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FRIED Michael Arte e Objetidade

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  • 5/26/2018 FRIED Michael Arte e Objetidade

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    ARTE E OBJETIDADE por Michael Fried

    Edward muitas vezes explorou e testou em seus dirios uma reflexo que raramente permitiu ser publicada: se o mundo

    inteiro fosse destrudo, escreveu ele, e um mundo inteiramente novo fosse criado para existir exatamente do mesmo

    modo que este mundo, seria um mundo diferente. Portanto, e porque h continuidade, que o tempo, tenho a certeza

    de que o mundo existe como um novo mundo a cada momento; que a existncia das coisas termina a cada momento e a

    cada momento renovada. Resta-nos a convico de que temos a cada momento a mesma prova que teramos daexistncia de um Deus se O tivssemos visto criando o mundo em seu incio. Perry Miller,Jonathan Edwards

    O empreendimento identificado pelas vrias denominaes de Arte Minimal, ABC Arte, Estruturas Primrias e Objeto

    Especficos amplamente ideolgico. Visa anunciar e ocupar uma posio que pode ser formulada em palavras, como de fa

    tem sido por alguns de seus principais praticantes. Se por um lado isso o distingue da pintura e da escultura modernistas, p

    outro estabelece tambm uma importante diferena entre a Arte Minimal ou, como prefiro cham-la, arte literalista e a P

    ou a Op Arte. Desde sua origem, a arte literalista tem demostrado ser algo mais do que um episdio da histria do gost

    Pertence, isso sim, histria quase que histria natural da sensibilidade; e no um episdio isolado, mas a expresso

    uma condio geral e abrangente. O atestado de sua seriedade o fato de que em relao tanto pintura modernista quanto

    escultura modernista que a arte literalista define ou localiza a posio que aspira a ocupar (isso, eu sugiro, o que faz daquil

    que declara algo que merea ser chamado de uma posio). Especificamente, a arte literalista no se autoconceitua nem com

    uma nem como outra; ao contrrio, motivada por restries especficas ou, pior que isso, a ambas; e aspira, talvez no exa

    ou imediatamente, a desloc-las, mas pretende, de um modo ou de outro, estabelecer-se como uma arte independente, e

    ambas fundamentada.

    O caso literalista contra a pintura apia-se principalmente em dois pontos: no carter relacional de quase toda a pintura; e n

    ubiqidade, de fato a virtual inescapabilidade, da iluso pictrica. Na viso de Donald Judd,

    Quando voc comea a relacionar partes, de incio j est pressupondo que exista uma vaga totalidade o retngulo d

    tela e partes definidas, o que j uma distoro, porque o que voc deveria ter um tododefinido, e talvez nenhum

    parte, ou muito poucas.1

    Quanto mais a forma do suporte [shape]2 enfatizada, como na pintura modernista recente, mais tensa se torna a situao:

    Os elementos no interior do retngulo so amplos e simples, e em estrita correspondncia com o retngulo. As formas

    superfcies so apenas aquelas que podem ocorrer plausivelmente dentro e sobre um plano retangular. So poucas

    partes, e to subordinadas unidade a ponto de no constituir partes, no sentido ordinrio. Uma pintura quase um

    entidade, uma coisa una, e no uma soma indefinvel de um grupo de entidades e referncias. Essa coisa una suplanta

    1 Isso foi dito por Judd em uma entrevista a Bruce Glaser, editada por Lucy Lippard e publicada como Perguntas para Stella e JuddArtNews, Vol. LXV, n 5, setembro 1966. As argumentaes atribudas a Judd e Morris neste ensaio foram extradas dessa entrevista, densaio de Judd Specific Objects,Arts Yearbook, n8, 1965, ou dos ensaios de Robert Morris Notes on Sculpture e Notes on SculptuPart 2, publicados emArtForum, Vol. IV, n 6, fevereiro de 1966, e Vol. 5, n 2, outubro de 1966, respectivamente (tambm tomei umobservao de Morris do catlogo para a exposio Eight Sculptors: The Ambiguous Image, ocorrida no Walker Art Center, outubrdezembro de 1966). Devo acrescentar que, ao esboar o que me parece ser a posio que Judd e Morris tm em comum, ignorei vrias dsuas diferenas, e usei certas observaes em contextos para os quais elas podem no ter sido intencionadas. Alm disso, nem sempindiquei qual dos dois de fato disse ou escreveu alguma frase particular; a alternativa teria sido sobrecarregar o texto com notas de rodap.2NT: O vocbulo shapetraduz forma, mas seu sentido difere daquele do vocbuloform. Optou-se pela traduo de ambos por formacom a indicao, entre colchetes, de toda ocorrncia do vocbulo shapeno original. Optou-se tambm, eventualmente, pela traduo formgeral.

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    pintura precedente. Assim como estabelece o retngulo como uma forma definida; ele no representa mais um limi

    suficientemente neutro. Uma forma pode ser usada apenas de certas maneiras. O plano retangular passa a ter um temp

    de vida limitado. A simplicidade necessria para se enfatizar o retngulo limita as possibilidades de arranjos em se

    interior.

    A pintura vista aqui como uma arte beira da exausto, em que a gama de solues aceitveis para um problema bsico

    como organizar a superfcie do quadro se v severamente restringida. O uso de suportes irregulares no lugar dos retangularpode, do ponto de vista literalista, meramente prolongar a agonia. A soluo bvia abrir mo de se trabalhar sobre um plan

    nico para favorecer a tridimensionalidade. Isso, alm do mais, automaticamente permite

    livrar-se do problema do ilusionismo e do espao literal, o espao dentro e em volta de traos e cores o que equivale

    livrar-se de uma importante e das mais questionveis heranas da arte europia. Os inmeros limites da pintura no ma

    se apresentam. Uma obra pode ser to poderosa quanto se pode pensar que ela . O espao real intrinsicamente ma

    poderoso e mais especfico do que a tinta sobre uma superfcie plana.

    A atitude literalista em relao escultura mais ambgua. Judd, por exemplo, parece pensar o que ele chama de Objeto

    Especficos como algo que no escultura, enquanto Robert Morris conceitua seus prprios trabalhos, irrefutavelmen

    literalistas, como uma retomada da tradio prescrita da escultura construtivista estabelecida por Tatlin, Rodchenko, Gab

    Pevsner e Vantorgerloo. Mas esse e outros desacordos so menos importantes do que as opinies que Judd e Morris tm em

    comum. Acima de tudo, eles se opem a um tipo de escultura que, como a maior parte das pinturas, feita parte por parte, p

    adio, composta, e na qual elementos especficos se separam do todo, assim estabelecendo relaes no interior d

    trabalho (para eles, os trabalhos de David Smith e de Anthony Caro estariam includos nessa descrio). importante not

    que a caracterstica de parte por parte e o carter relacional da maioria das esculturas so associados por Judd quilo que e

    chama de antropomorfismo. Uma barra empurra; uma pea de ferro segue um gesto; juntas, formam uma imagem naturalista

    antropomrfica. O espao corresponde. Contra esta escultura de mltiplas partes, inflectida, Judd e Morris afirmam o

    valores de totalidade, unicidade, e indivisibilidade de um trabalho que seja, tanto quanto possvel, uma coisa, um nic

    Objeto Especfico. Morris dedica considervel ateno ao uso de uma Gestaltpotente ou de formas de tipo unitrio de mod

    a evitar a divisibilidade; ao passo que Judd est especialmente interessado no tipo de totalidade que pode ser conseguida po

    meio da repetio de unidades idnticas. A ordem operante em suas peas, como a das pinturas de listas de Stella a que um

    vez se referiu, simplesmente ordem, como a ordem da continuidade, uma coisa depois da outra. Porm, tanto para Jud

    quanto para Morris, o elemento crtico a forma [shape]. As formas unitrias de Morris so poliedros que resistem a s

    percebidos de qualquer outro modo que no seja como uma forma simples [ shape] : a Gestalt simplesmente a form

    constante, conhecida. E, em seu sistema, essa forma geral , ela mesma, o valor escultural mais importante. Similarment

    falando sobre seu prprio trabalho, Judd afirmou que

    o grande problema que qualquer coisa que no seja absolutamente plena acaba tendo partes de um modo ou de outr

    O lance ser capaz de trabalhar e fazer coisas diferentes e ainda assim no romper a totalidade que a pea apresent

    Para mim o trabalho com o lato e as cinco verticais acima de tudo aquela forma [shape].

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    A forma [shape] o objeto: de todo modo, o que garante a totalidade do objeto a simplicidade da forma. essa nfase

    forma geral, creio eu, o que causa a impresso, que inmeros crticos mencionaram, de que os trabalhos de Judd e de Morr

    so ocos.

