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Evelyn Morgan Monteiro A Revista: modernismo e identidade fluminense (1919-1923) Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio. Orientador: Prof. Luís Reznik Rio de Janeiro Agosto de 2008

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Evelyn Morgan Monteiro

A Revista:

modernismo e identidade fluminense (1919-1923)

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Luís Reznik

Rio de Janeiro

Agosto de 2008

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Evelyn Morgan Monteiro

A Revista: modernismo e identidade fluminense

(1919-1923)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura do Departamento de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profº Luís Reznik

Orientador Departamento de História

PUC-Rio

Profª Ana Luiza Martins

CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,

Arqueológico, Artístico e Turístico) Secretaria de Estado da Cultura de

São Paulo

Profª Helena Maria Bousquet Bomeny

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil-CPDOC

FGV

Profª Márcia de Almeida Gonçalves Departamento de História

PUC-Rio

Profº Nizar Messari Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais

PUC-Rio

Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2008.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Evelyn Morgan Monteiro Graduou-se em História na UERJ-FFP (Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Faculdade de Formação de Professores) em 2005. Foi bolsista do projeto História e Memória de São Gonçalo, onde começou seus estudos sobre História Fluminense. Participou de vários congressos, nos quais discutiu o presente tema, amadurecendo-o. Hoje é professora substituta do Cefeteq (Colégio Federal de Química), do CAP-UERJ (Colégio de Aplicação da UERJ) e tutora da Graduação de História à Distância da PUC-Rio/UERJ.

Ficha Catalográfica

CDD: 900

Monteiro, Evelyn Morgan A Revista : modernismo e identidade fluminense (1919-1923) / Evelyn Morgan Monteiro ; orientador: Luis Reznik. – 2008. 155 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. História – Teses. 2. História Social da Cultura. 3. Modernismo fluminense. 4. A Revista. 5. Intelectuais. 6. Identidade cultural. 7. Comemorações centenárias. I. Reznik, Luís. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.

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Para os meus pais, Sandra e João, por aquela conversa à beira-mar, que me fez chegar até aqui.

Para o Henrique, pela presença amorosa

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Agradecimentos

Agradeço à Deus, pela força nos momentos de fraqueza e pela conquista

que significa, para mim, este trabalho.

Ao meu orientador, Luís Reznik, pela paciência, pelo estímulo e pela

parceria, desde a graduação, que o tornou mais que um orientador, um amigo

sempre pronto a ajudar.

À Márcia Gonçalves, pelos livros emprestados e pela leitura atenciosa na

qualificação que aprimorou este trabalho. Ao professor Edmilson Rodrigues, pelas

discussões sobre o moderno e os caminhos abertos no momento da qualificação.

Meus agradecimentos aos mestres que me ensinaram o fazer

historiográfico e que despertaram, ainda mais, a minha paixão pela história. Pelas

orientações e pelas experiências que tive na UERJ, em especial, no grupo de

pesquisa sobre História e Memória de São Gonçalo; Agradeço também aos

professores da PUC-Rio, pelos debates que acrescentaram à minha formação.

Aos pesquisadores e amigos da Coc-Fiocruz, pela nova perspectiva que

tive sobre a história. Obrigada à Sheila, à Dilene e à Ana Beatriz.

Agradeço ao Rui Aniceto, por ter me apresentado a minha fonte e pelas

discussões sobre história fluminense, e a Rosane, por ter me ajudado junto a

Biblioteca Nacional e tornado essa pesquisa possível.

À Edna, pelo carinho com que realiza as suas funções no Departamento de

História da PUC-Rio.

Ao CNPq, pelo financiamento dessa pesquisa.

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À equipe de professores de Ciências Humanas, do Colégio Federal de

Química, por terem me abraçado na reta final, e mais difícil, dessa trajetória.

Aos grandes amigos e amigas, como Renata, Caroline, Heitor, Valéria,

Vanessa, Rafael e Rogério que de maneiras distintas colaboraram com discussões

acadêmicas, com ternura e com amizade nos momentos complicados. E agradeço

especialmente à Pâmella, por ser a amiga de todas as horas, por demonstrar o seu

afeto de diferentes formas e por ser quase uma irmã.

À minha família, pelo amor incondicional, pela educação, pelo carinho e

pelas palavras de apoio. A todos aqueles que souberam entender as ausências, a

distância e a angústia. E que mesmo sem entender o que fazemos, confortam-nos

com a sua afeição. O meu muito obrigado aos meus pais, Sandra e João, ao meu

irmão João Victor e sua família, que me ensinaram a ser íntegra e foram o meu

sustento moral. Às minhas avós, Helena e Maria, por serem modelos de mulheres

fortes que um dia eu gostaria de ser.

Meu agradecimento ao Henrique, meu amado, que foi sempre gentil e me

ajudou com as revisões e com as palavras de carinho e de sustento. Pela sua

família tão especial, por sua generosidade grandiosa, por ter sido compreensivo,

por ter acreditado tanto em mim e por ser o meu refúgio.

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Resumo

Monteiro, Evelyn Morgan. Reznik, Luís. A Revista: modernismo e

identidade fluminense (1919 – 1923). Rio de Janeiro, 2008. 155p. Dissertação de Mestrado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O presente trabalho estuda o movimento modernista no Estado do Rio de

Janeiro, por meio do periódico A Revista, que circulou entre os anos de 1919 a

1923 e refletiu o interesse dos intelectuais fluminenses em destacar a relevância

de seu modernismo nos debates que pensavam a nação no início do século XX. A

Revista promoveu um intenso discurso de valorização da modernidade como

elemento fundamental ao progresso e, por conseguinte, ao destaque do Estado do

Rio. Essa argumentação partia da antiga capital, Niterói, e difundia-se para os

demais municípios interioranos. Para essa tarefa, os letrados, que dirigiam esse

periódico, ponderaram sobre educação, ciência, reformas urbanas, progresso e

civismo, e realçaram os fluminenses no quadro da federação brasileira,

especialmente, às vésperas de se completar cem anos de independência. Nesse

sentido, as comemorações dos centenários, não só da pátria (1922), mas, também,

da fundação de Niterói (1919), foram momentos especiais para criar uma memória

peculiar do Estado do Rio. O modernismo fluminense provocou um conjunto de

reflexões, que seus intelectuais utilizaram como instrumento de transformação da

sociedade, a fim de redefinir a identidade cultural fluminense no cenário nacional.

Palavras-chave

Modernismo fluminense, A Revista, intelectuais, identidade cultural,

comemorações centenárias.

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Abstract

Monteiro, Evelyn Morgan. Reznik, Luís. A Revista: fluminense

modernism and identity (1919 – 1923). Rio de Janeiro, 2008. 155p. MSc. Dissertation – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The present work studies the modernist movement in Rio de Janeiro from

the magazine A Revista, which was diffused between the years of 1919 to 1923

and it represented the fluminenses’ intellectual interests on distinguishing the

relevance of their modernism in the debates which thought the nation in the

beginning of the 20th century. A Revista encouraged an intense speech which

added value to modernity as fundamental component to the progress and therefore

to emphasize the Rio de Janeiro state. This reasoning came from the former

capital city, Niterói, and it was spread over the other villages. To this task, the

thinkers, who managed this magazine, thought about education, science, urban

reforms, progress and civism, and it detached the fluminenses in the Brazilian

federation frame specially on the verge of completing one hundred years of

independence. In this sense, the celebrations of the centennials, not only of the

country (1922), but the foundation of Niterói (1919) as well, were special

moments to create a peculiar memory to Rio de Janeiro state. The fluminense

modernism provoked many thoughts which were used by intellectuals as a tool to

change the society, in order to redefine the fluminense cultural identity in the

national scenery.

Key words

Fluminense modernism, A Revista, intellectuals, cultural identity,

centennial celebrations.

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Sumário Introdução ................................................................................................. 13

1. Os cenários da criação: Revistas, intelectuais e ambiência

fluminense ................................................................................................. 20

1.1. Revistas e o espelho do seu tempo ................................................ 21

1.1.1. Periódicos da modernidade ...................................................... 22

1.2. As acepções do moderno ............................................................... 27

1.3. A missão dos intelectuais ............................................................... 29

1.4. Resgatando identidades ................................................................. 33

1.5. O Diálogo com outros modernismos .............................................. 37

2. Caminhos para o moderno: a busca da trajetória fluminense .............. 47

2.1. As cores e formas de um projeto ................................................... 47

2.2. Educação: uma perspectiva sobre o moderno ............................... 54

2.2.1. Educ(ação) Revista ................................................................. 55

2.2.2. Infância em Revista ................................................................. 60

2.3. A modernização pelo progresso ..................................................... 64

2.4. A Política como instrumento ........................................................... 69

2.5. Ciência e saúde para um estado moderno ..................................... 77

2.6. Intelectuais e sociabilidades: as tramas de A Revista .................... 80

2.6.1. O Café Paris .............................................................................. 83

2.6.2. A Academia Fluminense de Letras ............................................ 85

2.6.3. A Escola Normal e outras instituições de ensino ....................... 87

2.6.4. Outros periódicos ...................................................................... 90

2.6.5. Collar de Pérolas ....................................................................... 93

3. Os Centenários e o espaço simbólico de identificação com o

moderno ................................................................................................... 96

3.1. Os centenários e a modernidade para os fluminenses.................. 97

3.2. A propaganda e o visual moderno ............................................... 100

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3.3. A história e o moderno, narrativas comparadas .......................... 105

3.4. Festa e sociabilidade, celebrar era preciso ................................. 110

3.5. O progresso nos cem anos de história ........................................ 114

3.5.1. O interior em revista .............................................................. 116

3.6. Educação e cultura: construindo bases para o próximo

centenário ........................................................................................... 118

3.7. A política e a concretização do moderno ..................................... 123

Conclusão ............................................................................................... 127

Fontes ..................................................................................................... 133

Referências Bibliográficas ....................................................................... 134

Anexos .................................................................................................... 142

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Outro paradoxo, ou ambigüidade: o “moderno”, a

beira do abismo do presente, volta-se para o

passado. Se, por um lado, recusa o antigo, tende a

refugiar-se na história, Modernidade e moda retro

caminham lado a lado. Este período, que se diz e

quer totalmente novo, deixa-se obcecar pelo

passado: memória, história.

Le Goff, Antigo/ Moderno

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Se fosse possível estabelecer uma lei de evolução de

nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que

toda ela se rege pela dialética do localismo e do

cosmopolitismo, manifestada pelos modos mais

diversos.

Jorge Schwartz, Nacionalismo versus cosmopolitismo.

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Introdução

Marcada por agitações políticas e culturais, a década de 1920, no Brasil,

caracterizou-se por um intenso movimento intelectual. Os acontecimentos que

definiram aquela realidade despertaram um profícuo debate sobre a situação do

país, o que motivou uma densa produção cultural. Os letrados, ao suscitar

questões singulares sobre a nossa nacionalidade, eram seduzidos a criar um saber

próprio sobre a nação. Surgia o modernismo, que diagnosticava as mazelas

brasileiras e, como receita de cura, propunha a inserção do país nos paradigmas da

modernidade.

Como um movimento literário, o modernismo não se furtou em participar

dos debates políticos. Tinha um projeto com metas definidas que, apesar das

diferentes manifestações, chegavam a um lugar comum: a redefinição da

identidade cultural do país. Reconstruir a nação, uma tarefa especialmente urgente

nas vésperas da comemoração do Centenário da Independência, era a pauta usual

nos diversos “modernismos” que surgiram pelo país.

Em nossa pesquisa debruçamo-nos sobre às manifestações fluminenses. O

movimento que denominamos de “modernismo fluminense” será estudado neste

trabalho a partir do periódico A Revista1, que circulou na capital do antigo Estado

do Rio de Janeiro entre os anos de 1919 e 1923. Por meio desse veículo, a

intelectualidade fluminense buscou realocar-se no panorama nacional, através das

discussões sobre a brasilidade. Nesse sentido, procuraram uma identidade para o

seu grupo, ao tentar estabelecer uma outra imagem para o estado, por meio do

nacionalismo e da divulgação de um discurso modernista.

Ao investigar as agremiações das letras fluminenses no início do século

XX, em busca de fontes para o nosso estudo, observamos que sua produção

cultural não ficou isolada em um contexto histórico específico. Ainda hoje,

percebemos uma geração de pensamentos em torno do cenário do Estado do Rio

de Janeiro, o que revela que as discussões sobre a cultura fluminense de A Revista

deixou legados para a atual vida literária do estado.

No exame dos periódicos e anais de instituições intelectuais que foram

contemporâneas ao nosso objeto e que mantém suas atividades até hoje,

1 Sempre que nos referirmos à esse periódico ele será representado com as iniciais maiúsculas e em itálico, a fim de deixar clara a diferença de uso do substantivo “revista”.

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encontramos na Revista do Cenáculo Fluminense de Letras e História, publicada

em 2005, uma poesia que assume um discurso que nos remete aos modernistas de

A Revista. Vejamos o poema Assim é Niterói, de Hulda Rabelo, nessa edição.

Aqui estou minha gente! Gente boa hospitaleira. Sou forasteira, bem sei Mas também sou brasileira. Eu ouvi falar algures Desta terra benfazeja. Decidi – Vou conferir! – É meu direito!... Ora veja... Aqui ao adentrar, Trouxe bens inestimáveis: Coragem pra trabalhar E filhos: CINCO! Adoráveis!... Tivemos boa acolhida Ficamos bem à vontade Só uma coisa doía: Da nossa terra, a saudade. Vim com fé e a coragem Com a força que Deus dá. Quarenta anos já se vão Pois aqui vim para ficar. Como se diz lá em Minas, Vim de vez – “de mala e cuia”. Deus me trouxe a essa terra E eu hoje canto: “ALELUIA”!!! Não vim assim de tão longe... Minas–Rio, vizinhos são A ponto de confundir-se No pulsar do coração. Descerro hoje os meus lábios Com a mais tenra emoção Para falar para você, NITERÓI... Real canção...! Comungo com o teu sorriso Com a tua beleza sem par Com a sinfonia das ondas Na areia branca do mar. A beleza natural É o forte dessa terra. Vê-se que a mão Divinal Nessas paisagens se encerra. Admiro-te a nobreza Oh! Terra de Araribóia! Pois ostentas com orgulho Teu acervo, tua história.

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Pugnas pela moral, Civismo e dignidade. Fatos e fotos destacas

Com rara autenticidade. Da República em foco Personagens destacáveis! Nilo Peçanha, Varela, Dom Agostinho e Portela. Nilton Braga, Vasco Cinquini, Bussai, Ribeiro e Negrão, Sodré e outros tantos Dignos de celebração.

Prolonguei-me. Me perdoem... Excedi no entusiasmo. Quem sabe até cometi Mais de um pleonasmo Contudo volto a afirmar: Niterói é um celeiro

De cultura e intrepidez.

No seu mais recente acervo, A NATA da honradez. Muitos ainda atuantes Constroem um novo painel.

Personagens respeitáveis

Cada um no seu papel. Aos de saudosa lembrança, Homenagens permanentes! Seus nomes, feitos, valores,

São fatos recrudescentes! Nesse celeiro de fama, Nominatas a valer! Tudo é belo! É deslumbrante! Tudo nos dá prazer. Niterói é tudo isso E mais que isso ela é. Cresce dia após dia

Não anda de marcha à ré.

Complementando a homenagem Que flui do meu coração, Confiro à “CIDADE SORRISO” Toda minha afeição. Amo essa TERRA, essa GENTE! Sinto-me filha também. Aqui estou, daqui não saio!... Que os anjos digam: – “AMÉM”!... (os grifos em itálico são meus)

O texto, apesar de atual, remonta muitos dos argumentos que os homens de

letras de A Revista estavam comprometidos. A afirmação de uma imagem para os

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fluminenses, tendo como ícone a antiga capital, Niterói; o destaque da cidade, por

sua história e seus filhos ilustres; o constante desenvolvimento; os traços da

identidade e da qualidade moral da sua população – mostram-se, ainda, presentes.

A autora, apesar de não ter nascido na cidade, cria seus laços de afetividade nessa,

e é aí que ela se reconhece como intelectual. 2

As temáticas que a poesia apresenta são semelhantes ao quadro de

assuntos presente em A Revista, e tangenciam as prerrogativas do modernismo

fluminense. Enquanto mobilização artística, esse último não se identificou com a

busca por uma nova estética, nem com o rompimento com as correntes de

pensamento que o antecederam, nem eram de vanguarda. A acepção de um

projeto modernista para o Estado do Rio, segundo o periódico, passava pelo

nacionalismo, pela valorização do local, pelo estímulo às artes e à intensificação

literária, pela educação. Demonstrar o progresso de Niterói, e por conseqüência de

todo o território fluminense era exibir a modernidade como algo intrínseco, real,

integrante de uma nova representação do estado diante da nação.

Por isso, o presente trabalho tem por objetivo analisar a fundação desse

periódico, ao buscar compreender a sua atuação como um veículo de propostas

modernizantes para o Estado do Rio de Janeiro e para a nação. Ponderaremos

sobre a importância do discurso proposto por esses letrados, avaliaremos a

constituição desse grupo para entender A Revista e seus locais de sociabilidades.

Ao pensarmos como essas discussões locais se projetam para o âmbito nacional,

percebemos a construção de uma identidade cultural para os fluminenses, que

articulou um reposicionamento de maior relevância para seus arquétipos, em uma

conjuntura de reformulação da nacionalidade brasileira durante a Primeira

República.

Ao escolher esse tema, propomos uma avaliação das questões culturais em

um momento histórico marcado pelas discussões políticas. A Primeira República,

período lembrado nos livros escolares pela pouca de participação popular, pela

dificuldade de acesso à cidadania e pelo domínio da máquina estatal pelas

2 Hulda Rabelo é servidora pública do Estado do Rio e acadêmica do Cenáculo Fluminense de História e Letras, onde ocupa a cadeira 21, cujo patrono é Raul de Leoni. O Cenáculo Fluminense surgiu em 1º de setembro de 1923, quando um grupo de intelectuais, que se reunia no Café Paris, resolveu institucionalizar suas discussões em torno de uma academia literária. As reuniões do Cenáculo acontecem, até hoje, na Rua Amaral Peixoto 171/403 ou na Biblioteca Publica da Niterói, ambos situados no centro dessa cidade.

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oligarquias3, fez-nos amadurecer a idéia de um outro olhar, de uma história social

da cultura, que ganha cada vez mais destaque na historiografia brasileira.4 Os

questionamentos que pretendemos desenvolver no nosso estudo pensa os

intelectuais como atores políticos nesse contexto da história brasileira. Eles

estabeleceram estilos de pensamento e esboçaram marcos na reflexão sobre a

questão da nacionalidade, contribuindo para a compreensão das primeiras décadas

republicanas.

Somado a esse propósito, está a escassez de trabalhos sobre história

fluminense. A “cultura de capitalidade”5 exercida pela cidade do Rio de Janeiro

fez com que grande parte dos estudos que se direcionam para o estado

contemplem majoritariamente a antiga capital federal6. A história fluminense, que

ainda tem muito por contar, motivou-nos, então, a uma reflexão sobre os rumos e

as perspectivas acerca das discussões que pensavam âmbito do Estado do Rio no

pós-Primeira Guerra Mundial. As décadas de 1910 e 1920 foram momentos de

grande mobilização para a construção da nação, e que traz à tona questões cruciais

referentes à movimentação intelectual e ao nacionalismo.

Nosso estudo apresenta, ainda, um aspecto singular, ao investigar o

movimento modernista – fortemente vinculado às manifestações paulistas e à

valorização que a Semana de Arte de 1922 alcançou, sendo esse o grande

referencial para se pensar modernidade no Brasil – em uma escala micro7,

3 Sobre as questões de participação popular e a história política dos primeiros tempos republicanos , ver Marcelo Magalhães. Ecos da política: A capital federal, 1892-1902. 2004. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense. 2004. E José Murilo de Carvalho. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Republica que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 4 Cf. Ciro Flamarion Cardoso. História e paradigmas rivais. e Ronaldo Vainfas. História das mentalidades e história cultural. Ambos In: Ciro F. Cardoso; Ronaldo Vainfas. Domínios da História. Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. Os autores discutem essa mudança de paradigma e avaliam o espaço conquistado pela história cultural. 5 Esse conceito foi utilizado por Marly Motta. Saudades da Guanabara: o campo político na cidade do Rio de Janeiro (1960-75). Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2000. Ao analisar a discussão sobre a criação do Estado da Guanabara a autora argumenta sobre a imagem de cidade-capital que a cidade do Rio não desejava perder, essa “cultura de capitalidade” esteve, e ainda se perpetua, presente na memória sobre a cidade. Ver também: Margarida de S. Neves. Uma capital em trompe l´oeil. o Rio de Janeiro, cidade-capital da república velha. In: Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi; Claudia Alves; José Gonçalves Gondra. (Org.). Educação no Brasil: história, cultura e política. 1 ed. São Paulo: Editora Universitária São Francisco, 2003. 6 Refiro-me aqui aos dois trabalhos caros para a minha pesquisa que estudam o movimento modernista carioca, são eles Ângela de Castro Gomes. Essa gente do Rio..., modernismo e nacionalismo, FGV, Rio de Janeiro: 1999. e Mônica Pimenta Velloso. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. FGV, Rio de Janeiro: 1996. 7 Sobre os jogos de escala e o uso da micro-história para compreensão de panoramas históricos ver: Carlo Ginzburg; Enrico Castelnuovo; Carlo Poni,. A micro-historia e outros ensaios. Lisboa:

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considerando a contribuição dos fluminenses dentro dos debates culturais da

Primeira República. Assim, analisaremos a atuação de um grupo de letrados

diferenciados, – interioranos, oriundos dos diversos municípios do Rio de Janeiro

– e que desenvolveram o projeto de A Revista.

Para conhecer a dinâmica desse peculiar projeto para o Estado do Rio e

para sua intelectualidade, esbarramos na grande carência de fontes sobre as

biografias desses fluminenses. Faltam inúmeras informações sobre os círculos que

freqüentavam e suas trajetórias no mundo das letras. O exercício que fizemos para

reconstituir essa conjuntura aconteceu por meio do cruzamento documental. As

informações de vida e de obra, que a própria A Revista fornecia, com suas

homenagens e seções sociais, foram relacionadas com os documentos e as fontes

do acervo sobre história fluminense, que encontramos na Biblioteca Pública de

Niterói, no Centro de Memória Fluminense, da UFF, e na Biblioteca Nacional.

Ao reunir esses indícios, sustentamos a nossa pesquisa por três diretrizes

centrais: a análise da proposta de A Revista, entendendo-a como um periódico

modernista; a compreensão das particularidades do que nomeamos de

modernismo fluminense; e, a reflexão sobre a identidade cultural, que esses

intelectuais se propuseram a delinear para os fluminenses, baseada na idéia de

nacionalidade e modernidade.

A fim de caracterizar o ambiente cultural, no primeiro capítulo desse

trabalho, buscamos configurar a conjuntura do pós-guerra, fazendo uma breve

análise sobre a atmosfera moderna, ou seja, qual era o ambiente político, social e

econômico de transformações que marcaram o início do século XX e que levaram

os intelectuais a considerarem um projeto de salvação nacional. E como a revista,

esse gênero de imprensa, foi importante como veículo dessas mudanças, para a

divulgação do discurso que se desejava construir. Além disto, a partir de uma

discussão historiográfica sobre os movimentos modernistas, estudando os cariocas

e os paulistas, tentamos definir o lugar dos fluminenses nessas manifestações,

refletindo em que medida o modernismo fluminense aproximou-se das linhas de

pensamento desses últimos.

Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989; Carlo Ginzburb. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Além de, Jacques Revel. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

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O segundo capítulo dedica-se à análise da criação e atuação de A Revista

como propagadora das idéias modernistas, investigando sobre o seu formato e sua

narrativa, os aspectos materiais e ideológicos que nos auxiliam a entender seus

propósitos e sua trajetória no periodismo do Estado do Rio. Realçamos suas

sensibilidades, ao esquadrinhar os caminhos em direção ao moderno, ou seja,

quais as coordenadas propostas por seu grupo de letrados que comporiam o

discurso modernista. Por isso, analisamos o enfoque que A Revista dedicava à

educação, ao progresso, à saúde e à política. Ao pensar sobre o porquê dessas

temáticas estarem na pauta de discussão dos fluminenses, buscamos desvendar

quem eram e como atuavam os intelectuais ligados ao periódico, bem como

refletimos sobre a sua rede de sociabilidades e como a circulação de suas idéias

está ligada ao projeto de redação de uma revista, que priorizava a construção de

uma representação positiva para o estado pelo viés da modernidade.

O terceiro capítulo trata de dois momentos singulares, particularmente

caros para a conjuntura estudada, porque salientavam, de maneira exacerbada, a

fala modernizante de seus homens de letras. Em uma perspectiva comparada,

estudaremos as edições especiais que foram publicadas em comemoração ao

centenário da fundação de Niterói, em agosto de 1919, e ao centenário da

independência, em outubro de 1922. Nesses dois números, discutimos como o

ideal de uma nação que se quer moderna fica evidenciado nesse exame de

reavaliação da trajetória de cem anos de história, em que se ressalta a importância

dos fluminenses na construção da nação.

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1. Os cenários da criação: Revistas, intelectuais e ambiência fluminense

“A criação de uma Revista que atenda às exigências literárias de uma época francamente evolucionista não é tarefa mínima.”

Gioconda Dolores8

A epígrafe denota a atmosfera dos anos de 1920, quando o periodismo

brasileiro se expandiu e produziu bastante. Esse movimento, que colocou a todo

vapor as tipografias do país, em especial as do Rio de Janeiro e de São Paulo, tem

início na virada do século XIX para o XX. Com sua linguagem ágil e em

movimento, uma revista buscava dar conta de um mundo em mutação, de uma

sociedade que vivia a fluidez da modernidade através das reformas na cidade, dos

avanços tecnológicos e das mudanças políticas.

Gioconda Dolores refere-se a um periódico em especial, A Revista. Essa

que se intitulava uma revista literária, circulou em Niterói – na época, capital do

antigo Estado do Rio de Janeiro – entre os anos de 1919 a 1923. Foi era dirigida

por um grupo de intelectuais, que irradiavam um discurso de modernização para o

estado fluminense. Nesse sentido, o presente capítulo refletirá sobre a revista em si,

ao buscar entender a importância desse gênero de imprensa e qual o seu papel na

veiculação de idéias desse grupo. Por isso também voltaremos o nosso olhar para a

sua trama de sociabilidades, ao pensar A Revista como um local que, ao entrelaçar

afetividades e idéias comuns, forma uma rede de atuação desses homens letrados.

Para refletir sobre os cenários de fundação de A Revista, além de

compreender a dinâmica de um periódico, é preciso analisar o seu entorno.

Estudaremos o contexto em que se dá a inauguração da revista, momento em que é

possível observar a perda de influência do Estado do Rio de Janeiro no conjunto da

federação, influência esta que o mesmo gozava nos tempos de província. Essa

perda de importância do estado faz com que os intelectuais busquem redefinir o

papel dos fluminenses no âmbito nacional. Logo, nossos estudos tangenciam a

construção da identidade desse grupo de letrados e suas estratégias. Através de A

8 Gioconda Dolores. Editorial. A Revista. Ano II, nº 12, 1920. p. 9. Todas as citações de A Revista

foram corrigidas ortograficamente conforme a norma contemporânea, sem contudo modificar o sentido da mensagem, sendo, apenas, uma atualização da grafia das palavras. Outra observação importante refere-se ao número de páginas. A Revista não numerava as suas laudas, portanto a numeração encontrada nas citações foi feita no momento de análise do periódico.

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Revista, busca-se um lugar para a produção fluminense nos debates modernistas,

que procuravam tematizar a nação refletindo sobre o seu conteúdo e seus contornos

identitários. Entender essas singularidades é entender o que chamamos de

“modernismo fluminense”.

1.1. Revistas e o espelho do seu tempo

A revista é uma importante fonte para o historiador, pois ela é um espelho

do seu tempo. Ela registra o passado, os valores daquela sociedade em que está

inserida, mas o que a torna especial são seus registros. Esses vão além do texto,

estão em cada vinheta, reclame, anúncio, capa, ilustração ou charge. Ao

analisarmos uma revista é possível perceber, por esses elementos extratextuais, o

perfil de seus leitores, de seus anunciantes, portanto, daqueles que financiam o

periódico e a proposta de seus proprietários.

Esse espelho, entretanto, muitas vezes é polido a fim de mostrar uma

realidade maquiada, uma realidade direcionada pelo discurso dos seus criadores.

Na verdade, as interpretações de seus redatores estão influenciando o texto do

periódico o tempo todo. Ana Luiza Martins, em Revista em Revista, aponta que a

revista pode ser uma cilada documental, exatamente pelo que a torna um gênero de

imprensa tão valorizado, ou seja, por documentar o passado, através de registros

múltiplos. Portanto é preciso levar em consideração as condições de sua produção,

sua negociação, os capitais nela envolvidos, e ter em mente que o texto periódico é

uma interpretação do passado pelo qual o pesquisador pretende transitar. 9

Para além do significado que denota uma publicação periódica, a autora

apresenta uma outra definição para a palavra “revista”. “Uma revista é uma

publicação que, como o nome sugere, passa em revista diversos assuntos o que (...)

permite um tipo de leitura fragmentada, não contínua, e por vezes, seletiva.”10

“Passar em revista” condensa o aspecto veloz, ágil, de fácil acesso, de bem de

consumo, que se contrapõe à cultura livresca de outrora, que já não era capaz de

dar conta desse mundo de transformações técnicas. Ainda na segunda metade do

9 Ana Luiza Martins. Revistas em revista. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 21 10 Clara Rocha Apud Idem. p. 45.

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século XIX, revistas passaram a ser publicadas em grande quantidade, o que

evidenciava as exigências da vida moderna.

Seu aspecto efêmero traduz a rapidez e o consumo ligeiro de suas

informações, que tentava acompanhar o ritmo das mudanças da modernidade,

portanto, não havia reedição de revistas, nem esta era guardada como um bem

durável, uma pequena peça de luxo, como os livros eram. A transitoriedade desse

veículo de comunicação começava nas tipografias, no apressamento de seu

conteúdo para chegar a tempo nas bancas, até às mãos do leitor, quando depois de

lido, raramente era guardado ou retomado.

Por ser mais bem acabada, ter capa, e, muitas vezes, ser colorida, a revista

superava o padrão gráfico do jornal. Esse padrão estético fazia parte de um

programa maior, afinal havia um grupo a sua frente, que dava forma à revista, indo

além das notícias, como no jornal, desenhando uma linha de pensamento, um

projeto. O seu universo de redatores, salvo exceções, é menor do que de um jornal,

permitindo uma coesão da escrita do grupo com o intento do periódico.

Afora as diferenças de uma revista para jornais e livros, outro fator que

corroborou na disseminação desse tipo de periodismo, no final do século XIX, foi

que “a inexistência de uma indústria livreira conferiu especialmente às revistas, a

função de suporte adequado para a veiculação da imagem de um novo Brasil” 11. O

desencanto republicano nesse momento se deu com a permanência e a reprodução

de práticas tradicionais em uma sociedade que se queria moderna.

1.1.1. Periódicos da modernidade

Com A Revista não foi diferente. Sua característica periódica e ligeira veio

ao encontro do anseio dos intelectuais de divulgarem seus diagnósticos sobre a

nação. Ao utilizar o nacionalismo e a modernização, A Revista propunha uma

postura cívica e um amor à pátria, buscando destacar o papel dos fluminenses na

reconstrução dessa nação. A imagem de um novo país estava amalgamada à

imagem de um novo estado, mais moderno, refeito para acompanhar a velocidade

da vida urbana, da nova paisagem industrial que se configurava. 12

11 Ana Luiza Martins. op. cit. p. 26. 12 Sobre a ligação da literatura com a nova paisagem e do início do século ver: Flora Süssekind. Cenas de fundação. In: Anateresa Fabris (org). Modernidade e modernismo no Brasil.

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A nova paisagem urbanizada, a mudança dos costumes, a velocidade dos

acontecimentos, ou seja, os ares da modernidade devem ser entendidos como um

processo. Sua gestação, na sociedade brasileira, acontece na virada do século XIX

para o XX. Pois já o final do século XIX, observamos que há um projeto de estado

moderno liderado pelas elites político-culturais13, que buscavam imprimir uma

nova face à nação. A passagem do Império para a República assistiu não só a uma

mudança política, mas a uma revolução técnica que mudou a concepção de mundo

dessa sociedade.

Esse é um momento caracterizado por transformações, onde as inovações

científico-tecnológicas – como o automóvel, o telégrafo sem fio, a luz elétrica, o

telefone, o cinema, os bondes, o gramofone, a máquina de escrever, a fotografia, os

zepelins e tantas outras – alteraram profundamente a percepção do homem ao que

está em seu entorno, ou seja, a sua concepção de tempo e de espaço. 14 As

alterações da modernização estão fortemente vinculadas ao mundo urbano e são

recebidas com apreensão, pois caracterizavam-se por esse estado de choque que

despertava reações diversas na população, que vivenciava esse irradiar de um novo

período.

Na trama dessa nova configuração, havia o impacto da Primeira Guerra

Mundial, onde movimentos nacionalistas começaram a surgir. O modelo da belle

époque estava falido e o paradigma da civilização européia desmoronou. Era

preciso buscar novos parâmetros para definir uma nação moderna, ou seja, de

construir uma nacionalidade, uma identidade brasileira diante de tantas alterações.

Para que a nossa sociedade estivesse realmente afinada com essa conjuntura, que

se impunha, era preciso uma reavaliação do país.15

Ainda mais porque o regime republicano estava cada vez mais longe dos

princípios de seus idealizadores. A situação política estava dominada pelas

oligarquias mineiras e paulistas, que reduzia a participação popular, através de

Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, 1994. p. 9-25. A autora traça um panorama sobre as cenas de fundação, de como a produção literária estava ligada com a realidade citadina e o esforço de delimitação de uma identidade nacional. 13 Ângela Alonso. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 14 Nicolau Sevcenko. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: História da vida privada no Brasil: República: da Belle époque a era do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 3, 1999. p. 11 Ver também:, Mônica Pimenta Velloso (1996). op. cit. 15 Lúcia Lippi Oliveira. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990.

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uma máquina eleitoral corrupta, e afastava os intelectuais da esfera de ação

política. Os ilustrados, aqueles que refletiam a nação – ainda mais com a

proximidade dos cem anos de Independência do Brasil – assumiram a

responsabilidade sobre os questionamentos acerca da pátria.

As inúmeras mudanças, como as que descrevemos, alteraram a

sensibilidade dos autores e interferiram em suas obras. A conjuntura de

transformações suscitava um balanço da nação, e os intelectuais tomariam para si

ônus de recriar uma brasilidade, de repensar o país.16 E se a revista passou a ser um

impresso imprescindível desse cotidiano, por estar afim com suas transformações

(ágil para narrar suas mudanças) ela também será um veículo fundamental para a

releitura da nossa identidade cultural.

A revista não só solucionou o espaço literário que a indústria livreira não

era capaz de absorver, mas também tornou possível que grupos de letrados

tivessem acesso à palavra impressa17. Escrever para um jornal, que até então era a

principal manifestação da imprensa corrente, para ter suas idéias expostas, era

muito complicado; especialmente, quando nos referimos a grupos de intelectuais

locais, que não estavam nos grandes centros, como é caso dos redatores de A

Revista. A edição de revistas solucionava essa questão e dava oportunidades de

divulgação para suas idéias. Nesses periódicos encontramos os seus balanços sobre

a literatura, a política, as artes cênicas, as transformações urbanas, os projetos para

a cidade e os discursos que tematizavam a nação.

Por ter um consumo mais amplo, devido ao seu módico valor, a revista era

um instrumento eficaz de propagação de valores culturais. Nesse sentido, ela

narrava as modificações e as conquistas técnicas do mundo moderno que se

inaugurava. Ao narrar as alterações patentes dessa sociedade, explicava como a

modernidade evidenciava-se na urbanização, nas inovações estéticas, na educação

e na preparação das gerações futuras. Para realçar o efeito do moderno,

estabeleciam comparações com a história, que legitimavam o quadro de alteridades

e de perplexidades dos leitores diante do novo.

Um recurso para comprovar essas mutações e atrair o público era a

fotografia. No início do século XX, as novas tecnologias permitiram o

16 Cf. Nicolau Sevcenko. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira Republica. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 17 Ana Luiza Martins. op. cit. p. 57.

