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"ENTREVISTA" A FERNANDO PESSOA PELOS ALUNOS DO 12º H E 12º I Entrevistador: Temos hoje connosco o grande poeta português Fernando Pessoa. Diga-nos, Sr. Fernando Pessoa, quais são as suas origens? FP: A minha origem situa-se em Lisboa em 13 de junho de 1888. Após a morte do meu pai, deram-se períodos difíceis, visto que um dos meus irmãos também morreu um ano depois. A minha mãe conheceu o cônsul português em Durban, o sr. João Miguel Rosa, e considerou que seria melhor irmos para lá. No início não foi fácil, pois tive de conviver desde cedo com outra língua que não a materna, mas facilmente aprendi. Ainda bem que fui para lá. Aprendi não só uma língua diferente, como uma cultura que me serviu de inspiração para a elaboração das minhas obras. Durban está também no meu coração. Entrevistador: Como se sentiu após a morte do seu pai? FP: Senti-me devastado, como é óbvio, mas mais do que isso, senti que uma parte de mim morreu no dia da morte do meu pai. Gostava muito dele, sempre que ele me vinha à memória sentia uma certa nostalgia e sinto que a morte dele influenciou

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Page 1: Entrevista a Fernando Pessoa

"ENTREVISTA" A FERNANDO PESSOA

PELOS ALUNOS DO 12º H E 12º I

Entrevistador: Temos hoje connosco o grande poeta português

Fernando Pessoa. Diga-nos, Sr. Fernando Pessoa, quais são as

suas origens?

FP: A minha origem situa-se em Lisboa em 13 de junho de 1888.

Após a morte do meu pai, deram-se períodos difíceis, visto que

um dos meus irmãos também morreu um ano depois. A minha

mãe conheceu o cônsul português em Durban, o sr. João Miguel

Rosa, e considerou que seria melhor irmos para lá. No início não

foi fácil, pois tive de conviver desde cedo com outra língua que

não a materna, mas facilmente aprendi. Ainda bem que fui para

lá. Aprendi não só uma língua diferente, como uma cultura que

me serviu de inspiração para a elaboração das minhas obras.

Durban está também no meu coração.

Entrevistador: Como se sentiu após a morte do seu pai?

FP: Senti-me devastado, como é óbvio, mas mais do que isso,

senti que uma parte de mim morreu no dia da morte do meu pai.

Gostava muito dele, sempre que ele me vinha à memória sentia

uma certa nostalgia e sinto que a morte dele influenciou

Page 2: Entrevista a Fernando Pessoa

bastante as minhas escolhas e decisões, até se calhar ditou a

morte do meu verdadeiro sorriso.

Entrevistador: Desde cedo começou a escrever poesia, certo?

FP: Pode-se dizer que mesmo antes de falar, já escrevia e até foi

assim que convenci a minha mãe a levar-me para a África do Sul,

com o meu primeiro poema “À minha querida mamã”. Também

foi nessa altura que criei o meu primeiro heterónimo, Chevalier

de Pas.

Entrevistador: Quando é que regressou a Portugal?

FP: Definitivamente, em 1905. Em Lisboa, vivi em casa da minha

tia Anica. No ano seguinte, ingressei na Faculdade de Letras, mas

nem sequer acabei o 1º ano pois não me identificava com o

curso. Tentei montar uma pequena tipografia com a herança da

avó Dionísia, em 1907.

Entrevistador: O que é que fez depois disso?

FP: Trabalhava como tradutor de correspondência. Aí conheci

Ofélia Queiroz, a minha Ofelinha, a minha Íbis, e em 1912

estreei-me como crítico literário.

Entrevistador: Ofélia Queiroz foi o seu único amor ou manteve as

suas outras paixões escondidas?

FP: A Ofélia foi a minha grande paixão, apesar de não termos

ficado juntos ou termos construído uma vida. Ao longo da minha

Page 3: Entrevista a Fernando Pessoa

vida tive outros casos, mas nada que se comparasse com a

importância que a Ofélia teve na minha vida. Talvez tenha sido

ela que conheceu melhor os meus amigos heterónimos, visto

que falou com eles umas quantas vezes.

Entrevistador: Usou os seus heterónimos para desculpar-se

perante Ofélia e para lhe fazer declarações de amor. Considerava

que os seus heterónimos conseguiam expressar-se melhor?

FP: Não, os meus heterónimos eram como se a minha

personalidade estivesse fragmentada e chegavam a ter

qualidades melhores uns do que outros. Era uma forma

engraçada de escrever em nome de outras pessoas o que eu

próprio pensava.

Entrevistador: Quando é que começou a perceber que tinha

heterónimos?

Eu, no ano de 1914, apercebi-me que tinha outras

personalidades para além de mim e cada heterónimo tem uma

personalidade diferente e independente. Cada heterónimo

escreve por conta própria. O meu primeiro heterónimo foi

Alberto Caeiro, que era um poeta bucólico e escreveu o

Guardador de Rebanhos, tenho também como heterónimo o

Álvaro de Campos, o Ricardo Reis e o Bernardo Soares, meu

semi-heterónimo.

