fotografia panorÂmica multimÍdia: de robert … · panorâmico surgiu de produção independente...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS AUDIOVISUAIS E MULTIMÍDIA EDSON DAS CHAGAS JUNIOR FOTOGRAFIA PANORÂMICA MULTIMÍDIA: DE ROBERT BARKER AO FOTÓGRAFO PANORAMISTA - INVESTIGANDO A PRÁXIS E AS APLICAÇÕES DO DISPOSITIVO VITÓRIA – ES 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGENS AUDIOVISUAIS E MULTIMÍDIA

EDSON DAS CHAGAS JUNIOR

FOTOGRAFIA PANORÂMICA MULTIMÍDIA: DE ROBERT BARKER AO FOTÓGRAFO PANORAMISTA -

INVESTIGANDO A PRÁXIS E AS APLICAÇÕES DO DISPOSITIVO

VITÓRIA – ES 2010

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EDSON DAS CHAGAS JUNIOR

FOTOGRAFIA PANORÂMICA MULTIMÍDIA: DE ROBERT BARKER AO FOTÓGRAFO PANORAMISTA -

INVESTIGANDO A PRÁXIS E AS APLICAÇÕES DO DISPOSITIVO

Monografia apresentada à Pós-Graduação em Linguagens Audiovisuais e Multimídia do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Linguagens Audiovisuais e Multimídia. Orientador: Prof. Dr. Fabio Malini

VITÓRIA – ES 2010

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EDSON DAS CHAGAS JUNIOR

FOTOGRAFIA PANORÂMICA MULTIMÍDIA: DE ROBERT BARKER AO FOTÓGRAFO PANORAMISTA -

INVESTIGANDO A PRÁXIS E AS APLICAÇÕES DO DISPOSITIVO

Monografia apresentada à Pós-Graduação em Linguagens Audiovisuais e Multimídia do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Linguagens Audiovisuais e Multimídia.

Aprovada em 16 de março de 2010.

COMISSÃO EXAMINADORA ________________________________ Prof. Dr. Fabio Malini Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

________________________________

Prof. Ms. Fabio Goveia Universidade Federal do Espírito Santo

________________________________

Prof.a Ms. Rosane Zanotti Universidade Federal do Espírito Santo

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Para Mila, minha filha

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AGRADECIMENTOS

Aos professores e professoras que criaram

o curso e/ou ministraram suas aulas.

A Rede Gazeta que apoiou o meu interesse

em fazer essa pós-graduação.

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RESUMO

Reflexão sobre a criação, exibição e utilização da fotografia panorâmica

multimídia, pesquisa fundamentada em consultas bibliográficas e na produção

técnica do autor que dá suporte a investigação da práxis da foto 360 graus.

Trabalho acadêmico que apresenta a origem histórica do panorama, no século

XIIIV, a função e as características do aparelho Panorama criado por Robert

Barker, um dispositivo que proporcionava a imersão total do observador na

representação imagética. No início do século XIX, a atração de fotógrafos por

um formato alongado revela os primeiros profissionais da fotografia a usar o

panorama como forma de expressão. Adiante, já no final do século XX, o

surgimento da microinformática faz eclodir uma realidade virtual que é só

numérica, e a fotografia se apropria dessa nova estrutura, a digital, para

extrapolar ainda mais a forma tradicional podendo agora ser fotografia esférica,

nosso objeto de estudo. A investigação encontra o interator com o um conceito

de usuário ativo, de receptor da imagem digital trazida pelo ciberespaço, que

irá agir com o mouse para imergir no panorama e explorar suas

potencialidades. A frente, o trabalho reflete sobre a construção de fotos 360

graus, o “gesto” do panoramista para escolher seus assuntos, suas pré-

decisões que irão favorecer a construção de um novo formato, permitido pelo

computador, o laboratório que abre ao incremento de vídeo e áudio, o condutor

que permite a reprodutibilidade dos panoramas virtuais.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 2. O PANORAMA, SUA ORIGEM E FUNÇÃO 3. A VIRTUALIDADE E OS PANORAMAS 4. INTERMEZZO

5. IMERSÃO E INTERAÇÃO NOS PANORAMAS VIRTUAIS 6. DESMONTANDO A FOTO 360 7. APLICAÇÕES E USOS 8. CONCLUSÕES

9. REFERÊNCIAS

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1. INTRODUÇÃO

A fotografia era outra vinte anos atrás quando na minha casa o banheiro se

servia de laboratório fotográfico improvisado para revelações de filmes e

papéis preto e branco. A espera mágica para ver a imagem latente do filme

surgir e depois ser revelada num papel foi aposentada com o surgimento da

fotografia digital. Hoje a magia está na possibilidade de construção de novos

formatos fotográficos utilizando o computador como o laboratório, é um outro

momento tecnológico. A fotografia contemporânea está presente em

superfícies de representação mais envolventes e com mais complexidades

técnicas que sua precedente, como na fotografia panorâmica multimídia,

objeto de estudo desse trabalho.

A motivação para concentrar atenção sobre a fotografia em formato

panorâmico surgiu de produção independente nos últimos 28 meses que

resultou em vários trabalhos hospedados no endereço virtual

http://www.foto360.com.br, todavia para esse trabalho acadêmico apenas

alguns exemplos que receberam áudio ou vídeo, portanto multimídia, estão

sendo considerados para reflexão sobre a práxis do dispositivo. Um estudo

que se fundamenta na experiência prática com a fotografia tradicional, a

retangular, comumente impressa em jornais e revistas, no exercício de

construção e observação de fotografias panorâmicas, o formato esférico que

será tratado aqui, e em pesquisa bibliográfica em autores importantes como

Philippe Dubois, Walter Benjamin, Boris Kossoy, Vilém Flusser e Arlindo

Machado. Aos objetos de estudo foi depositada atenção comparativa de sua

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funcionalidade, tanto no aspecto construtivo quanto no receptivo, com o

cinema e principalmente com a fotografia tradicional.

O trabalho está dividido em oito capítulos. Inicia com essa introdução

(Capítulo 1) e continua descrevendo o original Panorama de Robert Barker

(Capítulo 2) e seu potencial imersivo, desenvolvido no século XVIII e bem

estudado por Margareth da Silva Pereira, Philippe Dubois e André Parente.

Segue para investigar a questão da virtualidade (Capítulo 3) com os autores

Lucia Santaella e Fabio Malini, e identifica que o virtual não está em relação de

antagonismo com o real, mas sim com o atual. Após compreensão de

aspectos do ciberespaço e da realidade virtual no segundo capítulo, o trabalho

oferece uma pausa ao leitor com o Intermezzo (Capítulo 4) para que ele possa

criar intimidade com os objetos de estudo. Na sequência desse tempo, os

panoramas fotográficos são investigados em seus aspectos imersivos e

interativos (Capítulo 5), com as autoras Lucia Santaella e Katia Maciel, quando

se observa que é o mouse que permite a relação do usuário com a

programação pré-estabelecida para a foto 360, e é a partir dele que se

constitui a interação, e esta será base para a imersão na esfera fotográfica. A

sucessão vem observar fases pré e pós construção da foto 360 (Capítulo 6), e

aqui se destacam semelhanças e diferenças do fora-de-campo na comparação

entre a fotografia panorâmica esférica, cinema e fotografia tradicional sob

ajuda dos autores Carla Rose, Boris Kossoy, Philippe Dubois, Arlindo

Machado e André Parente. Algumas aplicações e usos (Capítulo 7) possíveis

para a fotografia panorâmica e uma análise sobre nossos objetos são

desenvolvidas nesses capítulos que precede a conclusão (Capítulo 8) e a

bibliografia pesquisada (Capítulo 9).

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2. O PANORAMA, SUA ORIGEM E FUNÇÃO

Foi o pintor escocês-irlandês Robert Barker que em 1787 criou o termo

Panorama - vocábulo formado por termos do grego "pan", que significa total, e

"orama" que significa vista – dando nome ao aparelho que ele inventou para

apresentar sua pintura da cidade de Edimburgo - Escócia1. No invento, o

visitante seguia por corredores escuros, subia até o centro de enormes

rotundas iluminadas por clarabóias e alcançava um mirante interno de onde

visualizava a tela cilíndrica estendida na extremidade interna do edifício,

formando 360 graus em torno do espectador. Dentro da estrutura, a pessoa

ficava imersa no cilindro formado pela tela, selecionava os seus

enquadramentos visuais na pintura, que estava fixa, com movimentos rotativos

do seu corpo. Devido ao jogo de escuros e claros que o visitante era submetido

até alcançar vistas da pintura, um ambiente preparado para antecipar o

visitante a imersão, Pereira2 considera que "o panorama é um aparato que

incitava a um sentimento de desorientação que preparava à uma experiência

contemplativa de ‘revelação’ ". No projeto de Barker os visitantes precisavam

ser dinâmicos no corpo físico para subirem, andarem e descerem as escadas,

interagirem com a estrutura de representação.

A enorme tela circular pintada com representação de paisagens forçava o

observador a acreditar que ele estava no local representado, ampliando a

sensação de imersão. André Parente, brasileiro que pesquisa sobre o tema,

1 PEREIRA, Margareth da Silva. O olhar panorâmico: a construção da cidade como experiência e objeto de conhecimento (1800-1830). Disponível em <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/rua/article/view/3182/2290>. Acesso em 1 fev. 2010. 2 Ibid. p. 142.