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aprimoramento gráfico, cada vez mais se utilizava as fotografias para ilustrar os

artigos, as capas e os reclames. Esses elementos dão movimento e patrocínio às

revistas, sendo símbolos de uma modernização. Como observa Nicolau Sevcenko,

“o período de 1900-20 assinala a introdução no país de novos padrões de consumo, instigados por uma nascente mas agressiva onda publicitária, além desse extraordinário dínamo cultural representado pela interação entre as modernas revistas ilustradas e a difusão de práticas desportivas, indústria fonográfica e cinema.”18

Os retratos vendiam produtos e espalhavam a noção de uma cidade em

transformação, capturavam a idéia do progresso, do novo. Por isso, a linguagem

fotográfica era notável, afinal era um ícone do avanço da técnica, que ilustrava o

artigo, a notícia e que despertava o desejo do produto a ser consumido. Além de ser

a materialização do almejado desenvolvimento que redefiniria a identidade do

Estado do Rio de Janeiro.

As imagens e as fotografias ampliam a narrativa de A Revista, inserindo-a

na categoria de “revista ilustrada”. Essas, além do aspecto visual, caracterizavam-

se por serem diversificadas, com uma escrita polissêmica, além de tratar de

diversas matérias e temas em um único número. Por isso, a análise de A Revista se

torna ainda mais complexa. As “revistas ilustradas” colocam em pauta uma

variedade de assuntos que dificulta a tentativa de lhe tracejar um perfil. Diversos

gêneros e escolas literárias são experimentados, e são criadas seções diferentes a

fim de atingir diferenciados públicos, atendendo às questões de mercado, que

interferem no conteúdo para aumentar as vendas.

“Decorrência dos gêneros literários, os gêneros periódicos caracterizavam-se pela síntese e pela informação, razão pela qual adequaram-lhe o caráter de ‘passar em revista’ temas, corroborando a característica mais forte do periódico de ‘espelhar o presente’”. 19

Como definir, então, uma revista tão plural? Trabalhamos aqui com a idéia

de que A Revista, apesar de “passar em revista” diversas temáticas, veicula, em sua

essência, um projeto modernizante para o Estado do Rio de Janeiro. Este que

denominamos de “modernismo fluminense” buscará, para além das preocupações

estéticas, através do progresso, da industrialização, da educação, inserir o estado 18 Nicolau Sevcenko (1996). op. cit. p. 37. 19 Ana Luiza Martins. op. cit. p. 148.

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nas discussões que focalizavam a produção em uma nova identidade cultural para a

nação. Ao participar da produção de um novo saber sobre o país, há a tentativa de

resgatar a importância dos fluminenses, enquanto estado notável da federação,

relevância essa que o mesmo não gozava desde os tempos de província. O

modernismo fluminense está pensando uma reformulação para a identidade do

estado aliada a idéia de nação.

A busca da identidade nacional será um traço distintivo dos intelectuais

brasileiros. Enquanto no contexto europeu as vanguardas se empenhavam em

desmantelar identidades, em derrubar as tradições, no Brasil havia o esforço pelo

resgate do local, do nacional, da “brasilidade” que dará o tom do nosso

modernismo.20

A Revista ilustra bem esse argumento, pois como um periódico modernista,

propunha a volta ao civismo, ao resgate da história, à valorização dos tipos

brasileiros e dos processos de modernização vividos da cidade para pensar a

identidade do estado, e a nacional. Jorge Schwartz aponta como era corriqueiro

encontrar revistas, que se propunham a promover a renovação das artes e o

combate aos valores do passado e ao status quo imposto pelas academias, todavia,

existiram outras revistas mais comprometidas com os processos da modernidade, e

suas preocupações nacionais, do que com a vanguarda propriamente dita, e é nesse

sentido que procuramos entender nosso objeto:

“Embora também estejam empenhadas na renovação do panorama local das artes, as revistas de tendência modernizante não se propõem a transgredir as normas do establishment literário local. O moderno em doses comedidas, bem comportadas, longe do riso e do estardalhaço. Desprovidas do caráter agressivo das publicações de vanguarda, isso lhes garante maior estabilidade e maior continuidade.” 21

Talvez esse aspecto tenha proporcionado um público mais diverso, o que

ajuda explicar a longevidade de quatro anos de publicação ininterrupta22 de A

Revista, visto o caráter efêmero de outros periódicos contemporâneos de mesma

20 Anateresa Fabris. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In: Fabris, Anateresa (org). op.

cit. 21 Jorge Schwartz. Vanguardas Latino-americanas: polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo: Iluminuras, 1995. p. 37 - 38 22 Existiram, é claro, algumas exceções como números bimestrais ou edições menores, visto a falta de tempo para reunir matérias para a publicação.

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natureza. 23 Para Ângela Gomes, que estuda a revista carioca Festa, isso pode

revelar um traço de reconhecimento dos que estão à frente do periódico. Para ela:

“Esta é certamente uma das chaves identitárias do grupo: a recusa aos procedimentos estéticos e políticos da vanguarda, quer fossem o da estratégia do escândalo, no dizer de Mário, quer fossem os da radical ruptura com o passado ou do radical nacionalismo/regionalismo. (...) Trata-se de ser moderno e nacionalista, mas de forma distinta de outros nacionalismos modernistas e, em especial, dos paulistas.”24

A Revista era nacionalista, de uma maneira particular, seus intelectuais

traçavam projetos modernizantes para o estado e para a nação, ao pensar

identidades coletivas e utilizar a literatura em função da sociedade. Desde os

modernistas paulistas mais radicais até os comedidos homens de letras de A

Revista percebiam a necessidade de serem “Práticos. Experimentais. Poetas. Sem

reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica.

Sem ontologia”,25 capazes de captar as mudanças sociais e utilizar as artes na

organização nacional.

1.2. As acepções do moderno

A compreensão das transformações sociais, trazidas com a modernidade e o

desejo de participar desse processo, levou o grupo de intelectuais fluminenses à

empreitada de fazer um periódico modernista. Essa revista buscava anunciar que a

modernização era, também, uma realidade no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

Todos esses termos destacados são difíceis de serem diferenciados, devido à

mesma raiz etimológica e à diferença sutil de significado de cada um. Contudo,

23 Várias são as publicações que não conseguiram manter-se por muito tempo em circulaçao, no âmbito fluminense podemos citar A Cigarra : quinzenário de sciencias, artes e letras (de 08 a 09/1924); O Niteroyense: periódico literário e recreativo (de 04/1910 a 04/1911); Vida

Fluminense: mensário de atualidades (07/1920); A Semana: revista do Estado do Rio de Janeiro (de 07/1924 a 02/1925). Ou, ainda, algumas revistas que circulavam na cidade do Rio de Janeiro, como: América Latina: Revista de Arte e Pensamento (1919-20); Terra de Sol: Revista de Arte e

Pensamento (1924) e Movimento Brasileiro (1929). Todos os periódicos citados encontram-se na seção de periódicos da Biblioteca Nacional ou na Coleção Plínio Doyle, da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ver também: Wehrs, Carlos. Capítulos da Memória Niteroiense. Niterói: Niterói Livros, 2002. 24 Ângela de Castro Gomes. op. cit. p. 59. 25 Oswald de Andrade. Manifesto pau-brasil. Correio da Manhã. São Paulo: 18 de março de 1924. Disponível em: http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/manifpaubr.html. Acessado em: 05 jun. 2007.

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faz-se mister compreender a significância específica desses conceitos, pois são

essenciais à apreensão do argumento desenvolvido nessa pesquisa.

A partir da segunda metade do século XIX, esses sintagmas adquiriram

novas denotações. O modernismo, de ordem literária, artista ou religiosa, é

relacionado a um endurecimento doutrinário, que engessou as tendências

modernas, até então difusas, em torno de um projeto. A modernização passou a ser

utilizada como um instrumento de analogia, quando, no encontro entre países

desenvolvidos e atrasados, destacavam-se as diferenças comparativas. E, a

modernidade associou-se à área cultural do ocidente, sendo um conceito que

designava o campo de criação estética, a mentalidade e os costumes da

sociedade.26

A definição modernista seria a mais adequada para ser aplicada à nossa

revista; afinal existe um projeto por de trás das idéias veiculadas em suas edições.

Contudo, seus redatores não se furtaram de utilizar o termo modernização e

moderno, a fim de realçar o desenvolvimento do estado fluminense. A

modernidade não era vocabulário comum em seus artigos, mas representou as

transformações ocorridas nessa sociedade e as idéias que estavam no ar, orientando

o discurso de seus intelectuais.

O problema do ser “moderno” foi posto ao lado da identidade fluminense.

O moderno denota uma reivindicação qualitativa, do novo, que indica experiências

inéditas nunca antes vividas da mesma maneira.27 Esse vocábulo era entendido por

A Revista, em oposição ao que é antigo, olhar para trás, para a tradição seria forma

para entendermos o novo. Por isso, mesmo em busca do novo, a história foi

fartamente utilizada, para caracterizar essa diferença entre antigo e moderno.

Através do passado é possível perceber o que fomos em contraste com o presente e

com o queremos ser.

Vale repetir que, segundo Jorge Schwartz, uma das diferenças entre as

vanguardas européias e as latino-americanas é que, enquanto a primeira busca a

demolição, a outra retoma e se apropria do passado ao fazer uma releitura desse,

26 Jacques Le Goff. Antigo/Moderno. In: História e Memória. São Paulo: Editora da Unicamp, 1990. p. 179. 27 Francisco J. C Falcon. Moderno e modernidade. In: Antônio Edmilson M. Rodrigues; Francisco J. C. Falcon. Tempos Modernos. Ensaios de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 225.

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dando importância a tudo que aconteceu antes para se chegar ao hoje28. Assim é A

Revista, que não escapa às tradições, apesar de ser o lugar da produção do novo.

Em suas páginas, ela apresenta o antigo como contraponto, como algo que adquiriu

um lugar especial no debate sobre o moderno.29

E no reexame da trajetória da história há a necessidade de se ressaltar a

importância dos fluminenses na construção da nação, por meio dos progressos

atingidos no contexto urbano, do aumento da produção literária, do crescimento do

estado. Ao olhar para o passado, o novo se evidencia no hoje, ou seja, a história é

apropriada no sentido de ser um ensinamento, como uma relação de causa e efeito

ao demonstrar o antes o depois, o antigo e moderno.

As mudanças na paisagem afetaram a sensibilidade dos autores e os

despertaram para o dever de utilizar a literatura aliada à política. Nesse sentido, se

as revistas espelham o presente e esse nem sempre é tão límpido, cabe recuperar a

imagem que se quer da nação; pois, a notícia também pode ser um tipo de

publicidade que interpreta certos aspectos do real. Isso nos remete a um outro

ponto: os intelectuais à frente das revistas, os interessados em polir este espelho.

1.3. A missão dos intelectuais

“O intelectual brasileiro encontra-se na mesma situação que o político: participa de uma realidade cujos segredos ele detém.”

30

A revista é um lugar precioso para a análise do movimento das idéias. Ao

contrário do livro, que tem apenas um autor, ela é formada por um grupo de

autores, que se reúnem a partir de um programa ou de uma linha de pensamento a

que a ela se propõe. A revista é um espaço de fermentação intelectual e de relação

afetiva que estrutura o campo intelectual por meio de forças antagônicas de adesão

28 Jorge Schwartz, op. cit. p. 43. 29 Antônio Edmilson M Rodrigues. A querela entre antigos e modernos In: Antônio Edmilson M. Rodrigues; Francisco J. C. Falcon. op. cit. p. 50. 30 Daniel Pécaut. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 7.

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e exclusão.31 Nesse ambiente, os intelectuais se reúnem em torno dos seus pares e,

através dos debates suscitados, definem posições ideológicas.

Conhecer quem são esses intelectuais fluminenses e quais os seus projetos à

frente da revista é fundamental a nossa pesquisa. Pois, A Revista foi um veículo

para divulgar as propostas desse grupo de letrados, que estabeleceram estilos de

pensamento e marcos na reflexão sobre a questão da modernização do estado

fluminense e da nacionalidade. Desse jeito, compreender quem são esses literatos,

que aqui denominamos de “fluminenses”, é refletir sobre a acepção do termo

intelectual e suas prerrogativas.

Por dominarem o manejo das letras, esse é um grupo fundamental para a

vida cultural do país. Quando refletimos sobre a noção do termo “intelectual”

pensamos em criadores e em mediadores culturais, que são engajados pois estão

ligados aos debates cívicos, à produção de conhecimento e à política. Não são

neutros nem imparciais aos acontecimentos ocorridos na sociedade, participam

quer como testemunhas, quer como atores dessas discussões.32 São sujeitos sociais

que elaboram com a sua pena bens simbólicos, pois interpretam a realidade.

“A questão central (...) é o fato de o intelectual ser um indivíduo dotado de uma vocação para representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de vista, uma atitude, filosofia ou opinião para (e também por) um público. (...) Saber como usar bem a língua e saber quando intervir por meio dela são duas características essenciais da ação intelectual.”33

Ao ocupar espaços na imprensa, o intelectual é privilegiado na difusão de

suas idéias e nos debates que interferem no meio social, ao formar opiniões e

identidades, ao manipular percepções e vontades. Partindo desse pressuposto,

entendemos intelectuais como atores políticos. O vínculo entre a política e a

atividade intelectual é muito próximo, pois a existência da dimensão política nas

propostas desse grupo é inegável. Como intérpretes da realidade, estão

intimamente ligados às questões que envolvem a ação estatal e a administração

pública.

31 Jean-François Sirinelli. Os intelectuais In: René Rèmond. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 249. 32

Idem. p. 242. Sobre a renovação dos estudos sobre intelectuais no Brasil, ver: Ângela de Castro Gomes. Política: História, Ciência, Cultura etc. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: 1996, vol. 9, n. 17. 33 Edward Said. Representações do intelectual: as conferências de Reith de 1993. São Paulo: Companhia das letras, 2005. p. 25 e 33.

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São direcionadores da cultura, como porta-vozes do estado, mas que

criticam e sugerem propostas, representando sua coletividade e buscando uma

identidade para si. Os homens de letras procuraram os rumos da transformação

social que desejavam imprimir ao estado e à sociedade. E para realizar esta tarefa,

exerceram uma função pedagógica, por serem vistos como atores pioneiros e

privilegiados na condução do futuro do país. Exercem uma tutoria, ao utilizar a

cultura como força transformadora. A revista, nesse sentido, foi o veículo que esses

eruditos utilizaram para compartilhar com seus leitores formas de pensamento que

de algum modo legitimavam as mudanças sociais e dos grupos no poder. Grasmci

analisa que essa tutela cultural e política gera consensos espontâneos e reitera a

complexidade da atuação do intelectual e sua função política.34

Por isso observamos que, além das preocupações literárias e artísticas, A

Revista e seus redatores, ao abordar a questão política, se abriam e se aproximavam

de seu público, pois refletiam sobre os atos da administração pública. Criticavam e

elogiavam a ação do estado a fim de divulgar suas idéias. É equivocado pensar

que, por se tratar de uma revista literária, a política fosse um assunto distante. Pois,

ao usar as letras aliadas a uma ação politizada, objetivavam a recuperação da

identidade do Estado do Rio, fazia dela um veículo de transformação social, que

desejava decantar nos seus leitores a modernização.

Ao ressaltar o aspecto político do intelectual é possível questionar a sua

neutralidade. Por mais que fossem poetas, eruditos e ligados às letras, sua atuação

e sua produção é, antes, inerente ao campo político-cultural em que este está

inserido35. Esse grupo tem amplas conexões, segundo Daniel Pécaut, no livro “Os

intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação”, um objetivo importante,

ao estudar esses letrados, é questionar as articulações entre o campo intelectual e a

esfera política, “uma vez que a atividade intelectual é orientada pela

responsabilidade assumida diante do imperativo nacional, em que medida

poderiam ser ambas dissociadas?”36

A ligação com a política corrobora a idéia de criar uma identidade nacional.

A urgência de participar dos debates de reconstrução da nação faz com que os

34 Cf. Antônio Gramsci. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, vol. 3. p. 20. 35 Jean-François Sirinelli. op. cit. p. 237. 36 Daniel Pécaut. op. cit. p. 18. Ver também Sérgio Miceli. Intelectuais e a classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979.

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fluminenses busquem auxílio na política, a fim de colocar a literatura na tarefa de

recuperação da nacionalidade e de regeneração social. Ao pensar a nação, há a

redefinição da própria identidade fluminense, que está intimamente ligada ao seu

sentimento de pertencimento nacional. A regeneração da nação foi sendo pensada

junto com a reconstrução da identidade do estado. É nesse sentido que Pécaut usa a

categoria de “missão” desses intelectuais como “porta-vozes da nação, como se

estivessem encarregados de lhe dar forma.”37

A proposta de construir uma cultura política é um elemento comum entre os

intelectuais, faz parte da identidade desse grupo. A maneira de definir sua posição

social junto à sociedade e às elites dirigentes e as articulações entre o campo

intelectual e a esfera política são aspectos que promovem sua identidade e

influência.38 O que desejamos destacar aqui é que o intelectual enquanto agente

político busca a modernização cultural. O estado e os homens de letras estavam

mutuamente comprometidos nessa tarefa, pois o estado é um ator fundamental na

construção desse projeto de nação.

Se esses literatos configuram-se como agentes políticos, que buscam a

viabilização de suas propostas junto à ação do governo, em que espaços esses

circulavam? A lógica de constituição de seus grupos é uma chave importante para

compreendermos as aspirações do mundo das letras. A existência de uma

sociabilidade, segundo Michel Trebitsch, é uma condição para a elaboração do

próprio intelectual. 39 A sociabilidade, ou seja, os espaços de troca e circulação de

idéias formam uma “rede” que estrutura o universo intelectual e que revela

“microclimas”.40 Além de afetivos, esses espaços também são geográficos, lugares

de aprendizado, de debates, de troca indicando a dinâmica do movimento e da

circulação de idéias. Nesse pequeno mundo são traçadas vivências e sensibilidades,

e é dessa maneira que se organizam grupos com propostas próximas, que se

desenham identidades.

No próximo capítulo, aprofundaremos a análise das redes organizacionais

em torno de A Revista buscando as interdependências desenvolvidas por esses

37 Idem. p. 24. 38 Idem. p. 17 e 18. 39 Michel Trebitsch Apud Rebeca Gontijo. História, cultura, política e sociabilidade intelectual In: Rachel Soihet; Maria Fernanda B. Bicalho; Maria de Fátima S. Gouvêa. Culturas Políticas: ensaios de história cultural história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p. 262 40 Jean-françois Sirinelli. op. cit. 253.

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homens de letras fluminenses. Através da interpretação das seções e textos, que

marcavam a forma e o conteúdo do periódico, investigaremos as singularidades

que conformam esse mundo, traçando indícios sobre a trajetória desses intelectuais

a fim de recompor os lugares de sociabilidade que os fluminenses freqüentavam,

para compreendermos a gênese dos projetos em que estão engajados.

Os debates do grupo de letrados de A Revista desempenharam um papel

importante na imagem do Estado do Rio de Janeiro para o país. Por meio das

páginas do periódico, e das instituições que conformavam sua rede de

sociabilidade, eles procuraram construir uma identidade para o estado fluminense.

O momento era oportuno, os debates sobre a identidade da nação estavam

acontecendo, e os fluminenses, desejosos em destacar seu papel na federação,

procuravam estruturar uma nova identidade cultural para si.

1.4. Resgatando identidades

A consolidação do regime republicano acompanhou um processo de

secundarização política e econômica do Estado do Rio, no contexto nacional.

Marieta Ferreira descreve que, devido ao destino nacional da cidade do Rio de

Janeiro e da proximidade do estado com o Distrito Federal, os fluminenses não

chegaram a desenvolver uma mentalidade voltada para os problemas regionais. As

questões locais ficavam tradicionalmente em segundo plano.41 A perda de

influência fez com que os fluminenses buscassem uma regeneração do estado pelo

viés da modernização e desejassem restaurar a pujança idealizada que se vivera na

região enquanto velha província.

O resgate de uma “idade de ouro” perdida levou à valorização das histórias

locais e à tentativa de colocar o Estado do Rio de Janeiro entre os mais importantes

da federação, afinal, a ocasião era de reconstrução nacional, e para participar

desses debates havia que se mostrar que a modernização era uma realidade para os

fluminenses e um fator imperativo na regeneração de sua identidade.

41 Marieta de M. Ferreira (org.) A República na velha Província. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. p. 21. Sobre esta reflexão ver, também, Marieta Ferreira. Em busca da Idade do Ouro. As elites políticas fluminenses na Primeira República (1889 – 1930). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Tempo Brasileiro, 1994.

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A identidade, nessa circunstância, é uma questão essencial, porque ela está

em crise. A imagem do estado fluminense foi abalada, a experiência da

secundarização fez com que os intelectuais de A Revista se voltassem para o

problema da identidade. Pensamos o recurso à identidade como “um processo

contínuo de redefinir-se e inventar e reinventar sua própria história”42. O

“reinventar-se” é inscrever os fluminenses na modernização do início do século

XX e usar a história a seu favor, demonstrando sua relevância.

Os letrados fluminenses contam a sua história e a do estado, transformando-

as em memória. Dessa maneira, o papel da história torna-se central para a

construção de uma memória, não só para evidenciar o antes e o depois, mas para

ser reescrita, colocando os fluminenses no “panteão da nacionalidade”, como um

estado influente nesse momento em que se tematizava a nação. Bauman conclui

que “a idéia de ‘ter uma identidade’ não vai ocorrer às pessoas enquanto o

‘pertencimento’ continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa. Só

começarão a ter essa idéia na forma de uma tarefa a ser realizada (...).”43

A motivação para se construir a identidade fluminense partiu da crise de

pertencimento, ou melhor, do não pertencimento no rol dos estados mais

importantes da nação. O intelectual, como manipulador de consensos, utiliza um

discurso pedagógico para decantar, em seus leitores, a necessidade dessa tarefa a

ser realizada. O esforço, desse movimento, acontece no sentido de transpor “o que

é” – a perda de importância política do estado – por “o que deve ser” – sua

participação nos projetos de modernização da nação enquanto um estado influente.

O modernismo do nosso periódico está no projeto de um estado moderno e reconta

a história a sua maneira a fim de reafirmar sua identidade.

A própria nação não seria o desenho de uma identidade? Se pensarmos a

nação como a identidade de um povo, esse caminho faz sentido. Stuart Hall elucida

esta questão ao propor que “uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que

explica seu ‘poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade’”.44 As

discussões sobre a comunidade nacional proporcionam uma discussão que remete

ao mote da identidade, e o nacionalismo será amplamente utilizado para pensá-la.

42 Zygmunt Bauman. Identidade: entrevista a BenedettoVecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 13. 43 Idem. p. 17. 44 Stuart Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 49

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O nacionalismo é uma ideologia política, que visa garantir o consenso,

delineia posições sociais, concomitantemente, justificando-as.45 Os intelectuais

reservam, para si, o papel estratégico na construção dessa ideologia: o encargo de

criar um saber próprio sobre a nação. Katherine Verdery faz uma articulação entre

o nacionalismo e a nação ao analisar que:

“o nacionalismo é a utilização do símbolo da ‘nação’ pelo discurso e a atividade política, bem como o sentimento que leva as pessoas a reagirem ao uso desse símbolo. Ele é um discurso homogenizador, diferenciador ou classificatório: dirige seu apelo a pessoas que supostamente têm coisas em comum, em contraste com pessoas que se acredita não terem ligação mútua. Nos nacionalismos modernos, entre as coisas mais importantes a ter em comum figuram certas formas de cultura e tradição, além de uma história específica.”46

Se o nacionalismo não foi o despertar das nações para a auto-consciência,

foi, ao menos, a invenção das nações onde elas não existiam.47 A nacionalidade,

então, também faz parte de um esboço, de um esforço em se esquadrinhar uma

identidade. Os redatores de A Revista utilizaram o nacionalismo para também

desenhar o estado fluminense e a sua representação. O desejo não era apenas de

suplantar aquela identidade pretérita, de um estado importante; os intelectuais

tinham ciência que as inovações tecnológicas estavam imprimindo um novo ritmo

à vida social e mudando sua identidade, por isso redefini-la pelo argumento da

modernização.

A modernidade torna-se necessária especialmente nesse período do entre

guerras é, portanto, processual e demarca uma trajetória desses letrados ao pensar a

nação. A intelectualidade vê-se como pioneira e privilegiada na condução do

futuro do país, de projetar no imaginário coletivo a identidade nacional. Cito Hall:

“Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto as nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.”48

45 Marly Motta. A nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da independência.. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1992. 46 Katherine Verdery. Para onde vão a “nação” e o “nacionalismo”? In: Gopal Balakrishnan (org). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 240. 47 Benedict Anderson. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. p. 14 48 Stuart Hall. op. cit. p. 51.

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Nesse sentido, o discurso de modernização e de uma nova identidade para

os fluminenses era inerente à reconstrução da nação. Ao pensar sobre a realidade

do país, os redatores de A Revista estavam redefinindo-se. Uma mudança subjetiva

da identidade coletiva49 aparece então como prefácio obrigatório de mudanças

objetivas, como promessa definitiva de um destino de grandeza para a nação. O

discurso sobre a modernização é analisado como relato que resignifica a prática

sócio-política. 50

A reflexão identitária faz parte da atividade intelectual, especialmente em

ocasiões particulares da história, como no início do século XX, depois da grande

guerra. Marly Mota trabalha com essa idéia e coloca que o centenário da

independência seria um momento-chave em que tais questões deveriam ser

discutidas. Esse período seria oportuno para a reinterpretação do passado e a

projeção do futuro, ou seja, imprimir, na memória coletiva da nação, um ideal de

modernização. 51 Há uma reorganização imaginária do acontecer histórico,

implicando em um árduo trabalho enunciativo sobre a memória discursiva,

destinado a configurar um lugar de legitimação para os novos sentidos que

definiria o fazer político durante a transição para o moderno. 52

Nos capítulos que se seguem, analisamos essa reorganização da memória

em todo o periódico, em especial nas duas edições comemorativas: do centenário

da fundação de Niterói, em1919, e do centenário da independência, em 1922.

Nessas oportunidades, o nacionalismo aparece como urgente instrumento nesses

tempos de mudança que vivia a sociedade moderna.

Pensar os intelectuais e a sua multifacetada atuação na sociedade, refletindo

sobre seu ambiente cultural, seus projetos para o estado e a nação e a construção de

uma identidade nos ajuda na compreensão da narrativa de A Revista. Voltar ao

passado, a uma “idade de ouro” perdida, é uma tentativa de reconstruir a identidade

fluminense. A modernização foi estabelecida como a nova representação do

estado, sendo uma peça fundamental no discurso modernista de A Revista.

49 Sobre Identidade Coletiva ver: Eric Hobsbawm. Não basta a história de identidade. In: Eric Hobsbawm. Sobre a história. São Paulo: Cia das Letras, 1998. 50 Mônica Zoppi-Fontana Cidadãos modernos: discurso e representação política. Campinas: SP: Editora da Unicamp, 1997. 51 Marly Mota. op. cit. 52 Mônica Zoppi-Fontana. op. cit.

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1.5. O Diálogo com outros modernismos

A conjuntura história influenciou, decisivamente, para que o Modernismo

não fosse apenas uma escola literária, mas, sobretudo, um movimento social e

cultural. Essa característica sócio-cultural, extra-literária, será o principal ponto

em comum nesse tão multifacetado modernismo. O contexto – em que as

transformações mundiais da Guerra de 1914-1918, que aceleraram o processo de

industrialização e abriram um breve período de prosperidade para o nosso

principal produto de exportação, o café; associado à reavaliação cultural

brasileira, por ocasião das festividades em comemoração ao centenário da

independência, em 1922 –, permitiu que o Brasil ampliasse seus horizontes a

novas perspectivas, realizando “uma revisão de si mesmo”. 53

Contudo, essa manifestação não foi um movimento único, padrão.

Conforme Antonio Candido, o modernismo brasileiro foi complexo e

contraditório, com linhas centrais e linhas secundárias, mas iniciou uma era de

transformações essenciais, o ponto de referência da atividade artística e literária

do Brasil, a partir daquele instante em diante. 54

A diferença espacial é determinante para as contradições dos diversos

projetos envolvidos. Enquanto São Paulo vivia, na década de 1920, um

crescimento surpreendente e em vias de transformar-se na mais importante cidade

do país pela população e a potência econômica, baseada na agricultura e

comercialização do café, na indústria e na hegemonia política; o Rio de Janeiro,

devido à proximidade do aparelho repressor do Estado, à ligação dos intelectuais

com o serviço público e à maior tradição urbana que havia gerado manifestações

culturais mais resistentes, resultando formas menos agressivas de modernização,

vivencia um período de maior cautela, pois a ruptura do sistema vigente,

significava a perda de seu, já abalado, status quo.

Dentro desse quadro, as diversas produções acadêmicas, que abordam

revistas modernistas ou o tema do modernismo, muitas estão voltadas para as

manifestações paulistas, tomando-as como referência para padronizar o que é

modernismo. Certamente, a Semana de Arte de 1922 significou um momento de

53 Antonio Candido. Iniciação à literatura brasileira. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2007. 54 Idem, ibidem.

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confluência de propostas e uma estratégia de autocrítica, para questionar como a

arte de então era produzida e distribuída. Contudo, acreditamos que o modernismo

paulista não é o único paradigma ao se estudar esse movimento, ao contrário,

devemos ter a noção plural, de vários “modernismos”. Eliminando-se, assim, a

idéia de atraso entre as várias manifestações modernistas experimentadas no país,

dado que cada uma tem a sua particularidade.

O rótulo preconceituoso de “pré-modernismo” é colocado em xeque, pois a

questão moderna é um dado fundamental na produção cultural dos primeiros anos

do século XX e não uma súbita descoberta do grupo paulista.55 Alguns autores56

apontam já na “geração de 1870” esboços de um ideal de modernidade, pois a

questão da nação já aparecia iluminada pela ciência e pela cultura. A questão a ser

colocada é que a análise da modernidade brasileira não pode descartar o embate

com o surgimento de uma nova paisagem urbana, de um horizonte que estava

sendo transformado pelo processo de industrialização que atingiu os intelectuais e

a forma de pensar sobre seu entorno.

Essa reflexão teve espaço no meio intelectual de vários estados do país,

assim como no Distrito Federal, na cidade do Rio de Janeiro. É, nesse sentido, que

Ângela Gomes irá estudar o modernismo no Rio de Janeiro. Enquanto capital do

país, a cidade carioca era o centro e não esteve aquém dos debates modernos, uma

vez que era o cerne, a capital da nação e simultaneamente o estigma de “passado e

atraso” a ser vencido57.

Através da investigação das redes de sociabilidades dos intelectuais

cariocas – entendendo por estes, não os nascidos na cidade, mas os que nela

construíram suas redes afetivas e profissionais – a autora busca iluminar como as

manifestações modernistas inscritas na cidade projetavam um país moderno. 58

Para tal, optou por um recorte temático, que abrange o grupo de intelectuais que

criou a revista carioca Festa, que circulou entre 1927 a 1929, e de 1934 a 1935,

55 Cf. Raúl Antelo. Declínio da arte/ascensão da cultura. Ilha de Santa Catarina: ABRALIC/Letras Contemporâneas, 1998; ou ainda Flora Süssekind. Sobre o pré-modernismo. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. 56 Cf. Mônica Pimenta Velloso. O modernismo e a questão nacional. In: Jorge Ferreira; Lucilia de Almeida Neves Delgado. O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, volume I; além de Lucia Lippi Oliveira. op. cit. 57 Ângela de Castro Gomes. op. cit. p. 13. 58 Idem. p. 18 a 21.

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além dos que estavam a frente da Sociedade Felipe d´Oliveira, que publicavam a

revista Lanterna Verde, que existiu de 1934 a 1944.

Mas quais seriam as particularidades do “modernismo carioca”? Segundo

Gomes, a própria ambiência que envolve a cidade do Rio é especial. O fato de ser a

capital da nação desde os tempos coloniais envolve a cidade em uma aura que

mistura tradições e novidades, onde o velho e o novo convivem simultaneamente.

Ademais, a existência de uma “cultura de capitalidade” traz uma condição distinta

aos projetos lá elaborados, uma vez que, como capital, sua obrigação é irradiar a

nação.59

O intelectual carioca, apesar dessa configuração, e por causa desta, vivia

em um meio inibidor de rupturas. Pois, ao mesmo tempo em que viviam

plenamente as mudanças, presenciava, também, a justaposição com o aparelho

repressor federal. Sendo assim, ainda era rarefeita a institucionalização de um

profissionalismo intelectual, e, para se manter, eles ingressavam nos quadros do

funcionalismo público. Seu reconhecimento social não era efetivo, o que impedia

seu ingresso nas rodas e nos salões da alta sociedade, sendo os cafés, a rua e a

boemia os locais eleitos para a construção de sua sociabilidade.

“Dessa forma, paradoxalmente situado e aprisionado pelo serviço público e pelas “ruas” (conformadas como o reverso complementar do primeiro), o intelectual carioca encontraria uma espécie de perverso limite à sua expressão criadora, especialmente quando comparado ao paulista, desenhado como mais distante do poder público e mais próximo, em reconhecimento de status, das oligarquias econômicas e sociais. (...) (grifo original) A intelectualidade carioca vivera, assim, em um meio capaz de inibir a produção do novo, entendido enquanto uma proposta estética de ruptura e ultrapassagem de padrões conhecidos e estabelecidos. Estaria integrada em uma “Velha República das Letras”, no dizer dos modernistas paulistas, numa nítida associação e contestação de padrões estéticos e políticos.”60

Esse ponto é central para entendermos porque da produção do Rio de

Janeiro ser considerada pré-modernista. A não-ruptura estética não é sinal de que

estes homens de letras não tenham refletido sobre a modernidade, pois, ela é

encontrada no cotidiano dos tipos populares que habitam a cidade, na rua, que se

configura como um importante espaço de sociabilidade do intelectual carioca. Ao

desvendar o submundo das ruas, esse letrado adentra no íntimo da cidade, na

59 Idem. p. 22. 60 Idem. p. 24.

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tentativa de captar um “padrão de sociabilidade alternativo” e uma “ambiência

organizadora”. 61

A compreensão dessas singularidades que envolvem o modernismo carioca

seria buscada dentro do próprio mundo intelectual, sem comparações externas, mas

na investigação das tradições que conformam esse espaço. Essa é a proposta, de

Gomes, para pensar sobre como o grupo de intelectuais, de Festa, posicionaram-se

diante da modernidade e é com essa chave de leitura, que nos propomos pensar A

Revista. Ao penetrar em seu universo – procurando suas peculiaridades, as

tradições a que essa estava ligada – buscamos entender seu formato, suas propostas

e seus intelectuais. É nesse sentido que estudar as tradições a que o periódico

estava ligado é uma peça central para elucidar o ideal de modernidade que se

desejava para o Estado do Rio de Janeiro.

A tradição deve ser entendida, no modernismo carioca e no fluminense, não

como um apego ao passado que se torna um anteparo ao novo – pois já observamos

anteriormente que o antigo faz parte do debate em relação ao moderno –, mas

como algo que esclarece a articulação desses intelectuais. Desse modo, o que

marca a forma e o conteúdo da produção que encontramos em A Revista são as

tradições a que esses letrados estão ligados, tradições que possibilitam demarcar

suas redes de sociabilidade e entender o seu mundo. É, nesse sentido, que Mônica

Velloso indica que a coexistência de temporalidades distintas no contexto do Rio

de Janeiro é expressiva, e mais do que isso, é uma característica de seu

modernismo, pois os intelectuais cariocas “refutam a existência de uma literatura

moderna em oposição marcada às correntes literárias anteriores. (...) O moderno é

construído na rede informal do cotidiano.”62

Essa é exatamente a questão que desejamos analisar em A Revista. Pois

para ser moderna não precisa, necessariamente, se contrapor à estética anterior,

mas vivenciar essa modernidade. Os fluminenses, a exemplo dos cariocas, fazem

da tradição uma aliada que remonta um passado que é importante, que marca

contraponto com o moderno, não havendo motivo para negá-lo. Um exemplo para

ilustrar essa particularidade em relação à tradição seria a questão acerca das

academias. No Manifesto Pau-Brasil, Oswald de Andrade critica a

institucionalização que as academias representam:

61 Mônica P Velloso. op cit. p. 29. 62 Idem. op cit. p. 32.

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“Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.(...) O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.”63

Como observamos na epígrafe que inicia esse primeiro capítulo, a

existência de um movimento literário é um indicativo de progresso, de que os

fluminenses estão produzindo em sintonia com o moderno, com uma academia em

torno da qual pudessem se organizar. Na concepção desses intelectuais, a

“demonstração moderna” valoriza as academias, no caso a Academia Fluminense

de Letras64, que é o expoente máximo da tradição literária do estado. Os redatores

de A Revista se orgulham-se em integrar as cadeiras da AFL e fazem dela um

espaço de exaltação de sua identidade. Na cidade do Rio de Janeiro, a Academia

Brasileira de Letras foi fundada no final do século XIX, sendo esta um eixo

referencial para a organização do campo intelectual carioca. E essa

“institucionalização” não foi empecilho para os modernistas de A Revista, pois

“(...) as propostas de modernização cultural, porque estão realizando enorme esforço de demarcação de identidade, afirmam-se pela contestação tanto das formas de expressão intelectual de um momento, quanto das formas organizacionais que abrigam o circuito do então consagrado. Daí a conjugação entre projetos críticos de vanguarda e construção de redes paralelas ou opostas a consideradas oficiais.”65

Outra particularidade do grupo de intelectuais estudado por Gomes seria o

seu vínculo com a religiosidade católica. Esse vínculo intensifica-se na década de

1910, quando o movimento católico cresce e ganha adeptos no meio dos

intelectuais simbolistas. O fato de a tradição simbolista ser um aspecto

fundamental do modernismo carioca fez com que esses intelectuais se

autodenominassem “novos simbolistas”, os “modernistas espiritualistas”66.

