eric havelock - prefácio a platão

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Prefácio a Platão

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    Nao surpreende, como dissemos, que os interpretesPlatao Lcnham relutado em toma-Io ao pe da letra,.verdade, a tentac;:aode fazer 0 contrario e cl'lorme. Naoo mestre, ele proprio, urn grande poeta C.)? .floderiaescritor C:111 tanta sel1sibilidade ter realntenteindiferente, mais ainda, hostil a dbposiC;:20 ritmicaelingua gem figurada, que constituem 0 segredo do estilonoel' .,:' "Jao, ere deve te,~alado de maneira ironic a eocasionalmente mal-humor~da. Sem sombra de duvida,nao pO(;~ ler querido dizer 0 que disse. 0 ataque a poesiapode ,-:di_~veSeri:-lleiramente e:x;plicado, reciuzicio as suasverdadeiras propotc()es, tOlllado inocuo 0 bastal1teparaajustar a nossa concep(n do que 0 platol1ismos~st~ilta.As~in", SF desenvolve subconscientemente 0 raciocinlocomo todos os demais, renete 0 preconceito moderno,que julga necessar~o, de tenpos em tempos, salvar Plataodasconsequencias'doq1.J~ ele podeestardizendo, ade ajusta:r stla filosofiaa .urn mundo ta~eravelmoderno.

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    Tilulo original em ingles: Preface to Plato Harvard University Press, 1963Tradu9ao: Enid Abreu Dobrimzsky

    Capa: Femando CornacchiaFoto: Rennalo Testa

    Cop/desque: Jazon da Silva SantosRev/saD: M6nica Saddy Martins

    Sabino Ferreira Affonso

    A oportunidadeparacompletaresle lrabalhofoj indiretamenleproper-cionada ao autor durante 0 periodo em que fei professor-visitante noFord Humanities Project, administrado pelo Canselho de CienciasHumanasda Universidadede Princeton.a alltor tern urna divida de gratidao para com 0 Conselho e seusfuncionarios,aUniversidadedePrinoatonetambemaFundayaoForet

    Havelock, EricPrefacio a Platao! Eric Haveiock; traduyao Enid Abreu Do-branzsky. -- Campinas, SP: Papirus, 1996.

    Indices para cab\logo sistematico:1. Fil6sofos gregos antigos 1802. Grecia antiga: Filosofia 180

    DEDALUS Acervo FFLCH

    1111111 11111lijlll 1111111111 111111111111111 1111111111 11111 1111 Ifl I

    DIF1EITOSRESERVADOS PARA A liNGUA PORTUGUESA:@ M.R. Cornacchia Livraria e Editora. Ltda - PapjnJ~;Editor-a-Malriz- F.: (019)231-:3534e231-3500- C. P.736 elf' n001-970Campinas - Fiiial - F.: (011) 570-2877 Sao P"ulo 13rasil.

  • PARTE IOS PENSADORES FIGURATNOS

    1. A POESIA EM PLATAO

    2. MIMESIS

    3. A POESIA COMO COMUNICA

  • PARTE IOS PENSADORES FIGURATNOS

    1. A POESIA EM PLATAO

    2. MIMESIS

    3. A POESIA COMO COMUNICAc;::Ao CONSERVADA

    4. A ENCICLOPEDIA HOMERICA

    5. POEMA EPICO COMO REGISTRO VERSUS POEMA EPICOCOMO NARRATIVA

    6. A POESIA EM HESfoDO

    7. AS FONTES ORAlS DA INTELIGENCIA HELENICA

    8. A DISPOSIc;::Ao MENTAL HOMERICA

    9. A PSICOLOGIA DA DECLAMAc;::AO POETICA

    10. 0 CONTEUDO E A CARACTERISTICADO ENUNCIADO POET][CO

    115133153163

  • PARTE IIA NECESSIDADE DO PLATONISMO

    11. PSIQUE OU A SEPARA

  • mais como atomos de significado suspensos no vacuo do que como areasde significa
  • preservada na memona oral e la armazenada para reutiIiza\;ao? A estaaltura, voItei-me para a obra de MilrLan Parry e julguei ter visto 0 esbo\;oda resposta, e tambem umaresposta ao problema do motivo de Xen6fa-nes, Heraclito e Parmenides, para citar os primeiros tres fiI6sofos quesubsistem, terem falado daquela sua maneira estranha. 0 estilo afOrlsticopr6prio ao discurso oral representava nao apenas certos habitos verbaise versificatorios, mas tambem um matiz ou uma condi\;ao intelectual. Os

    'proprios pre-socraticos eram essencialmente pensadores orais, profetasdo concreto presos fortemente, por habitos muito antigos, ao passado ea formas de expressao que constituiam tambem formas de experiencia,mas estavam tentando entrever um vocabulario e uma sintaxe para urnfuturo proximo, quando 0 pensamento poderia ser expresso ern catego-rias organizadas numa sintaxe adequada ao enunciado abstrato. Essa foisua tarefa fundamental e que absorveu a maior parte de suas energias. Aocontrario de inventar sistemas a maneil-a fiIosofica posterior, estavamvoltados para a tarefa primordial de inventar uma lingll.lgem que tornariapossiveis os sistemas futuros. Eis, em linhas gerais, 0 novo quadro quecome

  • 1A POESIA EM PLATAO

    Por vezes ocorre, na hist6ria da palavra escrita, que uma obraimportante de literatura leve um titulo que nao reflete com fidelidade seuconteudo. Uma parte da obra passou a ser identificada com 0 todo, ou 0significado de um r6tulo deslocou-se na traduS;ao. Mas se 0 r6tuloapresenta uma associaS;ao corrente e reconhecivel pode vir a exercer umaespecie de controle mental sobre agueles que tomam 0 livro em suas maos._.~.-.-...- '.. . ~Eles criam ctativa que se adapta ao..1ituld, mas e desmentida poroa parte da essencia do que 0 au tar tem a dizer. Prendem-se a um

    pre-julgamento de suas intens;6es, permitindo, inadvertidamente, que suasmentes moldem 0 conteudo do que Ieem segundo a forma pedida.

    Essas observas;6es aplicam-se plenamente aquele tratado de Plataointitulado a Repzlblica. Nao fosse pelo titulo, poderia ser lido antes comoaquilo que e do que como um ensaio so' teoria politica ut6pica. Defato, apenas cerca de um ters;o da obra diz respeito proprTmne;-;e a5-luestaodo estado. 0 texto trata de nianeira detalhada e reiterada de umaquantidade de assuntos que dizem respeito a condiS;ao humana, mas estasquest6es SaG daquelas que nao se encaixam num tratado moderno sobrepolitica.

  • Em nenhuma outra obra isso se torna mais evidente ao leitor doque quando ele chega ao decimo e ultimo livro. Nao e prov3Vel que umautor que possua 0 talento de Platao para escrever tire a fon;:a do que estatentando dizer ao permitir que seus pensamentos divaguem no fim de seutexto. Todavia, essa parte final da Reptiblica abre com um exame danatureza nao da politica, mas da poesia. Colocando 0 poeta ao lado dopintor, ele argumenta que 0 artista produz uma versao da experiencia queesta duas vezes afastada da realidade; sua obra, na melhor das hipoteses,e frfvola e, na pior, perigosa tanto para a ciencia quanta para a moral; osmaiores poetas gregos, de Homero a Euripides, devem ser exdufdos dosistema educacional da Grecia. Esta tese surpreendente e levada adiantecom veemencia. A investida como um todo ocupa a primeira metade dolivro. Fica imediatamente evidente que um titulo como a Republica naopode nos preparar para 0 surgimento, nesta obra, de um ataque taofrontal a essencia da literatura grega. Se a discussao segue um plano e sea inveO'tida, vinda de onde vem, constitui U1}laparte essencial daqueleplano, entao 0 objetivo do tratado como um todo nao pode ser contidodentro dos limites daquilo a que denominamos teoria polftica.

    Retornaremos mais adiante a estrutura global da obra. Examinemosum pouco mais, por um momento, 0 tom e a consistencia do ataque deplatao. Ele inicia caracterizando 0 efeito da poesia como "uma destrui

  • experiencia que 0 poeta assim nos proporciona. Ele pode, certamente,1 d' 10representar rnilhares de situa\=oes e reproduzir rni hares e sentrmentos.

    o problema esta justamente nessa variedade. Mediante essa repre-senta\=ao, ele pode liberar em n6s um~ reserva correspo_nde1~tede rea\=aoempatica e evocar uma grande vanedade de emo\=oes. Todas elasperigosas, nenhuma adrnissivel. Em suma, 0 alvo dePlatao no poeta saGprecisamente aquelas qualidades que aplaudimos nele: sua versatilidade,sua universalidade, seu dominio do espectro das emo\=oes humanas, suaeloquencia e sincerldade assim como sua capacldade de dizer coisas quesomente ele pode dizer e revelar em n6s mesmos aquilo que somente elepode revelar. Todavia, para Platao, tudo isso e uma especie de enferrni-dade, e temos de indagar pOI que.

    Suas obje\=oes saG esclarecidas pelo contexto dos padroes que eleesta estabelecendo para a educa\=ao. Mas isso absolutamente nao nos ajudaa solucionar 0 que parece no minimo urn paradoxo em seu peI}samentoe, t:alvez, se julgado pelos nossos valOIes, urn absurdo.Para ele, a poesiacomo uma disciplina educativa apresenta urn perigo moral assim comointelectual. Ela confunde os valores de urn homem e 0 transforma num sersem carater, privando-o igualmente de qualquer intui\=ao da verdade. Suasqualidades esteticas saGmeras frivolidades e fornecem exemplos indignosde serem irnitados. Assim argumenta 0 fi16sofo. Mas, sem duvida alguma,se avaliassemos 0 possivel papel da poesia na educa\=ao, inverterfamosessas crfticas. A poesia pode ser edificante e ser uma inspira\=ao para 0ideal; pode ampliar nossos sentimentos morais; alem elisso, e esteticamentefiel, no sentido de que muitas vezes des cortina uma realidade como quesecreta, inacessivel a intelectos prosaicos. Ela nao poderia torna-la visivelsem a linguagem e as imagens e 0 ritmo, que constituem sua propriedadesingular, e quanta mais introduzrrmos essa especie de linguagem nosistema educacional, melhor.

    Nao surpreende, como dissemos, que os interpretes de Plataotenham relutado em toma-lo ao pe da letra. Na verdade, a tenta\=ao de fazero contrario e enorme. Nao foi 0 mestre, ele pr6prio, urn grande poeta,possuindo urn estilo tal que poderia abandonar 0 raciodnio abstrato paraapelar para todos os recursos da ilnagina\=ao, seja mediante uma repre-senta\=aovivida, seja mediante urn mito simb6lico? Poderia urn escritor comtanta sensibilidade ter realmente sido indiferente, mais ainda, hostil adisposi\=ao ritmica e a linguagem figurada, que constituem 0 segredo do

    estilo poetico? Nao, ele deve ter falado de maneira ironic a e ocasionalmen-te mal-humorada. Sem sombra de. duyida, nao Rode ter guerido dizer 2,...Quedisse. 0 ataque a poesia pode e deve ser inteiramente explicado,reduzido as suas verdadeiras propor\=oes, tornado in6cuo 0 bastante parase ajustar a nossa concep\=ao do que 0 platonismo sustenta.12

    Assim se desenvolve subc::mscientemente 0 raciodnio e, comotodos os demais, reflete 0 preconceito moderno, que julga necessario, detempos em tempos, salvar Platao das consequencias do que ele pode estardizendo, a fim de ajustar sua filosofia a urn mundo toleravel ao gostomoderno. Podemos chamar isso de metodo de redu\=ao - urn tipo deinterpreta\=ao que e possivel aplicar igualmente a certos aspectos da suapoHtica, sua psicologia e sua etica - e que consiste em podar suas arvoresaltas para que possam' ser transplantadas para urn jardim ornamentadoque n6s mesmos fizemos.

    o processo da poda foi aplicado muito generosamente aquelaparte da Repz:iblica que estamos focalizando. Foram utilizados algunstipos apropriados de instrumento e empregados em diferentes partes doargumento. No computo geral, conforma-se Platao ao gosto modernomediante a argumenta\=ao de que 0 projeto da Republica e ut6pico e quea exclusao da poesia diz respeito apenas a uma condi\=ao ideal, naoconcretizavel num futuro possivel ou em sociedades terrenas.13 Alguempoderia objetar que, ate mesrno neste caso, por que motivo, dentre todosos habitantes, deveria a Musa ser a unica aquinhoada com a exclusao daUtopia? Mas, na verdade, essa especie de evasiva para 0 raciodnio dePlatao depende, como dissemos, da afirma\=ao de que toda a Repz:iblica(assim chamada) e sobre politica. Nao e esse 0 r6tulo da garrafa? Sim,certamente; porem devemos admitir que 0 conteudo da garrafa, quandoprovado neste caso, tern urn gosto acentuado de teoria educacional enao de politica. As reformas propostas SaG consideradas urgentes nopresente: nao SaG ut6picas. A poesia nao e acusada de. uma ofens apolitica, mas de uma ofens a intelectual e, consequentemente, a disposi-\=aoque deve ser protegida contra a sua influencia e definida duas vezes

    " .. ,,14como 0 governo rntenor .

