme a tabela a seguir.Tabela Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO) Educao Fsica. FunoProfessor de educao fsica do Ensino Fundamental Professor de educao fsica da educao de jovens e adultos do Ensino Fundamental de 5 a 8 srie Professor de educao fsica do Ensino Mdio Professor de educao fsica do Ensino Superior Profissionais de educao fsica Avaliador fsico Ludomotricista Preparador de atleta Preparador fsico Tcnico de desporto individual e coletivo Tcnico de laboratrio e fiscalizao desportiva Treinador profissional de futebol

Cdigo2313-15

TipoOcupao

FormaoL I C E N C I A D O

2313-15

Ocupao

33

2321-20

Sinnimo

2344-10

Ocupao

2241 2241-5 2241-10 2241-15 2241-20 2241-25 2241-30 2241-35

Famlia B A C H A R E L

Fonte: adaptado de BRASIL (2002). Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

A tabela anterior possibilitou observarmos que existem designaes especficas para cada forma de interveno profissional, o que nos d uma breve dimenso das diferentes funes a serem desempenhadas nessa rea.

Correntes de pensamentoEstudamos at agora sobre a importncia e as funes da educao fsica. Os trechos dos documentos aqui colocados deram uma noo mais ampla do quanto essa rea est interligada aos mais diversos setores da sociedade, no sendo uma exclusividade escolar. No entanto, como j mencionado no primeiro captulo, a escola o espao legtimo e privilegiado dessa rea. Um dos indcios dessa condio o desenvolvimento terico-prtico evidenciado na produo cientfica e literria, sobretudo no Brasil. Nesse sentido, ressalta-se que emergiram importantes contribuies tericas que se consubstanciaram em concepes de educao fsica escolar, como desenvolvimentista, construtivista e da aptido fsica.34

Entende-se por concepo de educao fsica desenvolvimentista aquela em que o foco de ateno est concentrado nos processos de aprendizagem motora, em conformidade com os avanos maturacionais de cada indivduo, resultando em alteraes no comportamento motor, ao longo da vida (TANI, 2005). A concepo construtivista est pautada nos ideais da epistemologia gentica do bilogo suo Jean Piaget, segundo a qual o sujeito possui uma tendncia a se tornar um organismo cada vez mais complexo pela via do processo de construo de conhecimento, em que os aprendizes devem participar ativamente da aprendizagem (SILVA; SCAGLIA, 2003). J a concepo da aptido fsica defende uma interveno profissional e delimitao da rea de estudo, voltada promoo da sade da populao nos seus mais variados espaos de prtica: escolas, clubes, associaes, entre outros (NAHAS, 2010).

Existe um abismo entre as posies tericas e a realidade da interveno profissional na rea da educao fsica. incomum,FAEL

atilfeR

Reflita

Captulo 2

sobretudo na realidade escolar brasileira, constatar a plenitude das suas aplicaes terico-prticas. Diante desse quadro, pense em estratgias que poderiam ser adotadas para maximizar as funes da disciplina nas escolas.

Da teoria para a prticaNo setor de esportes do Sesc de Florianpolis (SC), ocorreu uma experincia muito profcua no que se refere importncia social da interveno em educao fsica. Apesar de se tratar de um contexto no formal de educao, a situao apresentada a seguir oportuna para refletirmos sobre a relevncia dessa rea em prol da sociedade. Na referida instituio acontecia a instruo de crianas e adolescentes em uma escolinha de futsal. Havia poucos jovens matriculados na atividade, mal dava para montar um nico time para jogar. Com o passar dos dias, reconheceu-se que havia mais crianas assistindo as aulas do que efetivamente participando. Percebia-se no olhar das que estavam do lado de fora um grande desejo de estar compartilhando aquelas vivncias na quadra. Averiguou-se quem eram aqueles jovens espectadores. Para surpresa de todos os profissionais e estagirios envolvidos, foi descoberto que eram moradores de uma comunidade circunvizinha ao prprio Sesc. Com essa informao, constatou-se que, no trmino das aulas na escolinha de futsal, os participantes que saam do encontro eram molestados pelos jovens moradores que tinham vontade de participar das aulas, mas a quem no era permitido. Foi a que se procurou uma soluo para a situao. A estratgia foi incluir as crianas em situao de risco social nas atividades. O resultado foi muito interessante. Os jovens que eram considerados causadores de problemas passaram a agir de forma colaborativa. Em poucos meses de campanha, a escolinha estava com vrios integrantes e com maior participao comunitria, inclusive alguns adultos daFundamentos e Metodologia da Educao Fsica