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reforça o pioneirismo afirmando que "o panorama é o primeiro dispositivo

imagético de comunicação de massa a proporcionar uma imersividade total” 3.

Prossegue acrescentando que "o objetivo primordial, do Panorama, é

transportar o espectador no espaço e no tempo, trazendo-o para dentro da

imagem” 4, simulando a sensação de estar no local onde as imagens foram

captadas ao proporcionar imersão real nas obras visuais. O aparelho de Barker

visava também a exposição, a publicidade de pinturas para grande número de

pessoas ao instalar-se em importantes cidades como Londres, atingindo os

limites de quantidade de visitantes próprios da época, uma característica que

provoca em Dubois 5 a chamar o dispositivo de Benjaminiano, numa referência

a Walter Benjamin6. Isso porque Benjamin descrevia a cultura de massa mais

como uma experiência de uso do que de contemplação dos objetos culturais.

O espectador estava submetido a uma programação de exibição que

determinava a distância de observação e o ponto de vista das pinturas. Como

as imagens não representavam o céu e o chão, uma fuga do olhar para cima

ou para baixo quebraria a ilusão de presença no ambiente representado na

pintura. E é o movimento de sua cabeça, de seu corpo, que vai fazer o giro

para completar, em seu aparelho ótico, a imagem cilíndrica exibida no

Panorama. O enquadramento era determinado pelo olhar, que selecionava o

3 PARENTE, André. A arte do observador. (1999). Disponível em <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/3058/2336>. Acesso em 12 dez. 2008, p. 125. 4 Id. A forma cinema: variações e rupturas. In: MACIEL, Katia (Org.). Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009, p.35. 5 DUBOIS, Philippe. A fotografia panorâmica ou quando a fotografia fixa faz encenação. In: SAMAIN, Etienne (Org.). O Fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998. 6 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 6. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1993. Vol. 1. (Obras Escolhidas).

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que ver na pintura, e também pela estrutura do aparelho, como salientou

Dubois 7: "O Panorama engaja o espectador num impressionante dispositivo

espaço-temporal, que mistura arquitetura, teatro, pintura, ilusão ótica,

iluminação, etc., do qual ele mesmo torna-se o ponto-eixo essencial”.

O golpe de perspectiva da pintura e o detalhe da iluminação que oferecia uma

vista do escuro para o claro davam aos registros a ilusão de estar no mesmo

lugar onde esteve o pintor.

Foto 01: Corte transversal do Panorama de Leicester Square, 1801, 11 metros de altura e 26 metros de diâmetro. Fonte: <http://www.lateralart.com/2009/01/robert-barkers-panorama-a-room-with-a-view/>

Dubois 8 ainda salienta que a trajetória física do espectador dentro da estrutura

é a mola do Panorama, é o que lhe dá sentido, e nessa trajetória física, que

7 Ibid, 1998, p. 215. 8 Ibid, 1998.

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corresponde ao movimento do corpo e da visão para perceber a imagem, se

inscreve um tempo, uma duração.

Em todos os casos, o espectador não pode ver tudo de uma vez: o espaço lateral (a extensão) da obra equivale estritamente a um tempo (uma duração) da visão. Claro que em toda a percepção da imagem (qualquer quadro ou fotografia corriqueira), o olho executa um percurso, uma leitura, com seus pontos de fixação, seu vaivém, suas pausas e sua velocidade relativa, mas no panorama esta trajetória implícita se torna física, ela é a própria mola do dispositivo, sua matéria específica: a duração da leitura transforma-se literalmente em uma extensão mural, e vice-versa9.

Foi o momento histórico que deu condições para que Robert Barker executasse

seu projeto do Panorama, estando na Europa, onde a civilização se

apresentava mais desenvolvida, conseguiu financiamento para o que seria uma

sensação em experiência imersiva.

Um gigantesco dispositivo imagético de comunicação de massa [...] que dominou a Europa ao longo do século XIX. [...] um tipo de pintura mural construída [...] de forma a criar a imersão dos expectadores no universo representado pela pintura, como se eles tivessem diante dos próprios acontecimentos10.

O aparelho criado pelo irlandês é o ábaco da representação por imersão em

imagens, o termo panorama pressupõe o conceito de imersivo, a imersão está

impregnada em sua origem, panorama é imersão.

Ainda no início do século XIX, graças a Joseph Nicephore Niépce, a primeira

pessoa a gravar uma verdadeira fotografia (1826), Hércules Florence que

descobriu isoladamente a fotografia na Brasil (1833) e primeiro a escrever a

palavra Photographie - suas pesquisas não se tornaram públicas -, Louis

9 Ibid, 1998, p. 219. 10 PARENTE, 2009, op. cit., p. 34

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Jacques Mandé Daguerre que patenteou seu Daguerreótipo na Academia de

Ciências de Paris (1839), e Willian Fox Talbot que utilizava método semelhante

ao de Daguerre e Niépce para gravar imagens11, fotógrafos conhecidos,

“Baldus, Negre, Ducamp, irmãos Bisson, Le Secq, Poitevin, Le Gray, Talbot,

Braun, Beato, Bourne, etc,”12 daquele século, rompem o retângulo clássico

herdado das belas artes para representar os seus mundos com vistas

horizontalizadas, todavia sem o giro de 360 graus, impressas em folhas de

papel fotográfico. Os "fotógrafos abrem o quadro fotográfico tradicional,

esticam-no, estendem-no, já que se tratava de ultrapassar os limites

ressentidos como demasiadamente estreitos e encerrados"13.

Até 1860 o "panorama fotográfico vai conhecer a maior fase de sua histórica"14,

e será utilizado por fotógrafos que registravam paisagens, monumentos,

montanha, cidades, etc.15.

Foto 02: fotografia panorâmica “La Voulte” de Eduard Baldus, 1861 Fonte: http://www.leegallery.com/

Muitas experiências se seguiram na construção de visões fotográficas 11 FOTOGRAFIA. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotografia>. Acesso em 5 fev. 2010. 12 DUBOIS, 1998, op. cit., p. 222. 13 Ibid, 1998, p. 223. 14 Ibid, 1998, p. 222. 15 Ibid, 1998.

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horizontalizadas, e antecedendo essas imagens, ou em conseqüência delas,

vários aparelhos, câmeras que rompem o formato limitado pela objetiva, foram

desenvolvidas para facilitar os registros. Dubois 16 cita como exemplos de

aparelhos do século XIX o Megascópio, que inscrevia, com o movimento

giratório da objetiva, a projeção da imagem num suporte fixo, mas curvado

acompanhando a simetria da rotação da lente. E o Ciclógrafo, que promovia

um giro total, 360 graus, do corpo da câmera gravando toda a continuidade do

movimento sobre a mesma película.

No final do século XX, com o surgimento da fotografia digital, o glamour da

imagem impressa em papel conquistado pela fotografia analógica entra em

declínio e abre espaço para novos formatos e meios de popularização da

fotografia. Em 1991 a Apple Computadores lança o QuickTime, um software

capaz de manipular vários conteúdos multimídia, para em 1994 apresentar o

QuickTime VR (do inglês virtual reality / realidade virtual - também conhecido

como QTVR), que permitia a criação e visualização

de Panoramas cilíndricos capturados fotograficamente. Em 2000 a Apple inova

com o software Cubic QTVR QuickTime para construção de panoramas

fotográficos esféricos, e nasce aqui a fotografia panorâmica esférica. A idéia

básica era que agora o fotógrafo poderia construir panorâmicas com 360 graus

unindo várias imagens, usando o computador ao invés câmeras especiais17. O

formato esférico terá sobre o cilíndrico a vantagem de visualização vertical,

para cima e para baixo, podendo representar o céu e a terra, o teto e chão,

16 Ibid, 1998, p. 224. 17 Sobre isso, ver mais em: QUICKTIME. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/QuickTime>. Acesso em 5 jan. 2010 e NYBERG, Hans. Panorama. Disponível em: <http://panoramas.dk/panorama/index.html>. Acesso em 5 jan. 2010.

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zenit e nadir. Rodolfo Pajuaba18, fotógrafo panoramista brasileiro, em seu blog

ordena o surgimento dos programas de montagem e exibição de imagens

esféricas apontando a seguinte seqüência: Apple

QuickTime, PTViewer, Panotools, Photovista.

No site panoramas.dk19, seu criador Hans Nyberg, fotógrafo comercial

dinamarquês, atribui duas nomenclaturas para as imagens fotográficas

esféricas: VR Photography ( virtual reality photography), expressão que ele

considera como a mais conhecida entre o público em geral, consideração que

veremos um sentido se lembrarmos que o primeiro programa de montagem e

visualização de panoramas se chamava QuickTime VR. Também atribui o

nome de Interactive Panoramas, utilizando o termo criado por Robert Barker

para os dispositivos e lhe acrescentando, já no nome, a possibilidade de

interatividade.