    Os criticos procuraram urn outro meio de fuga pela suposi\=ao deque as partes mais radicais da polemica de Platao se dirigem contra umamoda passageira na Cfitica literaria que havia sido alimentada pelos

  • sofistas. Eles, argumenta-se, haviam procurado usar astuciosamente ospoetascomo uma fonte de instrur;ao em todos os assuntos e levado essaspretensoes alem do razoavel/5 Essa explicar;ao nao procede. E verda deque Platao fala dos "defensores" da poesia,16 mas sem identifica-los comoprofissionais. Eles parecem ser mais porta-vozes da opiniao comum. Eletambem fala dessas pretensoes como se 0 proprio Homero as estivesseincitando; istoe, como se a opiniao publica partilhasse dessa opiniao

    17exagerada de Homero. Quanto aos sofistas, raras veze~; se observa,como se deveria, que 0 argumento de Platao neste ponto coloca-os naocomo seus inimigos, mas como seus aliados no combate educacional queesta travando contra os poetas.18 Isso pode nao estar conforme a ideiapreconcebida habitual dos criticos quanto a onde situar os sofistas comrelar;ao a Platao, mas, pelo menos por enquanto, ele os colocou numcontexto que impossibilita a crenr;a de que, ao atacar a poesia, esta seopondo a sua visao de poesia.

    A critica defensiva dispoe de mais uma outra arma no seu arsenal:argumentar que 0 alvo de Platao, pelo menos em parte do que ele diz,nao deve ser identificado com a poesia como tal, mas circunscrito aoteatro e ate mesmo a certas formas teatrais que seguiam uma modacorrente de realismo muito acentuado.19 0 texto, contudo, simplesmentenao permite urn tal desmembramento, como se Platao num ponto visassea Homero, Hesiodo e 0 teatro e, em outro, apenas 0 teatro. E verdadeque ele tern em mente principalmente a tragedia, simplesmente porque,imaginamos, e contemporanea. Mas 0 que surpreende e sua constanterecusa em tra~ar uma distinr;ao formal entre 0 poema epico e a tragediacomo generos diferentes, ou entre Ho:nero e Hesiodo de urn lado (poisHesiodo tambem e mencionadoio e os poetas tragicos de outro. A certaaltura, ele ate mesmo usa uma lingua gem que sugere ser a "tragedia", istoe, a arte dramatica, urn termo pdo qual ~;edefine toda poesia, aplicando-se igualmente aos "versos epicos ou iambicos". 21Nao importa, como eleparece deixar impHcito, se nos referimos a Homero ou a Esquilo. Eledefine 0 teorclo alvo de seu ataque como: "a~oes for~adas ou voluntarias,e que, em consequencia de as terem praticado, pensam ser felizes ouinfelizes, afligindo-se ou regozijando-se em todas essas circunstancias".ESt2,definir;ao aplica-se tio claramente a lliada quanto a qualquer pepde teatro.22 Alias, Plat:'lo ilustra em seguida 0 que quer dizer, citando adescri~ao que faz urn poeta da dor de urn pai pela perda de seu filho.

    Trata-se claramente de uma referencia a uma passagem citada anterior-mente na Repziblica, na qual Platao esta pensando na prostrar;ao dePriamo diante da morte de Heitor.23

    Os eruditos nao se sentiriam tentados a limitar ao teatro 0 alvo dePlatao nesses contextos, nao fosse 0 fato de ~{Ue0 filosofo parecerealmente dedicar urn tempo extraordinariamente longo it rea~ao emocio-nal da assistencia a uma representar;ao publica. 0 motivo para essapreocupar;ao sera apresentado num capitulo posterior. Na verdade, elafornece uma das pistas para 0 enigma, como urn todo, daquilo a quePlatao esta se referindo. Na nossa experiencia moderna, a unica situa~aoartistic a capaz de provocar uma rea~ao do publico semelhante it que eledescreve seria a representar;ao de uma per;a de teatro. Sentimo-nos,ponanto, tentados a concluir que Platao visa exclusivamente ao palco,esquecendo-nos de qce, na Grecia, a declamar;ao de urn poema epicotambem constituia uma representar;ao e de que 0 rapsod024 aparentemen-te explorava uma empatia com seu publico analoga it de urn ator.

    Essas tentativas de diminuir 0 impacto da investida de Plataorecorrem a sua dispersao por inumeros alvos. Suas inten~oes saG boas, masinterpretam malo espirito geral e 0 carater ca discussao. Esta forma umaunidade; alem disso, como observaremos numa an{llise posterior, e dirigidaem primeiro lugar contra 0 discurso poetico como tal e, em segundo lugar,contra a propria experiencia poetica, e e conduzida com uma enormedetermina~ao. Platao fala eloquentemente, da maneira como alguem quesente estar enfrentando urn oponente pode roso que pode arrebanhar todasas for~as da tradi~ao e da opiniao contemporanea contra si. Ele apela,argumenta, denuncia, lisonjeia. E urn Davi enfrentando urn Golias. Falacomo se nao tivesse outra alternativa senao travar a batalha ate 0 fim.

    Existe urn misterio aqui, urn enigma historico. Nao e possivelsoluciona-lo fingindo que nao existe, isto e, fingindo que platao nao querdizer 0 que diz. E obvio que a poesia a qual esta se referindo nao e aquelaque identificamos hoje como tal. Ou, mais propriamente, que a sua poesiae a nossa podem ter muito em comum, mas 0 que deve ter mudado e 0contexto no qual elas SaG praticadas. De alguma forma, Platao estafalando de uma condi~;'l0 cultural global que nao mais existe. Quais saoas pistas para esse misterio que alterou nossos val ores comuns a tal pontoque a poesi:a e agora considerada como umas das fontes mais inspiradorase fecundas do cultivo do intelecto e dos sentimentos?

  • Antes de procurar uma resposta para esse problema, sera necessa-rio amplia-lo. A polerr.Jca de Platao contra a poesia nao esta limltada aprimeira metade do ultimo livro. Na verd3de ele nos lembra, ja em seuprefacio, que a poesia "de carater mlmetico,,25 havia sido recusada.Trata-se de uma referencia a analise da lexis ou mecanismos verbaispoeticos, apresentada no Livro III da Republica e que, por sua vez, seguiaurn ataque anterior ao conteudo da poesia (logoi).26 Esse ataque iniciaraantes do fim do Livro II,27quando Platao propos urn programa de censurasevera e radical dos poetas gregos passados e presentes. Que orientac;;:aomoral, pergunta ele a si pr6prio e a seus leitores, a poesia tradicional podenos dar? Sua resposta e: muito pouca; isto e, se levarmos a serio ashist6rias dos deuses, her6is e homens comuns. Elas estao cheias deassassinatos e incestos, crueldade e traic;;:oes;de paixoes descontroladas;de fraquezas, covardias e maldades. A repetic;;:aode tais co isas s6 podelevar mentes jovens e influenciaveis a imitac;;:ao.A censura constitui aunica garantia. A posic;;:aode Platao nao e muito diferente, em suma,daqueles que defenderam uma revisao semelhante do Velho Testamentopara lei!ores jovens, exceto pelo fato de que, sendo a mltologia grega 0que era, suas propostas precisavam ser mais drasticas.

    Ate aqui, os objetivos do fil6sofo sao compreensfveis, concorde-mos ou nao com eles. Porem ele, entao, volta-se do conteudo das hist6riasnarradas pelos poetas para a considerac;;:ao sobre 0 modo como elas saGcontadas. a problema da substancia e seguido pelo do estilo, e e aquique 0 leitor simpatizante comec;;:aa se sentir logrado. Platao propoe umaclassificac;;:aoutil, senao simplista, da poesia em tres grupOS:28ou ela narrao que esta oCOlTendo, pela pr6pria boca do poeta, ou dramatiza 0 queesta ocorrendo deixando que os personagens em pessoa falem, ou utilizaambos os modos. Mais uma vez, e Homero que 0 fil6sofo tem em mente;ele e um expoente do estilo misto, ao passo que a tragedia estainteiramente voltada para a dramatizac;;:ao. Examinaremos essa analisemais detalhadamente no pr6ximo capitulo. Por enquanto, e suficienteobservar que Platao, obviamente, opoe-se ao estilo dramarico como tal.E verda de que, como se verificara, ele sera tolerado; isto e, admitir-se-a apoesia na forma de uma situac;;:aoou discurso dramatizados, contanto queos personagens assim apresentados sejam eticamente superiores. Masquando ele evoca esse contexto, no infcio do Livro X, ja se esqueceu29 deque pelo menos neste caso mostrara-se tolerante. Durante todo 0 Livro

    III, persiste uma secreta suspeita e relutancia com relac;;:aoa empatiadramatic a como tal. Ele parece julgar sempre preferfvel urn estilo pura-mente de~3criLivc)e sugere que, se Homero fosse parafraseado de modo acausal' urn efeito puramente descritivo, aquilo que esta dizendo deixariade ter importancia.30 Nao podemos, digamos, evitar a sensac;;:aode que atemesmo nesta discussao, muito menos radical em suas propostas do quea do Livro X, l'latao esta revelando uma hostilidade irredutivel comrelac;;:aoa experiencia poetica per se e a atividade irnaginativa que constituiuma parte tao consideravel dela. E isso eintrigante.

    Uma maneira de solucionar oenigma deve comec;;:arpela aborda-gem da Republica como urn todo e coloca-la sob urn ponto de vistaprospectivo, a fim de indagar: qual sera 0 papel global que a poesiaexerce neste tratado? Ele esta circunscrito as passagens ate agora exami-nadas, que consideram 0 que 0 poeta diz sob urn ponto de vistaanalftico? Nao, nao esUi. A tese formal que deve ser demonstrada edefendida no corpo da Republica e apresentada a discussao no infcio doLivro II.31 "S6crates" e desafiado a isolar 0 principio da moralidade noplano abstrato e sua possivel existencia na alma humana como urnimperativo moral. Ela deve ser definida e defendida em si mesma; suasrecompensas ou castigos devem ser tratados como acidentais e deve sedemonstrar que esse tipo puro de moralidade constitui a condic;;:aohuman a mais feliz.32Esse desafio predomina no plano integral da obra33

    e, embora formalmente respondido no fim do Livro IX, continua a ser acausa motora do argumento do Livro X.34

    Por que 0 desafio e tao crucial? Sem duvida alguma, porque assinalauma inovac;;:ao.Urn tal grau de pureza na moralidade jamais havia sidoirnaginavel antes. Aquilo de que a Grecia desfrutou ate entao (diz Adiman-to, numa passagem de grande eloquencia e .'inceridadey5 e uma tradic;;:aode uma meia-moralidade, uma especie de zona difusa, na melhor daship6teses urn comprornisso e, na pior, uma conspirac;;:aocinica, segundo aqual a gerac;;:aomais jovem e continuarnente doutrinada na visao de que 0essencial nao e tanto a moralidade quanto 0 prestigio social e recompensamaterial que podem provir de uma reputac;;:aomoral, seja esta merecida ounao. au entao (e isso nao constitui uma contradic;;:ao) os jovens saoimperceptivelrnente advertidos de que a virtu de, obviamente, e 0 ideal,mas e difkil e rnuitas vezes mal recornpensada. Na maioria das vezes, afalta de principios e rnais vantajosa. as deuses muito frequenternente nao

  • recompensam as corruptos? A conduta imoral, sob todos as aspectos, po deser facilmente expiada par ritos religiosos. 0 resultado final e que aadolescente grego e incessantemente condicionado a uma atitude que, nofundo, e cinica. E mais importante manter as aparencias do que exercer aprMica. 0 decoro e a comportamento decente nao sao, obviamente,infringidos, mas a essencia do principia sim.