Page 4: Entrevista a Fernando Pessoa

Entrevistador: Por falar nos seus heterónimos, como é que os

distingue?

FP: Alberto Caeiro é aloirado, tem os olhos azuis e é de estatura

média. Gosta bastante da natureza e é muito espontâneo. É o

mestre de todos. Ricardo Reis é moreno e forte, também de

estatura média. Tem um grande medo da velhice e da morte, e

acredita fortemente no carpe diem. Álvaro de Campos é alto e

moreno. Tem uma paixão pelas máquinas e gosta bastante de

ser objetivo.

Entrevistador: De onde lhe vem a inspiração e como escrevia os

seus poemas?

FP: Muitos dos meus poemas foram escritos pelos meus

heterónimos. E como os escrevia? Bem, muitas vezes passava

horas sentado no café Brasileira, no Chiado, a escrever os meus

poemas em todos os pedacinhos de papel que encontrasse e até

mesmo nos guardanapos. Escrevia em qualquer margem que

restasse. Também costumava escrever em casa, em pé,

encostado a uma cómoda. E numa noite de delírio febril, escrevi

trinta e tantos poemas de rajada.

Entrevistador: Frequentava sempre os mesmos sítios e nos dias

de hoje, no restaurante “Martinho da Arcada” tem uma mesa

exclusiva só sua, onde ninguém se senta e é possível visitá-la.

Como se sente com isso?

Page 5: Entrevista a Fernando Pessoa

FP: Sinto-me lisonjeado. É uma honra ter um lugar especial e

saber que ficarei na memória do povo português.

Entrevistador: Foi um dos membros que elaboraram a revista

Orpheu. Como reagiu ao facto dos dois números de revista

lançados esgotarem mas serem alvos de críticas?

FP: Eu e os meus caros amigos criamos a revista "Orpheu". Como

queríamos chocar e inovar, o primeiro número foi um sucesso e

três meses depois o segundo foi lançado, acabou por esgotar.

Voltando à sua pergunta, ninguém gosta de ver o seu trabalho

criticado, como é lógico. Mas saber que esgotou foi um impulso

para querer continuar, apesar do terceiro número nunca ter

chegado a ver a luz do dia, devido a imprevistos, sendo um deles

a morte de um grande amigo meu, Mário de Sá Carneiro. Só em

1980 é que o terceiro número foi publicado.

Entrevistador: Ao longo da sua vida consumiu álcool em excesso,

acha que isso lhe vai trazer consequências?

FP: Sim, sei perfeitamente que morrerei disto e o meu fígado não

será bom nem para fazer experiências. Mas não me arrependo

de nada.

Entrevistador: Sendo um poeta tão marcante na literatura, como

descreve a sua morte?

FP: Como todas as mortes… E mesmo antes dela lancei, em 1934,

o único livro publicado em vida com o meu nome, a

Page 6: Entrevista a Fernando Pessoa

“Mensagem”. A 24 de novembro de 1935 dei entrada no

hospital e acabei por falecer no dia seguinte. Não que me tenha

surpreendido, pois estava de acordo com os meus cálculos

astrológicos, outra paixão minha que levei até ao túmulo.

Por fim, segundo sei, os meus ossos serão trasladados para o

Mosteiro dos Jerónimos em Belém, hum, todos os dias aquele

cheirinho bom a pastéis de Belém!

Entrevistador: Consta-me que foi publicado um livro com

algumas das suas obras após a sua morte. Como é que se sente

com isso?

FP: Acho fantástico que após a minha morte a minha obra tenha

continuado a ser relevante, ao ponto de alguém ter compilado e

publicado um livro. É maravilhoso o facto de que o que escrevi –

tanto eu como o Alberto Caeiro, o Ricardo Reis e o Álvaro de

Campos – seja estudado nas escolas até hoje.

Entrevistador: E o que tem a dizer sobre Lisboa em pleno ano

2014?

FP: (risos) Está interessante. O “Martinho da Arcada” e “A

Brasileira”continuam iguais e eu adorei as homenagens que

ambos me fizeram. Quem gostaria desta Lisboa moderna seria

Álvaro de Campos (risos), enquanto que Alberto Caeiro preferia a

calma do campo e Ricardo Reis aproveitá-la-ia moderadamente!

Page 7: Entrevista a Fernando Pessoa

Entrevistador: Foi um prazer entrevistá-lo. Desejo-lhe uma boa

segunda vida. Para a semana, entrevistamos Luís de Camões.

Entrevistadores:

12º I - Catarina Tavares, Joana Dionísio, Joana Martins, Pedro

Jesus

12º H - Ana Veloso, Henrique Dionísio, Nuno Campos, Sónia

Paulino

Coordenação: Profª Helena Camacho