eterno retorno

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30 SALVADOR DOMINGO 17/7/2011 31 SALVADOR DOMINGO 17/7/2011 ETERNO RETORNO A empresária Janaína Souza, da Tabacaria Corona, com a Crosley, que toca CD e vinil: aposta na venda de vitrolas modernas Texto MARCEL BANE marcel.bane@grupoatarde. com.br Foto FERNANDO VIVAS [email protected] O disco em vinil ocupa um mercado cada vez mais refinado, com vitrolas hi-tech e lançamentos de artistas contemporâneos «Sempre tem alguma coisa preciosa em vinil, ali, esperando» A agulha desliza sobre os sul- cos do disco, captando as vi- brações e convertendo-as em música. Nada de chia- dos. Os Long Plays e as vitro- las estão de volta às pratelei- ras. Mas não são antigos. Acabaram de sair da fábrica, têm cheiro de novo, e estão cada vez mais hi-tech. Hoje, as pick ups tocam CDs e mp3, têm saídas USB e se impõem em qualquer ambiente. Em meio às crises e revoluções, que vol- ta e meia se abatem sobre a indústria do disco, há sempre um movimento de preser- vação desse velho modo de consumo mu- sical. A “morte” do vinil se deu em meados dos anos 1990, com a popularização do CD. Mas uma legião de puristas agarrou-se ao LP, testando a resistência à renite alérgica em sebos e lojas de eletrônicos usados. A ressurreição que está aí vai na contra- mão da indústria, fazendo contraponto à saturação do mp3 e à imaterialidade da música. Afinal, o formato álbum, com co- meço, meio e fim, quase desapareceu e, ca- da vez mais, um público ávido por ouvir dis- cos inteiros (com arte de capa e qualidade sonora) força o mercado a se adequar. Ou- vir um vinil é uma experiência multissen- sorial: auditiva, tátil e visual. Para as os mais velhos e a nova geração, esse novo velho modo de fruição tem des- pertado, no Brasil, cada vez mais interesse, levando a indústria do disco a oferecer, ain- da que para um público restrito, material novíssimo e de alta qualidade. Um merca- do que atrai não só audiófilos, mas tam- bém um público novo, que se mantinha afastado por conta da poeiras dos sebos. MEMÓRIA Até onde a memória permite lembrar, Lucas Lopes nunca consumiu música em vi- nil. O interesse levou o pai a presenteá-lo com uma vitrola Numark USB PT01, com- prada em uma loja de instrumentos e que permite, além da audição do disco, conver- ter as faixas em mp3 e wav. “Olha, eu já estava planejando comprar uma vitrola e meu pai me deu essa de ani- versário. Confesso que ainda tremo na ho- ra de colocar a agulha sobre o disco. Ma- nipular um LP é uma experiência diferente, envolve mais toques. Não estou interessa- do em coisas velhas, quero comprar discos de bandas que estão produzindo agora”. Alguns discos em vinil novinhos e álbuns reeditados: Jorge Ben, Chico Science e Nação Zumbi, Tom Zé, Pitty e Bob Dylan Tom Zé, cantor e compositor Essa redescoberta pelas novas gerações surpreende, mas não espanta veteranos como Tom Zé, que teve dois dos seus mais emblemáticos discos relançados recente- mente no formato no Brasil (Todos os Olhos e Estudando o Samba), além de um boxe de luxo, The studies of Tom Zé, com três LPs, lançado no mercado americano pela gra- vadora Luaka Bop, de David Byrne. “Toda geração precisa de alguma rebel- dia para, depois de compreender seu tem- po, realizar a antítese dele. Os jovens sem- pre confrontam os pais com o modelo dos avós”, diz o artista que, ao lado da mulher, Neuza, é um confesso comprador de dis- cos. “Sempre tem alguma coisa preciosa em vinil, ali, nos esperando”. GATILHO DIGITAL A era digital foi justamente o gatilho que disparou o interesse pelos LPs no Brasil. “Mas o digital é uma radicalização muito grande e algumas pessoas sentiram sau- dades de lidar com o disco físico e a capa. Quando as pessoas entram em contato com o som, imediatamente, sentem o quanto a música digital roubou deles em qualidade”, diz João Augusto, presidente da Polysom, única fábrica de vinil da Amé- rica Latina (são 40 no mundo). A empresária Janaína Souza resolveu apostar na venda de vitrolas modernas na tabacaria que comanda em dois shoppings

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Matéria da revista MUITO sobre os lançamentos em vinil e o renascimento das vitrolas, cada vez mais high-tech

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Page 1: Eterno retorno

30 SALVADOR DOMINGO 17/7/2011 31SALVADOR DOMINGO 17/7/2011

ETERNORETORNO

A empresária Janaína Souza, da Tabacaria Corona, com a Crosley, que toca CD e vinil: aposta na venda de vitrolas modernas

Texto MARCEL [email protected] FERNANDO [email protected]

O disco em vinil ocupa ummercado cada vez mais refinado,com vitrolas hi-tech e lançamentosde artistas contemporâneos

«Sempre temalguma coisapreciosa em vinil,ali, esperando»A

agulha desliza sobre os sul-

cos do disco, captando as vi-

brações e convertendo-as

em música. Nada de chia-

dos. Os Long Plays e as vitro-

lasestãodevoltaàspratelei-

ras.Masnãosãoantigos.Acabaramdesair

dafábrica,têmcheirodenovo,eestãocada

vez mais hi-tech. Hoje, as pick ups tocam

CDs e mp3, têm saídas USB e se impõem

em qualquer ambiente.