    Trata-se de uma acusa

  • deles, fornece~se urn pretexto polItico, mediante a introdu~ao dos guar-diaes no Livro II e dos reis-fil6sofos no Livro V. No primeiro nivel, 0currfculo poetico tradicional deve ser mantido mas sucessivamente expur-gada segundo prindpios que nos parecem urn tanto curiosos; no segun-dId 1 .. ~.460, e e eve ser expu so sem malOres cenmoruas.

    Essa discussao e grandiosa e esplendida, urn documento monu-mental da hist6ria da cultura europeia. Ela assinala a introdu~aC? dosistema universit:irio no ocidente. Mas apresenta para 0 pensamentomoderno varios problemas de natureza hist6rica. Por que, em primeirolugar, no sistema educacional vigente na Grecia, a poesia e tratada comouma questao absolutamente central? Ela parece, a nos fiarmos em Platao,desfrutar de um monop6lio total. Por que, em segundo lugar, Plataopropoe reformas tao intrigantes no campo do estilo poetico? Por que adramatiza~ao e tao importante e por que ele a considera tao perigosa? E,em terceiro, por que ele sente ser tao vital exc1uir inteiramente a poesiado currfculo universitario, que constitui exatamente 0 lugar onde 0 gostoe a pritica modernos julgam ser posslvel, nos estudos humanisticos,explorar todas as possibilidades da experiencia poetica? Por que Plataosente-se tao envolvido numa guerra ferrenha com rela~ao a experienciapoetica como tal?As respostas a estas perguntas podem nao ser irrelevan-tes para uma hist6ria do pensamento grego.

    8.602dl-4.

    9. 604b6-d3.

    10. 604el-2 ouxouv 'to !-LEVnOAATlV !-Lt!-LT)O'lV.xa.t nOtxlAT)V eXEt, 'to eqa-vaXCT)'ttxOv.

    11. 605d3-4.

    12. 0 que se poderia chamar estudos magistrais sobre Platao (Zeller, Nettleship,Wilamowitz, Shorey, entre outros), deparando-se com 0 que parece surpreen-dente ou nao palatavel na primeira metade do Livro X, continuou a insistirem que uma porta seja chamada de porta. Nettleship, por exemplo, fugindoa tentas;:ao de diminuir 0 alvo de Platao, identifica-o como "literatura imagi-nativa" (pp. 349, 351), citando 0 romance contemporaneo (vitoriano) comourn correspondente. Outros, que levam 0 alvo igualmente a serio, recorreramtodavia a inventividade. Assim, Ferguson Untrod., p.2l) propoe que "sejapraticamente certo que a crftica estetica da Republica tenha sido herdada deS6crates por Plamo" e sustenta a hip6tese com uma descril;ao improvavel de urnS6crates que poderia ser atrafdo por urn livro "como urn jumento por umacenoura". Segundo Friedlaender, pm outro lado, 0 poeta mimetico do Livro Xdeve ser comparado com 0 autar das dialogos do pr6prio Plamo; cf. tambemLodge, pp.173-174, que, no entanto, tenta als;:aros dialogos ao nfvel metaffsico,ao passo que Friedlaender (se 0 interpreto corretam'~nte) os rebab:a. (Nas Leis811c, contudo, os dialogos sao recomendados como urn tipo de composis;:ao quedeveria substituir a poesia.) Tais explicas;:oes tern pelo menos 0 merito deperceber que Plamo esta falando serio. 0 caminho contrario, a5sirn como osestudos que 0 seguiram, e examinado abaixo, cip.2, n.37. Nao e de se admirarque a tentas;:ao de fazer uma analise ambfb'Ua da quesmo acabe por ser grande(cf. Atkins, pp.47-50, que manifesta tanto il1clinas;:aoquanta relurancia em tomaras palavras de Plamo "no seu sentido literal").

    13. Greene, pp. 55-56 (que, no entanto, recusa-se a falsear 0 sentido evidente doLivro X, considerado isoladamente: "E obviament.e seu int.ento, nest.a pass a-gem, denegrir a poesia tant.o quant.o possfve!") e Grube, p.203: "Eles saot.odos banidos do estado ideal. Mas est.e, repito, e 0 estado ideal".

    14. Acima, nA.

    15. Cornford, p. 322: "0 principal objeto do ataque ... e a pretensao comumentemanifestada pelos sofistas ... de que Homero em especial e em menor grau osdramaturgos eram os mestres de todo conhecimento tecnico." Cf. ibid., p.333, n. 2. Ferguson (notas sobre 598d4 e 606el) cita Antfstenes para 0 papelde EnawE'tT)C;' O!-LT]Qou.

    16. 598c7 e d8, 606el, 607d6 'tOte; nQ00'tci.'ta,te; au'tile;.

    2. 595b5 AWj3T)... 'tile; 'tWv ixxoU0V'tWVOtavotae;.

    3. 608b4 !-LEyae;y&!J,

  • 17. 599c6 ss.

    18. 600c6 ss.

    19. Webster, "Gk. Theories", pp. 166-167, que e seguido pOI' Cornford, pp. 324 e'335, n.l.

    20.600d6.

    21. 602b8-10.

    22. Com 603c4 nQch1:oV'tcx.C;, cpcx.J.LV, ixv8QcOnouc; J.L1J.Lt1:ex.tt] J.L1J.LTJ1:1XJ1131cx.iouC;1'\ Exoucricx.C;RQ~... cf. 606e2 nncx.iOuxEV 01noc; b n01TJTi]e;xx't nQbc; OlOt.xr]crtv 1: xx't nex.tOdcx.v 1:OwixvSQconivcov RQcx.'Ylla1:cov.

    23. 603e3 ss. refere-se retrospectivamente (Ay0J.LV) ao Livro 2, 387d ss. eparticularmente a 388b4 ss.

    24. Em 600d6, Platao emprega bcx.\jfcpotVpara descrever a atividade tanto deHomero quanto de Hesiodo.

    25. 595a5; ef. abaixo, n.29.

    26. 392c6 Tex J.LEV 01']Mycov nQ1 X1:CO1:EAoe;'1:0OE A~COC;... J.L1:Cx1:0U1:0

    crxEn1:ov.

    ciente para proporcionar n1crT]J.Lll(522a5), e entao acrescenta Platao:

    J.LaSllJ.Lcx.OEnQbc; 1:01OU1:0V1:1ayov, OlOVou VUV Sl11:tC;,OUC:lEVTjv V cx.1nTl.E precisamente a falta inedutivel de sse mathema no interior da "musica" que eexposta cabalmente no Livro X. Ponm, no nivel universitaIio, Platiio e obrigadoa examinar 0 papel de seus proprios dialogos, principalmente a Repl7blica. Elescontinuam a ser uma alternativa valida a "rnusica"; eles sac ou nao uma formade poiesis? Na verdade, sim (sobre poiesis, cap.2, n.37; FIiedlaender parece tel'considerado esse fato, mas nao a distin~ao implfcita entre 0 dialogo em prosa ea poesia; cf. acima, n.12). Platao, com urna imprecisao terminologica tipica, estaaqui pensando na poiesis no sentido geral e esta agora apto a demonstrar queurn membro de sua especie - a saber, 0 cun-Iculo poetico tradicional - deveser expulso da educa~ao superior.

    30. 601b2 ss.; cf. 393d8 ss.

    31. Cornford, pAl: "A questao com a qual Socrates deve se defrontar e reabertapor Glauco e Adimanto."

    32. Cf. abaixo, cap.12, pp. 242 ss.

    33. Abaixo, cap.12, notas 13, 20.

    34. Mas explicitamente lembrada apenas com rela~ao a segunda metade do LivroX, em 612b2 ss.

    35. 362e1-367a4.27. 377b5 ss.

    28. 392d2 ss.

    29. 595a1-5, onde aparentemente se afirma 1:0 J.Lll0cx.J.LTlncx.Qcx.oxcrScx.1cx.1nilc;

    (isto e 1:ile;lW1T]crCOC;)ocrll fJ.1fJ.ll1:1.xf]como se Fosse 0 principio ja defendidono Livre III. Esse estilo de Platao provocou do is problemas de interpreta~aodiferentes: (i) Nem toda poesia mimetica foi banida no Livro III. Comoexplicar a aparente contradi~ao entre III e X? (Este fato encorajou a dedu~aode que 0 Livro X constitui urn adendo posterior e que a conexao foidescuidada; d. abaixo, nA6.) (iO Pelo modo como se desenvolve a discussaodo Livro X, fica evidente que a mimesis deve ser tratada como equivalente atoda a poesia, e nao apenas a uma patte dela (negado pOI' Collingwood, masao pre~o de distorcer 0 texto de Platao, como aponta Rosen, pp. 139-40).Como explicar entao essa segunda evidente contradi~ao dentro do proprioLivro X? A solu~ao comum a ambas as quest,5es jaz no fato de que a visaoplat6nica da poesia e governada pOI' seu programa educacional (abaixo,n.36). No nive! da elite nao ha lugar para a poesia, como havia no escolar.

    POI' conseguinte, a frase aqui empregada em 595a2 ncx.vpbc; aQcx. fJ.WeAOV

    bQSru; 0xtSOfJ.V 1:1']v nOA1v refere-se ao programa do Livro VII e particular-mente a 7. 521b13 ss., onde tanto a ginastica quanto a musica eramdescartadas como inadequadas para Esse programa, sendo a musica insufi-

    36. A ansiedade em adequar a doutrina do Livro X a uma teoria da arte (abaixo,cap.2, n.37) acarreta uma relutancia em admitir no pensamento de P!atao aprioridade dada as finalidades educacionais sobre as esteticas; cf. Verdenius,p. 9: "Platao gosta de disfar~ar seus pontos de vista teoricos com entusiasmopedagogico"; p. 19: "as deficii':ncias da poesia ... sao exageradas por Plataoem favor de seu objetivo pedagogico"; e p. 24: "... urn retorno inevitavel aposi~ao pedagogica".

    37. Sem duvida 0 Livro I e "politico", no sentido de que 0 desafio de Trasimacodepende principalmente de sua visao de como os governos s~lo formados ede como os estados sac real mente governados, parececendo ignorar 0problema educacional (embora na verda de exponha ab initio, 331e ss., 0problema da autoridade dos poetas; cf. Atkins, p. 39). Sua natureza ajudou aestimular nos leitores a visao da Repz7blica como urn ensaio sobre teoriapolitica. Mas origina!mente 0 livIO pode tel' sido escrito como urn di~ilogo"aporetico" separado (d. Cornford, CQ. 1912, p.254, n.3), e eu 0 excluiestatiscamente para expor a homogeneidade do plano nos nove seguintes. Ateoria politica e apresentada no Livro II 368e-374e, do Livre III !l12b ao LivroIV 434a, Livro V 449a-473b, do L1VroVIII 543a ao Livro IX 576b. Isso malchega a 81 paginas Stephanus dentre 239.

  • 38. Em 374d8 (num contexto polftico), os phylakes sac apresentados; em 374e4-376d, seu "tipo" (physz:") humano correspondente e definido, ate que em376e2 faz-se a pergunta 'tle; ouv 11 TCa1oda: Como esse tipo deve ser

    treinado? A resposta termina em 412b2 01. !-lEVor, 'tUTCal'tlle; TCcnodae; 'tE

    XCX.l. 'tQOcplle;ou'tal Cxv lEV. Isso encerra a reforma do currfculo escolarvigente. Em 473c11 (num contexte polftico), 0 philosophos e apresentado; em474b4, 0 problema do seu tipo humano e abordado pela primeira vez e aresposta, embora implique a Teoria das Formas, e retomada no Livro VI 485a4

  • 2MIMESIS

    Falamos da tendencia subjacente da hostilidade de Platao a expe-riencia poetica como tal - urn fenomeno extremamente desconcertantepara 0 platonico, que pode se sentir, nesta questao, abandonado pelomestre. A critica de Platao a poesia e a condiyao poetica e de fatocomplexa, e e impossive1 entende-la a menos que estejamos preparadospara chegar a urn acordo sobre a mais instave1 das palavras do seuvocabulario filos6fico, a palavra grega mimesis.] Na Repltblica, Plataoemprega-a em primeiro lugar como uma classificayao estilistica paradefinir a obra dramatica em oposiyao a descritiva. Porem, a medida quee1e avanya, parece amplia-la ate abarcar varios outros fenomenos. Quan-do os compreendemos, algumas das pistas para a natureza da situayaocultural grega comeyam a emergir.

