florença oculta (2010)

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Florença Florença Oculta GUIAS INSÓLITOS DO MUNDO Vítor Manuel Adrião 2014

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  • Florena Florena Oculta

    GUIAS INSLITOS DO MUNDO Vtor Manuel Adrio

    2014

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    1

    Florena Oculta Por Vitor Manuel

    Adrio

    tera-feira, Nov 16 2010

    lusophia 20:31

    2014

  • Lusophia | 2010__________________________________________________________

    2

    Impresso e Edio:

    Etlides Edies

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    3

    INDICE

    DANTE, FIDELLI DAMORE ............................................................................................ 4

    TUMBA DE BEATRIZ, A AMADA DE DANTE ................................................................... 7

    PRESENA DOS TEMPLRIOS EM FLORENA ................................................................ 9

    JERNIMO SAVONAROLA: O PROFETA DE FLORENA ................................................ 12

    FORMULAS CABALSTICAS NO BATISTRIO DE SAN GIOVANNI ................................... 15

    TUMBA HERMTICA DE LORENZO II DE MDICI.......................................................... 19

    O ESTDIO ALQUMICO DE FRANCISCO I .................................................................... 22

    ALQUIMIA E HERMETISMO NO PALAZZO PITTI........................................................... 26

    CARLO COLLODI, O MAOM QUE CRIOU O PINQUIO ............................................... 30

  • Lusophia | 2010__________________________________________________________

    4

    DANTE, FIDELLI DAMORE

    Dante Alighieri (Florena, 1.6.1265 Ravenna, 13 ou 14.9.1321) foi o escritor e poltico considerado o primeiro e maior poeta da lngua italiana, definido como il sommo poeta

    (o sumo poeta).

    O seu nome, segundo o testemunho do seu filho Jacopo Alighieri, era um hipocorstico

    de Durante, seguido nos documentos do patronmico Alagherii, ou do gentlico de

    Alagheriis, enquanto a variante Alighieri afirmou-se com o advento de Boccaccio.

    Tendo vivido numa poca fortemente marcada pela decadncia militar da Ordem dos

    Templrios no Ultramar e sobretudo pela perseguio, priso, condenao e abolio dos

    mesmos cavaleiros monges pelo rei de Frana, Filipe IV, manipulando o papa Clemente

    V, esses factos marcaram fortemente Dante que, possudo dum bom senso de justia e

    sabedor como todo o mundo civilizado do carcter ambguo o monarca francs, revoltou-

    se contra essas injustias, denunciou-as junto do poder poltico e at mesmo ter

    marcado presena poltica num episdio turbulento ocorrido em Florena com o papa

    Bonifcio VIII: em 1302 Filipe IV convocou Estados Gerais para acusar o sumo pontfice de heresia, e em 1303 enviou um grupo armado a Florena, ao Palcio de

    Anagni, onde reteve o papa prisioneiro por trs dias, at que a Guarda Papal, os

    Templrios apoiados pela burguesia local, em cujo nmero possivelmente se contaria

    Dante, libertaram Bonifcio VIII, que viria a falecer um ms depois por causas pouco

    explicadas, chegando at a levantar a suspeita de no terem sido naturais e sim por

    envenenamento, portanto, assassinado.

    O facto que praticamente Filipe IV apoiou a nomeao imediata de Clemente V e

    rapidamente comeou a perseguir os Templrios at conseguir acabar com a Ordem.

    Tudo isso revoltou Dante, amigo do Templo florentino que inclusive fizera parte de uma

    embaixada que em 1307 foi a Roma junto do papa reclamar debalde a inocncia dos

    Templrios.

    Dante teria conhecimento privilegiado do ideal religioso e social dos Templrios com

    quem teria privado na sua sede florentina em San Jacopo, no Campo Corbolini, sendo

    atribuda a eles a construo primitiva da igreja da igreja de San Jacopo SoprArno. O

    ideal de perfeio espiritual e justia temporal que os Templrios pretenderiam transmitir cristandade em particular e sociedade em geral, abruptamente interrompido pelo vcio

    da ganncia humana, era divulgado pela poesia e canto, prosa e trova da Confraria dos

    Trovadores, homens de livre pensamento, dotados de capacidades artsticas, que eram

    adeptos da Filosofia do Amor espiritual constantemente opondo-o ao domnio da Roma

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

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    temporal. Por isso eram chamados Fidelli dAmore (Fiis do Amor). Dante contava-se entre estes.

    A Confraria dos Trovadores e Jograis estava espalhada por toda a Europa e os primeiros

    ecos da existncia da mesma aparecem na poesia dos sculos X-XI composta de louvores

    Me de Deus e bendizendo da Humanidade. No seu papel de vates e bardos, os

    Trovadores, por meio dos seus cantos amorosos e satricos, espalharam muitas verdades

    iniciticas seguindo as ordens recebidas dos grandes Mestres Espirituais que dirigiam a

    sua aco. Eles eram, por assim dizer, os correios ou porta-vozes entre os Iniciados europeus e as respectivas Ordens Iniciticas da poca, havendo nisto uma relao

    profunda e indivisvel entre eles e o Espiritual do Templo.

    Quando, nos sculos XIII e XIV, Dante testemunhou impotente a extino sangrenta da

    Ordem dos Templrios, revoltado quis deixar aos vindouros as crnicas das verdadeiras e imaculadas intenes do Templo. E f-lo de forma magistral em obra que marca para

    sempre a literatura universal: La Divina Commedia (A Divina Comdia).

    Primeiro que tudo, como revolta contra Roma, em oposio aberta ao latim como lngua

    dominante, Dante Alighieri escreveu A Divina Comdia no seu dialecto local: o toscano (muito aproximado do que hoje conhecido com

    lngua italiana ou lngua vulgar), considerando-o

    como o mais elevado tipo de expresso e o

    dialecto padro do italiano. o primeiro sinal do

    seu apartamento de Roma e aproximamento do

    Amor concebido como a mais alta e divina

    Sabedoria.

    A Divina Comdia (no por ser engraada mas

    porque termina bem para os seus personagens, no

    Cu) est estruturada em 100 cantos, totalizando

    14.233 versos. Cada uma das suas trs partes (Cu, Purgatrio e Inferno) apresenta 33 cantos

    com cerca de 40 a 50 tercetos. O Inferno conta,

    ainda, com um canto introdutrio, formando o

    nmero 100, mltiplo de 10, nmero simblico da

    Perfeio Absoluta (100 = a Perfeio do Perfeito)

    marcada pelos 100 Nomes de Deus no Islo, por

    exemplo. Cada canto composto de 130 a 140

    versos em tera rima (versos repartidos em grupos

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    de trs). Na harmonia com os nmeros 3, 7, 10 e seus mltiplos, aparecem os indcios de

    forte simbolismo da cultura medieval ou da devoo do autor Santssima Trindade, tal

    qual os Templrios tambm era devotos da mesma. Essa harmonia determina a mtrica

    adoptada, com versos hendecasslabos (11 slabas) e rimas no esquema ABA, BCB, CDC, VZV (o verso central rima com os 1. e 3. do grupo seguinte). Esta estrutura deu

    origem ao chamado Terceto Dantesco, assim denominado por ter sido Dante o primeiro a

    empreg-la. Os trs livros rimam no ltimo verso, pois terminam com a mesma palavra:

    Stella, Estrela, significando que esto postos sob o padroado da Me Divina, a quem a ladainha mariana aclama como Stella Maris.

    Obra comeada a escrever na primeira dcada do sculo XIV, o primeiro livro de A

    Divina Comdia o Inferno, que Dante descreve como nove crculos de sofrimento, trs

    vales, dez fossos e quatro esferas, localizando-os no interior da Terra, no fsica mas

    psquica onde as ideias e imagens dantescas que o Homem criou em vida vive-as aps a

    morte. Significativamente, no oitavo crculo a que chama Maleboge (Fraude), Dante instala a dois papas: Bonifcio VIII, prevendo a sua condenao por simonia ou venda

    de favores divinos, e Clemente V, um papa ainda mais corrupto.

    Segue-se o Purgatrio, que Dante dispe como espao intermedirio entre o Inferno e o

    Paraso e localiza na poro austral, sul, do planeta, onde existe uma nica ilha com uma

    montanha composta por sete crculos ascendentes, reservados queles que se

    arrependeram em vida dos seus pecados e esto em processo de expiao dos mesmos.

    Quem guia Dante atravs do Inferno e do Purgatrio a alma imortal do poeta Virglio.

    No fim do Purgatrio, Dante despede-se de Virglio por este no ter acesso ao Paraso.

    Comea a seguir o terceiro livro: Paraso. Este retratado como um conjunto de esferas

    concntricas que cercam a Terra, sendo a Lua, Mercrio, Vnus, Sol, Marte, Jpiter, Saturno, as Estrelas Fixas, o Primum Mobile e o Empreo, ao todo, dez cus. A partir do

    terceiro cu So Bernardo de Claraval o Pai ou Mentor espiritual da Ordem dos Templrios aparece a guiar Dante atravs dos vrios mundos celestes. esse Santo quem mostra a viso de Deus a Dante, revelado como trs crculos concntricos, e quem

    intercede junto Virgem Maria para que Ela inscreva Dante no nmero dos eleitos

    celestes. No cu mais elevado, o poeta encontra Beatriz, a sua Alma amada, expresso da

    Graa Divina, e tem a viso de uma rosa branca com um tringulo no centro, expresso do Amor da Santssima Trindade que, muito significativamente, os Fidelli dAmore

    tambm adoptaram a rosa como seu smbolo. Atravs do Amor absoluto de Deus, Dante

    tem a experincia de unir-se com Ele e assim como todas as coisas, confessando no final

    da sua obra: Mas j o meu desejo e vontade era ser transformado pelo Amor que move

    o Sol e as estrelas.