Em meio às crises e revoluções, que vol-

ta e meia se abatem sobre a indústria do

disco,hásempreummovimentodepreser-

vação desse velho modo de consumo mu-

sical. A “morte” do vinil se deu em meados

dosanos1990,comapopularizaçãodoCD.

Mas uma legião de puristas agarrou-se ao

LP, testando a resistência à renite alérgica

em sebos e lojas de eletrônicos usados.

A ressurreição que está aí vai na contra-

mão da indústria, fazendo contraponto à

saturação do mp3 e à imaterialidade da

música. Afinal, o formato álbum, com co-

meço,meioefim,quasedesapareceue,ca-

davezmais,umpúblicoávidoporouvirdis-

cos inteiros (com arte de capa e qualidade

sonora) força o mercado a se adequar. Ou-

vir um vinil é uma experiência multissen-

sorial: auditiva, tátil e visual.

Para as os mais velhos e a nova geração,

esse novo velho modo de fruição tem des-

pertado, no Brasil, cada vez mais interesse,

levandoa indústriadodiscoaoferecer,ain-

da que para um público restrito, material

novíssimo e de alta qualidade. Um merca-

do que atrai não só audiófilos, mas tam-

bém um público novo, que se mantinha

afastado por conta da poeiras dos sebos.

MEMÓRIAAté onde a memória permite lembrar,

Lucas Lopes nunca consumiu música em vi-

nil. O interesse levou o pai a presenteá-lo

com uma vitrola Numark USB PT01, com-

prada em uma loja de instrumentos e que

permite, além da audição do disco, conver-

ter as faixas em mp3 e wav.

“Olha, eu já estava planejando comprar

uma vitrola e meu pai me deu essa de ani-

versário. Confesso que ainda tremo na ho-

ra de colocar a agulha sobre o disco. Ma-

nipular um LP é uma experiência diferente,

envolve mais toques. Não estou interessa-

do em coisas velhas, quero comprar discos

de bandas que estão produzindo agora”.

Alguns discos em vinil novinhos e álbuns reeditados: Jorge Ben, Chico Science e Nação Zumbi, Tom Zé, Pitty e Bob Dylan

Tom Zé, cantor e compositor

Essa redescoberta pelas novas gerações

surpreende, mas não espanta veteranos

como Tom Zé, que teve dois dos seus mais

emblemáticos discos relançados recente-

mentenoformatonoBrasil(TodososOlhos

e Estudando o Samba), além de um boxe

deluxo,ThestudiesofTomZé, comtrêsLPs,

lançado no mercado americano pela gra-

vadora Luaka Bop, de David Byrne.

“Toda geração precisa de alguma rebel-

dia para, depois de compreender seu tem-

po, realizar a antítese dele. Os jovens sem-

pre confrontam os pais com o modelo dos

avós”, diz o artista que, ao lado da mulher,

Neuza, é um confesso comprador de dis-

cos. “Sempre tem alguma coisa preciosa

em vinil, ali, nos esperando”.

GATILHO DIGITALAeradigital foi justamenteogatilhoque

disparou o interesse pelos LPs no Brasil.

“Mas o digital é uma radicalização muito

grande e algumas pessoas sentiram sau-

dades de lidar com o disco físico e a capa.

Quando as pessoas entram em contato

com o som, imediatamente, sentem o

quanto a música digital roubou deles em

qualidade”, diz João Augusto, presidente

da Polysom, única fábrica de vinil da Amé-

rica Latina (são 40 no mundo).

A empresária Janaína Souza resolveu

apostar na venda de vitrolas modernas na

tabacariaquecomandaemdoisshoppings

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da cidade, a partir da percepção de que muitas pessoas possuíam

discos, mas não tinham onde tocá-los. Hoje, ela vende entre cinco

e seis aparelhos por mês. “Há cerca de três anos, comecei a per-

ceberessademandaefuiatrásdequemfabrica.Quemcompratem

gosto diferenciado. Além de ouvir música, acha que o design retrô

agrega estilo. E se quiser fazer uma festa, o aparelho tem entrada

para alto-falantes mais potentes”.

