federalistas na bahia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA VINÍCIUS MASCARENHAS DE OLIVEIRA FEDERALISTAS NA BAHIA: TRAJETÓRIAS, IDÉIAS, SOCIEDADES E MOVIMENTOS (1831-1838) Salvador - BA 2012

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Federalistas Na Bahia

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO EM HISTRIA

    VINCIUS MASCARENHAS DE OLIVEIRA

    FEDERALISTAS NA BAHIA: TRAJETRIAS, IDIAS, SOCIEDADES E MOVIMENTOS (1831-1838)

    Salvador - BA 2012

  • VINCIUS MASCARENHAS DE OLIVEIRA

    FEDERALISTAS NA BAHIA: TRAJETRIAS, IDIAS, SOCIEDADES E MOVIMENTOS (1831-1838)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, sob a orientao do Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo.

    Salvador-BA 2012

  • ____________________________________________________________________________

    ___ Oliveira, Vincius Mascarenhas de O48 Federalistas na Bahia: trajetrias, idias, sociedades e movimentos (1831-1838) / Vincius Mascarenhas de Oliveira. Salvador, 2012. 149f. Orientador: Prof Dr Dilton Oliveira de Arajo. Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, 2012.

    1. Federalismo - Bahia. 2. Imprensa. 3. Sociedades. 4. Revoltas. I. Arajo, Dilton Oliveira de. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.

    CDD 981.42

    ________________________________________________________________________________

  • AGRADECIMENTOS

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pela concesso

    de uma bolsa de 24 meses.

    Ao Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo, orientador que, desde a graduao, me incentivou a

    cultivar interesse pelo tema de pesquisa.

    Aos professores da Universidade Federal da Bahia, especialmente professora Lina Aras

    pelas indicaes de importantes fontes bibliogrficas.

    Ao professor Olavo de Carvalho, obstinado defensor da cultura.

    Aos funcionrios do Arquivo Pblico do Estado da Bahia.

    Aos meus pais e familiares, pelo estmulo e valorizao.

    minha esposa, Silvana, que ao lado dos amigos Marcelo e D. Petrini, me ajudaram a tomar a

    deciso de pleitear o mestrado.

    Aos amigos de Comunho e Libertao, em especial aos cariocas, Carlitos e Dot, que me

    acolheram com muito carinho em suas casas, no perodo das pesquisas no Rio.

    A Cndido, Urano e Djalma, verdadeiros amigos de arquivos e festejos. E aos colegas da

    turma de 2010, em especial, Elisa, Siquara, Cristian e Luizo.

    Por fim, agradeo a Deus pela existncia, a Cristo pela redeno, e Virgem Maria, aos

    Santos e Santa Madre Igreja por me ensinarem o que devo fazer delas.

  • As foras que movem a Histria so as mesmas

    que movem o corao do homem

    Luigi Giussani

  • INTRODUO...........................................................................................................................9

    PERSPECTIVA HISTORIOGRFICA DO FEDERALISMO NO IMPRIO DO

    BRASIL.....................................................................................................................................12

    UM OLHAR SOBRE A BAHIA...............................................................................................22

    ESTRUTURA DO TRABALHO..............................................................................................28

    CAPTULO I: SOCIEDADES FEDERAIS NA BAHIA..........................................................30

    1832: SOCIEDADE FEDERAL MODERADA............................................37

    1834: SOCIEADE FEDERAL EXALTADA................................................53

    SINGULARIDADE BAIANA..........................................................................62

    CAPTULO II: FEDERALISMO, IMPRENSA E REVOLTA EM 1831.................................65

    O CLUBE DO GRAVAT SOCIEDADE CONSERVADORA..................75

    A NOVA SENTINELLA EM DEFESA DA FEDERAO...........................84

    DA IMPRENSA S ARMAS..........................................................................95

    CAPTULO III: MUDANA DE CONTEXTO POLTICO - ATO ADICIONAL...............103

    A IMPRENSA FEDERALISTA APS O ATO ADICIONAL....................110

    A SABINADA...............................................................................................124

    CONSIDERAES FINAIS...................................................................................................138

    FONTES..................................................................................................................................143

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.....................................................................................145

    SUMRIO

  • RESUMO

    O objetivo deste trabalho a investigao sobre o desenvolvimento de atividades, tais

    como as revoltas, a criao de associaes, de jornais e panfletos, bem como a ao poltica

    nos rgos institucionais, que tiveram como finalidade facilitar, propagandear, impor ou

    concretizar a proposta federal na Provncia da Bahia das regncias, entre os anos de 1831 e

    1838. Buscou-se superar as limitaes de uma perspectiva que privilegiou as revoltas armadas

    em detrimento de outras maneiras de sustentar a bandeira federalista, demonstrando a presena

    desta em diversas conjunturas: preparao para as revoltas, debates por reformas

    constitucionais, impactos do Ato Adicional. Embora a federao estivesse ancorada na ao

    poltica de letrados de classe mdia exaltados, alguns de seus elementos alcanaram influncia

    no pensamento de representantes moderados, sobretudo no que diz respeito diviso das

    rendas do governo central e das provncias.

    PALAVRAS-CHAVE: FEDERALISMO, IMPRENSA, SOCIEDADES, REVOLTAS.

  • ABSTRACT

    The objective of this work is the research on the development of activities, such as revolts,

    creating associations, newspapers and pamphlets, as well as political action in institutional

    bodies, which were intended to facilitate, propagandize, impose or implement the proposal

    federal in the Province of Bahia of regencies, between the years 1831 and 1838. The goal was

    to overcome a limited perspective that favored armed revolts over other ways of sustaining the

    banner of federalism, demonstrating the presence of this in various situations: preparation for

    revolts, debates on constitutional reforms, impacts of the Additional Act. Although the

    federation was anchored in political action of people literate of exalted middle-class, some of

    its elements reached influence the thinking of moderate representatives, particularly with

    regard to the division of revenues from the government central and of provinces.

    KEY-WORDS: FEDERALISM, PRESS, SOCIETIES, REVOLTA

  • 9

    INTRODUO

    Partindo da idia de que os conceitos tm histria, cabe aqui desenvolver em linhas

    gerais qual significado o termo federalismo assumiu para os homens que o propuseram no

    contexto espao-temporal visado pela pesquisa. poca das regncias, os termos federal e

    confederal, utilizados como sinnimos, estiveram muito em voga. Os propugnadores do

    federalismo na Bahia desejavam maior autonomia provincial, que se concretizaria com a

    limitao da ingerncia do poder central sobre os assuntos provinciais e com a aplicao das

    rendas das provncias no seu melhoramento prprio.

    Ao longo da dcada de 1830, vrias propostas foram apresentadas sob terminologias

    diversas: federao, confederao, santa federao imperial, repblica federativa etc.

    fundamental pontuar, antes de tudo, a existncia de propostas federalistas em perodos

    anteriores. Projetos de federao j haviam surgido no mbito do Imprio Portugus com D.

    Rodrigo de Souza Coutinho. O membro da burocracia imperial imaginou que a federao se

    adequaria situao portuguesa, uma vez que sua idia consistiria em conceder autonomia ao

    Brasil, a mais prspera colnia portuguesa, de modo a impedir possveis rupturas. Assim,

    Portugal se tornaria o centro da federao, e o Brasil teria condies institucionais para

    desenvolver seu potencial econmico. Cabe assinalar que o projeto de D. Rodrigo se prestou a

    uma interpretao diferente do contedo do termo federao, que, at ento, significava o

    estabelecimento de um pacto de unidade entre Estados independentes.1

    Voltando a ganhar destaque durante os debates em torno da Constituio de 1821, a

    federao foi considerada por representantes das provncias do Brasil como um meio de

    garantir um ordenamento do Imprio portugus, com a possibilidade de se levar em conta as

    especificidades de suas ptrias.2 A posterior ruptura com a Independncia e as reunies da

    1 COSER, Ivo. A histria conceitual do Brasil no mundo ibero-americano. In: Joo Feres Jnior. (Org.). Lxico da histria dos conceitos polticos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, p. 91-118. 2 Entendida aqui como lugar de origem. Cf. JANCS, I.; PIMENTA, J. P. G. Peas de um mosaico (apontamentos para o estudo da emergncia da identidade nacional brasileira). In: MOTA, C. G. (Org.) Viagem

  • 10

    Assemblia Constituinte em 1823, colocaram a federao como um dos temas mais debatidos,

    nos quais alguns parlamentares propuseram a aprovao da carta constitucional pelas

    provncias. Estes anseios, abafados com a outorga da Constituio de 1824, ganharam nova

    fora quando o reinado de D. Pedro I entrou em crise, conduzindo-o abdicao.3

    Baianos atuantes no contexto dos debates constitucionais estiveram presentes no

    perodo das regncias, nas prises, na imprensa e no parlamento, a exemplo de Cipriano

    Barata e Antonio Ferreira Frana. Esses homens pensavam que o sistema de centralizao no

    obtivera xito. Ademais, a oportunidade estava colocada com a abdicao do Imperador.

    Havia tempo, portanto, para fazer reformas no sentido federal. No seria possvel recomear o

    pas, apagar a Histria, mas era possvel reformar o arranjo institucional, assim como o

    funcionamento da justia.

    No bojo das mudanas de contexto poltico brasileiro, ocorreu a difuso de um

    conceito de federalismo oriundo da experincia estadunidense, corporificada na Constituio

    de 1787. Por conta disso, a sinonmia existente entre federao e confederao foi se

    desfazendo ao longo do sculo XIX. Com a criao dos Estados Unidos da Amrica, o termo

    federalismo assume um significado diferente:

    La solucin de compromiso del presidencialismo norteamericano, algo no previsto em doctrina alguna, com su yuxtaposicin de una soberania nacional y de las soberanias estatales (...), no correspondia a lo que la doctrina poltica entendia entonces por federalismo, en cuanto forma de Estado de opuesta a la de unidad.4

    A partir de ento, a terminologia passa a se identificar a uma forma de governo jamais

    experimentada. A Constituio proposta no estritamente nacional ou federal, mas uma

    composio de ambos os princpios.5 A diferena repousaria no fato de que

    incompleta a experincia brasileira 1500-2000. Formao histrias. So Paulo: Senac, 2000. p.127-76, p. 130. 3 Ibidem. 4 CHIARAMONTE, Jos Carlos. El federalismo argentino em la primera mitad del siglo XIX. In.: CARMAGNANI, Marcello de (Coord.). Federalismos latinoamericanos: Mxico/ Brasil/ Argentina. Mxico: Fondo de cultura econmica, 2003, p. 86. 5 LIMONGI, Fernando Papaterra. O Federalista: remdios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (org.) Os Clssicos da Poltica. So Paulo: tica, 2004, vol. 1. , p. 244-287, p. 248.