atilfeR35

Reflita

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

comunidade comearam a frequentar o espao de forma harmoniosa com os mais jovens, valorizando a iniciativa. O acontecimento fez com que todos os profissionais refletissem acerca do alto custo social da indiferena e da segregao social na comunidade e em nosso pas. Todos os componentes da equipe do Setor de Esportes e da rea de gesto da instituio do Sesc Florianpolis constataram que possvel auxiliar na transformao de uma realidade social por meio da interveno em educao fsica, de forma inclusiva. Com base nessas colocaes, sugerimos a elaborao um minievento esportivo na escola, em conjunto com um profissional de educao fsica licenciado. Uma vez escolhida a modalidade, propomos que seja efetuada uma vivncia prtica da atividade selecionada entre grupos com algum nvel de conflito. Ser necessrio formar as equipes com uma estratgia de diviso, de forma que os indivduos em conflito estejam na mesma equipe. Esse tipo de evento categorizado como festival esportivo. muito positivo para a socializao, visto que, para vencer as atividades fsicas, esportivas ou recreativas propostas, cada equipe dever trabalhar em conjunto. Na presena de uma pessoa devidamente qualificada e habilitada para o trabalho, a conduo do trabalho tende a fluir de maneira muito produtiva. Munido de um termo de consentimento livre e esclarecido para realizao de filmagens e gravaes de udio, assinado pelos pais ou responsveis dos alunos, possvel registrar e editar a experincia com a participao dos prprios educandos. Aps o evento, podem ser reunidos todos os envolvidos com outros membros da comunidade escolar para debater os contedos vividos. O resultado tende a ser precioso. importante salientar o perfil de liderana que o orientador da atividade deve possuir para conduzir o trabalho em clima de respeito entre os participantes. Caso contrrio, a experincia pode ser traumtica para todos; afinal, colocar grupos de jovens em algum nvel de rivalidade para construir o conhecimento no certeza de sucesso. O resultado adequado do festival esportivo escolar proposto depender do preparo e envolvimento do professor responsvel pela dinmica de grupo e da ao coletiva de todos os demais partcipes. Nessa produo, outros docentes podero agregar valor ao trabalho.FAEL

36

Captulo 2

SnteseO estudo deste segundo captulo permitiu a ampliao dos saberes acerca da relevncia da educao fsica para a sociedade, o melhor entendimento de suas funes e, tambm, situar o leitor frente s diferentes correntes ideolgicas dessa rea no Brasil. Foram apresentados documentos norteadores em nvel nacional e internacional, que ratificam a importncia e a funo da educao fsica, entre eles a Carta Internacional da Educao Fsica, da Federao Internacional de Educao Fsica (Fiep), a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, a Carta Brasileira da Educao Fsica, o Documento de Interveno Profissional em Educao Fsica, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB n. 9.394/96 e demais documentos legais relativos educao fsica em territrio nacional, considerados oportunos para esse estudo. Foram expostas, tambm, as principais correntes de pensamento da educao fsica brasileira, a fim de provocar o debate acerca desse tema com a sociedade civil. As concepes ditas propositivas e no propositivas foram brevemente discutidas. Com os conhecimentos tratados neste captulo ser possvel lanarmos um olhar distinto e refletirmos sobre a realidade prtica da educao fsica. Primeiramente, pelo entendimento amplificado do papel que essa rea representa e ainda pode vir a representar em nossa sociedade.37

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

O movimento intencional e seus significadosE

339

ste captulo apresentar o estudo da intencionalidade do movimento humano e sua significao simblica. Abordaremos o conhecimento da motricidade humana, objetivando situar o leitor acerca do tema. Sero tratados assuntos referentes s comunicaes verbais e no verbais, associados s possibilidades de codificao e decodificao da simbologia dos movimentos nas aulas de educao fsica. Tambm sero conceituados e contextualizados alguns termos psicanalticos, como id, ego, superego, noes de consciente e inconsciente, assim como a libido. Os temas freudianos sero muito pertinentes para a compreenso do desenvolvimento da sexualidade humana. Desejamos que, ao final da leitura deste captulo, o leitor possa integrar as principais ideias da motricidade humana e suas implicaes na realidade escolar.

