fonte de beleza e sabedoria popular

2
Dona Eliete de Macedo Oliveira é agricultora, tem 44 anos e três filhos. Há alguns anos ela mora sozinha, na Serra da Rancharia, município de Araripina, Araripe pernambucano. Seu filho mais novo, Elielson, de 21 anos, mora atualmente em Minas Gerais. Eliene, de 25 anos e Daiene, de 20 anos, vivem na mesma comunidade que a mãe, mas já estão casadas. A agricultora nasceu em outra comunidade, mas quando completou 16 anos, a família se mudou para Serra da Rancharia. Aos 17 anos, Dona Eliete casou, mas avalia que não foi uma boa escolha, pois viveu poucos anos com o marido. Na época, o casal morava numa propriedade mais simples e, há 16 anos, já separada, ela construiu a propriedade de 3,6 hectares, em que mora atualmente. A agricultora conta que a terra foi o ex-marido que deixou pra ela, embora a casa tenha sido construída com muito esforço, por meio da comercialização da mandioca. Era uma vida de sofrimento. “Pra pegar um balde d'água ou uma cabaça, a gente tinha que ter coragem pra botar as ancas e a cangaia no jumento, e seguir para buscar água no barreiro. Até na cabeça, a gente trazia quando era preciso, mesmo sendo um pouco longe”, relembra Dona Eliete. Ela explica que a água servia pra fazer tudo que era necessário. “Eu e meus filhos usava para beber e cozinhar, e o que sobrasse a gente limpava a casa e tomava banho. Não tenho vergonha de dizer que já tomei banho com um litro de água amarela”, revela. Naquele tempo, a renda da família era combinada da roça de mandioca, da venda dos porcos e das galinhas que ela criava. Há nove anos, o Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada) presta assessoria técnica à família. Em 2005, Dona Eliete foi beneficiada com uma cisterna de placas de 16 mil litros, que armazena água para beber e cozinhar. A família até hoje preza pela boa gestão da água, considerada uma preciosidade, e desde então, mesmo em períodos de estiagem, o reservatório nunca secou. Como sempre gostou de verduras, a agricultora aproveitava a água do barreiro e, quando chovia, a água enchia um pequeno Pernambuco Ano 6 | nº 963 | novembro | 2012 Araripina - Pernambuco Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Fonte de beleza e sabedoria popular 1 Dona Eliete cuidando dos canteiros. A agricultora alimentando as galinhas na propriedade.

Upload: articulacaosemiarido

Post on 23-Jul-2016

218 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Fonte de beleza e sabedoria popular

Dona Eliete de Macedo Oliveira é agricultora, tem 44 anos e três filhos. Há alguns anos ela mora sozinha, na Serra da Rancharia, município de Araripina, Araripe pernambucano. Seu filho mais novo, Elielson, de 21 anos, mora atualmente em Minas Gerais. Eliene, de 25 anos e Daiene, de 20 anos, vivem na mesma comunidade que a mãe, mas já estão casadas. A agricultora nasceu em outra comunidade, mas quando completou 16 anos, a família se mudou para Serra da Rancharia. Aos 17 anos, Dona Eliete casou, mas avalia que não foi uma boa escolha, pois viveu poucos anos com o marido. Na época, o casal morava numa propriedade mais simples e, há 16 anos, já separada, ela construiu a propriedade de 3,6 hectares, em que mora atualmente. A agricultora conta que a terra foi o ex-marido que deixou pra ela, embora a casa tenha sido construída com muito esforço, por meio da comercialização da mandioca.

Era uma vida de sofrimento. “Pra pegar um balde d'água ou uma cabaça, a gente tinha que ter coragem pra botar as ancas e a cangaia no jumento, e seguir para buscar água no barreiro. Até na cabeça, a

gente trazia quando era preciso, mesmo sendo um pouco longe”, relembra Dona Eliete. Ela explica que a água servia pra fazer tudo que era necessário. “Eu e meus filhos usava para beber e cozinhar, e o que sobrasse a gente limpava a casa e tomava banho. Não tenho vergonha de dizer que já tomei banho com um litro de água amarela”, revela. Naquele tempo, a renda da família era combinada da roça de mandioca, da venda dos porcos e das galinhas que ela criava.