  • 11

    enquanto em uma confederao o governo central s se relaciona com Estados, cuja soberania interna permanece intacta, em uma Federao esta ao se estende aos indivduos, fazendo com que convivam dois entes estatais de estatura diversa, com a rbita de ao dos Estados definida pela Constituio da Unio.6

    Aps a Constituio dos Estados Unidos, o contedo da terminologia adquiriu o

    significado de forma de governo na qual se combinam duas esferas de poder, ambas atingindo

    os cidados, mas cada qual com uma esfera de competncias, mais ou menos, definidas.

    Anteriormente, a unio federal era pensada como um corpo poltico surgido pela aliana de

    Estados independentes, sem a prerrogativa de interferir na vida dos cidados de tais Estados,

    ou seja, tinha o mesmo significado que confederao.

    O que prevalece a noo de que o termo federalismo polissmico. Isso fica patente

    com uso que dele fizeram D. Rodrigo, os representantes das provncias da Amrica portuguesa

    nas Cortes de Lisboa e os deputados da Assemblia Constituinte de 1823. Em cada um desses

    contextos a federao seria aplicvel para atender necessidades distintas. Nas regncias, o

    termo assumiria contornos diferentes, uma vez que os federalistas se encontravam em outra

    conjuntura. Apesar da influncia estadunidense, que pode ser facilmente comprovada com a

    leitura deste trabalho, os contornos terminolgicos foram sempre movedios. A existncia de

    um governo centralista ao longo do reinado de D. Pedro I impediu que o processo ocorresse tal

    qual nos Estados Unidos. Mas, por sua vez, nenhum dos federalistas props que deveria

    acontecer da mesma maneira.

    Este tpico tem como objetivo esclarecer que o federalismo ao qual se refere este

    trabalho o que encerra as propostas e anseios dos federalistas da Provncia da Bahia no

    contexto das regncias (1831-1838). Estes que, desejosos por maior autonomia provincial,

    lutaram por reformas ou nutriram sonhos por mudanas mais profundas. Isso no quer dizer,

    entretanto, que a polissemia tenha desaparecido, nem que a federao fosse proposta em

    estado puro, ou seja, sem a combinao com diferentes tipos de exerccio do poder federal, a

    exemplo da monarquia e da repblica.

    No h intenes de definir conceitos da cincia poltica. Este exerccio requer um

    profundo trabalho de observador que, procurando apreender a realidade poltica atravs do

    6 Ibidem.

  • 12

    estabelecimento de conceitos crticos, acaba por se confrontar com as concepes de ordem

    que prevalecem na sociedade.7 Acrescente-se apenas que essa deciso tornou-se necessria a

    partir das consideraes de Eric Voegelin, para o qual a sociedade realiza uma

    autointerpretao da realidade, estabelecendo smbolos da linguagem que a ajudam a realiz-

    la. Desse modo, distinguem-se os smbolos da linguagem que so integrantes do mundo social,

    dos smbolos da linguagem da cincia poltica. Os ltimos so frutos de um processo de

    esclarecimento crtico deveras trabalhoso.8 Da que termos como centralismo, unitarismo,

    liberalismo, federalismo, confederalismo, pacto federativo, no representariam mais que

    smbolos de linguagem utilizados pela sociedade em busca de compreender a realidade

    poltica. Ao historiador, portanto, importa saber o que tais smbolos representaram para a

    sociedade ou parte dela em um determinado contexto espao-temporal.

    PERSPECTIVA HISTORIOGRFICA DO FEDERALISMO NO IMPRIO DO

    BRASIL

    Tradicionalmente, a historiografia brasileira caracterizou o arranjo institucional do

    Imprio do Brasil como centralista ou unitrio. Fato que pode ser atestado mediante uma

    anlise das obras mais comentadas da historiografia da poltica imperial.9 O federalismo, no

    entanto, figurando entre as propostas polticas estampadas em peridicos, defendidas por

    sociedades e, inclusive, ganhando importncia em alguns perodos especficos, atravs de

    representantes polticos em rgos institucionais, no foi excludo da anlise dos historiadores,

    muito embora os estudos em torno do tema sejam escassos.

    Jos Murilo de Carvalho endossa a tese segundo a qual prevaleceu um modelo de

    governo centralizado no Imprio, mas concebeu um breve captulo tratando do federalismo no

    7 VOEGELIN, Eric. O que realidade poltica. In.: VOEGELIN, Eric. Anamnese: da teoria da histria e da poltica. So Paulo: Realizaes, 2009, p. 425-513. 8 Idem. A Nova Cincia da Poltica. Braslia: Editora da UnB, 1982, p. 34. O termo esclarecimento crtico uma traduo de critical clarification. Terminologia presente na obra original. Cf. VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics. Chicago: University of Chicago, 1952. 9 CARVALHO, Jos Murilo de. A Construo da Ordem/Teatro de Sombras. 2. ed. Rio de Janeiro: RELUME DUMARA, 1996. v. 1 e MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema, So Paulo: Hucitec, 2004.

  • 13

    Brasil.10 A anlise, apesar de superficial, tem perspectiva ampla. Partindo da poca colonial, o

    autor comenta a escassa presena do poder metropolitano, em contradio com o surgimento

    de um regime monrquico poltica e administrativamente centralizado. Vislumbra a

    possibilidade do federalismo monrquico para a manuteno do Reino Unido de Portugal,

    Brasil e Algarves, durante os debates ocorridos na poca das Cortes de Lisboa.

    A Independncia do Brasil teria dado incio ao Estado centralizado, simbolizado pela

    Constituio de 1824. Porm, com a abdicao de D. Pedro I, em 1831, as regncias atuariam

    em nome do trono e intensificaram-se os debates acerca das reformas constitucionais. Para

    Carvalho, os resultados dos debates levaram a la Reforma Constitucional de 1834 que adopt

    algunos elementos federales como las assembleas provinciales, la divisin de los ingresos

    fiscales y la eliminacin del Consejo de Estado.11 Assim, configurou-se um semi-

    federalismo que logo se encerrou com a Interpretao do Ato Adicional e a centralizao da

    Justia, mediante mudanas legais realizadas entre os anos 1840 e 1841, no contexto do

    movimento denominado regresso conservador.

    O autor prossegue apresentando o contexto de embate entre centralizao e

    descentralizao, simbolizado respectivamente pelo Visconde do Uruguai e Tavares Bastos.

    No final do Segundo Reinado, o federalismo seria ainda considerado a tbua de salvao da

    monarquia, atravs dos discursos de Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. A centralizao

    administrativa e a liberdade teriam se tornado parmetros que situariam o posicionamento dos

    representantes nesse perodo em relao ao federalismo. O Imprio do Brasil teria, portanto,

    vivido um brevssimo semi-federalismo, alm de, em variados momentos, ter presenciado

    debates em torno de propostas federalistas. A abordagem apresentada por Carvalho baseada

    na anlise da administrao imperial, assim como da atuao de nomes importantes no mbito

    da poltica do Imprio, no levando em considerao, por exemplo, as sociedades federais

    formadas com intuitos polticos.

    Miriam Dolhnikoff aponta tambm em direo ao estudo do arranjo institucional, mas

    sua anlise est ancorada nas atividades desenvolvidas pelas Assemblias Legislativas

    Provinciais, melhor dizendo, na ao das elites regionais especificamente de So Paulo, Rio

    10 Idem, Federalismo y centralizacin en el Imprio Brasileo: historia y argumento. In.: CARMAGNANI, Marcello de (Coord.). Federalismos latinoamericanos: Mxico/ Brasil/ Argentina. Mxico: Fondo de cultura econmica, 2003, p. 51-81. 11 Ibidem, p. 60.

  • 14

    Grande do Sul e Pernambuco. As concluses de suas pesquisas apresentam uma discordncia

    em relao s interpretaes reinantes, pois a autora advoga o advento de um pacto

    federativo, que teria sido gestado pela reforma de 1834, pacto este que se estenderia at o fim

    do perodo imperial.

    Como principal argumento em favor da vigncia do aludido pacto, Dolhnikoff

    apresenta a exclusividade da Assemblia Legislativa Provincial na elaborao do oramento

    provincial, o que permitiria s provncias o desenvolvimento de uma poltica econmica

    objetivando seu crescimento material, a exemplo da realizao de obras pblicas, sobretudo no

    setor dos transportes.

    Ao poder provincial se estendia a competncia de criar, extinguir, modificar empregos

    provinciais e municipais. A autonomia tributria no se limitaria s atribuies elencadas

    acima, pois as provncias tambm tinham a prerrogativa de possuir uma fora policial cujos

    principais objetivos eram a manuteno da ordem e a garantia de cobrana dos tributos.

    Para Dolhnikoff, a reviso conservadora dos regressistas no atacou o ncleo do

    pacto federativo, pois resultou de uma disputa poltica por pontos especficos, e no um

    confronto pela implantao de um arranjo institucional diferente daquele constitudo em 1834.

    A Interpretao do Ato Adicional, em 1840, e a reforma do Cdigo de Processo Criminal, em

    1841, geraram a capacidade de interveno do centro no controle da constitucionalidade das

    leis promulgadas pelos poderes provinciais.12 As revises no modificaram o arranjo

    institucional criado pelo Ato Adicional. Em ltima instncia, a existncia do pacto

    federativo seria justificada pela coexistncia de dois nveis autnomos de governo (regional

    e central), definidos constitucionalmente.13

    A tese bastante controversa. Analisando a obra da autora se encontram vestgios de

    uma mudana terminolgica, no acompanhada de ressalvas argumentativas. Em um captulo

    denominado Elites regionais e a construo do Estado nacional, Dolhnikoff afirmou que O

    ato adicional concretizava (...) o arranjo federalista, de tal sorte que estes grupos [das elites]

    encontravam, no mago do Estado, nichos de acomodao confortveis o suficiente para

    12 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. So Paulo: Globo, 2005, p. 141. 13 Ibidem, p. 288.

  • 15

    dispersar os vos separatistas.14

    Na sua obra O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil, publicada dois anos

    depois, ao mencionar o impacto do regresso conservador, o termo arranjo federalista

    substitudo por pacto federativo: (...) a reviso conservadora no atacava o cerne do pacto

    federativo.15 Um indicativo do quo contestvel a concluso apresentada por Dolhnikoff. A

    mudana de termos no explicada, talvez porque a autora tenha considerado arranjo

    federalista mais impactante e, consequentemente, mais problemtico, excluindo-o do seu

    texto. A estrutura argumentativa da autora nos dois textos basicamente a mesma, sendo

    obviamente mais esmiuada na sua obra recente que consagra o termo pacto federativo. Esta

    observao, entretanto, no tem por objetivo desconsiderar os estudos de Dolhnikoff sobre a

    participao das elites regionais na esfera da poltica imperial, uma vez que h contribuies

    importantssimas, aliceradas por vasta pesquisa.