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    TUMBA DE BEATRIZ, A AMADA DE DANTE

    A igreja de Santa Margarida de Florena, localizada esquerda da via do Corso,

    sobretudo famosa por estar nela o tmulo de Beatriz Portinari, a musa adorvel dos

    amores de Dante. Por isto que esta sede paroquial mais conhecida como igreja de Dante, vizinha da Casa do mesmo.

    Segundo o prprio Dante, ele conheceu Beatriz quando ainda era um jovem de 18 anos,

    apesar de a ter fixado na memria quando a viu pela primeira vez com nove anos de

    idade, tendo ela oito. Mas h quem diga que Dante s a viu uma vez e nunca falou com

    ela. No h elementos biogrficos que comprovem tudo isto.

    Beatriz Portinari, em italiano Beatrice (Bice) Portinari, segundo as informaes

    biogrficas fornecidas exclusivamente por Dante na Vita Nuova, teria nascido entre

    1265-66 e falecido em 8 de Junho de

    1290. A tradio identifica-a filha do

    banqueiro Folco Portinari, de Portico

    di Romagna, em cujo testamento, datado de 1287, deixou filha uma

    avultada soma de dinheiro. Ela casou-

    se com o fidalgo florentino Simone de

    Bardi, teve seis filhas e viveu em

    Florena numa casa vizinha da de

    Dante. Fundou aquele que hoje o

    hospital central de Florena, o

    Ospedale di Santa Maria Nuova.

    Por sua caridade crist, pelos

    encmios apologticos que Dante Alighieri lhe transmite, esta sua musa ou alma gmea

    ficaria imortalizada em Florena como Beata Beatriz, e assim a pintou Gabriel Rossetti

    em 1864, num quadro em que lhe aparece a Pomba do Esprito Santo trazendo no bico

    uma rosa.

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    A rosa era o distintivo dos Fidelli dAmore, e como

    flor mstica assinalava Maria a quem o Divino

    Esprito Santo se revelara. Era a flor da Iluminao

    espiritual, da Revelao ou Epifania e por isto que

    na ladainha mariana se evoca a Rosa Mstica.

    No amor corts ou galante dos sculos XII-XV, pela

    primeira vez desde os gnsticos dos sculos II e III,

    eram exaltadas a dignidade espiritual e a mais-valia religiosa da Mulher, sendo que muitos textos

    gnsticos exaltam a Me Divina bem como o

    Silncio mstico, o Esprito Santo, a Sabedoria Divina. A devoo Virgem, que dominou essa poca

    medieval, santificava indirectamente a Mulher. Mas

    Dante ir ainda mais longe: ele diviniza Beatriz.

    Proclama-a superior aos Anjos e aos Santos, imune ao

    pecado, quase ou mesmo comparvel Santa Virgem. Quando Beatriz est prestes a aparecer no Paraso terrestre, algum exclama: Veni, sponsa, del Lbano (Purgatrio, XXX, 11), que o famoso trecho do Cntico dos Cnticos (IV, oito) adoptado pela

    Igreja para louvar a Me Divina. Noutro passo (Purgatrio, XXXIII, 10 s.), Beatriz

    aplica a si prpria as palavras de Cristo: Um pouco, e no mais me vereis; outra vez um pouco, e ver-me-eis (Joo, 16, 16). Aparte a Virgem Maria, no se conhece outro exemplo to esplndido da divinizao de uma mulher. Evidentemente, Beatriz

    representava a Sabedoria e, portanto, o Mistrio da Salvao. assim que Dante, atravs

    das trs viagens iniciticas pelo Inferno, Purgatrio e Cu, prope Beatriz, idealizao do Eterno Feminino, como um meio privilegiado de comunicao de uma Metafsica

    destinada a despertar e salvar o Homem.

    A funo soteriolgica ou da salvao da alma humana pelo Amor e a Mulher portadora

    do mesmo, sendo proclamada pelo movimento literrio dos Fidelli dAmore, comportava sobretudo uma gnose ocultada e uma estrutura inicitica, como se apercebe

    na Vita Nuova (Vida Nova) que Dante dedicou mesma Beatriz.

    Nessa obra, escrita entre 1292 e 1293, apresentada a Iniciao pelo Amor espiritual, apresentando a Mulher como smbolo do Intellectus illuminatio, da Mente transcendente,

    da Sabedoria de Deus destinada a despertar o mundo cristo da letargia em que

    mergulhara por causa das indignidades espirituais papais. assim que nos escritos

    medievais dos Fidelli dAmore acham-se aluses a uma viva que no viva: a

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    Madonna Intelligenza, que foi convertida em viva porque o seu esposo, o papa, morreu

    para a vida espiritual ao dedicar-se por completo aos assuntos e corrupes temporais.

    O culto da Mulher nica e a Iniciao no Mistrio do Amor, faziam dos Fiis do Amor um Milcia espiritual secreta que utilizava uma linguagem oculta (parlar cruz, falar cruzado ou encriptado), para que a sua doutrina no fosse acessvel a gente grossa (grosseira, profana), como afirma Francesco da Barberino (1264-1348), um dos seus

    membros mais ilustres, adiantando um outro Fidelli dAmore, Jacques de Baisieux, que

    no se devem revelar os conselhos do Amor, e sim guard-los com muito cuidado. Espalhados por toda a Europa e ligados aos Trovadores e Jograis, os Fiis do Amor

    expressavam o ideal do Eterno Feminino como Dom supremo do Esprito Santo a quem

    chamavam Santo Amor e sendo a hipertlia ou difuso do culto mariano a sua maneira

    de afirmarem a presena do Parclito ou Consolador entre os povos aonde chegavam e se instalavam, no havendo corte real que no lhes abrisse as portas para logo depois

    aparecerem tambm elas convertidas em cortes de amor, como aconteceu com Afonso X, o Sbio, de Leo e Castela, e D. Dinis, o Rei Trovador, de Portugal.

    No se tratava, propriamente, de um movimento hertico, mas de uma agremiao de

    livres-pensadores, escritores e artistas que contestava a corrupo na Igreja e no

    reconhecia aos papas o prestgio de chefes espirituais da Cristandade, contestao

    cerrada que aumentou consideravelmente depois do extermnio sangrento da Ordem dos

    Templrios, perpetrada pelo rei de Frana, Filipe IV, e seu capataz o papa Clemente V. De resto, desde o sculo XII que os segredos e a arte de os encobrir impem-se em meios

    muito diversos, sabendo-se que tanto os enamorados como as seitas religiosas tm a sua

    linguagem secreta, e at hoje os membros de pequenos crculos esotricos do-se a

    conhecer atravs de sinais e smbolos, cores e senhas.

    Aparte as contingncias biogrficas imediatas, Beatriz para a lrica de Dante sobretudo

    o smbolo da Mulher Perfeita, da Graa Divina como a Alma amorosa garante da sua

    imortalidade espiritual. Pragmtica de um caminho de purificao mstica a seguir,

    Beatriz representa o despertar interior de Dante depois do seu desterro, da sua

    purificao em que teve de peregrinar por muitas e tortuosas sendas como viajante

    perdido at encontrar-se consigo mesmo, com a sua Alma imortal, ou seja, Beatriz.

    PRESENA DOS TEMPLRIOS EM FLORENA

    H diversos testemunhos da presena da antiga Ordem do Templo (1128-1312) em

    Florena. Um deles a igreja da Santa Cruz onde, num muro da via onde est

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    localizada, pode ler-se a tabuleta: Gia Via del Tempio, memria toponmica deste quarteiro ter sido dos Templrios. Em 1343 fundou-se nesta igreja a Compagnia di

    Santa Maria Vergine della Croce ao Tempio, e desde ento ficou conhecida como Santa

    Maria Virgem da Cruz [do Templo].

    Deu-se esse nome no s porque estava colocada vizinha ao patbulo e assistia aos

    condenados, mas sobretudo porque os Templrios possuam perto da um hospital, cujos

    enfermos e moribundos eram encomendados proteco misericordiosa e milagrosa de

    Santa Maria e a Cruz Santssima que o Templo adoptou como sua insgnia oficial, ou

    seja, o Lignum Crucis de toda a Cristandade.

    A Cruz Templria, originalmente chamada Phalus, era considerada a mais milagrosa de

    todas por ser crena geral que expressava o prprio Santo Lenho do Calvrio irradiando

    para as quatro direces do mundo a presena de Cristo, que aps morto ressuscitou e deixou a Palavra da Salvao transmitida pelos Apstolos mas recebida por Maria ao p

    da Cruz, como que dizendo que a Obra do Filho seria perpetuada pela Me agraciada

    pelo Esprito Santo.

    assim que essa tambm a Cruz da Consagrao quando se apresenta fechada numa rodela ou crculo, e como o acto de consagrar exclusivo das mais altas dignidades s o

    Mestre do Templo podia assinar os documentos consagradores de lugares ou pessoas

    com o smbolo da Cruz inscrita dentro do crculo,

    ou ento ostent-lo no topo do seu bculo de

    mando, chamado abacus.