Há nove anos, o Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada) presta assessoria técnica à família. Em 2005, Dona Eliete foi beneficiada com uma cisterna de placas de 16 mil litros, que armazena água para beber e cozinhar. A família até hoje preza pela boa gestão da água, considerada uma preciosidade, e desde

então, mesmo em períodos de estiagem, o reservatório nunca secou. Como sempre gostou de verduras, a agricultora aproveitava a água do barreiro e, quando chovia, a água enchia um pequeno

Pernambuco

Ano 6 | nº 963 | novembro | 2012Araripina - Pernambuco

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Fonte de beleza e sabedoria popular

1

Dona Eliete cuidando dos canteiros.

A agricultora alimentando as galinhas na propriedade.

Page 2: Fonte de beleza e sabedoria popular

tanque existente na propriedade, e que ela usava para molhar seu canteiro de coentro.

A história de Dona Eliete com a agroecologia começou há alguns anos. Ela relata que sempre utilizou produtos químicos nas plantações. “Sempre fiz errado, até que um dia um técnico do Chapada recusou a verdura no almoço dele, quando falei que o alface estava com 15 dias que havia sido pulverizado veneno. Aquilo me tocou, e precisei mudar minhas idéias”, confessa. Por meio de técnicas simples, a agricultora aprendeu a fazer alguns preparos naturais, que não prejudicam a natureza e os alimentos. Daí por diante, ela passou a utilizar somente defensivos naturais nas plantações. O empenho de Dona Eliete foi recompensado há um ano, período em que ela conquistou a cisterna calçadão, uma tecnologia do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), que garante água para fins produtivos e criação de pequenos animais.

A família acredita que a cisterna calçadão foi uma benção e agradece todos os dias por isso. “Com ela tudo melhorou, já tenho muita coisa plantada e a roça só não está melhor porque estou com uns probleminhas de saúde, mas tudo que eu queria era essa cisterna”, resume a agricultora. A roça da família está repleta de frutas, verduras, plantas medicinais, além de algumas novidades como o girassol e o none, uma planta que ajuda no combate a doenças agressivas. Atualmente Dona Eliete cria galinhas, guinés, pavão e peru na propriedade. Ela também é supersticiosa e adepta dos saberes tradicionais, dessa forma, ela fez um espantalho para colocar na roça. Segundo a agricultora, ele serve para espantar o mau-olhado das pessoas que visitam sua propriedade.

“Quando as pessoas olharem os canteiros bem verdinhos, acharem bonitos, não coloquem sentimentos ruins de inveja. Tem pessoas que são preguiçosas, que só gostam de se admirar, mas não gostam de trabalhar”, acredita. O espantalho também afasta os passarinhos, já que os panos e as sacolas colocadas no boneco, deixam a roça movimentada dia e noite. Dona Eliete também conserva umas garrafas com água suspensas num cordão, que serve para captar o que tiver de sujeiras e impurezas no ar, impedindo que vá pra roça. “Lavo bem as garrafas e coloco água da cisterna calçadão nelas, é bom porque não cai nada que possa queimar as plantas”, ensina. A agricultora também vende os doces e os sequilhos que aprendeu a fazer com sua mãe.

Dona Eliete ainda é beneficiária do Plano Brasil Sem Miséria, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que tem o objetivo de retirar as famílias da extrema pobreza. O investimento na propriedade será destinado no fortalecimento do sistema produtivo da família, ou seja, no criatório de galinhas e na produção de frutas e hortaliças. Mesmo com a seca deste ano, Dona Eliete consegue vender o excedente dos alimentos na própria comunidade, mas ela espera que no futuro tenha saúde para cuidar das plantas. “Sinto ciúme das minhas plantas, então tudo que vier pra cá no sentido de melhorar a minha horta, estarei pronta para trabalhar e receber”, garante.

2

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Pernambuco

Apoio:

Programa Cisternas