    II

    A forma [shape] tem sido central tambm para a pintura mais significativa dos ltimos anos. Em vrios ensaios recente

    venho tentando mostrar como, nos trabalhos de Noland, Olistki e Stella, um conflito vem gradualmente emergindo entreforma como uma qualidade fundamental dos objetos e a forma como um meio da pintura. Grosso modo, o sucesso ou fracas

    de uma dada pintura vai depender de sua habilidade de sustentar, eliminar ou tornar convincente sua forma [shape] ou assim

    ou a pintura de algum modo se recusando ou esquivando de ter que enfrentar a questo. As primeiras pinturas com sprayd

    Olistki so o exemplo mais puro de pinturas que se sustentam ou deixam de se sustentar como formas; ao passo que, em sua

    pinturas mais recentes, assim como nos melhores trabalhos recentes de Noland e Stella, a exigncia de que uma dada pintu

    deve se sustentar como forma recusada ou esquivada de diversas maneiras. O que est em jogo nesse conflito se as pintur

    ou os objetos em questo so experimentados como pinturas ou como objetos: e o que define sua identidade comopintura s

    enfrentamento da exigncia de que se sustentem como formas [shapes]. Caso contrrio elas sero experimentadas como mer

    objetos. Isso pode ser sintetizado dizendo-se que a pintura modernista finalmente concluiu que imperativo que ela elimine o

    suspenda sua prpria objetidade [objecthood]4, e que o fator crucial nessa empresa a forma [shape], mas uma forma que de

    pertencer pintura que seja pictrica, e no, ou meramente, literal. Ao passo que a arte literalista aposta tudo na forma com

    uma determinada propriedade dos objetos, quando no at mesmo como uma espcie de objeto com peculiaridade prpria. E

    aspira, no a eliminar ou suspender sua prpria objetidade, mas, ao contrrio, a descobrir e a projetar essa mesma objetidade.

    Em seu ensaio Recenteness of Sculpture, Clement Greenberg discute o efeito da presena, que desde o incio tem sid

    associada com o trabalho literalista.5A questo surgiu em conexo com o trabalho de Anne Truitt, uma artista que Greenber

    acredita ter antecipado os literalistas (por ele denominados Minimalistas):

    A arte de Truitt flerta com a aparncia de no-arte, e sua exposio de 1963 foi a primeira em que notei como ess

    aparncia podia lhe conferir um efeito depresena. Que a presena obtida pelas dimenses fsicas era esteticamen

    imprpria, eu j sabia. Que a presena obtida pela aparncia de no-arte tambm era esteticamente imprpria, eu aind

    no sabia. A escultura de Truitt tinha esse tipo de presena, mas no se escondiapor trs dessa presena. Que a escultu

    podia se esconder por trs dessa presena do mesmo modo que a pintura o fazia eu s vim a descobrir depois d

    minha crescente familiarizao com os trabalhos de arte minimalistas: os de Judd, Morris, Andre, Steiner, alguns ma

    no todos os de Smithson, alguns mas no todos os de LeWitt. A arte minimalista pode igualmente esconder-se por tr

    da presena enquanto dimenso: penso no trabalho de Bladen (embora eu no esteja bem certo se ele ou no u

    minimalista convicto) e tambm nos de alguns dos artistas que acabei de citar.

    A presena pode ser conferida pela dimenso fsica ou pela aparncia de no-arte. Alm disso, aquilo que no-arte signific

    hoje, como tem significado por muitos anos, bastante especfico. Em Art After Abstract Expressionism, Greenbe

    3Shape as Form: Franks Stellas New Paintings, Artforum, Vol. V, n 3, novembro 1966; Jules Olitski, introduo para o catlogo exposio de seu trabalho na Corcoran Gallery, Washington, D.C., abril-junho 1967; e Ronald Davis: Surface and Illusion, Artforum, VV, n 8, abril 1967.4NT: O vocbulo objecthood um neologismo, tanto quanto sua traduo objetidade, que j aparece no ttulo.5Publicado no catlogo da exposio American Sculpture in the Sixties, no Los Angeles County Museum of Art. O verbo projetar, qacabei de usar, extrado da afirmao de Greenberg, A meta ostensiva dos minimalistas projetar objetos e grupos de objetos que apentangenciem a arte.

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    escreveu que uma tela esticada e grampeada j existe como pintura embora no necessariamente como uma pintura be

    resolvida.6 Por essa razo, como ele indica em Recentness of Sculpture, a aparncia de no-arte no estava mais

    disposio da pintura. Em vez disso, a fronteira entre arte e no-arte teve que ser buscada no tridimensional, onde a escultu

    se encontrava, e onde tudo aquilo que era material e que no era arte igualmente se encontrava. Greenberg prossegue dizend

    A aparncia de maquinaria agora no se apresenta, porque ela no chega a ter uma aparncia de no-arte, uma aparnc

    presumivelmente inerte, que oferece ao olho um mnimo de incidentes interessantes diferente de uma aparncia mquina que, na comparao, se parece com arte (e quando penso em Tinguely tendo a concordar com isso). Entretant

    no importando quo simples possa ser o objeto, permanecem as relaes e inter-relaes entre superfcie, contorno

    intervalo espacial. Trabalhos minimalistas podem ser lidos como arte, assim como quase tudo atualmente mesmo um

    porta, uma mesa, uma folha de papel em branco Mas neste momento no me parece possvel imaginar ou idealiza

    outro tipo de arte que se pudesse aproximar mais da condio de no-arte.

    O significado, nesse contexto, da condio de no-arte aquilo que venho chamando de objetidade. como se s

    objetidade fosse capaz, nas atuais circunstncias, de garantir a identidade de algo, seno como no-arte, ao menos como ne

    sendo pintura nem escultura; ou como se uma obra de arte mais precisamente, uma obra de pintura ou de escultur

    modernista fosse, de algum modo, essencialmente no um objeto.

    6Art After Abstract Expressionism,Art International, Vol. VI, n 8, 25 de outubro, 1962: 30. A passagem da qual isso foi extrado dizseguinte:

    Sob o teste do modernismo, mais e mais convenes da arte da pintura mostraram-se dispensveis, no essenciais. Mas agora estabeleceu, ao que parece, que a essncia irredutvel da arte pictrica consistiria em apenas duas convenes ou normas constitutivasplanaridade e a delimitao da planaridade; e que a simples observncia dessas duas normas seria suficiente para se criar um objeto qupossa ser experimentado como um quadro: sendo assim, uma tela esticada e grampeada j existe como pintura embora nnecessariamente como uma pintura bem resolvida.

    Em linhas gerais, isso sem dvida correto. No entanto, h certas qualificaes a serem feitas.Para comear, no de todo suficiente dizer que uma tela em branco pregada a uma parede no necessariamente um quadro beresolvido: penso que no seria nenhum exagero dizer que ela no concebivelmenteum quadro bem resolvido. Pode-se objetar qdeterminadas circunstncias futuras poderiamfazerdela uma pintura bem resolvida; mas eu diria que, para isso acontecer, a atividade pintura teria que mudar to drasticamente que nada alm do nome permaneceria. (Seria necessria uma transformao muito maior do quaquela que a pintura sofreu de Manet a Noland, Olitski e Stella!). Alm disso, ver-se algo como uma pintura, no sentido de se considerar umtela grampeada como uma pintura e ter-se a certeza de que um dado trabalho pode ser comparado s pinturas do passado de comprovaqualidade so experincias totalmente diferentes: eu diria que, a no ser que alguma coisa nos convena de sua qualidade, apentrivialmente, ou nominalmente, ela uma pintura. Isso sugere que a planaridade e a delimitao da planaridade no devem ser compreendidacomo a essncia irredutvel da arte pictrica, e sim como condies mnimas para que algo possa ser visto como uma pintura; e quequesto crucial no definir quais seriam tais condies mnimas, e por assim dizer atemporais, mas sim aquilo que, em um dado momentseria capaz de convencer de que aquilo satisfatoriamente uma pintura. Isso no quer dizer que a pintura no tenhauma essncia; mas sque aquela essncia isto , aquela que leva ao convencimento em grande parte determinada por e, portanto, muda constantemente eresposta ao trabalho vital do passado recente. A essncia da pintura no algo irredutvel. Ao contrrio, a tarefa do pintor modernista

    descobrir quais convenes, e somente estas, so capazes de, em um dado momento, estabelecer a identidade de seu trabalho como pintura.Greenberg se aproxima dessa posio quando acrescenta: Quer me parecer que Newman, Rothko e Still deslocaram a auto-crtica da pintumodernista para uma nova direo simplesmente pela manuteno de sua continuidade na mesma velha direo. A pergunta que agora coloca por intermdio de sua arte no mais o que constitui a arte, ou a arte da pintura, em si, mas o que irredutivelmente constitui a boaaem si. Ou, melhor, qual a fonte definitiva do valor ou da qualidade na arte? Mas eu argumentaria que o que o modernismo veio a signific que as duas perguntas O que constitui a arte da pintura? O que constitui boapintura? no podem mais ser separadas; a primeira confunde, ou tende cada vez mais a se confundir, com a segunda. (Estou, obviamente, me alinhando com a verso de modernismo qadiantei em Three American Painters).Ver, ainda sobre a natureza ou essncia e a conveno nas artes modernistas, meus ensaios sobre Stella e Olitski, mencionados acima, assicomo, de Stanley Cavell, Music Discomposed e Rejoinders, em resposta a crticos daquele ensaio, a serem publicados como parte de usimpsio organizado pela University of Pittsburgh Press em um volume intituladoArt, Mind and Religion. Os textos de Cavell tambm serincludos em seu livro de ensaiosMust We Mean What We Say?, a ser publicado em breve pela Scribners.