18 PAJUABA, Rodolfo. Teste de players de panorâmicas. Disponível em:<http://pajuaba.com.br/panoblog/?p=25>. Acesso em 15 nov. 2009. 19 NYBERG, Hans. Panoramas.dk. Disponível em: <http://panoramas.dk/about-nyberg.html>. Acesso em 5 jan. 2010.

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3. A VIRTUALIDADE E OS PANORAMAS

Desmembrando a nomenclatura VR Photography apresentada por Hans

Nyberg, compreende-se o virtual como um campo do possível, que não guarda

relação de antagonismo com o real, senão com o atual. É por isso que teóricos

tratam de abordar o virtual como um poder vir a ser, que pode se atualizar ou

não.

O virtual também se expressa como virtualidade. Ao interpretar a obra de

Deleuze, Santaella20 conclui que virtualidade pode ser considerada como

sinônimo de potencialidade.

Muito conhecida ficou a definição que Gilles Deleuze deu de virtual ao se referir a algo que todo objeto leva em si e que não é nem sua realidade, nem meramente o que ele poderia ser, mas sim aquilo que se imagina que ele seja. Assim, virtual reporta-se a um estado potencial que poderia se tornar atual. Não se opõe a real, mas a atual, enquanto o real se opõe ao possível.

Então, na origem, virtual não está necessariamente conectado ao ambiente

computacional, é o momento evolutivo do final do século XX que vai habilitar

novas expressões.

Com o desenvolvimento da computação, o adjetivo "virtual" tornou-se voz corrente e, nesse contexto, significa uma matriz de valores numéricos que, estocados na memória do computador, por meio de cálculos e procedimentos formalizados, permite que execuções indefinidamente variáveis de um modelo sejam executadas21.

20 SANTAELLA, Lucia. As imagens no contexto das estéticas tecnológicas. Disponível em:

<http://www.arte.unb.br/6art/textos/lucia.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2010, p. 3. 21 Ibid, p. 3.

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Fábio Malini22 vai além esclarecendo que

A revolução da microinformática [...] fez eclodir uma realidade virtual cuja existência é somente computacional. A carne virtual é feita de números, uma sequência de bits, na verdade que faz compor imagens, textos, sons, máquinas, comportamentos, programas ou qualquer outra matéria digitalizada.

O computador libertou o virtual da imaginação e o projetou em ambiente

interativo.

Em termos filosóficos, a linguagem computacional acabou por libertar o virtual da “atividade imaginária” da mente para projetá-la num ambiente interativo construído e ativado nas interfaces. [...] O virtual é então apenas um modo de se apreender e perceber o sentido do real23.

É a esse virtual, o computacional, que os panoramas dessa pesquisa se

referem. E nesse contexto tecnológico a Apple Computer encontra espaço para

desenvolver o primeiro programa que permitiria ao fotógrafo construir

fotografias 360 graus sem auxilio de câmeras especiais, se servindo das

potencialidades do computador, um software capaz de simular uma realidade

virtual que Santaella24 define como "sistema informático capaz de criar um

mundo simulado paralelo dentro do qual o usuário tem a impressão de estar". É

o computador que media a relação entre o espectador, que está em seu

ambiente real, e o mundo simulado - no caso desse trabalho uma imagem 360

graus -, é onde fica instalada a oficina, o atelier, o meio de produção,

organização e reprodução das superfícies visuais, o dispositivo25 que fará

moldura para uma existência virtual selecionada por um fotógrafo.

22 MALINI, Fabio. O comunismo das redes: sistema midiático p2p, colaboração em rede e novas políticas de comunicação na internet. (2007). Disponível em: <http://fabiomalini.files.wordpress.com/2007/12/tese-final.pdf>. Acesso em: 1 jan. 2010, p. 159. 23 Ibid, p. 160. 24 SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Palus, 2004, p. 44. 25 AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP: Papirus, 1993, pp. 135-136.

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Com esse precedente chega-se aos panoramas virtuais que motivaram a

investigação desse trabalho, produções técnicas que demandam um

computador conectado a internet para serem visualizadas, estão submetidas a

um conjunto de programações hospedadas no ciberespaço, ambiente onde os

panoramas serão reproduzidos para infinitos receptores, deixando sua

existência única, ou limitada, a discos rígidos de computador e mídias portáteis

(CD, DVD, memórias flash) e multiplicando o potencial de reprodução a uma

existência serial que vai ao encontro do espectador26. O ambiente do

ciberespaço é o todo composto de computadores espalhados pelo planeta, um

universo paralelo ao universo real que vivemos, capaz de ligar usuários em

pontos distantes formando "uma rede ao mesmo tempo física (os próprios

computadores) e lógica (as suas interfaces e códigos), que transforma cada

computador do usuário em um terminal (nó) de uma rede"27.

Para o usuário não fica difícil atingir o ciberespaço, basta que ele conecte-se a

rede e lá ele está. "O ciberespaço é espaço que se abre quando o usuário

conecta-se com a rede"28.

26 BENJAMIN, op. cit. 27 MALINI, op. cit., p. 161. 28 SANTAELLA, 2004, op. cit., p. 45.

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4. INTERMEZZO

Compreendida essa questão, o leitor desse texto só conseguirá acompanhar as

reflexões seguintes se tiver a sua disposição um computador com acesso a

internet e se dispuser a visitar e explorar os endereços abaixo, entretanto para

facilitar leitura com acompanhamento de páginas virtuais esse trabalho também

está disponível em: http://www.edsonchagas.com/panoramista.pdf

- Uba: http://www.foto360.com.br/uba.html

- Bacutia: http://www.foto360.com.br/bacutia.html

- Luta: http://www.foto360.com.br/luta.html

- Romariadoshomens: http://www.foto360.com.br/romariadoshomens.html

- Palacioanchieta: http://www.foto360.com.br/palacioanchieta.html

- Gazeta: http://www.foto360.com.br/gazeta/

- Cicloviatrevoufes: http://www.foto360.com.br/cicloviatrevoufes/

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5. IMERSÃO E INTERAÇÃO NOS PANORAMAS VIRTUAIS

Muitas semelhanças se observam entre a fotografia esférica virtual - ou foto

360 - e sua precedente cilíndrica, do Panorama, experiências do século XVIII

que somadas a uma evolução de técnicas e aparelhos associou-se às

linguagens de fotografia, música, voz, som, escrita, códigos matemáticos,

programação de software, vídeo e convergiu nos exemplos estudados aqui e

disponibilizados no ciberespaço. Essas interações de linguagens são

possibilitadas pelo potencial tecnológico concentrado no aparelho computador

que está presente no processo de criação e exibição dos atuais panoramas. "O

computador transformou-se em um laboratório experimental, no qual diferentes

mídias podem se encontrar e suas técnicas e estéticas podem se combinar na

geração de novas espécies signicas"29.

Trata-se da forma digital, que "significa que quaisquer fontes de informação

podem ser homogeneizadas em cadeias de 0 e 1"30.

A linguagem digital permite mesclar fotografias com outras formas de

comunicação construindo novos significados e efeitos que misturam

características de cinema, vídeo, livro acoplados na fotografia. Do outro lado, o

computador difunde essas construções usando a internet que vai abrir em cada

monitor ligado à rede uma janela de recepção e interação com o produto da

mistura dos vários sistemas comunicativos na fotografia panorâmica multimídia.

29 Id. A estética das linguagens líquidas. In: SANTAELLA, Lúcia; ARANTES, Priscila (orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2008a, p. 42. (Coleção Comunicação e Semiótica). 30 Id., 2004, op. cit., p. 38.

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O computador liberta a imagem para expô-la na web livremente, abrindo para

que qualquer usuário possa recebê-la em muitos lugares, ampliando o acesso

a um número infinito de visitantes, que podem experimentar a combinação das

diferentes linguagens.

No mundo virtual, muitos observadores podem estar ao mesmo tempo num

mesmo ambiente trocando sensações oferecidas pela foto 360. Com os leitores

desse texto isso também pode ter ocorrido, terem visitado num mesmo instante

um dos panoramas virtuais sugeridos.

Penetrar na foto 360 não é para o leitor limitado em decifrar letras, mas para

um leitor que saiba decodificar as mesclas com palavras, fotografias, vídeos,

sons. Tampouco do usuário passivo, um mero espectador. A foto 360 necessita

de um interator, um sujeito ativo com o mouse que se deixe imergir na

simulação, que interaja com as propostas do dispositivo, que acione o mouse e

promova sua relação sensorial com a imagem. Do contrário será um usuário-

espectador, passivo, e não poderá mergulhar nas reentrâncias do ambiente

imersivo oferecido, ou um não-usuário que desconhece o que vê surgir no seu

monitor, e poderá inclusive desplugar sua conexão de internet para libertar-se

do estranho. Num sentido mais estreito entende-se interatividade como ação

entre um emissor e um receptor e vice-versa, de forma que ambos podem

trocar de posição, estando num momento emissor e noutro receptor. Nesse

entendimento, quando há interator haverá uma troca entre o usuário e o

computador que irá interferir no tempo da foto 360, nos movimentos da

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imagem31. Mas o interator não se basta, ele precisa estar aparelhado. Um

computador despreparado não terá processador rápido, memória RAM

suficiente, tampouco uma banda larga de conexão com a internet e, fracassará,

não oferecerá ao interator requisitos básicos para a interação/imersão.