MotricidadeA motricidade humana constitui-se um campo intrigante do saber, com pretenses de independncia em relao s demais cincias, uma vez que se ocupa do movimento intencional humano (SRGIO, 1999). Existem muitas vertentes na psicomotricidade, termo que antecede epistemologicamente a designao motricidade. Podemos mencionar trs ramificaes: a reeducao psicomotora, a terapia psicomotora e a educao psicomotora, sendo esta ltima a representao mais evoluda (SILVA; FALKENBACH, 2004). Todos esses ramos contriburam para o desenvolvimento terico-prtico da motricidade. No entanto,

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

tendo em vista que a motricidade humana possui como foco a inteno do movimento, isso quer dizer que a compreenso do denominado inconsciente crucial (LE CAMUS, 1986). Ao longo dos anos, os professores de educao fsica que se aproximaram das abordagens cientficas e filosficas atreladas psicomotricidade, ou melhor, motricidade, tiveram que se debruar sobre os estudos do inconsciente e as formas de dilogo corporal por meio da expressividade motora (VAYER, 1989). Dessa forma, aquilo que se revela no movimento do corpo humano pode traduzir inmeros significados do que se passa no mundo psicolgico interior de um dado sujeito. Nesse nterim, o movimento entendido para alm de seu aspecto biomecnico, ultrapassando o mero fisiologismo para alcanar, tambm, o status de movimento simblico, percebido como comunicao e expresso da corporeidade humana (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Dessa forma, os que se propuseram a avanar nesse universo do conhecimento do corpo e do movimento como forma de linguagem lanaram mo dos estudos sobre comunicao. Vrios autores optaram por esse caminho. Na presente obra, apresentamos algumas ideias dos professores franceses de educao fsica, Andr Lapierre e Bernard Aucouturier. A influncia das teorias da comunicao utilizadas em abordagens como a psicanaltica determinante para a interveno profissional. Neste sentido, consenso que a comunicao no verbal predominante nesse tipo de trabalho (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). A decodificao simblica um processo de anlise de cdigos alm do que comumente percebido ou notado por um observador (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Codificar situa-se no nvel mais objetivo da observao, por exemplo, quando se v o smbolo da Rede Globo (emissora de televiso), isso o cdigo, j quando se procura analisar o significado daquele smbolo, o motivo de ser como ele , tem-se uma decodificao do smbolo (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005). Portanto, a codificao significante e a decodificao o que retrata o significado de um dado smbolo. Assim, codificar um processo mais lgico, enquanto decodificar mais analgico (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004).FAEL

40

Captulo 3

Nos jogos simblicos, prevalece uma ao de decodificao dos smbolos por parte do professor de educao fsica, sobretudo na Educao Infantil (SILVA, 2002). Esse profissional consegue perceber e analisar aspectos da intencionalidade de um sujeito por meio das suas formas de se relacionar com os objetos, com os outros e consigo (LOPES, 2010). Para compreender o inconsciente, oportuno recorrermos a algumas fontes, a destacar as teorias freudianas. Sigmund Freud deixou um legado inestimvel s cincias humanas e sociais. O psicanalista desenvolveu vrias teorias do aparelho psquico. Aqui, salientaremos alguns tpicos de sua construo terica, a citar: libido; noo de id, ego e superego; desenvolvimento da sexualidade. Primeiramente, devemos compreender que a chamada libido a mola propulsora dos desejos humanos. A pulso sexual considerada e entendida como a pulso primria, aquela que rege todas as demais (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002). A energia libidinal no se traduz apenas no desejo e atrao sexual tpicos do adulto humano , mas, tambm, no motor do processo de desenvolvimento integral do ser humano, em seus aspectos afetivos, cognitivos e motores (WALLON, 1989). Ao observar os alunos em uma aula de educao fsica escolar, praticando um esporte, como o voleibol, no Ensino Mdio, perfeitamente constatvel o quanto h de motivao libidinal presente na atividade. Os adolescentes vibram ao fazer os pontos, querem comunicar confiana e destreza aos demais colegas quando executam uma determinada habilidade motora. Muitas vezes, isso causa a impresso de exibicionismo de virilidade, por parte dos rapazes, e sensualidade, por parte das garotas, que fazem poses para defender um saque. O professor de educao fsica atento a esses aspectos atesta que grande parte da motivao para participar da aula da ordem da pulso sexual, e isso compe o bojo do inconsciente humano. O inconsciente diz respeito maioria da atividade psquica; portanto, ao mencionar a palavra inconsciente, estou me referindo maior parcela da conscincia que no consigo nominar, verbalizar e compreender, compondo a minha forma peculiar de agir diante das situaes (LAPIERRE;Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