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    H, de um modo ou de outro, um ntido contraste entre a adoo literalista da objetidade quase, ao que parece, como uma ar

    com natureza exclusiva e o imperativo que a pintura modernista exige de si mesma de eliminar ou suspender sua prpr

    objetidade tendo a forma [shape] como meio. Na realidade, da perspectiva da pintura modernista recente, a posio literalis

    evidencia uma sensibilidade no apenas estranha, mas antittica em relao quela: como se, dessa perspectiva, as exigncia

    da arte e a condio de objetidade estivessem envolvidas em um conflito direto.

    E aqui surge a questo: o que , da objetidade como tem sido projetada e tornada hiposttica pelos literalistas, que a faz, pel

    menos da perspectiva da pintura modernista recente, ser antittica da arte?

    III

    A resposta que quero propor a seguinte: a adoo literalista da objetidade nada mais do que um apelo a um novo gnero d

    teatro; e o teatro hoje a negao da arte.

    A sensibilidade literalista teatral porque, para comear, est interessada nas circunstncias factuais em que se d o encontr

    do observador com o trabalho literalista. Morris deixa isso claro. Enquanto na arte que a precede o que para s

    experimentado do trabalho encontra-se estritamente em seu interior, a experincia da arte literalista a de um objeto emum

    situao que, virtualmente por definio, inclui o observador.

    A produo recente de boa qualidade extrai relaes do trabalho e faz delas uma funo do espao, da luz, e do camp

    de viso do espectador. O objeto to somente um dos termos dessa nova esttica. Essa de certo modo mais reflexiv

    porque a conscincia que algum tem de si prprio existindo no mesmo espao que o trabalho mais forte do que em

    trabalhos anteriores, com suas muitas relaes internas. O espectador torna-se mais consciente do que antes do fato d

    estar ele mesmo estabelecendo relaes, uma vez que apreende o objeto a partir de posies variadas e sob condie

    variveis de luz e contextualizao espacial.

    Morris acredita que essa conscincia potencializada pela fora da forma constante, conhecida, a Gestalt, com a qual

    aparncia da pea a partir de diferentes pontos de vista constantemente comparada. E tambm intensificada pela mai

    escala da maioria dos trabalhos literalistas:

    A conscincia da escala funo da comparao entre uma constante, que o tamanho do corpo do espectador, e

    objeto. O espao entre o sujeito e o objeto est includo nessa comparao.

    Quanto maior o objeto mais somos forados a nos manter distantes dele:

    essa distncia maior e necessria entre o objeto no espao e nossos corpos, de maneira que ele possa ser visto com

    um todo, que estrutura o modo despersonalizado ou pblico [que Morris defende]. No entanto, justamente ess

    distncia entre objeto e sujeito que cria uma situao mais extensiva, porque nela a participao se torna necessria.

    A teatralidade da noo de Morris de modo despersonalizado ou pblico me parece bvia: as grandes dimenses da pe

    junto com seu carter unitrio, no relacional, distanciao espectador no apenas fisica, mas tambm psiquicamente.

    poderamos dizer, precisamente esse distanciamento o quefazdo espectador um sujeito e da pea em questo um objet

    Mas isso no implica que quanto maior seja a pea mais seguramente seu carter pblico seja estabelecido; ao contrri

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    para alm de um determinado tamanho, o objeto pode vir a dominar, e sua escala agigantada passar a ser o term

    sobrecarregado. Morris pretende conseguir a presena por meio da objetidade, o que requer certa grandeza de escala, mais d

    que por meio do tamanho propriamente. Mas ele tambm est consciente de que tal distino no tem nada de rgida nem d

    imediata:

    Pois o prprio espao da sala fator de estruturao, tanto por seu formato cbico quanto pelo tipo de compresso qu

    salas de diferentes tamanhos e propores podem causar sobre os termos sujeito/objeto. O fato de o espao da saladquirir tal importncia no significa que uma situao ambiental esteja sendo estabelecida. O espao total

    presumivelmente alterado, segundo determinados desejos, pela presena do objeto. Ele no controlado no sentido d

    ser ordenado por um agregado de objetos ou por algum tipo de formatao do espao que envolva o espectador.

    O objeto, e no o espectador, que deve ser mantido como centro ou foco da situao; mas a situao pertenceao espectador

    trata-se de suasituao. Ou, como Morris assinalou, Quero enfatizar que as coisas esto em um espao com algum, mais d

    que [esse] algum estando em um espao e cercado por coisas. Mais uma vez, no h uma distino clara ou rgida entre

    duas condies: afinal, sempre se est cercado por coisas. Mas coisas que so trabalhos de arte literalista devem de algu

    modo confrontaro espectador devem, quase se pode dizer, colocar-se no apenas no espao do observador, mas tambm e

    seu caminho. Nada disso, Morris afirma,

    indica falta de interesse no objeto em si mesmo. Mas os interesses agora se voltam para um controle maior da

    situao como um todo. O controle necessrio para que as variveis de objeto, luz, espao, corpo, possam funcionar.

    objeto no se tornou menos importante; tornou-se simplesmente menos importante por si mesmo.

    Deve-se, penso eu, assinalar que a situao como um todo significa exatamente o seguinte: todaela incluindo, ao qu

    parece, o corpodo observador. No h nada em seu campo de viso nada que ele possa notar em seu caminho que, p

    assim dizer, declare sua irrelevncia para a situao e, por extenso, para a experincia em questo. Ao contrrio, para q

    alguma coisa possa ser percebida de todo, necessrio que ela seja percebida como sendo parte daquela situao. Tudo conta

    no como parte do objeto, mas como parte da situao na qual sua objetidade estabelecida e da qual essa objetidade em par

    depende.

    IV

    Alm disso, a presena da arte literalista, que Greenberg foi o primeiro a analisar, basicamente um efeito ou uma qualida

    teatral uma espcie de presena depalco. uma funo, no apenas do papel obstrutor e, no raro, mesmo da agressividad

    do trabalho literalista, mas da especial cumplicidade que o trabalho quer extorquir do observador. Diz-se que uma coisa

    dotada de presena quando ela exige do observador que a leve em considerao, que a leve a srio e quando o acatamen

    desse requisito consistir simplesmente em estar-se conscienteda coisa e, por assim dizer, em agir de acordo com essa condi

    (Certas modalidades de seriedade so vetadas ao observador pelo prprio trabalho, isto , aquelas estabelecidas pelas melhor

    pinturas e esculturas do passado recente. Mas, obviamente, aquelasso modalidades de seriedade em que as pessoas em s

    maioria dificilmente se sentiriam confortveis ou mesmo julgariam tolerveis). Mais uma vez, aqui a experincia de se

    mantido a distncia pelo trabalho em questo parece ser crucial: o observador est ciente de estar em uma rela

    indeterminada, aberta e imprecisa sujeito aoobjeto impassvel sobre a parede ou o cho. De fato, ser mantido a distnc

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    por objetos desse tipo no , eu diria, muito diferente de ser mantido a distncia, ou ser invadido, pela presena silenciosa d

    outrapessoa; a experincia de se deparar inesperadamente com objetos literalistas por exemplo, em salas relativamen

    escuras pode ser fortemente, ainda que por um momento, tambm desconcertante.

    H trs outras razes principais para isso. Primeiro, as dimenses de muitos dos trabalhos literalistas, como indicam

    observaes de Morris, so comparveis s do corpo humano com razovel aproximao. Nesse contexto, as respostas de Ton

    Smith a perguntas relativas aDie, seu cubo de um metro e 83 centmetros, so bastante sugestivas:

    P: Por que voc no o fez maior, para que ele se projetasse por sobre o observador?

    R: Eu no estava fazendo um monumento.

    P: Ento por que voc no o fez menor, para que o observador pudesse ver por cima dele?