    A perspectiva contemplada, at ento, se baseia em anlises colhidas nos dispositivos

    legais, nos procedimentos administrativos e na ao poltica de alguns expoentes, atribuindo,

    consequentemente, mais centralidade ao arranjo institucional do corpo poltico do que s

    atividades das sociedades polticas, peridicos e de atores com importncia mais localizada.

    Tais dimenses da ao poltica de carter federalista na histria do Imprio do Brasil no

    foram totalmente negligenciadas, assim como o estudo do federalismo presente em revoltas

    armadas.

    Muito importante nesse sentido a obra de Evaldo Cabral de Mello A outra

    independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. No decurso desse perodo se

    desenvolveram na Provncia de Pernambuco revoltas e aes polticas baseadas em uma

    concepo de autogoverno calcada na histria pernambucana da restaurao poca da

    expulso dos holandeses. Atravs da revolta com carter republicano, no perodo do Reino

    Unido, buscou-se concretizar a necessidade de instituir uma entidade confederal cujas

    despesas e a administrao caberiam a cada provncia.16 poca da Independncia, a

    influncia federalista continuou viva em Pernambuco, com o pensamento de que havia o

    14 Idem, Elites regionais e a construo do Estado nacional. In: Istvn Jancs. (Org.). Brasil: a formao do Estado e da nao (c.1770-1850). So Paulo: Hucitec, 2003. , p. 431- 468, p. 467. 15 Idem, O Pacto Imperial..., op. cit., p. 131. 16 MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independncia: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. So Paulo: Editora 34, 2004, p. 39-45.

  • 16

    direito de separao das provncias como detentoras ltimas da soberania.17 Pensamento que

    tambm se manifestou nas juntas governativas eleitas no perodo das Cortes de Lisboa e na

    poca do rompimento do Prncipe Regente com Portugal.

    A Confederao do Equador, em 1824, exprime de maneira contundente o pensamento

    de vrias vertentes federalistas, diga-se, desenvolvidas, sobretudo, por Cipriano Barata e Frei

    Caneca. Evidenciou-se que a principal demanda era por soberania provincial, no importando

    a forma de governo, desde que a fonte do poder emanasse do povo. Com o fechamento da

    Constituinte de 1823 e a outorga de uma Constituio pelo prprio Imperador, o pacto que

    ensaiou iniciar-se em torno dele, na capital, ficou comprometido. A estridncia federal da

    imprensa, que no fora abafada em 1822, toma corpo com as atitudes autoritrias do

    Imperador e, sob a liderana de Manuel Carvalho Paes de Andrade, manifesta-se em uma

    proposio de confederao das provncias entre Cear e Pernambuco, com o intuito de se

    estender Bahia e outras provncias do Norte. Desejavam a formao dos Estados Unidos do

    Brasil, visto que se esperava o alinhamento do Sul ao movimento, que foi combatido e

    vencido por foras imperiais sob o comando do brigadeiro Lima e Silva.18

    Na dcada seguinte, o perodo das regncias (1831-1840) se destaca pela ocorrncia de

    revoltas escravas e rebelies de grandes propores, a exemplo da Cabanagem (1835-1836),

    Balaiada (1838-1841), Revoluo Farroupilha (1835-1845) e da Sabinada (1837-1838). As

    duas ltimas citadas contaram com um sensvel teor federalista. No entanto, tal perodo

    assume importncia tambm por permitir um singular desenvolvimento de sociedades, assim

    como uma proliferao de peridicos de diversos matizes. Essa experincia, diversa e efmera,

    foi denominada experincia republicana por Paulo Pereira de Castro, que menciona a

    existncia de um presidencialismo depois da aprovao da Regncia Una, na qual a habilidade

    de negociao com os polticos da Assemblia Geral torna-se um elemento indispensvel para

    a governabilidade. O advento da efmera repblica traria consigo a anulao das autonomias

    locais pelas Assemblias Legislativas Provinciais e pela ao da Guarda Nacional que

    inicialmente teria forte ligao com os interesses do governo central. A experincia

    17 Ibidem, p. 99. 18 Ibidem, p. 218.

  • 17

    republicana manteria, na viso de Castro, o carter centralista do governo imperial.19

    Para Marco Morel, o perodo das regncias pode ser considerado um grande

    laboratrio de formulaes e de prticas polticas e sociais.20 Em meio a toda efervescncia,

    debateu-se na Assemblia Geral, publicou-se nos diversos jornais e estiveram em pauta nas

    discusses das associaes variados temas referentes monarquia constitucional, ao

    absolutismo, passando pelo republicanismo, separatismo, federalismo, formas de organizao

    do Estado at a xenofobia e a afirmao da nacionalidade. O autor reala, portanto, que o

    espao de participao poltica sofreu um incremento, desenvolvendo-se atravs da imprensa,

    das associaes, do parlamento reaberto em 1826 e das mobilizaes do povo.

    A anlise de Morel segue a perspectiva segundo a qual o Imprio se caracterizou por

    forte centralizao, relativizando, inclusive, medidas consideradas descentralizadoras,

    inseridas antes do Ato Adicional: a centralizao dos recursos permaneceu nas mos do

    governo imperial graas Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1832, que classificava as rendas

    em provinciais e gerais, cabendo administrao central a partilha dos recursos.21 Insistindo

    sobre o carter centralizador aps as leis interpretativas do Ato Adicional enfatizou que a

    mo-de-ferro do Estado centralizador e autoritrio vai retendo o controle da situao abalada,

    o poder poltico dos grandes proprietrios de terras e escravos se acentua.22

    O ncleo da sua contribuio para o estudo do federalismo concentra-se, sobretudo ao

    evidenciar as atividades incrementadas quando do perodo das regncias, a exemplo das

    sociedades. Tal interesse possibilitou a explorao de realidades associativas, a exemplo das

    lojas manicas e das sociedades que tinham como objetivo o exerccio de presso direta ou

    interveno na cena poltica. Tais estudos so bastante localizados, no caso em questo, na

    cidade do Rio de Janeiro, centralizado no papel das associaes de uma maneira geral:

    as associaes secretas (mesmo as no-manicas) assumiam, assim, um carter de embrio de soberania que poderia influenciar e at substituir a soberania monrquica. Tais associaes em geral ligavam-se idia de soberania popular.23

    19 CASTRO, Paulo Pereira de. A experincia republicana. 1831-1840. In: HOLANDA, S. B. de (org.). Histria Geral da civilizao brasileira, So Paulo, Difel, 1985, t. II, v. 2, p. 9-67. 20 MOREL, M. O perodo das Regncias (1831 - 1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. v. 1., p. 9. 21 Ibidem, p. 30. 22 Ibidem, p. 31. 23 Ibidem, p. 14.

  • 18

    Menciona tambm a relao de lojas manicas, a exemplo da Grande Loja Brasileira

    de 1831, com os federalistas. Nesse contexto, assume importncia o jornalista Ezequiel Correa

    dos Santos, que fazia parte da Sociedade Federal Fluminense e expunha suas tendncias

    manicas na gazeta Nova Luz Brasileira.

    Um dos pioneiros na pesquisa das associaes desse tipo foi Moreira de Azevedo, que,

    ainda no sculo XIX, fez uma importante catalogao das associaes fundadas desde os

    tempos coloniais at o incio do reinado de D. Pedro II.24 Seus escritos so imprescindveis na

    busca de informaes a respeito da data de surgimento das associaes, bem como dos nomes

    de figuras importantes nesse mbito, no se restringindo a associaes de tipo federal.

    possvel encontrar dados sobre associaes das principais provncias do perodo, a exemplo do

    Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia.

    Ainda no campo das atividades associativas, destaca-se a obra de Augustin Wernet.

    Embora o recorte espacial e cronolgico seja restrito a So Paulo nos dois primeiros anos das

    regncias, o autor apresenta vasta pesquisa documental das realidades associativas que se

    desenvolveram no interior e na capital de So Paulo. Teve como objeto principal a Sociedade

    Defensora da Liberdade e Independncia Nacional, mas no descuidou da Sociedade Federal

    Paulista, nem dos conflitos e alianas que ambas teceram, ganhando destaque os partidrios

    da famlia Andrada.25

    As sociedades federais assumem maior centralidade em artigos mais recentes, a

    exemplo de Movimento associativo e poltica regencial: A Sociedade Federal Fluminense,

    de Marcello Basile; e Federao e Repblica na Sociedade Federal de Pernambuco (1831-

    1834), de Silvia Fonseca. Pelo carter disperso dos estudos, no h uma histria das

    associaes federais em todo o Imprio do Brasil, nem sequer limitada poca das regncias,

    perodo ao qual se dedica a maior parte da produo historiogrfica sobre assunto.

    Marcello Basile apresenta o papel desempenhado pela Sociedade Federal Fluminense,

    enquanto representante dos interesses polticos dos liberais exaltados. No contexto das

    24 AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de, Sociedades fundadas no Brazil desde os tempos coloniaes at o comeo do actual Reinado, in Revista Trimensal do Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brasil, Tomo XLVIII - parte 2, 1885, p. 294-321. 25 WERNET, Augustin. Sociedades polticas (1831-1832). So Paulo: Cultrix/Braslia: Instituto Nacional do Livro, 1978.

  • 19

    acirradas disputadas e debates sobre as reformas constitucionais, a entidade pleiteava a adoo

    do sistema federativo. O principal destaque fica por conta do boticrio e jornalista Ezequiel

    Correia dos Santos.26 Escritor talentoso da Nova Luz Brasileira, Ezequiel foi uma importante

    liderana da associao que, entre os anos de 1831 e 1834, aliou-se aos moderados com o

    objetivo de combater os caramurus. No obstante a influncia que exerceu em prol de

    mudanas inicialmente repelidas pelos moderados, a Federal Fluminense teria perdido sua

    razo de ser poca da aprovao do Ato Adicional, pelo qual seus anseios no foram

    totalmente atendidos.27

    Silvia Fonseca empreende uma anlise da criao da Sociedade Federal de

    Pernambuco objetivando traar um perfil social e poltico dos scios em sua maioria

    militares, incluindo milicianos da Guarda Nacional, contando tambm com comerciantes,

    poucos agricultores e bacharis em Direito, que assumiam variadas funes na sociedade.