O reaquecimento do mercado nacional se deve, em muito, à

reabertura, em 2009, da Polysom, situada em Belfort Roxo, Bai-

xada Fluminense. A fábrica produz material equiparável aos me-

lhores do mundo e tem capacidade produtiva de três mil unidades

pordia.Atualmenteproduzmetadedisso(incluindocompactos).A

série “Clássicos em Vinil” já relançou, em discos de 180 gramas,

álbuns de grandes artistas como Secos e Molhados, Tom Zé, Chico

Science e Nação Zumbi, Titãs e Novos Baianos.

O preço ainda é doloroso. Cada LP não sai por menos de R$ 70.

“Os impostos não deixam baratear. A carga é de 66%. Isso é cau-

sado por uma cadeia tributária que começa na aquisição das ma-

térias-primas. Mas nossa meta é popularizar”, diz João Augusto.

Mas dá para driblar a cascata de impostos e comprar discos im-

portados, inclusive de artistas brasileiros

como Mutantes, Caetano Veloso e Tom Zé,

ainda não relançados por aqui, em lojas

virtuais,porpreçosquechegamaumquar-

to do cobrado por encomenda. A nova-ior-

quina Insound (www.insound.com), por

exemplo, tem de tudo: lançamentos, pic-

ture discs, acessórios, itens de decoração, e

o envio custa menos que um Sedex. Outra

opçãoérecorreraossebos.OcentrodeSal-

vador está repleto deles.

SANTO DE CASAJoão Paulo Bueno, coordenador nacio-

naldosetordemusicaisdaLivrariaCultura,

tem 200 discos na sua coleção. Afinal, san-

to de casa também tem de fazer milagres.

ElevoltouavenderLPsem2007,apartirda

demanda dos clientes que encomenda-

vam importados. Atualmente, a venda de

LPs se sustenta sozinha e é responsável por 5% do faturamento do

setor. E Bueno aposta na estabilização do mercado.

“Devecresceraindaumpouco,masnãomuito.Nãodependesó

do consumidor de música, mas sobretudo, dos fabricantes de

players. O custo de produção dos nacionais chega a ser bem mais

alto que o dos importados”. Jorge Ben, Ultraje a Rigor e Chico

Science e Nação Zumbi vendem muito bem, obrigado.

E o primeiro estampido da agulha sobre o disco é considerado

parte sagrada da liturgia de quem compra, como explica a ven-

dedora da Cultura Clarissa Albergaria, também colencionadora de

vinis. “Na loja, não tem audição de LPs, como fazemos normal-

mente com os CDs. A primeira audição do vinil é única”.

A integraçãodos formatosviroutendêncianosEstadosUnidose

na Europa e já deu os primeiros passos por aqui. Os produtos vêm

“completos”, em um pacote composto por LPs, CDs e cupom para

download em mp3 de alta qualidade. “A Sony Music colocou no

mercado nacional, em 2009, a coleção Meu Primeiro Disco, que

relançou os álbuns de estreia de 30 grandes artistas, como João

Bosco, Vinícius Cantuária e Chico Science e Nação Zumbi e foi um

sucesso”, conta João Bueno.

Em 16 de maio, foi realizado nos EUA e na Europa o movimento

“Record Store Day”, com o objetivo de voltar os olhos do mundo

paraas lojasdediscos,emviasdeextinção,comaadesãodevários

artistas que gravaram faixas exclusivas. “No ano que vem, pen-

samos em aderir, com preços diferenciados, buscando engajar os

brasileiros”. É um movimento também antipirataria. “Como você

vai piratear um LP?”, desafia João Augusto.

OS ARTISTASAlém de Tom Zé, baianos como Pitty, que lançou seu último dis-

co, Chiaroscuro, em vinil, e a banda Vivendo do Ócio têm endos-

sado o formato. “Foi uma ideia do (produtor) Rafael Ramos. O

vinil, além de expandir o mercado fonográfico, traz uma facilidade

para as pessoas que têm esse fascínio pela coisa”, diz Jajá Cardoso,

vocalista e guitarrista.

“Mesmocomocustodeprodução,amúsicadelesganhouníveis

tão mais elevados em vinil que até um gasto a mais passa a valer

a pena. A repercussão tem sido tão grande que as gravadoras-par-

ceirasestãocadavezmaisabertasanoslicenciarseustítulos.Enote

que estamos falando de um catálogo infindável de discos inesque-

cíveis”, conta João Augusto. Mas o vinil não veio, claro, para subs-

tituir nenhum dos formatos. É uma opção a mais para a já com-

balida indústriadamúsica.Aagulhadeslizapelosulco finaldo lado

A. Talvez seja a hora de trocar de lado. «

DARYAN DORNELLES / DIVULGAÇÃO CLARIANA ZANUTTO / DIVULGAÇÃO

João Augusto, da

Polysom e João

Paulo Bueno, da

Livraria Cultura:

produção e

vendas

ONDE COMPRARLPsSaraiva71 3341-7020Cultura71 3505-9050VitrolasTabacaria Corona 713012-0515 /71 3204-1440Foxtrot Candeal71 3616-7777 /71 3616.7666

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não participam desta campanha.