    R: Eu no estava fazendo um objeto.7

    Um modo de descrever o que Smith estavafazendo seria dizer que se trata de algo como uma pessoa postia quero dize

    como uma espcie de esttua. (Essa leitura se baseia na legenda de uma fotografia de outra pea de Smith, The Black Bo

    publicada na edio de dezembro de 1967 da Artforum, na qual Samuel Wagstaff Jr., presumivelmente com a permisso d

    artista, observou que Pode-se ver os dois-por-quatro debaixo da pea, o que evita que ela se parea com arquitetura ou com

    um monumento, afirmando-a assim como escultura. Os dois-por-quatro so, na verdade, um pedestal rudimentar, o q

    refora a caracterstica de esttua da pea em questo). Segundo, as entidades ou seres que encontramos em nossa experinc

    cotidiana, em termos bastante aproximados dos ideais literalistas do inter-relacional, do unitrio e do totalizante, so outr

    pessoas. Similarmente, a predileo literalista pela simetria, e em geral por um tipo de ordem que simplesmente ordem

    uma coisa depois da outra, no se fundamenta, como Judd parece acreditar, em novos princpios filosficos e cientficos, se

    qual for o entendimento que ele possa ter desses princpios, mas na natureza. E, terceiro, o aspecto aparentemente oco da mai

    parte dos trabalhos literalistas a qualidade de possuir um interior quase escandalosamente antropomrfico. , com

    inmeros comentadores favorveis tm sugerido, como se o trabalho em questo tivesse uma vida interior, mesmo secreta u

    efeito talvez mais claramente explicitado por Untitled(1965-66), de Morris, uma grande pea com forma de anel em du

    metades, emitindo de seu interior uma luz fluorescente atravs de uma estreita abertura entre elas. Com esse mesmo esprit

    Tony Smith afirmou: Estou interessado na inescrutabilidade e no mistrio da coisa8. Ele tambm foi citado por ter dito:

    Cada vez mais tenho me interessado pelas estruturas pneumticas. Nelas, todo material est tensionado. Mas o cart

    da forma que me atrai. As formas biomrficas que resultam da construo tm para mim uma qualidade de sonho, a

    menos de algo que se diz ser um tipo muito comum de sonho americano.

    O interesse de Smith pelas estruturas pneumticas pode parecer surpreendente, mas consistente tanto com seu prpr

    trabalho quanto com a sensibilidade literalista em geral. Estruturas pneumticas podem ser descritas como redundantemen

    ocas o fato de elas no serem massas obstinadamente slidas (Morris) resultando mais de uma insistnciano fato do que

    sua pressuposio. E tal interesse revela algo, eu diria, do significado que a qualidade de ser oco tem na arte literalista para qu

    as formas que dela resultam sejam biomrficas.

    7Citado por Morris como epgrafe de Notes on Sculture, Part 2.8Com exceo da j citada epgrafe de Morris, todas as observaes de Tony Smith foram tiradas de Talking to Tony Smith, por SamuWagstaff JR.,Artforum, Vol. V, n 4, dezembro de 1966.

    7

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    V

    O que estou sugerindo, ento, que um tipo de naturalismo oculto ou latente, de fato um antropomorfismo, esteja no cerne d

    teoria e da prtica literalistas. O conceito de presena no fica muito longe dessa afirmao, mas poucas vezes t

    acintosamente quanto na declarao de Tony Smith Eu no penso nelas [isto , nas esculturas que ele sempre fez] com

    esculturas, mas como presenas de um certo tipo. A latncia ou ocultismo do antropomorfismo tem sido tal que os prpri

    literalistas se sentem, como vimos, livres para caracterizar a arte modernista a que seopem, por exemplo a escultura de Dav

    Smith e Anthony Caro, como antropomrfica uma caracterizao cujas garras, para comear imaginrias, acabam de searrancadas. Pelo mesmo motivo, no entanto, o que est errado com o trabalho literalista no que ele seja antropomrfico,

    sim que o significado e, igualmente, o ocultismo de seu antropomorfismo sejam incuravelmente teatrais. (No so todos o

    trabalhos literalistas que ocultam ou mascaram seu antropomorfismo; o trabalho de figuras menores como Steiner exibem

    distintivo de seu antropomorfismo pregado na lapela).A distino crucial que venho propondo at este momento seria ent

    trabalhos que so e trabalhos que no so fundamentalmente teatrais. o teatral que, sejam quais forem as diferenas ent

    eles, rene artistas como Bladen e Grosvenor 9, ambos tendo permitido que a escala gigantesca [se tornasse] o term

    sobrecarragado (Morris), a outras figuras mais contidas, tais como Judd, Morris, Andre, McCracken, LeWitt e apesar d

    tamanhode algumas de suas peas Tony Smith10. E no interesse do teatro, embora no explicitamente em seu nome, que

    ideologia literalista rejeita a pintura e, igualmente, ao menos nas mos de seus mais notveis praticantes recentes, a escultu

    modernistas.

    Nesse contexto, a descrio que Tony Smith faz de um passeio noturno de carro pela auto-estrada de New Jersey ainda e

    construo torna-se obrigatria:

    Quando eu dava aulas na Cooper Union no incio da dcada de 1950, algum me informou como chegar New Jers

    Turnpike, ainda inacabada. Levei comigo trs estudantes e dirigi de algum lugar em Meadows at New Bruswick.

    noite estava escura, e no havia postes de luz, marcos, faixas, guarnies nem mais nada alm do asfalto escur

    varando a paisagem de montanhas recortadas a distncia, mas pontuada por coisas empilhadas, torres, vapores e luz

    coloridas. Essa corrida foi uma experincia reveladora. A estrada e quase tudo na paisagem eram artificiais, e aind

    assim aquilo no poderia ser chamado de uma obra de arte. Por outro lado, aquilo fez por mim algo que a arte nunc

    havia feito. No incio eu no sabia o que era, mas seu efeito foi liberar-me de muitas das opinies que eu tinha ant

    sobre arte. Pareceu-me que ali se apresentava uma realidade que nunca havia sido expressa na arte.

    A experincia na estrada foi mapeada, mas no reconhecida socialmente. Deveria estar claro que isso era o fim da art

    pensei comigo mesmo. Depois disso a pintura em grande parte fica parecendo consideravelmente pictrica. No h

    como voc a enquadrar, voc s precisa experiment-la. Mais tarde eu descobri na Europa umas pistas de pous

    abandonadas obras abandonadas, paisagens surrealistas, algo que no tinha nada a ver com qualquer funo, mund

    criados sem tradio. Uma paisagem artificial sem um precedente cultural comeou a se revelar claramente para mim

    Existe um campo de treinamento militar em Nuremberg grande o bastante para acomodar dois milhes de pessoas.

    campo todo cercado por barrancos altos e por torres. O acesso feito por trs degraus de concreto de uns quaren

    centmetros, um sobre o outro, estendendo-se por uma milha ou mais.

    9 No catlogo da exposio Primary Structures, ocorrida na primavera passada no Jewish Museum, Bladen escreveu Como voc faz interior um exterior?, e Grovesnor, No quero que meu trabalho seja visto como grandes esculturas, so idias que operam no espaentre o cho e o teto. A relevncia desses argumentos para o que identifiquei como evidncias da teatralidade da teoria e da prticliteralistas me parece bvia.10 a teatralidade, tambm, o que aproxima todos esses artistas a outras figuras to disparatadas como Kaprow, Cornell, RauschenberOldenburg, Flavin, Smithson, Kienholz, Segal, Samaras, Christo, Kusama a lista poderia prosseguir indefinidamente.

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    O que parece ter-se revelado para Smith aquela noite foi a natureza pictrica da pintura mesmo, pode-se dizer, a naturez

    convencional da arte. E issoSmith parece ter compreendido no como um desnudamento da essncia da arte, mas como um

    anunciao de sua morte. Em comparao com a estrada sem sinalizao, sem iluminao, em tudo desestruturada ma

    precisamente, com a estrada sendo experimentada de dentro do carro e viajando por ela a arte parece ter-se mostrado a Smi

    como quase absurdamente pequena (A arte de hoje uma arte de selos postais, ele j disse), circunscrita, convencional.