    Tal palavra aparece2 quando, no Livro III, ele passa do tipo dehist6ria narrada pe10 poeta para 0 problema da "tecnica de comunicayaoverbal" do poeta. Esta expressao inc6moda pode ser adequada a traduyaodas nuanyas do vocabulo grego lexis, que, como se ve claramente amedida que Platao prossegue, abarca toda a estrutura verbal, ritmica efigurativa de que disp6e 0 poeta. A critica que se segue agora, se a

  • observarmos atentamente, divide-se em tres partes. Platao inicia exami-nando 0 caso do poeta per se,3 seu estilo e os efeitos que ele pode obter.Em meio a essa discussao, e1e faz urn desvio para refletir sobre osproblemas ligados a psicologia dos "guardiaes",4 isto e, dos seus soldadoscidadaos, problemas que considera relacionados, mas que certamenteconcernem a uma c1asse diferenciada na comunidade, pois nao se podedizer que os soldados cidadaos sejam, por alguma extensao da imagina-
  • parte uma analise estilistica e em parte urn juizo filos6fico: "0 mododramatico-mimetico comporta todas formas de variac;;:oes."llEle e poli-morfo e, poderiamos dizer, exibe as caracteristicas de urn fluxo deexperiencia rico e imprevisivel. 0 modo descritivo reduz drasticamenteessa tendencia. Deveremos, portanta, admitir 0 desempenho daque1aespecie de poeta versatil cujo talento the permite ser qualquer tipo depessoa e representar tudo e qualquer coisa?12Decididamente, nao. :E61:vio, portanto, que a situac;;:aodo artista criador e a do executante deuma obra de arte ainda se sobrepoem na mente de Platao.

    Mas essa perorac;;:aolevanta ainda urn outro problema que mencio-namos no capitulo anterior. Por que sera 0 fil6sofo tao profunda mentehostil a amplitude e versatilidade que a dramatizac;;:aopossibilita? Argu-mentou-se que seu alvo e meramente 0 reali~mo extremo e grosseiro dealguns contemporaneos.13 Porem, a objec;;:aofilos6fica diz respeito avariedade e amplitude I~mprincfpio, e se aplicara tanto ao drama bornquanta ao ruim. POI'que a virtude poetica (aos nossos olhos), que ampliatanto 0 campo do significado do produto quanta a empatia emotivanopublico, converte-se em Platao exatamente num vido?

    que lhes impoem nao sera estritamente tecnica, mas uma outra, que exigecarateI' e juizo etico. Estes,diz ele, sac exatamente produtos de urntreinamento que empregue uma constante "imitac;;:ao",exercitada "desdea infancia".19Portanto, 0 contexto da discussao desviou-se claramente daquestao artistica para a educacional. Porem isso apenas complica aindamais 0 misterio da ambivalencia da mimesis. POl' que deveria Platao, naosatisfeito com empregar a mesma palavra tanto para a criac;;:aoquanto paraa declamac;;:aodo poema, aplica-Ia tambem ao ato de aprender realizadopelo aluno') POl' que, em suma, as situac;;:oesdo artista, do ator e doestudante sac confundidas? E isso nem esgota as ambigtiidades dapalavra. Pois, quando e1e discorre acaloradamente sobre seu tema doguardiao-estudante e sobre como sua conduta moral depende do tipocarreto de "imitac;;:oes",0 aluno parece se tornar urn homem adult0

    20que,

    pOl' algum motivo, esta incessantemente ocupado em recital' ou declamarpoemas que podem envolve-Io em generos inadequados de imitac;;:ao.Seria preferivel,diz Platao, cuidar de exercer uma censura sobre suapr6pria atuac;;:ao.Em suma, a questao poetica esta misturada nao apenascom a educacional mas tambem esta, portanto com a do entretenimento,se e que e esta a palavra correta para descrever 0 estado de espirito darecitac;;:aoadulta.

    Nao admira portanto que os eruditos e os criticas tenham encon-trado dificuldade para concluir exatamente 0 que Platao quer dizer commimesis21 Mas antes de deixarmos 0 Livro III ha ainda uma outracomplicac;;:ao a ser considerada. Quando introduzida, a palavra foiempregada para definir apenas urn eidos22 ou genero de composic;;:ao,asaber, 0 dramatico, ao qual se opunha tanto 0 estilo "simples" danarrac;;:aodireta quanto 0 "misto", que emprega ambos. Este significadomantem-se durante a maior parte da discussao sobre estilo. Porem, antesdo fim, Adimanto, sem nenhuma objec;;:aopOl' parte de S6crates, podefalar daquela "imitac;;:aode urn homem de bem, que e pura".23 Sera issourn lapso ou deveremos inferir que a imitac;;:aoe um ten110 que tambemse aplica aos tipos nao-dramaticos de poesia? E, portanto, a tocla poesiaqua poesia?

    Esta e exatamente a acepc;;:aodad a a palavra quando a discussaose desenrola no Livro X. :E verdade que a poesia que deve ser banida e,inicialmente, qualificada como "poesia na medida em que e mimetica",mas essa qualificac;;:aoparece depois ser deixada de lado.24 Platao, como

    Na parte media da sua discussao, Platao subitamente passa dospoetas e executantes ao exame dos jovens guardiaes do seu Estado eaplica ao seu caso a situac;;:aomimetica. Deverao ser imitadores? pergun-t 14 0 I - -a. ra, presume-se que e es nao serao nem poetas,nel11 atores, l11assoldados cidadaos e, neste caso, como pode 0 problema da mimesis, sese trata de uma questao de estilo e de metodo artistico, de alguma formadizer respeito a eles? A pista esta nas "profissoes", "atividades", "compor-tamentos" ou "praticas" (todas elas sac traduc;;:oespossiveis de uma unicapalavra grega: epitedeumata), que sao reconhecidamente fundamentaispara a vida desses jovens.15 Quando adultos, deverao se tornar "artificesda liberdade,,16 do Estado. Mas devem igualmente aprender esse offcio eo aprendem pela pratica e pelo exercicio, na verdade, pOl' uma educac;;:aomediante a qual sac treinados para "imitar" modelos de comportamentoestabelecidos.17 Por conseguinte, mimesis agora torna-se urn termo apli-cado a situac;;:aode urn aprendiz, que absorve e repete lic;;:oese, por isso,"imita" aquilo que the mandam dominar profundamente. A questaotorna-se mais clara quando Platao lembra aquele principio social eeducacional anterior, que requeria divisao e especializac;;:aode trabalho.18

    Os jovens guardiaes apresentam urn problema de treinamento. A tarefa

  • ele mesmo diz, tem agora uma Vlsao mais precisa do que a poesiarealmente e.25 Ele superou a critica do Livro III, que lirnitava seu alvo aoteatro. Agora, nao apenas 0 dramaturgo mas Homero e Heslodo saGdiscutidos. A questao tambem nao esta mais circuns,.::ritaa preserva\;aodo carater moral. 0 perigo e mutilar 0 intelecto. E por que? A resposta,diz ele exigira uma defini\;ao completa e exat:stiva do que a mimesis

    , 26 d d' - 27significa realmente. Esta resposta depen e e aceltarmos ou nao adoutrina platonica, estabelecida nos livros intermediarios, de que 0conhecimento absoluto ou verdadeira ciencia, seja qual for 0 nome quepreferirmos Ihe dar, e 0 das Formas e somente delas, e de que a cienciaaplicada ou tecnica pratica depende de que os artefatos sejam c6pias dasFormas. 0 pintor28 e 0 poeta nao conseguem fazer nenhuma das duascoisas. A poesia nem sequer e nao-funcional; e antifuncional. Ela etotalmente desprovida do conhecimento exato que um artesao, porexemplo, pode empregar em seu ofkio,29 e menos ainda pode udlizaros objetivos e metas bem definidas que guiam 0 educador habilidoso noseu treinamento do intelecto. I,so porque esse adestramento dependeda capacidade de calculo e rnensura\;ao; as ilusoes da experienciasenslvel saG corrigidas com discernimento pelo controle exercido pelarazao. A poesia, per contra, incorre constantemente na ilusao, confusaoe irracionalidade.30 E nisso que, em ultima analise, consiste a mimesis,um teatro de sombras fantasmag6ricas, como aquelas imagens vistas naescuridao, na parede cia caverna.31

    Fizemos um resumo da parte fundamental dessa discussao. Numcapitulo posterior, retornaremos a ela com maiores detalhes. Mas ficaevidente agora que mimesis torn01.;-se a palavra par excellence para 0instrumento lingufstico pr6prio do poeta e sua capacidade especial deutilizar-se dele Cincluindo-se, no ataque, ritmo e figuras) para representara realidade. Para Platao, a realidade ou e racional, cientffica e 16gica, ounao f~nada. 0 instrumento poetico, 310contrario de revelar as verdadeirasrela\;oes entre as coisas ou as verdadeiras definis;:oes das virtudes morais,forma uma especie de tela refratora que mascara e distorce a realidade e,310mesmo tempo, distrai-nos e nos prega pe\;as recorrendo a mais-superficial das nossas perceps;:oes.

    Portanto, a lnimesis constitui agora 0 ato integral da representa\;aopoetica, e nao mais apenas 0 estilo dramatico. Com que fundamentopoderia Platao empregar a mesma palavra primeiro no sentido restrito e

    depois no sentido mais amplo? E de que maneira, repetimos, poderemosexplicar nesse sentido mais amplo a hostilidade filos6fica essencial aexperiencia poetica como tal?

    Quando ele examina cuidcldosamente 0 fundamento da poesia,busca igualmente deflnir aquela parte da nossa consciencia para a qualela esta destinada a chamar a aten\;a032 e a qual a lingua gem e 0 rttmopoeticos estio dirigidos. Esse e 0 campo do nao-racional, das emos;:oespatol6gicas, dos sentimentos irrefreaveis e instaveis, mediante os quaissentimos mas nunca refletimos. Quando cedeme,s a esses estados, elespodem enfraquecer e destruir aquela faculdade unica, a racional, na qualse funda a esperans;:a de salvas;:aopessoaI e 1.31mbem de gararrtia cientffi-ca.33 A mimesis acabou de ser aDlicada 310conteudo do discurso poetico.Porem, a medida que ele examina a atras;:ao que esse tipo de discursoexerce sobre nossa consci

  • ele mesmo diz, tern agora uma Vlsao mais precisa do que a poesiarealmente e025 Ele superou a crftica do Livro III, que limitava seu alvo 310teatroo Agora, nao apenas 0 dramaturgo mas Homero e Hesfodo saGdiscutidoso A questao tambem nao esti mais circuns,:rita a preservas;:aodo carMer moral. 0 perigo e mutilar 0 inteleo;oo E por que? A resposta,diz ele exigira uma definis;:ao completa e exallstiva do que a mimesis

    , 26 d d 0 - 27significa realmenteo Esta resposta depen e e aceltarmos ou nao adoutrina plat6nic31, estabelecida nos livros intermediarios, de que 0conhecimento absoluto ou verdadeira ciencia, seja qual for 0 nome quepreferirmos Ihe dar, e 0 das Formas e somente delas, e de que a cienciaaplicada ou tecnica pratica depende de que os artefatos sejam c6pias dasFormaso 0 pintor28 e 0 poeta nao conseguem fazer nenhuma das duascoisaso A poesia nem sequer e nao-funcional; e antifuncionaL Ela etotalmente desprovida do conhecimento exato que urn artesao, porexemplo, pode empregar em seu offcio, ~9 e menos ainda pode utilizaros objetivos e metas bem definidas que guiam 0 educador habilidoso noseu treinamento do intelectoo 18so porque esse adestramento dependeda capacidade de calculo e rnensuras;:ao; as ilusoes da experi{~nciasensfvel sao corrigidas com discernimento pelo controle exercido pelarazaoo A poesia, per contra, incorre constantemente na ilusao, confusaoe irracionalidade030 E nisso que, em ultima analise, consiste a mimesis,urn teatro de sombras fantasmag6ricas, como aquelas imagens vistas na

    d d d ~escun ao, na pare ea cavern a Fizemos urn resumo da parte fundamental dessa discussaoo Num

    capitulo posterior, retornalemos a ela com maiores detalheso Mas ficaevidente agora que mimesis tornou-se a palavra par excellence para 0instrumento lingufstico pr6prio do poeta e sua capacidade especial deutilizar-se dele Cincluindo-se, no ataque, ritmo e figuras) para representara realidadeo Para Platao, a realidade ou e racional, cientffica e 16gica, ounao e nadao 0 instrumento poetico, 310contrario de revelar as verdadeirasrelas;:oes entre as coisas ou as verdadeiras clefini

  • mimesis que Platao apresenta quando aplica a palavra ao proprio contex-to da comunica\;ao poetica, a essencia da experiencia poetizada. Por que,diabos, somos tentados a perguntar, deveria ele tentar julgar a poesiacomo se ela fosse ciencia ou filosofia ou matematica ou tecnologia? Porque exigir que 0 poeta "conhep", no sentido em que 0 carpinteiroconhece uma cama? Nao ha duvida de que e para rebaixal' os padroes dacria\;ao poetica, submetendo-a a criterios indevidos ou mesmo inadequa-dos e irrelevantes. 0 poeta precisa mesmo ser um perito no assunto sobreo qual canta? Uma tal pressuposi\;ao nao faz sentido.