Portanto, para um diálogo completo com o ambiente multimídia proposto é

preciso que haja um interator equipado com um aparelho preparado, um

interator/aparelho/conexão que vá ao encontro da programação pré-

estabelecida na foto 360.

No computador a pessoa interage sentada numa cadeira com os olhos na tela

que emite raios luminosos e a mão segura ao mouse. O esforço físico é

insignificante, um leve movimento de dedos no mouse provoca um giro na foto

360 numa velocidade tão grande que no ambiente real nosso corpo não

conseguirá refazer com tal dinâmica, mesmo aplicando muito mais energia do

corpo. Os programas que preexistiram àquela imagem visível no computador, e

determinam toda a exibição sob organização de códigos alfanuméricos, deixam

o usuário imerso numa esfera virtual que extrapola até o espaço visível do

monitor, como se a panorâmica circundasse o interator, saísse da moldura,

alçasse as laterais, por cima e até por baixo do eixo ótico horizontal de sua

visão, todavia, ele só pode ver o trecho que está na tela. Ele não pode ver tudo

de uma vez, os outros espaços ficam ocultos, reservados a outro tempo, outro

momento de visualização. É esse trecho da tela, não o oculto que está por

surgir, que vai dar todo o sentido a imagem esférica, onde a ação determinada

31 MACIEL, Kátia, Transcinemas. In: SANTAELLA, Lúcia; ARANTES, Priscila (orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2008, p. 164. (Coleção Comunicação e Semiótica).

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pelo deslocamento físico do mouse irá ocorrer.

Essa reflexão é válida para o computador pessoal fixo, desktop, com mouse

(mas não mouse de anel ou para telas multi-touch), ligado por fios, ou para um

laptop estacionado sobre mesa e que o usuário prefira o mouse ao trackpad.

Sabe-se que a tecnologia migra para a mobilidade e “segundo os indicadores,

o futuro pertencerá aos portáteis capazes de se comunicar sem fios"32, mas

aqui não toma-se a abrangência de análise da imersão na foto 360 por

celulares como o iPhone ou multifuncionais como iPad33, por exemplo,

considera-se a maioria dos usuários, o universo de quem utiliza, ou já utilizou,

o computador fixo.

Assim como o Panorama que criava um clima imersivo para as pinturas

controlando a luz sobre as telas através de clarabóias, e também o cinema que

só se completa numa sala escura, na sua caverna, na foto 360 a imersão será

naturalmente facilitada se o ambiente em torno da tela do computador não

provocar interferências luminosas sobre a atenção do interator. O jogo

interativo/imersivo se completa eficiente quando o mundo real de quem põe os

olhos na tela estiver pré-disposto com luminosidade branda, para que não haja

competição com a luz emitida pelo monitor, o som do computador estiver ligado

e outro ruído não predominar sobre este, e se o interator estiver na frente da

tela, no centro da imagem esférica. O ponto central da imagem 360 é um

espaço individual que não precisa de cálculos para ser localizado, basta que

pessoa esteja sentada na frente da tela numa distância suficiente para ativar o

32 SANTAELLA, 2004, op. cit., p. 182. 33 Ver em: http://www.apple.com.br

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mouse. O melhor ponto de observação é o central da esfera, na frente da tela,

e não nas laterais ou em cima do monitor.

Isso tudo nos remete ao olhar pela luneta de longa distância, presa a um tripé

estabilizador. Se, com um olho fechado aproximamos o outro do visor e

observamos por alguns minutos um ponto distante escolhido, nos transferimos

para aquele local focado, a nossa imaginação é capaz de sugerir que estamos

lá. Com o ambiente próximo escurecido por uma pálpebra fechada a atenção

de nosso aparelho ótico, e do cérebro, se fecha a centenas de metros na cena

enquadrada. Se abrimos o olho que estava fechado, e que nos deu

sustentação a esse envolvimento, o aparelho ótico mistura as imagens de onde

estamos com as imagens trazidas pela luneta, e a sensação de proximidade

real se distrai em nosso cérebro. Todavia, só nos deixaremos transportar,

imaginaremos que estamos lá, naquele local distante trazido pela ótica da

luneta, se aquilo que vemos afetar os nossos sentidos, se a imagem

aproximada for de nosso interesse, do contrário até mudaremos o

enquadramento da luneta.

Quanto mais os sentidos forem acionados pela superfície imagética mais

atenção o interator dedicará a aquela imersão. E as mesclas de fotografia,

música, som ambiente, vídeo, texto se somam na ativação dos sentidos de

quem recebe a comunicação. É esse jogo que mergulha o homem no

espetáculo imersivo, o seu corpo é o centro da experiência virtual, é nele que

tudo ocorre baseado em suas referências históricas, ligadas a sua relação com

o espaço real e com a representação por imagem, entendendo imagens como

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“superfícies que pretendem representar algo”34. Livre em seu corpo, o interator

pode entrar e sair do ambiente virtual, bastando tirar os olhos da tela ou

comandar com o mouse a mudança de página na internet. É ele e o jogo

programado da imagem que fazem parecer real o que não é. Sua visão ganha

poderes, a tecnologia computacional abre para uma ampliação de imagem,

zoom, que não seria possível aos olhos, mas que o aparelho permite. Pode-se

ver e rever detalhes que no ambiente real passariam despercebidos, ou nem

alcançassem tamanha ampliação. O controle da imagem é concedido ao

usuário através do mouse, o determinante de toda a interação

homem/máquina, homem/imagem – um instrumento que ativa as dimensões

cognitivas dos indivíduos. Se o indivíduo não tocar no mouse a interação se

extingue, atrativo importante desse tipo de representação. É através do mouse

que fica possível a opção fullscreem (tela cheia), seleção de quadros, play,

pause e navegação. O mouse é o volante da fotografia esférica, ele é parte do

aparelho que possibilita a interação na realidade representada e por

consequência a imersão na imagem. Com ele o observador troca o plano pelo

contra-plano, e o nadir pelo zenit no retângulo do monitor do computador.

Imerso, o indivíduo acopla seu olhar ao que é exibido na tela e imagina,

constrói seu pensamento com imagem, que está no lugar onde as fotografias

foram captadas, daí a imersão. As fotografias panorâmicas multimídia são para

serem vistas, mas também para encadearem uma ação (cognitiva). O conjunto

comunicativo não é só figurativo, mas também funcional.

34 FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Tradução do autor. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 7.

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6. DESMONTANDO A FOTO 360

Com a fotografia feita em película seria impossível construir uma imagem

fotográfica esférica, sem arestas, fechada por todos os lados que homem

pudesse “entrar", olhar a volta sem notar a sua presença ou a existência de um

aparelho fotográfico preexistente. É a condição virtual que habilita montar as

superfícies imagéticas côncavas, é a numeralização que autoriza juntar

fotogramas colhidos com precisão no ambiente real e construir tal imagem sem

materialidade. Sim, a fotografia esférica ainda não pode ser passada para o

papel, ou outra superfície física, sob pena de perder todo seu efeito, entretanto

é importante alertar que a tecnologia de representação por imagens não tem

vocação para se estabilizar, e o que não pode hoje, amanhã pode ser diferente,

à medida que o digital é marcado pelo princípio da variabilidade, tal como

analisou Manovich35, quando demonstrou que, por ser marcado pela sequência

de bits, todo conteúdo digitalizado pode ser alterado, criando sucessivas e

infinitas obras derivadas.

Com o surgimento da fotografia digital no final dos anos 80 o glamour da

imagem impressa em papel conquistado pela fotografia analógica entra em

declínio e abre espaço para novos formatos e meios de popularização da

fotografia. A substituição do filme pelo sensor, pela forma digital, amplia as

possibilidades de manipulação da imagem no computador, além disso, facilita a

verificação imediata, no próprio visor da câmera, da imagem gravada na

memória da máquina fotográfica.

35 MANOVICH, Lev. Que son los nuevos medios?: el lenguaje de los nuevos medios de comunicación. Buenos Aires: Paidós, 2006.

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A câmera digital substitui o filme fotográfico por um semicondutor especializado – um pedaço de silício que conduz parte da eletricidade, mas não toda, que chega a ela. Este tipo de específico de semicondutor é chamado de CCD (Charge-Coupled Devices/ Dispositivo com Acoplamento de carga). Ele é composto por milhares de elementos fotossensíveis separados, organizados em uma grade que geralmente corresponde à forma do visor. A imagem atravessa a objetiva e bate no CCD, que converte a luz em impulsos elétricos. A intensidade da carga varia dependendo da intensidade da luz que bate em cada elemento. Nesse aspecto, ele é muito parecido com o filme. Substitua os elementos por pontos de emulsão fotossensível e você está de volta ao lugar de onde começou, com uma câmera de filme36.

A foto 360, como filha desse momento tecnológico do final do século XX,

escapa do tradicional retângulo herdado das belas artes, instituído na

descoberta da fotografia, todavia mantém o compromisso em ocupar

harmoniosamente todo o espaço visível na esfera fotográfica. A sua forma

esférica será produto de uma sequência de decisões tomadas pelo fotógrafo

que vai estabelecer uma comunicação entre o assunto e o (os) aparelho (os)

tecnológico (os). Em seu livro Fotografia e História, quando escreve sobre a

fotografia com filme, processo físico-químico, Boris Kossoy37 atribui a três

elementos a essência para realizar uma fotografia: o assunto, o fotógrafo e a

tecnologia. Na foto 360 isso se repete.