    Acerca da Companhia ou Confraria do Oratrio

    da Santa Virgem da Cruz do Templo, fundada 31

    anos aps a abolio da Ordem Templria, os

    seus confrades tinham o hbito inslito de se

    reunirem complemente vestidos de negros e

    encapuados, de maneira que ningum reconhecesse algum, como se ainda perdurasse o

    terror de serem presos e acusados de Templrios,

    cuja forma cultual certamente mantiveram pelo

    menos no culto Santa Cruz que assim

    sobreviveu at hoje.

    Dentro desta igreja-oratrio, entre o arco e a

    ogiva da parede do fundo, h um grande fresco Santa Maria da Cruz ao Tempio

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    11

    muito maltatado devido ao aluvio de 1966. Pintura quinhentista de Bicci de Lorenzo

    (Florena, 1373 1452) e Stefano dAntonio, seu contemporneo, apresenta a Senhora em glria com o Menino no regao. Ladeiam-na dois Anjos. Abaixo, S. Francisco indica

    a Virgem a Jernimo Savonarola enquanto o Papa Eugnio IV (que foi membro desta Companhia) fala com S. Joo Baptista. Interessa aqui sobretudo o significado da de S.

    Francisco indicando ou iniciando ao Espiritual Mariano a Savoranola, que foi a

    conscincia acusadora dos pecados temporais da Igreja no seu tempo, o que remete para

    a primitiva pureza do ideal cristo vivido pelos Templrios, e tambm o Papa Eugnio

    IV (1343-1447) a guisa de Baptista na funo de anunciador da reforma moral da Igreja

    Ocidental e sendo quem decretou em Florena a reunificao com a Igreja Oriental.

    Morreu envenenado. Tambm nisto h similitude com a inteno original dos

    Templrios em unir social e espiritualmente o Oriente com o Ocidente. Morreram

    assassinados. Papa e Templrios de destino igual ao S. Joo Baptista, degolado.

    Um outro espao que pertenceu Ordem dos Templrios em Florena est no actual

    centro histrico da cidade, no longe da Ponte Vecchio. Trata-se da igreja de San Jacopo

    in Campo Corbolini (nome derivado de uma famlia, a Corbolini, que tinha casa na piazeta ou campo, hoje chamada Madonna degli Aldobrandini), e que a Ordem teria a

    sua sede provincial. Da igreja sabe-se que foi fundada em 3 de Maio de 1206 e que

    pertencia Ordem Templria em 1256, a qual em 1284 construiu uma cerca nova que

    englobou San Jacopo nos muros da cidade. Quando esta foi suprimida a igreja passou

    para a posse da Ordem de S. Joo do Hospital, da

    qual resta uma cruz no capitel do pequeno prtico.

    Originalmente, este templo destinava-se a acolher

    os peregrinos vindos da Ligria para o Norte de Itlia, mas tambm aqueles que desembarcavam e

    embarcavam tanto para a Terra Santa, no

    Ultramar, como em peregrinao martima a

    Santiago de Compostela, na Galiza dos primitivos

    gallo-portugueses.

    No interior desta igreja de San Jocopo (So Tiago), podem ver-se uma srie de frescos bizantinos medievais de que se destacam dois por

    sua relao directa com a teologia heterodoxa dos

    Templrios: a pintura de Jesus Morto saindo do

    sepulcro, acontecimento apontado ou anunciado

    pela Madonna que no se sabe se Maria de Nazar ou Maria Madalena, talvez uma mistura San Jacopo di Vecchio

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    inextrincvel de ambas como Me e Mulher, ou seja, como progenitora divina e genitora

    humana.

    A outra pintura retrata S. Miguel, abenoado por Cristo pairando acima envolto num

    esplendor de glria, frente de 11 Santos Apstolos representado a Mlcia Celeste, em

    luta com o drago atrs do qual dispem-se demnios representando as Foras do Mal.

    Se por um lado representa o conceito ortodoxo do embate da F com a heresia, por outro

    tambm assinala a ideia heterodoxa do encontro do conhecimento desvelado ou

    exotrico (representado por S. Miguel) com a sabedoria velada ou esotrica (assinalada no drago). Nisto, os Templrios eram rigorosamente ortodoxos na F, e amplamente

    heterodoxos no Entendimento da mesma, permitindo-se a interpretaes gnoseolgicas

    certamente hierticas mas jamais sendo herticas.

    Quando os Templrios de San Jacopo di Vecchio foram detidos e interrogados sob coaco da tortura para lhes arrancar as confisses de prticas hereges e imorais,

    processo que teve incio em 30 de Setembro de 1311 e foi dirigido por Antonio Orsi,

    bispo de Cremona e Florena, e por Pietro Giudici, arcebispo de Pisa e Ravenna, o mais

    que conseguiram saber dos monges cavaleiros aprisionados e maltratados foi que

    adoravam uma cabea branca de cabelos negros a quem chamavam Maginat, isto , imaginao. Certamente foi a maneira que encontraram para chamar imaginosos e

    fantasistas aos seus carcereiros, havendo at Templrios que depois de lhes terem

    mostrado a viso tenebrosa das cmaras de tortura, disseram que para no sofrerem os tormentos, estavam dispostos a jurar ter sido eles prprios a trair Jesus Cristo em

    pessoa.

    A Comenda Templria florentina, de relaes aprofundadadas com o Movimento Fidelli

    dAmore nesta cidade, era das mais ricas de Itlia, e por isso era das mais cobiadas pelo rei de Frana, Filipe IV. Com efeito, a sua jurisdio territorial estendia-se a Pisa, Siena

    e Lucca. Segundo um documento de 1255, esta Comenda de Florena foi durante todo o

    sculo XIII o centro administrativo da Toscana inteira.

    JERNIMO SAVONAROLA: O PROFETA DE FLORENA

    Jernimo Savonarola (Ferrara, 21.9.1452 Florena, 23.5.1498) foi o mais controverso reformador dominicano que chegou a governar Florena por um curto perodo de tempo.

    Provindo de uma antiga e tradicional famlia de Ferrara, revelou-se um intelectual muito

    talentoso devotado aos seus estudos, especialmente Filosofia e Medicina. Em 1474,

    quando de uma viagem a Faenza e aps ouvir um sermo inflamado por um padre

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    13

    agostinho, resolveu abraar a vida religiosa e incorporou-se Ordem Dominicana em

    Bolonha, sem o conhecimento dos seus pais.

    Sentindo profundamente a perda de valores espirituais trazida pelo ideal do

    Renascimento, mostrando-se incapaz de compreender e aceitar a nova sociedade, como

    evidencia no seu poema No declnio da Igreja que escreveu no primeiro ano de sua vida

    monstica, comeou a escrever tratados religiosos baseados em Aristteles e S. Toms

    de Aquino. Em 1481 o seu superior designou-o para pregar em Florena. Neste centro do

    Renascimento, de imediato ops-se energicamente vida profana e pag (com que via o culto esttico das figuras mitolgicas greco-romanas por parte dos artistas florentinos) e

    acusou a imoralidade prevalente nas classes sociais, especialmente na corte de Lorenzo

    de Mdici.

    Em 1489 voltou a Florena, e foi em Agosto de 1490 que Savoranola comeou os seus sermes inflamados e profticos no plpito da catedral de S. Marcos, com a sua

    interpretao furiosa do Apocalipse. Ningum escapava ao seu dedo acusador: pobres,

    ricos, nobres, vilos, artistas clrigos e at o prprio Papa eram apontados pelo zelo

    intenso deste dominicano. O seu sucesso foi total: toda a cidade de Florena ia ouvir os

    seus sermes na catedral, crescendo a sua influncia sobre o povo a quem era reclamado

    que voltasse vida da virtude crist. Os seus sermes e a sua personalidade causaram um

    profundo impacto em toda a sociedade florentina.

    O que levou Savonarola s leituras e comentrios do Apocalipse, foi o episdio seguinte

    acontecido em Florena: certo dia, ao dirigir-se a uma feira, viu repentinamente, em

    viso, os Cus abrirem-se e passarem diante dos seus olhos todos as calamidades

    apocalpticas destinadas sociedade em geral e Igreja em particular. Ento, ouviu uma

    voz do Cu ordenando-lhe que anunciasse essas coisas ao povo. Convicto de que tivera uma viso do Senhor, aumentou a intensidade furiosa dos seus sermes condenando tudo

    e todos os mpios pecadores.

    As suas crticas pblicas foram particularmente dirigidas contra os abusos na vida eclesistica, contra a imoralidade de grande parte do clero, sobretudo a vida imoral de

    muitos membros da Cria romana, assim como prncipes, cortesos e artistas, o que

    desagradou a todos os acusados, cogitando-se at que Leonardo da Vinci teria retratado

    Savonarola, na sua famosa pintura A ltima Ceia, no rosto de Judas Iscariotes.