    No havia, como ele parece ter pensado, nenhum modo de enquadrar sua experincia na estrada, isto , nenhum modo de efazer sentido em termos de arte, de faz-la ser arte, ao menos como a arte se apresentava naquele momento. Ou melhor, vo

    s precisa experiment-la enquanto ela acontece, tal como simplesmente (a experincia em si tudo o que importa). N

    se est sugerindo de modo algum que isso seja problemtico. A experincia claramente entendida por Smith como alg

    inteiramente acessvel a qualquer pessoa, no apenas em princpio mas de fato, e a questo relativa a se a pessoa realmente te

    a experincia no entra em considerao. Pode-se concluir que isso interessa a Smith por seu elogio a Le Corbusier, para el

    mais disponvel do que Michelangelo: A experincia direta e primitiva do Edifcio da Corte Suprema em Chandigarh

    como os Pueblos do sudoeste sob um penhasco que se projeta fantasticamente sobre eles. Isso algo que qualquer pessoa po

    compreender. No h a menor necessidade, penso eu, de se acrescentar que a disponibilidade da arte modernista no dess

    tipo, e que a justeza ou relevncia das convices que algum possa ter sobre trabalhos modernistas especficos, uma convic

    que comea e termina em sua experincia do prprio trabalho, est sempre aberta a questionamentos.

    Mas qualfoia experincia de Smith na auto-estrada? Ou, colocando a pergunta em outros termos, se uma auto-estrada, pist

    de pouso e campos de treinamento no so obras de arte, ento o que so? O que so, realmente, seno situaesvazia

    abandonadas? E qual foi a experincia de Smith seno a experincia daquilo que venho chamando de teatro? como se

    auto-estrada, pistas de pouso, campos de treinamento revelassem o carter teatral da arte literalista, s que sem o objeto, isto

    sem a arte propriamente como se o objeto s fosse necessrio estando no interior de uma sala11(ou, talvez, em quaisqu

    circunstncias menos extremas do que essas. Em qualquer um desses casos o objeto , por assim dizer, substitudopor algum

    coisa: na auto-estrada, por exemplo, pelo curso constante que se mantm sobre ela, pela fuga simultnea de novos trechos d

    asfalto escuro iluminado pelos faris dianteiros, pela sensao de que a estrada ela mesma alguma coisa enorme, abandonad

    esquecida, existindo to somente para Smith e seus companheiros de viagem. Este ltimo ponto importante. Por um lado,

    auto-estrada, as pistas de pouso e o campo de treinamento no pertencem a ningum; por outro, a situao estabelecida pe

    presena de Smith em cada um desses casos percebida pelo prprio como se fosse dele. Alm disso, o fato de, em cada u

    desses casos, ser-lhe possvel prosseguir mais e mais adiante e indefinidamente essencial. Aquilo que toma o lugar do obje

    aquilo que desempenha o mesmo papel de distanciar ou isolar o observador, de fazer dele um sujeito, o que o objeto fazia

    sala fechada sobretudo a infinitude, ou a ausncia de um carter de objeto, da aproximao, curso ou perspectiva.

    clareza, vale dizer, a pura persistncia com a qual a experincia se apresenta como se dirigida a ele do exterior (na auto-estrad

    do exterior do carro), que simultaneamente faz dele um sujeito sujeita-o e estabelece a prpria experincia como sendo a d

    um objeto ou, antes, da objetidade. No de admirar que as especulaes de Morris sobre como dispor trabalhos literalistas

    lado de fora permaneam estranhamente inconclusivas:

    Por que no colocar o trabalho no exterior para depois inverter os termos? Existe uma necessidade real de se permit

    que esse prximo passo se torne uma prtica. Parques de esculturas projetados como arquitetura no so a resposta, ne

    11O conceito de sala , de regra clandestinamente, importante para a arte e para a teoria literalistas. Em ambas, com efeito, ela pode quasempre substituir a palavra espao: diz-se de alguma coisa que ela est em meu espao se ela estiver na mesma salaque eu (e se ela ocupum lugar em que eu no tenha como deixar de perceb-la.

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    trabalhos colocados do lado de fora de cubos arquitetnicos. Idealmente, o que poderia fornecer novos termos com o

    quais se trabalhar seria um espao sem a arquitetura como pano de fundo e referncia.

    Ao menos que as peas sejam instaladas em um contexto completamente natural, e no parece ser isso o que Morris es

    propondo, algum tipo de cenrio artificial, embora no exatamente arquitetnico, deve ser construdo. O que as argumenta

    de Smith parecem estar sugerindo que quanto mais efetivo no sentido de efetivo como teatro o cenrio se torne, ma

    suprfluos se tornam os prprios trabalhos.

    VI

    O relato de Smith sobre sua experincia na auto-estrada revela a profunda hostilidade do teatro em relao s artes e demonstr

    precisamente na ausncia do objeto e naquilo que o substitui, o que poderia ser chamado de teatralidade da objetidade. Pe

    mesma razo, entretanto, o imperativo de que a pintura modernista elimine ou suspenda sua objetidade , no fundo,

    imperativo de que ela elimine ou suspenda o teatro. E issosignifica que h uma guerra em curso entre o teatro e a pintura e

    escultura modernistas, entre o teatral e o pictrico uma guerra que, apesar da rejeio explcita da pintura e escultu

    modernistas por parte dos literalistas, no basicamente o efeito de um programa ou de uma ideologia, mas de experinci

    convico, sensibilidade. (Por exemplo, foi uma experinciaparticularo que gerou em Smith a convico de que a pintura

    fato, de que as artes em si mesmas havia chegado a um fim).

    A inflexibilidade e aparente irreconciliabilidade desse conflito so algo de novo. Assinalei acima que s ao longo dos ltim

    anos a objetidade tem-se tornado uma questo para a pintura modernista. Porm, isso no signica dizer que, antesda atu

    situao, as pinturas, ou pelo mesmo motivo as esculturas, simplesmente eram objetos. Penso que seria mais prximo

    verdade dizer que simplesmenteno eram.12 O risco, mesmo a possibilidade, de considerar obras de arte nadamaisalm

    objetos no existia. O fato de essa possibilidade ter-se apresentado por volta de 1960 resulta grandemente de desenvolviment

    no mbito interno da pintura modernista. Grosso modo, quanto mais determinadas pinturas avanadas tenham parecido

    aproximar de sua assimilao como objetos, mais a histria inteira da pintura desde Manet tem podido ser entendida

    enganosamente, eu diria como uma revelao progressiva (ainda que afinal inadequada) de sua objetidade essencial13, e ma

    urgente se fez a necessidade de a pintura modernista tornar explcita sua essncia convencional especificamente, sua essnc

    pictrica pela destruio ou suspenso de sua prpria objetidade pela forma [shape] como um meio. A viso de que a pintu

    modernista tende para a objetidade fica implcita na afirmao de Judd O novo trabalho [isto , literalista] obviamente

    parece mais com escultura do que com pintura, mas mais prximo da pintura; e nessa viso que se fundamenta

    sensibilidade literalista em geral. A sensibilidade literalista , portanto, uma resposta aos mesmosdesenvolvimentos que e

    grande parte foraram a pintura modernista a desmantelar sua objetidade mais precisamente, os mesmos desenvolviment

    vistos diferentemente, isto , em termos teatrais, por uma sensibilidade jteatral, j (o que pior) corrompida ou perverti

    pelo teatro. Similarmente, o que forou a pintura modernista a eliminar ou suspender sua prpria objetidade no foram apen

    desenvolvimentos internos a ela, mas a mesma teatralidade geral, envolvente, infecciosa, que corrompeu do incio

    12Stanley Cavell assinalou em um seminrio que para Kant, na Crtica do Juzo, uma obra de arte no um objeto. Aproveito a oportunidapara registrar que, sem as inmeras conversas que tive com Cavell nos ltimos anos, e sem o tudo que aprendi em seus cursos e seminrioeste ensaio e no apenas ele seria inconcebvel. Tambm gostaria de expressar minha gratido e dvida para com o compositor JohHarbison, que, ao lado de sua esposa, a violinista Rosemary Harbison, me proporcionou a nica iniciao msica moderna que eu possa ttido, tanto por tal iniciao quanto por suas inmeras opinies acerca do assunto deste ensaio.13Um modo de descrever esse ponto de vista seria dizer que ele extrai algo como uma falsa inferncia do fato de a apreenso cada vez maexplcita do carter literal do suporte ter-se tornado central para o desenvolvimento da pintura modernista: a saber, que a literalidade em sum valor de suprema importncia. Em Shape as Form, argumentei que essa inferncia fecha os olhos para certas consideraes vitaisindiquei que a literalidade mais precisamente, a literalidade do suporte s constitui um valor no mbito interno da pintura modernistada somente porque a histria de seu empreendimento acabou fazendocom que ela se tornasse um valor.

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    sensibilidade literalista, e em cujas mos os desenvolvimentos em questo e a pintura modernista em geral so vistos com

    nada mais do que uma modalidade de teatro inconvincente e desprovida de presena. Foi a necessidade de romper esse

    grilhes o que fez com que a objetidade se tornasse uma questo para a pintura modernista.