Em princípio todo assunto do ambiente real pode ser fotografado para a

construção de um panorama fotográfico esférico, desde que a câmera, munida

de lente, bateria e cartão de memória, mais o tripé, que irá estabilizar a câmera

no local de captura, entrem no ambiente. O local de captura não pode ser tão

pequeno que impossibilite o acesso desses equipamentos. Tudo começa por

uma decisão do fotógrafo, o agente do processo, que orientado por sua própria 36 ROSE, Carla. Aprenda em 14 dias fotografia digital. Tradução de Edson Fumankiewicz e Docware Traduções Técnicas. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 30. 37 KOSSOY, Boris. Fotografia & história. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

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iniciativa de “fazer” uma foto 360, ou comissionado por um contratante - essa

reflexão detém-se apenas na primeira orientação – escolhe o ambiente onde as

imagens serão capturadas para iniciar o processo de produção de sua imagem

esférica.

A produção da obra fotográfica diz respeito ao conjunto dos mecanismos internos do processo de construção da representação, concebido conforme certa intenção, construído e materializado cultural, estética/ideológica e tecnicamente, de acordo com a visão particular de mundo do fotógrafo38.

Esse construtor de panoramas, que poderia ser um pintor, mas aqui se trata de

fotógrafo, pode ser chamado de panoramista. Termo registrado no Dicionário

de Língua Portuguesa39 como pessoa que pinta panoramas

(formação: panorama+-ista) e também no VOLP - Vocabulário Ortográfico da

Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras40, como substantivo

comum de dois gêneros, além disso, em português há dois sufixos formadores

de nomes de profissão: -eiro (jornaleiro, padeiro) e -ista (projetista,

jornalista), por isso o termo panoramista, em concordância com o dicionário

citado e com o VOLP, será adotado. É como o pintor de panoramas que abre

sua tela diante da paisagem e vai pincelando, distribuindo tintas e cores para

construir sua imagem, o fotógrafo de panoramas usa câmera fotográfica,

fotografias tomadas de seu assunto escolhido, e com sequências de

montagens e retoques digitais executa o seu trabalho. Ambos panoramistas.

A motivação para escolha do assunto estará necessariamente conectada às

38Id. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999, p. 42. 39PANORAMISTA. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa-ao/panoramista>. Acesso em: 20 jan. 2010. 40Id. Disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=23>. Acesso em: 20 jan. 2010.

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convicções pessoais e aos conhecimentos técnicos do panoramista, que juntos

vão determinar sua intenção na construção da imagem. É a partir do assunto

definido que o fotógrafo fica disponível para o ato fotográfico, definido por

Phillippe Dubois41 em “O ato fotográfico e outros ensaios” como o momento

infinitesimal que a máquina fotográfica relaciona-se com o referente para a

construção da fotografia, o instante do corte no tempo, recorte do real, ato

definidor da imagem que exclui o que não está dentro do retângulo, que Dubois

chama de fora-de-campo, extra-campo, espaço-off. Momento precedido de

tomadas de decisões do fotógrafo, o agente do ato fotográfico. Definições de

assunto, enquadramento, ISO, diafragma, tempo de exposição, lente e

correção de cores antecedem o ato fotográfico.

Diferente da fotografia retangular, tradicional, em que o fotógrafo preocupa-se

mais com um plano do assunto para escolha do enquadramento, para a foto

360 é preciso que o panoramista faça uma varredura visual em 360 graus, em

torno de si, no eixo do seu próprio corpo, observando e avaliando detalhes do

assunto, se aquele ponto escolhido, o local do giro, é o melhor para a colhida

das imagens, o definido para os atos fotográficos que se somarão na

construção da foto 360, se haverá atratividade estética ou temática no

panorama formado pelos recortes no tempo tomados em continuidade giratória,

no ponto escolhido para estabilizar o aparelho fotográfico. Usa-se o plural para

ficar claro que a foto 360 é uma composição de várias fotografias tomadas num

giro de 360 graus da câmera sobre um eixo que terá como o centro o ponto

nodal da lente, o ponto de convergência da luz no conjunto ótico. Fotografias

41 DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appenzeller Papirus. Campinas, SP: Papirus, 1994.

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iguais entre si no ISO, diafragma, tempo de exposição e ajuste de foco, mas

diferente no enquadramento, no corte. Essas fotografias base devem ser

tomadas uma em sobreposição a outra de forma que um enquadramento tenha

elementos dos enquadramentos anterior e posterior, e assim sucessivamente

até que o corpo ótico da câmera complete o giro de 360 graus. A foto 360 será

fruto de uma montagem posterior de várias fotografias tomadas em sequência,

organizadas uma após a outra, e dependerá das definições anteriores aos atos

fotográficos, estará condicionada a habilidade do panoramista em prever a

imagem esférica acabada. Erros de orientação física, de

localização/estabilização espacial do aparelho ótico da câmera fotográfica e

variação de ajustes de ISO, exposição, diafragma e foco podem comprometer

definitivamente uma montagem. É no computador que tudo se finaliza, onde o

trabalho atencioso do fotógrafo/montador, o panoramista, unirá com auxilio de

programas específicos as fotografias tomadas do assunto em giro de 360

graus.

Se o ato fotográfico é um corte no tempo a foto 360 é a somatória de cortes no

tempo que combinados em softwares de computador resultarão numa única

imagem, uma superfície visual esférica. Se o ato fotográfico determina um fora-

de-campo primário, reconhecido por Dubois, na foto 360 não há um fora-de-

campo delimitado pelo corte no tempo, pelo recorte do real, pois se ela é a

soma de várias fotografias para a composição de imagem única, esférica,

então ela inclui os foras-de-campo de todos os atos fotográficos que a

compuseram. Nesse sentido não há um fora-de-campo primário na foto 360,

um extra-campo definido pelo corte do retângulo fotográfico, a foto 360 é o todo

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incluso.

“O que a fotografia não mostra é tão importante quanto o que ela revela”42.

Se na fotografia o fora-de-campo é definido no ato fotográfico, na parada do

tempo, no instante da exclusão de algo do visível fotográfico, no corte, na

definição do campo, em cinema, campo e fora-de-campo ganha outra

conotação. O fora-de-campo cinematográfico é parte da narrativa, se inscreve

no movimento, na duração da ação, é, por exemplo, um personagem que sai

do campo visual e depois retorna, sai do campo e continua existindo na

continuidade da narrativa. No cinema o fora-de-campo é dinâmico, funcional.

Em fotografia um personagem não poderia sair e voltar para o campo, uma vez

no campo, no espaço fotográfico, sempre ali, visível para sempre43. Nesse

sentido a foto 360 ganha semelhanças com o cinema, afinal o que é, senão um

fora-de-campo, tudo que não está sendo visualizado no retângulo da tela do

computador? Está oculto num dado instante de visualização, mas ativo no todo

da imagem? A foto 360 mostra um todo fotográfico, mas aos poucos, limitado

na tela do monitor, então o extra-tela está ativo na composição 360 graus, sem

o extra-tela a imagem se limitaria a tela, a um único retângulo visível e não

invadiria nossa capacidade de imaginar uma superfície visual esférica. Se do

lado fotográfico não há extra-campo na foto 360, do lado cinematográfico a foto

360 existe em razão do extra-campo, é ele que lhe dá significado.

Na projeção cinematográfica a impressão de tempo e movimento ocorre no

42 Ibid, 1994, p. 179. 43 Ibid, 1994, pp. 180-181.

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intervalo entre um fotograma e outro, na passagem sequencial de uma imagem

fotográfica fixa para outra diferente dela44. É essa mudança de fotogramas que

constitui o movimento, o tempo, e portanto a duração do cinema. "O cinema se

propõe essa coisa absurda que é sugerir que o movimento possa ser

constituído de instantes estáticos"45. Na foto 360, que é uma imagem única, o

tempo, a passagem dos acontecimentos congelados, se dará por seu

movimento, pelo girar dessa unidade constituída de várias fotografias digitais,

pela entrada gradativa do extra-tela na tela, que nesse momento deixa de ser

extra-tela passando a ser tela, imagem-tela. Numa outra extremidade da tela

outro fragmento da imagem esférica, representada pelos pixels do monitor de

computador, retorna para o extra-tela, é empurrado para "fora" pelo giro da

imagem esférica, construindo aí o movimento da foto 360. O tempo, entendido

como um desenrolar de eventos, se insere nesse movimento, e esse terá a

velocidade de mudança de tela para extra-tela, de giro da imagem esférica,

como determinante de tempo de exibição de todas as partes da foto 360 no

monitor. Esse tempo estará dependente tanto da programação definida para o

panorama, que antecipa, por exemplo, as habilidades concedidas ao mouse,

quanto do envolvimento dedicado pelo usuário a aquela imagem, que imerso

poderá dedicar grande atenção a esférica explorando zoom in, zoom out, e

provar de um movimento lento na troca de tela por extra-tela.