    Nessa altura, Jernimo Savonarola profetizou que Lorenzo de Mdici, o Papa e o rei de

    Npoles morreriam dentro de um ano, o que de facto aconteceu. Mas logo depois da

    morte Lorenzo, o rei de Frana, Carlos VIII, invadiu a Itlia e avanou sobre Florena, e

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    14

    logo o profeta florentino passou a anunciar o dia prximo do Juzo Final, numa aluso ao

    monarca invasor. Ento, Savonarola elegeu Cristo rei de Florena e protector das suas

    liberdades. Um grande conselho, com representantes de todas as classes, passou a

    governar a Repblica e a lei de Cristo veio a ser a base da vida poltica e social. Apesar de Savonarola no interferir directamente na poltica, interferia indirectamente com as

    suas predicaes radicais, que at chegaram a levar muitas pessoas abastadas a queimar

    publicamente os seus artigos de luxo. Uma irmandade fundada pelo controverso profeta,

    encarregava-se de incentivar e obrigar os seus membros e demais cidados a uma vida

    piedosa, despegada dos bens materiais e vivendo letra o Cristianismo.

    Esses esforos de Savonarola geraram

    conflito com o Papa Alexandre VI, e como o

    pregador dominicano falava com violncia

    crescente contra o Papa e a Cria, deu-se a

    exigncia papal que ele pregasse a

    obedincia e fosse a Roma retratar-se, mas

    Savonarola recusou alegando no puder viajar por estar doente. Ento, ele foi

    proibido de fazer pregaes e o mosteiro de

    S. Marcos que fosse devolvido

    congregao do Geral da Ordem na

    Lombardia, e ele justificou-se que sempre se

    submetera ao julgamento da Igreja e que no

    havia razo para tal exigncia papal. Com

    isso, o mosteiro foi retirado da congregao da Lombardia e tornou-se ilegal, sendo a

    conduta de Savonarola julgada suavemente e

    mantendo-se a proibio de pregar.

    Neste ponto, Savonarola assumiu-se publicamente um profeta que recebia revelaes directas de Deus, assumia-se mandatado

    pelo prprio Deus e proferiu profecias de forma incontrolvel, demonstrando um

    comportamento mais caracterstico do fanatismo que de uma mente equilibrada.

    Arrependei-vos! O julgamento de Deus no tarda! Uma espada est suspensa sobre as vossas cabeas! Foi assim que aumentou e alimentou as paixes em Florena, quando prosseguiu as suas pregaes mais violentas do que nunca acusando os crimes do

    Vaticano e desafiando a autoridade papal. Prefigurou-se um cisma obrigando o Papa a

    agir novamente. Foi excomungado em 12 de Maio de 1497.

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    15

    Jernimo Savonarola terminou preso por ordem papal, sofreu a tortura e foi condenado

    morte em 1498. Em 25 de Maio desse ano, morreu queimado em praa pblica (Piazza

    della Signoria) em Florena, juntamente com dois outros frades dominicanos seus

    discpulos, Fra Silvestro e Fra Domenico da Pescia. As suas ltimas palavras foram: O Senhor sofreu tanto por mim!

    O aspecto proftico do ministrio e vida de Savonarola, principal caracterstica da sua

    pregao, a despeito de todos os exageros no desviam o enfoque do seu maior mrito de

    religioso: a denncia dos males da Igreja Catlica Romana e as suas reformas polticas moralizadoras locais. Com isso ensinava que todos os que so realmente crentes ou

    vivenciam intransigentemente o Catolicismo, no deixavam de estar na verdadeira Igreja.

    Essas ideias foram anotadas profusamente nas margens das pginas da sua Bblia

    pessoal, e reiterou-as nos seus livros sobre A Humildade, A Orao, O Amor, etc. No

    deixou de ser o precursor da Grande Reforma Protestante que seria iniciada por Martinho

    Lutero (1483-1546), a qual dividiria a Igreja do Ocidente entre os catlicos romanos,

    reconhecendo a autoridade absoluta do Papa, e os reformados ou protestantes, os que

    protestavam ou contestavam essa mesma autoridade absoluta do Papa.

    Jernimo Savonarola ficou para ser como o pr-reformador profeta e clarividente que

    muitos reconheceram ser, a ponto do prprio Pico della Mirandola afirmar: Savonarola pode ler o futuro to claramente quanto uma pessoa qualquer pode identificar que um

    pedao menor que a totalidade de uma coisa.

    FORMULAS CABALSTICAS NO BATISTRIO DE SAN GIOVANNI

    O Batistrio de San Giovanni (So Jo), padroeiro de Florena, considerado o edifcio mais antigo desta cidade sendo famoso pelas suas magnficas portas de bronze. Fica na

    Piazza del Duomo, a oeste da igreja de Santa Maria del Fiore.

    Consta que esta igreja foi construda no lugar onde havia um templo romano dedicado ao deus Marte, sendo incerta a data da sua fundao: possivelmente no IV-V sculo d.C.,

    sendo aumentado no sculo VII durante o domnio lombardo aps a converso ao

    Cristianismo da rainha Teodolinda. A primeira citao documentada a este edifcio data

    do ano 897, apontando a baslica de San Giovanni Battista (So Joo Baptista), a qual o Papa florentino Nicolau II reconsagrou em 1059, ento catedral desta cidade, tornando-

    se oficialmente o Batistrio de Florena a partir de 1128.

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    Herdando nas suas formas a tradio da geometria sagrada possuda pelos primitivos

    colgios de arquitectos e artfices romanos collegiam fabrorum que viriam a estar na origem da arte romnica e depois a gtica, o Batistrio um edifcio de planta octogonal

    com um dimetro de 25,60 metros, e cujo significado associa-o de imediato ao sacramento do baptismo. Com efeito, na Idade Mdia as pias baptismais tinham

    frequentemente a base de forma octogonal, ou eram erigidas sobre uma rotunda de oito

    pilares. Para Santo Ambrsio, a forma octogonal simbolizava a ressusrreio, por o

    octgono evocar a vida eterna que se alcanava ao imergir o nefito nas guas das pias

    baptismais, obtendo o estado de graa. Os ritos do baptismo cristo incluem dois gestos

    ou fases de notvel alcance simblico: a imerso e a emerso. A imerso, hoje reduzida

    asperso, indica o desaparecimento do ser pecador nas guas da morte, a purificao

    atravs da gua lustral, o retorno do ser fonte de origem da vida. A emerso revela a apario do ser em estado de graa, purificado, reconciliado com a fonte divina de vida

    nova. A pia baptismal medieval ocupava o centro deste espao e era feita de mrmore

    tendo volta os signos do Zodaco, alm de estar decorada com motivos geomtricos

    orientais, dizendo-se que a sua feitura fora inspirada na Divina Comdia de Dante

    Alighieri. Essa pia foi modificada em 1576 pelo artfice Bernardo Buontaleni a mando de

    Francisco I de Mdici, e a que hoje se pode ver.

    Planta do Batistrio

    assim que este Batistrio octogonal representa o oitavo dia (octava dies), o tempo da

    Ascenso de Cristo, tal qual o nefito ascende ou se torna parte reconhecida do corpo

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    17

    mstico de fiis da Igreja pelo sacramento do baptismo. Para reforar este sentido

    sacramental, em 1150 foi adicionada ao tecto do pavilho uma lanterna octogonal.

    De maneira a reflectir todo o universo espiritual e assim mesmo conter no seu interior a

    teologia do Cu, Purgatrio e Inferno inspirao danteana a partir de 1270 a cpula do Batistrio foi revestida a mosaico com fundo dourado, e decorada com oito

    segmentos em octgono numa srie de 6, numa perfeita disposio cabalstica donde

    sobressai o nmero 48 (86), que Rbano Mauro (784-856), abade de Fulda, Germnia,

    d como o nmero dos profetas bblicos, dos ministrios divinos e das revelaes espirituais. No topo deste esquema retrata-se a Hierarquia dos Anjos, a seguir a

    representao do Juzo Final, dominado pela grande figura do Cristo, e aos seus ps a

    ressurreio dos mortos, estando sua direita os justos recebidos no Cu pelos patriarcas

    bblicos, e sua esquerda est o Inferno com os demnios e pecadores.

    Para que houvesse por onde passar simbolicamente salvao divina, foram construdas

    trs portas de bronze: a Porta Sul obra de Andrea Pisano finalizada em 1336; a Porta Norte obra de Lorenzo Ghiberti finalizada em 1422, tendo em 1425 iniciado a execuo

    da Porta Leste. Trs portais reflectindo as Trs Pessoas da Santssima Trindade e

    igualmente os Novo e Antigos Testamentos cujo intermedirio entre os antigos

    Patriarcas e os novos Apstolos foi S. Joo Baptista.

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    18

    Cada uma dessas portas foi concebida segundo um jogo numrico cabalstico. assim

    que a Porta Sul consiste em 28 painis quadrangulares representando cenas da vida de S.

    Joo Baptista e as virtudes, estando dispostos em filas de 7 verticais por 4 horizontais,

    enquadrados por uma moldura em losango lobado (tambm conhecida como compasso gtico). Os primeiros 20 painis narram episdios da vida do Baptista, comeando na ala esquerda (1-10) e depois ao longo da direita (11-20), seguindo-se as personificaes

    das trs virtudes teologais (21-23), Esperana F Caridade, com a adio da Humildade (24), e por fim as virtudes cardeais (25-28), Fortaleza Temperana Justia Prudncia.