41

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

AUCOUTURIER, 2004). Por exemplo, uma criana na Educao Infantil que tende a chorar sempre que chamam a sua ateno apresenta uma tendncia a reproduzir um determinado agir a uma dada circunstncia, nesse caso chorar quando chamada sua ateno. Ao se indagar a criana sobre a razo de chorar, ela poder dizer que no gostou do professor ter brigado com ela, mas, ao perguntar o motivo de ter que chorar por conta disso, a criana no saber dizer. O inconsciente possui estreita correlao com o id, que representa os instintos primitivos ligados satisfao das necessidades bsicas, o lado mais irracional, como a alimentao, o descanso e a excreo. Durante a etada da Educao Infantil, depara-se facilmente com situaes em que a criana sente prazer em assumir o controle sobre o ato de urinar ou defecar, por exemplo. O superego est relacionado ao eu social, moldado pelas regras da cultura em que o sujeito est inserido e, apesar de estar intrinsecamente atrelado ao inconsciente, compreende a parcela mais consciente, racional e nominvel da psique do sujeito (FONSECA, 1998b). Vejamos em exemplo: se no 3 ano do Ensino Fundamental ensina-se que prudente exercitar o corpo para faz-lo crescer, esse valor cultural estimula as crianas a participarem das atividades e ficarem atentas ao desenvolvimento fsico do prprio corpo. De maneira ingnua, os pequeninos faro os movimentos propostos nas aulas, os mais comunicativos iro ao professor para mostrar que o corpo est crescendo, visto que isso foi apresentado como valor social. O ego a interseco entre id e superego, do mais inconsciente e irracional com o mais consciente e racional, do mundo interior com o mundo exterior (BRENNER, 1987). o prprio eu, e parte desse eu se manifesta por meio do movimento corporal e se expressa nas mais variadas formas de comunicao, entre elas o dilogo tnico.O gesto, o movimento, o agir assumem ento uma significao simblica; a satisfao simblica dos desejos mais profundos, mas autnticos. Trata-se de um simbolismo direto, vivenciado, interiorizado, que no passa mais por estruturas lingusticas e no necessariamente verbalizvel, sendo, porm, diretamente acessvel pessoa (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 14). FAEL

42

Captulo 3

O movimento, enquanto forma de expresso e comunicao, consiste no objeto de estudo de maior interesse da motricidade humana, cincia que requer independncia cientfica e filosfica. O entendimento mais aprimorado dessa leitura gestual pode propiciar ganhos importantes nas mais variadas formas de relacionamento, o que vlido, tambm, para as formas de relao tpicas da escola, como a relao professor-aluno, aluno-aluno, aluno-professor. Porm, necessrio mais do que intuio para codificar e decodificar as mensagens do corpo, imprescindvel experincia e treinamento.As mensagens dos sujeitos so frequentemente ambguas, contendo ao mesmo tempo uma mensagem consciente, intelectualizada, racionalizada e uma mensagem inconsciente que teremos que perceber. s vezes somente uma tenso tnica em contradio com o gesto. Por exemplo, uma tenso de dio dentro de uma mensagem de amor ou uma demanda de amor dentro de um gesto agressivo. Quanto mais as tenses emocionais aumentam, mais o controle consciente se manifesta, a dimenso inconsciente se impe e se expressa no gesto, na expresso tnica, no ato em si, fazendo com que algumas vezes, o sentido seja to claro para a pessoa que no seja mais necessrio decodific-lo. De todas as formas, ao falarmos de comunicao, preciso levar em considerao as suas caractersticas de transmisso quando se codificam, se enviam, se recebem e se decodificam mensagens, levando em conta a sua forma e contedo, para, da, observarmos ou sentirmos os efeitos produzidos sob o comportamento nos vrios sistemas relacionais (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005, p. 58-59).

43

O movimento, alm de forma de comunicao e expresso da pessoa, tambm se apresenta como meio, como fator promotor do desenvolvimento humano. Segundo Wallon (1979, p. 17), sempre a ao motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das formaes mentais. Nas palavras do autor, percebemos nitidamente o quanto o movimento decisivo no processo de desenvolvimento integral, incluindo a prpria cognio. A figura utilizada a seguir ilustra um pouco do quanto as aptides motoras esto intrincadas ao desenvolvimento do ego, o que aumenta muito a responsabilidade do professor de educao fsica com o desenvolvimento integral e harmnico do sujeito.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Figura

Interaes das aptides motoras com a organizao do ego.Critrios 1 Motricidade fina 2 Motricidade ampla 3 Equilbrio 4 Esquema corporal 5 Organizao espacial 6 Organizao espao-temporal 7 Lateralidade 8 Rapidez 9 Respirao

interaes ser X mundo Interaes dinmicas com o meio

Organizao do egoInteraes do espao tempo

ndice de interaes integradas (no traduzidas no perfil) Fonte: Meinel (1984).

44

Vimos, com essa figura, que equilbrio, organizao espacial, entre outras variveis motoras exercem influncia sobre o processo de desenvolvimento. No podemos esquecer que as aptides motoras operam muito no princpio do inconsciente, afinal nem todos esto conscientes acerca de sua forma de permanecer em p, de como caminham, pois esses automatismos so operaes inconscientes e comunicam o tempo todo. Um jovem adolescente tmido ter postura e atitude fsica de algum tmido. J o adolescente audacioso exibir o trax, erguer a cabea, tomar uma posio corporal altiva. Isso se refere diretamente relao do movimento, do gesto corporal, com a dimenso afetiva da pessoa.A boa evoluo da afetividade expressa atravs da postura, das atividades e do comportamento. Uma criana muito fechada em si mesma possui falta de espontaneidade, tem tendncia a fechar tambm o seu corpo, isto , tende a encolher-se e a trabalhar com o tnus muito tenso, muito esticado (LOPES, 2010, p. 18).