Velloso concorda em parte com a tese de Gomes ao observar a estética

simbolista, que enfatiza a intuição, a idéia e as sensações, como fonte inspiradora

63 Oswald de Andrade. op. cit. 64 A Academia Fluminense de Letras (AFL) foi criada em 1917, e representava a institucionalização da prática intelectual fluminense, ver a discussão sobre sociabilidade no próximo capítulo. 65 Ângela Gomes. op. cit.p. 29. 66 Idem. p. 44.

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do modernismo carioca. Mas será sobre a vertente humorística da modernidade que

a autora irá se debruçar.67

Ao estudar a revista D. Quixote, que circulou entre 1917 a 1927, na capital

carioca, Velloso pensa o modernismo no Rio de Janeiro sob a face – segundo ela,

irrecusável – do humor. Esse seria um indicativo da modernismo, que zomba, que

faz rir deste processo de apreensão caracterizado pela modernidade. Ela recupera o

humor como pista para a modernidade, que recria com ironia e criatividade os tipos

urbanos, a cidade e o seu cotidiano.

“A ironia, a caricatura e o humor são expressões que o grupo encontra para externar seu desacordo e perplexidade ante uma realidade que oscila entre miséria e o mito do progresso urbano-tecnólogico. Essa tentativa de superposição de realidades tão contraditórias faz parte do processo de instauração do modernismo no subdesenvolvimento. De modo geral, a paisagem da modernidade se encontra repleta de fundos falsos, jogos de espelhos e luzes diabólicas.”

A atitude do grupo à frente da D. Quixote contrasta ao que A Revista se

propõe. Enquanto o primeiro assume, através da ironia, um certo desencanto em

relação à modernidade e ao artificialismo moderno; o segundo esforça-se para

decantar em seus leitores o “mito do progresso”, evidenciar os avanços da cidade

para legitimar a modernidade fluminense. Velloso mostra que esses intelectuais

cariocas, ao pensarem sobre a modernidade brasileira, destacam a idéia de

desordem como inerente ao progresso. Dessa maneira, a cidade é maquiada com

obras e melhorias estéticas, mas a miséria, os tipos urbanos, a inversão de valores

continuam a existir, como um retorno forçado desse processo de modernização. 68

Podemos observar como a atitude diante da modernidade tem diferentes

interpretações. Mas há que se pensar que a cidade do Rio já era a capital, sua

importância como eixo político da nação não precisava ser relatada, e os projetos

para a construção de uma nação regenerada e moderna certamente passavam pela

sua capital. Situação diferente vivia o Estado do Rio de Janeiro, que havia perdido

o status quo de estar entre os mais importantes da federação. Desse modo, a

tentativa de evidenciar a modernidade, no contexto fluminense, significava a

oportunidade de participar dos debates que buscavam uma nação moderna. A

67 Mônica Velloso. op. cit. p. 209. 68 Idem. p. 182.

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princípio divergentes, essas duas estratégias, de se confrontar com a modernidade,

aproximam-se pela maneira de se relacionar com a história. Assim,

“A revista D. quixote insere-se nesse espaço conflituoso. Num momento em que é visível o esforço das elites, no sentido de construir o “panteão da nacionalidade”, o grupo conta sua própria história e da cidade, transformando-as em matéria de memória.”69

Nesse sentido, o humor é utilizado para reescrever a história e mostrar uma

outra face da modernidade. A ironia, a galhofa, o riso é, também, um traço de

identidade e sentimento de pertencimento desse grupo que busca participar da

construção da nação, nem que seja pelas controvérsias do moderno. A Revista

utiliza a mesma estratégia, não para subverter a modernidade, mas para exaltá-la. O

papel da história torna-se central para a construção de uma memória, não só para

evidenciar o antes e o depois, mas para ser reescrita, colocando, nessa lógica, os

fluminenses neste “panteão da nacionalidade”, como um estado influente nesse

momento de reconstrução nacional.

A situação e o status de que gozava o Estado do Rio enquanto Província

mudou com o advento da República e com a nova configuração política do país. A

perda de influência do estado fluminense ajuda-nos a compreender a produção da

A Revista, suas indagações e todo o seu esforço na tentativa de dar uma feição

moderna ao estado. O elo entre nacionalidade, modernidade e identidade

fluminense, que vai sendo delineado em suas páginas, é então contextualizado por

essa conjuntura.

Contudo, o modernismo carioca e o fluminense, não podem negar a grande

influência das manifestações paulistas para o movimento cultural em todo país70.

69 Idem, p. 175. 70 Apesar de trabalharmos com a concepção plural de diversos “modernismos”, nos atemos a discutir somente sobre o modernismo carioca e paulista e suas possíveis interfaces com os fluminenses. Entretanto, é importante destacar que diversos estados produziram, através de grupos, revistas, secções de jornais, manifestos, intercâmbio intenso entre as regiões, suas manifestações modernistas. Na capital de Minas Gerais e em Cataguazes, surgiram dois grupos distintos em torno, respectivamente, dos periódicos Revista (1925-1926) e Verde (1927), destacando-se o nome de Carlos Drummond de Andrade, no primeiro. No Estado gaúcho, as manifestações foram mais conservadoras, associando a herança simbolista ao regionalismo folclórico e político, em que teve destaque Augusto Meyer. Recife foi a capital nordestina de um regionalismo modernizador, de reinterpretação histórico-social, ocasião em que surgiu Gilberto Freyre. Cf. Antonio Candido. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 5. ed. - São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1976; Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982; Antonio

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É inegável que São Paulo foi um pólo difusor das correntes modernistas, mas, ao

interpretarmos a produção cultural desse período, mesmo no seio paulista, havia

uma clara distinção entre os projetos modernistas.

O grupo da “Paulicéia Desvairada”71 promoveu rupturas com as

influências literárias da belle époque e avaliou, portanto, como secundário, os

modernistas que não destruíssem a ordem em vigor ou que contestassem essa

vanguarda. O que revela, segundo Ângela Gomes, uma competição entre os

projetos de modernidade.72 Para a geração paulista ou “geração de 22”, o grande

desafio era romper com o passado e renovar a produção artística, fazendo com que

essa fosse compatível com os novos tempos. A produção paulista foi considerável

e marcou o movimento com suas propostas de negação à herança estética de

então. Percebemos que a necessidade dessa negação é uma forma de construir

uma identidade para o grupo.

Essa geração, contudo, não se furtou de buscar a modernidade através de

uma integração crítica e seletiva das idéias que circulavam no contexto

internacional, mas a realidade da nação era o seu principal pilar, o que revelava o

desmoronar dos valores como o liberalismo, o intelectualismo, o otimismo

cientificista e o racionalismo. Demolir esses valores favoreceu para sintonizar a

realidade nacional com o ritmo febril da nova conjuntura do início do século XX e

para “modernizar a arte brasileira de maneira própria, nacional”.73

Eduardo Jardim sintetiza essa questão ao propor duas fases distintas a esse

momento de renovação estética. A primeira, que começou em 1917 perdurando

até 1924, foi caracterizada pela polêmica do modernismo com o passadismo. Ao

atualizar a modernização – buscando definir parâmetros para o movimento – os

intelectuais absorviam algumas conquistas das vanguardas européias. O segundo

momento iniciado em 1924, e que foi até 1929, preocupou-se com a elaboração de

uma cultura nacional, sendo essa diretriz o seu principal questionamento.74 Paulo Rezende. (DES)Encantos modernos. Histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997; Além de Ângela Gomes e Mônica Velloso (1996), op. cit. 71 “Paulicéia Desvairada: o grande caleidoscópio de São Paulo” foi o livro lançado em 1922, por Mario de Andrade, e acabou se tornando a expressão mais conhecida da iconoclastia do grupo renovador paulista – representado por Mario de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, entre outros. 72 Ângela Gomes, op. cit. p. 25. 73 Eduardo Jardim de Moraes. Modernismo revisitado. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: 1988, nº 2, p. 221. 74 Eduardo Jardim de Moraes. A brasilidade modernista, sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. p. 49-58. Ver também: Marta Rossetti Batista; Telê Porto Ancona Lopez;

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Havia uma crítica veemente ao passadismo que teimava em sobreviver e já

não correspondia aos anseios desta sociedade moderna. Esses intelectuais

reivindicavam para si o papel de vanguarda e o monopólio de portadores da

modernidade, sendo arte moderna a adequada a esse novo tempo. Podemos

observar o caráter evolucionista contido aí, na idéia de que o passado obstrui a

evolução para o moderno.

Mas como mencionamos outrora, mesmo entre os paulistas não houve uma

homogeneização das propostas modernistas. Nesse contexto, um grupo de letrados

– Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho e

Alfredo Élis – de São Paulo denunciou as tendências cosmopolitas e demolidoras

dessa geração, criando o grupo Verde-Amarelo, patriótico e sentimental, que

terminou politicamente em atitudes conservadoras. 75 Para o grupo Verde-

Amarelo, o que está em primeiro plano é o culto das nossas tradições, ameaçadas

pelas influências estrangeiras.

Desejavam criar uma política de defesa do nacional, através da valorização

do regionalismo, pois esse era capaz de dar sentido real no tempo e no espaço, já

que o ritmo da terra é local. Assim, o brasileiro não deve acompanhar o ritmo da

vida universal, pois esse é abstrato, genérico e exterior. A alma nacional76 tem um

ritmo próprio que deve ser respeitado. Essa idéia extremada do localismo que

marca a doutrina verde-amarela, diferencia-lhe da geração da “paulicéia

desvairada”.

Para os verde-amarelos, as demais correntes modernistas cometem um erro fundamental: encaram o regionalismo como motivo de vergonha e de atraso. Isto acontece, segundo seu ponto de vista, porque esses intelectuais teimam em ver o Brasil "com olhos parisienses", o que leva, em decorrência, a que qualquer manifestação de brasilidade seja reduzida a regionalismo.77

Atitude semelhante, ou seja, de buscar o local, as raízes brasileiras, só que

no campo, é assumida pelo grupo de Monteiro Lobato criticando a

Yone Soares de Lima. Brasil: 1º tempo modernista - 1917/29. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, 1972. 75 Cf. Antonio Candido (2007). op.cit. 76 Para Eduardo Jardim essa característica de definição da alma brasileira, de integração do eu no cosmos, já estava presente na obra de Graça Aranha e influenciou os verde-amarelos. Cf. Eduardo Jardim (1978). op.cit. 77 Mônica Velloso. A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regionalismo paulista. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: 1993, vol. 6, nº 11. p. 98.

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superficialidade e a frivolidade urbana. Ao invés da boemia urbana, da

urbanização e do ritmo febril das cidades; propunha a vida ao ar livre, as viagens

pelo interior, a fuga dos centros turbulentos. Essa corrente tradicionalista estava

vinculada a movimentos internacionais de caráter conservador, marcadas pelo

apelo aos valores da natureza e do campo, pelo repúdio ao industrialismo e à

modalidade da vida urbana. 78

A adesão a um retorno à natureza, a valorização da atividade agrária,

atraíam tanto os intelectuais da reação católica quanto os membros de uma elite

agrária em crise.79 Para esses intelectuais, a identidade nacional teria de ser

buscada no campo, nos seus tipos populares, longe dos centros urbanos

corrompidos pelo vício da imitação. Dessa forma a nacionalidade era construída

através dos valores interioranos, onde a cultura era verdadeiramente popular, sem

a imitação de elementos estrangeiros.

Filiadas às diferentes concepções de modernidade, devotadas à causa da

brasilidade, essas correntes partilhavam da crença de que a construção da

sociedade moderna dependia, fundamentalmente, de um projeto de reconstrução

da nação brasileira. Apesar das divergências entre os projetos onde um louvava o

interior – a natureza e o campo – e outro o regionalismo extremado – que

privilegiava a urbanização e a industrialização – esses projetos convergiam-se ao

buscar a essência nacional e um caminho para modernidade brasileira.

E, de forma semelhante, os fluminenses processaram o seu modernismo. A

Revista relacionava-se com essas correntes na medida em que propôs um projeto

nacionalista. A questão da nacionalidade foi inerente às várias manifestações do

movimento modernista, cada qual percorreu caminhos diferentes, as

particularidades fluminenses foram buscar no estado e em seu progresso os pilares

para se construir a identidade do estado e da nação.

78 Eduardo Jardim (1988). op.cit. 79 Marly Motta, op.cit.

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2. Caminhos para o moderno: a busca da trajetória fluminense

“Mais um ano... Riso e flores Festejam data feliz.

A REVISTA aos esplendores De indigentes batalhadores,

O seu passado bem diz.

E caminha, Contente,

Envolta nesse ardor que se advinha Nas glórias do presente!

Anima-lhe a esperança

(Essa verdade agora expresso) De vencer o futuro em que lança

A idéia do progresso.”

Gioconda Dolores80

O poema, em epígrafe, expressa a comemoração do terceiro ano de

publicação de A Revista, certamente um marco digno de festa para o periodismo

da época. Entretanto, o que salta aos olhos nesse trecho é sua relação com a

história, pois um passado que “bem diz” derivou nas atuais “glórias do presente”

e que lançam ao futuro uma perspectiva ainda maior, no alcance de um “ideal de

progresso”.

Podemos ler como mais um poema comemorativo e otimista em relação

ao momento de festa. Todavia, esse pode ser um ponto de partida para

pensarmos: o que é A Revista? Qual é sua proposta? Como conseguiu conquistar

tantos leitores e se manter no mercado editorial fluminense por vários anos?

Quem é o seu corpo dirigente, os responsáveis por essa empreitada? Várias

perguntas estão latentes e para respondê-las, ao longo deste capítulo, vamos

primeiramente buscar entender as cores e as formas dessa proposta chamada A

Revista.

2.1. As cores e formas de um projeto

80Gioconda Dolores. Ao Bastos In: Editorial. A Revista. Ano III, nº 25, 1921. p.3. O poema foi feito para Manoel Leite Bastos, proprietário do periódico, em homenagem ao terceiro ano de publicação do mesmo.

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Essa é a nossa fonte e, simultaneamente, o nosso objeto de análise. Por

meio do documento, A Revista, investigaremos os indícios do que chamamos de

“modernismo fluminense”; na medida em que é simbólico para entendermos o

desenho de uma nova identidade fluminense pelo caminho da modernização e do

progresso. Para compreender e analisar este documento devemos ter em conta

suas intencionalidades: afinal o que é um documento?

Consideramos que o documento é todo e qualquer vestígio deixado pelo

homem sobre suas experiências vividas em determinado lugar e contexto

histórico específico81. Esses vestígios são elaborados pelo homem, logo

significam uma construção do homem sobre sua realidade, e não a verdade sobre

a realidade humana. O jogo de intencionalidades ao criar e ao preservar esses

documentos devem ser considerados em sua análise, especialmente se estamos

tratando de uma revista com um projeto explícito em pauta. Não só a produção,

assim como, a preservação documental ocorrem de acordo com diversos fins e o

jogo produção/preservação está presente em toda sorte de

documentos/monumentos82.

Analisar o documento A Revista é penetrá-lo, observar suas “cores” e, de

antemão, compreender que há um projeto por trás do mesmo. Nossa fonte é

significativa porque apresenta uma (re)leitura do seu entorno, o cenário

fluminense – e nacional – nos primeiros anos do século XX. Sua relação com a

História é particular; a volta à tradição seria uma oportunidade de enxergar um

presente e um futuro que se quer moderno. Ao depararmo-nos com nossa fonte,

propomos um olhar sobre o seu projeto: o de redefinição de uma identidade

fluminense, pautada nos ideais de progresso e de modernização.

Esses seriam os pilares do que chamamos de modernismo fluminense, ou

seja, a busca de uma nova representação do Estado do Rio, que compreende

diversos caminhos: educação, saúde, progresso... mas com um fim último de

proporcionar um prestígio, outrora perdido, ao estado e de repensar sua

identidade perante a federação. Dessa forma, os debates modernistas de

81 Carlo Ginzburg. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Carlo Ginzburg. Mitos, emblemas sinais, morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 143-180. 82 Jacques Le Goff. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaiudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1985. p. 23-47.

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reconstrução nacional – que também estavam na pauta do dia – poderiam ser uma

realidade para os fluminenses, como um estado representativo porque moderno.

Investigaremos, então, o universo desse periódico niteroiense para

analisar a sua produção intelectual. A publicação de A Revista83 tem início em

maio de 1919 e vai até março de 1923, sem deixar pistas do porquê do seu fim84.

Inicialmente um mensário, A Revista chegava às bancas no início de cada mês de

1919 até 1921, quando sua periodicidade passou a ser quinzenal – em virtude do

“franco acolhimento de nosso modesto mensário”85 – sendo publicada, a partir de

1922, nos dias 15 e 30 de cada mês. E havia uma regularidade profícua nas suas

edições, isto significa dizer que os números impressos correspondiam à data de

publicação prevista, com poucos atrasos.

Niterói, nesse período, era um centro congregador da intelectualidade

fluminense, sendo o destino de jovens e de letrados do interior fluminense. Esses

homens de letras comporiam o expediente de A Revista, cuja sede de trabalho

ficava na Rua do Cruzeiro, 396, no bairro de Santa Rosa, Niterói, capital do

Estado do Rio de Janeiro, na época. Foi nessas oficinas, que Manoel Leite Bastos,

jornalista fluminense – que era agente de anúncios de outros jornais e esteve

ligado ao periódico O Momento – fundou A Revista.

Durante o primeiro ano de circulação, o periódico era feito em tipografia

manual e impresso nas gráficas do Colégio Salesianos, em Niterói. As impressões

pagas significavam um teste de resistência ao intento. Entretanto, ao completar

um ano de circulação, A Revista passa a ser impressa em oficinas próprias, visto o

sucesso entre os leitores e a compra de espaço publicitário pelos antigos clientes

do Bastos, que, ao firmarem contratos, possibilitaram ao periódico a aquisição de

uma oficina de impressão própria.

Quanto à forma, o periódico apresentou-se regularmente, havendo poucas

variações significativas na capa, na estrutura e nas dimensões ao longo do tempo.

Impressa em formato A5, seu tamanho manteve-se durante o período de

circulação, alterando apenas alguns centímetros no final do primeiro ano (de 22 x 83 A Revista está disponível na seção de periódicos da Biblioteca Nacional, códice nº 0000216658, totalizando sete volumes de coleção, e sessenta e três números de publicação. 84 Não há qualquer menção de término da publicação no último número da revista situado na Biblioteca Nacional, a edição acaba sem dar qualquer pista sobre sua continuidade. 85 A Revista e sua publicação quinzenal. A Revista. Ano III, nº 33, 1921. p. 13.

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15 cm para 26 x 17 cm), padrão que se manteve até as últimas edições. O número

médio de páginas por edição mensal, visto as variações possíveis especialmente

em edições especiais ou maior número de anúncios, era de 40 a 60 páginas por

número. Porém quando essa se tornou quinzenal seu quantitativo de páginas

diminuiu girando em torno de 25 a 50 páginas, salvo exceções. Um número

significativo, ainda que consideremos que boa parte dessas laudas eram de

propagandas que ajudavam a revista manter-se.

No que tange às seções, essas sim variavam. Sumiam e apareciam ao

capricho de seus idealizadores. Contudo, o mais interessante é que o escopo

essencial manteve-se o mesmo nos quatro anos de publicação. O seu programa e

o seu conteúdo permaneceram similares ainda que flutuações e reinvenções

tenham acontecido em suas páginas. Desse modo, as seções mudavam de título,

talvez de enfoque, mas continuavam conformando o aspecto de uma revista de

variedades, com espaço para a: literatura, educação, política, saúde, artes e

entretenimento, às vezes: esporte, conjuntura internacional e assuntos femininos.

Dentro desse universo de variedades, algumas destacaram-se ao adquirir

notoriedade individual. Refiro-me a um movimento de reinvenção de A Revista,

que aconteceu a partir de março de 1921. Nessa edição, uma nota chamada “Aos

nossos leitores” foi publicada para narrar uma feição inteiramente nova do

periódico, pois a partir daquele momento ela se dividiria em quatro revistas

diferentes, desdobrando suas seções mais importantes para “corresponder a

gentileza extrema de nossos amáveis ledores”86.

Sendo assim, no dia 8 de cada mês teríamos nas bancas O Garoto, por

100$ réis, dedicado às crianças com “contos, poesias morais e assuntos escolares,

informações úteis, além de vasta publicação fotográfica”. Ao dia 16, pelo preço

de 200$ réis, apareceria Vida Elegante, trazendo “desenvolvida notícia sobre as

questões sociais e artística”. A terceira edição sairia no dia 24 de cada mês, pelo

custo de, também, 100$ réis, Telas e Ribaltas, “um número consagrado ao

movimento teatral, dando vasto noticiário sobre cinema, além dos retratos de

artistas, que serão estampados em páginas distintas e uma página esportiva”. 87

Finalmente, A Revista só sairia no último dia de cada mês, compilando as

edições anteriores e acrescentando “uma parte literária bastante ampla e

86 Aos nossos leitores. A Revista. Ano II, nº 24, 1921. p. 16. 87 Idem, ibidem. Os dois trechos foram retirados dessa matéria.

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convenientemente cuidada”,88 por 500$ réis. O artigo segue falando das

conveniências para o leitor, que pode escolher o que consumir, e para os

comerciantes, realçava que pelo preço de um anúncio, sua propaganda seria

publicada em A Revista e outra publicação de sua escolha.

Essa capacidade de recriação é um sintoma da modernidade, da fluidez, da

constante mudança, que certamente colaborou para a longeva vida de A Revista.

Ao que parece, quatro revistas em uma não foi uma prática de sucesso, e mais um

motivo de reformulação de sua estrutura – pois, Telas e Ribaltas teve apenas

quatro edições avulsas, enquanto Vida Elegante apenas duas e O Garoto somente

uma.89 Por isso, esse formato permaneceu até dezembro de 1921, quando para

solucionar a questão de tantos assuntos em um mensário, A Revista anuncia seu

periodismo quinzenal, a começar em 1922.

Repensar a si mesma insere A Revista nos ares modernizantes, ou seja, a

busca pelo novo faz com que o periódico esteja sempre em movimento. Esse

aspecto se revelará também nas cores, nas vinhetas e nas fotografias, no cuidado e

na beleza de cada edição, no visual que o periódico imprimia aos seus leitores.

Nossa revista era impressa em preto e branco, contudo havia páginas coloridas,

ainda que, monocromáticas, ou em sépia. Durante todo o seu primeiro ano, essa

foi editada em papel couché, inclusive os anúncios. Não obstante, após

comemorar doze edições as páginas começaram a alternar entre papel couché,

dedicado às fotografias e às matérias mais importantes (como a abertura das

seções); e papel comum (alcalino), onde se concentrava a maior parte dos

anúncios; essa estética manteve-se até os seus últimos números.

Nas vinhetas e nas capas, que inauguravam as seções ou a própria edição,

havia um cuidado ainda maior com a estética. Fotomontagens90, desenhos

femininos, temas da natureza brasileira – como passarinhos, flores, araras e

macacos –, arlequins, melindrosas, entre outros, surgiam em cores diferentes a

88 Idem, ibidem. 89 Chama a atenção o aspecto rarefeito das edições. Contudo há que se considerar a estreita possibilidade desses números rareados, por serem avulsos, terem se perdido e não integrarem a coleção da Biblioteca Nacional. Por isso mesmo, até o seu fim é duvidoso. Um ponto interessante a ser observado é que a cada número publicado há um aumento do seu preço, apesar da compilação de A Revista não indicar esse acréscimo mantendo-se a 500$ réis; observe: Telas e Ribaltas foi publicada nº 1 e 2, março e abril a 100$ réis cada, nº 3, maio a 200$ réis e nº 4, junho a 300$ réis, todas no ano de 1921; Vida Elegante, nº 1, em abril a 100$ réis e nº 2, em julho, a 200$ réis, também em 1921; e O Garoto, apenas, em abril de 1921, por 100$ réis cada. 90 Como exemplos de fotomontagens de A Revista ver os anexos 1, 2, 10 e 13.

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fim de destacar e adornar as seções. A preocupação com a dinâmica visual era

notória, pois significava um apelo ao seu público leitor.

Um dos maiores convites de A Revista era justamente o apelo visual,

através das fotografias. Retratos de toda a sorte, espelhos de modernização,

reflexo de seus leitores, retratos da alta sociedade fluminense, instantâneos da

política, da educação, de toda a variedade do que era sinônimo de A Revista. Esse

será um recurso comum a todas as seções, na verdade, tinham inclusive seções só

fotográficas como A Revista em..., que expunha o interior fluminense e os

exemplos da grandeza do Estado do Rio. Tudo isso sem texto, só com pequenas

legendas, pois as fotografias falavam por si.

Os instantâneos configuraram-se como um elo identitário com o público,

visto que temas do cotidiano apareciam: a cidade, o interior do estado, artistas de

cinema e de teatro. Além do mais, a linguagem fotográfica é universal, não é

necessário o manejo das letras para que haja a comunicação. O diálogo imediato

ampliava as possibilidades de leitores, além de ser rápida e fluida, onde a

mensagem que se quer dizer já está pronta e ao acesso de todos, já que descreve

um mundo que vai além das letras.

À fotografia era conferida um caráter de testemunho verídico dos

acontecimentos. Ela significava, por exemplo, a materialização dos avanços que

tinha conquistado a cidade, reiterava a imagem de progresso e modernidade, que

A Revista descrevia como inerente ao estado fluminense.

“A fotografia, como instrumento de divulgação de idéias, apresentava um projeto de cidade que antecipava sua verdadeira construção. O documento iconográfico pretendia ser o registro da fundação de um (novo) tempo, posto em marcha pela detonação de 'políticas' de estabelecimento de memória, a qual tende a ser dinâmica, moderna e criadora.”91

Esse instrumento era parte fundamental do formato desse periódico. Por

possuir caráter de testemunho real dos acontecimentos, dando legitimidade a idéia

de moderno proposta por seus intelectuais. Além de traçar possibilidades de

91 Luís Reznik e Marcelo da Silva Araújo. Imagens constituindo narrativas: fotografia, saúde coletiva e construção da memória na escrita da história local. Revista Hist. cienc. saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro: Set 2007, vol.14, nº3. p. 1028. Ver também Ana Mauad. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX. In: Anais do Museu Paulista, São Paulo: USP, v.13, 2005.

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linguagem capazes de exprimir não só fatos, mas as múltiplas sensações e

associações que elas evocavam.

A narrativa fotográfica – a exemplo do historiador que em sua narrativa

interpreta, enquadra o passado – escolhe aquilo que é representado por ela. Se

retomarmos a epígrafe que abre esse texto, teremos uma confirmação disso. A

Revista e seu projeto modernista trazem novas representações e memórias,

enquadram o passado, através da releitura da tradição e do presente. A fotografia

fornece subsídios para esse enquadramento, pistas para um outro olhar sobre o

real, uma nova narrativa.

A fotografia é uma pista para compreendermos os anseios de A Revista;

mas quais seriam estes, então? O desafio de definir A Revista deve ser feito por

dentro dela. Ao tentar refletir o que seus intelectuais pensavam sobre esse projeto

deparamo-nos com o Editorial, um canal aberto entre seus idealizadores e o

público. Segundo Mônica Velloso, os editoriais das revistas buscam passar uma

mensagem singular que essas se julgam portadoras92. No editorial do primeiro

número de A Revista, a sua autora Gioconda Dolores93 esboça os objetivos do

programa a que periódico se destinava: tratar de política, de arte e de ciência, em

uma cidade de antigas tradições como Niterói. Portanto, fazer uma revista que se

dedicasse “ao doutrinamento do civismo, ao encitamento da arte, ao devotamento

pelas verdades científicas”94.

A história, a tradição tem um papel preponderante para se pensar o novo,

o moderno que ser ao Estado do Rio, conforme a epígrafe que abre o presente

capítulo. Antes de buscar delimitar um escopo, A Revista se abre, reforça, nesse

primeiro editorial, que não tem um programa definitivo. Seu compromisso é com

o moderno, com o movimento das informações desse momento. As edições que

seguiram, seriam pensadas ao seu tempo, dado que, em trinta dias “quantos fatos

eloqüentes, quantos assuntos de interesse nos deparam e animam a nossa pena

indecisa(...)”95.

A idéia de modernidade é exatamente essa. Ou seja, a idéia de um tempo

fugaz, oscilante, um tempo presente, já que a realidade está em permanente

92 Mônica Velloso (1996). op. cit. p. 57-59. 93 Essa autora é, provavelmente, um pseudônimo, afinal nas edições comemorativas em que as fotos dos colaboradores eram impressas sua imagem nunca apareceu. 94 Gioconda Dolores. Editorial. A Revista. Ano I, nº 1, 1919. p. 1. 95 Idem, ibidem.

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mutação.96 A Revista buscava traduzir essa nova linguagem. Ao sugerir temas que

lhe aprouvesse uma nova imagem, uma nova representação afinada a todas essas

mudanças. Mas quais seriam os caminhos para pensar uma nova identidade

fluminense? Como pensar o Estado do Rio de Janeiro pelo viés do moderno?

2.2. Educação: uma perspectiva sobre o moderno

“Parece, entretanto, que, atualmente, a lição da grande guerra indicou ao homem o caminho certo para as reivindicações de um passado estagnado no marasmo dos povos sem vontade e uma nova época se impõe com promessa de largas conquistas. (...) A vida se transforma em luta, a atividade é uma força imponderável, o ideal conduz os povos as grandes iniciativas em prol do bem estar nacional.”97

A crise de valores que afetou o contexto europeu depois da Primeira

Guerra teve reflexos imediatos aqui. O otimismo ufanista da belle époque cedeu

lugar a um clima de redefinições, inclusive na forma de se pensar o país. No pós-

guerra, o velho continente tenta se recuperar dos impactos do conflito; como

poderíamos, então, imitar um modelo falido de organização nacional? Esse

momento – a década de 1920 – é de inflexão: de se pensar o Brasil de forma

brasileira.

No irradiar dos primeiros anos republicanos, cujas reflexões acerca da

realidade brasileira estão difusas, derivadas em movimentos de cunho

nacionalista, o impacto da Primeira Guerra Mundial provoca questionamentos. E

serão os intelectuais brasileiros que se auto-contemplariam com a tarefa

pedagógica de traçar possíveis caminhos para a construção de nossa

nacionalidade. Colocar-se-iam a refletir o país, a propor soluções para uma nação

que precisava de uma identidade. O tema do nacionalismo está nas fileiras do

momento, pois a palavra de ordem é criar a nação.98

A guerra de 1914 traz à tona um novo período de incertezas e de

rompimento da dependência cultural. Nesse sentido, os padrões intelectuais

brasileiros seriam revisados, tornando-se urgente a necessidade de pensar o

96 Cf. Charles Baudelaire. Sobre a Modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996; Walter Benjamin. Charles Baudelaire um lírico no auge no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, vol. 3, 1989; Marshall Berman. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 97 Um surto evolucionista. A Revista. Ano I, nº. 1, 1919. p. 21. A publicação aconteceu em uma página duplicada. O anexo 13 é um exemplo desse tipo de página. 98 Lúcia Lippi Oliveira. op. cit. Ver também Flora Süssekind. In. Anateresa Fabris. op. cit.

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Brasil. A literatura passa a ser um instrumento para estes intelectuais.99 Os textos

da belle époque perdiam espaço para os periódicos e revistas que alocavam as

questões nacionais na ordem do dia. A Revista do Brasil, lançada em 1916, reflete

essa querela ao buscar um reexame da identidade nacional.100 Segundo Mônica

Velloso, verifica-se neste momento,

“uma mudança radical na forma de conceber o papel do intelectual e da literatura. A idéia corrente é a de que o intelectual deve forçosamente direcionar suas reflexões para os destinos do país, pois o momento é de luta e de engajamento, não se admitindo mais o escapismo e o intimismo. Cabe, então ao intelectual evitar os temas de cunho pessoal: ele deve deixar de falar de si mesmo para falar da nação brasileira.”101

A importância da Primeira Guerra é que ela se coloca como um divisor de

águas – antes o ufanismo, a literatura como o sorriso da sociedade –, agora a

militância. Lucia Lippi Oliveira descreve que as novas bandeiras nacionalistas

propunham um programa de lutas e de necessidade de organizar movimentos que

atuariam na salvação do país ao buscar uma nova identidade nacional. Se a tarefa

intelectual é pedagógica, nesse contexto, saúde e educação faziam parte da receita

de cura dos males brasileiros. 102

2.2.1. Educ(ação) Revista

“Só pode ser verdadeiramente livre o trabalhador que começa por libertar-se voluntariamente das cadeias da própria ignorância, da ausência de senso moral e dos próprios apetites pela Instrução, Ciência, pela Verdade.”(grifo original) Justinus 103

O Estado do Rio de Janeiro procuraria na educação a cura para as suas

mazelas. A educação foi um tema constante nas páginas de A Revista. A busca da

autêntica nacionalidade e da identidade fluminense encontrava na educação o seu

par. A instrução, desse modo, poderia livrar o país do analfabetismo e preparar

seus cidadãos para a nova sociedade que se desejava construir. 99 Cf. Adriana Facina. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 100 Ver Tânia Regina de Luca. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)açäo. Säo Paulo: UNESP, 1999. 101 Mônica Pimenta Velloso (1993). op. cit. p. 89. 102 Lúcia Lippi Oliveira. op. cit. p. 145. 103 Justinus. Greve e greves - pela instrução, pela ciência, pela verdade. A Revista. Ano II, nº 12, 1920. p. 32. O autor é provavelmente um pseudônimo, pois não jamais foi citado nas listas de colaboradores que eram publicadas no periódico, além de nunca ter escrito em outras seções.

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É importante ressaltar que o modelo de educação proposto estaria ligado

às questões que se faziam urgentes na década de 1920. Ora, se os intelectuais

estavam pensando a nação, era necessário formar uma consciência nacional.

Portanto, a educação é antes uma instrução cívica, outrora citamos como o

editorial, do primeiro número, de A Revista, colocava em pauta o seu objetivo de

doutrinamento pelo civismo.

“Assim a literatura brasileira deve deixar de ser apenas um “templo da arte” para se transformar em “escola de civismo”. Para levar a efeito tal princípio, o artista precisa abandonar sua “torre de marfim” e pôr os pés na terra, que é onde se decidem os destinos humanos. Porque dotados de dons divinatórios , os intelectuais são eleitos os “legítimos depositários da civilização”, tornando-se, portanto, os mais indicados para ensinar o amor pela pátria. Nesta perspectiva, eles devem se transformar em educadores, exercendo uma função eminentemente pedagógica na sociedade.”104 (grifos originais)

A educação tem, nesse momento, uma dupla função: uma progressista, de

erradicar o analfabetismo; e outra cívica, de cultivar a nacionalidade.

O contexto do pós-guerra causou impacto entre os intelectuais brasileiros,

representando um campo fértil para projetos que priorizavam soluções para os

grandes problemas nacionais.105 A educação tornou-se peça fundamental para

superar os entraves para o progresso do país e do Estado do Rio de Janeiro,

“arrancando do analfabetismo milhares de crianças que se preparam para o maior

orgulho do torrão fluminense”106.