    Na Porta Norte so novamente 28 painis, agora com cenas do Novo Testamento,

    mostrando as duas ltimas fileiras 8 santos: S. Joo, S. Mateus, S. Lucas, So Marcos

    (Apstolos sinpticos), St. Ambsio, S. Jernimo, S. Gregrio, St. Agostinho

    (Doutores da Igreja). Antonio Paolucci descreveu esta Porta Norte como o mais importante evento da Histria da Arte de Florena no primeiro quartel do sculo XV. O significado cabalstico do valor 28 o de reflexo, tal qual como a Lua em seu ciclo de

    28 dias reflecte a luz do Sol, e essa reflexo aqui a do devoto contemplando as figuras das portas para que apreenda o seu sentido ltimo, conscientiza as virtudes que retratam

    e assim puder transp-las rumo perfeio do Paraso.

    A Porta Leste constitui-se de 10 painis com cenas do Velho Testamento, tendo sido

    utilizada a nova tcnica da perspectiva para que eles adquirissem profundidade, adquirindo um valor artstico prprio at ento desconhecido. Michelangelo referiu-se a

    esta como a Porta do Paraso, nome que permanece at hoje.

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

    19

    O significado cabalstico do nmero 10 remete para as

    escrituras judaicas informando que Deus criou o

    Mundo com 10 Atributos (Sephirots) e 10 era o

    nmero do Reino que primeiro fundou como Paraso ou den, onde postou a primeira parelha humana.

    Quando o Homem caiu no pecado original, o da

    corrupo sexual, Deus deu-lhe os 10 Mandamentos

    para que por eles pudesse reger a sua vida e assim

    retornar ao estado ednico desse mesmo Paraso

    original. Dez o nmero do Todo, o resumo da

    Criao Divina.

    No topo da Porta do Paraso est um grupo de esttuas

    reproduz o Baptismo de Cristo, obra de Andrea

    Sansovino que foi finalizada por Vincenzo Danti e

    Innocenzo Spinazzi.

    As trs portas do Batistrio so hoje cpias das

    originais que foram removidas em 1990 porque

    estavam entrando em estado de deteriorao. As portas originais esto no Museo

    dellOpera del Duomo, preservadas em contentores cheios de nitrognio.

    tambm muito significativo que no Batistrio jaza o Antipapa Joo XXIII, falecido em

    Florena em 22 de Dezembro de 1419, que se distinguiu em 1408 por tentar conciliar o

    Cisma do Ocidente, no que fracassou como intermedirio nas negociaes entre o novo

    Papa romano Gregrio XII e o de Avignon, Papa Bento XIII, a quem sucedeu mas

    depois acabou preso e excomungado. Foi sepultado, como pedira, neste Batistrio de San Giovanni e o seu belo tmulo, construdo entre 1425 e 1430, obra monumental de

    Donatello e Michelozzo.

    TUMBA HERMTICA DE LORENZO II DE MDICI

    Poucos dos que visitam o tmulo monumental de Lorenzo II, duque de Urbino

    (12.9.1492 4.5.1519), filho de Piero di Lorenzo de Mdici e neto de Lorenzo de Mdici, o Magnfico, na capela Medicea da igreja de S. Lorenzo em Florena, imaginam

    sequer que ele o descendente do maior patrono do Ocultismo florentino e que o

    compsito artstico do prprio tmulo encerra mensagem oculta.

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    Com efeito, Lorenzo de Mdici (Florena, 1.1.1449 Careggi, 9.4.1492), apelidado o Magnfico, estadista, diplomata e poltico soberano de facto da Repblica Florentina

    durante o Renascimento italiano, foi tambm o patrono protector de acadmicos,

    escritores, poetas, artistas e ocultistas, sendo o impulsor das primeiras imprensas italianas. Iniciou o movimento renascentista que rejeitava a cincia escolstica e

    teolgica e valorizava a pesquisa e cogitao do sentido da vida, colocando o Homem no

    centro do Universo, ou seja, como centro das atenes aos movimentos da evoluo

    universal em que o mesmo estava envolvido e era o seu pomo. O seu palcio tornou-se

    um centro cultural que, partindo da redescoberta da Antiguidade greco-latina, levou a um

    extraordinrio florescimento das artes e das letras. A sua vida coincidiu com os pontos

    altos do incio da Renascena em Itlia, e a sua morte marcou o fim da chamada Idade de

    Ouro de Florena.

    A corte artstico-cultural florentina patrocionada por Lorenzo de Mdici ficou conhecida

    como Movimento Neoplatnico, e est provada a sua relao com o pensamento ocultista

    da poca. Sempre sob a proteco do Magnfico, Marslio Ficino traduziu do grego ao

    latim o Corpus Hermeticum (editado em Florena em 1471), o Oracoli Caldaici e o Inni Orfici. Pico della Mirandola dedicou-se profundamente cristianizao da Kaballah

    hebraica, sendo inicialmente condenado pela Igreja e s salvo da acusao de heresia

    graas interveno de Lorenzo il Magnifico, alegando que muitas Ordens monsticas

    europeias tambm contribuam para o estudo da Astrologia e da Magia e que a sua

    inteno era puramente cultural. A Igreja temia o prncipe florentino e teve que aceitar a

    alegao da defesa, ficando o assunto por a. Tambm os poetas Pulci e Poliziano e os

    grandes artistas como Botticelli e Ghirlandio, faziam parte do Movimento Neoplatnico,

    e o prprio Michelangelo iniciou os seus estudos num atelier patrocionado por Lorenzo

    de Mdici.

    Foi Michelangelo quem desenhou e esculpiu a capela Medicea da igreja de San Lorenzo

    de Florena, e assim mesmo o tmulo do seu protector Lorenzo de Mdici e tambm este

    de Lorenzo II. Comeou a trabalhar na capela em 1519 e prosseguiu a obra enquanto no se transferiu definitivamente para Roma em 1534, deixando incompleta parte do projecto

    original.

    A formao cultural de Michelangelo foi caracterizada em sua juventude pelo estudo da Alquimia, logo conhecendo a sua simbologia o que deixou testemunhado nos versos

    seguintes: I sto rinchiuso como spirto in unampolla, e ainda Sol pur col foco il fabbro il ferro stende / al concetto suo caro e bel avoro / n senza foco alcun artista loro

    / al sommo grado suo raffina e rende. A ideia da alma contida numa ampola uma aluso evidente ao vaso alqumico onde se realiza a obra de transformao e subtilizao

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    da matria, desde o estado mais grosseiro

    at conseguir o fino ouro filosfico,

    smbolo da Sabedoria conquistada e com

    ela retornando Harmonia Universal, ou seja, a do Homem e da Natureza

    harmonizados entre si.

    Michelangelo representou esse retorno

    eterno no tmulo de Lorenzo de Urbino em pose meditativa sobre as esttuas

    laterais da Aurora e do Crepsculo, do Dia

    e da Noite, da Mulher e do Homem,

    marcando o incio e o fim da Grande Obra

    Hermtica e com isto o retorno ao estado

    primodial de Andrgino ou Ser Perfeito.

    Foi essa Perfeio que o artista deixou

    esculpida na sua obra magnfica e que vem

    a ser assinalada pelo simbolismo do Dia e

    da Noite, do Sol e da Lua, do Ouro e da

    Prata que o Pensador por cima (no tmulo)

    vai cogitando da sua fbrica. Por isso as trs figuras esto dispostas a configurarem entre elas um tringulo perfeito, expressando

    a perfeio do Corpo presente (Lorenzo de Urbino), a perfeio da Alma ausente

    (Crepsculo) e a perfeio do Esprito livre (Aurora).

    Tem-se assim os dois perodos universais de actividade e repouso que animam toda a vida regulando os ciclos existenciais do ser, o que hindus chamam de manvantara

    (aco) e pralaya (inrcia) e representado pelo Dia e a Noite.

    No simbolismo tradicional referente ao Dia, segundo o pensamento judeu a durao da Criao representada por seis dias. O stimo tem por significado representar a vida

    eterna. No quarto Livro de Esdras, dito tambm a Ascenso de Isaas, a alma libertada da

    servido do corpo empreende uma viagem que corresponde aos seis dias da Criao do

    Mundo, e ao stimo que simboliza o repouso de Deus. A alma deve assim passar por sete

    cus. Experimenta a criao do seu Eu atravs das diferentes criaes de Deus na

    sucesso dos dias. Assim, o dia vem a simbolizar uma etapa da ascenso espiritual.

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    Uma outra exegese rabnica interpreta o stimo dia no como o dia do repouso do Senhor

    depois das suas actividades de Criador Deus no pode conhecer a fadiga mas como o instante em que Deus cessa voluntariamente de intervir no Mundo, o instante em que Ele

    abandona ao Homem a conduo e a responsabilidade do Universo, para que faa a sua manuteno, acabamento, tornando-o Humano e digno de receber, um dia, o seu Criador,

    que viveria ento na companhia das suas criaturas; correlativamente, investido dessa

    misso co-criadora, o Homem chamado a tornar-se digno de viver com o seu Deus. O

    stimo dia simboliza, assim, o tempo da aco reservado a uma Humanidade entregue a

    si mesma, o tempo da responsabilidade e da cultura; por oposio Natureza, criada em

    seis dias e dada aos homens para nela desenvolverem a sua actividade prpria, e por

    oposio ao oitavo dia, que ser o da Renovao, quando Criador e criatura ficaro

    reunidos num Universo de perfeita Harmonia.