    Ressalta, tambm, a importncia de scios que estiveram comprometidos com a Confederao

    do Equador (1824) e com a Revolta de Santo Anto (1829).28 Explorando as pginas dos

    peridicos: Dirio de Pernambuco, O Federal e Bssola da Liberdade, a autora apresenta o

    contexto da criao da sociedade, sua finalidade, seus estatutos e organizao, alm de

    comentar a respeito do impacto do seu surgimento, expresso de maneira negativa pela Cmara

    Municipal de Recife. As atas da associao eram publicadas e encontravam-se discusses

    girando em torno de festividades a exemplo da comemorao do dia 7 de abril , das aes

    indicadas no combate revolta em defesa da restaurao, assim como propostas de

    organizao dos Estados.29

    Para os anos de 1831 e 1834, Silvia Fonseca identificou dois momentos que

    influenciaram no contorno ideolgico da Sociedade Federal de Pernambuco. Primeiramente,

    quando da sua criao, identificava-se a possibilidade de reformas federalistas baseadas no

    26 BASILE, Marcello Otvio. Ezequiel Corra dos Santos: um jacobino na Corte imperial, Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 2001. 27 BASILE, M. Movimento Associativo e poltica regencial: a sociedade federal fluminense. Revista Universidade Rural: Srie Cincias Humanas, Seropdica, RJ: EDUR, v. 29, n 1, p. 96-109, jan-jul, 2007. 28 FONSECA, Silvia C. P. Brito. Federao e Repblica na Sociedade Federal de Pernambuco (1831-1834). Saeculum (UFPB), v. 14, p. 57-73, 2006. Disponvel em: http://www.cchla.ufpb.br/saeculum/saeculum14_dos04_fonseca.pdf. Acesso: agosto de 2010. 29 Ibidem, p. 66: Parece significativo que o jornal avalie a impropriedade que julga ter a nomenclatura administrativa no Brasil, sugerindo Assemblia que mude o nome odioso de Provncia, substituindo-lhe o de Cantes ou Estados.

  • 20

    autogoverno, melhor dizendo, no controle local das foras militares e na administrao

    provincial das rendas. A idia de federao: relacionava-se, inicialmente, neutralizao das

    foras polticas que dominavam a provncia antes do 7 de abril, e secundariamente ao

    aprendizado necessrio instituio de um governo republicano.30 Em um segundo

    momento, permeado por mudanas de contexto, dentre as quais a autora destaca a ascenso

    dos caramurus e de sua capacidade de organizao supostamente tencionando o

    restabelecimento de D. Pedro I e a rejeio da reforma federalista pelo Senado, tal qual

    redigiu Miranda Ribeiro, teriam levado a Sociedade Federal de Pernambuco ao

    posicionamento defensivo. No possuindo indicativos da dissoluo da mesma, a autora

    acredita que os federalistas e republicanos pernambucanos teriam se desmobilizado quando da

    edio do Ato Adicional em 1834.31 Para Silvia Fonseca, a importncia do federalismo ou,

    mais precisamente, da repblica federativa est relacionada aos seus estudos sobre o iderio

    republicano:

    parece possvel afirmar que as reflexes e reivindicaes relativas repblica federativa fundamentaram o iderio republicano, em vista da precedncia conferida geografia, ou seja, localizao do Brasil na Amrica, particularizada pela especificidade do continente americano, concepo esta legatria da polmica sobre o Novo Mundo.32

    A relao entre repblica e federao a perspectiva da qual parte a autora, guiando

    seus objetos de pesquisa. Ganha destaque, sob esse prisma, a anlise do peridico baiano O

    Democrata entre os anos de 1833 e 1836. Muito importante para a composio dos estudos

    sobre a imprensa federalista, uma vez que seu redator, Domingos Guedes Cabral, teve

    participao marcante nas revoltas federalistas da dcada de 1830, incluindo a Sabinada. A

    autora tece algumas consideraes biogrficas sobre o professor e jornalista, a exemplo de sua

    origem gacha e sua dedicao aos estudos sobre poltica.33

    30 Ibidem, p. 72. 31 Ibidem, p. 73. 32 Idem, O conceito de Repblica nos primeiros anos do Imprio: a semntica histrica como um campo de investigao das idias polticas. Anos 90 (UFRGS), v. 13, p. 323-350, 2006. Disponvel em: http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6405. Acesso: agosto de 2010, p. 347. 33 Idem, O Democrata: um jornal republicano no Imprio (1833-1836). Comunicao: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histrica (2006). Disponvel em: http://sbph.org/reuniao/26/trabalhos/Silvia_Carla_Pereira_Brito_Fonseca/ Acesso: agosto de 2010.

  • 21

    Alcanando importante relevncia para histria do Imprio do Brasil se encontram as

    disputas da regio do Rio da Prata, alvos da imprensa da poca das regncias, sobretudo em

    virtude da Revoluo Farroupilha. A historiografia recente tambm desenvolve pesquisas a

    respeito da influncia do federalismo nos processos histricos nesse contexto. Destaca-se

    Federalismo Gacho, de Maria Medianeira Padoin, no qual a autora tenciona compreender a

    Revoluo Farroupilha no que pensa serem suas caractersticas fundamentais: o Direito das

    Gentes, o liberalismo e o federalismo. Empreende uma importante contextualizao do espao

    fronteirio platino salientando a importncia das disputas entre os caudilhos e os expoentes

    polticos da regio, a exemplo de Artigas, muito importante na formulao das concepes

    polticas surgidas na regio poca. Alm disso, traado o perfil da elite farroupilha

    constituda por estancieiros militares, charqueadores, comerciantes e sacerdotes influenciados

    pela difuso de idias e informaes que favoreceram a formao de vrias lojas manicas,

    onde se tratava dos mais relevantes temas da poltica.

    O principal objetivo de Padoin aprofundar-se no estudo dos: significado(s)

    atribudo(s) ao iderio federalista no projeto farroupilha.34 O federalismo teria assumido o

    papel de fundamento para organizar o novo Estado cujo entendimento, assim como a noo

    de soberania, determinaria a sua expresso no discurso dos revolucionrios. O federalismo

    estaria vinculado aos conceitos de independncia, soberania ou autonomia. Seria

    compreendido pela elite farroupilha como uma forma de Estado, em que as soberanias interna

    e externa eram garantidas por uma Carta Magna e pelo Direito das Gentes; no se

    confundiria, portanto, com um Estado unitrio descentralizado, nem mesmo com um estado-

    membro federado.35

    Entretanto, havia uma diviso na elite farroupilha, na qual uma minoria, representada

    por Antnio Vicente Fontoura e David Canabarro, ops-se ao grupo da maioria, de Bento

    Gonalves e Domingos Jos e Almeida, por possurem concepes diferentes do federalismo.

    O princpio federalista seria, todavia, o elemento capaz de unir a elite em uma nica frente por

    determinado perodo: acreditamos que foi a idia em torno do federalismo que garantiu a

    unidade da elite farroupilha.36 A minoria, segundo a autora, no pensava o federalismo como

    34 PADOIN, Maria M. O federalismo gacho. So Paulo: Nacional, 2001, p. 67. 35 Ibidem, p. 108. 36 Ibidem, p. 112.

  • 22

    princpio para formao do Estado, tal quando da proclamao da repblica do Rio Grande.

    Para eles, o federalismo se apresentava como um discurso contra o centralismo do Imprio na

    defesa da autonomia do poder local.37

    A importncia das concepes federalistas se apresenta em diversas regies do

    Imprio. Na Provncia da Bahia, tais ideais no tiveram importncia menor, destarte tal

    realidade ser aprofundada em um resgate da historiografia dedicada aos estudos da poltica de

    modo geral, e, no especificamente, do federalismo, com poucas excees.

    UM OLHAR SOBRE A BAHIA

    Na Bahia, a primeira apario pblica do federalismo foi situada no comeo da dcada

    de 1830, associada ao movimento revoltoso ocorrido a 28 de outubro de 1831. Pouco tempo

    depois, dois outros movimentos de mesma natureza foram registrados, sendo, aparentemente,

    mais organizados ao ponto de divulgarem programas polticos muito significativos. Aps a

    entrada em vigor do Ato Adicional, em 1834, ocorreu ainda a revolta de 7 de novembro a

    Sabinada (1837-1838).

    A referncia historiogrfica mais antiga primeira manifestao de 28 de outubro de

    1831 se deve a Igncio Accioli de Cerqueira e Silva, que foi contemporneo dos

    acontecimentos. O seu livro Memrias Histricas e Polticas da Provncia da Bahia traz

    dados relevantes sobre o federalismo baiano, fazendo referncia s principais revoltas da

    dcada de 1830. H muitos documentos transcritos: correspondncias entre as autoridades

    provinciais e o governo central, deliberaes da ao dos rebeldes de Cachoeira Arraial de

    So Flix, em 1832 e os programas federalistas da revolta de Cachoeira e da revolta do Forte

    do Mar de 1833.38 O autor salienta o antilusitanismo presente em todas as revoltas federalistas

    37 Ibidem, p. 125: reafirmamos a crena de que a diferena intra-elite detectada j na concepo de federalismo. Enquanto Bento Gonalves, Domingos de Almeida e o grupo da maioria, era a defesa de um Estado independente, soberano e federal sob o governo republicano (...), para a minoria representada por Antnio Vicente da Fontoura e David Canabarro significava um regime poltico descentralizado monrquico ou no, no qual a autonomia provincial deveria ser mantida e garantida pelo poder central do Estado (...). 38 ACCIOLI (de Cerqueira Silva) Igncio. Memrias Histricas e Polticas da Provncia da Bahia. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1933, vol. IV.

  • 23

    da primeira metade da dcada. No caso da revolta de Cachoeira, Accioli faz aluso a um

    partido federalista de Feira de Santana que estaria pronto para aderir ao movimento.

    Na primeira metade do sculo XX, adquirem relevo as obras de Braz Hermenegildo do

    Amaral sobre a poltica do Imprio. O autor foi comentador das Memrias Histricas e

    Polticas da Provncia da Bahia e suas consideraes foram publicadas em conjunto com a

    obra de Igncio Accioli. No contexto da Primeira Repblica, a defesa do sistema federativo na

    fase imperial lhe soou muito adequada. Braz do Amaral enfatizava a importncia das

    revolues federalistas, por serem consideradas frutos de ideais democrticos, que

    empolgariam pores mais adiantadas da classe poltica. O federalismo baiano teria carter

    popular e intuitos liberais.39

    O autor ressaltou ainda que a Bahia teria sido pioneira em comparao ao Rio Grande

    do Sul no que tange s revolues federalistas. Apesar disso, Braz do Amaral lamentou a

    maneira como a proposta federativa tomou corpo na Bahia, a revolta de povo e tropa de 1831,

    valorizando mais a atividade do peridico O Federal sob a Constituio, responsvel por

    propagandear as vantagens da federao. Considerou tambm a existncia de discusses na

    Assemblia Geral, nas quais havia sido proposta a federao das provncias, como meio mais

    prprio de evitar os inconvenientes que se apontavam na ordem de coisas ento vigente.40

    Em Histria da Bahia: do Imprio Repblica, Braz do Amaral voltou ao tema do

    federalismo nas regncias, ao lado de outros assuntos significativos, tais como o

    antilusitanismo, a cemiterada, a criao de vilas na Provncia da Bahia, a moeda de cobre

    falsa, a carestia dos alimentos, a febre amarela e a revolta dos mals. Diante de informaes

    apresentadas de maneira desconexa, o tema da federao surge como o objeto ao qual mais se

    dedicou, um demonstrativo de como o lugar temporal do qual escrevia o influenciava.