O nacionalismo supervalorizou o papel da educação. A instrução

objetivava uma reforma moral e intelectual do brasileiro. Dessa forma, o ensino

se tornou um instrumento precioso na política de regeneração do país, que

auxiliará na definição da identidade nacional.107

A “(...) escolarização era concebida como a mais eficaz alavanca da

História brasileira.” 108 Essa frase se aplica não só a nação, mas aos seus

membros. A Constituição de 1891 atribuía, aos estados da federação, a 104 Mônica Velloso (1993). op. cit. p. 90. Nesse trecho, a autora apropria-se de algumas palavras pronunciadas por Olavo Bilac, em seu discurso ao desembarcar da Europa em 1916. 105Cf. Helena Bomeny. Novos talentos, vícios antigos: os renovadores e a política educacional. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: 1993, vol.6, n. 11. 106 Diretoria geral da instrução do Estado do Rio de Janeiro. A Revista. Ano II, nº 12, 1921. p. 58. 107 Ângela Gomes. A escola republicana: entre luzes e sombras. In: Verena Alberti; Ângela Gomes; Dulce Pandolfi. A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, CPDOC, 2002. 108 Jorge Nagle. Educação e sociedade na primeira república. São Paulo/Rio de Janeiro: EPU/Fundação Nacional de Material Escolar, 1974/1976. p. 101.

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responsabilidade pelo ensino primário no Brasil. Nesse contexto, em que se

queria redefinir a identidade brasileira, buscar-se-ia, também, um novo formato

para o estado fluminense. Por meio da educação, seria possível fazer uma

releitura da tradição, ou seja, uma reinterpretação histórica, ao elevar os

fluminenses para um espaço de destaque na federação.

A centralidade do tema da educação está presente no próprio expediente

da revista. Entre os seus colaboradores estão homens e mulheres ligados a

educação, como por exemplo, Senna Campos, diretor da sucursal feminina do

Colégio Brasil e membro da Academia Fluminense de Letras (AFL); Lilita de

Gouvêa Gonçalves, diretora do Externato Santo Antônio; Mario Chaves Campos

e José Bernardes Cardoso, ambos professores e inspetores escolares do Estado do

Rio de Janeiro; Horácio Campos, diretor da Escola Normal e membro da AFL;

Helena Nogueira, professora do Distrito Federal e muitos outros que contribuíam

nos números de A Revista. Além do mais, devemos salientar que o Dr. Armando

Gonçalves, redator-chefe do periódico, era sócio do Grêmio Literário Fluminense

e inspetor escolar da Escola Normal.

Dessa forma, as matérias que versavam sobre educação estavam

distribuídas pelo periódico em notas ou artigos destinados ao tema. No Editorial

30 dias, por exemplo, que narrava sobre os assuntos relevantes de cada mês, era

comum observamos elogios e críticas a educação no estado, onde “o ensino

decresce. O saber decresce: só uma coisa cresce desassombradamente: a

ignorância”109. Havia cobranças aos políticos e, quando vislumbrava-se melhorias

educacionais, louros eram jogados aos mesmos. Apesar disso, não existia uma

seção específica para o tema da educação, esse estava diluído, presente ao longo

das páginas. Os artigos, em sua maioria, traçavam uma perspectiva otimista para

educação como forma de alavancar o Estado do Rio como um exemplo para a

federação.

Era o Dr. Armando Gonçalves quem escrevia intensamente sobre as

temáticas relacionadas ao ensino. Em seus artigos, observamos um elogio

constante à estrutura educacional do Estado do Rio, sendo isso um indício de sua

grandeza, da identidade de seu povo. Eram publicadas notas sobre a educação

109 Gioconda Dolores, uma redatora de A Revista, fala, no período, de exames finais nas escolas e critica os “diplomados por decreto”, que se formam sem a cultura necessária. Dolores, Gioconda. Editorial. A Revista. Ano I, nº 7, 1919. p. 3.

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primária, secundária, técnica e superior. Todavia, será o ensino primário –

representado pelos grupos escolares – e a educação secundária – através da

Escola Normal110 – os dois assuntos que mais apareceriam nas páginas do

periódico.

A avaliação do ensino fluminense também era feita mediante a situação

dos grupos escolares de cada município. Armando Gonçalves realizou uma série

de viagens e incursões ao interior fluminense, no que derivou em um grupo de

publicações e artigos de A Revista – especialmente no segundo ano (1920) – que

desejavam montar um panorama sobre a educação no estado111.

“A Revista fugiria ao ponto primordial de seu programa se não destinasse uma de suas páginas a instrução popular. Iniciamos animados pelos sensíveis progressos que, atualmente, se evidenciam, quer no ensino primário, quer no secundário do nosso Estado. As Escolas complementares, regidas por educadoras de reconhecido mérito e as elementares, sob os cuidados dos verdadeiros apóstolos da instrução, vão espalhando as almas ávidas de saber o ensino, que lhes proporciona o único meio de se tornarem úteis a pátria. O Estado do Rio está em o número dos que não se podem queixar pela deficiência de Escolas; o analfabetismo vai tendo felizmente um combate seguro e proveitoso. (...) Quanto ao ensino secundário dispõe o Estado do Rio de Escolas Normais e Liceus, que possuem corporação docente capaz de desenvolver com precisão os seus programas complexos. O ensino particular é distinguido por um número bem avultado de colégios, que atendem perfeitamente às exigências dos cursos preparatórios. O ensino profissional, que se inicia, já é uma promessa com a qual devemos contar em proveito da índole de nosso povo igualmente empreendedor e

laborioso. A Escola Profissional Visdende[sic] de Morais é o exemplo do quanto pode fazer o ensino profissional em nosso meio. O próprio ensino superior já vai sentindo: possuímos faculdades de Direito, Farmácia e Odontologia regularmente freqüentadas. É portanto com imenso júbilo que registramos, nas páginas de A Revista, esse momento salutar em prol do nosso engrandecimento.”112 (grifos meus)

110 Notamos que a recorrência, não só de artigos, mas de fotos, notas e comentários sobre a Escola Normal, afinal era um espaço de sociabilidade dos intelectuais a frente de A Revista. Seus colaboradores e seu redator-chefe circulavam por aquele ambiente, fazendo deles um lócus privilegiado de diálogo com A Revista. 111 No nº 12, em abril de 1920, “Barra de São João”; “Rio Bonito, o Friburgo dos Pobres”, nº 13, de 1920; “Itaboraí” no nº 15;“Capivari”, nº 16, 1920, “Angra dos Reis” no nº 34, 1922, todos de autoria de Armando Gonçalves; “Imposto sobre o ensino”, de Bittencourt Silva, no nº 25, 1921, nesse último é relatado como a criação de um novo imposto sobre a educação iria permitir a criação de colégios no interior do estado. 112 Instrução. A Revista. Ano I, nº 5, 1919. p. 26.

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O fragmento demonstra a importância da educação na releitura da história

fluminense. 113 Os intelectuais de A Revista mostravam um Estado do Rio de

Janeiro modernizado, cujo indício era comprovado por meio da educação, que

descortinava o homem da ignorância e delineava sua identidade através do

desenvolvimento de um “processo civilizatório”114, utilizando-se do patriotismo.

A modernização de A Revista era empírica, traduzida em fotografias, e

suas páginas eram preenchidas de instantâneos que versavam sobre a educação.

Não bastava relatar os avanços da educação fluminense, mas o anseio desses

intelectuais era de decantar em seus leitores essa idéia. Para tal exercício,

utilizavam-se de fotografias como provas da modernidade conquistada pelo

estado, através da educação, e vivida por essa sociedade que mudava,

acompanhando às novas tecnologias. Esse era um recurso amplamente utilizado

para propagandear a educação e as melhorias do Estado do Rio de Janeiro:

“prosseguindo em nossa propaganda em prol do ensino público, no Estado do Rio Janeiro, damos hoje uma página ilustrada do Grupo Escolar Ayadano de Almeida, um dos melhores do Município de Niterói (...) A Revista espera prosseguir na reportagem fotográfica e, para isso, apela para a boa vontade dos Srs. Diretores de ‘Grupos Escolares’ que, certamente, se prontificarão a fornecer os dados necessários.”115

Apesar de o periódico tratar de temas diversos, como arte, política,

comércio, ciência, cotidiano e poesia, observamos que a educação tangencia

muito desses assuntos. O que estava em pauta não é somente a escolarização, mas

antes a formação do indivíduo. Ou melhor, o tracejar de uma identidade para os

fluminenses. Educação é antes socialização. E, para tal tarefa, muito mais do que

alfabetizar, era preciso:

“Alfabetizar não é só fazer conhecer as letras do alfabeto, ler corrido, escrever e contar, mas converter um ignorante em um cidadão consciente, apto a ganhar honestamente a vida, e concorrer para o desenvolvimento do país. Para ter um

113 Sobre a importância da educação no âmbito fluminense ver também: Vanessa Carvalho Nofuentes. Construindo a nação: liga contra o analfabetismo no Estado do Rio de Janeiro (1916-1919). Monografia (Graduação). Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 2005. 114 Cf. Norbert Elias. O processo civilizador. Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. 115 Grupo escolar Aydano de Almeida. A Revista. Ano II, nº 13, 1920. p. 6. (Ver anexo 1). Também podemos ver fotografias sobre os funcionários da Instrução no estado no nº 54, 1923; das meninas da Escola Normal no nº 4, 1919; dos docentes da Escola Normal no nº 8, 1919; do prédio e do diretor da Escola Normal no nº 2, 1919; das meninas do Colégio Brasil no nº 34, 1922, dentre outros.

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objetivo, uma finalidade social e econômica a instrução primária tem que ir mais além: fazer homens prestáveis a Família, a Sociedade e a Pátria, homens morais e fisicamente fortes.”116

Nesse sentido, educar vai muito além das fronteiras do analfabetismo. E

parece ser realmente a receita perfeita ao país que quer se remodelar.117 No

programa do nosso periódico, educação é polifônica, e dialoga com a música, a

arte, a ciência, enfim, com a modernização. Todas fazem parte de um desenho de

identidade que é proposto em A Revista. E essa educação começa cedo, ainda

enquanto criança.

2.2.2. Infância em Revista

No número comemorativo ao primeiro ano de aniversário de A Revista,

em abril de 1920, foi lançado, em suas páginas, um mensário dedicado às

crianças. Um fato curioso, uma vez que significava uma revista dentro da outra;

além de uma inovação, ao criar um periódico direcionado ao público infantil. O

Garoto estava ligado à idéia de educação proposta por A Revista, daí sua

fundação: um informativo específico àqueles que queriam educar: as crianças.

A imagem da criança, em O Garoto, não era de um adulto em menores

proporções, mas de leitores particulares, com um universo próprio. Isso fica claro,

no apelo visual e no texto, que priorizava o lúdico. O Garoto, na verdade,

acompanha uma tendência, ainda lenta, deste início do século XX de um novo

olhar sobre os infantes. Esse movimento que caminha junto com as reflexões

pedagógicas, procura particularizar a infância, ao negar o trabalho infantil, ao

116 Guilherme Catramby. Idem. Ano III, nº 31, 1921. p. 29. O autor desse artigo era o atual chefe da instrução do Estado do Rio, abaixo do título estava o destaque “Especial para A Revista”. A cultura também era um indício para a educação. Em um artigo chamado “A Música no Brasil”, publicado em um dos últimos números de A Revista, diz que a educação tem uma dupla função: “O nosso problema ideal no Brasil é duplo; artístico e moral. Precisamos de uma verdadeira arquitetura musical (...)” Ver: Ithamar Tavares. A Música no Brasil. A Revista. Ano IV, nº 60, 1923. p. 15. 117 Ver Marta M. Chagas de Carvalho. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931).Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1998. e Clarice Nunes. A escola reinventa a cidade In: Michael M. Herschumann; Carlos Albert Messeder Pereira (org.). A invenção do Brasil Moderno. Medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

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valorizar as brincadeiras e as linguagens específicas como parte do

desenvolvimento da criança, ao produzir uma literatura dedicada aos pequenos.118

Monteiro Lobato, foi pioneiro nesse sentido. No final do século XIX, a

literatura brasileira destinada à infância era totalmente dependente da européia.

As histórias e as fábulas eram traduzidas, como as de La Fontaine. Lobato lançou

em 1920, A menina do nariz arrebitado, e manifestava sua preocupação com as

leituras do pequeno público. Elaborou um modo diferente de levar a fantasia às

crianças, mudando decisivamente o pensamento literário da época.119

O Garoto está afinado com esse movimento das letras infantis120 e busca

aliar a diversão com a educação, que é antes voltada para a construção de uma

nacionalidade, pautada no civismo. Sua circulação aconteceu por um ano – de

abril de 1920 a abril de 1921121 – era todo pensado para os pequenos leitores,

público diverso do de A Revista. Além disso, poderia ser vendido separadamente,

avulso, pelo preço de 100$ réis122.

Essa não é a primeira iniciativa de A Revista em relação aos pequenos.

Havia uma seção chamada Página Infantil, que, por vezes, era também publicada

com o título Alegria dos Lares ou Galeria Infantil, que acompanhou os números

de A Revista durante todo o seu período de circulação. Recorrente, com poucas

exceções, estava sempre recheada de fotografias de crianças, ao ser uma espécie

de coluna social infantil. Filhos de industriais, de políticos, de pessoas

118Cf. Mary Del Priore. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. e Marcos Cezar de Freitas. História social da infância no Brasil. São Paulo Cortez Editora, 2006. 119 Cf. Lígia Cadermatori. Literatura infantil brasileira em formação. In: Regina Zilberman (org.) Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982. e, Ana Maria Filipouski. Monteiro Lobato e a literatura infantil brasileira contemporânea. In: Regina Zilberman (org.). Atualidade de Monteiro Lobato: uma revisão crítica. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. 120 Neste início do século XX, outros periódicos, cariocas e fluminenses, também estavam sendo publicados e pensados a partir do público infantil, vejamos alguns exemplos encontrados no acervo da Biblioteca Nacional: Almanak da Revista Infantil (1924), no Rio de Janeiro; Beija-flor: revista infantil ilustrada (1915), em Petrópolis; O Infantil (1912-1916), mensário que se tornou quinzenal e circulava na cidade do Rio de Janeiro; Chantecler: semanário para grandes e pequenos (1910); Revista Infantil (1921 e depois 1933); O Tici-tico: mensário infantil (1905-1962); além dos homônimos O Garoto: semanário humorístico e brincalhão (1921) e O Garoto (1915-1918), esses últimos também publicados na capital Rio de Janeiro. 121 Os motivos de seu fim não são declarados na revista. Uma hipótese é que ele não tenha efetivamente acabado e - já que a partir de março de 1921 O Garoto passa a ser vendido separadamente - que seus números subseqüentes tenham se perdido, pois não encontram-se nos acervos da Biblioteca Nacional. Nas edições de Janeiro e Fevereiro de 1922, O Garoto aparece, mas sem seu aspecto pedagógico, apenas como uma página ilustrativa, a exemplo da Pagina Infantil com fotos de crianças fantasiadas por causa do carnaval. 122 A Revista em seus primeiros anos custava 400$ réis o exemplar, apesar de não sabermos a sua circulação. A partir de 1921 cada número custava 500$ réis e a assinatura semestral 15$000 e a anual 25$000 réis. Ver Aos Nossos Leitores, A Revista. Ano III, nº 24, 1921. p. 18.

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importantes tinham suas fotos publicadas com legendas de consagração. Ainda

eram anunciados aniversários, nascimentos e bailes de máscaras infantis.

Observamos que, apesar de ter as crianças como tema, essa seção era

direcionada a um outro público: os adultos. As legendas dos retratos dos infantes

falavam mais sobre seus pais, sua importância dentro da sociedade fluminense, do

que sobre as crianças em si. Essa não era uma seção orientada para elas. É nesse

ponto que O Garoto é inovador. Sua linguagem, o apelo visual, as temáticas, toda

a sua forma corresponde ao público miúdo.123

O que é interessante observar é que O Garoto se assemelha a A Revista,

simbolizando uma forma de levar o seu programa às crianças. No tocante ao

formato, tipos de fonte, vinhetas e qualidade do papel, tudo era similar, apenas

mais lúdico, voltado para o universo infantil.124 E o “programa” também

aproximava-se, pois havia poesia, versinhos, contos com moral da história,

charges, arte e um forte apelo à educação cívica.125

Os colaboradores de O Garoto eram filhos dos redatores ou dos

colaboradores de A Revista e o seu redator-chefe, Joãozinho, era o filho do

proprietário Manoel Leite Bastos. Todos tinham sua foto estampada no periódico

e, em seu primeiro Editorial, Joãozinho explica que a iniciativa mostra sua

trajetória pelas letras fluminenses, seguindo os passos do “papá”126.

Além de muito divertido, O Garoto nos oferece uma imagem simbólica e

privilegiada de nosso periódico, no estrito senso, de ser um ícone da educação

cívica proposta pela revista. Este “pequeno periódico” é revelador na medida em

que propõe a construção de uma identidade aliada à idéia de nacionalidade, em

que o público alvo será a criança.

Em seu primeiro número ganhou destaque um conto chamado “Uma festa

cívica”, de Tonico:

“Vínhamos de uma festa cívica. A mamã trazia ao colo a maninha que dormia a sono solto. Eu, ainda acordado, conversava com o papá. Lembro-me que ele dizia entusiasmado, batendo mansamente em minha cabecinha loura: Meu Filhinho. Aquele homem que falou sobre o ‘Brasil’, que elevou os brasileiros, foi meu amigo de infância. Eu era de tua idade e ele era como tu. Brincávamos nas

123 Ver anexo 3. 124 Ver o anexo 2. 125 Ver o anexo 4. 126 O Garoto. Ano I, nº 1, 1921. p. 93 a 100.

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Alamedas do Palácio de meu pai e sempre notei em meu amigo uma alma nobre, um verdadeiro patriota. Que felicidade não sentiria seu pai em, amanhã quando velhinho, ouvir alguém dizer o mesmo de ti. Ouviste as palavras do grande amigo de nossa Pátria, sentiste o que lhe exaltou o coração? Pois bem, que a tua alma se forme ao exemplo daquele distinto brasileiro. As palavras de papá me animaram de tal maneira que jurei prezar muito este Brasil, que entusiasma os oradores e forma os verdadeiros patriotas.”127

O texto oferece indícios de como os fluminenses estavam reunindo

possibilidades, fatores para a elaboração da nacionalidade. Ou seja, o periódico é

relevante na medida em que narra o potencial do Estado do Rio para a formação

do conceito de pátria. A década de 1920 é emblemática por suas iniciativas de

repensar o país, os fluminenses estão buscando o seu espaço nessas discussões, ao

esquadrinhar uma identidade de um estado modernizado, nacionalista, em que

educação é sinônimo de progresso.

Mônica Velloso, ao citar Alceu Amoroso Lima, reflete sobre o

crescimento dessa onda nacionalista. E, observa que o impacto do pós-guerra

levará a uma “volta às nossas raízes, (...) o que suscitou a reação modernista.”128

A visão pessimista do nacional é subvertida pela decadência do ideal civilizatório

europeu. A Revista acompanha essa tendência modernista de valoração dos

elementos nacionais e das possibilidades que esses oferecem para a construção de

uma integração coletiva denominada nação.

Em suas publicações – e ainda mais pedagogicamente em O Garoto – A

Revista usa a literatura como instrumento de um ideal nacional. O seu texto

articula o regional e o nacional, ou seja, a construção de uma nacionalidade e a

importância dos fluminenses nessa.

(...) Tirou-nos do embaraço o papá. Devemos lembrar aos amiguinhos que, em breve, serão reabertas as nossas aulas e que precisamos estudar bastante para que sejamos os garantidores do futuro de nosso País. Tiremos dos livros os ensinamentos que formarão o nosso caráter e ilustrarão o nosso espírito. E, assim, cumpriremos o maior e mais sagrado dos deveres. O Estado do Rio de Janeiro, que tem sido tão pródigo em homens ilustres, não pode desmentir suas gloriosas tradições.”129

127 Uma festa cívica. Idem. p. 99, 1920. No nº 3, de 1920, temos outro conto patriótico “O Desertor”; no nº4, também em 1920, “Uma Palestra”, que ressalta as qualidades do Brasil. 128 Mônica Pimenta Velloso (1993). op. cit. p. 91. 129 O Garoto. Ano I, nº 8, 1921. p. 30.

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A educação remonta à história intelectual de uma sociedade, por isso sua

centralidade.130 Podemos observar que em A Revista essa centralidade é

fundamental pelo caráter multifacetado que a educação adquiriu. Mais que

instrução, isso é cidadania; cultura, através da música e das artes; civismo; moral;

um caminho para identidade; progresso de um estado que se quer moderno.

2.3. A modernização pelo progresso

O efeito da modernização que se imprimia ao Estado do Rio de Janeiro

era uma questão presente na obra dos intelectuais de A Revista. Segundo Flora

Sussekind, uma das perspectivas de análise desse momento é entender o que

distingue a sua produção literária, fortemente atrelada com a paisagem técnico-

industrial em formação.131 Essas mudanças afetaram a sensibilidade de nossos

intelectuais e transpareceram nas reflexões tratadas por A Revista.

De acordo com a autora, a produção literária foi totalmente influenciada

pelo processo de modernização que então se constituía. As inovações mudaram a

forma de a sociedade perceber o seu entorno; as transformações afetaram a

consciência de autores e leitores; alteraram as formas de representação literária. 132 Como já mencionamos outrora, a própria revista é fruto desse processo. O

universo de romances e de livros não era capaz de contemplar todas as mudanças

dessa sociedade, o periódico buscava responder, com a velocidade necessária, a

esse turbilhão de acontecimentos.

Com o surgimento de um maior número de periódicos, a atividade

intelectual disseminava-se, pois esses homens de letras tiveram mais espaços e

oportunidades para difundir suas idéias. E, por sua vez, a imprensa foi um lócus

privilegiado de discussão e de debates, onde os intelectuais desempenharam um

papel importante de projeção de imagens e de construção de identidades. Nesse

sentido, os intelectuais arrogavam-se uma competência e uma responsabilidade

pela dimensão do político, pelo que acontece na sociedade, são, portanto, atores

130 Ver Helena Bomeny. Os intelectuais da educação. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2000. 131 Cf. Flora Sussekind. Cinematógrafo de letras. Literatura, técnica e modernização no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1987. 132 Idem. p. 1 – 30.

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políticos porque formavam opiniões, manipulavam vontades e direcionavam a

informação. 133

Em consonância com esse movimento intelectual estavam os fluminenses.

Nossa investigação vai ao encontro das articulações existentes entre o campo

intelectual e a esfera política. Procurando desvendar como A Revista seria

reveladora para esta relação, percebemos em que seus intelectuais projetaram

uma imagem para o Estado do Rio de Janeiro, relacionando a modernização – em

um amplo sentido que engloba o progresso, a urbanização e os avanços

científicos – com a cultura política local.

A modernização relatada em A Revista era sinônimo de crescimento, de

progresso e de regeneração do Estado do Rio. Essa regeneração era consensual ao

momento em que vivia a nação brasileira, de construção de uma nova identidade.

Dessa maneira, o ideal fluminense, de releitura da tradição, partia de Niterói,

capital do estado fluminense e sede do expediente de A Revista.

A cidade, a urbes funcionou como um centro congregador, onde se

projetavam as políticas públicas e as iniciativas intelectuais de reflexão sobre o

estado.134 A cidade era o retrato da modernização: com o crescimento do

comércio e dos setores industriais, com a urbanização, com as inovações

tecnológicas. E lá, também, concentrava-se a nata da intelectualidade fluminense;

jovens oriundos do interior do estado, que vinham estudar na capital; jornalistas;

políticos; e profissionais liberais. Era da cidade, de Niterói, que se espraiavam os

ares de uma modernização para o Estado do Rio.

É nesse sentido, que dedicamos uma atenção especial à seção Comércio e

Indústria135, ícone do progresso. Um dos temas mais recorrentes em nosso

periódico, o progresso era associado ao desenvolvimento econômico do estado,

133 Sobre a essa função intelectual realizada em outros periódicos ver a análise de Andrade, Nívea Maria de. Significados da música popular: A revista Weco, revista de vida e cultura musical (1928-1931). 2003. 78f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2003. 134 Sobre este aspecto, ver também: Rui Aniceto Fernandes. Construindo o folclore fluminense: intelectuais, educação, e política no Estado do Rio de Janeiro (1949-1961). 2004. 170f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense. 2004. 135 Essa seção é recorrente nos dois primeiros anos de A Revista, mas, a partir dos números publicados em 1921, ela perde esse título. Não há mais uma vinheta de abertura com o nome da seção, contudo o seu espaço é mantido no periódico. Ou seja, até 1923, fisicamente ela ainda ocupava, aleatoriamente, várias páginas da revista, aparecendo com o nome de “Exposição do Comércio e Indústria” ou “Galeria de Comércio e Indústria” e os temas abordados eram similares: avanços da cidade, desenvolvimento do comércio, grandes obras e biografias de industriais.

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sendo, portanto, emblemático para pensarmos A Revista. Na referida seção, eram

publicadas toda a sorte de notas, de propaganda, de artigos e de matérias que

valorizavam as iniciativas de crescimento do estado; fosse através de grandes

obras públicas; fosse com a construção de indústrias, portos; ou, ainda, com

relatos sobre a urbanização; ou, apenas, para tornar notório o desenvolvimento de

casas comerciais da região.

Seu destaque em relação às outras seções é inegável, suas matérias

ocupavam um grande número de páginas, só sendo ultrapassada pela seção

Poesias – também denominada de Sonetos em alguns números. Se era uma seção

importante, quem a escrevia? Ninguém, ou melhor, todos. Esse é um outro ponto

de análise sobre essa seção. Não havia autor, ou autores, as matérias eram sempre

assinadas por A Revista, como se seus textos fizessem parte de todo o corpo de

colaboradores, dos editores como um todo. Uma vertente de análise sobre essa

característica é perceber que ela revelava o empreendimento modernista como

uma proposta chave do periódico.

No primeiro número de A Revista, por exemplo, Comercio e Indústria

trazia a seguinte manchete: “Um surto evolucionista’’136, ao elogiar a iniciativa de

criação de um porto em Niterói, e “o autor” sempre apresentava-se coletivamente,

ao dizer que a “A REVISTA tem conhecimento das idéias progressistas do

laborioso cidadão Sr. Sebastião Alves Ribeiro”137(grifo original). Esse pequeno

detalhe é significativo, na medida em que demonstra que essa pauta é cara a todos

os colaboradores, ou seja, que a idéia de progresso para confirmar a

modernização fluminense, explícita nessa seção, é comum aos intelectuais que

compõem A Revista.

Esse era um espaço, uma grande vitrine, onde se ostentava a

grandiosidade fluminense. Ao anunciar, aos seus leitores, o crescimento do

estado, as matérias tratavam da inauguração de fábricas e do sucesso da praça

comercial da capital ou de outros municípios fluminenses, ao mostrar “os mais

bem montados estabelecimentos de Niterói”138 e seus comerciantes ou

136 Comércio e Indústria. A Revista. Ano I, nº 1, 1919. p. 22. 137 Este seria o “patriótico capitalista” responsável pelo empreendimento. 138 Comércio e Indústria. A Revista. Ano I, nº 08, 1919. p. 37.

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empreendimentos que deram certo, como a oficina de tipografia do Sr. Luiz

Pereira “uma casa que honra o surto industrial do nosso país”139.

As obras públicas, ou de capital privado, que traziam benefícios à cidade

eram ainda mais alardeadas com elogios à administração, descrita como

empenhada em “impulsionar tudo que possa concorrer para o melhoramento desta

capital”140. E se as referidas obras tematizassem a urbanização, aí sim que as

matérias prolongavam-se com inúmeras fotos. Em 1921, por exemplo, foi

publicada uma série de artigos sobre “Niterói Remodelada, obra gigantesca de

uma administração fecunda”141.

Em todos os ângulos, a idéia central cai sobre o progresso, o adiantamento

e a importância dos fluminenses. As fotografias, inerentes ao movimento, e a

proposta de A Revista adquirem ainda mais importância nessa seção. Eram

instantâneos da modernização, significavam o reconhecimento do leitor com

aquilo que era narrado nos artigos. Capturavam essa aura e esse projeto do

periódico, enquadravam aquilo que o leitor precisava e, também, desejava ver;

eram um misto de entretenimento, informação e formação de opinião.

“A fotografia permitia também congelar fragmentos de temporalidade e condensar a nova imagem da cidade em processo de mutação. Ou seja, a fotografia e, em especial, as fotorreportagens permitem através de um dar a ver a cidade uma educação do olhar e a elaboração de uma nova estética nesse processo de expansão horizontal e vertical urbana.”142

Por meio do visual, as fotografias – não só da seção Comércio e Indústria,

mas de A Revista como um todo – auxiliaram na veiculação de idéias, na tradução

e na recriação dos contornos do Estado do Rio de Janeiro, pensada pela

intelectualidade que dirigia o periódico. Esse é um ponto particularmente caro

para nós; nessa seção, para além das propagandas ou dos artigos elogiosos que ela

traz, o que nos interessa reter, é a forma como seus intelectuais procuravam

139 Os grandes industriais. Idem. Ano II, nº 12, 1920. p. 37-40. 140 Melhoramento do serviço de água potável. Idem. Ano IV, nº 40, 1922. p. 10. 141 Comércio e Indústria. Idem. Ano III, nº 29, 1921. p. 13. Essa remodelação vinha sendo comentada desde a edição de março, explicando desde os termos do contrato entre o governo do estado e a empresa americana, responsável pela obra, até os benefícios de progresso e modernidade alçados pelos fluminenses nessa empreitada. 142 Charles Monteiro. Imagens sedutoras da modernidade urbana: reflexões sobre a construção de um novo padrão de visualidade urbana nas revistas ilustradas na década de 1950 In: Revista Brasileira de História. São Paulo: jan./jun. 2007, v.27 n.53. p. 163-164.

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consolidar a idéia de uma identidade fluminense justificada pelos progressos

atingidos pelo estado.

Um dos caminhos percorridos para essa tarefa foi o reconhecimento com a

nação. Devido à proximidade com o Distrito Federal, centro político do país, há

uma busca pelo nacional, ou seja, mostrar-se como um estado pujante, significava

um destaque no âmbito nacional. Assim, as discussões sobre um Brasil moderno

tornavam-se palpáveis aos fluminenses, reconhecidos sob a mesma bandeira, de

recriação de novas identidades.

A tese de Marieta de Moraes Ferreira143 reitera essa idéia ao estudar como

as elites políticas fluminenses – em nosso caso os intelectuais de A Revista –

buscaram o resgate de uma “idade de ouro” perdida, momento em que o Estado

do Rio de Janeiro gozava de grande prestígio, como Velha Província. A releitura

da história, a contraposição entre o antigo e o moderno, colaboraria para a busca

dessa época de prestígio. Ao valorizar o regional, reinterpretar a tradição,

exacerbar a face industrial do estado, a seção Comércio e Indústria endossava a

circulação de idéias reformadoras da representação dos fluminenses.

O momento de circulação do periódico (1919-1923) é de crise do regime

republicano, de desencantamento com os ideais que culminaram com a

proclamação da República. A Reação Republicana representa esse

questionamento às contradições do federalismo brasileiro, ao levantar a crítica em

relação à reprodução das elites mineiras e paulistas no poder. 144 A partir desse

argumento, devido à Reação Republicana ter representado “um momento de

contestação desse sistema, inaugurando um ciclo de questionamentos da ordem

vigente”145, uniram-se Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco,

na tentativa de constituir uma alternativa a candidatura oficial do mineiro Arthur

Bernardes.

Tal crise expressou-se na insatisfação da população urbana e nas tensões

regionais das elites dominantes. Em 1922, o ambiente político tornou-se bastante

crítico em virtude da acirrada disputa entre a candidatura do fluminense Nilo

Peçanha, lançada pela Reação Republicana, e de Arthur Bernardes. Essa

143 Ver Marieta de M. Ferreira (1994). op. cit. 144 Cf. Eduardo Sarmento; Marieta Ferreira. A República brasileira: pactos e rupturas. In: Verena Alberti; Ângela Gomes; Dulce Pandolfi. op. cit. 145 Marieta de M. Ferreira. A reação republicana e a crise política dos anos 20. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: 1993, vol. 6, nº 11, p. 10.

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indicação rompeu o acordo firmado entre São Paulo e Minas Gerais, que, ao invés

de indicar um nome ligado ao grupo paulista, estabeleceu a indicação do mineiro

Arthur Bernardes para a presidência. 146

Esse conflito político a respeito da sucessão presidencial é, nas palavras de

Marieta Ferreira, “simbólico, na medida em que permite captar o comportamento

e a cultura política de um sistema no seu todo ou de alguns de seus segmentos

sociais específicos”.147 Ou seja, a crise denunciada pela Reação Republicana

criticava o quadro político e desejava uma mudança. O Rio de Janeiro estava

especialmente interessado, por isso liderava a Reação, simbolizado pela figura de

Nilo Peçanha.

Como estado, ansiava a retomada de seu prestígio político sobre a nação.

Pois a hegemonia das elites cafeeiras nesta República Velha veio acompanhada

por um processo de secundarização do Estado do Rio no âmbito da nação.

Esforçava-se por um tempo de mudanças. E se o modelo da belle époque e a

grande guerra trouxeram uma reavaliação da nação brasileira, era possível que

este novo olhar se deitasse sobre os fluminenses. É nesse sentido que trabalhamos

com a idéia de um modernismo fluminense que, a exemplo do movimento de

reconstrução da nação brasileira – tarefa urgente nessa ocasião –, buscava uma

releitura da tradição, desejava novamente ocupar uma posição de destaque na

federação e participar dos debates sobre a nacionalidade.

Uma seção que narrasse as iniciativas econômicas bem sucedidas, a boa

vontade política dos governantes do estado, os vultosos efeitos da modernização e

do urbanismo na capital Niterói e a disseminação desse progresso para os

diversos municípios do interior fluminense, sintetizava um projeto de regeneração

do estado pelo viés da modernização. Ao analisar Comércio e Indústria é possível

observar a sua ânsia por mostrar que a modernização era uma realidade para os

fluminenses e como essa será utilizada como um fator imperativo na redefinição

de sua identidade.

2.4. A Política como instrumento

146 Idem, ibidem. p. 9- 23. 147 Idem, ibidem. p. 11.

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Carlos Wehrs, historiador niteroiense, define A Revista como “um

mensário ilustrado, artístico e literário”148. Na verdade, os subtítulos de

“variedades”, “revista literária”, “ilustrada” eram adjetivos cunhados por seus

próprios idealizadores. Então, como uma revista de variedades, poderíamos

concluir que o objetivo de A Revista era somente entreter? Não. Segundo Ana

Luiza Martins149, esses subtítulos encontravam-se em vários periódicos das

primeiras três décadas do século XX, sendo um conotativo de atualidade, de

informação ligeira, afim com as mudanças desse tempo.

A constante atualização, torna esses periódicos diversificados. O interesse

de seu leitor era garantido de diversas formas: através da literatura, das artes, das

notas sociais, das matérias sobre educação, progresso e política. Isso significa que

era uma revista literária que dialogava com a política? Talvez a melhor definição

fosse de uma revista de variedades, que tivesse como pauta os assuntos que

tangenciam o cotidiano de seus leitores e tratasse da política.

“Da mesma forma, as revistas literárias (grifo original) indiscriminaram-se e confundiram-se com aquelas de tipologia específicas. Ou melhor, a literatura se colocou em todo o periodismo da época, dado o vezo daquela geração, as voltas com a poesia, prosa e muita paixão.”150

Levantar um questionamento sobre o rótulo “literária”, comum nos

periódicos da temporalidade que nos debruçamos, permite-nos refletir que a

literatura pode ser só mais um dos temas de A Revista. Ou então, que a literatura é

uma área bem abrangente, não se dissociando da discussão filosófica e histórica.

Muitos literatos do início do século XX tinham participação política, como Olavo

Bilac, Euclides da Cunha, Graça Aranha e outros. A literatura era plural,

apaixonada, e trazia à tona diversos conteúdos que contemplavam seus leitores,

articulando-se às propostas delineadas pelos seus redatores.

Dessa forma, a política será um tema inerente nas publicações do nosso

periódico. Quando a questão do progresso e das melhorias são pensadas, no

contexto fluminense, como uma confissão do moderno, elas são ligadas aos atos

do governo vigente. A parcialidade dos colaboradores que escreviam na revista é

148 Carlos Wehrs. Capítulos da memória niteroiense. Niterói, Rio de Janeiro: Niterói Livros, 2002. p. 215. 149 Ana Luiza Martins. op. cit. p. 276. 150 Idem, p. 277.