    A objetidade tornou-se uma questo tambm para a escultura modernista. Isso verdade apesar do fato de a escultura, send

    tridimensional, se assemelhar tanto a objetos ordinrios quanto a trabalhos literalistas, diferentemente da pintura. Quase 1

    anos atrs, Clement Greenberg retomou o que ele via como a emergncia de um novo estilo escultrico, cujo mestre

    indubitavelmente David Smith, nos seguintes termos:

    Fazer da substncia algo inteiramente ptico, e da forma, seja ela pictrica, escultrica ou arquitetnica, parte integr

    do espao ambiental isso leva o antiilusionismo a seu termo final. Em vez da iluso de coisas, temos agora a noss

    dispor a iluso das modalidades: a saber, que a matria incorprea, desprovida de peso, e existindo apenas opticamen

    como uma miragem.14

    Desde 1960 esse desenvolvimento tem sido conduzido a uma sucesso de clmaxes pelo escultor ingls Anthony Caro, cuj

    trabalho muito mais especificamenteresistente a ser visto em termos de objetidade do que o de David Smith. Uma escultu

    caracterstica de Caro consiste, eu diria, na mtua e direta justaposio das vigas-I, barras, cilindros, tubos de cer

    comprimento, lminas de metal e grelhas nela includos, e no no objeto compostoque tais elementos configuram. A inflex

    mtua de um elemento sobre outro, e no a identidade de cada um, que crucial ainda que, obviamente, alterar a identida

    de qualquer elemento seria pelo menos to drstico quanto alterar sua posio. (A identidade de cada elemento importa mais o

    menos como o fato de ser um brao, ou essebrao, o que faz um gesto ser particular; ou de ser essapalavra ou essanota e n

    outra a que ocupa um lugar particular em uma frase ou melodia). Os elementos individuais conferem significado uns aos outr

    em virtude de sua justaposio: nesse sentido, sentido esse inextricavelmente envolvido com o conceito de significado, qu

    tudo o que vale a pena ver na arte de Caro reside em sua sintaxe. A concentrao de Caro na sintaxe equivale, segund

    Greenberg, a uma nfase na abstrao, na radical dessemelhana em relao natureza.15E Greenberg prossegue dizend

    que Nenhum outro escultor se distanciou tanto da lgica estrutural das coisas ordinrias ponderveis. Vale porm enfatiz

    que isso uma funo de algo mais do que o fato de as esculturas de Caro serem de pouca altura, abertas, feitas parte por part

    desprovidas de silhuetas fechadas e centros de interesse, de sua pouca clareza, etc. Ao contrrio, elas eliminam ou suavizam

    objetidade por imitar, no exatamente gestos, mas a eficciado gesto; como certos tipos de msica e de poesia, elas s

    possudas pelo conhecimento do corpo humano e de como, por inmeros caminhos e maneiras, ele produz significados. com

    se as esculturas de Caro essencializassem a significao em si mesma como se apenasa possibilidade de fazer significar

    que dizemos e fazemos tornasse suas esculturas possveis. Seria desnecessrio acrescentar que tudo isso faz da arte de Caro u

    manancial de sensibilidade antiliteralista e antiteatral.

    H outro contexto, mais geral, em que a objetidade se tornou uma questo para grande parte da escultura modernista ma

    recente e ambiciosa, e isso em relao cor. Esse um assunto amplo e difcil, e aqui eu no posso pretender mais do qu

    indic-lo16. Brevemente, porm, a cor tornou-se problemtica para a escultura modernista no porque percebemos que f

    14The New Sculpture,Art and Culture, Boston, 1961: 14415Esta e a prxima observaes so tiradas do ensaio de Greenberg Anthony Caro, Arts Yearbook, N 8, 1965. O primeiro passo de Canesta direo, a eliminao do pedestal, parece, em retrospecto, ter sido motivado menos pelo desejo de apresentar seu trabalho seacessrios artificiais do que pela necessidade de rebaixar sua objetidade. Seu trabalho tem revelado at que ponto a mera colocao dalguma coisa sobre um pedestal confirma tal coisa em sua objetidade; embora a mera remoo do pedestal no rebaixe por si mesmaobjetidade, tal como provado pelo trabalho literalista.16Ver em Anthony Caro, por Clement Greenberg, e na seo final de meu Shape as Form, algo mais, mas no muito mais, sobre a cor escultura.

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    aplicada, mas porque a cor de uma determinada escultura, seja ela aplicada ou a do material em seu estado natural, se identifi

    com sua superfcie; e, na medida em que todos os objetos possuem uma superfcie, a percepo da superfcie de uma escultu

    implica sua objetidade ameaando assim qualificar ou mitigar o enfraquecimento da objetidade conseguido por meio d

    opticalidade e, no caso de Caro, tambm de sua sintaxe. em conexo com isso, acredito, que Bunga, uma escultura bastan

    recente de Jules Olistski, deve ser considerada.Bungaconsiste de algo entre quinze e vinte tubos de metal, com trs metros d

    comprimento e dimetros variados, colocados na vertical, unidos por rebites e pintados a spray com diferentes cores;

    tonalidade dominante fica entre o amarelo e o alaranjado, mas o topo e a parte de trs da pea so impregnados de um rosprofundo, e um olhar prximo revela a presena de pintas e at de gotas finas de verde e de vermelho. Uma larga band

    vermelha foi pintada em volta do topo da pea, enquanto uma banda bem mais estreita em dois diferentes azuis (um n

    frente, o outro nas costas) circunscreve sua base. Obviamente, Bungaest intimamente relacionada s pinturas a spray

    Olistki, em especial aquelas datadas de mais ou menos um ano, nas quais ele trabalhou nos limites do suporte, ou prximo

    eles, com tinta e pincel. Ao mesmo tempo, ela representa muito mais do que uma tentativa de simplesmente fazer escultura d

    suas pinturas, ou de assim traduzi-las, vale dizer, uma tentativa de estabelecer a superfcie a superfcie, digamos, depintu

    como um meio de escultura. O uso de tubos, que individualmente so vistos, incrivelmente, como sendo planos quero dize

    planos, mas enrolados faz a superfcie deBungaser mais como a superfcie de uma pintura do que como a de um objet

    como uma pintura, e diferena tanto de objetos ordinrios quanto de outras esculturas,Bunga todaelasuperfcie. E cla

    que o que declara ou estabelece tal superfcie a cor, a cor a sprayde Olistki.

    VII

    A esta altura, eu gostaria de fazer uma afirmao da qual no posso pretender dar provas ou evidncias, mas que mesmo assi

    acredito ser verdadeira: o teatro e a teatralidade hoje esto em guerra no apenas com a pintura modernista (ou com a pintura

    a escultura modernistas), mas com a arte em si mesma e na medida em que as diferentes artes podem ser descritas com

    modernistas, com a sensibilidade modernista em si mesma. Essa afirmao pode ser dividida em trs proposies ou teses:

    1) O sucesso, at mesmo a sobrevivncia das artes, tem passado crescentemente a depender de sua habilidade em eliminar

    teatro. Talvez seja no interior do prprio teatro, mais do que em qualquer outro lugar, que isso se torne mais evidente, onde

    necessidade de eliminar aquilo que venho chamando de teatro fez-se sentir sobretudo como a necessidade de estabelecer um

    relao drasticamente diferente com sua audincia. (Aqui os textos relevantes so, naturalmente, Brecht e Artaud17). Pois

    teatro temuma audincia ele existeparauma de um modo que outras artes no tm; de fato, isso mais do que qualqu

    outra coisa o que a sensibilidade modernista considera intolervel no teatro em geral. Deve-se assinalar aqui que a ar

    literalista possui, ela tambm, uma audincia, ainda que essa seja de algum modo especial: o fato de o observador s

    confrontado pelo trabalho literalista em uma situao que ele experimenta como suasignifica que h um sentido importante e

    que o trabalho em questo existe exclusivamentepara ele, mesmo que ele no esteja sozinho com o trabalho naquele moment

    Pode parecer paradoxal afirmar que a sensibilidade literalista ao mesmo tempo aspira a um ideal de algo que todo mundo pod

    compreender (Smith) eque a arte literalista se dirige exclusivamente ao observador, mas o paradoxo apenas aparente. Bas

    a algum entrar na sala em que o trabalho literalista foi colocado para que se torneo observador, uma audincia de um s

    17A necessidade de buscar uma nova relao com o espectador, que Brecht sentiu e discutiu vrias vezes em seus escritos sobre teatro, nresultava simplesmente de seu marxismo. Pelo contrrio, sua descoberta de Marx parece ter sido em parte a descoberta daquilo que deverser aquela relao, do que poderia significar: Quando li O Capitalde Marx eu entendi minhas peas. Naturalmente que quero ver este livtendo ampla circulao. claro que no se tratava de achar que eu havia escrito toda uma pilha de peas marxistas inconscientemente; messe homem Marx era o nico espectador de minhas peas que eu eventualmente poderia encontrar. (Brecht on Theater, editado e traduzipor John Willett, Nova York, 1964: 23-24).