    Essa, contudo, e exatamente a hip6tese que Platao, no Livro X,adota sem discussao, e ela nos leva a enfrentar nosso ultimo e mais crucialproblema na busca de pistas para 0 significado disso tudo. Vimos, nonosso exame do tratado como um todo, que a teoria educacional constituio cerne do plano da Reptlblica; portanto tambem a poesia 0 e com rela\;aoa teoria educacional. Ela aparentemente ocupava essa posi\;ao na socie-dade .::ontempodinea e constitula uma posi\;ao ba~jeada claramente, naonos motivos que apresentariamos, a saber, os efeitos sugestivos e imagi-nativos, mas no fato de que fornecia um repositorio de conhecimentosuteis, uma especie de enciclopedia de etica, polltica, historia e tecnologiaque os cidadaos ativos eram obrigados a aprendel' como a essencia doseu preparo educacional. A poesia representava nao somente algo quechamariamos por esse nome mas uma doutrina

  • poeta seja urn artista e, seus produtos, obras de arte. Platao parece, sobcerto aspecto, pensar da mesma maneira quando compara 0 poeta aoartista visual, 0 pintor. Porem ele nao estabelece essa compara
  • 5. Em 397al, mas a transi~ao e fornecida pela inser~ao de bi]1:oQoe;396el0.

    6. Cx:rcAfjOti]YT]1:EXVTle;596c5, 597a6). Isso permite a Platao construiruma hierarquia de produ~ao em series descendentes (d. Rosen, p. 142),

    isto>, uma hierarquia de "produtores" CnotTlw.i. 596d4). Este fato, por suavez, permite-lhe vincular verbalmente a essa serie 0 poietes por excel en-cia, a saber, 0 "poeta". A necessidade de construir essa serie explicaigualmente a teoria extraordinaria de que "0 born" deve ser 0 "produtor"da Forma. Mas 0 alvo fundamental continua a ser, nao 0 "artista" (nonosso sentido), mas exclusivamente 0 "produtor de palavras", isto e, 0"poeta" (597b6). Ele e (i) urn copiador indiscriminado de objetos flsicos,como numa reflexao (596b12 ss; isto parece pressupor a doutrina da

    E'txacri.a,cujo exemplq se encontra na se~ao inferior da Linha no LivroVI; cf. Nettleship, [. 347, e Paton, p. 100); e Gi) urn copiador que tambemrefrata e distorce e que, portanro, nao e fiel (598a7 ss., 602c7 ss.); istopressup6e a doutrina do nAcXVTlno Livro V (com 602c12 d. 479d9, e abaixo,cap. 12, n.37). Em suma, portanto, a tecniC8 do pintor torna-se temporaria-mente uti! a Platao, por (i) permitir a degrada~ao do poeta abaixo do artesaoeGi) ilustrar esses do is defeitos especialmente na poesia.

    29. 598c6-d5.

    30. 602c4603b8.

    31. 598b6 ss.

    32. 603bl0 sn' a1no au EA8wJ..l.EV1:fje;owvoi.ae; 1:01no

  • de Platao sobre a poesia e epistemologico e que, portanto, a expulsao destae determinada pelas premissas de seu proprio sistema. Urn rrumero enonnede eruditos (entre os quais Greene, Tate, Grube, Collingwood, Webster,Cornford, Lodge, Verdenius) recentemente procurou fugir dessa conclusao,movidos por duas hip6teses compreensiveis, porem equivocadas, (j) de queboa parte do significado de "arte" deve ter tido para Platao 0 mesmo sentidoque essa palavra tern para nos e, consequentement
  • Ate mesmo no Fedro, aquele suposto tributo a intuic;:aosuperior do artistainspirado (Atkins, p.53), 0 poietikos (248d-e), e relegado ao sexto lugar nadistancia com relac;:aoa realidade, abaixo tanto do philosophos quanto dopolitikos. Talvez seja possive! tentar lanc;:armao de urn quarto recurso paraconverter Platao nUmsimpatizanteda arte, casu que se ap6ia, nao na filologia,mas na manipulac;:aosemantica.As palavras "arte"e "artista"podem ser empre-gadas para traduzir 0 usa metaf6rico, em Platao, de palavras como techne edemiourgos ("a arte de viver", "a arte de govemar", "0 artista do universo"; d.Lodgepassim), e 0 que se diz nestes contextos metaf6ricose entao interpretadocomoparte da "teoriada alte" de Platao,no sentido prafissionaJ.p()]. con:,eguime,av~mesmo 0 fil6sofoplat6nico pode, mediante esse artiffcio,ser transformadonum "artista",eo texto de Platao ser reduzido a uma pasta gelatinosa capaz deadelir a qualquer objeto mental, no cerebra do critico.

    38. 597e3 ss.

    39. Lodge, p.96, a propos do LivroX, tern a capacidade de escrever: "0 escultore 0 pintor (e e essa a essencia das suas artes) produzem algo cujas praporc;:6esparecem "corretas" ao espectador e sugerem as proporc;:6es matematicasexatas do original." Considero 0 sentido de Platao exatamente 0 oposto; taisproporc;:6es,ao contrario de serem sugeridas, sao falsas.

    3A POESIA COMO COMUNICA

  • Ate mesmo no Fedro, aquele suposto tributo a intui
  • Em terceiro, por que Platao esta tao absolutamente determinado aexcluir toda e qualquer poesia da educas;:ao superior, em vez de lhecon.ceder ao menos um papel menor nesse myel?

    Em quarto, por que, quando ele aplica 0 termo mimesis a poesiae examina suas implicas;:aes, parece ter por certo que 0 "ato" de crias;:aodo artista, 0 "ato" de imitas;:aodo executante, 0 "ato" de aprender do alunoe 0 "ato" de recreas;:ao do adulto sejam todos sobrepostos? Por que essassituas;:aes estao tao confundidas e misturadas?

    Em quinto, por que ele pode aplicar 0 termo mimesis ora ao teatroora ao poema epico, e julgar que a distins;:ao de genero entre e1es naoimporta?

    Em sexto, por que ele esta frequentemente tao obcecado com apsicologia da reas;:aovivenciada pelo publico? Na sua descris;:aodo imp actoemocional da poesia, parece muitas vezes estar descrevendo uma situas;:aoquase patol6gica. Por pouco que seja, esta mostrando uma intensidade dereas;:aonos estudantes e no publico gregos que nos e estranha.

    Essas perguntas nao podem ser todas respondidas de uma s6 vez,mas formam um padrao interligado e conduzem a uma serie de conclu-saes que, tomadas em conjunto, esclarecem 0 carater geral da situas;:aocultural grega e comes;:am a revelar alguns dos segredos da mente grega.Iniciemos pela observas;:ao do fato bastante 6bvio, impHcito nos proble-mas cinco e seis, de que Platao encontra dificuldade em discutir a poesiaou fazer quaisquer afirmas;:aes sobre ela sem discutir tambem ascondis;:aes sob as quais ela e declamada. Isso se aplica notavelmente aprimeira exposis;:ao sobre a mimesis no Livro III; 0 mesmo ocorre na crfticamais avans;:ada e radical no Livro X. Na realidade, a declamas;:ao da poesia,concluimos, era muito mais fundamental ao padrao cultural grego do quenormal mente pensariamos. Nao se trata apenas de uma questao deleituras selecionadas feitas em publico ou em particular, nem de festivaisanuais no teatro. Pelo contrario, 0 fato de que a situas;:ao do aprendiz, deurn lado, e a do adulto, do outro, sejam tratadas sem uma distins;:ao clara,implica que a declamas;:ao de poesia era fundamental na recreas;:ao adulta:que as duas situas;:aes, aos olhos de Platao, serviam as mesmas finalidades.Os alunos diante do harpista e 0 publico que assistia, quer a uma recitas;:aoepica, quera uma apresentas;:ao no teatro, partilhavam de uma praticageral e comum.

    Aconduoao evidente disso tudo e que apresentas;:ao significaapresentas;:ao oral. Essas pessoas, jovens ou ve1hos, naoliam habitualmen-te livros nem para instrus;:ao, nem para divertimento. Eles nao assimilavamuma informas;:ao numa escrivaninha nem adquiriam seu conhecimento deHomero e do teatro comprando a lliada ou uma pes;:a e levando-a paraler em casa. 0 testemunho de Platao ja examinado nao nos permite outraconclusao. Alem disso, corrobora-o 0 vocabulario empregado por elequando discute informal e repetidamente a situas;:ao do poeta na suasociedade. Como vimos, quando 0 argumento de peso se inicia no LivroII, constata-se que os poetas ocupam 0 primeiro plano da discussao.Depois de urn intervalo, voltam a ele e saG submetidos a censura doassunto e do estilo, nos Livros II e III. E entao, no Livro V, sua influenciasurge no segundo plano como oposis;:ao a filosofia e no Livro X saoanalisados minuciosamente e condenados. Em todas essas discussaes,reiteradas vezes, presume-se que a relas;:ao entre 0 estudante ou publicoe a poesia seja a de ouvintes, e nao leitores, e a relas;:ao do poeta comseu publico ou seus aficionados seja sempre a de urn recitador e/ou urnator, mas nunca a de urn escritor.1 Os exemplos sao inumeraveis. Pode-secitar urn que, a prop6sito, e notave!. Para iniciar a discussao do Livro X,Platao qualifica como fundamental 0 dano da poesia. Por que? Porque ela"corrOlnpe 0 claro entendimento", mas ele acrescenta "0 claro entendi-mentodos ouvintes", e esse acrescimo, tao desnecessario do nosso pontode vista, evidencia a pressuposis;:ao inconsciente de que ate mesmo ainfluencia intelectual da poesia, negativa como e, e transmitida apenaspela apresentas;:ao oral. 2

    E justo concluiT que a situa,~ao cultural descrita por Platao sejaaquela na qual a comunicas;:ao oral ainda pre domina em todas as relas;:aesimportantes e interas;:aes norniais da vida. Havia livros, e daro, e 0alfabeto era utilizado havia mais de tres seculos, mas a questao e: utilizadopor quantos? E utilizado com que prop6sitos? Ate entao, sua introdus;:aohavia causado pouca modificas;:ao no sistema educacional au na vidaintelectual dos adultos. E dificil aceitar essa conclusao, ainda maissegundo a perspectiva dos eruditos do mundo da escrita. Isso porque elespr6prios trabalham com obras e documentos de referencia e tern conse-quentemente dificuldade em imaginar uma cultura digna desse nome quenao 0 fas;:a.E, de fato, quando se voltam para 0 problema da documen-tas;:aoescrita traem uma tendencia invariavel a impingir tantas compreva-

  • silenciosa havia se completado e que 0 publico culto grego havia setornado uma comunidade de leitores.

    Contudo, para Platao nao e esta a pressuposic;;:ao e nem esta eleinteressado em dar-se conta da possibilidade de mudanc;;:a,e por umarazao fundamental. Uma vez admitido que a situac;;:aooral persistiradurante 0 seculo Y, deparamo-nos com a conclusao de que tambempersistiria 0 que se poderia chamar igualmente de urn estado mental oral;por assim dizer, urn modo de consciencia e, como veremos, urn vocabu-lario e uma sintaxe que nao eram os de uma cultura literaria livresca. Equando se admite esse fato e 0 de que 0 estado mental oral revel aria umadefasagem temporal que permitia sua permanencia numa nova eraquando a tecnologia da comunicac;;:aomudara, compreende-se que aqueleestado mental seja ainda para Platao 0 principal inimigo.