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notória; não havia motivo para negar esse laço entre a atividade intelectual e a

política. Ao contrário de alguns movimentos, nos quais os intelectuais percebem-

se como vanguarda para pensar a nação151 – justamente por sua neutralidade –,

em A Revista estar ligado à situação política poderia ser um caminho para

viabilizar seu projeto.

Para Mônica Velloso, “a política não é considerada expressão da

modernidade”152; as revistas, de um modo geral, desse início do século XX,

preferem dar mais destaque e espaço à produção artística e literária. Nossa A

Revista é diferente, é polifônica. Para remodelar um ideal de identidade para o

povo fluminense, a ação política era um instrumento:

“Os intelectuais brasileiros do final do século XIX e início do século XX leram a modernização do país considerando fortemente a posta de intervenção do Estado na articulação e/ou moderação de forças sociais. Isso talvez explique que os mesmos liberais, como Anísio Teixeira, tendo como inspiração os Estados Unidos, com forte tradição de desconfiança em relação ao papel do Estado interventor, tenham condicionado a renovação brasileira à ação estatal.”153

A relação com o Estado começa ainda na capa do periódico. Duas a cada

três capas, de A Revista, eram fotografias ou fotomontagens com políticos locais,

ou homens de prestígio do estado. Abaixo da foto vinha somente o nome, com

seus devidos pronomes de tratamento – V.Ex.ª; V.Sª., Ilmo.– e dentro da revista,

às vezes, aparecia uma nota intitulada: “Na capa”, explicando quem era a

personalidade daquele número e sua importância no cenário do Estado do Rio.

Contudo, quando quem encontrava-se na capa era o prefeito da cidade, ou ainda o

governador, ou algum parlamentar ilustre não havia comentários.

Como exemplo, podemos citar a capa, de 15 de abril de 1922, com o “S.

Excia. O Sr. Conde Pereira Carneiro, chefe da firma Pereira Carneiro e C.”154; ou

151 Essa característica é típica das vanguardas paulistas, ao pensar uma arte e um projeto de revisão da nação autônomos, sem os vícios da política.Ver a discussão sobre modernismo paulista no capítulo I, deste trabalho. 152 Mônica Velloso (1996). op. cit.p. 59. 153

Helena Bomeny. Infidelidades eletivas: intelectuais e política. In: Helena Bomeny (Org.) Constelação Capanema: intelectuais e política. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas; Bragança Paulista(SP): Ed. Universidade de São Francisco, 2001. p. 21. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/. Acessado em: 5 jul. 2008. 154 Capa. A Revista. Ano IV, nº 40, 1922.

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ainda quando o prefeito do Distrito Federal na época, Paulo de Frontin155, estava

na capa do número 2. Na edição de Julho de 1920, abre o periódico o Dr. Epitácio

Teixeira de Campos, oficial de gabinete do secretário geral do Estado do Rio da

Janeiro e, algumas páginas à frente, a nota “Na capa” justificava a referida

representação ao dizer que:

“ ‘A Revista’, estampando seu retrato, faz justiça aos seus méritos e presta uma justa homenagem as suas aspirações de brasileiro inteligente e representante de uma geração forte que, pelo surto de seu louvável nacionalismo, poderá colaborar em prol do levantamento do nome glorioso desta grande pátria, digna de todas afeições.”156

Para confirmar esse argumento, observamos que todas as capas, que

circularam no ano de 1919, tinham estampados políticos locais ou históricos,

homens e comerciantes de vulto. Os acontecimentos políticos davam forma ao

almejado progresso e à modernização que se queria ao estado fluminense. A capa

então era um diálogo, mostrava o posicionamento de A Revista, e passava ao

largo de ser meramente ilustrativa.

Há que se destacar duas prerrogativas sobre a alusão aos nomes

fluminenses ilustres e à parcialidade política de A Revista: a projeção das

biografias, como elemento de notoriedade da terra fluminense; e o aspecto

comercial do periódico, que, por isso, precisava garantir apoio político, e

concomitantemente financeiro, como forma de manter-se.

A escrita de biografias era uma forma de criar personagens que ofereciam

projeção ao periódico e ao âmbito fluminense. Não era raro que, além da já citada

Comércio e Indústria, outras seções, como a Vida Elegante, por exemplo,

também narrasse os grandes feitos das personalidades niteroienses e do interior

do estado – só que do ponto de vista social, ao falar dos casamentos, óbitos,

nascimentos, do “renomado Sr.”, do “importante industrial...” e “do respeitável

político...”.

No número de agosto de 1921, por exemplo, saiu um artigo chamado “Um

fluminense ilustre, o dr. Raul Fernandes e a Liga das Nações”, no qual são

corroboradas as atitudes desse conterrâneo, por seu trabalho pela nação como

155 Capa. Idem. Ano I, nº 2, 1919. 156 Epitácio Teixeira Campos. Idem. Ano II, nº 15, 1920. p. 9.

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diplomata. A idéia de civismo e de nacionalidade é exaltada mediante a atuação

de um “distinto fluminense que com tanto brilho tem elevado o nome de seu

país”157. Por meio de uma biografia, busca-se o reforço das qualidades e do

prestígio, como uma característica inerente para todo o estado, como um traço da

identidade dos fluminenses.

Em edições especiais, essa faceta fica ainda mais clara. A volta à história e

à tradição faz com que essas edições tenham galerias de fluminenses célebres, ao

demonstrar a importância do estado pelo grandes filhos que ele produziu. Na

edição de abril de 1920, número de aniversário de um ano do periódico, foi

publicada uma nota da redação intitulada “Homens Ilustres” que declarava:

“Para maior desenvolvimento de nosso ‘Mensário’ resolvemos dar em os números que se seguem, páginas relativas às fotografias dos homens mais em evidência nas letras, nas artes, e nas ciências.”158

Há todo um esforço de valorização da terra e da identidade fluminense

quando A Revista se propõe a destacar os políticos e aos personagens de sua

história, que atuavam nos destinos do país e do estado. O resgate de uma

memória, de uma identidade para os fluminenses foi um motivo para essa

proximidade com a política.

A segunda causa de alusão às personalidades, auxilia-nos na compreensão

da longevidade desse periódico. É sabido que a fluidez, a agilidade retratada por

esse meio de comunicação ia do seu começo e ao seu fim, ou seja, da mesma

forma como surgiam vários periódicos, mensários, semanários e publicações

afins, esses dissipavam-se.159 Estar ao lado da situação política, garantir que os

feitos dessa aparecessem no periódico, poderia ser uma forma de garantir a sua

sobrevivência. Afinal, daí poderiam derivar patrocínios, prestígio entre a alta

sociedade fluminense e amabilidades com homens importantes.

Além de garantir um suporte ideológico e financeiro, essas proximidades

revelavam também traços da sociabilidade dos intelectuais de A Revista. A

publicação que chegou às bancas em outubro de 1920, foi modelar para

157 Um fluminense ilustre, o dr. Raul Fernandes e a Liga das Nações. Idem. Ano III, nº 29, 1921. p. 25. 158Homens Ilustres. Idem. Ano II. nº 12, 1920. p. 64. 159 Se compararmos o periodismo fluminense contemporâneo, A Revista foi um dos periódicos que mais tempo permaneceu em circulação. Observe os dados outrora citados no capítulo I.

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pensarmos essa questão. Essa foi uma edição extraordinária, de distribuição

gratuita, em homenagem à comunidade sírio-libanesa do Estado do Rio. As

matérias tratavam do processo de independência do Líbano, com os mapas e as

questões históricas envolvidas, publicadas, ainda, em árabe e em francês. O

motivo desta edição estava descrito nas diversas homenagens aos comerciantes e

industriais fluminenses que pertenciam a colônia libanesa. O grande destaque

ficava para Nagib Calil Chaiban, presidente do Clube Líbano Fluminense, “amigo

dos momentos difíceis, sempre leal em sua atitude sincera, capaz de todos os

sacrifícios, devemos ao ilustre libanês e honrado comerciante o surto

evolucionista de nosso periódico.”160

Esses comerciantes compravam matérias e anúncios, que avalizavam a

veiculação da revista. Havia, por exemplo, diversas notas que saíam quando

mudava-se a diretoria do Clube Líbano Fluminense, ou quando havia festividades

no local. Por mais que consideremos que a edição que citamos ou que outras

notas fossem compradas, sua relevância está nas relações de sociabilidade –

intelectual, política, econômica – que desvendam as afinidades de A Revista.

Do ponto de vista mercantil, os comerciantes que saíam nas capas, na Vida

Elegante, nas galerias de fluminenses célebres, cujos filhos tinham fotos

publicadas, na Página Infantil, eram os que anunciavam e que compravam espaço

publicitário para ajudar A Revista manter-se. Posicionar-se ao lado da nata

fluminense, significava apoio em todos os sentidos – como retorno financeiro e

leitores fiéis, que tinham seus interesses compreendidos e voz política. E, mais do

tudo que isso, significava que o projeto de modernização, de pensar uma

identidade para a terra fluminense, proposta por essa intelectualidade, tinha

legitimidade, pois estava ao lado daqueles que tinham poder político para

concretizá-la.

Não podemos, todavia, cair no engano de tomar A Revista como um

instrumento de propaganda política do estado. Há que se considerar a parcialidade

desses intelectuais, mas enxergá-los como um grupo de contornos e questões

próprias. Minha ênfase concentra-se no sentido de que esses homens de letras

160 Nagib Chaiban grande amigo de A REVISTA. A Revista. Ano II, nº 18, 1921. p. 30. Em outros números também havia sido reforçada a idéia de que este comerciante foi um dos iniciais patrocinadores do periódico.

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também censuravam e cobravam posturas da administração pública, assim como

investimentos que os setores privados poderiam contribuir, como a educação, por

exemplo.

A tão reclamada ação do Estado fazia-se sentir na montagem desse Estado

nacional, no estabelecimento de políticas para a sociedade que compreendessem

educação, saúde, cultura, artes, arquitetura, patrimônio e administração e na

demanda por especialistas dessas áreas. Os homens ilustrados propositivos

sugeriam, criticavam e desenhavam propostas para todos esses campos.161 Não

houve uma “traição dos intelectuais”162 que distanciavam-se da independência

por sua apropriação da política, mas as formas dessa apropriação faziam suas

propostas ganharem força.

O Editorial – por vezes chamado de 30 dias ou Ao correr da pena – era

um espaço de críticas e de proposições; assim como outras notas e artigos

publicados sem seção fixa. Era ordinário que as mensagens163 do Prefeito à

Câmara Municipal ou que as do Presidente de Estado à Assembléia Legislativa

fossem publicadas no periódico para “justificar os altos conceitos de (referência à

Raul Veiga) em que é tida sua luminosa administração”164, mas era também

comum que reprimendas fossem feitas, como em:

“Há, porém, uma outra endemia terrível, para a qual não valem os recursos da ciência médica: a politicagem, que não pode ser acoimada de produto estrangeiro porque é genuinamente nacional. (...) Toda as vezes que o nosso país descortina uma época própria ao melhor desenvolvimento, quando a atividade mental entra em um período de realização prática, lá vem a cruel anormalidade de fatos imprevistos jogar por terra as conquistas ponderadas do estudo, da experiência, da luta formidável pelo nosso progresso. E, reparem, é sempre a politicagem o fantasma horrendo de nossas iniciativas.”165

E, também, no excerto:

161 Helena Bomeny (2001). op. cit. p. 12. 162 Refiro-me aqui a famosa obra de Julien Benda “La Trahison des Clercs” (A traição dos intelectuais), analisado por Helena Bomeny (2001). op. cit. e por Edward Said. op. cit. 163 Mensagem do Enéas de Castro à Câmara, na edição de novembro de 1920. No número, de dezembro de 1920, o presidente da Câmara de Maricá apresenta sua mensagem à mesma. Mensagem do Prefeito Ranulpho Bocayúva à Câmara, na edição de dezembro de 1921. Paulo Frontin e sua mensagem à Câmara do Distrito Federal, na segunda edição, dentre outros. 164 Mensagem do Presidente do Estado do Rio de Janeiro. A Revista. Ano III, nº 28, 1921. p. 10. 165Alex Justus. A pior das endemias. Idem. Ano III, nº 24, 1921. p. 5. Esse provavelmente deve ser um pseudônimo, pois este colaborador não aparece nas diversas listas publicadas nas edições, além disso, seu nome está sempre ligado a matéria bem críticas, que reivindicavam justiça.

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“A República no Brasil não deve ser um ‘bem de raiz’ para os ‘herdeiros’ contemplados no vasto e liberal ‘testamento’ dos que se desligaram da alta investidura ou dos ‘caudilhos’ que orientam, a contragosto da maioria, a opinião das oligarquias nefastas.”166

Não só a política era criticada, mas a sociedade como um todo era

chamada a participar. No mesmo número, em que a politicagem é tratada como

uma endemia, foi publicado uma nota em favor do Patronato de Menores do

Estado do Rio de Janeiro, conclamando a iniciativa privada e “o povo fluminense

a voltar suas vistas para o Patronato”167.

Além disso, as iniciativas louvadas nas matérias elogiosas eram aquelas

que de alguma maneira beneficiavam a cidade ou a população fluminense. Em

julho de 1920, foi publicado um artigo: “Feliz iniciativa do Dr. Enéas de Castro”,

que narrava sobre um projeto de lei, do referido prefeito, a respeito da criação de

impostos sobre terrenos devolutos. A matéria seguia com aplausos de A Revista,

uma vez que significava a não estagnação do município: as terras poderiam ser

vendidas ou construídas “destinadas a mais franca prosperidade do território

fluminense.” 168

Esse exemplo foi dado para reafirmar o diferencial dos intelectuais

fluminenses. Ao buscar uma aliança com o estado, isto é, com a política e em

todas as suas resultantes, desejava-se não uma dependência das administrações

públicas, mas também o não isolamento de seu discurso. O auxílio do estado na

construção de uma nova identidade cultural partia da premissa da sua importância

junto a essa sociedade. Por isso a sua parcialidade é justificável, pois a

apropriação dos feitos desses vários políticos era para enfatizar o crescimento, o

progresso, a modernização, enfim, as conquistas do estado, do povo fluminense, e

do “ideal [que] conduz os povos às grandes iniciativas em prol do bem estar

nacional”. 169 Esse ideal de um uma nação que se quer moderna, que tem na

política um instrumento possível para isso.

166 Gioconda Dolores. 30 dias. Idem. Ano III, nº 27, 1921. p. 6. 167 Patronato de menores abandonados do Estado do Rio de Janeiro. Idem. Ano III, nº24, 1921. p. 25. 168Feliz iniciativa do Dr. Enéas de Castro. A Revista. Ano II, nº 15, 1920. p. 19. 169 Comércio e Indústria. Idem. Ano I, nº 1, 1919. p. 21.

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2.5. Ciência e saúde para um estado moderno

“Para vencer a dor, para vencer o Mal, Facultai a pobreza o catre do Hospital”

Armando Gonçalves170

Não só política, mas outros caminhos foram pensados como estratégia

para modernização que se queria ao estado. Uma dessas trajetórias foi a ciência, a

saúde, as questões relacionadas ao saneamento básico e à salubridade da

sociedade. Os avanços tecnológicos, científicos eram observados como um

indicativo do moderno. Mas será que A Revista debruçou-se sobre esse tema?

Certamente que sim. E essa vocação para pensar a saúde não foi

inovadora. Na verdade, educação e saúde comporiam a receita básica para esse

momento de reconstrução nacional, contudo, desde a geração de 1870 essas

questões já estavam na pauta do dia. Segundo Lúcia Lippi de Oliveira, esses

autores empenhavam-se em iluminar o país através da ciência e da cultura,

entendendo que os males nacionais só poderiam ser saneados por meio de uma

“reação científica”.171

Essa reação em nossa revista terá visibilidade na seção Notas de um

Médico, onde a ciência e a saúde tiveram o seu espaço. Essa seção estréia no

primeiro número para dar corpo a um dos objetivos traçados pelo seu programa:

devotamento pelas verdades científicas – publicado no primeiro editorial. Nessas

páginas foi arquitetado um ideal de estado que se quer moderno, portanto,

salubre.

Seus artigos eram assinados pelo colaborador Dr. Arthur Tibau, que

rubricava apenas A.T., médico fluminense, dono de uma clínica que, segundo A

Revista, ganhou destaque depois de uma epidemia no estado, em que este “não

mediu esforços e atendia a pobres e a ricos”.172 Notas de um Médico teve um

expressivo destaque nos dois primeiros anos de circulação de A Revista (1919-

170 Trecho do soneto “Pró-Hospital”, de Armando Gonçalves, escrito em homenagem a criação do Hospital de São Gonçalo. Ver: A Revista. Ano I, nº 11, 1920. p. 9. 171 Lúcia Lippi Oliveira. op. cit. p. 80 -148. 172 A nossa capa. A Revista. Ano I, nº 3, 1919. p. 11. O Dr. Tibau foi retratado na capa desta edição. É possível que A Revista esteja se referindo a grande epidemia de peste bubônica que alastrou em Niterói e Campos em 1907 ou a gripe espanhola de 1918. Ver também Carlos Wehrs. Niterói cidade sorriso. Rio de Janeiro: Impressão própria, 1984.

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1920)173, posteriormente não apareceu mais. Todavia, artigos sobre saúde e

ciência continuariam como pauta das edições só que sem uma seção definida.

Em seu texto, os progressos da ciência eram expostos, além das melhorias

médicas em relação ao combate de doenças e das técnicas sanitárias. É importante

notar que a questão científica foi ponto central, mas esta foi noticiada na forma

dos benefícios que poderiam trazer à população. Ou seja, uma linguagem simples,

um texto claro, com receitas de profilaxia, explicação de sintomas e notícia da

importância do consumo de uma boa água como exemplos da aplicabilidade

dessa seção no cotidiano dos leitores.

A salubridade torna-se um ponto importante a ser discutido. Os tópicos

das matérias variavam, podemos citar “O problema sanitário do Leite”174, onde o

assunto foi discutido como uma demanda de higiene pública, assim como o

abastecimento de água e a rede de esgotos. A esterilização do leite de consumo

público foi o ponto discutido pelo autor que ensinava métodos caseiros para a

verificação da qualidade desse, tendo como finalidade o combate da mortalidade

infantil.

Outro artigo, “Como se fica tuberculoso”, relaciona duas medidas

importantes para a modernização do estado: as reformas urbanas e a questão

sanitária. A exemplo das reformas que aconteceram no vizinho distrito federal, no

início do século, Arthur Tibau culpa o mestre de obras como o principal criador

de focos de contágio da doença. Ele se refere às alcovas sem ar e sem luz onde

mais de 2/3 da população dormia sem condições de higiene. O artigo explica

como o bacilo da tuberculose disseminava-se, alertando “Onde não entram o ar

puro e sol, entra o médico e muitas vezes também a morte”175.

O papel informador e formador do periódico tiveram grande relevo nesse

momento, principalmente, se avaliarmos a epidemia de doenças infecto-

contagiosas que se alastrou em Niterói. Em 1908 foram registrados mais de 209

óbitos por tuberculose.176 A preeminência dessas epidemias no cotidiano

fluminense tornava a saúde um ponto importante a ser revisto. Abolir com os

173 Dos 17 números que circularam neste período, Notas de um Médico foi publicada em 10 edições. 174 Notas de um Médico. A Revista. Ano I, nº 3, 1919. p.13-15. 175 Notas de um Médico. Idem. Ano I, nº 11, 1920. p.15-16. 176 Dados extraídos de Carlos Wehrs (1984.) op. cit. p. 74 -78.

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surtos epidêmicos e educar a população fazia parte do programa modernizador de

A Revista.

A importância da saúde ficava clara até mesmo nos anúncios. A grande

quantidade de reclames que vendiam xaropes, tônicos, emplastros e produtos

farmacêuticos, que prometiam a cura de vários tipos de males, deixava explícita a

notoriedade do tema. “Para o estômago e intestinos, Papaína Niobey”; “para

engordar e ganhar saúde, Vanadiol” ou “para crianças fracas, Ingesta”; “para a

cura da tosse, xarope capi-toluol” e no caso de “anemias, fígado ou amarellão, a

medicina moderna indicava pílulas ‘MARCIAES’.”177

Nota-se que é a “medicina moderna” que indica o referido remédio. O

novo, que é ligado à idéia de moderno, nega as amarras do passado. As reformas

urbanas surgem, nesse sentido, para além de uma concepção estética, como uma

necessidade higienista. Em Notas de um Médico, de abril de 1920, a pauta era:

“Um pouco de saneamento”, onde elogios e cobranças eram feitos ao Conselho

Municipal para a construção de uma rede de esgoto e encanamento de água para a

cidade de Niterói. O artigo prossegue:

“A realização dessas duas grandes obras constituem um vasto programa de governo que seria completado com a demolição das casas insalubres feita pelo antigo Mestre de Obras, substituindo-as por outras de construção moderna nas quais penetrem o ar e a luz em abundância.”178

O apelo ao estado (por isso a ligação com a política foi uma ponte

importante foi significativo na medida em que esse teve uma função normativa.

Por ter a máquina política em suas mãos, o estado poderia estabelecer e executar

esse programa de modernização, de salubridade para o povo fluminense. 179

Nessa mesma reportagem, uma série de medidas sanitárias e “sugestões” foram

feitas à administração vigente, a fim de trazer melhorias à saúde do Estado do

Rio, além de uma face modernizante.

Ávidos por informar as últimas ocorrências no campo técnico-científico,

dos avanços em relação aos tratamentos e às profilaxias dos males, para sepultar o

atraso do estado fluminense, as matérias que versavam sobre saúde não acabam

177 Anúncios retirados da edição de A Revista. Ano IV, nº 59, 1923. 178 Notas de um Médico. A Revista. Ano II, nº 12, 1920. p. 76. 179 Sobre a atuação do Estado na saúde publica, ver: Gilberto Hochman. Regulando os efeitos da interdependência: sobre as relações entre saúde pública e construção do Estado (Brasil 1910-1930). In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993.

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quando a seção Notas de um Médico deixou de circular. Espalha-se nas páginas

do periódico, sem um autor fixo e continuavam aparecendo a fim de expor a

“Nova geração de Médicos”180 do estado; mostrando os avanços mais recentes

para manter a “Higiene na Voz”181; as novas obras de saneamento e de água

potável182 e tantos outros temas.

A culpabilidade pela carência na saúde é atribuída à ignorância, à falta de

educação e de informação do povo. Educação e saúde andam de mãos dadas, sua

relação intrínseca revela a fórmula básica para um estado moderno, afinal, só com

educação pode haver conscientização. Esses argumentos estavam presentes em A

Revista, o viés cientificista é antes uma forma de educar, de se acabar com as

mazelas que assolavam o estado fluminense, de se aproximar de questões que

atingiam os leitores. Ora, ao redefinir esta situação, cria-se também uma nova

imagem para o estado, uma nova identidade para os fluminenses.

2.6. Intelectuais e sociabilidades: as tramas de A Revista

Esse veículo de comunicação é um lócus valioso para a análise do

movimento das idéias de um grupo de intelectuais. Uma revista apresentava-se

como um meio mais democrático que um livro, em todos os sentidos. Tinha um

custo menor, por isso, poderia atingir um número maior de leitores; não possuía

só um autor, mas um grupo de letrados que lhe delineava um perfil e expandia sua

perspectiva sobre os assuntos; e não se restringia a um tema, mas buscava dar

conta da enorme quantidade de notícias e de assuntos que abraçavam a sociedade

brasileira no início do século XX.

O fervilhar de idéias e de informações que mudavam rapidamente – por

isso a periodicidade – reuniu homens e mulheres apaixonados pelo imperativo

nação, ávidos por contribuir para uma reforma cultural e identitária do país. A

partir desse desejo, diversos projetos reunir-se-iam com uma missão civilizadora,

de argumento nacionalista, para a recriação do Brasil.

180 Nova Geração de Médicos. A Revista. Ano III, nº 34, 1922. p. 31. 181 Higiene na Voz. Idem. Ano IV, nº 63, 1923. p. 20. 182 A obra gigantesca do Dr. Enéas de Castro. Idem. Ano II, nº 12, 1920. p. 11 e Úteis esforços de uma administração. Idem. Ano IV, nº 38, 1922. p. 5 - 9.

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Grupos de letrados reuniram-se a partir de uma relação de proximidade e

de afetividade. Sua lógica de composição é ponto central para compreendê-los.

Ou seja, por quê intelectuais fluminenses? Quem foi é o grupo responsável pelo

projeto A Revista? É sabido que um ambiente intelectual define um

posicionamento ideológico, e, portanto, um conjunto daqueles que são pares a

essa posição. Como citamos no primeiro capítulo desse trabalho, refletimos que a

existência de lugares comuns para o exercício de debates do meio intelectual é

uma condição para a elaboração do próprio intelectual.183

Sobre essa questão debruçamo-no agora: a difícil tarefa de entender o

grupo de intelectuais fundadores e colaboradores de A Revista. Estudar suas

sensibilidades, suas redes de organização e de afetividade, as interdependências

que esses letrados possuíam, ao se reunir em torno desse periódico. Investigar

quais os “microclimas”, que permeiam a intelectualidade fluminense

contemporânea à A Revista é ponderar sobre os grupos que faziam parte desse

pequeno mundo das letras.

O intelectual fluminense – mediador cultural, engajado em criar uma nova

imagem e representação para o Estado do Rio – é aquele, que independente das

suas origens tece, nesse estado, suas redes de sociabilidade184. Essa acepção,

construída por Ângela Gomes, amplia e oferece a real noção dos nossos

intelectuais. Esses, muitas vezes, interioranos, vinham das diversas regiões do

estado fluminense ou, ainda, de outros lugares. Niterói, enquanto capital,

agrupava esses letrados que desenvolviam na cidade suas relações.

A profissão das letras, fosse no jornalismo, fosse na imprensa local,

promovia-lhes um reconhecimento público, além de prestígio e canal para a

comunicação de suas idéias. Como mencionamos anteriormente, a maior profusão

de periódicos e veículos afins permitiu a expansão desse ramo e mais espaço para

esses letrados.

Acontece que esse espaço desloca-se em redações de revistas e jornais,

nos cafés, na boemia, nos clubes e nas academias literárias; formando a idéia de

uma teia, uma rede de lugares, de espaços afetivos e também geográficos. É a

partir desse momento, que os grupos vão se formando, por compartilharem de

gostos e de opiniões comuns. Nosso maior desafio é pensar como tantos

183 Michel Trebitsch. op. cit. p. 262. 184Ângela Gomes (1999). op. cit. p.19.

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colaboradores que escreviam para A Revista fundaram esse gosto de conviver,

entender que sensibilidades os aproximaram e pensar sua sociabilidade.

A escassez de fontes sobre as biografias desses intelectuais é um grande

desafio. Trata-se de intelectuais locais, a maioria com pouca projeção nacional,

sem maiores informações, por isso, são especiais. Suas preocupações voltam-se

para o estado, não estão ligados a jornais com densa distribuição, nem estão

imersos nas preocupações das grandes metrópoles. O modernismo de A Revista é

particular, por causa desses homens de letras, das suas aspirações provincianas,

do seu outro olhar sobre o que é moderno.

Nossa estratégia, então, foi tentar conhecer A Revista por dentro.

Aproveitando as suas narrativas biográficas – ao expor fluminenses ilustres, ao

fazer homenagens e ao dedicar as capas – reunimos o máximo de informações

sobre a vida e os ambientes de circulação desses letrados. Seções como Vida

Elegante, que funcionava como uma espécie de coluna social, ao escrever sobre a

nata da sociedade fluminense; Comércio e Indústria ao tratar dos comerciantes e

empresários prósperos, mostrando um pouco da sua trajetória; Página Infantil que

expunha fotos dos filhos de intelectuais e de personalidades niteroienses; foram

de grande valia. Foi por dentro dessas seções, recolhendo dados aleatórios de

notas e de artigos, que conseguimos condensar uma sociabilidade para estes

intelectuais.

Essa sociabilidade é, sobretudo, espacial. Um mote fundamental para

iniciarmos nossa análise é compreender que essas afetividades, esses espaços

pares, são, também, geográficos. Indicam-nos a dinâmica movimentação desses

intelectuais pela cidade e pelo estado fluminense, ajudam-nos a compreender

como efetivamente essas idéias modernistas de A Revista nasciam e circulavam.

Apesar da noção de regionalismo do programa de A Revista, isto é, de

espraiar por todo o Estado do Rio os ares de progresso, era na capital Niterói, que

a sua sociabilidade se desenvolvia. Niterói, nesse início de século XX, não

possuía uma grande quantidade de agremiações intelectuais. Por ser uma cidade

pequena, os grupos da intelectualidade dividiam espaços; afinal, era na cidade,

que se reunia a maioria das iniciativas e das reflexões sobre o Estado do Rio de

Janeiro. Era na cidade, que encontrávamos os círculos de convívio do grupo de A

Revista.

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2.6.1. O Café Paris

Um dos primeiros círculos de convivência intelectual de Niterói foi a

Roda do Café Paris. Situado no centro da cidade – na rua da Praia, entre a rua

Direita e a rua Coronel Gomes Machado – foi um centro freqüentado pelas letras

fluminenses, nas primeiras três décadas do século XX. O Café integrava um

conjunto, fazia parte do Hotel e Restaurante Paris, e era um reduto da boemia

niteroiense. Apesar da a noite iniciar-se no Café, ela terminava em outros bares

da cidade, pois fechava à meia-noite. 185

Existem discussões quanto ao período de formação da Roda literária. O

Café data de 1898, mas Kleber de Sá Carvalho – um dos freqüentadores da roda –

salienta que esta só se formou a partir de 1922.186 Lourenço Araújo, outro

componente desta roda que se chamava “Cenáculo Ambulante”, contesta a data

ao apontar que, em 1913, já havia intelectuais reunidos no Café que discutiam

sobre literatura e política. Essa parece ser a data mais aproximada, pois

publicações desde 1915 foram atribuídas a intelectuais dessa roda. 187

“A formação da Roda do Café Paris assinalou um período de profunda revolução intelectual nos meios sociais e literários da capital do estado. O grupo buscava um lugar ao Sol. Reagia e produzia assaltando salões, invadindo redações, forçando o seu público, impondo o valor de cada um. Metidos no fundo do Café Paris, ali traçavam planos, criavam, escreviam livros, poesias artigos, páginas de crítica, fundavam jornais e revistas. Ali quebravam literatos de vidro, destruíam culturas suspeitas fustigavam os conhecimentos do almanaque. Qualquer festa de que participavam constituía acontecimento de significação especial e ponto de atração da sociedade.(...)” 188

Dessa fermentação intelectual que foi a Roda do Café Paris, participaram

vários intelectuais ligados à A Revista. Dentre eles estava: Olavo Bastos, redator-

secretário do periódico, que integrava o núcleo duro do expediente da revista,

além de ser sobrinho do proprietário, Manoel Leite Bastos. Olavo Bastos era uma

figura boêmia, jornalista, escritor, poeta e anarco-comunista. Pertenceu desde a

185 Wanderlino Teixeira Leite Netto. Passeio das letras na taba de Araribóia: A literatura em Niterói no século XX. Niterói, RJ: Niterói Livros, 2003. p. 19 – 26. 186 Entrevista de Kleber Sá Carvalho em Letras Fluminenses em 1952. Apud: Lyad de Almeida. Lili Leitão, o Café Paris e a vida boêmia de Niterói & Niterói poesia e saudade. Niterói, RJ: Niterói Livros, 1996. p. 16. 187 Idem. p. 17. 188 Esse trecho também faz parte da entrevista de Kleber Sá Carvalho em Letras Fluminenses em 1952, só que publicado em Apud: Wanderlino Teixeira Leite Netto. op. cit. p. 20 e 21.

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primeira hora da Roda do Café Paris, o chamado Cenáculo Ambulante, mas

apesar da irreverência típica desse grupo, também participou da fundação da

Academia Fluminense de Letras (AFL). Contribuiu, ainda, para o jornal O

Momento, importante lócus de sociabilidade de A Revista, e dirigiu a Época

Teatral junto com Castro Lopes, teatrólogo e colaborador da seção Telas e

Ribaltas de A Revista.189

Outros literatos comuns ao Cenáculo Ambulante e A Revista eram

Franklin Coutinho e Francisco de Paula Achilles. Ambos colaboravam

aleatoriamente para o nosso periódico, sendo o primeiro funcionário dos Correios

e Telégrafos de Santa Maria Madalena, no interior fluminense. Já Paula Achilles,

poeta, jornalista e prosador, era inspetor escolar da Escola Normal e professor do

Colégio Militar e de outros colégios particulares em Niterói. Era fluminense de

coração, pois nascido em Corumbá, Mato Grosso, vivera em Niterói mais da

metade de sua vida. Além disso, pertencia à classe de Ciências Sociais e Política,

da AFL.190 A última interseção, desses dois grupos, é o nome de José Quaresma

Júnior, letrado e escritor teatral, era o 1º oficial da repartição de Fazenda do

Estado do Rio e foi um dos membros fundadores da AFL que participou da Roda

do Café Paris em seu começo.

Há que se destacar que apesar da participação de intelectuais em comum

nesse dois locais de troca – A Revista e a Roda do Café Paris – nunca foi

comentada essa circulação de idéias nas páginas do periódico. Um indício que

levantamos a respeito desse fato, visto que era corriqueira a troca de elogios entre

os locais de sociabilidade do periódico, era que o Cenáculo Ambulante

conformava um outro grupo, com afeições diversas e antagônicas ao grupo de A

Revista.

Ao debruçarmo-nos sobre o assunto, percebemos a divisão de duas

coletividades: de um lado a irreverência, a boêmia, a ocasionalidade da Roda do

Café Paris; de outro, o grupo preocupado com o academicismo, mais formal

talvez, mas que outrora havia participado dos primórdios da Roda, mas, depois da

fundação da AFL, teve sua identidade ligada a essa. Esse argumento é confirmado

por Kleber de Sá Carvalho, ao registrar que:

189 Algumas informações foram extraídas de Luís Antônio Pimentel. Enciclopédia de Niterói: obras reunidas. Niterói, RJ: Niterói Livros, 2004, vol.1. 190 Idem, ibidem.

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“À época da fundação da Academia, dois grupos se defrontavam, definidos, na vida intelectual da cidade. De um lado, Quaresma Júnior, Joaquim Peixoto, Lacerda Nogueira, Salomão Cruz (todos nomes que engrossavam o expediente de A Revista) e vários outros que, segundo a irreverência dos não-acadêmicos, eram aristocratas e sonhavam com o pomposo fardão de general das letras. O outro, um numeroso grupo de moços, promessas e realidades, que negavam, criticavam e aplaudiam, à maneira de uma turba inquieta, boêmia, quase traquinas, de seta em punho, estalando vidraças. E movimentando tudo isso, a figura impressionante de Olavo Bastos, esteta e boêmio incorrigível, fundador desta casa, então ocupante da cadeira patrocinada por B. Lopes.”191 (inserção e grifo meus)

Esses intelectuais acabaram por dividir-se em duas associações diferentes.

O grupo da Roda do Café Paris, mais tarde, em setembro de 1923, criou o

Cenáculo Fluminense de História e Letras; e os partidários da AFL continuaram a

agremiar-se em torno dessa. Olavo Bastos era a exceção que circulava nos dois

ambientes, sendo uma espécie de via média ao compartilhar das duas acepções

sobre as letras fluminenses.

2.6.2. A Academia Fluminense de Letras

A Academia Fluminense de Letras, essa sim, era a menina dos olhos de A

Revista. Era uma instituição que representava um status, um reconhecimento

social daqueles que seguiam às prerrogativas das letras. Fundada em julho de

1917, por Epaminondas Carvalho (advogado e pedagogo), Joaquim Peixoto e

Quaresma Júnior – todos redatores de A Revista – tinha como sede das suas

reuniões uma saleta no Cartório Peixoto. Sem um prédio fixo, Joaquim Peixoto

(poeta, advogado e diretor da revista Vida Fluminense fundada em julho de

1920), como proprietário do local, cedeu provisoriamente suas instalações.192

A AFL só foi efetivamente instalada em agosto de 1919, na Escola

Normal, onde conservou-se até 1934, sendo transferida para o prédio da

Biblioteca Pública de Niterói, permanecendo até hoje. A importância da AFL era

que ela significava uma institucionalização de uma certa prática intelectual em

Niterói, uma vez que as reuniões literárias, ou eram informais, ou quando

instituídas, eram muito escassas.

191 Kleber de Sá Carvalho. Apud: Lyad de Almeida. op. cit. p. 34. 192 Wanderlino Teixeira Leite Netto. op. cit. p. 27 – 33.