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    quase como se o trabalho em questo o esperasse. E na medida em que o trabalho literalista dependedo observador, que

    incompletosem ele, o trabalho o estavaesperando. E uma vez dentro da sala, o trabalho se recusa, obstinadamente, a deix-

    sozinho o que equivale a dizer, o trabalho se recusa a parar de se confrontar com o observador, de distanci-lo, de isol-lo (

    isolamento no uma solido assim como tal confrontao no uma comunho).

    A dominao do teatro o que a sensibilidade modernista considera de mais elevado e que ela experimenta como sendo

    marca da grande arte de nosso tempo. No entanto, h uma arte que, por sua prpria natureza, escapainteiramente ao teatro

    cinema.18Isso ajuda a explicar por que os filmes em geral, at os mais francamente ruins, so aceitveis para a sensibilidadmodernista, ao passo que quase a maior parte da produo de pintura, escultura, msica e poesia de sucesso no . Porque

    cinema escapa ao teatro automaticamente, por assim dizer ele oferece um desejvel e absorvente refgio para

    sensibilidades que esto em guerra com o teatro e a teatralidade. Ao mesmo tempo, o carter automtico e garantido do refg

    mais precisamente, o fato de que aquilo que se oferece um refgio do teatro e no um triunfo sobre ele, sua absoro e n

    sua condenao significa que o cinema, mesmo o mais experimental, no uma arte modernista.

    2) A arte entra em degenerao medida que se aproxima da condio de teatro. O teatro o denominador comum q

    conjuga uma variedade de atividades aparentemente incompatveis, e isso o que distingue aquelas atividades das iniciativ

    radicalmente diferentes das artes modernistas. Aqui como em todo lugar a questo do valor ou do nvel central. Por exempl

    deixar de registrar a enorme diferena de qualidade entre, digamos, a msica de Carter e a de Cage ou entre as pinturas d

    Louis e as de Rauschenberg significa que as distines reais entre msica e teatro em primeiro lugar, e entre pintura e teatr

    em segundo esto sendo deslocadas pela iluso de que as barreiras entre as artes estariam em processo de desmoronamen

    (Cage e Rauschenberg sendo, corretamente, considerados similares) e que as artes elas mesmas estariam finalmen

    caminhando na direo de alguma espcie de sntese final, implosiva, e imensamente desejvel 19. Ao passo que as art

    individuais nunca estiveram de fato explicitamente preocupadas com as convenes que constituem suas respectivas essncia

    3) Os conceitos de qualidade e valor e na medida em que eles so centrais para a arte, o prprio conceito de arte s s

    significativos, ou totalmente significativos, no interiordas artes individuais. Aquilo que se encontra entreas artes o teatro.

    revelador, penso eu, que em suas vrias afirmaes os literalistas tenham em geral evitado a questo do valor ou qualidade a

    mesmo tempo que tm mostrado considervel incerteza sobre se aquilo que esto produzindo ou no arte. Descrever seu

    empreendimentos como uma tentativa de estabelecer uma arte novano afasta a incerteza; no mximo, aponta para sua caus

    O prprio Judd no fez muito mais do que indicar o carter problemtico do empreendimento literalista com sua afirmao u

    trabalho s precisa ser interessante. Para Judd, assim como para a sensibilidade literalista em geral, tudo o que importa s

    um determinado trabalho ou no capaz de invocar ou manter (seu) interesse. Enquanto na arte modernista nada alm

    18 Como exatamente o cinema escapa ao teatro uma bela questo, e no h dvidas de que uma fenomenologia do cinema que sconcentrasse nas similaridades entre ele e o teatro por exemplo, que no cinema os atores no esto fisicamente presentes, o prprio filmeprojetado longede ns, a tela no experimentada como uma espcie de objeto existindo, por assim dizer, em uma relao fsica conoscetc. seria extremamente gratificante. Cavell, mais uma vez numa conversa, chamou ateno para o tipo de lembranaque ocorre quandofaz um relato de um filme e, mais em geral, para a natureza das dificuldades envolvidas quando se faz esse tipo de relato.19

    Essa a viso de Susan Sontag, cujos diversos ensaios, reunidos emAgainst Interpretation, constituem talvez a mais pura certamentemais flagrante expresso daquilo que venho chamando de sensibilidade teatral na produo crtica recente. Neste sentido, eles so de faestudos de caso de uma esttica, uma teoria da minha prpria personalidade, como ela pretende que sejam. Em uma passagecaracterstica, a Sra. Sontag argumenta:

    A arte hoje um novo tipo de instrumento, um instrumento para modificar a conscincia e para organizar novas modalidades dsensibilidade. E os meios para a prtica da arte foram radicalmente ampliados Os pintores no se sentem mais confinados tela etinta, e utilizam plos, fotografia, cera, areia, pneus de bicicleta, suas prprias escovas de dente, e meias Todos os tipos de limitconvencionalmente aceitos foram assim desafiados: no apenas aquele entre a cultura cientfica e a artstico-literria, ou aquela entarte e no-arte; mas tambm muitas das distines estabelecidas no prprio mundo da cultura entre forma e contedo, o frvolo esrio, e (uma favorita entre os intelectuais das letras) alta e baixa cultura. (pp296-97).

    A verdade que a distino entre o frvolo e o srio a cada dia se torna mais urgente, mesmo absoluta, e as atividades das artes modernistse tornam mais puramente motivadas pela necessidade de perpetuar os padres e valores da alta arte do passado.

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    convico especificamente, a convico de que uma dada pintura ou escultura ou poema ou pea musical pode ou no resist

    comparao com trabalhos do passado de inquestionvel qualidade no mbito daquela arte realmente importa. (O trabalh

    literalista freqentemente condenado quando condenado por ser entediante. Uma acusao mais pesada seria a de qu

    ele apenas interessante).

    O interesse de um determinado trabalho reside, na opinio de Judd, tanto em seu carter como um todo quanto na pur

    especificidadedos materiais com que ele feito:

    A maior parte dos trabalhos envolve novos materiais, sejam invenes recentes ou coisas nunca antes utilizadas em art

    Os materiais variam muito e so simplesmente materiais frmica, alumnio, laminados de ao, acrlico, lat

    vermelho ou comum, e assim por diante. So especficos. Se so utilizados diretamente, so mais especficos. S

    tambm usualmente agressivos. H uma objetividade na identidade inflexvel de um material.

    Como a forma do objeto, os materiais no representam, significam ou aludem a coisa nenhuma; so o que so e mais nada. E

    que so no , estritamente, algo que seja percebido, ou intudo, ou reconhecido, ou mesmo visto de uma vez por todas. A

    contrrio, a identidade inflexvel de um determinado material, assim como a inteireza da forma, simplesmente afirmada

    dada, ou estabelecida j desde o incio, quando no antes do incio; correspondentemente, a experincia de ambas d

    infinitude, de inexaustividade, de sua capacidade de continuar indefinidamente, deixando, por exemplo, que o material em

    confronte o indivduo em toda sua literalidade, sua objetividade, sua ausncia de qualquer coisa que no seja ele mesmo. D

    modo similar, Morris escreveu:

    caracterstico de uma Gestaltque, uma vez estabelecida, toda a informao a seu respeito, qua Gestalt, esgotad

    (No se procura, por exemplo, a Gestaltde uma Gestalt.) Est-se ao mesmo tempo livre da forma e ligado a ela. Liv

    ou desobrigado por causa da exausto da informao a seu respeito, como forma, e ligado a ela porque ela permanec

    constante e indivisvel.

    Tony Smith bate nessa mesma tecla em uma afirmao da qual j citei a primeira frase:

    Estou interessado na inescrutabilidade e no mistrio da coisa. Qualquer coisa de bvio que se possa julgar por su

    aparncia (como uma mquina de lavar ou uma bomba dgua) no mais de interesse. Um pote de loua Benningto

    por exemplo, tem uma sutileza cromtica, uma grandeza de forma, uma sugesto geral de substncia, generosidade,

    tranqilo e confortante qualidades que o conduzem para alm da mera utilidade. Ele segue nos informando mais

    sempre mais. No podemos v-lo num segundo, continuamos a l-lo. H algo de absurdo no fato de voc poder retorn

    a um cubo desta mesma maneira.

    Como os Objetos Especficos de Judd e a Gestaltou as formas unitrias de Morris, o cubo de Smith semprede ma

    interesse; nunca se sente ter chegado a seu fim; ele interminvel. Interminvel, entretanto, no por causa de sua plenitude

    essa a interminabilidade da arte mas porque no h nada ali para terminar. Ele interminvel tal como uma estrada poder

    ser: se fosse circular, por exemplo.