Observe o quanto o corpo pode expressar seu estado afetivo pela via da motricidade; a principal condio orgnica para estabelecer essa forma de comunicao o tnus muscular.Esta capacidade de responder necessidade fusional da criana um elemento fundamental para o seu desenvolvimento psicolgico. O prprio contato fsico no suficiente, o que importa a qualidade desse contato, a resposta tnica da FAEL

Captulo 3

me ou de seu substituto. O que entendemos por resposta tnica? Para poder compreender isso preciso lembrar o que tnus: o estado de tenso muscular involuntria que acompanha e exprime nossas tenses afetivas e emocionais, que faz com que a consistncia de nosso corpo seja diferente quando estamos ansiosos, encolerizados, felizes, satisfeitos ou deprimidos (LAPIERRE; LAPIERRE, 2002, p. 43).

Por fim, cabe afirmar que existem fases do desenvolvimento da sexualidade, a mencionar: fase oral, no recm-nascido, fase anal, predominante entre 2 e 4 anos, fase flica, entre 5 e 7 anos, fase de latncia, at a pr-adolescncia, e fase genital, a partir da adolescncia humana (FREUD apud BRENNER, 1987). muito importante conhecer as diferentes etapas do desenvolvimento da sexualidade, pois, com a compreenso desse enfoque do desenvolviSaiba mais mento ontognico, ser viabiliPara aprofundar o tema da intencionalidade zado o entendimento de muitas do movimento humano e seus desdobramenmudanas comportamentais e atitos para a educao fsica, imprescindvel tudinais dos aprendizes, durante a leitura, na ntegra, da obra do clebre as aulas de educao fsica escolar. filsofo portugus Manuel Srgio, conformereferncia completa, a seguir. oportuno frisar que os conhecimentos sobre a motricidade SRGIO, M. Um corte epistemolgico: da humana so necessrios no so- educao fsica motricidade humana. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. mente rea de estudo em questo, mas a toda a educao, eis que, tradicionalmente, a instituio escolar prioriza os aspectos conscientes em detrimento dos inconscientes, sem perceber o quanto estes ltimos devem ser considerados com mais entusiasmo pela comunidade escolar. Toda a ao com objetivo educativo coloca em jogo, simultaneamente, vrios processos, alguns conscientes e outros inconscientes. No ensino atual, toda a ateno est focada nos processos conscientes, e os processos inconscientes so raramente evidenciados. Porm, na nossa opinio, eles parecem ter uma maior importncia para o resultado real e perene da educao. O processo mais consciente , certamente, o processo do ensino que consiste em transmitir conhecimentos, saberes, transmitindo tambm (e a o processo menos consciente) modelos de pensamento, um saber fazer intelectual. No queremos somente falar de mecanismos, mas da prpria formao do raciocnio, que est canalizada em modelos (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 107). Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

45

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Da teoria para a prticaO processo de formao junto ao Centro Internacional de Anlise Relacional (Ciar), localizado em Curitiba (PR), consiste em uma tima experincia de desenvolvimento pessoal. Essa instituio oferta o curso de Especializao em Psicomotricidade Relacional, destacando-se pela qualidade da proposta de formao profissional e pessoal. Os estgios do curso so devidamente supervisionados por uma equipe especializada, possibilitando aos seus estudantes o desenvolvimento de habilidades e competncias para codificar e decodificar simbologias nos movimentos das crianas participantes de sesses de jogos simblicos, realizadas com materiais especficos. H sesses com bolas, seguidas de sesses com outros materiais, em uma sequncia minuciosamente programada e estudada. Salientamos que no possvel, sem um processo adequado de formao pessoal e profissional, vivenciar essa experincia no mesmo nvel que os estudantes do Ciar as experimentam.46