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“As academias literárias eram lugares de memória, que visavam, com sua ritualística e os eventos celebrados, preservar a história e as manifestações culturais da Velha Província, congregando os estudiosos do Estado e os que procuravam criar uma determinada imagem, uma certa identidade para o território e à população fluminense.”193

Por essa última característica, a AFL foi um espaço tão caro aos letrados

de A Revista, pois era um lugar de pares, que compartilhava da mesma

sensibilidade de construir uma imagem diferenciada para o Estado do Rio. Dentre

seus colaboradores e redatores efetivos estavam doze nomes que eram membros

da AFL.194 Ademais, a Academia era sinônimo de comentários positivos nas

páginas do periódico. Eram publicadas constantes matérias sobre as pautas das

últimas reuniões, trocas de diretorias, cerimônias e eventos diversos acontecidos

na Academia.

No número de fevereiro de 1922, por exemplo, uma nota comentava

“mais uma sessão da Academia, mais uma glória para a literatura fluminense”195,

narrando a festa, os discursos dos seus membros e a importância da Academia

para as letras fluminenses. Essa relevância de destacar a imortalidade dos

escritores e dos filhos ilustres fluminenses foi lembrada na edição de junho do

mesmo ano, quando relatava-se a visita de Luiz Murat, membro da Academia

Brasileira de Letras. Contemplada sua biografia, enfatizava-se a acuidade do

escritor no âmbito nacional e sua origem fluminense, nascido em Resende.196

As matérias sobre a AFL espalhavam-se pelas diversas seções. O Editorial

era um espaço particular de ocorrência das notícias que tangenciavam a AFL e

seus imortais. Ao fazer o balanço do mês de janeiro de 1921, A Revista descrevia

a troca de diretoria da AFL, realçando seu sucesso e criticava aqueles que

maldiziam a instituição. Os elogios proferidos à Academia concorriam no sentido

de “(...) fundamentar seu prestígio sem temor de suas congêneres em todo o

193 Rui Aniceto Fernandes. op. cit. p. 114 - 115. 194 Dos nomes que conseguimos cruzar com os membros da AFL estão: Quaresma Junior, Olavo Bastos, Joaquim Peixoto, Horácio Campos, Epaminondas de Carvalho (presidente da Academia), Lacerda Nogueira, Cortes Júnior, J. Demoraes, Renato Lacerda, Gonzaga Duque, Ricardo Barbosa e Armando Gonçalves. Esse último, apesar de ser um dos fundadores da AFL, só permaneceu em seus quadros até 1921, quando por desafeto com Lacerda Nogueira (secretário perpétuo da AFL) abriu mão da sua cadeira e fundou a Academia Literária do Brasil, de brevíssima existência. Cf.: Wanderlino Teixeira Leite Netto. op. cit. p. 79 e 80. 195 Academia Fluminense de Letras. A Revista. Ano IV, nº 37, 1922. p. 72. 196 Academia Fluminense de Letras, sessão magna da noite vinte e dois. Idem. Ano IV, nº 46, 1922. p. 20 e 21.”.

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torrão pátrio”197, ou seja, de ressaltar o valor dos fluminenses no espaço nacional,

de lhes conceber uma nova identidade. Por isso ao fim do artigo, em tom

imperativo, dizia o texto:

“Trabalhem os fluminenses com muito amor nessa grandiosa obra do levantamento intelectual de nossa terra, e longe não estará, o dia duma completa apoteose das letras fluminenses.”198

A Academia Fluminense de Letras foi um espaço de troca com A Revista.

Mais do que intelectuais em comum, esses espaços identificaram-se por um

projeto de regeneração do Estado do Rio. A literatura foi um caminho possível

para demonstrar a estima do povo e da terra fluminense. Essas sensibilidades em

comum, tornaram a AFL um dos principais locais de convivência e de afetividade

que aparecem nas páginas de A Revista.

2.6.3. A Escola Normal e outras instituições de ensino

Se a literatura era pensada como uma forma de refletir sobre a realidade

fluminense, a educação também o era. Algumas páginas atrás desse mesmo

capítulo, observamos a íntima relação que foi estabelecida entre a educação e a

modernidade. Educar significava mais que o conhecimento das letras, estava

ligada à idéia de civismo e de nacionalidade. O aspecto pedagógico de A Revista

caminha nesse horizonte quando procura dialogar e decantar em seus leitores uma

imagem moderna e progressista do estado. Como a educação foi um lugar do

moderno, um tema amplamente discutido no periódico, seus espaços de

sociabilidades refletiram essa ligação.

A trama entre educação e modernidade foi, ainda, confirmada pela

presença de diversos intelectuais ligados às instituições de ensino nos quadros de

A Revista. O primeiro ambiente de convivência que selecionamos é a Escola

Normal. Essa era a escola mais tradicional de Niterói naquele momento, pois foi

primeira instituição pública das Américas, responsável por formar educadores

197 Dolores, Gioconda. Editorial. Idem. Ano II, nº 22, 1921. p. 4. Em outro Editorial, de dezembro de 1919, mostra como prestígio é mantido, enfatizando sua hombridade como instituição e criticando à politicalha que tenta ingressar, sem sucesso, em seus quadros. Ver: A Revista, Ano I, nº 8, 1919. p. 1 e 2. 198 Idem, ibidem.

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para o magistério da instrução primária. Criada em 1835, passou a ter curso

ginasial em 1931, fundindo-se então com o Liceu Nilo Peçanha. Será só em 1954

que o curso normal volta a ser destaque, quando ao desligar-se do Liceu, a Escola

Normal torna-se o Instituto de Educação de Niterói. Em atividade ainda hoje, está

instalada no bairro de São Domingos, e em seu tradicional prédio, permaneceu o

Liceu Nilo Peçanha, no centro cívico da Praça da República.199

Armando Gonçalves, redator-chefe de A Revista e membro da AFL, era

um nome vinculado à educação fluminense. Havia sido secretário da Escola

Normal, por vários anos e tornou-se inspetor da instrução pública do Estado.200

Além dele, podemos citar outro membro da AFL, Horácio José de Campos,

advogado, que foi promotor de justiça da comarca de Cantagalo, diretor da citada

escola e colaborador do periódico e do jornal O Fluminense. As interfaces entre

os homens de letras de A Revista, a AFL e a Escola Normal estabeleceram-se não

só pelo compartilhar de idéias sobre as perspectivas para o Estado do Rio, mas

também fisicamente. O prédio da Escola Normal serviu de sede para a AFL até

sua instalação definitiva, por exemplo. Essa integração fez com que a Escola

fosse tema comum do periódico, aparecendo de diferentes formas.

No número dois, em 1919, eram publicadas fotos da Escola, das alunas do

3º e 4º anos, de seu diretor e do secretário. A reportagem fotográfica descreve a

importância da instituição e das normalistas que constituíam as “Esperanças

Futuras” para o estado.201 Se a educação era um remédio para curar as mazelas do

atraso e consolidar a modernidade para toda a ambiência fluminense, é

compreensível o destaque relacionado à educação normal. Essas educandas eram

as futuras professoras, daí a acuidade e o realce da sua formação.

Poesias eram feitas em homenagem às futuras mestras. Na publicação que

circulou em outubro de 1919, Sylvio Tristão escreveu o soneto “As normalistas”,

do qual reproduzimos um terceto:

199 Claudia Maria Costa Alves; Heloísa Villela. Niterói Educação – histórias a serem escritas. In: Ismênia de Lima Martins; Paulo Knauss (Organizadores). Cidade Múltipla - Temas de História de Niterói. Niterói, Rio de Janeiro: Niterói Livros, 1997. 200 A importância de Armando Gonçalves e sua ligação com a Escola Normal é confirmada com a sua indicação, em 1965, como nome a ser dado ao colégio. A eleição interna para a escolha do homenageado lembrava nomes de prestígio para a instituição. Armando Gonçalves concorreu com Ismael Lima Coutinho e acabou perdendo. 201 Escola Normal. A Revista. Ano I, nº 2, 1919. p. 19-22..

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“E no quarto ano, ‘adeus’ alegre soltam, Se aprovadas, de novo a casa voltam. Mas os sonhos nem sempre voltam mais!”202

O fato de voltarem à sala de aula, só que na condição de professoras, faz

das normalistas alunas diferenciadas. Talvez essa seja uma possível explicação

pela afetuosidade com que A Revista refere-se à Escola Normal. Pois, se a

educação é uma bandeira tão cara nesse momento que se pretende o moderno,

educar os futuros educadores é tarefa sobremaneira importante.

A Escola Normal, entretanto, não era o único recinto educacional em que

intelectuais, à frente de A Revista, circulavam. Outros colégios, em especial os de

Niterói, apareciam com constância no periódico. O Colégio Salesianos era um

assíduo anunciante, ainda mencionado nos primeiros passos de A Revista, pois foi

em suas gráficas que o periódico começou a ser impresso. O Colégio Brasil, que

funcionava desde 1902, na Rua Noronha Torrezão, situada no bairro do Fonseca,

tinha dois de seus diretores entre o corpo colaborador da revista.203 Senna

Campos, que mencionamos anteriormente pela sua inserção na AFL, era diretor

da sucursal feminina do Colégio Brasil, e sempre colaborava ao periódico com

crônicas e poemas. Ainda podemos citar João Brasil, diretor geral do colégio,

que, além de contribuir com literatura, colocava anúncios da escola na Galeria

Comercial.

Dessa relação nasciam anúncios e matérias sobre o Colégio Brasil e seu

corpo docente. Na edição de janeiro de 1920, saiu uma reportagem sobre o

colégio, com fotos das suas dependências e diretores. O texto explicitava como o

educandário era um exemplo para a instrução no estado fluminense, ao destacar

sua tradição na cidade, a competência de seus diretores e professores e o grande

número de aprovações dos alunos para o Colégio Pedro II. Os números e as notas

referentes ao concurso de 1919, foram, inclusive, publicados. 204

Essa relação com o Colégio Brasil, remete-nos à significância da

educação como tema do periódico e local de sociabilidade daqueles que

202 Sylvio Tristão. As normalistas. Idem, Ano I, nº 6, 1919. p. 11. 203 O Colégio Brasil foi a mais famosa escola particular do Fonseca, mas encerrou suas atividades em 1985. Inicialmente funcionava em internato, semi-internato e externato para rapazes e mais tarde foi aberta para meninas. Hoje o terreno do antigo Colégio Brasil foi totalmente loteado, só restando um dos prédios que seria transformado em centro cultural, mas encontra-se abandonado. A tradicional rua do bairro, a Rua João Brasil, tem o nome do antigo diretor do colégio, o terreno pertencia ao Colégio, sendo sua área doada pelo antigo proprietário. 204 Colégio Brasil. A Revista. Ano I, nº 9, 1920. p. 21-23.

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integravam a A Revista. Outros colaboradores estavam ligados a educação, seja

por atuarem em instituições de ensino, seja por terem tido uma formação voltada

para a instrução. Lilita de Gouvêa Gonçalves, por exemplo, além de ser esposa

de Armando Gonçalves e contribuir constantemente para o periódico com

crônicas e poesias, era diretora do Externato Santo Antônio. Igualmente, Mário

Chaves Campos e José Bernardes Cardoso eram professores e inspetores

escolares do Estado do Rio de Janeiro. O supracitado Epaminondas de Carvalho,

fundador da AFL, era pedagogo; e Nelson Barros, Júlio Sobral e Ataliba Lepage

formavam o corpo de diretores do Patronato de Menores Abandonados do Rio de

Janeiro.

Ao citar esses nomes observamos a participação desses intelectuais na

instrução fluminense. As aspirações educacionais para o estado eram uma

sensibilidade partilhada por aqueles que fizeram o periódico, e logo, tornariam-se

assunto constante em suas páginas. Essas instituições ajudam-nos a compreender

os ambientes de circulação desses letrados a fim de conhecermos mais do grupo

que criava A Revista. E, a partir desses paradigmas, refletimos que a educação é

uma chave de entendimento e um espaço de troca destes intelectuais locais.

2.6.4. Outros periódicos

Outra chave que nos propomos a investigar, inclina-se sobre o trânsito

daqueles que escreviam em A Revista e em outros periódicos fluminenses

contemporâneos. Do mesmo modo, refletir como o nosso mensário relacionava-se

com esses jornais, essas revistas e demais periódicos em seu entorno. Ao pensar

que Niterói – sede do expediente de muitos dos periódicos que circulavam no

Estado do Rio – não era uma cidade grande, com um número disperso de

intelectuais, nos questionamos sobre a distribuição dessa produção e como os

círculos de letras e os editoriais de revistas irão se relacionar.

Uma seção símbolo para pensarmos isso, a partir de A Revista, era

Palavras que nos estimulam. Publicada, em geral, após uma edição de

aniversário, ou em um número especial, essa seção era um espaço claro de

sociabilidade do periódico. Seus textos agradeciam os elogios recebidos por A

Revista pelos congêneres fluminenses, oferecendo-nos pistas dessa troca

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intelectual. A primeira aparição dessa seção é no exemplar de número dois, logo

após o lançamento, que comemorava os louros dados pelos colegas de profissão.

“É sempre grato o aplauso aos que, ainda indecisos, ensaiam seus primeiros passos no jornalismo. (...) Foi, entretanto, desvanecedora a nossa estréia: tivemos a nossa edição esgotada e ouvimos, ‘chapeau bas’, de nossos colegas as palavras que nos estimulam as maiores dedicações aos objetivos por nós colimados. Agradecendo as palavras confortadoras, não nos furtamos ao prazer de transcrevê-las em nossas colunas. (...)”205

O texto seguia com a transcrição dos trechos publicados no Jornal do

Comércio, em A Razão, no Correio da Manhã, em A Época; além de telegramas

de jornalistas parabenizando o empreendimento. No mês seguinte206, a

reportagem continuava a descrever os comentários dos jornais fluminenses e

cariocas, como o Jornal do Brasil, A Rua, O Maricaense, Pátria Nova, O

Fluminense, O Estado, O Momento207, A Época Teatral e O Momento.

Ao publicar essas críticas, A Revista mostrava ao público a legitimidade

conquistada junto à imprensa, desse modo orgulhava-se do prestígio e da

qualidade que possuía o periódico. Existia uma seleção ao se publicar essas notas,

o que indica afetividades e reconhecimentos de grupos afins.

Na pesquisa para conhecer mais sobre o grupo que escrevia em A Revista

– cruzando nomes, datas e biografias – descobrimos que alguns intelectuais do

expediente do nosso mensário, escreviam e circulavam por outras redações. A

começar pelo proprietário, Manoel Leite Bastos. Como citamos anteriormente,

Bastos foi ligado ao jornal O Momento (fundado por J. Demoraes), atuando como

jornalista na seção comercial (era uma espécie de agente de anúncios também), o

que contribuiu para conhecer muitos homens de renome da sociedade fluminense,

letristas e empresários, o que colaborou para a criação de A Revista.208

O jornal O Estado é modelar nesse sentido. Criado em 15 março de 1919,

diário matutino em formato grande, tinha seis de seus membros também

205 Palavras que nos estimulam. Idem. Ano I, nº 2, 1919. p. 3 e 4. 206 Idem. Ano I, nº 3, 1919. p. 3 e 4. 207 Este jornal, de acordo com os arquivos da Biblioteca Nacional e a bibliografia pertinente, circulou entre 1915 e 1917, o que seria anacrônico ao comentário, de 1919. Ainda pesquisados congêneres cariocas e fluminenses homônimos, mas todos tinham uma temporalidade diferente. Talvez os acervos da Biblioteca não tenham recebido todos os números. Ver: Marcello de Ipanema; Cybelle de Ipanema. Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema, 1988. 208 Ver Manoel Leite Bastos. Como fiz A Revista. A Revista. Ano II, nº 12, 1920. p. 15-17.

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enlaçados em A Revista, além do gerente, Jônatas Carvalho, e dos diretores

Jônatas Botelho, Noronha Santos, Aristides Melo, Lacerda Nogueira e J.

Demoraes. Esses dois últimos, outrora mencionados, foram membros fundadores

da AFL. Em março de 1920, foi publicada uma matéria em homenagem ao

primeiro ano de aniversário de O Estado, que dava aplausos à iniciativa de um

“jornal de feição moderna que, sobremodo, distingue a imprensa fluminense”209.

A convivência com outros periódicos indica-nos os caminhos da

sociabilidade de A Revista, espaços onde há a identificação de seus pares e de

suas idéias. O enfoque moderno com que o periódico interpreta o estado

fluminense, também é atribuído ao seu par, ao rotulá-lo como moderno, ao se

reconhecer nele: “A REVISTA, que tem no ‘O Estado’ um colega afeiçoado,

abraça afetuosamente seu distinto corpo de redação.”210

Outras revistas e publicações periódicas integraram essa convivência ao

possuir nomes comuns em seus editoriais, propiciando o movimento de idéias. O

Diário Fluminense (1911-1923) era de propriedade de Cortes Jr., além de ter

Quaresma Júnior, como jornalista, e J. Demoraes, como revisor, todos

colaboradores de A Revista. Esse último também publicava no semanário Niterói

(1909-1923) e na Gazeta da Manhã (1912-1926), junto com Joaquim Peixoto,

nome comum ainda em A Revista. Esse último ainda fundou, em 1920, o

mensário Vida Fluminense. Podemos citar ainda, O Arauto (1918) que teve em

seus quadros Renato Lacerda, farmacêutico e escritor, que também contribuía em

nossa revista.

Esse deslocamento constante de notícias e de afinidades, proporcionou um

movimento inverso ao da seção Palavras que nos estimulam. Em retribuição às

referências dadas pelos outros periódicos, A Revista, colocava em suas páginas

elogios e notícias de lançamentos de seus colegas de imprensa. Em seu sexto

número, para exemplificar, saiu um artigo que narrava a criação de duas novas

revistas no cenário fluminense Luz e Sombra e Renascença. Ao referir-se a

Renascença, A Revista escrevia: “A distinta colega tem formato moderno e conta,

em o número de seus colaboradores; rapazes de conhecido mérito”. 211

209 O Estado e seu primeiro aniversário. Idem. Ano I, nº 11, 1920. p. 19. 210 O Estado. Idem. Ano IV, nº 38, 1922. p. 2. 211 Imprensa, novos colegas. Idem. Ano I, nº 6, 1919. p. 10.

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Os rapazes de mérito são os intelectuais que transitavam igualmente em A

Revista. Na redação de Luz e Sombra, o Dr. Murilo de Souza Soares e o Dr.

Nelson Campos; e em Renascença, os letrados: Salomão Cruz e Lacerda

Nogueira, escreviam em A Revista. A circulação desses intelectuais reitera a sua

afetividade, que para além das concepções e dos ideais, era espacialmente clara.

Uma boa parte da movimentação das letras fluminenses nesse período passava

pela nossa revista e dessa interlocução derivaram produções que pensariam uma

outra imagem para o estado fluminense.

2.6.5. Collar de Pérolas

Referimo-nos a um último lócus de sociabilidade fundamental para

compreendermos esses intelectuais fluminenses: o livro Colar de Pérolas,

acrotério212 dos poetas fluminenses. Essa obra fez uma coletânea de sonetos

reunindo somente autores fluminenses. Sua elaboração foi prometida desde

agosto de 1919, em virtude das comemorações do Centenário de Niterói. Mas sua

chegada aos leitores demorou, sendo publicado somente em 28 de outubro de

1920. No Editorial, da edição de fevereiro de A Revista, Gioconda Dolores

escreveu uma nota que justificava a demora e anunciava o breve lançamento do

livro:

“Esta nota, que não deixará de despertar interesse por parte dos que acompanham a evolução literária de nossa terra, vêm provar aos incrédulos e aos maldosos que o Acrotério dos Poetas de nossa terra será uma realidade. Já não se poderá dizer ironicamente: ‘era uma vez um colar de pérolas...’”213

A movimentação das letras fluminenses, que derivaram na criação do

livro, é entendida como uma forma de progresso e de modernidade. Colar de

Pérolas foi organizado por Armando Gonçalves, publicado pela Casa Jeronymo

Silva, com 144 sonetos de diversos poetas fluminenses. O livro era dividido em

duas partes, sendo a primeira de sonetos, e a segunda contendo biografias e

informações adicionais sobre seus autores.

212 Acrotério é um pequeno pedestal sem base para as estátuas que ficam nas frontarias. 213 Gioconda Dolores. Editorial. A Revista. Ano I, nº 10, 1920. p. 5.

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A participação de A Revista nesse projeto estava na publicidade, pois

diversas vezes comentários de lançamento, elogios e sonetos apareceram em suas

páginas. Além do mais, Colar de Pérolas se tornou um significativo espaço de

sociabilidade de A Revista, basta observarmos que muitos de seus autores haviam

colaborado de alguma maneira com o periódico. Mas essa coletânea nos é cara

devido a seu ideal, comum a nossa revista, de buscar uma nova imagem para o

estado, que o interpreta pelo progresso; de enxergar o aumento da produção

literária como um indício do que é moderno. A introdução de Colar de Pérolas,

escrita por Horácio Campos, afirma que:

“Concorrer para o engrandecimento das letras pátrias foi sempre o nosso objetivo. As obras didáticas que temos editado, os trabalhos literários, que saíram e continuamente saem de nossas oficinas, atestam plenamente a boa vontade que nos anima, quando se nos depara o ensejo de um semelhante empreendimento. Aproximando-se as festas do Centenário da Fundação de Niterói, resolvemos organizar um trabalho que tivesse um duplo aspecto: primeiro, homenagear a literatura fluminense; segundo, mostrar o quanto poderiam produzir as máquinas tipográficas que dispomos. (...) O presente trabalho patenteia de modo quase preciso o nível da intelectualidade fluminense nestes últimos tempos de propaganda francamente literária.” 214

A produção literária, representada por Colar de Pérolas, era um indicativo

da grandeza dos fluminenses, ou seja, que o estado possui uma intelectualidade

pulsante, comprometida com a criação artística. O desenvolvimento das letras, de

que fala o fragmento, passa pela educação, como um empreendimento

fundamental para se repensar o estado fluminense. Esses argumentos trazidos por

Colar de Pérolas compartilham das idéias de criação de uma nova identidade

cultural para o estado proposta por A Revista. Daí tantos letrados circulando entre

esses ambientes, por isso o livro é um espaço de convivência do periódico.

É interessante observar o momento de geração do livro. A idéia, ocorrida

após o Centenário de fundação de Niterói, fica clara na citação acima. Devemos

entender o porquê de um projeto que, segundo o texto, desejava homenagear e

mostrar o potencial da literatura fluminense, foi pensado nesse momento de festa.

O fato é que, após cem anos de criação da cidade, capital do estado, há uma volta

ao passado, uma reavaliação que se estende nas perspectivas para o

presente/futuro. Logo um momento precioso de reinventar o estado.

214 Horácio Campos. Apud Wanderlino Teixeira Leite Netto. op. cit. p. 71.

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É esse o tema que trataremos no capítulo seguinte, ao investigar e ao

compreender as festas do Centenário como um momento especial para se pensar a

identidade do estado fluminense e da nação pelo viés do moderno.

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3. Os Centenários e o espaço simbólico de identificação

com o moderno

“A intensificação do movimento literário no território fluminense é já uma grande conquista e o presságio de melhores dias do futuro. Cem anos após a nossa independência, cem anos após o dia em que se iniciou a formação de nossa nacionalidade é um lapso de tempo bastante para os mais pronunciados progressos e seria para nós um crime se permanecermos nesse indiferentismo criminoso que assinalou, algures, o retardamento de nossa evolução.”

Max Lucano.215

Voltar ao passado traz memórias e lembranças que já estão inscritas e que,

a priori, não podem ser mudadas. Mas esse exercício obriga-nos a uma avaliação

do hoje; e, se o passado não pode ser mudado, o presente e o futuro podem

redimi-lo ao oferecer novas perspectivas. A epígrafe nos remete a esse sentimento.

No momento de celebração da nação, no Centenário da Independência, anseia-se

por mostrar os progressos dessa longa duração, que antecedem melhores dias e

que contribuem para refletirmos sobre a nacionalidade que teria nascido cem anos

antes.

Nesse capítulo, pretendemos ponderar sobre os dois momentos máximos

de celebração da nacionalidade propostos em A Revista. O primeiro refere-se ao

Centenário da elevação de Niterói à condição de Vila, seus cem anos como cidade

instituída. O segundo está ligado ao Centenário da Independência, momento de

avaliação da história nacional, depois de um século, enquanto país independente.

Propomo-nos a refletir como a identidade nacional, melhor dizendo, o ideal de

uma nação moderna foi desenhado na publicação dessas duas edições especiais

dedicadas à comemoração dos respectivos centenários.

As festas para os centenários foram ocasiões especiais para a sociedade

brasileira, por meio de seus políticos, de seus intelectuais e de seus letrados em

geral, pensar a si mesma. Foram elaboradas interpretações sobre o país, sobre a

sua história, buscando uma conexão com o seu presente, ou seja, do início do

século anterior. Esse momento traçou avaliações sobre o passado para dar sentido

ao presente. O século XX vivenciava a modernidade, o paradigma do modelo

europeu foi rompido depois da guerra – quando o modelo da belle époque entrou

em decadência as nações européias estavam se reerguendo após a guerra e não

215 Max Lucano. O centenário e a mocidade Fluminense. A Revista, Ano IV, nº 50, 1922. p.73.

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eram mais um parâmetro a ser imitado – e o mundo assistia o ritmo acelerado dos

progressos tecnológicos. Tudo isso suscitava questões sobre a identidade do

estado: será que o Brasil estava à altura do nosso século? Seriam, os brasileiros,

contemporâneos ao seu tempo, ou melhor, estariam acompanhando essas

mudanças? E os fluminenses, qual a inserção do seu projeto para a releitura dos

primeiros cem anos da nação?

3.1. Os centenários e a modernidade para os fluminenses

Afinados com o manejo da pena, informados e cultos, eram os intelectuais

que encaminhavam esses questionamentos Ao adotarem para si uma identidade de

grupo de tutela intelectual, entendiam-se como uma vanguarda no caminho de

atribuir uma outra imagem à nação. A missão de interpretar a sociedade e de

reavaliar a trajetória centenária seria a oportunidade de imprimir na memória

coletiva da nação os ideais de progresso, de luta, de conquistas, de um Brasil

moderno que tem futuro ante às outras nações.

A ocasião dos Centenários, de Niterói e da pátria estimulou a avaliação das

heranças ao longo dos anos de história que então se comemorava. Ao comparar

permanências e mudanças, foram formuladas reflexões novas e restaurados

antigos olhares que construíram uma história sobre a criação da nacionalidade

brasileira. Do passado buscavam-se raízes, de maneira conciliatória, valorizando a

biografia nacional, ao deixar para trás os tempos de colônia e pensar na fundação

da pátria. Surgiram tradições e um esforço para mantê-las vivas, criaram-se

memórias para a nação.216

As edições especiais, que estamos analisando, são modelos de celebração

dessa memória. O Centenário de Niterói217 chegou às bancas na edição de agosto

de 1919, em comemoração à elevação de Niterói à categoria de Vila, no dia 11 do

mesmo mês em 1819. Enquanto número especial, seu anúncio vinha sendo feito

em edições anteriores. Comemorar a fundação da cidade permitia avaliar a sua

trajetória desde os tempos de Vila até os de capital do Estado do Rio de Janeiro,

216 Cf. Eric Hobsbawm. op. cit. 217 Para evitar a repetição de termos e tornar a leitura mais aprazível, mencionaremos em alguns momentos do texto apenas a Fundação da Cidade, que fará alusão ao Centenário de Niterói e Independência, ou momento da Independência, que irá se referir ao Centenário da Independência.

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como uma cidade moderna, exemplar a todos os municípios fluminenses. Além de

realizar propostas de consolidação da modernidade no estado.

Se estamos considerando o início do século como um período de fomento

à novas propostas para a pátria, as revistas e os jornais seriam um excelente

veículo de difusão dessas intenções. A comunicação com o leitor permitira a

transmissão de idéias para recriação do país. Além de considerarmos que os

editorais e as redações desses periódicos estavam preenchidos por uma

intelectualidade pujante, preocupada em ensinar a receita da modernidade para o

Brasil.

Comemorações coletivas, como a que estudamos, não apenas enaltecem os

fatos da “história oficial”, ao relembrar as grandes narrativas da história do país,

seus heróis e grandes feitos; mas, revelam, antes, um caráter institucional e

pedagógico. Marly Motta, ao citar Mona Ozouf, e sua interpretação sobre as festas

da Revolução Francesa, suscita um olhar para essas comemorações como se as

mesmas fossem a “professora da nação”. Professora porque essas festividades

seriam especialmente oportunas, uma vez que há a reinterpretação do passado e a

projeção de um futuro, para decantar na memória coletiva um ideal de

modernidade. 218 Mitos e símbolos são exaltados como artifícios e “lugares de

memória” fundamentais para a construção de uma nacionalidade no imaginário da

população.

Reconstruir a nação significava atribuir-lhe lugares de identificação. Ou

seja, criar uma memória que estivesse ligada à República e não aos primórdios

coloniais ou à Monarquia e à idéia de um Imperador português que fez a

independência. Para fazer as pazes com a História era preciso lugares onde o

simbolismo nacional fosse republicano; o “7 de setembro” seria um lugar de

identificação essencial nessa tarefa. Afetivo, pois conclamava o civismo de cada

brasileiro; guardião da história da nação, portanto um lugar de memória; e

associado às paradas militares e às festividades das comemorações; nesse sentido,

o centenário é lugar de história, de cristalização da lembrança e de sua

ramificação.219

218 Marly Silva da Motta. 1922: em busca da cabeça do Brasil moderno. Rio de Janeiro: CPDOC, 1994. 8f. p. 2. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm Acesso em: 15 jan. 2008.

219 Pierre Nora. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história. PUC-SP: São Paulo, nº 10, 1993. p. 22. Sobre a discussão memória e história e suas disputas ver também: Alessandro Portelli. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944): mito,

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Ao refletir sobre o passado com o intuito de sacralizá-lo, a República

também foi criticada. Recém criada, mas já em crise, os intelectuais

demonstraram o seu desencanto republicano. Os ideais fundadores do regime

cederam lugar ao aparato político e corrupto das oligarquias que se perpetuavam

no poder. Motta analisa:

“Forçando uma reflexão sobre o passado, a comemoração do Centenário desencadeou o desejo de buscar o tempo perdido, provocou a sensação de que se perdera uma “Idade de Ouro” que era preciso restaurar.”220

Os homens de letras desejosos em participar da República, contribuíam

para o questionamento desse modelo político. Restaurar a República para restaurar

o país. O modernismo, com seus projetos de progresso e de reconstrução da

nação, contemplou essas queixas ao procurar inserir o Brasil nos paradigmas

modernos. E os fluminenses, também desejosos de resgatar a sua “Idade de Ouro”

perdida, enquanto Província, quando tinham prestígio na política, identificaram-se

com as idéias modernizadoras. O lema de regeneração, de uma nova leitura da

história, poderia reacender a relevância do estado no quadro federativo.

Por isso, o exercício comparativo entre os dois centenários torna-se ainda

mais interessante. Trabalhar nos dois âmbitos, pensar a cidade de Niterói, a

capital – como termômetro do desenvolvimento e da modernidade do estado –

fluminense e a nação, deitando os olhos sobre as festas centenárias. O Centenário

da Independência foi intensamente comemorado por A Revista. Para criar uma

memória sobre a atuação dos fluminenses nesses cem anos, produziram uma

edição especial, que foi publicada em 12 de outubro de 1922 – mais de um mês

depois da data oficial do evento. O pedido de desculpas que integra essa edição é

justificado pelo argumento da importância do evento e de como o periódico

deveria se preparar para divulgá-lo. Segundo seus editores por motivos

involuntários, não conseguiram fazer com que o número especial chegasse ao

público com pontualidade, porém os leitores os perdoariam.221

Na presente edição, os fluminenses colocavam-se, perante aos outros

estados da federação como sendo de fundamental importância na fundação da

política, luto e senso comum. In: Marieta de Moraes Ferreira; Janaína Amado (orgs). Usos e

abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998. 220 Marly Motta (1992). op.cit. p. 25 221 A Revista e o número do centenário. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 14.

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nacionalidade durante esses cem anos de história. Repetiam esse discurso ao

construir uma afirmação nacional, narrando a pátria como uma unidade coesa,

fomentando o sentimento cívico. Na verdade, essas duas faces misturam-se e

aparecem nos dois números que analisaremos. O caminho utilizado para a

reconstrução da nação e do estado tem como interseção a modernidade, pensada a

partir dos ideais de progresso, de industrialização, de educação, de saúde e de

política. É como se esses dois exemplares fossem a exacerbação da temática de A

Revista. Com o auxílio da história, o discurso sobre o moderno fica ainda mais

claro, no texto, nas seções, nas fotografias, nas formas desse projeto.

3.2. A propaganda e o visual moderno

Os números referentes aos centenários são tão significativos aos mentores

de A Revista, que havia uma preparação prévia de seus leitores. Suas edições

tiveram propaganda, em números anteriores, anunciando a sua chegada às

bancas.222 Certamente, eram temas relevantes: tratavam das comemorações para o

estado e para a nação. Mas há que se pensar no projeto modernista de seus

intelectuais. Uma edição especial, não só vendia mais, mas era oportuna para

reafirmar as indicações da modernização e do progresso, determinando a

identidade fluminense.

Ao considerar que A Revista foi criada em maio de 1919, e que já em seu

segundo exemplar já havia propaganda dedicando um “crédito especial para os

trabalhos do centenário da cidade que se aproxima”223, percebemos a importância

desse projeto para os seus letrados. Se refletirmos sobre o tempo de preparação de

um número podemos conjecturar que o periódico já foi lançado pensando nas

comemorações do centenário de Niterói.

Situação semelhante ocorreu nos preparativos para as festas da

nacionalidade. Em 1922, A Revista já estava mais consolidada, não só entre seu

público leitor, mas entre seus redatores. Houve mais tempo de preparação e de

diagramação de idéias, afinal a revista dedicada ao centenário da independência

foi a maior publicação entre todos os números do periódico. Seu anúncio vinha

sendo feito desde a edição de abril de 1922, os reclames em página inteira

222 Ver anexo 08. 223 O Centenário. A Revista. Ano I, nº 2, 1919. p. 46.

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narravam que o número teria “duzentas e muitas páginas impressas, além de

primorosas ilustrações”224. Pequenas notas, como se fossem artigos, saíam com a

intenção de divulgar o número especial.

“Sentindo com todo o fervor patriótico o alto alcance do grande feito que sagrou a nossa Independência e quiçá deu origem a formação de nossa maioridade, resolvemos dar no dia sete de setembro de mil novecentos e vinte dois o número do centenário. Será um acontecimento nunca visto no periodismo fluminense, principalmente na época atual em que a dificuldade material suplanta os ideais progressistas.”225

Observamos a importância dos preparativos para as festas. Pois, se esses

exemplares seriam veículos para decantar os ideais progressistas, leia-se

modernizantes, em seu público leitor, então buscava-se uma outra representação

para o Estado do Rio. Na citação acima, nossos intelectuais fornecem-nos os

indícios de como realizar essa tarefa, de atingir a população, oferecendo-lhes uma

outra narrativa: a fotográfica.

O formato como se apresentou o periódico nos números centenários reflete

o seu discurso modernizador. Não houve mudanças estruturais, todavia teve um

capricho e uma dedicação à estética. Em ambos os números, a revista estava

especialmente colorida. Os artigos eram impressos em páginas monocromáticas,

que se alternavam a cada folha – impressa toda em verde, magenta, amarelo ou

azul – inclusive alguns anúncios saíram coloridos. As edições também eram

maiores, possuíam um número mais vultoso de páginas – na edição de

Independência foram 225 páginas!

Ao observarmos a linguagem fotográfica entendemos o porquê do termo

“revista ilustrada” para definir o nosso periódico. Muitos instantâneos

preencheram suas páginas. As fotos ilustravam as mudanças da cidade,

mostravam o antes e o depois do estado, desvendando seus encantos naturais e,

principalmente, expondo o seu crescimento. A ênfase dada na urbanização

aparecia como o sinônimo do moderno. Essa necessidade de provar a

modernização em fotografias fazia parte da interpretação moderna que o periódico

dava ao estado fluminense.