    O simbolismo tradicional da Noite expressa o tempo das gestaes, das germinaes, das

    conspiraes que vo desabrochar em pleno dia como manifestaes de vida. Ela rica

    em todas as virtualidades da existncia. Entrar na noite voltar ao indeterminado, ao

    indefinido, pr-existncia. Como todo o smbolo, a noite apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o vir a ser, e o da preparao do dia, de onde brotar a luz da

    vida.

    No misticismo teolgico, a noite simboliza o desaparecimento de todo o conhecimento

    distinto, analtico, exprmivel; mais ainda, a privao de toda a evidncia fsica e de todo o suporte sensorial. Em outras palavras, como obscuridade ou subjectividade, a noite

    convm purificao da mente, posto que vazio e despojamento dizem respeito

    purificao e revitalizao da memria, sendo o sono uma purga, e aridez e secura

    referem-se purificao dos desejos e afectos sensveis, at mesmo das aspiraes mais

    elevadas, e tambm nisto o sono uma purga e um revigor.

    A noite o tempo imanifestado, e o dia o espao manifestado. Sobre eles, tem-se o

    gnio cogitando em secretos pensamentos de alma evolada, e tudo isto que est na

    tumba hermtica de Lorenzo II neto do homnimo iluminado.

    O ESTDIO ALQUMICO DE FRANCISCO I

    A vida de Francisco I de Mdici (Florena, 25.3.1541 Florena, 19.10.1587) foi caracterizada por uma dicotomia em que ora se afirmava o tirano, ora o intelectual. Neste

    ltimo aspecto, mostrou-se pouco interessado na poltica e dedicou-se mais s Cincias,

    Alquimia, Arquitectura e decorao. Fundou a fbrica de porcelana e faiana, que

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

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    no prosperou at depois da sua morte. Deu continuidade ao patrocnio do seu pai Cosme I aos artistas, tendo fundado a Academia della Cusca. Iniciou a construo de uma galeria de pinturas e artesanato a que chamou Studiolo, e tambm ampliou e

    embelezou a Villa Medici.

    O Studiolo (estdio) um pequeno espao do Palazzo Vecchio (Palcio Velho) de Florena, que Francisco I empreendeu como ambicioso plano decorativo em que

    participou o mais famoso pintor maneirista da poca, Giorgio Vasari, que se encarregou

    da direco do projecto (1570-1572) ajudado pelos humanistas Giovanni Battista Adriani

    e Vicenzo Borghini.

    O Studiolo em parte era gabinete de despacho, em parte era laboratrio alqumico,

    refgio de Francisco I e sala de curiosidades. Aqui o prncipe praticava a Alquimia e

    desfrutava da sua coleco de objectos raros, rodeado de uma srie de telas temticas de grande tamanho que faziam parte das peas que a coleco abarcava. As paredes esto

    decoradas com 34 quadros com pinturas de temas mitolgicos, religiosos e

    representativas das diversas actividades humanas. Mirabello Cavalori contribuiu com a

    sua Fbrica de Ls, e Giovanni Battista Naldini pintou uma Manso dos Sonhos,

    possivelmente relacionada com o dormitrio adjacente de Francisco I. Um retrato da me

    do duque, Leonor de Toledo, obra de Bronzino, presidia neste espao.

    Apesar da sua m fortuna posterior, o Studiolo representa a culminao do que se

    chamou Alta Maniera, no tanto em qualidade mas sobretudo em representatividade do

    que significou esse estilo, que pouco depois

    entrou em franca decadncia superado pelo

    movimento contramaneirista e o posterior

    barroco.

    Refgio secreto de Francisco I, personagem de

    carcter complicado e taciturno, depois da sua

    morte o Studiolo foi desmantelado em 1590 pelo novo governante, o seu irmo Fernando I, e

    esquecido durante sculos, inclusive perdendo-se

    a memria da sua localizao dentro do palcio.

    S seria reconstrudo no sculo XX como uma

    raridade digna de visitar. Com efeito, em 1910

    Giovanni Poggi, superintendente dos Bens

    Culturais da Toscania, e Alfredo Lensi, chefe do

    gabinete para as Arte da Comuna de Florena,

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    redescobriram o paradeiro da sala perdida graas ao reconhecimento dos frescos

    sobreviventes no tecto. Milagrosamente, foi possvel recuperar as 34 telas que

    originalmente decoravam as suas paredes, bem como as oito esculturas de bronze.

    Neste seu Studiolo Francisco I encomendou a Vasari as pinturas representando os quatro

    elementos (Terra, gua, Fogo e Ar), para com os mesmos expressar a Natureza sobre

    quem opera o alquimista nas suas operaes filosficas no seu laboratrio, representativo

    do universo alqumico, como o lugar do ora et labora, donde laboratorium e

    laboratrio.

    No muito crvel que Francisco I se desse a operaes qumicas neste espao mas

    sobretudo a leituras apaixonadas de textos alqumicos, pelo que no ter ido mais longe

    que uma alquimia livresca, intelectual ou terica, mesmo assim deixando uma coleco

    valiosssima de pinturas a ver com o tema, de que se destaca a que est ao centro do tecto: La Natura e Prometeo (1570), de Francesco Poppi. Neste quadro a Natureza

    entrega a Prometeu a quintessncia necessria fbrica da Pedra Filosofal, neste caso

    sendo a criao do Homem Perfeito dotado da Mente Iluminada pelo Fogo da Razo cujo

    archote Prometeu ou Lcifer carrega consigo.

    Um outro quadro de Vaseri retrata Perseu e Andrmeda, mito grego que os alquimistas

    transpuseram para o simbolismo do Adepto (Perseu) triunfando sobre as vicissitudes da

    sua natureza inferior, principalmente a vaidade, e assim, com o gldio da verdade justia,

    poder finalmente libertar ou revelar a natureza superior e imortal de sua Alma

    (Andrmeda).

    Tambm merece meno a pintura Atalanta e Hipomenes (1572), de Sebastiano Marsili,

    figurando o Adepto perseguindo a Matria-Prima da Grande Obra Alqumica. Este tema

    deu origem a que o alquimista alemo Michael Maier (1568-1622) escrevesse e

    publicasse em 1617 o seu tratado alqumico precisamente com o ttulo Atalanta fugiens,

    em latim, e que se tornou o maior cone da literatura hermtica da Renascena. O ttulo

    completo da obra Atalanta fugiens, hoc est, emblemata Nova de Secretis chymica naturae. composta por 50 seces, cada uma com um emblema gravado e tendo um

    verso e um epigrama associados ao mesmo, alm de um discurso em prosa curta que

    elabora uma interpretao alqumica do simbolismo do emblema, incluindo igualmente

    um pequeno cnone musical.

  • ___________________________________________________________Florena Oculta

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    Essencialmente, a Alquimia representa a prpria evoluo do Homem de um estado em

    que predomina a matria grosseira para outro em que domina o esprito subtil:

    transformar em ouro os metais o equivalente a transformar o Homem em puro Esprito.

    A Alquimia implica, com efeito, o conhecimento da matria, segundo aplicada segundo uma qumica oculta que desconcerta os cientistas acadmicos que, no a entendendo,

    remetem-na para o plano do emprico. A Alquimia material (laboratorial) e a Alquimia

    espiritual (mstica) supem um conhecimento dos princpios de ordem tradicional,

    baseando-se muito mais nos princpios das

    propores e relaes qumicas que na anlise e

    comparao acadmica fsico-qumica, ou seja,

    importa-lhe muito mais a quintessncia ou

    esprito dos elementos que estes s por si. Por isso, quando se fala em ouro alqumico,

    subentende-se a filosofia inerente ao mesmo

    como estado mais elevado de realizao

    espiritual.

    Uma das prticas mais interessante das Alquimia

    era chamada, na Idade Mdia, de Arte Real.

    Partindo da ideia da imperfeio e decadncia dos

    seres da Natureza, a Suprema Grande Obra (Obra

    Mstica, Obra da Fnix, Via do Absoluto) era a

    reintegrao do Homem na sua dignidade

    primordial, divina. Encontrar a Pedra Filosofal

    era descobrir o Absoluto, era possuir o Conhecimento Perfeito (Gnose). Esta via

    principal devia conduzir a uma vida mstica na

    qual, uma vez extirpadas as razes do pecado, o

    homem se tornaria generoso, doce, piedoso,

    crente e temente a Deus.

    Por essa razo a Arte Real era Arte de Guerra (simbolizada, na Idade Mdia e chegando

    Renascena, por artes venatrias como a montaria e a falcoaria) prpria de Reis e

    Prncipes que guerreavam a sua prpria natureza inferior cultivando as maiores

    virtualidades de justia e perfeio que exerciam junto dos povos sob o seu domnio.

    Mas tambm se associava constantemente Arte Sacerdotal exercida por religiosos

    alguns dos quais subiram aos altares de santidade, como, por exemplo, Santo Alberto

    Magno, reconhecido Alquimista.