A foto 360 contém uma frustração que se inscreve na parte psicológica do

usuário ao constatar que a imagem fotográfica está toda ali, ao alcance do

44 MACHADO, Arlindo. Anamorfoses cronopáticas ou a quarta dimensão da imagem. In:

PARENTE, André (org.). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. (Coleção TRANS).

45 Ibid, p. 102.

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mouse, e ele não consegue concentrá-la na tela. Ele tenta juntar tudo a sua

frente, mas sempre alguma coisa escapa para o extra-tela. É uma luta com

vitória certa para a programação da imagem que estabelece aquela disposição

de exibir um pouco de cada vez. A mesma velocidade de entrada de imagem

na tela condena a mesma velocidade de saída para o extra-tela.

Para tornar-se esférica a imagem necessita do fotógrafo/montador, e este, em

primeira mão, necessita das fotografias tomadas do assunto sob rigorosa

estabilização, uniformidade de regulagens, controle de sobreposição, e as

fotografias demandam um aparelho para existir, a câmera fotográfica. Seria por

essa origem tecnológica que a foto 360 guarda seus indícios de representação

Realista como a fotografia do século XIX? Certamente também por isso, mas

uma característica fundamental na magia do dispositivo, seu efeito imersivo,

originado no Panorama, não lhe permitiria outro senão o Realismo como forma

de envolver o espectador na representação do real. E é com a disposição de

juntar fotografias e construir uma nova imagem, esférica, todavia com

proximidade fiel aos originais, que o panoramista acomoda-se diante do

computador, preparado com programas de montagem e tratamento de

fotografias panorâmicas esféricas, para uma nova fase do trabalho, a

montagem. Aqui, no aparelho computador, a foto 360 será “revelada” com

semelhanças ao processo que torna visível a imagem latente na fotografia

físico-química.

A rapidez de processamento nas atuais câmeras digitais reduz a quase zero o

tempo entre o instante do ato fotográfico e a exibição da imagem no pequeno

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monitor acoplado ao corpo da máquina. Um tempo muito diferente da fotografia

físico-química, a original preto e branco, que após a imagem capturada

demanda processamento em laboratório escuro para a “revelação” da imagem

latente, potencial, imagem virtual, e posteriormente a projeção da imagem da

película fotográfica em ampliador sobre um papel emulsionado, para só então

poder exibir a representação do ambiente real numa superfície física: um

pedaço de papel fotográfico.

A distância temporal que adia a fixação da fotografia físico-química em folhas de papel, esse tempo ocupado pelas fases sucessivas obrigatórias da revelação, indo da imagem latente a imagem revelada, e depois a imagem fixada, corresponde ao processo técnico de revelação que é necessariamente inscrito na duração46.

O tempo entre o ato fotográfico, a revelação química e a cópia fotográfica em

papel pode chegar a horas. Embora as imagens matrizes da foto 360 sejam

tomadas com câmera fotográfica digital, portanto não passam pelo processo de

revelação físico-química, um longo tempo separa seus atos fotográficos até a

foto 360, um tempo ocupado pelo processamento, montagem e tratamento de

imagem no computador, o contemporâneo laboratório fotográfico. Reside nesse

tempo de montagem da foto 360 sua exclusão da possibilidade de exibição em

tempo real, do ao vivo, do retorno imediato, próprios da fotografia digital, do

vídeo e da televisão. A foto 360 é memória, é uma volta no tempo.

Nesse aspecto a foto 360 assemelha-se com a fotografia físico-química,

guardando a magia da "revelação", mas também a angustia da espera, para o

laboratório/computador. O tempo de montagem faz o panoramista questionar

46 DUBOIS, 1994, op. cit., p. 89.

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sua habilidade de prever a imagem esférica acabada, duvidar se o que foi visto

e pensado no momento das capturas será reproduzido no panorama, ou se

houve algum erro que provocará diferenças nos encaixes capazes de extrair a

sensação de continuidade na fotografia, a ilusão de fotografia única. Esse

temor percorre todo o processo montagem - onde ocorre maior parte do tempo

no fluxo de trabalho - e só se extingue com a foto esférica pronta.

Para foto 360 de ambientes estáticos, assuntos que não tenham pessoas,

carros ou bichos circulando, que o vento, as nuvens e o mar não provoquem

mudanças perceptíveis na paisagem, no interior de casas, por exemplo, onde

móveis, tapetes, luminárias e objetos e decoração estão parados e os

personagens não mudarão de posição na continuidade da tomadas das

fotografias matriz, o tempo depositado na montagem será menor se comparado

com o tempo e montagem da foto 360 de ambientes dinâmicos. Se o assunto

escolhido pelo panoramista for carregado de ação, com várias coisas

ocorrendo, pessoas se movimentando, árvores balançando com o vento, a

sombra do sol mudando de posição, carros em direções distintas e nuvens em

movimento, sua foto 360 ficará mais tempo no processo de montagem sendo

trabalhada para evitar o embolar de personagens num mesmo ponto da

imagem esférica. Na habilidade do panoramista em prever a imagem esférica

acabada se inscreve uma observação que lhe permite perceber os elementos,

pessoas, carros, objetos, etc, que se deslocarão na continuidade da tomada

das fotografias matriz, no giro da câmera em torno de um eixo, e possam

aparecer em mais de uma fotografia, Ao panoramista cabe a destreza para

avaliar se na montagem não haverá repetições desses elementos. É certo que

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o panoramista poderá ter a intenção de demonstrar em sua foto 360 os

movimentos que se seguiram naquela continuidade do giro 360 graus para os

atos fotográficos, ou poderá desprezar o cuidado em emendar as fotografias

para construir imagem esférica lisa, sem degraus que denunciem os encaixes.

Seus compromissos estéticos e suas intenções artísticas lhe pertencem,

todavia, considera-se nesse trabalho que o melhor potencial imersivo será

encontrado, e consequentemente explorado, na estética Realista.

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7. APLICAÇÕES E USOS

A técnica de construção de fotografias panorâmicas esféricas ainda é pouco

difundida - tanto no uso quanto na feitura - entre a maioria dos usuários de

internet, uma constatação de fácil confirmação numa navegação no

ciberespaço ou no plano real localizando fotógrafos que produzem esse

formato, que são poucos. Do lado da produção pelos investimentos financeiros

necessários em tecnologia, equipamentos e softwares, e, pelas dificuldades

para montagem dos panoramas que tomam várias horas de dedicação em

frente a computadores além de exigirem conhecimento em tratamentos de

imagem, e naturalmente em fotografia. Do lado do usuário por demandar banda

larga de conexão com internet e computadores mais novos, com

processadores e memórias mais rápidas. Comparada a idade da fotografia, que

está próxima de completar 200 anos de invenção, a técnica de montagem de

fotos esféricas ainda é jovem, são 10 anos desde o surgimento do Cubic QTVR

QuickTime. A internet promove uma enorme velocidade de comunicação que

não seria barreira para a divulgação das técnicas, pelo contrário, é ela seu

principal meio de difusão, então a atribuição maior para o pouco uso de

fotografias panorâmicas fica para as dificuldades de construção.

Mesmo considerando essa pequena disseminação, o Google Maps47, "um

serviço de pesquisa e visualização de mapas e imagens de satélite da

terra gratuito na web fornecido e desenvolvido pela

empresa estadunidense Google”48, e o Google Earth, também da empresa

47 Ver em: http://maps.google.com.br/ 48 GOOGLE MAPS. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Google_Maps>. Acesso em: 16

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Google, mas com a função de apresentar um modelo tridimensional do globo

terrestre49, oferecem a ferramenta street view que possibilita visão em 360

graus a partir do chão, com possibilidade de zoom nas imagens e interação

através do mouse, um formato esférico construído com fotografias, imagens

estáticas de avenidas, ruas, praças, pontes, vilas, etc, de algumas cidades

escolhidas pelo Google para disponibilizar essa visualização,

atualmente Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, França, Itália, Espanha,

Austrália, Nova Zelândia e Japão50. Uma ferramenta que leva usuários a visitas

virtuais de cidades fazendo que ele viaje sem sair de casa, sem sair da frente

de seu computador.

Foto 3: Em detalhe de aproximação do globo virtual do Google Earth vemos vários desenhos de máquina fotográfica (contornadas em amarelo) que representam a entrada, o link, para fotografias panorâmicas esféricas da cidade de Nova Iorque. fev. 2010. 49 GOOGLE EARTH. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Google_earth>. Acesso em: 16 fev. 2010. 50 GOOGLE STREET VIEW. Disponível em: <http://www.googlestreetview.com.br/sobre/>. Acesso em: 16 fev. 2010.

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Foto 4: Reprodução de parte de uma esfera fotográfica (imagem-tela) disponível no Google Maps onde se vê a torre Eiffel de Paris.