    Mas estamos antecipando 0 que ainda nao se demonstrou. Fac;;:amosem primeiro lugar a pergunta: supondo-se uma organizac;;:aosocial helenicae uma civilizac;;:aonas quais originalmente nao houvera documentac;;:ao eentao, durante tres seculos, uma situac;;:aona qual a documentac;;:aoperma-necera minima, como e conservada a organizac;;:ao dessa civilizac;;:ao?Estamos falando aqui da lei publica e privada do grupo, suas propriedadese suas tradic;;:6es,seu sentido historico e suas habilidades tecnicas.

    A resposta dada na maioria das vezes a esta pergunta, quando efeita, e que a conservac;;:aoe transmissao dos costumes fica a cargo dopensamento inconsciente da comunidade e da troca entre as gerac;;:6es,sem 0 concurso de outro meio.19 Na verdade, a nosso ver, isso nuncaocorre. A "tradic;;:ao",para empregar urn termo adequado, pelo menosnuma cultura que merece 0 nome de civilizada, sempre requer a concre-tizac;;:aoem algum arquetipo verbal. Ela exige algum tipo de enunciadolingUistico, uma expressao efetiva de alcance ostensivamente geral, quetanto descreve quanta reforc;;:a0 padrao de conduta geral, politica eprivada do grupo. Esse padrao fornece 0 vinculo do grupo. Precisatornar-se regular a fim de permitir que 0 grupo funcione como tal edesfrute do que poderfamos chamar de uma consciencia comum e urnconjunto de valores comuns. Para tornar-se e permanecer regular, deveobter uma conservac;;:aoao abrigo dos caprichos habituais dos homens.Alem disso, a conservac;;:aotomara uma forma lingUistica; incluira exem-plos repetidos de procedimento correto e tambem defini

  • Republica como se ela desfrutasse na pratica corrente de urn totalmonopolio sobre a instru~ao c1vica, esta igualmente fazendo uma descri-~ao fiel dos mecanismos educacionais de uma talcultura. 0 conteudolingliistico ou devia ser poetico, ou nao seria nada.

    As respostas a varios outros enigmas tornam-se evidentes quandorefletimo:3acerca daquilo a que correspondem exatamente, numa culturaoral, os mecanismos educacionais. Eles nao podem ser totalmente identi-ficados com escolas e mestres-escola ou com professores, como se estesrepresentassem uma unica fonte de doutrina~ao como numa sociedadealfabetizada. Toda memoriza~a021da tradi~ao poetizada depende da reci-ta~ao constante e reiterada. Nao ha como reportar-se a urn livro oumemoriza-Io. Por conseguinte, a poesia existe e e eficaz como instrumentoeducacional apenas quando e declamada. A apresenta~ao feita por urnharpista para urn aluno constitui apenas uma parte da historia. 0 aluno iracrescer e talvez esquecer. Sua memoria viva deve, a cada vez, ser refor~adapor uma pressao social. Isso e posto em a~ao no contexto adulto quando,na declama~ao privada, a tradi~ao poetica e repetida nas reuni6es a mesade refei~ao, banquetes e rituais familiares, na declama~ao publica no teatroe ~a pra~a do mercado. A recita~ao de pais e de anciaos, a repeti~ao pelascnan~as e adolescentes acrescenta-se as feitas por profissionais - poetas,~apsod~s e atores. A comunidade deve participar de urn esfor~o conjuntomconSClente para conservar viva a tradi~ao, refor~a-Ia na memoria coletivade uma sociedade na qual a memoria coletiva consiste apenas na somadas memorias dos individuos, e estas devem ser continuamente refeitas emtodos os niveis etarios. Por conseguinte, a mimesis de Platao, quandoconfunde a situa~ao do poet:::tcom a do ator e ambas com a do estLldantena classe e do adulto na recrea~ao, e fielaos fatos.

    Em suma, Platao esta descrevendo uma tecnologia integral dapalavra conservada, a qual, desde enta~, deixou de existir na Europa. Eainda nao esgotamos todos os aspectos daquela tecnologia espedfica auma cultura oral. Ainda fica por exarninar a situa~ao pessoal de urn meninoou homem, individualmente, dos quais se exige que decCJn~me tenhamsempre pronta em sua memoria a tradi~ao verbal da qual sua culturadepende. Ele inicialmente a ouve e depois repete e segue repetindo,fazendo acrescimos ao seu repertorio ate os limites da sua capacidademental, que ira naturalmente variar de menino para menino e de homempara homem. Como ira uma tal fa~anha de memoriza~ao ser colocada ao

    alcance nao apenas dos membros bem dotados mas tambem dos medianosdaquele grupo, pois todos devem conservar urn conhecimento minima datradi~ao? A nosso ver, somente pela explora~ao de recurs os psicologicoslatentes e disponiveis na consciencia de cada individuo, mas que atual-mente nao saG mais necessarios. 0 padrao desse mecanismo psicologicosera exarninado mais detalhadamente num capitulo posterior. Porem seucarater pode ser sintetizado se 0 descrevermos como urn estado decompleto envolvimento pessoal e, portanto, de identifica~ao emotiva coma essencia do enunciado poetizado que nos exigem guardar na memoria.Urn estudante moderno julga tef se saido bem quando desvia uma fra~aominima das suas capacidades psiquicas para memorizar urn unico sonetode Shakespeare. Ele nao e mais pregui~oso do que seu correspondentegrego. Simplesmente canaliza sua energia para a leitura de livros e 0aprendizado baseado neles, mediante a utiliza~ao dos seus olhos em vezde seu ouvido. Seu correspondente gregotinha de mobilizar seus recursospsiquicos necessarios para a memoriza~ao de Homero e dos poetas, ou ossuficientes para conseguir 0 efeito educacional necessario. Identificar-secom a declama~ao como faz urn ator com suas falas constituia 0 unicomeio de faze-lo. Entrava-se na posi~ao de Aquiles, identificava-se com seupesar ou sua ira. A pessoa tornava-se 0 proprio Aquiles assim como 0 faziao recitador a quem se ouvia. Trinta anos depois, ela seria capaz de citarautomaticamente a que Aquiles havia dito ou a que a poeta dissera sobreele. Uma capacidade tao grande de memoriza~ao poetica poderia seradquirida somente ao pre~o de total falta de objetividade. 0 alvo de Plataoera, na verdade, urn procedimento educacional e todo urn modo de vida.

    Esta e, pois, a chave mestra da op~ao de Platao relativamente apalavra mimesis22 para descrever a experiencia poerica. Ela se concentrainicialmente nao na atividade criativa do artista, mas em sua capacidadede fazer com que seu publico se identifique quase patologica e semduvida empaticamente com a conteudo do que ele esta dizendo. E, parconseguinte, tambem quando Platao parece confundir os generos epicoe dramatico, 0 que esta dizendo e que qualque~ enunciado poetizadodeve ser planejado e recitado de maneira tal que se transforme numaespecie de drama dentro da alma tanto do recitador quanto, consequen-temente, do publico. Essa ~Eecie ge,dr~~ess~,fE:an~~~3 dl:":Jeviver a~~.e}~E.s:ia,E3,.1E:Ill6fi~,~m~y!:~~,sk,,3,!l

  • Enfim, quando aplicamos essas descobertas a historia da literaturagrega anterior a Platao, tomamos consciencia da proposir;ao de quechama-l a de literatura no nosso sentido e equivocado. Homero representamais ou menos 0 terminG de urn longo perfodo de nao-alfabetizar;ao, noqual a poesia oral grega desenvolveu-se ate a maturidade e na qualapenas os metodos orais estavam disponfveis para a educar;ao do joveme a transmissao dos costumes gmpais. A habilidade alfabetica era acessf-vel a uma minoria ate nao mais do que 700 a.c. Exatamente quem eraessa minoria e passfvel de discussao. 0 drculo dos usuarios do alfabetoampliou-se com 0 passar do tempo, mas 0 que have ria de mais naturaldo que os habitos anteriores de instmr;ao e de comunicar;ao, paralelamen-te as disposir;6es mentais correspondentes persistirem muito tempodepois que 0 alfabeto havia tornado teoricamente possfvel uma culturaalfabetizada? Isso leva a conclusao de que toda a poesia grega, pratica-mente ate a epoca da morte de Eurfpides, nao apenas desfmtava de urnmono polio quase indiscutive1 de comunicar;ao conservada, mas tambemque era composta segundo condir;6es que nunca mais se repetiram naEuropa e que detem alguns dos segredos de seu poder singular. Homeropode, por comodidade, ser considerado como 0 ultimo representante dacomposir;ao puramente oral. Ate mesmo este fato e duvidoso; nao pareceprovave1 que seus poemas nao se tenham beneficiado de alguma reorga-nizar;ao tornada possfvel pela transcrir;io alfabetica. Mas trata-se de umaquestao controvertida que nao afeta 0 ponto de vista geral. E verda de quetodos os sucessores do poeta eram escritores. Porem e igualmenteverda de que eles sempre escreviam com vistas 3 recitar;ao e para ouvintes.Compunham, poderfamos dizer, sob 0 controle do publico. As palavras efrases que formulavam deviam ser passfveis de repetir;ao. Deviam ser"musicais" num sentido funcional, ao qual posteriormente retornaremos.Ademais, 0 conteiido ainda devia ser tradicional. Invenr;ao livre e aprerrogativa de escritores numa cultura livresca.

    Nosso objetivo aqui nao e a crftica literaria, mas as origens daqueleintelectualismo abstrato intitulado pelos gregos "filosofia". E precisocompreender claramente que as obras de genio, compostas dentro datradir;ao semi-oral, embora sejam uma fonte de enorme prazer para 0leitor moderno do grego antigo, constitufam ou representavam umadisposir;ao mental global que nao e a nossa e nem tambem a de Platao;e que, assim como a propria poesia, enquanto ela reinou suprema,constitufa 0 principal obstaculo a concretizar;ao da prosa efetiva, haviaigualmente uma disposir;ao mental a que, por comodidade, rotularemosde disposir;ao mental "poetica", ou "homrica", ou "oral", que constitufao principal obstaculo ao racionalismo cientlfico, ao uso da analise, aclassificar;ao da experiencia, ao seu rearranjo na seqUencia de causa eefeito. Al esta porque a disposir;ao mental poetica constitui para Platao 0arqui-inimigo e e faci! perceber por que ele considerava seu inimigo taopoderoso.23 Ele esUi entrando na arena contra s~culosde exercitar;ao daexperiencia rftmica memorizada. Ele pede aos homens que, em vez disso,analisem essa experiencia e a rearrangem, que pensem sobre 0 quedizem, em vez de apenas dize-lo. E deveriam distanciar-se dela, em vezde identificar-se com ela; eles proprios deveriam tornar-se 0 "sujeito" quepermanece separado do "objeto" e 0 reexamina, analisa e aval:ia, em vezde apenas imita-lo.

    Por conseguinte, a historia da poesia grega e tambem a historia daprimitiva paideia grega. Os poetas fornecem material para 0 currfcul:).Platao concede a lideranr;a em educar;ao sucessivamente a Homero,Hesfodo, aos tragicos, aos sofistas e a si proprio. A luz da hipotese de quea Grecia estava passando da nao-alfabetizar;ao, por meio da alfabetizar;aoprofissional, para a semi-alfabetizar;ao e depois para a alfabetizar;ao total,essa ordem faz sentido. 0 poema epico havia sido par excellence 0ve1culo da palavra conservada durante toda a Era das Trevas. Naquelaepoca, deve ter sido tambem 0 principal ve1culo de instmr;ao. Ate mesmona forma puramente oral 0 poerna epico, auxiliado pela tecnica formular,assumia em parte a aparencia de uma versao autorizada. Uma veztraduzidas para 0 alfabeto, as vers6es mais rigidamente padronizadastornaram-se acessfveis aos objetivos educacionais. A tradir;ao associoualgumas reformas educacionais a era de Solon e urn certo recuo do textohome rico a Pisfstratos. E possfvelligar os do is fatos e conduir que 0 queaconteceu, talvez durante urn longo perfodo, foi uma acomodar;ao das

    Em suma, os sucessores de Homero ainda tinham como certo quesuas obras seriam repetidas e memorizadas. Disso dependia sua fama esua esperanr;a de imortalidade. E, portanto, tambem tinham como certo,embora na maioria das vezes inconscientemente, que 0 que iriam dizerseria adequado a conservar;ao na mem6ria viva do publico. Esse fato tantotestringia sua variedade a pdncipal corrente da tradir;ao grega quantoreforr;ava imensamente 0 que poderia ser chamado de alta circunspecr;aode suas composir;6es.