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    No reza a fama que Francisco I detivesse todos esses predicados de virtude que

    caracterizam o verdadeiro Adepto Filosofal, muito pelo contrrio, ficou como um

    governante dspota. Enquanto Cosmo I (que tambm se interessou pela Alquimia) havia

    conseguido manter a independncia de Florena, Francisco agiu mais como um vassalo do Sacro Imprio dos Habsburgo, cobrando pesados impostos dos seus sbditos para

    pagar somas avultadas ao imperador habsburgo. Diz-se que morreu envenenado.

    ALQUIMIA E HERMETISMO NO PALAZZO PITTI

    O Palcio Pitti (Palazzo Pitti) actualmente o maior complexo museolgico de

    Florena, ocupando uma superfcie de 32.000 metros quadrados repartindo-se em sete

    seces. Prottipo do estilo palaciano renascentista, o seu aspecto actual data do sculo

    XVII mas recua a 1458, quando o banqueiro florentino Luca Pitti o mandou construir

    sob projecto de Brunelleschi, ou do seu aprendiz Luca Fancelli. Em 1539 foi comprado

    pela famlia Mdici para servir de residncia oficial dos Duques da Toscana.

    Posteriormente albergou outras famlias importantes, como os Lorena, os Sabia, os

    Bourbon e os Bonaparte.

    No incio do sculo XX o Palcio Pitti, juntamente com o seu recheio, foi doado ao povo

    italiano pelo rei Vitor Emanuel III, e por esse motivo as suas portas foram abertas ao

    pblico e converteu-se na maior galeria de arte de Florena. Actualmente, mantm-se

    como museu pblico e as suas coleces iniciais foram ampliadas.

    Sabe-se que tanto Cosme como Francisco de Mdici interessaram-se profundamente pela

    Alquimia e Hermetismo, e inclusive deixaram sinais destas cincias esotricas tanto

    neste edficio como nas vrias das obras de artes que ele contm. Sendo impossvel apontar todos esses indcios presentes aqui em vrios milhares de obras de arte

    escultrica e pictrica, resta indicar uns poucos exemplares vista do grande pblico

    despercebido do significado oculto dos smbolos tradicionais que as peas carregam.

    No passadio elevado que ligava desde a antiga residncia real, o Palazzo Vecchio, a este

    Palazzo Pitti, obra encomendada por Cosme Mdici a Vasari, aparece o leo coroado,

    com a flor-de-lis na frente da coroa, possudo de duplo significado: se por um lado

    emblemtico da nobreza ducal florentina e toscana, por outro o seu simbolismo

    tradicional dos mais interessantes: poderoso, soberano, smbolo solar e luminoso ao

    extremo, o leo, rei dos animais, representa a prpria incarnao do Poder, da Sabedoria

    e da Justia. por esta ltima qualificao, garantia do Poder Temporal suportando a

    Autoridade Espiritual, que o leo aparece ornamentando tanto o trono do rei Salomo

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    27

    como o dos reis de Frana, de Itlia e doutros pases, inclusive os tronos dos bispos

    medievais. Foi feito o smbolo do Cristo-Juiz e do Cristo-Doutor, de quem ele carrega o

    livro ou rolo. Na iconografia medieval, a cabea e a parte anterior do leo correspondem

    natureza divina de Cristo, enquanto a parte posterior corresponde natureza humana de Jesus. Essas duas naturezas representavam-se por uma ponte que ligava ambas, ora indo

    do humano ao divino, ora vice-versa. Na Alquimia, o leo coroado representa o ouro,

    metal solar e o mais nobre ou puro de todos, com isso designando o Astro-Rei que no

    signo do Leo constitui o corao do Zodaco.

    No jardim do Palcio uma coluna apresenta vrios rpteis, que uns chamam lagartos e

    outros drages. Dois deles enroscam-se um no outro e parecem combater-se, formando

    um crculo indicativo tradicional da eternidade, ao qual os hermetistas chamam

    ouroboros (a serpente mordendo a prpria cauda), palavra que em hebraico significa

    serpente (ob) mas em copta quer dizer rei (ouro). Esta realeza hermtica indica aquele que ressuscitou, o que renasceu para uma nova vida espiritual aps solver ou

    dissolver a sua condio de homem profano mortal e coagular ou fixar essa nova de

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    homem espiritual imortal, donde o sentido de ressurreio e

    tambm aquele outro da dupla natureza de Jesus Cristo.

    Ainda no jardim, uma curiosa fonte mostra um gordo deus

    Baco montado numa tartaruga. Alm do seu aspecto

    burlesco e ldico imediato, prprio da arquitectura

    maneirista e renascentista florentina, h um significado

    oculto na mesma que a inscreve no contexto do simbolismo

    tradicional. Baco entre os greco-romanos era o deus das libaes (aqui representadas pela gua da fonte)

    popularmente associadas s orgias vincolas. Mas essas

    libaes so sobretudo as da Sabedoria que embriaga ou

    extasia quem bebe dela, o que veio a ser representado pela

    vide e o seu suco, o vinho, e por isto desde os primeiros sculos do Cristianismo o vinho

    era sinnimo simblico de Gnose, a Sabedoria Divina. Por isto Baco frequentemente

    associado ao deus proto-grego, fencio, Baal, que quer dizer Senhor Supremo, e o seu outro nome greco-romano, Dionsio, to-s significa Deus connosco. Trata-se da Divindade Suprema, do Deus da Sabedoria ou Ganesha hindu a quem os gnsticos

    cristos dos sculos III-V chamaram de Christus-Baal, mas que posteriormente, com a

    corrupo dos smbolos tradicionais acompanhando o desvirtuamento das que eram

    sociedades tradicionais, ficou exclusivamente como o deus das orgias bacanais, facto que

    aconteceu numa sociedade decadente mas que no auge da cultura e civilizao grega as

    bacantes eram exclusivamente sacerdotisas virgens castas adoradoras do Deus da

    Sabedoria. A corrupo s veio muito depois

    O facto de Baco apresentar-se aqui cavalgando a tartaruga,

    significa que o Deus Supremo dirige a sua Criao, o

    Universo. Com efeito, para os antigos clssicos greco-

    romanos a tartaruga era a representao simblica do

    Universo manifestado por aco da Fora do Esprito, a quem os hindus chamam Purusha, e assim era o suporte

    simblico do Trono Divino. Por isso, nesta fonte Baco

    figurado cavalgando a tartaruga, a mesma na qual os

    antigos Alquimistas viam uma figurao simblica da

    Grande Obra Hermtica tomando por base a essncia dos

    trs elementos qumicos principais da mesma: Enxofre Mercrio Sal. Ao Enxofre associavam a cabea da tartaruga, para com isso figurar o Cu ou Plano Superior; ao Mercrio ligavam a carapaa do animal, configurando

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    simbolicamente a Terra ou Plano Intermdio; ao Sal indicavam o ventre da tartaruga,

    emblemtico do Inferno ou Plano Inferior, Intraterreno.

    O simbolismo greco-romano de Baco montado na tartaruga tinha por lema festina lente,

    apressa-te lentamente, que o escritor romano Caio Suetnio Tranquilo (70-126 d. C.) atribui ao imperador Caio Jlio Csar Augusto. O humanista italiano que foi o primeiro

    impressor da Renascena, Aldus Manutius (1449-1515), adoptou esse lema para si

    dispondo-o sob uma tartaruga com uma vela de navio sobre o casco, que no s

    alegoria frota martima de Mdici Cosimo I, famosa por suas empresas ponderadas, mas sobretudo indicativa de prudncia e ponderao, assinalada na lentido da tartaruga,

    cuja vela por cima torna-se sinnima de fora de aco inflada pelo sopro do Criador,

    donde o sentido tradicional de Deus criando lentamente o Universo.

    Tambm no jardim dianteiro ao palcio ergue-se um obelisco encostado a um tanque em forma de pira ou prato adiante. O obelisco a forma apurada dos primitivos menires

    celtas e a expresso simplificada das antigas pirmides egpcias. Tem a funo de

    catalizador da Energia celeste e condensador da Energia Terrestre, o que os orientais

    chamam de Fohat e Kundalini e os ocidentais de telurismo sideral e telurismo

    planetrio. Portanto, o obelisco serve aqui de ponto ndulo central enceando ambos os

    tipos energticos e assim dando revigor ao espao em volta e aos seres que nele

    circulam. Esse revigor est representado no tanque circular cujo simbolismo indica o

    Oceano da Vida, as guas vitais da Criao sobre que se move o Esprito Divino assinalado pelas Energias Primordiais encadeadas pelo obelisco. Este, em Alquimia,

    representava as fases da Grande Obra que ligavam a Terra e o Cu, o espesso e o subtil, a

    Matria e o Esprito, enfim, a passagem gradual do estado de ser imperfeito ao elevado

    estado de Ser Perfeito, verdadeiro Filsofo do Fogo.

    Esse estado de Perfeio est representado dentro do palcio, na Fonte da Taa, em cujo

    topo est um menino tendo aos ps uma ave parecida fnix mtica. Trata-se da

    antropomorfizao do divino Delfim que na Obra Hermtica corresponde Pedra

    Filosofal, meta ltima da Alquimia cujo smbolo precisamente a fnix.