A essa ferramenta, o Google introduziu o Local Business Center em sua página

de mapas do globo terrestre, e sob pagamento permite que qualquer empresa

cadastre-se e seja encontrada no Google Maps por qualquer usuário que verá

um pequeno banner sobre o globo virtual no exato ponto onde a empresa

funciona. No cadastro as empresas podem preencher seu endereço, horário de

atendimento, logotipo e fotos, site, número de telefone que aparecerão no

banner sobre o mapa, recurso que somado ao street view favorece ao cliente

visualizar a rua, a ambiência, a fachada do endereço da empresa, a porta, e

até o botão da companhia usando o recurso do zoom. O Google é exemplo de

grande empresa que amplia a monetização de seus negócios utilizando

fotografias panorâmicas, massificando o formato esférico para seus usuários

sobre o globo terrestre.

Outra empresa que explora muito bem as fotografias panorâmicas esféricas é

360cities - http://www.360cities.net/ - oferecendo um sistema de georeferência

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baseado em panoramas fotográficos interativos aplicados sobre mapa do

planeta do Google Maps51. No 360cities o cliente/empresa poderá contratar

uma visitar virtual, que corresponde a uma série de imagens 360 graus de

vários ambientes dum mesmo local, uma conectada a outra por links visuais

dentro das imagens esféricas, ligações que favorecem ao usuário "entrar" e

visitar o endereço52 que ficará sobre o mapa virtual Google. Um agregador de

marketing visual que amplia possibilidades de uma empresa atrair novos

clientes ao seu local.

Evidente que a foto 360 como recurso de publicidade só poderá ser bem

explorada se a empresa existir fisicamente e se seu espaço, seus assuntos,

tiverem atratividade estética ou temática para composição de imagem esférica,

importante pré-requisito para produção de imagem retangular tradicional, e

fundamental para imagem esférica que representará todos os planos de visão

de um ponto escolhido. O extra-tela da foto 360 não poderá desconstruir os

"argumentos" da tela, ou vice-verso, se isso ocorrer a imagem não poderá ser

usada para publicitar a empresa, e naturalmente desaconselhável para o

360cities ou outra página virtual que tenha esse objetivo.

Produção bem sucedida é a do panoramista brasileiro Dudu Tresca em ensaio

com 120 fotografias esféricas criadas sob encomenda da agência turca de

publicidade Atilla Aksoy, com objetivo de promover Istambul como Capital

Européia de 201053. Panoramas que foram construídos com objetivo

específico, com excelente definição que permitem boa atratividade imersiva e 51 Ver em: http://www.360cities.net/about 52 Ver em: http://www.360cities.net/virtual-tour/gallery 53 Ver em: http://coolview.com.br/istanbul/

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facilmente interligados por fotos miniatura exibidas no canto esquerdo da tela.

Uma produção com suposto foco turístico, dada a proposta que motivou

encomenda.

Esse mesmo fotógrafo exibe variados exemplos de panoramas virtuais com

utilizações diferentes em http://coolview.com.br/, mas um trabalho chama

especial atenção: a 360 do bar Ibotirama54, por ter sido aplicada em campanha

televisiva pelo uso da camisinha na MTV. Foi publicada inicialmente com o

plug-in de visualização QuickTime55. Uma imagem do interior de um bar na Rua

Augusta, Centro de São Paulo, com várias pessoas ocupando mesas e balcão,

bebendo, fumando, conversando, jogando cartas, se beijando. Transformado

para linguagem de vídeo, por Tito Sabatini, a MTV aplicou sobre o panorama

de Tresca uma nova leitura, voz off com a mensagem para o uso da

camisinha56, um formato totalmente diferente, sem o potencial imersivo tratado

aqui, sem a interatividade do panorama virtual que foram extraídos com a

mudança de linguagem que fixou movimentos tilt, pan, zoom in e zoom out. A

transformação para vídeo matou a interatividade, excluiu a possibilidade do uso

de mouse, todavia ampliou as possibilidades de uso do formato original

enriquecendo o campo de aplicações da foto 360. Por último, usando o plug-in

Flash57 para publicação, Tresca mescla o interativo panorama com o áudio do

vídeo da MTV58, uma mistura que trás informação sonora para a imagem

direcionando sua leitura, mas um direcionamento menos rígido quando

comparado ao vídeo, dispositivo que entra para a lista de possibilidade de

54 Ver em: http://coolview.com.br/mtv/index.html 55 Ver em: http://www.apple.com/quicktime/ 56 Ver em: http://coolview.com.br/mtv/MTVvinheta.html 57 Ver em: http://www.adobe.com/downloads/ 58 Ver em: http://www.br360.com.br/flash/fcub/mtv.html

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exploração da fotografia panorâmica esférica.

No exemplo do bar Ibotirama o som fez toda a diferença incluindo mais

informação à imagem e direcionando sua leitura. O áudio pode ser impregnado

nos panoramas com propostas diferentes. Na representação em 360 graus da

paisagem da rampa de vôo livre de Ubá59 (Castelo-ES-Brasil), um solo de gaita

do instrumentista Rodrigo Rezende promove a inclusão de mais um sentido do

homem, a audição. O som aqui se apresenta mais como um componente lúdico

que vai envolver o usuário na imersão. Não terá objetivo de direcionar a leitura,

mesmo que ele possa aprisionar o usuário por segundos a mais na foto

imersiva a interpretação não estará condicionada a uma narrativa oral. O que

essa foto 360 trás de surpresa está no zenit: a imagem da ação do voador,

aonde ele deve estar, no céu, demonstra a riqueza do dispositivo que nos deixa

“olhar” para cima na fotografia esférica, ato desaconselhado no Panorama.

O hino do Estado do Espírito Santo interpretado pelo Congo Mirim da Ilha e

Alexandre Lima terá outro efeito na imagem que abre com a fachada do

Palacioanchieta60, de Vitória (ES), Brasil, sede de governo do Estado do

Espírito Santo. Os usuários capixabas, ou espírito-santenses, gentílicos de

quem nasce no Estado, que aprendem o hino na idade escolar acolherão o

panorama audiovisual com emoção diferente de outros usuários. O refrão

"Salve o povo espírito-santense!" não chegará aos ouvidos de usuários de

outros lugares como chega ao capixaba. É para esses, com o hino, que essa

foto 360 fala, são os capixabas que reconhecem e dão significado ao Palácio 59 Ver em: http://www.foto360.com.br/uba.html 60 Ver em: http://www.foto360.com.br/palacioanchieta.html

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Anchieta, identificam toda carga histórica e política contida naquele prédio

representado na imagem, e acionarão o seu referencial auditivo para “lerem”

aquele multimídia.

A som gravado diretamente do ambiente onde as fotografias matrizes foram

tomadas pode acrescentar ao panorama uma afinidade ao jornalismo, e

ampliar a dimensão imersiva da simulação audiovisual com outro contexto de

abordagem.

Os panoramas multimídia Bacutia, Luta e Romariadoshomens, que receberam

áudios gravados em seus próprios ambientes, sons tomados na temporalidade

da relação do panoramista com os assuntos, registrados no decorrer, na

simultaneidade da presença do fotógrafo com o ambiente real, nesse “ao vivo”,

revelam outra atribuição do profissional: gravador de som, que saberá

selecionar com seus ouvidos o momento de dar play em seu aparelho de

gravação para no futuro, no computador, editar o fragmento que integrará o

conjunto imersivo multimídia.

Essas fotos 360 graus - Bacutia, Luta e Romariadoshomens - alcançam uma

nova dimensão na representação esférica alçando braços para colocar-se entre

os dispositivos intitulados como jornalismo audiovisual, ou jornalismo

multimídia. Poderia ser um som de estúdio para continuarem recebendo esse

suposto título? Sim, naturalmente dependeria da narrativa, do texto, para que a

recepção pudesse reconhecê-las assim, todavia gravações no ambiente

valorizam o testemunho, a memória.

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Romariadoshomens se expressa com uma nota do tempo. O panorama

multimídia simula o momento da passagem do andor de Nossa Senhora da

Penha – representação católica para Maria, mãe de Jesus – em frente ao

Palácio Anchieta, palácio de Governo e também onde está o túmulo do Padre

José de Anchieta, personagem importante na história do Brasil. O registro

ocorre durante a Romaria dos Homens, evento religioso anual dos capixabas,

que reúne enorme cortejo, todavia os participantes conduzem apenas um

andor, um único objeto comum de devoção no trajeto, e na foto 360 aparecem

três andores. A câmera fotográfica, em seu giro para tomar imagens para a

montagem da esférica, registrou, sob escolha do panoramista, os vários

momentos da posição do andor, e na montagem a opção autoral decidiu por

incluir registros diferentes de localização para oferecer ao observador uma

duração da passagem, uma temporalidade. Essa decisão de montagem abre

para a percepção do quão versátil é o laboratório computador, que expõe ao

panoramista uma liberdade para construir sua simulação visual ao seu desejo e

habilidade, abrindo mão, no caso dessa imagem, de uma representação mais

próxima do real, com apenas um andor.

Gazeta é uma apresentação multimídia baseada em fotos 360 que se

retroalimentam por um vídeo inserido no, emoldurado pelo, panorama de

abertura, mas também por toda uma programação que inclui janelas, entradas

para outras imagens - e ao mesmo tempo saída para a mensagem videográfica

- distribuídas em monitores de TV da representação do ambiente. Esse jogo

multimídia, que remete a imagens passadas de seu próprio referente, o

panorama de abertura, é um exemplo de combinação de mídias diferentes

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aplicável a fins variados de apresentação e de representação. Ramón

Salavería, professor de ciberjornalismo da universidade de Navarra (Espanha),

em uma compilação pessoal com “un passeo por la mejor producción

periodística multimedia em internet”61 inclui a apresentação multimídia Gazeta

na categoria tour virtual remetendo o jogo à categoria de visitação virtual de

ambientes.