    Nos primrdios dos Estados Unidos do Brasil, a precoce defesa do sistema federativo

    era motivo de honra e orgulho, uma confirmao de que o tempo presente era uma

    culminncia, cujos primeiros sinais haviam se manifestado atravs de reaes dos espritos

    liberais ordem vigente. O autor afirmou que a Constituio de 1824 organizou um corpo

    poltico fortemente centralizado, prejudicando o livre desenvolvimento da nao, pois as

    39 Ibidem, p. 372. 40 Ibidem, p. 352.

  • 24

    provncias gravitavam, apenas, em torno do centro (...).41 Diante disso, o Ato Adicional teria

    servido como um dispositivo que conteve o advento da federao, um produto das ameaas

    dos movimentos revolucionrios baianos.42 Uma medida, entretanto, que no obteria xito:

    por no haver sido completa a reforma, comearam a aparecer idias de separao das

    provncias.43

    Braz do Amaral credita muita importncia a Bahia no Imprio. Teria sido a principal

    motivadora para a aprovao do Ato Adicional? De qualquer modo, as idias de separao das

    provncias realmente surgiram na Bahia, a exemplo da Sabinada. O autor, que escreveu artigos

    para a Revista do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, dedicou um captulo ao tema no

    ano do seu centenrio, 1938, trazendo algumas consideraes sobre os acontecimentos assim

    como sobre os personagens envolvidos.44

    O centenrio da Sabinada foi tambm acompanhado da publicao de A Sabinada de

    Luiz Vianna Filho. Suas consideraes centrais tratam da revolta como uma fase de superao

    das revoltas federalistas da primeira metade da dcada. A Sabinada possuiria carter

    republicano. Apesar de formular a interpretao diferente, Luiz Vianna reitera a carncia de

    autonomia provincial como um dos motores da revolta. Na prtica, nem mesmo a reforma de

    1834, que dizia respeito s atribuies provinciais teria sido acatada. Indica, desse modo, que a

    idia de um pacto federativo instaurado pelo Ato Adicional, no teria eliminado as

    reivindicaes de cunho autonomista ou federalista na Bahia.

    Publicaes de menor importncia para o tema em questo foram feitas por Pedro

    Calmon em sua Histria da Bahia: resumo didtico. O autor no traz muitas transcries

    documentais e busca realizar um trabalho de sntese, sem deixar de fazer aluso s revoltas

    federalistas estudadas pelos autores citados acima. Pedro Calmon tece consideraes

    interessantes sobre a Sabinada que vista por ele como um movimento de carter

    democrtico e apoiado na massa popular.45

    Ges Calmon, preocupado, sobretudo, com a vida econmica da Bahia, realizou

    estudos que, embora no estivessem centrados nos fatos e processos da poltica, mencionam as 41 AMARAL, Braz H. do. Histria da Bahia: do Imprio Repblica. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1923, p. 74. 42 Ibidem, p. 88. 43 Ibidem, p. 125. 44 Idem, A revoluo de 1937. Primeiro Centenrio da Sabinada. Salvador: IGHB, v. 64, 1938, p. 154-174. 45 CALMON, Pedro. Histria da Bahia - resumo didtico. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1927. p. 179.

  • 25

    revoltas federalistas e salientam a influncia que o clima de insurreio gerou na economia

    baiana.46 O autor utiliza como fontes os autores revisados at ento, repetindo o que j havia

    sido produzido e, de certa forma, demonstrando a relevncia de nomes como Igncio Accioli e

    Braz do Amaral para os estudos sobre Histria da Bahia.

    Na segunda metade do sculo XX, surgem novos estudos e publicaes, a exemplo da

    Histria da Bahia de Lus Henrique Dias Tavares. O autor no avanou muito no estudo do

    federalismo baiano, dado o carter generalizante de sua obra concentrando as suas principais

    anlises no perodo da Independncia. ndossando a tese apresentada pelos estudiosos citados

    anteriormente, Dias Tavares apresenta o movimento federalista como fruto da crtica ao

    regime monrquico constitucional, entendendo-o como busca pela autonomia. No que se

    refere Sabinada o autor no concorda com Luiz Vianna e a considera uma revolta federalista

    por excelncia.47

    Katia Mattoso realizou estudos fundamentais para a compreenso da Bahia durante

    sculo XIX. Sua abordagem temtica e no que tange vida poltica, lana mais luz

    segunda metade do sculo. Menciona as revoltas sem tecer consideraes acerca do seu

    carter. Realiza uma discusso acerca de alguns aspectos da ao poltica no mbito provincial

    e central e da relao entre eles, ressaltando o importante papel que alguns homens da vida

    pblica baiana assumiram na poltica imperial. H, contudo, pouca referncia imprensa e a

    relao desta com as sociedades federais ou no. Como contribuio aos estudos sobre

    federalismo se apresenta a trajetria do poltico e jurista Francisco Gomes Brando (1794-

    1870), mais conhecido como Francisco G Acaiaba de Montezuma, que, durante a dcada de

    1820, escrevia no jornal O Dirio Constitucional e, na dcada seguinte, se empenhou na

    produo de panfletos em defesa do federalismo e contra a liberdade dos republicanos.48

    O que converge no mesmo sentido de alguns estudos que afirmam a existncia de correntes

    federalistas de carter monarquista.

    O estudo mais recente e completo sobre os movimentos federalistas ocorridos entre

    46 CALMON, Francisco Marques de Ges. Vida econmico-financeira da Bahia; elementos para a histria de 1808 a 1889. Reimpresso. Salvador: Fundao de Pesquisas/CPE, 1978, p.70 e seguintes. O autor data a primeira revolta federalista a 28 de novembro de 1831, apresentando dissonncia com a maioria dos estudiosos que a datam de 28 de outubro do mesmo ano. 47 TAVARES, Lus Henrique Dias. Histria da Bahia. So Paulo: tica, 1987, 8 ed. p.141-148. 48 MATTOSO, Katia M. de Queirs. Bahia sculo XIX ---- uma provncia no imprio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 273-74.

  • 26

    1831 e 1833 foi realizado por Lina Maria Brando de Aras em tese de doutorado denominada

    A Santa Federao Imperial: Bahia 1831-1833. A autora esboou o contexto social e

    econmico do Recncavo baiano e lanou luz situao poltica depois da Independncia. O

    trabalho possui tpicos especficos que tratam de cada uma das trs revoltas mencionadas.49 A

    empresa tambm leva em considerao as conseqncias da represso aos movimentos na vida

    dos rebeldes, assim como apresenta a origem social destes.

    O iderio rebelde alvo das preocupaes da autora, que procura captar as inspiraes

    e os canais pelos quais tais movimentos vieram tona. A autora fez consideraes importantes

    com o intuito de tornar mais compreensveis os movimentos federalistas do incio da dcada

    de 1830, a exemplo da diferena entre os federalistas baianos e os que levaram a cabo a

    Confederao do Equador em 1824. Os primeiros desejariam a manuteno do governo

    imperial, enquanto os ltimos partiram para a criao de uma repblica como meio de

    oposio ao autoritarismo do Imperador. Os federalistas baianos no criticariam o sistema

    monrquico, apenas pensavam que o federalismo seria a salvao para o Estado brasileiro.50

    O iderio rebelde, ainda segundo a autora, baseava-se em uma insatisfao com a

    administrao da provncia e no representava descontentamento em relao ao governo

    central. Nesse ponto, mantm uma discordncia com Lus Henrique Dias Tavares, pois este

    considera as revoltas federalistas como crticas diretas ao regime monrquico constitucional e

    unitrio.51 No houve at ento um dilogo historiogrfico que debatesse tal questo. Dessa

    forma, a pesquisa sobre o federalismo na Provncia da Bahia, merece maior ateno, sobretudo

    no que diz respeito s maneiras de manifestao do iderio, que no ficam claras somente com

    o estudo das revoltas armadas. Tudo o que foi escrito, precisa ser cotejado com pesquisas que

    se dediquem anlise dos peridicos, das sociedades federais, da ao poltica por vias

    institucionais e da relao entre tais fatores.

    Os estudos empreendidos por Aras, embora sejam fundamentais para compreenso do

    federalismo na Bahia, restringem-se s revoltas entre 1831 e 1833. A autora admite a

    49 Segundo Marcello Basile, o perodo entre 1832-1833 foi marcado pela ocorrncia de seis revoltas federalistas na Bahia, excluindo a acontecida em 28 de outubro de 1831. Cf. BASILE, Marcello. O laboratrio da nao: a era regencial (1831-1840). In.: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Orgs.). Coleo O Brasil Imperial (1831-1840). Vol. II Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009. 50 ARAS, Lina Maria Brando de. A Santa Federao Imperial: Bahia 1831-1833. 1995. 227 f. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, p. 195. 51 TAVARES, Lus H. D. Histria da Bahia, op. cit., p.145.