  • versoes escritas entre si para uso escolar. 0 rapsodo era tambem 0professor. Ele, assim como 0 poeta - e as duas profissoes sobrepunham-se, como mostra a carreira de Tirtaios -, respondia as tradic;:oes daalfabetizac;:ao profissional. Ele pr6prio usava seu texto homerico comouma referenda para corrigir sua mem6ria, mas ensinava-a oralmente apopulac;:ao em geral, que a memorizava, mas nunca Ha. Como 0 poeta,ele tambem permanecia sob 0 controle do publico.

    Mas em Atenas, sob Pisfstratos, deu-se posic;:ao formal e sustenta-c;:aoestatal a urn segundo tipo de composic;:ao oral. As pec;:as de teatroatenienses, compostas de maneira mais pr6xima ao vernaculo original,tornaram-se 0 complemento atico de Homero como urn ve1culo deexperiencia conservada, de ensinamento moral e de mem6ria hist6rica.Elas eram memorizadas, ensinadas, citadas e consultadas. Ia-se vel' umanova pec;:a,mas ela era ao mesmo tempo uma pec;:aantiga cheia de clichesfamiliares rearranjados em novas montagens, com muitos aforismos,proverbios e exemplos prescritivos de como se comportar, e exemplosexortativos de como n:ao se comportar; com contfnuas recapitulac;:oes detrechos de hist6ria clvica e tribal, de mem6rias ancestrais para as quais 0artista exercia 0 papel de v~fculo inconsciente de repetic;:ao e lembranc;:a.As situac;:oes eram sempre tfpicas, nao inventadas; repetiam incessante-mente os precedentes e os jufzos, 0 conhecimento e a sabedoria que acultura helenica havia acumulado e armazenado.

    co ao currfculo. As crianc;:ase os adolescentes atenienses do seculo V, queinclufam as pec;:as teatrais gregas ou excertos delas na sua paideiamemorizada, podiam lanc;:armao de maiores recursos do que 0 que estavadisponlvel naquelas comunidades onde Homero possivelmente manteveurn monop6Ho virtual.

    Mas 0 maior peso do ataque de Platao recai sobre Homero. Eleocupa 0 primeiro plano de sua mente e ja e tempo de voltar a examinara concepc;:ao platonica de Homero, 0 enciclopedista; isto e, par a provaa hip6tese de que esse arquetipo epico da palavra oralmente conservadaera composto como urn compendio de assuntos que deviam ser memo-rizados, da tradic;:aoque devia ser mantida, de uma paideia que devia sertransmitida.

    Platao ocasionalmente identifica Homero como a figura arquetfpicapelo motivo fundamental de que seu poema epico era nao somente 0prot6tipo de toda comunicac;:ao conservada e permanecera como tal; seuconteudo sucinto e apresentac;:ao amplamente difundida propiciavamuma continuidade dentro da qual 0 teatro grego pode ser consideradocomo uma imitac;:aodo contetido e adaptac;:ao do me todo a uma apresen-tac;:ao que, estilisticamente falando, diferia mais em grau do que emespecie, como 0 pr6prio Platao percebeu. A base homerica da tragedia einstitucionaI e fundamental. E uma questao de expansao tecno16gica daelocuc;:ao moldada e conservada, quer recitada e representada pOl' urnrapsodo epico que "faz" ele pr6prio todos os papeis, quer dividida empapeis representados pOl' diferentes recitadores, que se transformavamem atores.24 Podemos apenas acrescentar que, quando isso ocorreu, ainteligencia atica foi capaz de demonstrar sua superioridade sobre adosoutros estados gregos, adicionando seu proprio componente caracterfsti-

    1. POl' isso, a tradu.;;ao que faz Cornford de poietes como "escritor" (Rep. 397c8)e de poiein como "escrito" (598e4) e infeliz.

    2. 595b5-6. Em Rep. 606e4 e Apologia 22b, Platao fala de "tomar" (Cxvcx.A.cqJ.-I3civ1.v) um poeta, presumivelmente nas maos e, pOltanto, implicando aleitura de um manuscrito, mas esses indfcios sao, penso eu, excepcionais noque diz respeito aos primeiros diilogos.

    3. Vel' n.6.

    4. Preferiu-se situar no perfodo entre os seculos X ou IX a.c. a introdu~ao doalfabeto grego, ate que Rhys Carpenter, em 1933, ap6s corrigir algumas"autoridades" anteriores no campo, argumentou que os indfcios hist6ricos eepigraficos (possfvel contato com os fenfcios, compara~ao de formas dasletras, graffiti mais antigos etc.) apontaram irrefutavelmente para uma data:"cerca de 720-700" (p. 23). Ullman objetou a ele em defesa dos tradicionalistasem 1934, censurando-o pOl' ignorar outras "autoridades" (como se a questaopudesse ser resolvida contando-se cabe~as) e apresentou um quadro compa-rativo de caracteres em apoio a opiniao "de que todos os sinais apontam, naopara 0 seculo VIII, mas para 0 XII ou mesmo anteriormente como a epocada introdu~ao do alfabeto na Grecia". Essa conclusao, apesar do pesoatribufdo as opinioes tradicionais, apoiava-se claramente na antigDidadecomprovada das letras fenfcias e numa recusa da ideia de que a cultura gregaprimitiva pudesse tel' permanecido nao-alfabetizada durante tanto tempo.Carpenter, pOl' sua vez, replicou em 1938, demolindo a data~ao mais antiga

  • de uma inscri~ao grega que havia entrado na controversla, porem, maisimportante ainda, analisando os indicios das formas das letras das pr6priastabelas de Ullman e concluindo que "0 perfodo de transmissao do semiticoao grego deve, portanto, estar entre cerca de 825... e 0 seculo VII". 13instrutivo observar como os eruditos reagiram a essa controversia. Lorimer,em 1948, uma vez mais corrigiu (pp. 11-19) a data~ao tradicional das"autoridades" ate Rehm, que, ainda em 1939, postulava a do seculo X (p. 19),e propos, ela propria, desce-Ia ate 780-750, porem ignorou Carpenter, a quemse devia a reabertura da questao toda e que havia fixado os limites geraisdentro dos quais a data~ao del a mesma se sustentava. Alem disso, elaacrescentou que "em nenhum lugar se encontram indicios de que osespecialistas devam ter exarninado as condi~6es nas quais 0 estabelecimentoda data do emprestimo foi feito", embora Carpenter tenha de fato tentadouma reconstru~ao dessas mesmas condi~6es (AlA 37, pp. 20, 28). Em 1950,ela repetiu essa data~ao, mas agora apoiando-a apenas em Ullman e repro-duzindo sua tabela de caracteres, urn procedimento revelador de que 0responsivel pela data~ao corrigida (e agora aceita) foi ignorado em favor daautoridade cuja data~ao havia sido corrigida (e rejeitada). As notas pelas quaisUllman complementou suas tabelas e tambem 0 pr6prio texto de Lorimerignoraram igualmente a recente data~ao do vasa de Dipilon (ver abaixo), daqual se fez depender tanta coisa. Enquanto isso, Albright (1949, p. 196),tomando conhecimento da polemica Cat;=>enter-Ullman, mas novamenteignorando a data~ao corrigida desse vaso, censurou Carpenter por situa-Ia ta~tardee preferiu afirrnar: "na opiniao do autor, sustentada durante muitotempo (grifos meus), 0 alfabeto grego foi tomado emp,estado aos fenicios 01.1em fins do seculo IX, 01.1, mais prov2,velmente, nos infcios do seculo VUI a.c.".o sentido dessa declara~ao ex cathedra, que temos a impressao de estar nofundo baseada na opiniao estabelecida da antiguidade das letras fenicias, eentao reafirmada pelo mesrro autor em 1950 e 1956 (cf. notas 1 e 66 desteultimo artigo) e depois (19513)utilizada por Webster (p. 272) para postular adata 850-750 como "0 mais recente balan~o" da questao. Dunbabin, urn anaantes, havia se pronunciado a favor do mesmo perfodo (p.60), acrescentandoque "a posi~ao extrema de Rhys Carpenter e outros eruditos de que aorigem do alfabeto grego nao e anterior, ou nao muito anterior, a 700 a.C.dificilmente pode ser sustentada". Em 1959, Page (p. 157) reduziu esseslimites, dizendo que 0 fenicio foi adaptado ao grego "nao muito antes, setanto, de meados do seculo VIII", acrescentado em seguida: "a data muitoposterior (grifos meus; a diferen~a minima real e 30 anos) defendida por RhysCarpenter parecer ser agora insustentivel". Ele tambem, more Lorimer,acrescentou: "essa conclusao (isto e, a adQ~ao do fenfcio durante os seculosIX e VIII) sempre me parecera ser decluzida dos pr6prios indicios minuciososapresentados por Ullman". Portanto, uma vel. rnais, enquanto uma data no

    seculo VIII e aceita como provivel, a autoridade preferida e aquela que situouo alfabeto entre 0 XIII e 0 XI. Os motivos pelos quais as datas de Carpenter-720-700 - SaDconsideradas "insustentiveis" (e nao ao menos discutiveis)nao ficam imediatamente claros para urn nao-especialista. Aquele grupo deobjetos ate entao descobertos que constituem os exemplos mais antigos deinscri~ao alfabetica e de cerca de uma dllzia. Eles se distribuem de leste aoeste do mundo mediterraneo (Atenas, Be6cia, Egina, Arg6lia, Rodes, G6rdio,ftaca, Pitecusa, Cumas, Etrliria). Nenhum deles, como parece nas viriasdescri~6es de peritos, pode ser situado segundo um consenso absoluto noseculo VIII. A primeira a ser descoberta continua aser a mais antiga: e 0 vasade Dipilon de Atenas, datado por Young (pp. 225-229) "com base na formado fim do seculo VIII ou urn pouco mais tarde" (e, de qualquer modo, ainscri~ao foi gravada a fogo). Ou a "ta~a de Nestor", que Buchner (Atti dell'Accad. Naz. dei Licei Ser. 8 Vol. 10 (1955), pp. 215-222) desejaria situar noseculo VIII, mas "talvez no ultimo quarto", e quem Ie nas entrelinhas do artigopode perceber que uma d!ata~ao no seculo VII nao esti excluida. 01.1 ainda(estendendo-se do oeste ao leste), hi os exemplos g6rdios, os ultimos aserem encontrados. Acerca deste, Young diz (1960, pp. 385-387) que "sao osexemplos gregos indubitavelmente mais antigos que possufrnos". Exatamenteaonde isso nos leva nao esti claro, mas e cristaliQo que os fundamentosepigrificos do argumento de Carpenter ainda nao foram refutaclos: "Osespecimes subsistentes mais antigos sao do seculo VII ou ate mesmo de finsdo seculo VIII", concluem Cook e Woodhead (175 ss.). As "autoridades" queainda querem recuar a data precisam apoiar-se fortemente na hip6tese"desenvolvimentista" (Page, Lorimer, Dunbabin et al.), isto e, que por tris dequalquer inscri~ao alfabetica susbsi:3tente da Grecia, Magna Grecia ou AsiaMenor necessariamente hi urn periodo de experiencia de cariter imprecisoe de dura~ao incerta ("dura~ao de algumas decadas" - Page, p. 157; Young,loc. cit., sup6e que se urn alfabeto frigio se desenvolveu com base no grego- uma conclusao que nao e clara, infere-se - a ultima deve ter sido formadaantes do seculo VIII para the dar 0 tempo necessirio a sua introdu~ao. Masem seguida ele acrescenta: "quem viaja por terra carregando apenas urnalfabeto viaja leve e rapidamente", 0 que nao parece avan~ar no problema.Esta frase ocorre depois que ele ji havia descrito a comunica~ao a longadistancia entre a Frigia e Cachemira, no fim do seculo VIII, "provavelmenteem plaquetas cuneiforrnes ou de barro"). 0 raciodnio convincente deCarpenter, apontando para a improbabilidade de qualquer perfodo tao longode desenvolvimento (1933, p. 20), foi uma vez mais ignorado, embora 0pr6prio Young enfatize 0 fato de que as vogais, 0 fato essencial na inven~ao,nao variam. A data~ao preferida por Lorimer esti claramente inspirada pelaesperan~a de que os registros mais antigos de vencedores das Olimpfadas (a