    O Palazzo Pitti revela-se assim sob um olhar distante do comum dos que passeiam pelas

    suas salas, um olhar sagrado encoberto pela fala muda dos smbolos mas que falam

    fundo aps desvelados. Visit-lo com inteno diversa da vulgar, revela-se uma viagem

    maravilhosa aos arqutipos interiores do prprio Homem.

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    CARLO COLLODI, O MAOM QUE CRIOU O PINQUIO

    Carlo Collodi o pseudnimo de Carlos

    Lorenzini (Florena, 2411.1826 Florena, 26.10.1890), jornalista e escritor que se tornou

    mundialmente famoso por ter criado o

    personagem Pinquio.

    Lorenzini iniciou a sua carreira escrevendo os

    catlogos de uma livraria florentina. Veio a

    tornar-se jornalista de sucesso e em breve

    escrevia para jornais de toda a Itlia. Fundou

    um jornal prprio que acabou fechado pela Censura em 1848, tendo reaberto onze anos

    depois por ocasio do plebiscito em que se

    votou a anexao da cidade-estado ao

    Piemonte. Voluntrio na Guerra da

    Independncia italiana entre 1848 e 1860,

    antes havia sido comediante. Em 1856, adoptou o pseudnimo de Carlo Collodi que o tornaria famoso.

    Publicou as obras Gli amici di casa e Um ramnzo in vapore. De Firenze a Livorno.

    Guida storico-umoristica, cerca de 1856. O seu primeiro livro infantil, intitulado

    Racconti delle fate, foi editado em 1876, no ano seguinte escreveu Giannettino e em

    1878, Minuzzolo. Em 1881 iniciou a publicao do Giornale per i bambini (Jornal para as Crianas), o primeiro peridico italiano voltado para o pblico infantil. Foi ali que, em curtos captulos, publicou originalmente a Storia di un burattino (Histria de um Boneco), o primeiro ttulo das Aventuras de Pinquio. Publicou ainda outros contos, como a Storia allegre, de 1887, mas nenhum deles alcanou o sucesso da sua obra-

    prima. Pinquio , sem dvida, a criatura que engoliu o criador: o mais famoso

    personagem da literatura infantil conhecido em todo o planeta, tendo o seu efectivo

    criador, Lorenzini, falecido repentinamente em 1890 na sua cidade natal, onde foi

    sepultado.

    A condio de maom de Carlo Collodi, apesar de no estar confirmada por nenhum

    documento oficial, indisputadamente reconhecida. Aldo Molla, reconhecido historiador

    oficial da Maonaria em Itlia, manifesta essa certeza ao servir-se de elementos

    biogrficos de Carlo Collodi que parecem confirm-la: a criao em 1848 do seu jornal

    chamado Il Lampione, que, como ele dizia, devia iluminar todos aqueles que vagueiam nas trevas; a sua participao militar nos voluntrios toscanos ao lado de Joseph

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    Garibaldi, afamado carbonrio e possivelmente maom; e, finalmente, a sua extrema

    proximidade ao reconhecido maom Mazzini, de quem se declarava discpulo apaixonado.

    Alm disso, os princpios fundamentais da Maonaria, contidos na trilogia Liberdade Igualdade Fraternidade, esto expressos nas Aventuras de Pinquio: a Liberdade, porque Pinquio um ser livre e ama a Liberdade; a Igualdade, porque a nica aspirao

    de Pinquio ser igual aos outros, e quando nasce nenhuma pessoa superior s demais

    por estar em igualdade de princpios; a Fraternidade, esta que o sentimento principal

    que faz agir as personagens do enredo nas diferentes situaes.

    Tem-se, pois, presente nas Aventuras de Pinquio (histria imortalizada pelo cineasta

    norte-americano Walt Disney nos meados do sculo XX, ele que tambm era maom de

    alto grau templrio) as trs colunas simblicas da Maonaria Universal: Liberdade de pensar ou livre-arbtrio; Igualdade de princpios psicossociais; Fraternidade entre todos

    os seres, resultando na Concrdia Universal.

    No conto infantil de Pinquio o seu criador Collodi ocultou uma mensagem

    profundamente espiritual, inicitica, de desenvolvimento do aperfeioamento intelectual

    e moral individual e colectivo, apontando como caminho para o mesmo a via manica.

    O enredo novelstico comea com o velho e bondoso carpinteiro Gepetto construindo um

    boneco de madeira de pinho cujo resultado final agradou-o muito. O nome Gepetto poder ser uma adaptao ficcionada de Ghetto, reunio de pessoas, muito possivelmente aludindo Fraternidade Manica e aos seus bons trabalhos. O boneco

    inanimado, marioneta movida por fios (semelhante ao fio da trama do destino que

    subjuga o ser humano enquanto no ganha a conscincia de que ele prprio pode

    determinar o seu futuro por seus pensamentos, emoes e actos presentes), a quem

    Gepetto baptizara de Pinquio (Pinocchio), ganhou vida quando a Fada Azul deu-lhe o

    condo da animao. Esta Fada ser alegoria encantadora da prpria Maonaria Azul,

    nome dado aos trs primeiros graus manicos Aprendiz, Companheiro, Mestre e que primitivamente eram os nicos existentes, tendo a ver com trs profisses bsicas de

    construtores: Pedreiro, Carpinteiro, Arquitecto.

    Tendo a Maonaria Azul atravs do Grau de Companheiro/Carpinteiro dado nascimento

    inicitico ao Homem Novo (dotado de padres superiores de educao intelectual e moral), no romance ele ficou conhecido como Pinocchio, palavra tpica italiana falada na

    Toscana e que significa pinho (em italiano padro, pinolo). Ora o pinho provm do

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    pinho, e o pinheiro tradicionalmente a rvore do Natal, aqui, do nascimento espiritual

    ou inicitico que acontece quando se recebe a Luz da Iniciao.

    Pinquio dotado de vida mas no de perfeio, e se mentir ou prevaricar o nariz cresce-

    lhe automaticamente, ou seja, exagera at fantasia as suas intenes e altera ou perverte

    a realidade dos factos. Isto acontece com muitos aspirantes ainda dando os primeiros

    passos no Caminho da Verdadeira Iniciao que a da Vida com os seus Mistrios

    constantes, confundindo o real com o irreal a ponto de substituir a verdade pela mentira

    convencendo-se e querendo convencer da mesma. Para que Pinquio no caia na iluso da mentira irreal, acompanha-o sempre a sua Conscincia Superior figurada no Grilo

    Falante, que admoesta-o constantemente para seu desgosto ou desiluso.

    Pinquio prefere as companhias da raposa matreira Joo Honesto e do gato malandro

    Gedeo, figurando a astcia e a desonestidade, e tambm do menino mau chamado Z Lamparina que o leva Ilha dos Prazeres, onde o tenta induzir no vcio do fumo, da

    bebida e do jogo, ou seja, vem a representar os maus costumes sociais que, no seu

    sentido ltimo, todo o verdadeiro e honrado maom deve combater promovendo

    revolues culturais e morais no ntimo da sociedade humana.

    Tal como Jonas foi engolido por uma baleia e depois expelido, segundo o relato bblico

    (Jonas, 1:1; II Reis, 14:25), tambm Pinquio foi engolido pela baleia e cuspido pela

    mesma, acabando por afogar-se no mar. Representa o arrependimento das faltas

    cometidas por no ter dado ouvidos Conscincia Superior. assim uma morte mstica,

    sendo a gua o elemento lustral de purificao interna e externa da natureza inferior de

    Pinquio.

    Tal como Jesus que era filho de um carpinteiro Joseph, e que morreu e ressuscitou da

    Cruz, tambm Pinquio era filho do carpinteiro Gepetto, e que morreu afogado como

    boneco de madeira e logo ressuscitou como um menino de carne, sangue e ossos, dotado

    de alma viva, assinalando este episdio final a ressurreio mstica do Mestre Maom no

    terceiro grau simblico, o que corresponde conquista da Perfeio de Vida que todo o maom, todo o ser humano no fundo, em meio aos contrastes e acidentes da sua

    existncia mortal, procura conquistar para no mais ser um simples e vulgar Pinquio.

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    Contactos: Por correio: ao cuidado de Dr. Vitor Manuel Adrio. Rua Carvalho Arajo, n. 36, 2. esq.

    2720 Damaia Amadora Portugal

    Endereo electrnico: [email protected]

    Stio internet: Lusophia

  • Vtor Manuel Adrio, renomado escritor esotrico portugus, consultor de

    investigao filosfica e histrica, formado em Histria e Filosofia pela

    Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito especializao na rea medieval

    pela Universidade de Coimbra. Presidente-Fundador da Comunidade Ter-

    gica Portuguesa e Director da Revista de Estudos Tergicos Pax, Adrio

    profundo conhecedor da Histria Medieval do Sagrado, sendo conferencista

    de diversos temas relacionados ao esoterismo, s religies oficiais, aos

    mitos e tradies portuguesas, s Ordens de Kurat (em Sintra) e do Santo

    Graal, das quais tambm faz parte.

    CAPA FRONTAL A4 - GUIAS INSLITOS DO MUNDO-FLORENAFlorena Oculta (2010).pdfCONTRA-CAPA A4 - GUIAS INSLITOS DO MUNDO