  • 27

    dificuldade de encontrar documentao proveniente dos clubes organizados e das sociedades

    secretas, o que representou um obstculo para o trabalho de pesquisa e, sendo mais incisiva,

    trata disso quando se refere localizao de jornais, peridicos e panfletos: a dificuldade de

    localizao dessas fontes impossibilitou a sua consulta, sendo utilizada basicamente a pesquisa

    bibliogrfica para construo dessa parte da anlise.52

    A Sabinada tambm foi alvo de estudos mais recentes, com destaque para a publicao

    de Paulo Csar Souza. Sua pesquisa teve importante suporte dos peridicos, sobretudo do

    Novo Dirio da Bahia, que junto com O Sete de Novembro e O Novo Sete de Novembro

    formavam a imprensa rebelde. As concluses do autor se chocam com a interpretao

    realizada por Luiz Vianna Filho. Para Souza, a Sabinada teve carter separatista e federalista,

    representando uma revolta contra a ao recolonizadora da Corte instalada no Rio de

    Janeiro. Embora o autor realize um aprofundamento nos estudos sobre a revolta, alicerado

    principalmente na imprensa, pode-se afirmar que suas concluses convergem no mesmo

    sentido das breves consideraes feitas por Dias Tavares: Basicamente federalista, [a

    Sabinada] queria reviso mais ampla e profunda para Constituio de 1824.53

    O Ato Adicional, segundo o autor, teve papel catalisador sobre a poltica baiana,

    deixando em evidncia que as reformas implantadas no atenderiam s reivindicaes de boa

    parte daqueles envolvidos com os processos polticos. O anseio por reformas, que caracterizou

    os movimentos federalistas antes de 1834, teria sido ignorado, a ponto de lanar setores de

    posies moderadas radicalizao e Sabinada. Ilustrativo dessa realidade seriam as

    trajetrias polticas de homens como Joo Carneiro da Silva Rego e Francisco Sabino, que

    passaram da acomodao revolta separatista em 1837.54

    Para alm da Sabinada, os estudos e pesquisas desenvolvidos por Dilton de Arajo,

    atestam que aps a conturbada dcada de 1830 continuou a existir uma tenso no panorama

    poltico baiano que se expressava de variadas formas, principalmente por meio da imprensa. O

    autor considera que o federalismo assumiu um papel importantssimo nos movimentos

    ocorridos aps a abdicao do Imperador, pois estes encontraram o seu ponto mais elevado

    52 ARAS, Lina M. B. de. A Santa Federao..., op. cit., p. 178. 53 TAVARES, Lus H. D. Histria da Bahia, op. cit., p. 146. 54 SOUZA, Paulo C. A Sabinada: a revolta separatista da Bahia (1837). So Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.178 e 204.

  • 28

    de politizao na bandeira federalista.55

    O cerne de sua tese se encontra nos elementos que testemunham a continuidade do

    desejo de ampliao da autonomia provincial por camadas polticas significativas em plena

    dcada de 1840. Para Arajo, a rebeldia teria dado lugar a novas formas de disputa poltica,

    dando destaque ao peridico de Guedes Cabral, O Guaycuru. Suas atividades so fatores que

    contriburam para a demonstrao da existncia de uma tenso poltica na Provncia da Bahia

    aps 1838, e no de uma paz, como a historiografia tem difundido desde o sculo XIX.

    Parte da produo historiogrfica brasileira teria criado uma histria coerente, na qual a

    unidade poltica e territorial fizesse parte da ordem natural das coisas, esta a principal

    explicao do autor para que as tenses ocorridas aps a Sabinada, no caso da Bahia, fossem

    quase que desconsideradas enquanto fatores demonstrativos de que a paz era um horizonte

    poltico almejado pelos homens que exerciam o poder, e no uma realidade histrica. Esta

    observao procedente, no entanto, traz consigo a perspectiva de que a busca pela unidade

    nacional e a construo de imagens de unio teriam sido exclusividade dos que sustentavam o

    projeto centralista vencedor. Perde-se de vista a possibilidade de tal ideal se configurar como

    um dos objetivos dos federalistas ao menos de parte deles , ainda que se considere apenas o

    mbito do discurso retrico.

    ESTRUTURA DO TRABALHO

    A dissertao composta de trs captulos, alm desta parte introdutria e das

    consideraes finais. As pesquisas documentais foram realizadas na Bahia e no Rio de Janeiro,

    alicerando as anlises e interpretaes apresentadas, estas que tiveram a pesquisa

    bibliogrfica como importante suporte que permitiu contextualizar os achados extrados do

    contato com os documentos.56

    55 ARAJO, Dilton O de. O tutu da Bahia: transio conservadora e formao da nao, 1838-1850. EDUFBA, 2009, p. 32. 56 A pesquisa foi realizada no APEB (Arquivo Pblico do Estado da Bahia), CEDIG-UFBA (Centro de Digitalizao), IHGB (Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro), Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional e Biblioteca Nacional.

  • 29

    O primeiro captulo tem o foco voltado para a realidade das sociedades federais,

    especialmente na Bahia. A atividade associativa apresentou-se muito intensa at pelo menos

    1834, com a aprovao do Ato Adicional. Nesse contexto, so apresentadas as propostas

    federalistas dos deputados baianos, inseridas nos debates iniciados em 1831 em torno da

    reforma constitucional. Para tanto, as principais fontes utilizadas foram os peridicos que

    publicaram atas de reunies de sociedades federais, correspondncias entre as sociedades da

    Corte e da Bahia, alm dos Anais da Cmara.

    O segundo captulo tem como objetivo esclarecer os acontecimentos ligados revolta

    federalista de 28 de outubro de 1831, apresentando a expresso do iderio federalista pelos

    discpulos de Cipriano Barata, atravs da Nova Sentinella da Liberdade na Guarita do Quartel

    de So Pedro. A perseguio ao lder poltico baiano gerou uma srie manifestaes de

    descontentamento, a exemplo das denncias e intrigas criadas entre o redator da Nova

    Sentinella e os participantes do Clube do Gravat, com destaque para Francisco Sabino.

    Todas as trinta e sete edies da Nova Sentinella foram lidas, assim como edies da

    Sentinella da Liberdade de Barata e edies importantes do Investigador Brasileiro e da

    Gazeta da Bahia. Ademais, entre os documentos oficiais, encontra-se o importante sumrio do

    processo movido contra Bernardo Jos Barata, fundamental para lanar luz aos

    acontecimentos da primeira revolta federalista da Bahia.

    O terceiro captulo detm-se sobre a difuso do ideal federalista, ainda que de maneira

    mitigada, no pensamento poltico da poca. Procura-se ilustrar a presena das idias

    federalistas na poca da edio do Ato Adicional (1834), seja atravs de atitudes que

    expressem decepo ou contentamento. Fundamental estabelecer os pontos mais agudos da

    presena do iderio federalista, para compreender o seu papel na Sabinada. Importante nesse

    sentido a divulgao de propostas de reforma federal aps sua aprovao por parte dos

    peridicos O Democrata, O Defensor do Povo e O Censor. Tambm se apresenta a idia de

    unidade nacional como fator constitutivo do discurso dos federalistas ao longo da dcada de

    1830. Tais anlises tornaram-se possveis mediante leitura dos peridicos supracitados. Alm

    disso, h importantes documentos, a exemplo de uma representao da Assemblia Legislativa

    Provincial da Bahia e de correspondncias do Presidente da Provncia.

  • 30

    CAPTULO I

    SOCIEDADES FEDERAIS NA BAHIA

    As idias federalistas na Bahia tiveram forte presena no perodo das regncias, em

    meio ao vigoroso desenvolvimento dos espaos de sociabilidade poltica e da emergncia de

    espaos pblicos ento verificada. A imprensa, as manifestaes cvicas e as revoltas

    destacaram-se ao tempo em que se desenvolveram as sociedades, sejam polticas, filantrpicas

    ou fomentadoras do desenvolvimento econmico. Segundo Moreira de Azevedo, criaram-se

    mais de cem sociedades no Imprio do Brasil somente no ano de 1831.57 Com a abdicao de

    Dom Pedro I, os debates polticos da poca tornaram-se, cada vez mais, acessveis atravs de

    panfletos e peridicos, desenvolvendo-se sociedades cujas atividades eram divulgadas ao

    pblico, em detrimento das sociedades secretas como as lojas manicas.

    O desenvolvimento das sociedades reivindicatrias no inibiu, porm, o surgimento de

    manifestaes contestatrias com as quais se buscou alcanar objetivos polticos atravs do

    protesto ou da ao armada. A ocorrncia das revoltas federalistas que tiveram lugar em

    Salvador e Recncavo nos anos de 1831, 1832 e 1833 prova disso. A oposio s

    interferncias do governo central, aliada ao antilusitanismo, foi ingrediente comum em

    manifestaes diversas desde a dcada anterior, e fez-se sentir nas manifestaes federalistas

    ocorridas no incio do perodo das regncias.

    A primeira revolta federalista que ocorreu na Provncia da Bahia bastante

    desconhecida. Para a historiografia tradicional, ela consistiu em uma manifestao surgida no

    seio de alguns militares, tambm incorporando civis, tendo lugar na Praa do Palcio no dia 28

    de outubro de 1831. Aps os gritos de vivas federao, a manifestao teria terminado em

    um conflito armado no campo do Forte de So Pedro.58 No ano seguinte, o palco da revolta

    57 AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de, Sociedades fundadas no Brazil desde os tempos coloniaes at o comeo do actual Reinado, in Revista trimensal do Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brasil, Tomo XLVIII - parte 2, 1885, p. 294-321. 58 ACCIOLI (de Cerqueira Silva) Igncio. Memrias Histricas e Polticas da Provncia da Bahia, vol. IV. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1933, p.353; AMARAL, Braz Hermenegildo do. Histria da Bahia do

  • 31

    federalista seria o Arraial de So Flix, na Vila de Cachoeira. No comando das atividades

    esteve o juiz de paz, vereador e capito Bernardo Guanaes Mineiro que, presidindo uma sesso

    da Cmara Municipal, proclamou a federao na Provncia da Bahia. A autoria do manifesto

    dos rebeldes, lido em sesso da Cmara, atribuda ao jornalista Domingos Guedes Cabral.59

    A represso revolta durou alguns meses, espalhando-se por boa parte do Recncavo. Um ano

    depois, os desdobramentos da revolta chegariam capital da Provncia.60

    Os rebeldes de Cachoeira foram encarcerados no Forte do Mar, local de onde iniciaram

    uma revolta federalista baseada em um manifesto um pouco mais complexo, mas muito

    semelhante quele proposto em Cachoeira.61 A eles juntaram-se os militares Alexandre

    Ferreira do Carmo Sucupira e Daniel Gomes de Freitas, que tambm estavam presos. Os

    rebeldes renderam-se aps cerca de trs dias de conflito, com ocorrncia de bombardeios que

    influenciaram o cotidiano da cidade, alterado, inclusive, pela no abertura de alguns

    estabelecimentos comercias e de reparties pblicas.62

    As reivindicaes contidas nos manifestos de 1832 e 1833 podem ser resumidas nos

    seguintes termos: mudana do governo da Provncia da Bahia de centralista para federalista,

    com a criao de uma assemblia provincial e de tribunais, alm das mudanas no tratamento

    das leis penais e, entre outras coisas, a deportao de portugueses, sobretudo daqueles

    considerados uma ameaa federao.63

    Por outro lado, as sociedades polticas, incluindo as federais, buscavam se inserir como

    elementos legtimos de participao poltica, no tendo expressamente a realizao de revoltas

    como meio de ao, muito embora no se possa isentar seus membros de possveis

    participaes nos levantes armados. Como expressa a prpria imprensa divulgadora das

    atividades associativas:

    Imprio Repblica. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1923, p.78 e 111-113; ARAS, Lina Maria Brando de. A Santa Federao Imperial: Bahia 1831-1833. 1995. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, p. 108-110. 59 ARAS, Lina M. B. de. A Santa Federao..., op. cit., p. 110. 60 ACCIOLI, I. Memrias Histricas..., op. cit., p. 353-360; AMARAL, B. Histria da Bahia..., op. cit., p. 80 e 11-13; ARAS, Lina M. B. de. A Santa Federao..., op. cit., p. 110-122; MILTON, Aristides A. A Repblica e a Federao no Brasil. Salvador: IGHB, v. 13, 1897, p. 361-390. 61 ACCIOLI, I. Memrias Histricas..., op. cit., p. 364-368; AMARAL, B. Histria da Bahia..., op. cit., p. 89; ARAS, Lina M. B. de. A Santa Federao..., op. cit., p. 122-140. 62 ARAS, Lina M. B. de. A Santa Federao..., op. cit., p. 131. 63 Arquivo Nacional, IJ^707; ACCIOLI, I. Memrias Histricas..., op. cit., p. 354-355.