  • partir de 776 a.c.) repousem numa velsao alfabetica original ("a data maiselevacla clariamargem a sua utiliza
  • pela evideneia (d. a situa~ao paralela da erudi~ao discutida aeima, n. 4);(b) de que, segundo essa perspectiva, as experiencias atenienses dosseculos V e IV saG tratadas como urn unico fenomeno homogeneo, noqual os dados (simbolizados nos tempos verbais presentes dE'Turner) saGconstantes, de modo que, por exemplo, conclusoes baseadas na men~aode Platao a caligrafia, nas Leis, possam ser transferidas, retroativamente, aera de Pericles, ou que a situa~ao que obrigou ao uso de grava~oes emmarmore, dispendiosas no seculo V, pode ser identificada com aquela quelevou Is6crates a pratica de fazer eircularem suas obras escritas no IV.Todavia, deve-se agradecer a Turner por ter definido 0 objetivo dapesquisa como "0 papel exercido pela palavra escrita na revolu~flo queocorreu na tecnica do pensamento"; ele acrescenta: "durante 0 seculo V".o ponto sustentado por mim e simple>;mente que isso antecipa a data eque, se ela havia realmente acontecido no V, a polemica de Platao naoteria sido necessaria.

    leitor. 0 termo apodexis, no preambulo a Her6doto, certamente imphcadivulga~ao oral (Pearson, Early Ionian historians, p. 8, afJm1a 0 contririo) namaneira epica tradicional, obedecendo aos objetivos epicos defmidos no querestou da frase (pois ate mesmo a ultima ora~ao, introduzindo a aitia,parafraseia a Iliada 1.8). Per contm, a compara

  • memoranda ('leima, n. 7), mas nao "literatura"; d. Os eavaleiros 188 sS.: 0vendedor de salsicha nao tern "talento para a musica, exceto escrita, e coisamuito mesquinha naquele mal treinado", ao que Dem6stenes replica, pareial-mente consolando-o, que 0 baixo padrao certamente constitui uma desvan-tagem, mas a auseneia de musica nao importa: a lideranqa polftica nao estamais nas maos de urn homem "musical" com instintos inadequados; ela setransferiu para urn patife ignorante - onde a marca do ignorante (amatbes)nao e 0 analfabetismo, mas a carencia de musica. Isto e, a situaqaoeducaeional 'linda nao e (424 a.C.) muito diferente daquela implicada nahist6ria de Plutarco (Tem. 3), da replica do "ignorante" Temfstocles a pequenanobreza de sua epoca. Estrepsfades, em As Vluvens Onfeio), urn homemigualmente desconhecedor de "musica", sabe leI' e anotar em seu livro decontas. Os algarismos podem, com efeito, represent'll' na sua mais pura formao uso popular mais antigo a que serviu 0 alfabeto, a saber, os memoranda.A capaeidade de lid'll' com a notaqao numerica simples pode precedeI' a deleI' textos fluentemente, pois ela requer uma organizaqao mental de reconhe-cimento menos corrplexa.

    131114 I3tl3ALov't' xcov exucY'toC; j.lcxv8civEt 'taoe1;tci e abaixo, n. 16.

    14. Cf.os exemplos coletados POl' Denniston, pp. 117-119 (mais particularmenteos de As aves e As l'iis), que deduz que "os livros eram raros 0 bastante paraserem a marca de urn tipo". Minha suposiqao e que os ataques a Euripidescomo urn "poeta livresco" (especialmente As riis 1409: "entre no prato dabalans,:a e leve ... sua coleqao de livros com voce") forneceram 0 pretexto p

  • 20. Os testemunhos que indiretamente corroboram esse fato sao muito abundan-tes (por exemplo, citando a Iliada para fundamentar uma reivindica
  • Her6doto, Tucfdides, Dem6crito, que Else classificaria como "imitac;:aoetica".Para dar alguns exemplos: quando Cleistenes (Herod. 5.67.1), ao atacar aAtica "arremeda" seu avo materno, esta "fazendo algo como ele fazia".Quando traduzimos isso como "seguindo urn exemplo de Cleistenes", pelainsere;:ao do termo em italico, importamos para 0 grego a redU/;:ao abstrataplat6nica desse processo para uma relac;:ao entre original e c6pia. Quando

    Helena diz para Teonoe (Eur. Helena 940) J.llJ..lOU 'tQorcouc; do seu pai, istosignifica "reviver seu comportamento", e nao "imitar suas maneiras". QuandoClitemnestra (El. 1037), referindo-se ao adulterio de seu marido, acrescentaque nesse caso uma esposa deseja "arremedar" seu marido, ela quer dizer"fazer como ele faz" (e, portanto, identificar-se com ele), e ai, se explicamosisso como "justificando seu [dela] adulterio pelo exemplo de Agamemnon,uma vez mais estaremos traduzindo a equac;:ao em termos abstratos. Portanto,dizer que ha urn progresso pre-platonico que se movimenta da imitac;:aovivano estilo da mimica em direc;:ao a uma amplitude mais abstrata e menosmatizada de significado" (Else, p. 82) e distorcer a situac;:ao semantica.Diriamos antes que todo emprego refere-se a urn "comportamento caracteri-zado por empatia", e n:i.oa c6pia ou imitac;:ao abstrata, e em urn numeromuito grande de casos esse cornportamento e fisico, uma questao de fala,gesticulac;:ao, modo de andar, postura, vestimenta e outras coisas semelhan-tes. Alem disso, quando Else atribui urn matiz pejorativo a esses casos (emEsquilo, Arist6fanes e Dem6crito), irLplicando "impostura deliberada", "imi-tac;:aoinadequada" e "0 contraste entre ser e tornar-se", isso parece demasiadocateg6rico: a imitac;:aoatribui-se, segundo a analise plat6nica, aquela posic;:aoinferior, que convinha a epistemologia plat6nica, e e entao lida retroativa-mente, dentro do emprego pre-platonico. Nesta vinculac;:ao, duas frases deDem6crito, ele pr6prio uma fonte adulterada, sao instrutivas: diz 0 frag. 39que "se deve ser ou (urn homem) born ou arremedar 0 born". Se com istoestava se referindo ao contraste entre ser e parecer (Else, p. 83), entao asduas alternativas seriam tratadas como mutuamente exclusivas. De fato, 0apotegma adverte: "ou ser born, ou ao menos fazer 0 que urn homem bornfaz"; 0 frag. 79 acrescenta: "A situac;:ao e difieil se voce arremeda homensmaus, quando nem mesmo deseja arremedar homens bons", no qual 0apotegma define aquela condic;:ao moral urn tanto incorrigivel, na qual "fazercomo 0 mau' einstintivo e ate mesmo a volic;:aocontra ria (para nao falar doato) esta ausente. Por conseguinte, "arremedar", aqui, define urn padrao decomportamento, seja ele born ou mau, por sua correspondencia a algumpadrao "vivo". Deve-se, portanto, concordar com Koller, contra Else, em queo sentido pejorativo de mimesis foi inventado par Platao na Rep. 10 (e noSofista, num contexto modificado, mimesis recupera sua posic;:ao;d. cap. 2,n. 37). A esta conclusao, pode-se acrescentar urn comentario especulativo:

    G6rgias, fiel ao pragmatismo dos sofistas, havia racionalizado os efeitos doilusionismo na tragedia como uma apate arquitetada, que cabe ao artist arealizar e igualmente ao publico submeter-se-lhe (Rosenmeyer, pp. 227, 232).Isso corresponde essencialmente a uma concepc;:ao moderna do ofieio doartista e do esquema mental apropriado com 0 qual urn publico aborda umaobra de arte (cf. Collingwood, que, todavia, rejeletaria a f6rmula comocaracteristica apenas da "arte de entretenimento"). Sem duvida alguma,especialmente 0 segundo desses princfpios, que parece alimentar a "mentirana alma" dos seres humanos, insultou 0 idealismo plat6nico, mas ele naopodia negar os fatos dos quais era deduzido. Portanto, no Livro X da Rep.,ele aceita a racionalizac;:ao gorgiana, mas, ao mesmo tempo, tenta umadescric;:ao mais abrangente da situac;:ao poetic a global, que ele chama demimesis, e que e agora definida e condcnada como apate sistematica, algofrivolo demais para merecer uma inclusao efetiva num curriculo educacional.o sentido de mimesis como "imitac;:aoetica de um original" e construido nocurso de sua polemica e constitui uma criac;:iio inteiramente plat6nica.Concordo em que e totalmente desnecessario inventar uma teoria da mimesispre-platonica apresentada como uma contracorrente a G6rgias (d. Else, n.64, que reconhece uma ligac;:ao entre G6rgias e platao). Ate este ponto,portanto, 0 ernprego anterior justificou a ligac;:?-oestabelecida por Platao entremimesis e identificac;:ao psicol6gica. Hi tambem urn outro matiz inicialigualmente afim a intenc;:ao de Platao, muito embora, a primeira vista, parec;:a,segundo a preconcep

  • "pintura", como em Else,mas um boneco animado)e uma vez em Euripidescomo (c) "figuras bordadas". Sao todos artefatos, produtos de techne (naverdade, chamados de "mimema de DGdalo"no exemplo (b), com 0 qualpodemos camparar 0 unico exemplo de mimesis em Herod.oto,aplicado a umaestitua, 3.37.2).Essesquatm exemplos pre-plat6nicosdemonstram que a nO
  • muHo embora raramente seja analisado sob esse aspecto. Pode-se admitircomo hip6tese que 0 prefacio a Teogonia de Hesfodo, de 103 versos, datede urn perfodo nao posterior ao fim do seculo VII. Ele esta dispostosegundo 0 molde de urn Hino as Musas, comparavel na forma e nasubstancia aos Hinos homericos propria mente ditos. Isto e, a divindade ecelebrada mediante a descri
  • e aos inimigos. Nomos descreveria, como em Hesiodo, a lei universal dotrabalho pesado ou da proibi
  • e ele, entao, da--Ihe inicio com todos as poderes de uma imagina
  • Urn pouco mais tarde, Nestor tenta 0 apaziguamento e se dirige aAquiles, advertindo-o da seguinte maneira:

    o que constitui uma boa defini~ao, conservada no verso eplco, dacondi~ao polltica de Agamemnon na hist6ria dos aqueus. E 0 videntecontinua, manifestando 0 seguinte sentimento:

    Nem tu, filho de Peleus, presumas que podes, assim, antepor-teAo soberano, porque sempre toea por sorte mais honrasAo rei que 0 cetro detem, a quem Zeus conferiu gl6ria imensa.Se es, em verdade, robusto, e uma deusa por mae te enaltece,Agamemnon e bem mais poderoso, porque sobre muitosdomina.13

    Contra os pequenos, se acaso se agasta, e 0 rei sempre excessivo.Pois, muito embora refreie os impulsos da c6lera urn dia,Continuamente revolve no peito 0 rancor contido.16

    o guerreiro que manda" b

    Nos Aqueus todos e a quem os Argivosde grado obedecem ..

    Isso pode ser citado como urn exemplo, quer de nomos, quer deethos, 0 c6digo da lei publica ou 0 padrao do comportamento privado. itassim que os reis devem se comportar; este e urn dos fardos do poder.Urn rei pode julgar ser mais polltico conter sua raiva; e1e pode dar-se atal luxo, contanto que seu oponente seja urn sudito. A observa~aopsicol6gica esta combinada com a observa~ao social; nao ha nenhumamanifesta~ao de urn juizo moral. 0 menestrel esta ~;implesmente relatandoe descrevendo, e isso da a linguagem epic a sua qualidade singularmenteimparcial, elevando-a ao estilo grandioso. Mas seu estilo (~ grandiosoporque 0 discurso poetizado esta vo1tado para a fun~ao de moldura parauma observa~ao "pedag6gica" na forma conservada e permanente.

    Os exemplos acima constituem enunciados da especie de re1acio-namento politico pe10 qual esse tipo de sociedade esperava ser governa-do. Eles saD redigidos numa forma resumida e formular e nao seapresentam sistematicamente, mas apenas quando a hist6ria exige suaintrusao. Constituem uma pequena amostra das centenas de enunciadossemelhantes que ocorrem no desenrolar da lliada e da Odisseia. Sendopolfticos, isto e, circunscritos as re1a~oes legais e sociais entre sereshumanos como tais, sua identifica~ao e relativamente facil. Mas a leipublica abrange muito mais. Na narrativa epica, a organiza~ao humanacontrapoe-se a religiosa. Ambas saD veiculadas em f6rmulas que confe-rem uma qualidade cerimoniosa a tudo que se fazia ou dizia. Porem aorganiza~ao religiosa pode fazer exigencias pr6prias, com as quais podenlentrar em conflito 0 orgulho e a palXao humanos. Os arranjos politicoshumanos devem conformar-se a essas exigencias. mas podem surgirsitua~oes em que as reivindica~oes de urn saD incompativeis com as deoutro. As neces