224 O Centenário e A Revista. A Revista. Ano IV, nº 43, 1922. p. 138. 225 Idem, ibidem.

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Segundo Marlice Azevedo, a urbanização em Niterói intensificou-se muito

na Primeira República, as reformas de Pereira Passos, no Distrito Federal,

inspiraram outros governantes226:

“Expandir, embelezar, construir, sanear, constituíam o lema de qualquer programa governamental que se instalasse nesse quadro de carências provocados pela passagem de uma estrutura semi-rural em urbana que devia ser respaldado pelo conhecimento dos princípios do modernismo urbano.”227

As fotografias emolduravam esse processo em cenas. Transformava o

urbanismo em modernidade. Ao enquadrar imagem no ato do instantâneo, o

fotógrafo também enquadrava a perspectiva do seu leitor. Para atender o ritmo

vertiginoso da modernidade, a narrativa fotográfica condensa em uma imagem

uma multiplicidade de sentidos. Por retratar a realidade, não significa que é

imparcial. Os ângulos, as legendas, os enquadramentos expressavam um ponto de

vista, um discurso. Zita Possamai realça que o espaço que a fotografia conquistou,

no início do século XX, deve-se à suposta fidelidade ao real e a sua narrativa

imagética.

A modernidade assistiu ao desaparecimento desses antigos laços com lugares e com práticas cuja significação era dada através das narrativas.(...) As imagens visuais, em especial as fotografias, também se revelaram como forma de dar a ver o mundo e as coisas, na perspectiva da plausibilidade exigida pela informação. A imagem fotográfica, nesse sentido, passou a ser considerada, na modernidade, um suporte por excelência da informação confiável a ser transmitida ao receptor, transformando-o de ouvinte/interlocutor em leitor visual. A imagem fotográfica, pelas características técnicas do fazer fotográfico, supostamente viria a fornecer um registro fiel dos acontecimentos, enquanto a narrativa abriria espaço para a interpretação, pretensamente banida das novas formas tecnológicas de representação da realidade.228 (grifo original)

Assim era A Revista nos números centenários, ansiosa por “dar a ver” o

seu mundo pelo ângulo do moderno. Nas páginas que tratavam dos cem anos da

fundação da cidade, por exemplo, foi elaborado uma montagem de quatro fotos,

todas em tom de sépia, trazendo o título: “Ex-Vila Real da Praia Grande” 229. Ao

226 Ver anexo 09. 227 Marlice Nazareth Soares de Azevedo. Niterói Urbano: a construção do espaço da cidade. In: Ismênia de Lima Martins; Paulo Knauss (Orgs). op. cit. p. 43. 228 Zita Rosane Possamai. Narrativas fotográficas sobre a cidade. Rev. Bras. Hist. , São Paulo, v. 27, n. 53, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php> Acesso em: 07 fev. 2008. p. 58. 229 Ex- Vila Real da Praia Grande.A Revista. Ano I, nº. 4, 1919. p. 9.

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exibir antigos prédios e pontes niteroienses, a fotografia recuperava a memória da

cidade, mas havia um reforço em afirmar que aquelas imagens estavam no

passado – a escolha da cor sépia transmite a idéia de uma foto antiga. Além disso,

três das fotos da montagem, traziam os seguintes subtítulos: “A antiga Ponte

Ferry de Niterói”; “A antiga ponte de São Domingos”; “Um aspecto da Viação

antiga” (grifos meus). A “Ex” Vila era, naquele momento, uma cidade

modernizada. Páginas à frente, duas outras fotografias expõem outro aspecto da

cidade. Uma foto mostra uma rua calçada, tracejada por trilhos de bonde, coretos

e ao fundo um prédio grande e novo. A legenda explica que aquele é o prédio

onde estão funcionando as exposições de comemoração da centenária Niterói. Na

folha ao lado, o destaque era para a Rua da Conceição, no centro da cidade,

próximo à exposição. Visualizamos uma rua urbanizada com um longo corredor

de fachadas comerciais, transeuntes e adereços enfeitando a entrada da rua. 230

Na revista que homenageia o centenário da independência, a tônica da

cidade moderna continua sendo perpetuada. O contexto de reavaliação da nação

traçou diagnósticos para a República, corrompida pelas oligarquias e que estava

em crise. Margarida de Souza Neves e Alda Heizer, ao estudarem a instauração da

ordem republicana e o papel das reformas urbanas na capital, Rio de Janeiro,

afirmam que,

“Transformar a cidade inteira numa espécie de cartão-postal da era moderna que a República pretendia trazer para o país era fazer da própria cidade, reformada em seu traçado urbanístico, na distribuição de habitantes231 e em seus costumes, um documento da nova ordem, a capital do progresso.”232 (grifos originais)

230 As festas do centenário. Idem. p. 56 e 57 231

Em Niterói, o movimento de modernização começou ainda no fim do século XIX, com o planejamento urbanístico de Icaraí. Pensado com arruamento perpendicular ao mar, formava o desenho de um tabuleiro de xadrez. Fotos da praia de Icaraí e da pedra de Itapuca apareciam como expoente de uma cidade em crescimento, no interior do periódico sobre o centenário da cidade. Sendo uma fotografia similar que compõe a capa da edição de Independência: o cenário de Icaraí ao lado de um ramo de lírios (ver anexo 06). Essa modernização acabou refletindo na distribuição de seus moradores.. A zona norte que se expandia pelo Barreto em direção a São Gonçalo, era industrial, com grande população operária. No Centro e no Fonseca, estava a população de média e alta renda, pela proximidade com o distrito federal, transportes, colégios, por isso eram abundantes casas amplas e palacetes, chalés e casas de aluguel. A zona sul, tendo Icaraí como principal expoente, era local de veraneio e ocupação sazonal. Cf. Marlice Azevedo. op. cit. 232Alda Heizer; Margarida de Souza Neves. A ordem é progresso: o Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual, 1991. p. 56.

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O discurso de modernização estava ligado à própria idéia de República. E

se tarefa urgente para os intelectuais era redefinir a nação, voltando às primeiras

intenções republicanas; os fluminenses encontraram o ordenamento para o

progresso, para delinear a sua identidade, igualmente, através da urbanização da

sua capital. Por essa razão, que no número do centenário da nacionalidade,

recorreu-se à afirmação da cidade moderna pela linguagem fotográfica.

Em página inteira, no formato paisagem, foi publicada uma fotografia que

parece até ser aérea, pela perspectiva que oferece, de Niterói. A sua legenda já a

descreve:

“Uma pérola de Niterói – Vista parcial dos terrenos situados entre a Praça D. Pedro e a rua Dr. Celestino e Marques de Paraná, pertencentes a Companhia de Terras. Ao centro vê-se um grupo de 20 palacetes de estilo moderno.”233

Mais um exemplo da narrativa da modernidade é a reportagem sobre os

municípios do Estado do Rio. As fotos ilustrativas mostravam o material urbano

de cada município da região fluminense, ao pretender indicar ao seu leitor que o

efeito do moderno estendia-se por todo o estado. Quando se escreveu sobre

Lumiar, a imagem exposta era da construção de uma ponte, o título anunciava

“Obras gigantescas do E. Rio”234. No município de São João Marcos, uma

seqüência de duas fotos revelando trabalhadores na construção de uma estrada,

realçada na legenda que era para automóveis, para ligar o município à Passa

Três.235 E as imagens prosseguiam com vistas parciais dos municípios, câmaras

municipais, ruas calçadas e casarões.

Niterói recebeu destaque nessa reportagem, justamente por ser a capital.

Um instantâneo impressionante – pela sua beleza, nitidez e ângulo – foi publicado

com uma vista panorâmica da cidade, que exibia diversos prédios, construções e a

estação das barcas, com uma parte da baía de Guanabara. Mostrava o traço urbano

e em crescimento da cidade. Sua impressão foi em página dupla, estendida para

oferecer amplitude a imagem. O título trazia “Niterói “a vol d’oiseau””, ou seja,

Niterói pelo vôo dos pássaros.236

233Uma pérola de Niterói. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 130. 234Caderno Municípios do Estado do Rio de Janeiro. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 168. 235 Idem, ibidem. p. 175. 236 Idem, ibidem. p. 178. Ver anexo 07.

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A fotografia e o apelo visual foram muito intensos, não só para pensar a

cidade, mas para lembrar a história e produzir memórias sobre a identidade

cultural do estado. Um estilo de montagem, com várias fotografias, marcou as

edições dos centenários. Adornadas com vinhetas e com molduras, essas imagens

produziam uma leitura dinâmica sobre os temas que abordavam. Ao reunir

diversos instantâneos em uma mesma página, que compartilhavam de um eixo em

comum, permitia ao leitor uma narrativa rápida e precisa do que se estava

comunicando.

Esses retratos ocupavam sempre uma página inteira de destaque. Por vezes

funcionavam como se fossem uma retrospectiva histórica ou um panorama de

arte. Todavia o destaque dessas montagens foram para as biografias, para expor os

homens e mulheres que construíram a história, entre eles, os intelectuais. Nos

festejos da nação, os temas apresentados nas montagens foram: “Homens

Ilustres”, “Expoentes Intelectuais”, “Vultos da Grande Guerra”, “Homens

Célebres nas Letras”, todos pensadores renomados, brasileiros ou não. A

diversidade era destacada, figuras desde D. Pedro II até Balzac saíram nos

fotogramas.

Mas o ponto em questão é que, depois do fino trato das imagens, de

estabelecer um elo com personalidades intelectuais do mundo, além de homens

importantes para a história do Brasil, chegava-se aos fluminenses. Dividindo a

edição com essas imagens, observamos outras montagens como “Parnaso

Fluminense”237, mostrando parte da comunidade de poetas do estado, ou ainda “A

Revista no Interior”, expondo homens importantes dos municípios do interior

fluminense.238 Inserir os fluminenses na história entre o grupo de grandes homens

ou letrados é parte do movimento de rever a identidade cultural do estado, de

equipará-lo com os paradigmas da modernidade.

3.3. A história e o moderno, narrativas comparadas

A questão histórica teve especial destaque nas edições dos centenários. A

revolução do moderno aconteceu no século XX, o que era apenas interrogações e

reflexões sobre o entorno da sociedade, sobre as rápidas mudanças, concretizou-se

237 Ver anexo 10. 238 A Revista no interior. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922, p. 49 a 56.

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na economia, na política, na vida cotidiana e na mentalidade da população. 239 O

problema do moderno foi posto paralelamente ao da identidade nacional, então,

como pensar uma nação nesse momento?

Por isso, Marly Motta argumenta que as comemorações dos cem anos da

autonomia política brasileira seria um momento chave para rever a nação.

Momento de festa, de relembrar as datas nacionais e os grandes feitos dos heróis

brasileiros, e uma ocasião para criar tradições e para construir memórias, assim

como para equilibrar a tradição com a modernidade.240 Logo, a volta ao passado,

recorrer à história, é um paradoxo, ou melhor, uma ambigüidade necessária ao

moderno. Pois, ao buscar o novo, volta-se ao tempo que já passou. O antigo é

recusado, mas a modernidade tem de conciliar-se com a história, que olha a

tradição, para afirmar seus conceitos de progresso.

Foi o que aconteceu, emblematicamente, no Centenário da Independência.

Voltar às origens, significava lembrar do período colonial e da exploração de

nossa terra; além de recordar que o 7 de setembro estava ligado com a Monarquia.

E a República? Em crise com seus valores, precisava ser regenerada. O

diagnóstico da nação não era muito positivo, a pauta da hora era revê-la pelo olhar

do moderno, de inseri-la na revolução do moderno ocorrida no século XX.

A valorização da história nacional trouxe uma outra perspectiva de

interpretação sobre os cem anos do país autônomo. A colonização tornou-se

sinônimo da miscigenação e da riqueza cultural dos tempos iniciais da nossa

formação, e por isso foi valorizada. E o ápice da nacionalidade, o momento da

independência, foi paulatinamente desligado da imagem do monarca português.

Motta constrói o caminho que os militares fizeram para tornar a festa mais

importante da pátria, ao conectar-se com a realidade republicana. Depois de

tentar, em vão, a substituição do 7 de setembro pelo 15 de novembro, os

republicanos se reconciliariam com história inventando a tradição das paradas

militares. Ao celebrar a nacionalidade com um rito tipicamente dos militares

(esses que foram os fundadores da República), pouco a pouco a data nacional foi

identificando-se com o regime republicano. 241

239 Jacques Le Goff. op. cit. p. 190-192. 240 Marly Motta (1992). op. cit. 241 Idem. p. 13-20.

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A valorização da história e a interpretação progressista sobre os seus fatos

são características que saltam aos olhos nas edições especiais dos centenários.

Procurava-se, à semelhança do que os intelectuais estavam sugerindo a nação, a

proporcionalidade fluminense entre a tradição, buscando as suas origens, e a

modernização, com um outro olhar sobre as perspectivas do estado. Nos dois

números que estudamos, o eixo de condução do moderno – seja ele atingido pela

urbanização, pela educação, ou pelo industrialismo – dialogava com a história,

delineando projeções para o futuro.

No editorial da revista do centenário de 1922, Gioconda Dolores, escreve

uma crônica poética “Sete de setembro breves palavras”242. Descreve a pátria

como uma família, formada por todos os brasileiros. Salienta a mistura das três

raças e recorda a bravura dos “irmãos portugueses”. O que desperta interesse no

artigo da autora é a lógica de evolução histórica que ela cria. O 7 de setembro, o

13 de maio e o 15 de novembro seriam momentos chaves para a construção da

pátria. Contudo, ao relatar a emancipação política estabelece um paralelo direto

entre o 7 setembro e a Inconfidência Mineira. As marcas das idéias libertárias da

inconfidência vieram a se consolidar na independência. Em nenhum momento, o

grito do Ypiranga ou D. Pedro I foram mencionados.

Uma outra memória é pensada para a fundação da nacionalidade, a

identificação com a monarquia é subtraída para dar destaque à República. Ao fim

do texto uma ilustração de página inteira, chamada “A fundação da pátria

brasileira”, apresentava José Bonifácio, as três raças, que conformaram a nação, e

D. Pedro I. Entretanto, na legenda, a presença desse último é ignorada, trazia

apenas a seguinte mensagem: “José Bonifácio constituindo a Nacionalidade com o

concurso das três raças”243.

Páginas mais adiante, o ideal republicano é relembrado sob a imagem do

Marechal Floriano Peixoto. De acordo com autor, um dos tipos políticos mais

curiosos ao historiador futuro. Sua peculiaridade reside no fato de que,

dificilmente, haverá um homem de que se tenha falado tão bem e tão mal,

concomitantemente. Alcindo Guanabara atesta que esse é um traço da sua não

vulgaridade. E que apesar das críticas, “o fato é que o marechal Floriano não

242 Gioconda Dolores. Editorial. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 1-14. 243 Idem, ibidem. p. 7. Ver anexo 11.

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obedece, não sente e não se guia por mais forte intenção se não essa de manter,

defender e sustentar a República”244.

A comemoração do centenário colocou a República em cena, ofuscando ao

máximo o papel da monarquia na construção da nossa identidade. Por mais que

fosse um momento de crise ao ordenamento republicano, não cabia desconstruí-lo,

a solução era reorganizar o regime para restaurar a nação. A história da pátria

suscitou interpretações variadas, biografias diversas, mas, certamente, obrigou a

intelectualidade a buscar as raízes nacionais.

Na ocasião de festejar a cidade, a história foi, igualmente, argumento-

chave. No artigo: “O Centenário de Niterói, um pouco de história”245, foram

narradas as lutas e a história da cidade, imortalizadas na figura do índio Araribóia

(Martim Afonso de Souza), e de como as suas conquistas contra a invasão

francesa fez com que Mem de Sá lhe concedesse a sesmaria da Vila Real da Praia

Grande. Foi traçado um caminho da elevação da ex-Vila Real da Praia Grande à

Vila, em 1819, recebendo o status de cidade, e mais tarde capital do Estado do

Rio. O artigo faz um balanço de como Niterói tornou-se a capital, relacionando o

tempo passado com o seu presente. Ilustrações de Araribóia e de José Clemente

Pereira, 1º Juiz de Fora, acompanhavam o artigo, a impressão das imagens

passavam a idéia de um retrato antigo.

Resgatar a figura do Araribóia era particularmente interessante nesse

momento, pois foi o fundador daquela que viria ser Niterói, e que se queria uma

cidade moderna. Ao ressaltar o histórico de lutas e de conquistas da cidade, do

mito de herói, associa-se a identidade do povo fluminense como aguerrido, audaz.

E se no passado haviam conquistado tanto, o que se podia esperar do presente e do

futuro era fabuloso. No número da Independência, a retórica continua a mesma, se

é que mais sobressaltada. Já que a tentativa de dar destaque ao papel do Estado do

Rio de Janeiro ante à história da nação é uma tarefa imperativa, mais difícil,

porém necessária para demonstrar o valor dos fluminenses.

Em “Os precursores”, Osório Duque Estrada246 questiona o papel de José

Bonifácio, patriarca da Independência, no processo de emancipação. Enfatiza que

244 Alcindo Guanabara. O marechal Floriano. Idem. p. 46. 245 O Centenário de Niterói, um pouco de história. A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p. 13. 246 Osório Duque Estrada é o autor da letra do Hino Nacional. Seu poema de 1909, em versos decassílabos, foi oficializado como letra do Hino Nacional Brasileiro por meio do Decreto nº

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a independência não foi obra de um só momento, nem de um só homem, como

afirmava os falsificadores da história, antes foi possível pelo consenso coletivo

que contou com a colaboração de todos os brasileiros. Como fundadores da

nacionalidade brasileira, destacava Osório, “acima de Dom Pedro I e José

Bonifácio estão Joaquim Gonçalves Lêdo, Hyppolito José da Costa e José

Clemente Pereira” 247. Ênfase especial era corroborada nas ações do fluminense

Gonçalves Lêdo, por sua participação na maçonaria, atuante no “Dia do Fico” e

no processo de emancipação.

Para complementar seu argumento, o autor cita um discurso ao parlamento

de José Clemente Pereira, em 1841, então Ministro da Guerra, que aqui reproduzo

um fragmento:

“A mim me parece que, na cooperação, para a Independência, a glória é igual para todas as Províncias; mas se é necessário que alguma tenha prioridade, há de permitir-me o nobre deputado248 que o conteste e ‘que diga que ela pertence aos Fluminenses’ ”. 249

O artigo é emblemático para refletirmos a afirmação da identidade cultural

fluminense na história da nação. Os números dos centenários estavam circulando

por todo o estado e cada leitor ao receber a mensagem, e talvez passá-la adiante

com algumas pessoas próximas, estaria percebendo a relevância de sua terra para a

constituição da nacionalidade brasileira. A missão dos intelectuais, de remodelar a

identidade do Estado do Rio, estava sendo completada.

A marca peremptória na escrita de A Revista realça, além do movimento do

início do século passado de revisão dos valores pelo filtro modernista, um desejo

de se aproximar do Distrito Federal, centro pujante do país. Segundo Ferreira,

“À visão depreciativa dos cariocas sobre os fluminenses somava-se, a visão dos fluminenses sobre si mesmos, especialmente os de Niterói, marcada por um enorme complexo de inferioridade frente ao grande centro cultural, político e econômico que era o Rio de Janeiro.”250

15.671, do presidente Epitácio Pessoa, em 6 de setembro de 1922, véspera do Centenário da Independência. 247 Osório Duque Estrada. Os Precursores. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 36-44. 248 O Ministro refere-se a um outro deputado (Antônio Carlos) que defendia a preponderância de São Paulo no processo de Independência. 249 Osório Duque Estrada. op. cit.. p. 38. 250 Marieta de Moraes Ferreira. Niterói Poder: a cidade como centro político. In: Martins, Ismênia de Lima; Knauss, Paulo (Orgs). op. cit. p. 80.

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Para a autora, a influência que a capital do país exerce sobre o estado é

demolidora, não lhe permitindo uma personalidade própria. A partir do momento

que os fluminenses exercem uma liderança ou alguma influência da história da

nação, seu status quo se modifica, sua representatividade na federação é avivada. O

trabalho dos homens de letras do nosso periódico é pedagógico, pois ensina a

história do ponto de vista dos fluminenses, delegando-lhes uma maior participação

nos fatos, outorgando-lhes a personalidade de um estado promissor.

3.4. Festa e sociabilidade, celebrar era preciso

As comemorações a tudo que representava o centenário foram

intensamente divulgadas na revista. As noções de nacionalismo e de civismo

foram rejuvenescidas e os centenários foram incorporados às festas da pátria. Ao

decorrer das comemorações, os laços de sociabilidade intelectual foram se

desenhando. A dinâmica do mundo das letras também festejava a criação da nossa

autonomia, sendo um instante caro para a análise das idéias desse grupo para a

nação.

Na seção Vida Elegante, do centenário niteroiense, agosto era bradado

como o mês das festas do centenário. “Tivemos, na verdade, nessas festas todas,

oportunidade para vermos Niterói sair dos seus pacatos hábitos sossegados e,

numa pletora de risos e alacridade, esquecer-se da nossa costumeira pacatez.” 251

O ânimo para as festas modificou o ritmo da cidade. Uma exposição em

homenagem ao centenário foi montada no centro da cidade, local da festa. O

artigo “As diversões populares”252 descrevia os carrosséis e os trenzinhos elétricos

que foram montados na praça Martim Afonso.

A outra edição especial, sobre a Independência, preocupou-se primeiro

com a dimensão histórica de exaltação da nação. Os anúncios e as repercussões

das festas foram descritos posteriormente. No número lançado em novembro de

1922, as repercussões da festa puderam ser avaliadas. O título “Cidade Luz”

definia a cidade do Rio de Janeiro no momento da festa. Duas páginas inteiras

exibiam o projeto de iluminação e seu efeito na cidade. Em seguida, uma nota

251 Vida Elegante. A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p.10. 252 As diversões populares. Idem. p. 23. Este artigo também anunciava a empresa Paschoal Segreto que montou estes equipamentos e “animou os festejos” do evento.

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“Exposição” completava a descrição da festa, traçando os principais pontos da

exposição internacional organizada para o evento.253

A festividade do centenário é única, pois permite a análise de circulação de

idéias entre os ambientes intelectuais fluminenses. As descrições de como

ocorreram as comemorações, o sucesso do empreendimento reflete êxito da

proposta de reconstrução do cenário estadual. Dessa maneira, o que foi publicado

em outros periódicos fluminenses, sobre a festa ou sobre os números especiais dos

centenários foram publicados em A Revista, revelando sociabilidades.

A matéria chamada “As festas do Centenário”, no número da fundação

niteroiense, narra como alguns periódicos da época retrataram as festas.

Percebemos como as sociabilidades dos nossos intelectuais são realçadas, nesse

artigo, ao destacar o movimento das letras fluminenses: “O movimento de

imprensa, pois, esteve a altura dos esforços do povo fluminense que provou,

exuberantemente, do quanto é capaz quando animado por uma vontade forte.”254.

Os periódicos citados fazem parte da ambiência intelectual de A Revista, pois seu

grupo, de alguma forma, participava das redações ou circulava com idéias entre

esses diários. São eles: O Fluminense, O Momento, A Gazeta, O Niterói, O

Estado, O Collar de Pérolas. Os dois últimos receberam dedicada atenção, por

representar “incontestavelmente a imprensa progressista de Niterói”, e por “ser a

última publicação a sair do prelo em homenagem a fundação da cidade de

Niterói”, respectivamente.255 Mas uma outra explicação possível, seria a grande

quantidade de letrados em comum nesses espaços.256

O livro Collar de Pérolas257, acrotério dos poetas fluminenses, foi

pensando por ocasião das festas. Como já mencionamos no outro capítulo, a obra

foi organizada pelo redator-chefe de A Revista, Armando Gonçalves, e reunia

vários membros da sociabilidade do periódico e da Academia Fluminense de

Letras. Seu simbolismo, destacando os principais letrados da terra, começava pelo

nome: acrotério é um pequeno pedestal sem base, que suporta vasos, figuras ou

253 Ver A cidade luz. A Revista. Ano IV, nº 54, 1922. p. 36-38. 254 As festas do centenário. Idem. Ano I, nº 4, 1919. p.9. 255 Idem, ibidem. 256 Para maiores detalhes sobre a dinâmica da sociabilidade intelectual de A Revista ver o capítulo 2 da presente dissertação. 257 Ver anexo 14.

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outros ornamentos.258 Ora, existia momento mais oportuno? As festas centenárias

foram um momento ímpar de se aclamar a história e regenerar a identidade

fluminense. O acrotério é a representação daquilo que o Estado do Rio queria

voltar a ser ante a nação.

O diálogo com a sociabilidade intelectual, além de produzir resultados

literários, como o Collar de Pérolas, gerava um diálogo com a produção periódica

fluminense. Essa troca extrapolou às festas dos centenários e fez parte da

dinâmica de A Revista. Nos números de aniversários da mesma, quaisquer edições

especiais, no lançamento de novas revistas ou na narrativa de algum grande fato, a

escrita de outras redações era consultada, através da seção Palavras que nos

estimulam. Os contornos de uma sociabilidade intelectual vão se definindo na

medida em que os periódicos citados são sempre os mesmos. Para ilustrar, temos

no número do centenário da cidade uma outra nota que nos indica a circulação de

idéias. A seção “Imprensa” relata a visita de colegas de outros periódicos à

tipografia de A Revista.

A atmosfera festiva estava intensa. Nossos intelectuais dialogavam com o

periodismo fluminense e comemoravam com os leitores; então quem faltava

saudar? No anseio de ampliar o raio de alcance das informações veiculadas, A

Revista publicou uma seção noticiosa e comemorativa dos cem anos da cidade em

francês. As notícias sobre o centenário almejavam criar uma idéia de progresso e

um sentimento de identidade na população. Para tanto, os estrangeiros aqui

radicados não podiam ficar alheios. A Section Extrangère trazia comentários

sobre “Le Centenaire”259, além de informações sobre a atualidade dos fatos.

“Telégrames” era uma parte dentro da seção, que apresentava notícias rápidas do

Brasil e do mundo – como a posse do presidente Epitácio Pessoa, os

acontecimentos em Lisboa, ou os acordos da Áustria. Assinada por Pierre Parleur,

provavelmente um pseudônimo, uma vez que jamais figurou nos quadros de

colaboradores; trazia, também, provérbios e literatura traduzida para o francês.260

258

Acrotério. In: Dicionário da língua portuguesa Lisboa: Priberam Informática, 1998. Disponível em: http://www.priberam.pt/dlDLPO. Acesso em: 10 maio 2008. 259 Pierre Parleur. Section Extrangère. A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p. 18 e 19. 260 Um ponto a se observar é a proximidade de A Revista com a língua francesa, uma característica ainda da belle époque. Todavia, a Section Extrangère, só circulou até no primeiro ano do periódico, momento em que o percebe-se uma nítida transição para os valores do modelo americano. A seção Telas e Ribaltas que publicava comentários sobre o cinema, artes e teatro, passa a noticiar intensamente o cinema americano, fotos de artistas internacionais saem na capa da seção. Além de artigos, publicados ao longo do periódico, como “Um brasileiro recebe elogios

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Section Extrangère não foi uma inovação pensada por causa das festas

centenárias. Sua circulação ocorreu durante todo o primeiro ano de A Revista (de

maio 1919 a abril de 1920). Escrita em francês, proporcionava uma aspecto

internacional ao periódico, no sentido de também trazer notícias do mundo aos

leitores fluminenses. Além de interagir com imigrantes, ainda garantia a prática de

outro idioma, uma vez que publicava trechos de obras literárias brasileiras

amplamente conhecidas em francês, assim como ditados populares e notas de

sabedoria do senso comum.

Um dos aspectos, que se revela nessa seção, era a preocupação patente

com a imagem da nação no estrangeiro. A nacionalidade, que procurava ser

arraigada no imaginário coletivo, passava por fazer a população ter uma

identidade nacional positiva e, quando possível, divulgá-la no exterior. O

nacionalismo era uma espécie de via de mão dupla, que regenerava a nação ao

mesmo tempo em que repensava a identidade fluminense. Esse eixo temático

refletiu-se em todo o periódico. E podemos ilustrá-lo com o artigo: “Nós no

Estrangeiro”, de Carvalho França, publicado no número que antecede ao

centenário de Niterói. O autor reclamava dos comentários feitos por periódicos

estrangeiros sobre a nossa pátria, por isso chamava os brasileiros à tarefa

nacionalista de divulgá-la.

“É, porém, um apelo patriótico de um brasileiro, de um neo iniciado na vida da imprensa. Torna-se mister, reajamos contra uma situação que nos deprime, e, já que nos enchemos de justo orgulho pelos triunfos obtidos nas pugnas desportivas ultimamente realizadas, de ardor patriótico pela chegada de uma parcela de nossa frota de guerra, areolada de glória, e que tão alto soube erguer o nome de seu país, aproveitemos o ensejo. Façamos propaganda intensa de nossa terra: tornemo-la bem conhecida, porquanto cada um de nós tem esse sagrado dever. Á obra, pois!” 261

Fazer de A Revista um veículo para divulgar o nacionalismo era uma

maneira de situar os fluminenses na nacionalidade. As festividades dos centenários

permitiriam um discurso ainda mais tenaz. Se era um dever propagandear a nação,

o mesmo aplicava-se ao Estado do Rio. Para a intelectualidade do nosso periódico,

numa Universidade dos Estados Unidos” (edição de dezembro 1919), “Films”, “Charles Chaplin”(ambos no número 3, de Telas e Ribaltas) representam essa mudança pós- Grande Guerra. 261 Carvalho França. Nós no Estrangeiro. A Revista. Ano I, nº 3, 1919. p. 8.

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o diálogo entre essas duas esferas acontecia ao se construir uma identidade

indelével, que festejava o progresso e as conquistas da modernidade.

3.5. O progresso nos cem anos de história

A idéia de progresso para A Revista funcionava como um sinônimo da

modernidade. Logo, noticiar com veemência o industrialismo, as reformas na

cidade, o próspero comércio ou ainda as melhorias tecnológicas que chegavam ao

Estado do Rio, significava um indicativo do que é moderno. Essa era uma das

maneiras que o grupo do periódico divulgava essas experiência para seus leitores.

O progresso era entendido como condição das transformações da vida social, ao

consistir um aumento de significado e alcance da experiência humana. Ou seja, o

progresso denotava que os fluminenses vivenciavam a aceleração vertiginosa da

modernidade.

Demonstrada, a partir de fotos de casas comerciais ou de indústrias em

Niterói e em outros pontos do estado, a noção de progresso e de modernização

ampliava-se a todo o território estadual. Observamos isso, por exemplo, a partir

das fotos da inauguração de casas comerciais, na capital do estado e em seus

outros municípios. A exemplo do retrato do galinheiro da Fazenda Santa Maria,

que mostrava “os primeiros galinheiros para a formação da grande granja avícola

que ali está se organizando”, dizia “A Revista na estação do Rio do Ouro”;262 ou ir

até Paraokena para noticiar a Casa Ideal;263ou, ainda, a visita a Miracema para

conhecer a firma Salim Damian e Irmão e publicar que “é com real prazer que A

REVISTA registra as presentes linhas em homenagem ao desenvolvimento de

Miracema”.264

Por mais que saibamos que muitas das firmas relacionadas como símbolos

do crescimento do estado eram anunciantes do periódico – sendo assim, grande a

possibilidade dessas matérias serem compradas – o interessante é observar o

discurso dos intelectuais de A Revista. Nas notas que saíam em edições anteriores

aos centenários, convidavam os leitores e os anunciantes a conferir os números

festivos. Mas a apropriação, o discurso de crescimento e de progresso com que

262 A Revista na estação Rio do Ouro. Idem. Ano I, nº 4, 1919. p.12, 14 e 15. 263 Casa Ideal, Paraokena. Idem. Ano IV, nº 50, 1922. p. 44. 264 Miracema. Idem, ibidem. p. 115.

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são tratadas simples notícias, quase reclames, é simbólica para entender a

representação que o tempo todo esses letrados desejavam embutir ao estado.

A seção Comércio e Indústria, que analisamos no capítulo dois, como

sendo um dos principais veículos de divulgação dessa imagem, se tornou

Exposição de Comércio e Indústria, no centenário de Niterói, o que remetia a

grandes exposições internacionais, comuns no início do século XX, nas quais a

tecnologia e os últimos avanços, em diversas áreas, ficavam à mostra para a

população. Niterói, igualmente, realizou uma exposição por conta do seu

centenário, mas essa ficou restrita às fronteiras da arte e da literatura.265 Logo,

“expor” o movimento industrial do estado colaborava para associá-lo ao progresso

e substituir a representação predominante agrária, tão clara no século XIX.266

Na Exposição de Comércio e Indústria foram divulgadas diversas firmas e

fotografias de suas fachadas, com seus respectivos proprietários. Separados por

vinhetas ou símbolos gráficos, cada empresa tinha uma característica ressaltada.

E, o ponto de interseção entre as mesmas estava no prodigioso crescimento do

estado, ao qual A Revista dava os “parabéns aos esforçados comerciantes”267. O

ideal de progresso estava sendo reproduzido a cada propaganda, e fixado no

imaginário coletivo como um sinal de desenvolvimento socioeconômico do

estadual.

Ao comemorar-se o centenário da Independência, em que a festa em foco

era a da nacionalidade, a idéia de expor o parque industrial que Niterói, e os

outros municípios fluminenses, haviam conquistado, torna-se ainda mais

imperativo. Foram poucos os anúncios distribuídos ao longo dessa edição, a

grande maioria concentrou-se no fim da revista, em uma seção inédita chamada

“Indicador Nominal”. Como se fosse uma lista, que somava mais de 40 páginas, o

índice organizava diversos tipos de reclames, classificados por ordem

alfabética.268

O índice formava uma brochura de anúncios. Cada comércio exposto tinha

uma fonte diferente, além de linhas que separavam uma publicidade da outra.

Preços módicos, endereço completo e nome do proprietário eram as características

265 Devido a escassez de fontes, não conseguimos reunir muitas informações adicionais, além do que A Revista nos trouxe, sobre essa exposição na cidade de Niterói. 266Cf. Márcia Maria Menendes Motta. Niterói rural: elite de ontem e os arrendatários de outrora (1808-1888). In: Martins, Ismênia de Lima; Knauss, Paulo (Orgs). op. cit. 267 Exposição de comércio e indústria. A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p. 30-32, 54, 67-77. 268 Indicador nominal. Idem. Ano IV, nº 50, 1922. p. 186-223.

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que se repetiam na divulgação das casas comerciais, a cada letra do alfabeto. O

“indicador” impressionava pela quantidade de anúncios , que indicavam a grande

praça de comércio que estava instalada na terra fluminense. Ostentar essa feição

industrial garantia, por um lado, a manutenção financeira do periódico através dos

anúncios, e, por outro, a indefensável imagem do progresso.

3.5.1. O interior em revista

Apresentar o progresso à cidade – seja por suas avenidas comerciais ou

pelo surgimento de novas construções, fábricas, vitrines – proporcionava uma

tônica cada vez mais urbana condensando as melhorias em realidade de

modernização. Nos números centenários era A Revista a própria vitrine da

ampliação e da acuidade com que estava se desenvolvendo o território do Rio de

Janeiro. Enquanto vitrine que se põe a ver o que melhor há para oferecer o estado,

A Revista volta-se ao interior fluminense.

Ao traçar um ponto de vista em que, o aspecto do moderno é a linha

condutora, uma pergunta pairava no ar: a capital, Niterói, é uma cidade

urbanizada, grande, por isso moderna, mas, o restante do estado seria assim? A

narrativa modernista do periódico tem no regionalismo uma característica latente,

porém central para entendermos as propostas dessa intelectualidade. Um outro

conceito para o estado fluminense, seu resgate como unidade-chave na federação

só seria possível com o interior que se mostrasse forte, pujante.

A idéia de um modernismo interiorano, isto é, que busca no interior os

bastiões da nacionalidade, era promovida. Figuras como Monteiro Lobato e

Tristão de Ataíde afirmavam a importância do campo no resgate da identidade

nacional, pela sua pureza, por não estar corrompido como os centros urbanos.269

Oliveira Vianna, ilustre fluminense, participava dessa perspectiva de análise.

Tendo uma vez colaborado para A Revista, tratou da “Arborização Urbana”270, ou

seja, da necessidade de se equilibrar a febril cidade moderna e os ares agradáveis

do interior. Não que A Revista compartilhasse da opinião em que o campo era a

essência do moderno. Seu discurso estava voltado para a urbanização, mas,

269 Sobre a discussão entre as correntes modernistas paulistas e cariocas, ver o primeiro capítulo dessa dissertação. 270 Oliveira Vianna. Arborização Urbana. A Revista. Ano I, nº 1, 1919. p. 40-41.

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certamente, contrabalancear o interior do estado e a capital, seria necessário para

atribuir uma feição moderna que se desejava aos fluminenses.