  • 32

    (...) a ns outros simples cidados no lcito se no requerer ao Poder Legislativo, que tome em considerao esta ou aquela reforma, que a razo nos indica e formar associaes para popularizar toda a sorte de doutrinas (...).64

    Entre as suas principais funes, as sociedades buscavam atuar como grupos de

    presso ao parlamento, divulgando suas atividades e idias. As sociedades de carter federal

    comearam a ganhar vida ao tempo em que o Legislativo ps-se a discutir a possibilidade de

    realizar reformas constitucionais em um perodo marcado por caracterstica instabilidade ,

    o que, para os caramurus, era fonte de riscos para a unidade do pas; para os liberais,

    exaltados e parte dos moderados, era condio indispensvel para a manuteno da mesma.

    Os primeiros por convico, enquanto que os ltimos por tentativa de amenizar perturbaes

    que tinham origem nos anseios por mais autonomia provincial. Em face de tal realidade,

    deputados baianos lanaram propostas de reforma referentes ao arranjo institucional do

    Imprio.

    No ms de maio 1831, logo aps a abdicao, o deputado Antonio Ferreira Frana

    discursou em favor da federao: preciso federar as provncias, este o tempo:

    aproveitemos a ocasio que a fortuna nos deu.65 No ms seguinte, o deputado props que

    aps o governo vitalcio de D. Pedro II, o poder deveria ser exercido temporariamente e as

    provncias deveriam ser confederadas. Acreditava que esta mudana era indispensvel para o

    bom governo, considerando as dimenses do pas.66 Antonio Ferreira Frana havia participado

    da Assemblia Constituinte em 1823 e foi eleito nas trs legislaturas seguintes entre 1826 e

    1837 , advogando mudanas em sentido federal ainda na dcada anterior ao perodo das

    regncias.67

    Em julho de 1831, foi apresentado um projeto da comisso especial que cuidava da

    reforma constitucional. Aps passar pela discusso na Cmara de Deputados, o projeto foi

    64 O Precussor Federal, 14 de abril de 1832. A primeira sociedade de carter federal da Bahia teria sido fundada em novembro de 1831, segundo AZEVEDO, Manuel D. M. de, Sociedades fundadas no Brazil..., op. cit., p. 301. 65 Anais da Cmara, Sesso de 5 de maio de 1831. 66 Anais da Cmara, Sesso de 16 de junho de 1831. Braz do Amaral confunde-se e atribui a proposta a um dos filhos de Antonio Ferreira Frana, chamado Eduardo, que ocupou a Assemblia Provincial da Bahia. AMARAL, B. Histria da Bahia..., op. cit., p. 125. 67 SLEMIAN, Andra. Sob o imprio das leis: Constituio e unidade nacional na formao do Brasil (1822-1834). 2006. Tese (Doutorado em Histria Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006.

  • 33

    substitudo pela proposta do deputado Cesrio de Miranda Ribeiro. Nos debates, alguns

    deputados baianos apresentaram emendas, a exemplo de Ernesto Ferreira Frana filho de

    Antonio e Manuel Alves Branco, que propuseram, ao lado de Fernandes da Silveira, a

    nomeao, por cada provncia, de uma assemblia para fazer sua constituio particular.

    Ernesto fez novamente a mesma proposio na sesso do dia seguinte, e esta, mais uma vez,

    no recebeu apoio.68

    Merece destaque tambm a emenda feita por Manoel Maria do Amaral. O deputado da

    Bahia props que o primeiro artigo do projeto Miranda Ribeiro fosse reformado no sentido de

    monarquia federativa e, assim, deveriam ser reformados os mais artigos que lhe dizem

    respeito.69 Uma de suas principais preocupaes era a questo das rendas do governo central

    e as das provncias, ponto que se revelava como um dos mais sensveis nos debates da poca,

    gerando uma atmosfera na qual o federalismo surgia como um importante fator, em maior ou

    menor grau, considerado por deputados de diversas tendncias, no se restringindo aos setores

    exaltados.

    Depois de ser mandado ao Senado e sofrer alteraes, o projeto voltou Cmara,

    sendo, aps algumas discusses, reunindo os deputados e os senadores, aprovado como

    projeto de lei em 12 de outubro de 1832. A apreciao do projeto de lei seria feita na

    legislatura seguinte (1834-1837), dado que aos deputados a serem eleitos se conferiria especial

    faculdade, no ato mesmo da eleio, para votarem as reformas constitucionais.

    Em junho de 1834, uma nova comisso realizou, nos termos da carta de lei de 12 de

    outubro de 1832, algumas mudanas e adies. Enfim, sucederam-se as trs discusses do

    projeto de reformas apenas na Cmara de Deputados, encerrando-se a participao do Senado,

    pois se decidiu que no cabia casa vitalcia a funo de atuar como constituinte, visto que os

    senadores no foram eleitos pelo mesmo processo que os deputados e, conseqentemente, no

    gozavam da faculdade especial recebida pelos ltimos nas eleies.70

    68 Anais da Cmara, Sesso de 11 de outubro de 1831. 69 Anais da Cmara, Sesso de 7 de outubro de 1831. 70 A lei de 1832 concluiu os debates iniciados no ano anterior, ocorridos na Cmara de Deputados e no Senado. A partir dela, se decidiu que as mudanas na Constituio, a exemplo da criao das Assemblias Legislativas Provinciais e da instituio da Regncia Una, seriam votadas pelos deputados da legislatura que se iniciaria em 1834, cuja eleio, conferiria aos deputados a faculdade no apenas para legislar, mas tambm para reformar alguns artigos constitucionais.

  • 34

    O Ato Adicional foi aprovado em 12 de agosto de 1834, aps um intenso debate,

    estabelecendo mudanas no arranjo institucional do pas, a exemplo da substituio da

    Regncia Trina pela Regncia Una, da extino do Conselho de Estado e da criao das

    Assemblias Legislativas Provinciais, cujas atribuies seriam cuidar dos impostos

    provinciais, fixar e fiscalizar as rendas e despesas provinciais e municipais. A elas caberiam

    tambm, nomeaes de funcionrios pblicos da sua esfera competente, alm de tratar de

    segurana, instruo e obras pblicas. Possibilitando maior exerccio de autonomia por parte

    das provncias, a reforma submeteu a esfera local, os municpios, concentrao

    administrativa das novas assemblias.

    Antonio Ferreira Frana e seus filhos Ernesto e Cornlio este ltimo que possua

    posies prximas s do pai, iniciando sua participao na vida legislativa em 1834 votaram

    contra o Ato Adicional, revelando a decepo com a timidez que a reforma assumiu, desde

    que havia passado pelas mos do Senado em 1832. O trio Ferreira Frana, ao lado de outros

    representantes, props uma confederao entre o Brasil e os Estados Unidos da Amrica. Os

    dois pases deveriam federar-se para mutuamente se defenderem contra as pretenses

    externas, e se auxiliarem no desenvolvimento da propriedade interna de ambas as naes.

    Anualmente se estabeleceria a contribuio pecuniria para os gastos das foras de defesa.

    Cada uma das naes teria representantes na assemblia nacional da outra, e os cidados de

    uma nao gozariam na outra dos mesmos benefcios que os naturais desta. As causas judiciais

    entre sditos dos dois pases seriam resolvidas por conciliao, por rbitros ou, ainda, por

    jurados nomeados pelas partes. As duas naes estariam obrigadas ao auxlio mtuo na

    conservao, e perfeio, da forma nacional de governo, em todas as calamidades que se

    oponham a seu melhoramento fsico ou moral. Alm disso, haveria entre ambas livre

    circulao de mercadorias, isentas de qualquer imposto.71

    Presente nas propostas de reforma discutidas no Parlamento, o federalismo foi hasteado

    como bandeira principal, ao menos, em trs revoltas em Salvador e Recncavo. Ademais, foi

    razo de ser das sociedades federais existentes nas principais provncias do pas, incluindo-se a

    71 Anais da Cmara, Sesso de 18 de agosto de 1834. Os representantes que acompanharam a famlia Ferreira Frana na proposta foram Jos Maria Veiga Pessoa, Antonio Fernandes da Silveira, Joo Ribeiro Pessoa, Joaquim Peixoto de Albuquerque e Barboza Cordeiro.

  • 35

    Bahia. No contexto de discusses parlamentares, as sociedades federais surgiram como um

    meio de pressionar os deputados para a aprovao das reformas federativas.

    As sociedades federais publicaram peridicos responsveis pela divulgao das atas de

    suas reunies e das suas opinies em defesa da realizao de reformas federativas em colunas

    polticas, correspondncias e notcias. Havia nexos entre as atividades dos parlamentares, dos

    rebeldes, da imprensa e das sociedades. Exemplo disso a existncia de uma folha avulsa

    chamada Choradeira dos Banzelistas que, segundo Alfredo de Carvalho, tratava da derrota

    dos federalistas em So Flix. O Mensageiro da Bahia ressaltou o papel dos espaos nos quais

    se geraria a conscincia de se reformar a Constituio:

    As discusses, das nossas Cmaras e Conselhos Provinciais, e das Sociedades Patriticas, que tanto tem [se] multiplicado em diversas Provncias, tero acostumado, e inspiraro em todos os espritos uma til propenso a abraar as reformas convenientes.72

    Nesse sentido, destaca-se O Aoute dos Despotas, que assumiu posio crtica em

    relao ao governo regencial. Em um de seus nmeros, o jornal transcreveu um discurso do

    deputado Francisco G Acayaba de Montezuma sobre a anistia.73 O parlamentar a considerava

    um ato de perdo e esquecimento, um grande exemplo que pode dar o Estado aos seus

    sditos da sublime virtude da tolerncia, e da magnanimidade.74 Dias depois, o peridico

    voltou ao tema de maneira mais especfica e, aps acusar o governo de ser to dspota quanto

    o antigo Imperador, questionou: Que se pretende da conservao dos presos por opinies

    polticas, sepultados nos antros das presigangas, e calabouos?.75

    Sob o escudo da ordem, o peridico declarava: bradamos a favor da nossa Ptria, no

    queremos outro Governo seno o Constitucional, porm defendia as suspiradas reformas,

    mostrando-se favorvel anistia para os presos por opinies polticas. Afirmava que a lei era

    72 O Mensageiro da Bahia, 20 maro de 1832. 73 O deputado G Acayaba de Montezuma acreditava que a reforma proposta por Miranda Ribeiro, mesmo aps sofrer alteraes no Senado, permitiria um arranjo institucional de carter federativo, sendo, segundo sua opinio, desnecessria a existncia da emenda que tornaria o Brasil uma monarquia federativa. Cf. Anais da Cmara, Sesso de 31 de agosto de 1832. Segundo Ktia Mattoso, Montezuma esteve envolvido, durante a dcada de 1820, na edio do jornal O Dirio Constitucional e, na dcada seguinte, se empenhou na produo de panfletos em defesa do federalismo e contra a liberdade dos republicanos. Cf. MATTOSO, Katia M. de Queirs. Bahia sculo XIX - uma provncia no imprio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 273-74. 74 Aoute dos Despotas, 24 de setembro de 1832. 75 Aoute dos Despotas, 8 de outubro de 1832.