    A interminabilidade, a possibilidade de seguir-se mais e sempre mais, mesmo de ter-se que seguir mais e mais, central tant

    para o conceito de interesse quanto para o de objetidade. De fato, parece ser essa a experincia que mais profundamente exci

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    a sensibilidade literalista, e que os artistas literalistas procuram objetivar em seus trabalhos por exemplo, pela repetio

    unidades idnticas (uma coisa depois da outra, como em Judd), o que implica que as unidades em questo poderiam s

    multiplicadas ad infinitum20. O relato de Smith de sua experincia na estrada em construo registra esse excitamento qua

    explicitamente. Similarmente, a afirmao de Morris de que no novo trabalho de melhor qualidade o observador levado

    tomar conscincia de que ele mesmo est estabelecendo relaes ao apreender o objeto de vrias posies e sob condi

    variveis de luz e de contexto espacial equivale a dizer que o observador levado a tomar conscincia da interminabilidade

    inesgotabilidade, seno do prprio objeto, de qualquer modo de sua experincia do objeto. Essa conscincia mais aindexacerbada por aquilo que se poderia chamar de inclusividadede sua situao, isto , pelo fato, assinalado acima, de que tud

    que ele observa conta como parte daquela situao, e conseqentemente parece influir de uma maneira que permanec

    indefinida sobre sua experincia do objeto.

    Aqui, quero finalmente enfatizar algo que j pode ter ficado evidente: a experincia em questo persiste no tempo, e

    apresentao da interminabilidade que, como venho afirmando, central para a arte e para a teoria literalistas essencialmen

    a apresentao de uma interminvel, ou indefinida, durao. Mais uma vez o relato de Smith de seu passeio noturno

    relevante, tanto quanto sua declarao No podemos v-lo [isto , o pote e, por extenso, o cubo] num segundo, continuam

    a l-lo. Morris, ele tambm, afirmou explicitamente A experincia do trabalho existe necessariamente no tempo embo

    no fizesse diferena se ele no tivesse feito tal afirmao. A preocupao literalista com o tempo mais precisamente, com

    durao da experincia , eu sugeriria, paradigmaticamente teatral: como se o teatro confrontasse o espectador e, des

    modo, o isolasse, com a interminabilidade no apenas da objetidade mas tambm a do tempo; ou como se o sentido que, n

    fundo, o teatro promove fosse um sentido de temporalidade, do tempo presente tanto quanto futuro, simultaneamente

    aproximando e recuando, como se apreendido em uma perspectiva infinita Essa preocupao marca uma profunda diferen

    entre o trabalho literalista e a pintura e a escultura modernistas. como se a experincia que se tem destas ltimas no tives

    durao no porque de fatono se experimenta uma pintura de Noland ou de Olistski ou uma escultura de David Smith ou

    Caro em momento algum, mas porque a todo momento o prprio trabalho se faz totalmente manifesto. (Isso se aplica

    escultura apesar do fato bvio de que, sendo tridimensional, a escultura pode ser vista de um nmero infinito de pontos d

    vista. A experincia que se tem de uma escultura de Caro no incompleta, e a convico que se tem de sua qualidade no

    suspensa, simplesmente porque a escultura est sendo vista apenas do lugar ocupado pelo observador. Alm disso, diante d

    seus melhores trabalhos, a viso que se tem da escultura , por assim dizer, eclipsadapela prpria escultura da qual no f

    nenhum sentido dizer que estaria apenasparcialmentepresente). essa presentidade contnua e inteira, que equivale, por assi

    dizer, a uma perptua criao de si mesma, que se experimenta como uma espcie de instantaneidade: como se, para algu

    infinitamente mais perspicaz, um nico instante infinitamente breve fosse suficientemente longo para que ele tudo visse, pa

    que ele experimentasse o trabalho em toda sua profundidade e plenitude, para que ele fosse para sempre por ela convencid

    (Aqui, vale a pena notar que o conceito de interesse implica uma temporalidade na forma de uma ateno continuamen

    dirigida ao objeto, ao passo que o conceito de convico no o faz). Quero afirmar que devido a sua presentidade

    instantaneidade que a pintura e a escultura modernistas eliminam o teatro. De fato, e para alm dos limites de meu

    conhecimentos, sou tentado a sugerir que, em face da necessidade de eliminar o teatro, acima de tudo condio da pintura

    20 Isto , o nmero realdessas unidades em um determinado trabalho percebido como sendo arbitrrio, e a pea em si apesar dpreocupao literalista com formas inteiras vista como um fragmento, ou recortada, de algo infinitamente maior. Essa uma das maimportantes diferenas entre o trabalho literalista e a pintura modernista, que se fez responsvel por seus limites fsicos como nunanteriormente. As pinturas de Noland e de Olistski so dois exemplos bvios, e diferentes, desse caso. tambm nesse sentido queimportncia das bandas pintadas em volta e no topo deBunga, a escultura de Olistski, torna-se evidente.

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    da escultura condio, vale dizer, de existir em, mesmo a de produzir ou constituir, um contnuo e perptuopresente que

    demais artes modernistas contemporneas, principalmente a poesia e a msica, aspiram.21

    VIII

    Este ensaio ser lido como um ataque a certos artistas (e crticos) e como uma defesa de outros. E certamente verdade que

    desejo de distinguir entre o que para mim a autntica arte de nosso tempo e um outro trabalho, o qual, independentemente

    dedicao, paixo e inteligncia de seus criadores, me parece compartilhar certas caractersticas aqui associadas com conceitos de literalismo e teatro, em grande parte motivou o que escrevi. Nestas ltimas sentenas, entretanto, eu gostaria d

    chamar ateno para a total ubiqidade a virtual universalidade da sensibilidade ou modo de ser que caracterizei com

    corrupta ou pervertida pelo teatro. Somos todos literalistas durante a maior parte de nossa vida, ou toda ela. Presentidade

    graa.

    traduo Milton Machado

    publicado emArte & Ensaios#9PPGAV-EBA/UFRJ

    Rio de Janeiro 2002

    21O que isso vai significar em cada arte ser naturalmente diferente. A situao da msica, por exemplo, especialmente difcil, uma vez qa msica compartilha com o teatro a conveno, se posso cham-la assim, da durao uma conveno que, acho eu, vem-se tornando emesma cada vez mais teatral. Alm disso, as circunstncias fsicasde um concerto so bastante semelhantes s de uma performanceteatrPode ter sido o desejo de algo como uma presentidade o que, pelo menos em parte, levou Brecht a defender um teatro no ilusionista, em qua iluminao do cenrio, por exemplo, seria visvel pela audincia, em que os atores no se identificariam com as personagens qrepresentam para em vez disso apresent-las, e em que a prpria temporalidade seria apresentada de uma nova maneira:

    Da mesma maneira que o ator no precisa mais persuadir a audincia de que quem est no palco a personagem criada pelo autorno ele prprio, ele tambm no precisa fingir que as aes que ali se passam nunca foram ensaiadas, e que estariam acontecendo pela primeira e nica vez. A distino proposta por Schiller no tem mais validade: que o rapsodista teria que tratar seu material com

    algo que ocorreu absolutamente no passado: cabe-lhe a pardia, absolutamente aqui e agora. Deveria ficar evidente durante toda sperformanceque mesmo no comeo e no meio ele sabe como ela vai terminar, da que ele deve manter sua independncia e sutranqilidade do incio ao fim. Ele narra a estria de sua personagem por meio de um retrato vivo, sabendo sempre mais do que esabe, e tratando o agora e o aqui no como uma farsa possibilitada pelas regras do jogo, mas como algo que diferente do ontemde outro lugar, de modo a tornar visvel o encadeamento dos eventos. (194)

    Mas, da mesma forma que a iluminao exposta defendida por Brecht se tornou mais uma espcie de mera conveno teatral (a qual, maainda, sempre desempenha um papel importante na apresentao do trabalho literalista, como as imagens da instalao da pea com os secubos de Judd na galeria Dwann podem demonstrar), no fica claro se a manipulao do tempo que Brecht reivindica equivaleria a umautntica presentidade ou, simplesmente, a outra modalidade de presena isto , a uma apresentao do tempo como se fosse ele mesmalgum tipo de objeto literalista. Na poesia, a necessidade de presentidade se manifesta no poema lrico; esse tema demandaria tratamenespecial.Para discusses sobre o teatro relevantes para este texto, ver o ensaio Ending the Waiting Game, sobre End-Game, de Beckett, e T

    Avoidance of Love: a Reading of King Lear, ambosde Cavell, a serem publicados emMust We Mean What We Say?16