Aps essa dica de formao, e baseando-se no princpio de que o jogo pode ser um recurso educativo muito til para se conhecer os alunos, ser proposta uma tarefa de experimentao, na qual se perceber que, em uma simples brincadeira, possvel captar muita informao no verbalizada pelos alunos. Sugerimos a elaborao, em conjunto com um profissional de educao fsica licenciado, um plano de aula com o jogo de passar o arco. Consiste em uma atividade bastante simples, que pode ser realizada ao final da aula, pois, apesar da excitao que, normalmente, inerente aos jogos, no exige esforo fsico dos alunos. necessrio reunir o grupo em crculo, todos com as mos dadas e olhar dirigido ao centro da roda. Ser preciso, pelo menos, um bambol. Trata-se de um jogo cooperativo em que o grupo vencer se o bambol passar por todos os integrantes, sem que eles desatem as mos, em um tempo predeterminado. interessante colocar um tempo difcil para realizar a tarefa, para que, propositalmente, na primeira tentativa, no seja possvel efetiv-la. Para uma segunda e ltima tentativa, reajusta-se o tempo da atividade para que ela seja exequvel em relao s condies do grupo. Depois disso, reinicia-se o desafio.FAEL

Captulo 3

O mais interessante da experincia ser analisar um registro em vdeo da atividade considerando que haja um termo de consentimento livre e esclarecido, para realizao de filmagens e gravaes de udio, assinado pelos pais ou responsveis pelos alunos. Propomos a criao de uma tabela, listando os nomes dos educandos e critrios para compor uma avaliao das suas atitudes durante o jogo. Por exemplo: a reao, a frustrao individual comunicada pelos alunos quando no realizam a tarefa; depois, a reao perante a sua realizao. A oportunidade de mostrar aos alunos o que aconteceu durante o jogo poder causar surpresa, alm de elevar o nvel de conhecimento dos professores acerca das caractersticas do temperamento e da personalidade dos estudantes, manifestadas no jogo. Quando acontece no jogo, tende a ocorrer na realidade da escola, em outras situaes, como nas avaliaes. Conhecer melhor os alunos e ajud-los a elevar seu autoconhecimento uma contribuio muito relevante para ensin-los a ser, estar e se relacionar. oportuno reconhecer o fato de existir uma simbologia do movimento e do ato de se movimentar dos alunos de uma escola, afinal o corpo tambm fala por meio do movimento. Ser possvel reconhecer mais contedos sobre os alunos do que podemos imaginar, sobretudo quando os docentes aguarem o olhar e a escuta corporal para perceber os discentes em sua totalidade objetiva e subjetiva.

47

SnteseO estudo deste captulo possibilitou a compreenso da intencionalidade do movimento humano e as relaes de significados que podem ser atribudos gestualidade. Tal estudo foi iniciado com uma abordagem epistemolgica da motricidade humana, com o objetivo de situar o leitor quanto leitura do tema. Foram expostos assuntos referentes s comunicaes verbais e no verbais, atrelados aos aspectos da codificao e decodificao da simbologia dos movimentos nas aulas de educao fsica. Tambm foi necessrio conceituar e contextualizar conceitos psicanalticos, como id, ego, superego, noes de consciente e inconsciente, assim como a questo da libido como mola propulsora do desenvolvimento da sexualidade humana.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

O olhar e a escuta corporal, lanados para alm do que simplesmente percebido, permite a todo educador e a qualquer pessoa um sobressalto da conscincia, capaz de modificar substancialmente a forma de compreenso da realidade humana, seja ela como for, e, consequentemente, abrir novas perspectivas de relao. No caso dos profissionais da educao, os mltiplos relacionamentos estabelecidos nos ambientes de ensino-aprendizagem sero percebidos de maneira muito diferente, possibilitando a resoluo de conflitos oriundos, em sua maioria, de processos comunicativos mal interpretados pelos agentes da instituio de ensino.

48

FAEL

Tendncias pedaggicas na educao fsicaE

449

ste captulo apresentar ao leitor as tendncias pedaggicas de maior ressonncia na educao fsica escolar brasileira. Abordaremos as tendncias pedaggicas liberais e progressistas, bem como os diferentes estilos pertencentes a cada uma delas. Sero enfocadas as formas de trabalho do professor e os devidos critrios de seleo dos contedos de ensino, considerando cada abordagem pedaggica estudada. Esperamos que, ao trmino da leitura deste captulo, seja possvel elucidar as influncias primordiais das distintas correntes pedaggicas no contexto educacional da educao fsica escolar.

Correntes pedaggicas na educao fsicaA pedagogia, enquanto rea de estudo e interveno profissional, ocupa-se do universo educacional em suas mais variadas instncias, tanto na escola como fora dela. A educao fsica escolar um dos alvos de abordagem dessa rea. Como no poderia deixar de ser, ambas as reas influenciam-se, sobretudo no cotidiano escolar. Neste sentido, e considerando o contexto da educao brasileira, oportuno iniciar o captulo com a seguinte informao:O Brasil ter que superar um duplo desafio: completar o esforo de universalizao da educao bsica e, simultaneamente, elevar a qualidade do ensino ofertado pelas escolas pblicas, que respondem hoje por, aproximadamente, 92% da matrcula do Ensino Fundamental e por 81% da matrcula do Ensino Mdio. As aes educacionais implementadas na dcada de 90 pelos trs nveis de governo, que dividem a responsabilidade pela manuteno e desenvolvimento do ensino pblico,

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

buscaram articular estratgias para vencer o atraso histrico acumulado pelo pas nesta rea (CASTRO, 1999, p. 6).