  • 36

    sempre em favor dos ricos e rogava aos parlamentares alguma soluo: socorrei-nos,

    Augustos Srs. Representantes, enquanto o povo vendo-se to maltratado, no usa da

    resistncia legal.76 Revelava que a ao dos presos de algum modo era justificada, se no o

    dizia com todas as letras, era evidente que havia um apoio aos tais presos por opinies

    polticas, mas quem seriam os presos? Ao final da edio, h uma interessante e esclarecedora

    passagem:

    as Sociedades Federais condodas da triste sorte de seus Patrcios entregues ao furor dos becas, pediram a Anistia para os presos de opinies polticas, seus clamores penetraram o Augusto recinto da Cmara dos Senhores Deputados; eles a sustentaram, como indispensvel s circunstncias do Brasil, e brevemente teremos a satisfao de abraar aos nossos Patrcios e Amigos.77

    Encontravam-se detidos, poca, os envolvidos na revolta de Cachoeira, a exemplo de

    Bernardo Guanaes Mineiro e Guedes Cabral. O jornal provavelmente fazia referncia aos

    presos envolvidos nas revoltas federalistas. Alis, no eram apenas presos por opinies

    polticas pelos quais, em nome da dignidade humana ou mesmo da liberdade de expresso,

    defendia-se como a quem se defenderia a qualquer um; eram Patrcios e Amigos, muito

    esperados. No obstante o tom generalizante das publicaes provvel que os federalistas

    baianos fossem os principais motivadores dos apelos do peridico. O Aoute dos Despotas

    mencionou a atividade das sociedades federais de maneira genrica, fato como um

    grupo de presso aos parlamentares no apenas em prol das reformas, mas tambm na

    intercesso pelos presos por opinies polticas que tencionaram modificar a forma de governo

    por meio da revolta. Eram filhos do engano ou de um demasiado amor ao Pas.78

    Na Bahia, as atividades associativas de carter federal foram divulgadas atravs dos

    peridicos O Precussor Federal, O Federal sob a Constituio e O Genio Federal.79 Eles

    faziam a defesa do sistema federativo, contudo demonstraram diferenas importantes no

    tocante s propostas e idias, alm de se desenvolverem em contextos diversos. Antes, no

    76 Ibidem. 77 Ibidem. 78 Ibidem. 79 H tambm o registro do peridico federalista O Pirilampo de 1834, que mencionado por Carvalho e Sodr. Contudo, nenhum exemplar foi por mim encontrado. TORRES, Joo Nepomuceno e CARVALHO, Alfredo de. Annaes da Imprensa na Bahia. 1. Centenrio, 1811 a 1911, p. 46; e SODR, Nelson Werneck. Histria da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 133.

  • 37

    entanto, preciso dizer que O Federal sob a Constituio, semanrio poltico que circulou na

    capital da provncia entre os anos de 1832 e 1833, no foi por mim encontrado nos centros de

    documentao; no sendo, portanto, alvo das anlises. Sobre o peridico sabe-se que surgiu de

    uma dissidncia da Sociedade Federal, sendo publicado aps o trmino das atividades do

    Precussor Federal.80 Segundo Braz do Amaral, o peridico fazia propaganda das vantagens

    do sistema poltico da federao, convindo notar que nessa poca se discutia na Cmara uma

    reforma constitucional em que havia sido proposta a federao das provncias.81 Seu redator,

    Luiz Gonzaga Pao Brasil, era membro da Sociedade Federal e havia assumido a redao do

    jornal O Precussor Federal que, embora seja objeto de anlise deste trabalho, conhecido

    apenas atravs de trs edies.82 O peridico a principal fonte de dados sobre a Sociedade

    Federal em 1832, ao que se agregam uma correspondncia trocada entre esta e a sua

    congnere da Corte e algumas breves referncias feitas por jornais de outras provncias do

    Imprio.

    1832: SOCIEDADE FEDERAL MODERADA

    Em 1832, somente uma ata de sesso da Sociedade Federal foi localizada. A reunio

    ocorreu em 1 de abril de 1832, no contando com todos os trinta e um scios que a sociedade

    afirmava ter. Sua presidncia era ocupada por Joo Jos de Moura Magalhes, presena

    notvel que, dois anos depois, iniciaria sua vida parlamentar e exerceria duplo mandato

    legislativo entre 1834 e 1841.83 Moura Magalhes tambm havia sido presidente da Sociedade

    Federal de Pernambuco em outubro de 1831.84 Assumiu uma cadeira no Curso Jurdico de

    Olinda, depois de formar-se em Coimbra. Teria vindo para a Bahia em decorrncia da censura

    80 TORRES, Joo Nepomuceno e CARVALHO, Alfredo de, op. cit., p. 43. 81 ACCIOLI, I. Memrias Histricas..., op. cit., p.352. 82 O jornal O Precussor Federal teve 82 edies, sendo a ltima datada de 31 de outubro de 1832. Em novembro do mesmo passaria a ser publicado O Federal sob a Constituio. Cf. TORRES, Joo Nepomuceno e CARVALHO, Alfredo de, op. cit., p.40-41. 83 Na poca, era possvel exercer simultaneamente o cargo de deputado da Assemblia Geral e da Assemblia Legislativa Provincial. 84 FONSECA, Silvia C. P. Brito. Federao e Repblica na Sociedade Federal de Pernambuco (1831-1834). Saeculum (UFPB), v. 14, p. 57-73, 2006, p. 57.

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    que sofrera pelos seus pares por no ter concludo o projeto de estatutos da Faculdade de

    Direito.85

    As discusses que constam da ata referem-se s reformas no regimento interno e

    eleio de um novo presidente, pois Moura Magalhes preparava sua sada. Mencionava a

    formao de comisses que tratariam de assuntos especficos, a exemplo da forma de

    arrecadao interna da contribuio dada pelos associados. Havia ainda a discusso do Plano

    da Caixa de Descontos, assunto de tamanha importncia pela qual se propunha a necessidade

    de reunies dirias para trat-lo.

    A Caixa de Descontos atuava na realizao de emprstimos ao governo provincial.86

    Sabe-se que, ainda em 1831, foram anunciados na imprensa os valores das novas notas

    emitidas pela Caixa de Descontos, resultado do seu processo de liquidao.87 As informaes,

    contudo, so escassas, pois, no obstante a relevncia do assunto, um dos associados, o senhor

    Duarte, defendeu que os debates deveriam ocorrer com a participao dos membros da

    Sociedade Conservadora, e Negociantes. O assunto seria deixado para outra ocasio, uma

    vez que os membros da Sociedade Conservadora no se faziam presentes. Apesar disso, a

    proposta do senhor Duarte sugere a existncia de proximidades entre a Sociedade Federal e a

    Sociedade Conservadora. Esta ltima que, favorvel ao governo regencial e identificada aos

    moderados, era composta de membros que se opunham a Cipriano Barata.

    A Sociedade Federal possua dois secretrios, sendo um deles Salustiano Jos Pedroza,

    que, de acordo com a imprensa da poca, figurou entre os signatrios de uma representao,

    datada de 28 de abril de 1831, que exigia que alguns homens acusados de seduo dos

    escravos e da tropa fossem imediatamente capturados antes mesmo que as respectivas

    culpas se lhes forme. Os criadores da representao acreditariam que algumas pessoas

    punham em risco a ordem estabelecida, por terem como objetivo a runa do atual Sistema,

    que nos rege para substituir-lhe o Imprio do sangue, e dos horrores.88 A representao tinha

    como alvo o lder poltico Cipriano Barata, que de fato foi preso, sendo, em seguida, mandado

    85 WILDBERGER, Arnold. Os Presidentes da Provncia da Bahia. Tipografia Beneditina, 1949, p. 300. 86 TRETTIN, Alexander. O derrame de moedas falsas de cobre na Bahia (1823-1829). 2008 94f. Dissertao (Mestrado em Histria). Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, p.69-70. 87 Nova Sentinella da Liberdade na guarita de S. Pedro na Bahia de Todos os Santos, 8 de setembro de 1831. 88 Nova Sentinella, 19 de junho de 1831.

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    ao Rio de Janeiro. Alm dele, foram encarcerados o Baro de Itaparica, Joo Primo, Jos Dias

    e Jos Porfrio de Lima, sob as mesmas acusaes.

    Os formuladores de tal representao so identificados, pelos exaltados de Barata,

    como portadores de tendncias polticas de alinhamento ao governo regencial. Destacam-se,

    dentre eles, alguns membros da Sociedade Conservadora, a exemplo de Francisco Sabino e

    Francisco Gonalves Martins. Em seu peridico O Investigador Brasileiro, a entidade

    sustentou que era preciso dar um voto de confiana ao governo regencial, negando-se a apoiar

    uma poltica de oposio e conflito. poca, os defensores de Cipriano Barata, atravs da

    Nova Sentinella da Liberdade na guarita de S. Pedro na Bahia de Todos os Santos, travaram

    veementes polmicas com Francisco Sabino, que redigia O Investigador.89 Alm de ocupar-se

    com a redao, Sabino tambm era secretrio da Sociedade Conservadora e fizera parte do

    ncleo atuante que originou a sociedade, o Clube do Gravat. Este que era considerado o

    principal responsvel por criar a representao exigindo a priso dos supostos ameaadores da

    ordem.90

    Outro ponto importante presente na ata, refere-se a uma comisso formada com o

    objetivo de encontrar um meio de prestar algum socorro a alguns patrcios aflitos, como

    requisitado por meio d