Uma seção recorrente nas publicações do nosso periódico era A Revista

em... O predicado regionalista era o centro das matérias dessa seção. Eram

editadas várias fotografias, acompanhadas de um texto cívico, que exaltava a

união da pátria e do território estadual, a fim de expor as melhorias realizadas em

cada município fluminense. O espaço, que a cada número trazia uma reportagem

fotográfica e uma pequena nota, contemplava todos os caminhos propostos pelos

letrados da revista para se atingir o progresso. Ao descrever um município a

matéria realçava a educação ou a saúde ou a política ou, ainda, o comércio

alentado da região, ou todos esses componentes juntos. Em uma esfera micro, em

cada municipalidade, reproduzia-se o rótulo da modernidade do estado.

Logo, nos centenários, o artifício do local e do regional como parte do

todo é amplamente propagado. A história remonta a união dos povos, da fundação

da nacionalidade, e traça-se um paralelo com a adesão das municipalidades para a

formação do estado. Assim como na pátria, cada unidade municipal tem sua

relevância e o sentimento de união é fundamental para a existência do estado

fluminense. E, se a capital, Niterói, é símbolo do moderno, esse paradigma

dissemina-se por todo o cenário estadual.

No número dos cem anos de Niterói, inúmeras são as fotografias que

ilustram essa particularidade. O âmbito fluminense era mostrado com Araruama,

fotos da sua igreja, do Fórum e da Câmara Municipal; com São Lourenço e sua

igreja matriz; além de dar maior ênfase à própria capital, com fotografias de suas

principais ruas e monumentos, como a Rua da Conceição e o Palácio da Justiça.271

Mas, foi na publicação da festa da Independência, que uma maior

proeminência foi destinada aos municípios do estado. Na primeira página do

referido número temos o seguinte texto:

“Quem percorrer os férteis municípios do torrão fluminense e observar o surto de intenso progresso em que todos eles se evidencia, não deixará de aplaudir a sábia orientação do Dr. Raul Veiga na suprema direção do estado. As longas estradas, abertas ao trânsito confortante dos que vivem da lavoura, dos que retiram do solo os grandes tesouros facultados ao bem público, as grandes pontes lançadas sobre os rios que serpenteiam pelas nossas florestas, os edifícios majestosos facultados a instrução e a justiça, tudo enfim que lembra uma diretriz

271A Revista em... A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p. 46, 18, 54, 20. (respectivamente)

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luminosa concebida pelo espírito da democracia, dará nas páginas da História Fluminense a justa apologia de quatro anos do governo fecundo”.272

Apesar do elogio à administração de Raul Veiga, o destaque é atribuído ao

“torrão fluminense”, que oferece uma imagem de progresso e melhorias a todo o

Rio de Janeiro. Dentro do número, um longo caderno é dedicado aos “Municípios

do Estado do Rio de Janeiro”, contando um pouco de sua história, seus dados

populacionais, construções, distritos, bairros, escolas, desportos praticados,

comércio, vias de comunicação e seus filhos de renome, ou seja, intelectuais e

políticos oriundos dos mesmos.273 Na verdade, prioriza-se o desenho de um

panorama rico do que é o estado fluminense.

O conhecimento dessa realidade, interpretada positivamente pelo viés da

modernização, proporcionava os contornos identitários do povo fluminense. Dos

48 municípios, que formavam a paisagem do Rio na época, apenas metade

estavam listados. Entretanto uma observação dizia que “nossos leitores poderão

conhecer da vida e da grandeza do fertilíssimo torrão fluminense” na próxima

edição, pois não foi possível a reportagem completa por falta de tempo e espaço

no periódico.274

A segunda metade do mencionado caderno era toda de fotografias das

diversas municipalidades. Retratos de igrejas, câmaras municipais, praças,

avenidas, pontes, escolas ou vistas gerais de cada cidade. O maior destaque foi

dado à cidade de Niterói e a seus palacetes, símbolos da administração estadual.

Ao priorizar o aspecto urbano de cada cidade, na reportagem fotográfica, A

Revista evidencia a imagem que estava consolidando junto ao estado: moderno,

urbano, onde o progresso é realidade, mesmo em cada distrito interiorano

fluminense.

3.6.Educação e cultura: construindo bases para o próximo

centenário

Entre tantos atributos examinados na visita de A Revista ao interior, um

dos mais proeminentes dizia respeito ao número de escolas, dos grupos escolares e

272 Manoel Leite Bastos. Quatro anos de governo fecundo. Idem. Ano IV, nº 50, 1922. p. 1. 273 Ver anexo 13. 274 Municípios do Estado do Rio de Janeiro, Idem. p. 132 a 180.

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dos filhos ilustres da cidade, isto é, letrados ou políticos que fizeram o nome no

estado. Resgatar biografias, recuperar raízes e história local é um exercício

constante nas festividades centenárias que estudamos. Contudo, algumas

perguntas se colocam aos intelectuais fluminenses: fizemos a reconciliação com o

passado e com a história, mas e o com futuro? E os próximos cem anos? Qual será

a base da reconstrução nacional que permitirá a perpetuação do país moderno que

estamos delineando hoje?

A resposta é fácil: a educação. O diálogo com o ensino incidiu em uma

dupla acepção. Ao mesmo tempo em que a instrução é a chave para reconstruir a

nação, para torná-la moderna e afinada com o novo painel que se coloca no início

do século XX, ela é projetada para o futuro, para conceber uma geração

promissora. A garantia dos próximos cem anos começava no hoje, pois o

centenário articulou presente, passado e futuro. Segundo Motta, os intelectuais

poderiam até estar

“Em desacordo sobre os reais motivos do descompasso do país com a modernidade, divergindo em torno dos caminhos que deveriam conduzir até ela, a intelectualidade brasileira convergia, no entanto, na compreensão de que o centenário seria o momento-chave em que tais questões deveriam ser discutidas. Momento de articulação do presente/passado/futuro, de construção de diferentes modelos para a criação de uma nação "brasileira e moderna", o centenário de 1922 não se reduziu à comemoração de uma data memorável, mas ao contrário, envolveu a intelectualidade brasileira na tarefa sempre renovada de criar a nação, traçar a identidade nacional e, mais que tudo, construir um Brasil moderno.”275

E um dos pilares dessa construção seria o ensino. A instrução, que vai

além da alfabetização apenas, mas está ligada a todo movimento das letras:

literatura, artes, teatro e, principalmente, a educação para a nação, a instrução

cívica e o nacionalismo. Se essas temáticas já eram rotineiras nas edições de A

Revista, nos números especiais que estudamos, seguem a regra de ter o seu

discurso amplificado e ainda mais contundente.

Entre as diversas solenidades da festa, a arte e a literatura foram duas das

mais notabilizadas. No editorial que saldava a fundação de Niterói a literatura, em

uma análise comparativa aos cem anos, foi o assunto central do texto. Gioconda

Dolores descreveu lançamento de livros, destacando a animação das letras no

estado com o lançamento de Colar de Pérolas.

275 Marly Motta (1994). op. cit. p. 3-4.

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“A ‘Literatura fluminense’, que conta um bem crescido número de poetas de mérito, deveria ter a sua consagração agora que se festeja o ‘Centenário da Fundação de Niterói’. ‘Collar de Pérolas’ é uma homenagem aos poetas já feitos e um estímulo aos iniciados... Sendo um trabalho quase completo e único no gênero, estamos certos, o seu sucesso será garantido e o valor dos intelectuais do Estado do Rio ficará mais uma vez amplamente provado.”276

O texto da autora é emblemático na medida em que exacerba a questão

futura, considerando que a obra incita as gerações que estão se formando. Além de

produzir em seus leitores um sentimento de pertencimento ao valor conquistado

pelos intelectuais do estado. A volta a um tempo de prestígio, a uma “Idade de

Ouro” perdida, fica clara no trecho “mais uma vez amplamente provada”, dessa

maneira, a intelectualidade está de novo comprovando seu valor. A importância da

literatura acontece igualmente no resgate da identidade cultural dos fluminenses.

As notícias acerca da exposição de arte que aconteceu para comemorar a

fundação da cidade, exemplificam outra forma desse resgate. Na matéria sobre o

evento, o periódico grifa o valor artístico dos filhos de Niterói, descrevendo,

inclusive, as possíveis sensações e sentimentos que o público teve ao assistir a

exposição. Todos os artistas que expuseram suas obras foram relacionados no

texto, seguidos de comentários elogiosos. Até uma seqüência com três fotos foi

impressa mostrando algumas telas da exposição.

Nas páginas do número dedicado a Independência, a recíproca foi

verdadeira. Fotomontagens apresentavam quadros dos artistas da terra, a exemplo

da homenagem feita ao artista “André Vento e sua grandiosa obra d’arte”277. Uma

seção foi dedicada a Prosa Brasileira articulando sobre a importância da literatura

e das artes. A publicidade em torno do livro Colar de Pérolas, grande projeto

literário dos letrados fluminenses, foi intensa. A seção Telas e Ribaltas – nos dois

números centenários – dedicou-se ao lançamento e à divulgação de vários

espetáculos. Em Poesias vários versos e sonetos disseminavam-se nas páginas dos

periódicos. Até uma crônica sobre os salões da cidade de Niterói foi publicada.

A imagem que temos depois de analisar as edições especiais das

festividades centenárias é de uma viva agitação cultural. A literatura, a poesia, o

276 Gioconda Dolores. Editorial. A Revista. Ano I, nº 4, 1919. p. 6-7. 277 André Vento e sua grandiosa obra de arte. Idem. Ano IV, nº 50, 1922. p. 23.

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teatro, as artes são anunciados como uma atividade ordinária aos fluminenses,

como algo comum a sua rotina. E se inerentes ao seu dia-a-dia, são parte da sua

identidade. A questão cultural é cara para o periódico, não só porque ele se

denomina uma revista literária, mas porque faz parte do projeto dos seus

redatores. Reavaliar o estado pelo viés da cultura, seria uma tarefa fundamental

para auto-afirmação fluminense nos debates modernistas sobre a nação.

Além do mais, a literatura, nesse momento, era uma missão278. A tentativa

de redefinir o papel da literatura no seio da nação a torna instrumento de ensino,

de civismo, de reflexão sobre o país. Na ocasião de afirmação da identidade

nacional, a literatura foi utilizada como canal difusor de uma doutrina. Doutrina

essa, que os intelectuais estabeleceram, por isso a confluência entre o discurso

histórico e o literário será utilizado para pensar o país.279 As questões culturais

seriam uma forma de educar, de civilizar, de recriar a pátria.

Nesse sentido, a educação era vista como um instrumento fundamental,

que preparava a geração vindoura, além de restaurar o cenário nacional. A busca

de um consenso ideológico – pela difusão dos princípios de modernização,

progresso, nacionalismo – valorizou a instrução como forma de produzir essa

concordância. Se as biografias de ilustres fluminenses eram revividas pela

história, como forma de valorizar a terra, através da educação, então era possível

surgir novos homens de letras que levariam o nome do estado à frente. A função

pedagógica que os intelectuais tomaram para si, passa por ensinar a nação a ser

grande, moderna; e a instrução é a certeza desse empreendimento.

Ao folhear as edições dos cem anos da cidade e da pátria é notória a

preocupação do expediente de A Revista com os propósitos educacionais. Os

mesmos eram tema comum ao periódico, especialmente se considerarmos o

grande número de redatores que estavam ligados à instrução; mas na ocasião de

festa, o mote educacional foi especialmente comemorado. Os cem anos de história

– de formação dos niteroienses e dos brasileiros – valorizou o ensino como

instrumento propulsor da nação.

Páginas inteiras são dedicadas a expor imagens relativas à instrução.

Instantâneos que exibiam o crescimento das escolas no estado, suas instalações e

278 Cf. Nicolau Sevcenko (2003). op. cit. 279 Ver Mônica Pimenta Velloso. O modernismo e a questão nacional. In: Jorge Ferreira; Lucília Neves de Almeida Delgado (orgs.). op. cit.

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seus educandos. Por exemplo, a foto das alunas do 1º ano da Escola Normal ou os

três retratos do grupo de estudantes do Colégio Salesianos, em Santa Rosa. As

imagens estavam dentro de uma reportagem chamada “Nas escolas”, não havia

texto, a narrativa fotográfica, acompanhada de suas legendas, bastava à mensagem

que se queria dizer. 280

A mensagem era o contorno da educação no Estado do Rio de Janeiro. No

artigo “Quantas escolas há no Brasil?”, 281 os autores Mello Souza e Orestes

Guimarães traçam uma estatística de quantas escolas públicas, privadas e grupos

escolares existem em cada estado da Federação. O balancete foi feito, portanto, na

circunstância do centenário da independência, instante em que se está pensando a

nação. Na conta dos autores, os fluminenses estão com um déficit em relação aos

principais estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do sul.

Após essa matéria, foi impressa uma nota da redação de A Revista. Nessa,

os dados tratados foram impugnados, como informações que estavam aquém da

verdade. O comentário não tem autor – mas, como “nota da redação” 282, ela

exprime a opinião do grupo do periódico – e registrou a mensagem presidencial283

de que há mais colégios e grupos escolares no Rio de Janeiro do que prevê o

referido artigo. Ao final da nota, evidenciava-se que, mesmo considerando os

dados imprecisos da reportagem, a educação fluminense está pareada a do Distrito

Federal e de estados importantes como Ceará e Santa Catarina.

A competição entre esses números denota um compartilhar de um mesmo

ideal sobre a educação. A educação era a força motriz de um país que se queria

próspero e em pé de igualdade no âmbito internacional. Logo,

“Não há problema que mereça maior atenção dos poderes públicos e dos legisladores que o dá instrução. Nenhum o sobreleva, nenhum o excede. Pode-se sem exagero dizer, que a felicidade e o progresso de um povo dependem principalmente da sua instrução. (...) Nela se concretizam todas as esperanças e todos os sonhos da Pátria.” 284

A citação acima é parte integrante da matéria “Sobre a Instrução Primária”

do Dr. José Maria Coelho, de Barra do Piraí, e discute a importância do segmento 280 Nas escolas. A Revista. Ano I, nº4, 1919. p. 47, 50, 51 e 66. 281 Mello Souza; Orestes Guimarães. Quantas escolas há no Brasil. Idem, nº 50, 1922. p. 35. 282 Idem, ibidem. 283 Supomos que a redação esteja se referindo a mensagem de Presidente de Estado à Câmara, que por vezes eram publicadas no periódico. 284 José Maria Coelho. Sobre a instrução primária. A Revista. Ano IV, nº50, 1922. p. 61.

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para o desenvolvimento do país. O ensino, segundo ele, deve ir a além do

conhecimento das letras, e preocupar-se, também, com a formação de cidadãos.285

Um educação múltipla que atendesse às prerrogativas nacionalistas do momento

que o Brasil estava vivendo. Era um projeto de A Revista, que afirma que:

“O professor deverá ter compreensão exata dos seus deveres. Não lhe compete apenas difundir a instrução, ensinando a ler. Sua função é mais elevada, mais nobre, mais patriótica. É preciso que ele instrua, educando: que ele ensine preparando o homem de amanhã.”286

A existência de um discurso cívico no periódico extrapolava a noção de

ensino simplesmente para alfabetizar. Os eruditos de A Revista, eram antes,

pensadores da educação, a escola era uma local de troca e de sociabilidade do

grupo. Com propostas de valorização do ensino, configuravam uma identidade

nos centenários, de um cidadão para uma nação moderna, que ainda não havia se

definido. Esse otimismo educacional não se restringiu ao campo da idéias, a

reivindicação de políticas públicas e de uma postura efetiva das administrações,

estaduais e federais, proporcionou o diálogo entre educação e política.

3.7. A política e a concretização do moderno.

Os intelectuais eram atores políticos, embora muitos recusassem qualquer

participação nessa seara. Contudo, sua tutela cultural e o fato de estarem

engajados na vida da cidade tornaram-lhes figuras representativas no cenário

político do país. Ignorar sua posição parcial nos trâmites da máquina burocrática

estatal é ignorar que a atuação política desses letrados é um caminho para tornar

suas propostas realizáveis.

O aspecto político, em A Revista, tem uma dimensão ímpar. As capas eram

politizadas, as mensagens dos prefeitos ou do Presidente do Estado eram

publicadas, os progressos eram relacionados à governança que estava no poder.287

Enfim, os laços políticos estavam no discurso, na sociabilidade cotidiana da

revista. A importância desse relacionamento estava na possibilidade de

manutenção o periódico, estar ao lado da situação política poderia colaborar com

285 Cf. Helena Bomeny. op. cit. 286 José Maria Coelho. op. cit. 287 Ver anexo 05.

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circulação dos números, além de dar voz ativa aos seus redatores e ajudar na

concretização das propostas que esses veiculavam.

Nesse sentido, A Revista não se furtou em evidenciar a questão política nos

números, que justamente, avaliavam a trajetória histórica da capital do estado e da

nação. A capa do centenário de Niterói, por exemplo, foi ilustrada pelo presidente

da República à época, Dr. Epitácio Pessoa. Em seguida, os representantes da

política estadual e municipal, respectivamente, o Dr. Raul de Moraes Veiga e o

Dr. Enéas R. de Castro, tiveram suas fotografias com uma página de destaque para

cada um.288 O destaque nas figuras desses homens importantes realçava o seu

papel na história, imortalizava os seus feitos e, portanto, agradava o poder vigente.

E com essa troca, os redatores cobravam posturas sobre educação, saúde,

progresso, enfim, de como inserir de vez o estado fluminense nos paradigmas da

modernidade.

No editorial, que saudava os cem anos da nacionalidade, foi reiterada a

relação da revista com a vida política: “E A REVISTA, sempre interessada na

evolução fluminense, deixa nestas linhas a simples homenagem ao jovem estadista

que soube corresponder ao objetivo de quantos se batem pelos ideais

democráticos”.289 A alusão ao desenvolvimento fluminense estava intimamente

ligado às decisões políticas, o periódico não faz questão de ser imparcial,

marcando sua posição com o poder público e atrelando-as ao progresso do estado.

Assim, além de comentários que enaltecem as administrações e seus

políticos, fotos em todo o periódico elucidam isto. Apresentam-se os deputados da

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; o Sr. Cotrim Filho chefe da

polícia do estado; bem como vereadores e prefeitos das diversas municipalidades

do estado, visto a reportagem dedicada ao conhecimento do território estadual. 290

Ademais, quando a narrativa fotográfica passeava com cada cidade do interior, a

primazia dos instantâneos estava em mostrar os órgãos políticos da cidade, como

as prefeituras e câmaras municipais. A explicação pode verter em dois

significados. Primeiramente, porque esses, provavelmente, eram os prédios mais

bonitos, talvez na parte mais urbana do município. A outra explicação deriva na

288 A Revista. Ano I, nº4, 1919. capa, p. 1 e 2. 289 Quatro anos de governo fecundo. op. cit. Quando autor menciona o “jovem estadista” está se referindo ao Presidente do Estado do Rio de Janeiro Dr. Raul Veiga, que tem sua fotografia estampada no início do artigo. 290 A Revista. Ano I, nº4, 1919. p. 20-22, 110-112.

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acepção política, como o diálogo com os poderes municipais é profícuo e as

instituições ligadas a esses são denotativas da identidade do município.

Mesmo em relação à Niterói, uma cidade muito mais urbanizada, os

prédios públicos receberam destaque. No número que antecede o centenário da

cidade, assim foi publicado:

“Para ilustrar a nossa revista estampamos no presente número as fotografias que mostram, claramente, os progressos de Niterói nestes últimos tempos de propaganda evolucionista. Em uma delas vê-se o antigo ‘Campo Sujo’ metamorfoseado em um verdadeiro trecho da Av. Central. Parece até um sonho!... Um jardim a esquerda e edifícios em simetria concebidos num fino gosto arquitetônico, onde se instalam confortavelmente a ‘Assembléia Legislativa’, o ‘Palácio da Justiça’, a ‘Escola Normal’, a ‘Polícia’ e a ‘Guarda Nacional’, formando um conjunto agradável e animado por essa poesia comunicativa, que entusiasma a alma sonhadora dos fluminenses.”291

Uma cidade capital é um local privilegiado de construção da identidade de

um território. O que acontecia em Niterói era espelho para os demais municípios

do estado, como um modelo a ser imitado. Mostrar a metamorfose, o esquadrinhar

de um núcleo de prédios públicos é relevante para a construção do cidadão

fluminense, para sua identidade política. Segundo Azevedo, o esboço do que mais

tarde será a Praça da República, deu-se pela necessidade de alojar instituições

administrativas e “a praça recuperando o símbolo de centro cívico da capital do

estado passou a constituir o espaço do poder da cidade”292 e uma representação da

sua identidade.

Inserir o Estado do Rio de Janeiro na história da nação, ou seja, amalgamar

sua representatividade na federação, foi um dos objetivos primeiros das duas

edições centenárias aqui analisadas. Um momento de reavaliar seu passado e

traçar um futuro de progressos. Estabelecer vínculos com os políticos locais,

salientar as instituições do poder público e enaltecer as biografias de grandes

nomes do estado fez parte desse exercício de reavaliação.

O que se questiona é o papel dos fluminenses neste projeto de nação e,

projetando o seu por vir. Daí parte a necessidade de se colocar ante à federação

como um estado de um passado prodigioso, mas que não está só no passado, que o

desenvolvimento é uma realidade presente e futura. Que os fluminenses também

291 As nossas fotografias. Idem. nº 3, 1919. p. 5. Ver anexo 12. 292 Marlice Nazareth Soares de Azevedo. op. cit.

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respiram os ares da modernidade. A citação abaixo condensa os caminhos para se

atingir essa meta e a interface com a com política só tem a colaborar.

“Não devemos parar. A semelhança do que se tem operado, na capital da República, façamos de nosso Estado o ponto convergente de todas as iniciativas valorosas. Já possuímos a nossa <Academia Fluminense de Letras> - abrigo dos expoentes de nossa literatura, preparemos a nossa <Biblioteca Pública>, iniciemos as conferências científico-literárias, façamos os cursos públicos gratuitos dirigidos por homens de valor, cuidemos do nosso Teatro, animemos, com os estos [sic] de nosso entusiasmo, as inclinações louváveis de nossa mocidade – as nossas Esperanças vivas, obreiros do nosso Futuro.”293

293 Max Lucano. O centenário e a mocidade fluminense. A Revista. Ano IV, nº 50, 1922. p. 74.

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Conclusão

Ao longo dos capítulos apresentados, foi possível observar o lugar do

modernismo fluminense e de suas propostas no pensamento político e intelectual

fluminense no início do século XX. A modernização do Estado do Rio de Janeiro

e seu reposicionamento na nacionalidade eram temas relevantes, inerentes às

preocupações intelectuais da época.

Diversos caminhos são trilhados para a afirmação do moderno no contexto

estadual: a formação cívica, a educação, o diálogo com a política, as questões da

salubridade, enfim, o progresso de todo âmbito fluminense, que começava a partir

da sua capital, Niterói.

Em diversos momentos, o discurso de seus redatores procurava mostrar

que o Estado do Rio de Janeiro era mais que o vizinho do Distrito Federal, visto

que tinha muito a oferecer. Na proximidade com os cariocas, buscava-se positivar

a representação dos fluminenses e equipará-los à “Cidade Sol”294, ao modelo de modernidade que era a cidade do Rio, principalmente,

depois das reformas urbanas de 1905. A procura por um espaço identitário é

compreensível,afinal,

“Por mais que seja, pois, o espaço fluminense, o estado do Rio é sempre aquele estado que se acha fronteiro à grande metrópole [...] O mineiro pode ter seus hábitos e o carioca os respeita, assim como os outros estados. Mas o fluminense não pode ter. Se é certo que ele não evolui com a precipitação do carioca, porque não será submetido às mesmas influências, a verdade é que a proximidade da capital sempre exerce sobre o estado essa influência demolidora, que não lhe permite criar uma personalidade própria, um caráter étnico, moral ou social que o tipifique. O carioca toma-o então a sua conta e tudo quanto se refere ao estado do Rio, ao vizinho estado, é envolto nesta gaze de ironia que não permite a apreciação verdadeira.”295

Essa falta de autonomia identitária de Niterói, o fato da política fluminense

estar muito ligada aos cariocas, suscitou, inclusive, uma discussão sobre a

mudança da capital para o interior. Logo, refletir sobre uma identidade fluminense

294 Marly Motta usa esse termo para definir a cidade do Rio às vésperas do centenário da nação, quando todo um movimento de embelezamento e remodelação foi instaurado para transformá-la no cartão postal do país. Marly Motta (1992). op. cit. p. 47-66. 295 Maurício Medeiros. Sessão ordinária de 1920. Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Anais. Apud Marieta de M. Ferreira. In: Ismênia de Lima Martins; Paulo Knauss (orgs). op. cit. p. 80.

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e enfatizar a modernização de Niterói, tornaram-se um ponto central no programa

de A Revista.

E podemos observar que esse debate deixou legados para os dias atuais. É

comum ouvir a expressão, repetida pelo senso comum, “o melhor de Niterói é a

vista para o Rio de Janeiro”. Para ilustrar, podemos citar Carlos Couto, um letrado

fluminense, que no mesmo ano da inauguração da ponte Rio-Niterói, publicou um

livro reunindo suas poesias. Reproduzo aqui alguns trechos de um poema seu:

“Vou escrever, meus irmãos, Sobre um doce amor antigo Que desejo dividir... (...) Dizem: “Uma cidade quadrada Tua pobre Niterói...” Por isso, Bem posso contar pro mundo – Principalmente para Eles Que estão começando a vir – Os “porquês” de Niterói. (...) Primeiro, foi a Praia Grande! Araribóia que o diga: (...) Que ele chegou e... ficou. Viera para brigar... E ficou para ser estátua! E a aldeia passou a Vila E a Vila virou cidade! E a Cidade?... Capital! Sempre com gente chegando, Sempre com gente empedrando! (...) Por isso a Cidade aumenta! (Não por modos de dinheiro) Muitos vêm e poucos partem, Perdendo a pressa e o ódio, Ganhando raízes boas De sentimento e ternura! E agora Marcianos Chegam, apressadamente, Só para receber a Ponte E afirmar que sabem tudo... Temos que pensar nos Gregos Ou, então, nas imbaúbas Da Serra da Cala a Boca Que, apesar da opressão

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De outras árvores mais fortes, Levantavam alto suas copas Em gritos de Liberdade. Mas as gentes lá de Marte Não vencerão Niterói Terra boa, santa terra Que conquista e não conquistam (...) Então... Volta para onde vieste, Marciano, lanfranhudo Carioca ou estrangeiro! (...) E Niterói crescerá, Continuará a estufar Com gente vinda de longe Trazendo seu coração Empoeirado de tudo Ansioso por se lavar, Em nossa água escondida! Vinde! Vinde! Marcianos, Niterói não vai mudar... Nossa morrenta Cidade É receita de amanhã, É cadinho de linguagens, Já cansadas de Babel... É um conjunto de gentes Falando a língua das mãos Que se dão e que se aquecem, Sem pensar em paga ou preço! Vinde! Vinde! Marcianos, NITERÓI VOS MUDARÁ!”

O livro – que já na introdução dizia-se que os ares provincianos de Niterói

tinham ficado para trás – foi nomeado pelo poema mais significativo, e citado

anteriormente, “Crônica bem ritmada para ensinar marciano a virar

niteroiense”296. O autor denomina os cariocas de “marcianos” e cria toda uma

imagem explicando os “porquês” de Niterói. Começa pela sua história,

mencionando o Araribóia, as belezas naturais dessa “água escondida”297, a

trajetória citadina até chegar à capital do estado e virar paixão daqueles que lá

296 Carlos Couto. Crônica bem ritmada para ensinar marciano a virar niteroiense. Rio de Janeiro: Editora da livraria São José, 1974. p. 51-58. Todas as citações nesse parágrafo referem-se a esse texto. 297 O significado em tupi de Niterói é niteró (escondido, oculto), i (água). Água escondida, água oculta.

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moram, pois “muitos vêm e poucos partem”. Em outro trecho, cita mais de trinta

patrimônios da cidade, entre lugares, pessoas e sensações.

Quando chegam os “marcianos” e a ponte, que pensam que “tudo sabem”,

é um momento significativo do texto, quando a afirmação dos niteroienses

acontece. A imagem das imbaúbas – que sobem mais alto que as demais árvores, e

que podem ser até consideradas mais fracas por seu caule, mas suas copas são as

mais altas e as libertam da opressão – constrói uma analogia para a representação

dos fluminenses. A escrita de Couto se encerra com a possibilidade de uma

inversão: seria Niterói que mudaria os “marcianos”, e não a ponte, com seu acesso

mais rápido à cidade do Rio, que transformaria os niteroienses.

A poesia é sugestiva na medida em que demonstra a preocupação da

intelectualidade niteroiense com a identidade da cidade, dos fluminenses como um

todo, que têm Niterói como um marco referencial.298 Assim é A Revista, um

periódico ilustrado, que desejava entreter, divertir seus leitores através de poesias,

literatura, notícias sociais; mas que tinha uma projeto maior, um discurso de

modernidade para o estado, começando na sua antiga capital, Niterói.

A Revista foi criada com esse propósito e, portanto, produzia um contexto

favorável para a reconstrução do estado, identificava-o com o Brasil, através do

civismo, da propaganda da nacionalidade. Suas páginas configuraram-se como

espaço de debate, uma comunidade discursiva, na qual os parâmetros de um

modernismo fluminense foram se delineando, recebendo diferentes possibilidades

e sentidos, mas com o fim último de dar uma feição moderna aos fluminenses.

O presente trabalho procurou mostrar a polifonia do modernismo, que

além de cânones já referendados – como o modernismo paulista e a Semana de

Arte de 1922 –, foi, também, um movimento múltiplo. O seu argumento de

utilizar a literatura para rever a nação é um eixo central, presente em outras

manifestações, mas com distintas acepções do que é ser moderno. A cultura surge

como um espaço de luta na produção de significados. Diversos “modernismos”

apareceriam, especialmente na década 1920, e o modernismo fluminense teve um

298 Em nossa pesquisa observamos a perpetuação e contemporaneidade do debate sobre a identidade fluminense. Nossos intelectuais modernistas a pensaram pelo viés do moderno, mas ao longo da história do estado, principalmente a produção intelectual de Niterói, preocupou-se com a imagem dos fluminenses. Esse dado abre a possibilidade de uma pesquisa mais densa, que abrangesse uma temporalidade maior, ao perceber as diversas formas de produção de subjetividades para o Estado do Rio de Janeiro, conforme ilustrado nos poemas de 2005, na introdução, e de 1974, nas considerações finais dessa dissertação.

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espaço particular nesse amplo movimento que repensou o país. Suas

prerrogativas, seu texto não se preocupava tanto com as questões estéticas,

estavam voltadas, primeiramente, para refletir sobre a alteridade da sua população.

Ao discriminar os atores sociais, que participaram dessa empreitada,

observamos o papel central dos intelectuais. Homens de letras, muitos integrantes

do funcionalismo público do Estado do Rio e interioranos, que criavam em

Niterói a prática intelectual. Essa característica é relevante para refletirmos sobre

o aspecto regionalista do periódico, que fazia incursões nas diversas

municipalidades, que estendia o significado do ser moderno para todo território

fluminense. Não ser oriundo de grandes centros, como o Distrito Federal,

representou um aspecto diferenciado a esses letrados, influenciou suas propostas,

que, por sua vez, transformou o projeto de redação de A Revista.

As vivências da intelectualidade fluminense, ou seja, a sua sociabilidade,

seus locais de circulação foram, igualmente, fundamentais na compreensão da

escrita de A Revista. A troca de idéias foi uma condição para a existência do grupo

que a dirigiu. Em nossa pesquisa, observamos como a rede que se constitui em

torno do periódico, espacialmente concentrada em Niterói, esteve intimamente

relacionada aos assuntos que emergiam em suas edições.

A educação, por isso, foi um tema relevante. Além de fazer parte da

regeneração da nacionalidade, ainda se confirmava como um lócus de

sociabilidade dos redatores de A Revista. Ligados a algumas instituições de

ensino, elaboravam matérias sobre a educação no estado fluminense,

identificando-a como um indicativo da modernidade. A Escola Normal, o Colégio

Brasil, o Salesianos faziam parte dessa trama; e, de suas salas de aula, saíam

diversos colaboradores do periódico.

Dessa maneira, podemos citar as artes e a literatura como um outro espaço

de troca. A revista era literária, seus redatores antes de jornalistas eram poetas,

portanto o incentivo às letras é notório em suas páginas. A Academia Fluminense

de Letras é simbólica para esse entendimento. Os fundadores dela estavam entre

os redatores do periódico. A agremiação e o peso que uma Academia oferecia a

movimentação literária do estado era ressaltada constantemente. Daí a

significância que o livro Collar de Pérolas adquiriu, sendo um reduto dessa

intelectualidade.

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Outros atalhos foram percorridos até o ideal do moderno. Esses, também,

se configuraram como núcleos da permuta intelectual. A ciência – pensada a partir

da salubridade e de melhorias na saúde – e o progresso – entendido como

sinônimo do industrialismo, do crescimento do comércio e das reformas urbanas –

demonstraram um intenso diálogo de A Revista com a política. A sua parcialidade

ao propagar os feitos da administração vigente é um dado que colabora para a

compreensão da sua longevidade.

E todos esses aspectos foram, principalmente, enfatizados nos números

dos centenários. A Revista aproveitou as festividades do Centenário da

Independência e da Fundação de Niterói para lançar edições especiais e divulgar

seu programa. Nessas comemorações foram criadas memórias, utilizando a

história e a volta à tradição, para realçar os grandes feitos e a feição moderna dos

fluminenses.

Assim era A Revista, periódica, por isso tradutora de uma nova linguagem

que buscava dar conta do acelerado ritmo das transformações do início do século.

Literária, por ter um corpo dirigente ligado às letras, por usar a cultura como

forma de transformação social. Modernista, por seu discurso que delineava a

modernização do estado, ao mesmo tempo em que redefinia a identidade cultural

dos fluminenses.

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Fontes Revistas e Jornais fluminenses A Cigarra : quinzenário de sciencias, artes e letras (1924) A Revista (1919-1923) A Semana: revista do Estado do Rio de Janeiro (1924 -1925) Beija-flor: revista infantil ilustrada (1915) Ilustração Fluminense (1921-1924) O Fluminense (1915-1925) O Niteroyense: periódico literário e recreativo (1910 -1911) Revista do Cenáculo Fluminense de História e Letras (2002-2005) Vida Fluminense: mensário de atualidades (1920) Revistas Cariocas Almanak da Revista Infantil (1924) América Latina: Revista de Arte e Pensamento (1919-20); Chantecler: semanário para grandes e pequenos (1910) Festa (1927-1929) Movimento Brasileiro (1929). O Garoto (1915-1918) O Garoto: semanário humorístico e brincalhão (1921) O Infantil (1912-1916) O Tici-tico: mensário infantil (1905-1962) Revista Infantil (1921 e depois 1933) Terra de Sol: Revista de Arte e Pensamento (1924)

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Anexos Anexo 1

1. Grupo Escolar Aydano de Almeida. Foto ilustrativa da reportagem fotográfica

de A Revista em 1920, para mostrar as melhorias da educação no estado.

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Anexo 2

2. Página interna de O Garoto. A ilustração mostra o aspecto divertido e lúdico do

periódico.

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Anexo 3

3. Capa de O Garoto, fevereiro de 1921

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Anexo 4

4. Editorial do primeiro aniversário de O Garoto, abril de 1921.

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Anexo 5

5. Capa do centenário da fundação de Niterói, agosto de 1919.

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147

Anexo 6

6. Capa do centenário da Independência, outubro de 1922.

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148

Anexo 7

7. Vista panorâmica de Niterói, publicada na edição do Centenário da

Independência.

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149

Anexo 8

8. Anúncio prévio sobre a edição do centenário da Independência.

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150

Anexo 9

9. Capa que ilustra a preocupação em preparar a cidade de Niterói para as

festividades do centenário da nação.

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151

Anexo 10

10. Fotomontagem destacando os intelectuais fluminenses, impressa na edição do

centenário da independência.

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152

Anexo 11

11. O retrato da formação da nacionalidade para A Revista. Nota-se o pouco

destaque de D. Pedro, que não é evidenciado pela legenda, relegando a um

segundo plano a participação histórica da Monarquia na Independência.

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153

Anexo 12

12. A construção da identidade política fluminense através da urbanização da

Praça da República (ex-Campo Sujo).

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154

Anexo 13

13. Página do Caderno de Municípios do Estado, publicado no número dos cem

anos da independência.

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155

Anexo 14

14. Anúncio do livro Collar de Pérolas, lócus da sociabilidade de A Revista,

editado no número do centenário da pátria.

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