Ao refletirmos sobre a afirmao anterior, notrio o imenso desafio que temos em frente com relao educao brasileira, o que inclui a educao fsica, com sua parcela de contribuio. Muito j se avanou no campo terico-prtico dessa rea, mas ainda estamos distantes de uma interveno tecnicamente apropriada e politicamente comprometida com as transformaes sociais das quais o pas necessita na maioria de suas instituies pblicas de ensino. Como vimos no incio do captulo, possvel mencionar dois tipos de tendncias pedaggicas: as liberais e as progressistas. As primeiras so subdivididas em quatro tipos: tradicional, renovada progressivista, renovada no diretiva e tecnicista. A segunda apresenta trs tipos: libertadora, libertria e crtica social dos contedos (LIBNEO, 1985). A pedagogia tradicional, segundo Cerezer (2007, p. 1), defende a ideia de uma instituio de ensino que funcionasse de forma semelhante a qualquer empresa comercial ou industrial [...], estava voltada para a eficincia, produtividade, organizao e desenvolvimento [...] e a educao vista como um processo de moldagem. O preparo intelectual e moral do aluno o objetivo principal, por intermdio de aulas expositivas e modelos transmitidos por um professor de estilo autoritrio. O aprendizado decorre de maneira receptiva e mecnica, por parte do educando que, portanto, acrtico (LIBNEO, 1985). Na pedagogia renovada progressivista, a escola deve se adequar s demandas individuais e sociedade, em que os contedos so selecionados a partir da problematizao das vivncias pessoais dos educandos, pautados na motivao e resoluo de problemas, intermediados por uma postura de auxlio do professor em prol do livre desenvolvimento dos alunos (LIBNEO, 1985). J na tendncia renovada no diretiva, visa-se formao atitudinal do educando, por meio de mecanismos de facilitao da aprendizagem, nos quais ele, no centro do processo de ensino-aprendizagem, aprende a modificar a percepo da realidade a partir de seus conhecimentos prvios, tendo o professor como um agente facilitador (LIBNEO, 1985). Durante o regime militar brasileiro, desde o golpe de 1964 at a dcada de 80 do sculo XX, a tendncia pedaggica tecnicista foiFAEL

50

Captulo 4

amplamente difundida, sendo uma concepo de trabalho pedaggico influente e muito reforada pela educao fsica brasileira, o que levou muitos pensadores da rea a debaterem e trabalharem em prol de uma renovao (CASTELLANI FILHO, 1999). A pedagogia tecnicista uma entre as vrias pedagogias denominadas liberais, atreladas aos propsitos poltico-ideolgicos da sociedade capitalista. No obstante, existem as tendncias contra-hegemnicas, ou seja, as denominadas progressistas, que se opem s liberais. Grande parte do desafio de universalizar e ampliar a qualidade da educao bsica brasileira, o que inclui a educao fsica, passar pela construo e disseminao de modelos dinmicos de educao emergentes do debate acerca das concepes pedaggicas. O tecnicismo pressupe modelagem comportamental, com contedos sistematizados ordenadamente, visando a um aprendizado pautado no desempenho, no qual o professor o transmissor das informaes e o estudante, mero receptor (LIBNEO, 1985). A concepo pedaggica libertadora, na educao fsica, teve grande influncia do educador brasileiro Paulo Freire, tendo como elemento norteador do trabalho pedaggico o dilogo entre os agentes do processo ensino-aprendizagem (relao professor-aluno), visando transformao social, por intermdio do alcance de um nvel de conscincia elevado da realidade, mediante o exerccio constante da resoluo de problemas a partir de temas geradores de interesse do grupo (LIBNEO, 1985). Nas propostas pedaggicas de cunho libertador, o processo de ensino-aprendizagem, no que se refere relao professor-aluno, ocorre na horizontalidade, visto que a ideologia por trs dessa tendncia prega a imperiosidade da igualdade, contrapondo-se a toda e qualquer forma de relao de opresso hierrquica (SAVIANI, 2007). A tendncia pedaggica libertria considerada progressista e pressupe que os contedos de ensino devem ser selecionados e trabalhados em respeito aos interesses dos educandos, que podem desejar seguir ou no um dado contedo proposto pelo professor, configurando-se uma ao educativa no diretiva, pautada nos trabalhos em grupos autogeridos pelos alunos, cujo objetivo final a transformao da personalidade em um sentido libertrio e de autogesto (LIBNEO, 1985). Uma opo interessante, que emergiu nos anos 90 do sculo XX, foi a concepo pedaggica crtico-social dos contedos, tambmFundamentos e Metodologia da Educao Fsica