Esse é um pleno exemplo – Gazeta - de necessidade de interator, sem ele os

outros panoramas que estão atrás das janelas localizadas em monitores de TV

da imagem de abertura, ficariam ociosos, sem participação no jogo. Também

um usuário que não esteja com seu equipamento preparado para acionar o

vídeo de apresentação, narrado pela jornalista multimídia Tati Wuo, não gozará

da plenitude da programação, perderá informações.

Integrar mídias diferentes é o que caracteriza a comunicação multimídia. E

Cicloviatrevoufes agrega num mesmo dispositivo fotográfico, vídeo e texto. Ao

emoldurar vídeo, a foto 360, que é produto da câmera fotográfica, torna-se sala

de exibição, a esférica acolhe o usuário no ambiente receptivo do quadro

videográfico, a fotografia vira moldura do vídeo. O texto, que aqui se parece

mais a um panfleto do que um livro, numa remissão a estrutura material que

tradicionalmente suporta escrita, é mensagem direta ao assunto tema desse

panorama multimídia, tratado por Rodolfo Pajuaba62 como “panorama com

postura cidadã” numa proposição de utilizar a foto 360 mais que uma

61 Ver em: http://e-periodistas.blogspot.com/2008/12/un-paseo-por-la-mejor-produccin.html 62 PAJUABA, Rodolfo. Panorama com postura cidadã. Disponível em: <http://pajuaba.com.br/panoblog/?p=24>. Acesso em: 27 dez. 2009.

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representação, ampliando sua funcionalidade ao universo de conquistas sociais

urbanas.

O vídeo inserido em Cicloviatrevoufes aprofunda o interator a outro campo, a

um extra-campo que não é o primário de Dubois, não o definido pelo corte da

câmera fotográfica. Um fora-de-campo concebido no interior do plano visual da

esférica, numa “entrada” visível na imagem fotográfica, que agora pode ser

liberado com a permissão de um vídeo que conduz usuário para outro lugar

fora da fotografia, por vias urbanas, por trás da superfície representativa

esférica.

Os panoramas fotográficos esféricos podem representar todos os tipos de

assunto – desde que o aparelho tecnológico possa imergir no assunto -, serem

produzidos para fins variados e receber programações diferentes para

combinar mídias distintas, a ferramenta está posta, as possibilidades criativas

vão surgir do homem. Pelo gigantismo e dinamismo do ciberespaço a tentativa

de mapear todas as aplicações e usos para o dispositivo não teria êxito

alcançável, omissões de experiências destacadas seria inevitável, ademais

não é a proposta desse trabalho avaliar todas as possibilidades da internet,

mas sim focar reflexão sobre as produções mencionadas e investigar a práxis

do dispositivo. O apontamento de outras experiências teve o intuito de ampliar

a visão do leitor um pouco além dos objetos que originaram esse estudo, e

proporcionar um conhecimento maior das possibilidades de usos.

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8. CONCLUSÃO

Após conhecer a origem do panorama, estudar os conceitos de imersão,

virtual, interação, multimídia, e constatar que o dispositivo estudado poderá

receber nomenclaturas diferentes, desaconselhamos nomes que somem o

termo panorâmica (ou panorama, panorâmico e pan) com o termo imersiva,

pois o primeiro já carrega o conceito de imersivo como vimos no primeiro

capítulo. Também estranho ficaria o nome esférica 360 graus se o primeiro

termo já oferece a idéia de circularidade completa, portanto será desnecessário

acrescentar o segundo.

O contexto terá importância para definir o nome utilizado. Um exemplo de

nome é foto 360, usado repetidas vezes nesse trabalho por se tratar do núcleo

onde estão hospedados nossos objetos de estudo, por ser o nome do domínio

de internet escolhido por esse autor, e por traduzir de forma minimizada e

direta o conceito da fotografia panorâmica esférica. O contexto do diálogo

também poderá permitir usos simplificados como 360, panorama, pano, pan,

fotografia, esférica ou multimídia.

Nomenclaturas como foto 360, fotografia panorâmica esférica, fotografia

panorâmica esférica multimídia, fotografia esférica, fotografia esférica

multimídia, fotografia 360 virtual, fotografia 360 multimídia, fotografia

panorâmica multimídia, fotografia panorâmica virtual e fotografia imersiva,

aplicados corretamente, respeitando o significado das palavras, traduzem bem

a idéia transmitida aqui nesse trabalho.

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Se desejamos explorar com eficiência o dispositivo devemos pensar em

conceitos encontrados aqui. O panoramista precisa ficar atento para que a

primeira vista do panorama, a primeira imagem que abre na tela do computador

quando ele termina de carregar, seja atrativa para continuidade da navegação

pelo usuário, é preciso, pelo menos em tentativa, surpreender, flagrar o usuário

para que ele sinta-se atraído a uma interação. O esforço deve ser o de manter

o interator maior tempo “dentro” da fotografia, então é recomendável que haja

um bom começo na imagem-tela. O panorama também deve ser navegável,

sua programação não pode excluir ou minimizar esse recurso, essa liberdade

concedida pelo mouse, sob pena de reduzir a funcionalidade do dispositivo. O

panoramista deve ficar atento para garantir que o interator consiga receber

todas as partes da imagem, que o extra-tela seja exibido sem freios sob livre

comando do usuário. É a interatividade que vai garantir a imersão, por outro

lado é a qualidade, a definição da imagem, a boa representação realista, o

acabamento sem arestas, sem degraus que vai permitir a imersão.

É sugerível que o panoramista explique, deixe claro ao usuário, o que irá

ocorrer quando ele clicar para entrar na foto 360. Ao mesmo tempo as portas,

links, precisam estar sinalizadas com um “clique aqui para prosseguir”

apontando o caminho oferecido. A falta de informação pode transformar um

possível interator em um não-usuário.

Equívocos na aplicação de textos, áudios e vídeos – na imagem fotográfica -

que dificulte o diálogo entre as mídias, misturas mal feitas sem respeito ao

“time” próprio de cada uma delas, que atrasem o entendimento da mensagem,

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não farão bem ao conjunto comunicativo, e o que foi somado com objetivo de

atrair o usuário, de ampliar seu tempo de imersão, poderá afastá-lo. Isso não é

uma defesa à estética ou a construção dos objetos desse trabalho, mas um

alerta que visa despertar cuidados aos próximos panoramistas que programem

inclusão de outras mídias a suas fotografias esféricas.

A estética63, entendida como sensorialidade sem propósitos práticos, mais

como uma capacidade de sentir ou de provocar sentimentos com fenômenos

como luzes, formas, volumes, acelerações, durações, proximidade, fluxos,

misturas, sequências e outros mais, na obra multimídia, será de suma

importância ao prestígio que o conjunto receberá no ciberespaço, fama

representada pelo número de visitas que o panorama, ou o complexo

multimídia, receberá no tempo que ele estiver disponível para acessos.

Assuntos que repercutam na sociedade, que afetem um grande número de

pessoas, que promovam polêmicas e discussões, que dividam opiniões ou que

sejam inéditos, que a ótica grande-angular seja bem explorada pelo

panoramista, tendem a chamar mais atenção no ciberespaço.

Mesmo apresentando uma superfície visual esférica, muito diferente da

fotografia tradicional físico-química, estar sujeita a outro dispositivo, outra

estrutura que não é o papel fotográfico, não ser tátil mas sim virtual, permitir ao

espectador outra relação de leitura com o incremento da interatividade e

imersão, ganhar simulação de movimento, misturar-se com outras mídias e não

63 SANTAELLA, Lucia. Introdução. In: SANTAELLA, Lúcia; ARANTES, Priscila (orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2008b. (Coleção Comunicação e Semiótica).

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poder ser impressa em papel sob pena de perder seu efeito imersivo/interativo,

a foto 360 não perde o título de fotografia. A sua origem está aí, na câmera

fotográfica que congela um fragmento do tempo. A fotografia panorâmica é a

junção de fragmentos fotográficos do real que vão compor uma nova fotografia.

A novidade está na maleabilidade conquistada com o digital que permite a

construção de formatos que extrapolam os limites retangulares do aparelho

fotográfico, como foi novidade em sua invenção, no século XIX, sua a

capacidade de registrar o real de forma mais fiel que a pintura, motivo que

atiçou críticos da nova arte. Hoje, pode haver dúvidas sobre a veracidade dos

registros digitais, mas como escreveu Kossoy64 “a imagem fotográfica é […]

uma representação resultante do processo de criação/construção do

fotógrafo”.

Após decorrer por diversos autores em busca de respostas para

questionamentos que sucedem da prática, transitar por repetidas experiências

de construção e recepção para obter solução de dúvidas sobre a fotografia

panorâmica, concluo que entender a lógica da foto 360 é mais importante que

entender sua técnica.

64 KOSSOY, 1999, op. cit., p. 30.

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9. REFERÊNCIAS

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