51

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

considerada uma pedagogia progressista, uma vez que a atitude do professor, apesar de possuir certa diretividade, tende a ser mais democrtica perante os alunos (SAVIANI, 2007). Com base nas estruturas de conhecimento prvias dos estudantes, diante das suas distintas realidades sociais, cada contedo contextualizado, difundido e questionado perante as diferentes condies sociais e culturais, tendo o professor como mediador entre os saberes prvios dos alunos e os conhecimentos escolares universais sistematizados (LIBNEO, 1985). Se tomarmos como base os desafios apontados na citao exposta no incio do captulo, perceberemos que as pedagogias ditas progressistas ocupam um papel fundamental na tentativa de concluir tais metas educacionais. Apesar de os avanos tericos e prticos da educao fsica escolar brasileira serem notrios, sobretudo no meio acadmico, constatada uma grande lacuna entre a produo cientfica, filosfica e cultural da rea e a difuso dessas produes nas aulas de educao fsica escolar nas escolas brasileiras. Muitos so os motivos para esse fenmeno, dos quais se destacam o despreparo e descompromisso poltico-social da maioria dos profissionais da classe, bem como as pssimas condies de trabalho, seja quanto remunerao, seja quanto infraestrutura e incentivos formao continuada. Diante desse quadro negativo, constata-se, em muitos estudos nacionais, uma propenso a uma atuao pedaggica de cunho tecnicista, em que as aulas de educao fsica, quando ocorrem, so normalmente direcionadas ao aprendizado de gestos tcnicos dos esportes. Isso caracteriza um predomnio da preocupao com a educao dos movimentos corporais tpicos dos esportes clssicos, como futebol, voleibol, handebol e atletismo, com a conseguinte participao esportiva, muitas vezes promovida e reforada indevidamente por rgos de gesto esportivos estatais. Esse instrumentalismo, bastante presente nas aulas de educao fsica, reflete as influncias de tendncias pedaggicas liberais, pautadas na relao educao-trabalho, a servio do capitalismo. Na prtica, os avanos terico-prticos dos quais a referida rea carece perpassam o enfrentamento de um problema de ordem socioeconmica, de macroestrutura de poder.FAEL

52

Captulo 4

Estamos diante de uma problemtica que central no marxismo: o caminho da humanidade, movendo-se da genrica natureza humana originria caracterizada por mltiplas ocupaes, passa pela formao de uma capacidade produtiva especfica provocada pela diviso natural do trabalho; e chega conquista de uma capacidade omnilateral, baseada, agora, numa diviso do trabalho voluntria e consciente, envolvendo uma variedade indefinida de ocupaes produtivas em que cincia e trabalho coincidem. Est em causa, a, a momentosa questo da passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade (SAVIANI, 2007, p. 164).

Apesar de muitas escolas brasileiras possurem professores comprometidos politicamente com a mudana, debatendo e renovando as aulas de educao fsica escolar, o percurso para nos aproximarmos de uma liberdade pedaggica, por assim dizer, ainda longo.

Saiba maisA educao fsica foi influenciada pela pedagogia e vice-versa. O estreitamento entre as reas substancial, sendo possvel mencionar, sem titubear, que a essncia da educao fsica pedaggica, portanto afetada pelas suas diferentes tendncias. Para conhecer mais a esse respeito, acesse o site e, na barra de busca, digite tendncias pedaggicas. Vrios trabalhos aparecero para serem consultados.

53

Da teoria para a prticaUma atividade muito interessante dentre as que so prprias da educao fsica consiste em submeter um grupo de alunos a vivenciar o processo de ensino-aprendizagem de um determinado gesto esportivo, com dois enfoques pedaggicos diferentes. Sugere-se a diviso do grupo de alunos em dois subgrupos. O grupo A receber uma instruo condizente com uma metodologia de ensino de tendncia pedaggica liberal. J o grupo B ter uma vivncia, na qual a metodologia empregada ser de tendncia progressista. Neste nterim, prope-se para o primeiro grupo o mtodo parcial puro, que ensina de forma diretiva os movimentos por partes, configurando-se como liberal. Para o segundo grupo, ser adotado o mtodo de problematizao, de cunho progressista.Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Fundamentos e Metodologia da Educao Fsica

Definidos os grupos e os mtodos, escolhe-se um mesmo movimento tcnico de maior complexidade de um determinado esporte. Por exemplo, se for o voleibol, ideal para alunos a partir de dez anos de idade, o saque viagem seria um bom movimento, dada a sua maior complexidade. No caso do grupo A, o professor ensina